32
GUSTAVO TEIXEIRA
A São Pedro de Piracicaba.
PAULISTA, nascido na cidade de São Pedro, em março de 1881. Escreveu Ementário, Poemas Líricos, Último Evangelho e outras obras assaz estimadas,
falecendo em 1937.
A São Pedro de Piracicaba
Último instante, derradeira imagem
Nas procissões da sombra em longas filas...
Era a morte, cerrando-me as pupilas
No doloroso termo da romagem.
Graças a Deus, a crença era meu pajem
E buscando-lhe, ansioso, as mãos tranqüilas,
Chorei de gratidão ao pressenti-las,
Conduzindo-me à luz doutra paisagem.
Ó terra de São Pedro, que amo tanto,
Com que angústias te vi, banhado em pranto,
Nos supremos e tristes estertores!...
Trabalha e espera sob os céus risonhos,
Que a morte é vida para os nossos sonhos,
E paraíso para as nossas dores.
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HERMES FONTES
Soneto - Minha vida - Poema da amargura e da esperança.
SERGIPANO, nasceu na Vila de Boquim, em 1888, e suicidou-se no Rio de Janeiro aos 26 de dezembro de 1930. Poeta de grande relevo emocional, deixou
firmada sua personalidade literária, tendo publicado Apoteoses, Gênese, Lâmpada Velada e Fonte da Mata, seu último livro.
Soneto
Sou, o lavrador que fez, rude e bisonho,
A sementeira luminosa e rara
Do trigo louro e rútilo do sonho...
— Sonho lindo que a nada se compara.
Não reparou o labor triste e enfadonho,
Regou, chorando, a terra que lavrara;
E de alma ingênua e coração risonho,
Esperou confiante o sol da seara.
Passados os trabalhos e os tormentos,
Quando aguardava a messe, jubiloso,
Numa grande esperança insatisfeita,
Eis que aparecem os arrasamentos,
E o pobre, desgraçado e desditoso,
Perdeu tudo no instante da colheita.
Minha vida
Não pude compreender o meu destino
Na amargura invencível do passado,
Que amortalhou meu sonho peregrino
Nas trevas de um martírio irrevelado.
Do sofrimento fiz o apostolado,
Como fizera de minha arte um hino,
Procurando o país indevassado
Do ideal luminoso de Aladino.
E fui de vale em vale, serra em serra,
Buscando a imagem fúlgida, incorpórea,
Do que chamamos — a felicidade.
Mas só colhi os frutos maus da Terra,
As promessas pueris da falsa glória,
E o triste engano da celebridade.
Poema da amargura e da esperança
Falar-vos de martírios e tormentos,
É perpetrar amargas redundâncias,
Redizer minhas mágoas, minhas ânsias,
Renovar minhas síncopes de dor...
Não sorvo mais os tóxicos violentos
Do desespero e da melancolia,
Após a derrocada
Das construções de um sonho superior.
Tudo outrora, Senhor,
Na minha pobre vida abandonada,
Era o tédio cruel que me impedia
De vislumbrar a claridade intensa
Da luz do sol puríssimo da crença,
Tudo em volta de mim era a cegueira.
Que torturou a minha vida inteira,
Que me seguiu o espírito ambicioso!
A carne é pobre e é cheia de fraqueza,
Simbolizando o ciclo tenebroso
Das sínteses de dor da Natureza.
E a carne subjugou-me inteiramente,
Fez-me fraco e descrente,
E transformou a minha mocidade
Num montéo de ambições, de fama e glória,
Adormeceu-me aos cantos da vaidade
E me afastou da estrada meritória
Da crença e da bondade...
Misericordiosíssimo Senhor!
De tortura em tortura amargurado,
O meu frágil espírito inferior
Viu-se presa de trevas, no passado,
E a desgraça suprema o amortalhou.
Tudo sofri, de dor e de miséria,
Mas a tua bondade me levou
A esquecer a influência deletéria
Da carne passageira...
Rompeste a minha venda de cegueira
E divisei o excelso panorama
Do Universo infinito, que Te aclama
Como a fonte do amor ilimitado!
Relevaste, meu Deus, o meu pecado
E pude ouvir as harmonias puras
Que equilibram os mundos nas alturas!...
Cheio de amaridúlcida ansiedade,
A esperança o espírito me invade
Aguardando das lágrimas futuras
A minha redenção...
Que a confiança, pois, em Ti me anime,
Que no porvir a dor bela e sublime
Jorre em minhalma a luz da perfeição.
34
IGNÁCIO JOSÉ DE ALVARENGA PEIXOTO
Redivivo.
IGNÁCIO José de Alvarenga Peixoto, um dos malogrados poetas da Conjuração Mineira”, ao qual foi imposta a pena de degredo perpétuo na África, onde
veio a falecer em 1793, “minado pela nostalgia”.
Redivivo
Divina lira,
Musa que inspira
Meu coração
A relembrar...
Celebra, amena,
A vida plena,
A paz sublime,
A luz sem par.
Volta, de novo
Ao grande povo
Que não me canso
De estremecer;
Revela, ainda,
A Pátria linda
Que faz vibrar
Todo o meu ser.
Exalça agora
A nova aurora
Que brilha cheia
De amor cristão.
O mundo em prova
Que se renova
Espera o dia
De redenção.
Une-te ao canto
Formoso e santo
Que flui soberbo,
Sepulcro além...
Lira divina,
Louva a doutrina
Da liberdade
No eterno bem.
Dize a grandeza
Da glória acesa
Na vida excelsa
Que a dor produz,
Proclama à Terra
Que além da guerra
E além da noite
Floresce a luz.
Não mais procures,
Chorando alhures,
Enfraquecer-te
Nas lutas mil.
Canta somente,
Ditosa e crente,
A nova era
Do meu Brasil.
35
JESUS GONÇALVES
Anjo de redenção.
JESUS Gonçalves nasceu em 12 de julho de 1902, na cidade de Borebi, Estado de São Paulo. Surgindo-lhe os sintomas do Mal de Hansen, em 1930,
internou-se num hospital, dai se transferindo para o Asilo Colônia de Pirapitingui, onde desencarnou, em 16 de fevereiro de 1947, e onde dirigia um
Centro Espírita.
Anjo de redenção
Do Céu desceste resplendente e puro
E no santo mistério em que te apagas
Vestiste-me o burel de sânie e chagas
E algemaste-me a lenho estranho e duro.
Nume solar pairando no monturo,
Terno, escondendo as flores com que afagas,
Ouviste-me, em silêncio, o choro e as pragas,
Doce e invisível no caminho escuro!...
Mas, da cruz de feridas que me deste,
Libertaste meu ser à Luz Celeste,
Onde, sublime e fúlgido, flamejas!
E agora brado, enfim, de alma robusta:
— Deus te abençoe, ó Dor piedosa e justa,
Anjo da redenção! bendito sejas!...
36
JOÃO DE DEUS
As lágrimas - O Céu – Morrer - O mau discípulo – Na estrada de Damasco - Parnaso de Além-Túmulo - Angústia materna - Lamentos do órfão - O leproso –
Bondade – Oração - A Fortuna – Oração – Além – Soneto - A Prece – Fraternidade – Lembrai a chama - Eterna mensagem - No Templo da Educação - Na noite
de Natal.
NASCIDO em São Bartolomeu de Messines, Portugal, em 1830, e desencarnado em 1896, afirmou-se um dos maiores líricos da língua portuguesa. É tão bem
conhecido no Brasil quanto em seu belo país. Nestas poesias palpita, de modo inconfundível, a suavidade e o rítmo da sua lira.
As lágrimas
Desci um dia
Ao sorvedouro
Da atra agonia
Da Humanidade,
A procurar,
A perscrutar
Qual a verdade,
Qual o tesouro
O mais profundo,
Que neste mundo
O homem prendesse
E o retivesse.
E vi, então,
No coração
Da criatura,
Só a ilusão
Duma ventura.
E vi senhores
Que dominavam
E se orgulhavam
Do seu poder,
Sempre a abater
Os desgraçados.
Os potentados
Com seus valores
Bem se julgavam
Onipotentes,
Heróis valentes
Cá nesta vida...
Depois, porém,
Reconheceram
E viram bem
Nesta existência
Toda a impotência
Do deus-milhão,
Perante a mão
Da fria dor,
Que lhes domava
E lhes dobrava
O torpe egoísmo.
Busquei os lares,
Ricos solares
Dos protegidos,
Onde o conforto
Para a matéria
Anda em contraste
Com atroz miséria
Dos desvalidos.
E ainda aí
Não pude achar
O que eu ali
Fui procurar.
Eu vi mulheres
Nos seus prazeres,
Jovens e belas,
Alvas estrelas
De formosura,
Rindo e cantando
Dentro da noite
Da desventura.
Pobres donzelas,
Fanadas flores...
Luz sem fulgores,
Que, miseráveis
Párias da vida,
Deixam o teto
Do seu afeto
Maior, supremo,
Insuperável.
Somente encontram
Dores que afrontam,
Mágoa insanável,
Incompreendida!
E penetrei
Pelos castelos
Dourados, belos,
Das diversões,
Onde se aninha
E se amesquinha
A multidão
Que busca rir,
Gozar, sorrir,
A ver se esquece
O que padece,
Julgando crer
Que está a ver
O paraíso.
Mas este riso,
Ao som da festa,
À meia luz,
É o que produz
Todo o amargor,
A maior dor,
Pois eu ali
Tristonho vi
O que em verdade
É a sociedade;
Só pensamentos
Das impurezas,
Só sentimentos
Que trazem presas,
Aniquiladas,
E esmagadas,
Ensandecidas
As criaturas
Outrora puras,
Belas outrora,
No entanto agora
Flores perdidas,
Almas impuras,
Desiludidas!
Nesse recinto
Eu vi, então,
A traição,
A iniqüidade,
A grosseria,
Toda a maldade
Da hipocrisia;
E tudo, enfim,
Tristonho assim,
Dissimulado,
Falsificado
No fingimento
Que aparecia
No barulhento
Rumor de vozes,
Notas atroses,
De uma alegria
Jamais sentida,
Desconhecida
Naquele meio.
Eu contemplei-o
Cheio de horror
E vi que as flores,
As pedrarias
Tão luminosas,
Eram sombrias,
Eram trevosas,
Pois só cobriam
Míseros trapos,
Pobres farrapos
De almas perjuras
Ao seu Criador,
Fracas criaturas
Baldas de amor.
E, condoído,
Desiludido,
Desanimado,
Num forte brado
Disse ao Senhor:
“Onipotente
Pai de Bondade,
Oh tem piedade
Dos filhos teus
Que choram, gemem,
Pálidos tremem
Ó Senhor Deus!
Faze que a luz
Do bom Jesus
Penetre a alma
Na Terra aflita,
Dando-lhe a calma
Que necessita.
Só conheci
E encontrei,
Só contemplei
O mal que vi.”
Mas uma vos
Do azul do Céu,
Pronta e veloz,
Me respondeu:
“Filho bendito
Do meu amor,
Sou teu Senhor,
E no Infinito
Tudo o que fiz,
Nada se perde,
Assim tornando
O ser feliz.
Contempla, ainda,
A Terra linda
E então verás,
Donde provém
A grande paz,
O sumo bem.
O grão tesouro,
Mais fino ouro
Dos filhos meus,
Está na luta,
Nos prantos seus,
Que lhes transforma
A alma poluta
Num ser radioso,
Astro formoso
De pura luz!”
Eu ajoelhei
E Contemplei
As multidões
Atropeladas,
Desenganadas
Nas perdições.
Vi transformadas
Todas as cenas;
Em todos os seres,
Homens, mulheres,
Jovens, crianças,
Nas grandes penas,
Nas esperanças,
Por entre a luz,
Por entre flores,
Brotar a flux
No coração
De cada ser,
Em profusão,
Gotas pequenas
Como as brilhantes
Luzes serenas
Das madrugadas
Primaveris.
Reconheci
Que por aí
Na escura Terra
Onde eu amei,
Sorri, chorei,
Onde sofri
E onde eu vi
A dura guerra,
A amarga dor,
Lágrimas belas,
Gotas singelas,
Meigas, serenas,
Eram açucenas
De fino olor
Do espaço azul!
Depois, eu vi
Que os que as vertiam
Por este mundo,
Vale profundo
De mágoa e dor,
Quando voltavam
Do seu exílio,
Eram saudados
Por mensageiros
De amor e luz
Do bom Jesus,
Que os coroavam
Com gemas finas,
Jóias divinas
Do escrínio santo,
Primor de encanto
Do amor de Deus.
Fui então vendo,
Reconhecendo
Que aqui nos Céus,
Lágrimas lindas
São transformadas,
Remodeladas
Para formarem
Belo diadema
E aureolarem
Os que as verteram
Aí na Terra.
E vi, então,
Em profusão,
Gemas brilhantes,
Alvinitentes,
Ricas, fulgentes
E deslumbrantes,
Que nem Ofir
Pôde possuir.
Sejam benditas,
As pequenitas
Gotas de pranto,
Orvalho santo
Do amor divino
Que dá ventura,
Tranqüilidade,
Felicidade
Ao peregrino.
Bendito o Pai,
O Nosso Deus
Que abranda o ai
Dos filhos seus;
Que a alegria
E a paz envia
À Humanidade
Tão sofredora,
Com a lágrima bela,
Luzente estrela
Consoladora!
O Céu
Pátria ditosa e linda, e onde o mal
Desaparece ao meigo olhar do Amor,
Que entre os seres do Além é sempre igual,
No mesmo anseio santo e superior!
Lá não se vê traição e cada qual
Urde alí sua auréola de esplendor,
Doce Mansão de Paz, imaterial,
Onde impera a bondade do Senhor!
Porto de Salvação para quem crê
Nessa Praia do Azul, que se antevê,
Pelo poder da Fé, na provação;
País dos Céus, aonde o pecador,
Depois de bem sofrer aí a dor,
Vai ali encontrar Consolação.
Morrer
Não mais a dor intensa e desmedida
No momento angustioso de morrer,
Nem o pranto pungente por se ver
Um ser amado em horas da partida!...
A morte é um sono doce; basta crer
Na Paz do Céu, na Terra apetecida,
Para. se achar o Amor, a. Luz e a Vida,
Onde há trégua à tristeza e ao padecer.
Venturosa região do espaço
Além, Onde brilha a Verdade e onde o Bem
É o fanal reluzente que conduz;
Mansão de claridade e pulcritude
Onde os bons, que adoraram a Virtude,
Gozam do afeto extremo de Jesus.
O mau discípulo
Era uma alma
Formosa e bela:
Fúlgida estrela
De puro alvor,
Que habitava
Qual uma flor
O espaço infindo,
Imenso e lindo,
Nessas regiões
Onde há mansões
Purificadas,
Iluminadas
Do Criador.
Porém, um dia,
Disse Jesus
A quem vivia
Em meio à luz:
“Filho querido,
Estremecido,
Dos meus afetos!
Tu necessitas
Buscar a Vida
Em meio às vagas
Das provações!
Dentro das lutas,
Tredas disputas
Do Bem, do Mal,
É que verei
Se o que ensinei
Ao teu valor,
Aproveitaste
E assimilaste
Em benefício
Da lei do amor,
Do sacrifício!...
Tens a fraqueza
Da imperfeição
Aqui, porém,
Já te mostrei
A lei do amor,
Luz do Senhor —
O sumo bem.
Tu lutarás,
Mas vencerás
Se bem souberes
Te conduzir
Nesses caminhos
Entre prazeres,
Risos e flores,
Por entre espinhos,
Mágoas e dores...
E se aprenderes
Saber viver,
Sorrir, sofrer,
Conquistarás
A grande paz,
A grande luz
Que eu, teu Jesus,
Reservarei
E hei de guardar
Para a tua alma,
Ao regressar.
A dor, somente
A luta amara
Lá nos prepara
Para vivermos,
Tranqüilamente,
Nessas moradas
Iluminadas
Do nosso Pai!
Luta e trabalha
Singelamente
Nessa batalha
Que te ofereço,
Pra conquistares
A luz, o amor
Do teu Senhor.
Tu viverás
Entre os brasões
Das ilusões
Da Terra impura;
Conhecerás
Lindas riquezas
Iluminando
E te ensinando
O bom caminho,
A boa estrada
E com carinho
Sempre a mostrar-te
A caridade
Com toda a luz
Que ministrei
Ao teu pensar,
E ora conduz
Teus sentimentos,
Teus pensamentos,
A perfeição
Do coração.
Caminha avante,
Na deslumbrante
Rota do amor!
Espalha o olor
Que já plantei
E fiz brotar,
Que cultivei
Dentro em teu ser.
Sê sempre amigo
Dos sofredores,
Dos que padecem
Sem conhecer
Sequer abrigo
Onde isolar-se,
Onde guardar-se
Das fortes dores
Que acometem
Os sofredores.
Sê a Bondade
Entre a maldade
Dos homens feros,
Ambiciosos,
Frios, austeros,
Pecaminosos.
Se assim fizeres
E procederes,
Sempre cumprindo
Os teus deveres,
Tornar-te-ás
Em verdadeiro
Anjo da paz,
Em mensageiro
Do Deus de amor.
Assim darás
A Humanidade
O testemunho
Da caridade
Do teu Senhor!”
A alma formosa
Então desceu
Para lutar,
A conquistar
Maior ventura,
Rútila e pura
Aqui no Céu.
Então, nasceu
Num lar ditoso,
Régio, faustoso,
Dos venturosos,
Onde a alegria
Reinava, e ria
Constantemente,
Proporcionando
A rica gente
Que o habitava
Os belos gozos,
Lindos, formosos,
Mas irreais,
Desses palácios
Materiais.
Ainda criança,
Era adorado,
Felicitado
Nessa abastança;
Naquele lar,
Rico alcaçar
Dos abastados,
Ele então era
A primavera
Dos áureos sonhos
Dos pais amados!
Assim cresceu,
Belo esplendeu,
Na mocidade.
Ganhou saber
Nobilitante,
A luz brilhante
Dessa ciência
Que, na existência,
Por planetária,
Faz com que a alma
Se torne egoísta
E refratária
A lei de Deus.
Tornou-se esquivo,
Cruel e altivo
A Humanidade
Não praticando
Mas renegando
A caridade.
O que aprendera
No Infinito
E prometera
Ao bom Jesus,
Tudo esquecera
Em detrimento
Do sentimento
Que então trouxera,
Cheio de luz.
Refugiou-se
Na vã Ciência,
Despreocupou-se
Com a consciência.
Na Academia
Dos homens sábios,
Ele esplendeu
No vão saber;
O infeliz ser
Viveu dos lábios,
Seu coração
Jamais viveu!
Foi uma flor,
Mas sem olor;
Fulgiu, brilhou,
Mas renegou
A lei do amor.
E da existência
Da própria alma
Por fim descreu,
A relegar,
Como um ateu,
Filho do Mal,
A imensa luz
Espiritual.
Foi refratário
Ao próprio afeto
Dos pais que o amavam
E idolatravam
Com mór ternura,
Dele esperando
Sua ventura.
Os próprios filhos,
Suaves brilhos
Da nossa vida,
Nossa esperança
Encantadora,
Os desprezou,
Somente amando
Sua ciência
Enganadora.
Só procurou
Brilhar, fulgir;
Nunca buscou,
Assim, cumprir
Sua missão.
Sempre espalhou,
Em profusão,
Suas idéias
Tristonhas, feias,
Do ateísmo
Desventurado.
Nunca estancou
Uma só lágrima;
Nunca pensou
Uma ferida,
Que brota nalma
Desiludida;
Não consolou
O que sofria,
De quem fugia
Sem compaixão!
Enfim, viveu
Só na Ciência,
Nessa existência
Que passa breve!.
O ingrato teve
Mil ocasiões
De praticar
Boas ações
E espalhar
O amor e a luz
Que o bom Jesus
Lhe concedera:
Mas, infeliz,
Jamais o quis.
Porém, um dia,
A Parca fria,
A morte amara,
Cruel, avara
E dolorosa,
O arrebatara
Nessa escabrosa
Escura via,
E o conduziu
Para o Infinito,
Onde, num grito,
Ele acordou
Do seu letargo,
Do sono amargo
Em que viveu.
Ao descerrar
O negro véu
Do esquecimento,
Sentiu seus olhos
Enevoados,
Tristes abrolhos
No pensamento!
Olhou o abismo
Do pessimismo
Em que vivera,
Por onde sempre
Se comprazera.
Sentiu-se, então,
Abandonado,
Amargurado
Na aflição!
Somente, assim,
Dentro da dor,
Lembrou de Deus,
Do seu amor,
A implorar
Da luz dos Céus
Consolação!
Das profundezas
Do coração,
Íntima voz
Disse-lhe então:
“Ó mau discípulo,
Em quem eu pus
Todo o esplendor
Da minha luz,
Do meu amor!
Tu te perdeste
Por teu querer,
Pelo viver
Que demandaste.
Jamais soubeste
Te conduzir,
E assim cumprir
O teu dever.
Por isso, agora,
Minhalma chora
Ao ver que és
Mísero ser.
Tu renegaste
E desprezaste
A inspiração
Do Deus de Amor!
Tua missão
Que era amar
E assim curar
A alheia dor,
Em luz perdida,
Foi convertida
Em fero braço
Esmagador.
O grande amor
— Fraternidade,
Que então devias,
Entre alegrias,
Oferecer
À Humanidade,
O abafaste
Como se fosse
Assaz mesquinho,
Quando só ele
É o caminho
Que nos conduz
À salvação,
À perfeição,
À região
Da pura luz!
Sempre esqueceste
Os teus deveres.
Dos próprios seres
Que te adoravam,
Que mais te amavam,
Foste inimigo,
E até negaste
A existência
Da própria alma,
A consciência!
Constantemente,
Continuamente,
Foste um ingrato
E eu te julgara
Um lutador
Intimorato...”
Calou-se a voz.
E o pranto atroz
Jorrou, então,
Do coração
Do miserável,
Ser execrável
Que não soubera
E nem quisera
Compreender
O seu dever.
Entre lamentos
E dissabores,
Padecimentos,
Frios horrores,
Ele chorou
E lamentou,
Por muitos anos,
Seus desenganos
Na senda triste,
Fatal, amara,
Que assim trilhara
Na perdição.
Envergonhado,
Espezinhado
Na sua queda,
Correu sozinho
O mundo inteiro,
Qual caminheiro
A quem negassem
Um só carinho.
Perambulou
Qual Aasvero,
Sofreu, clamou,
Supliciado;
E, muitas vezes,
O seu olhar,
Amargurado,
Triste pousou
Sobre o lugar
Onde pecou.
A pobre mão
Sempre estendeu
Pedindo o pão,
Pedindo luz,
A lamentar
A sua cruz!
Jamais alguém
Quis escutá-lo;
O mesmo bem
Que ele fizera,
Assim lhe era
Retribuido...
E o pobre Espírito
Desiludido,
Desanimado,
Desamparado,
Só encontrava
Consolação
Nas lágrimas tristes
Que derramava
Em profusão.
Até que um dia
Em que sofria,
Mais padecia
A dor feroz,
Cruel e atroz,
A alma triste
E solitária,
Experimentada,
Extenuada
No atro sofrer,
Cheia de unção
Por entre prantos,
Formosos, santos,
Disse ao Senhor
Numa oração:
“Ó Mestre Amado,
Sei que hei pecado
E transgredido
As tuas leis,
Tendo comigo
A tua luz,
Ó bom Jesus!
E mesmo assim,
Eu me perdi
Por meu querer,
Pois não cumpri
O meu dever!...
Fui a grilheta
Da impiedade,
Pobre calceta
Da iniqüidade.
Mas tu que és bom,
Tão justo e santo,
Sabes do pranto
Das minhas dores,
No meu viver
Sem luz, sem flores,
E hás de acolher
Minha oração
Cheia de fé!...
Dá-me o acúleo
Da expiação,
Para que seja
Exterminado
O meu orgulho.
Oh! dá-me agora
A nova aurora
De uma existência
De provação.
Quero sofrer
Dura pobreza,
Sempre viver
Na singeleza.
O meu desejo
É só voltar
À Terra impura
Onde eu pequei,
Para ofertar
À criatura
O grande amor
Que lhe neguei.
Não quero ter
Nem um só dia
Dessa alegria
Que desfrutei,
Mas só trazer
No coração
Todo o amargor
Da privação.
Não quero ver
O dealbar
De uma esperança;
O próprio lar,
Onde se encontra
Maior ventura,
Não quero ter;
Nunca, jamais,
Hei conhecer
O que é sorrir!
Quero existir
Desconhecido,
Incompreendido
Em minha dor;
Então serei
Ramo perdido,
Árido e seco
Pelo vergel
Enflorescido.
Conhecerei
A dor cruel
Que nos retalha
O coração.
Nessa batalha
Que empreenderei,
Quero ganhar
E conquistar
A luz, o pão,
O agasalho,
Com meu trabalho.
Eu só almejo
Compreensão
Para mostrar
O teu perdão,
Claro e sublime
Para o meu crime,
Ó bom Jesus,
Ó Mestre Amado!
Eu lutarei
E chorarei
Nas rijas dores
Mais inclementes,
Nos turbilhões
Incandescentes
Das amarguras,
Cruéis e duras
Das aflições.
Agora eu vejo
Que na existência
A grã ciência
Só é grandiosa,
Só é formosa,
Quando aliada
Da caridade,
O puro amor.
Quero com ardor
Bem conquistar
A perfeição!
Serei, portanto,
Neste planeta,
Como a violeta
Sob a folhagem...
Viver somente
Pela voxagem
Das desventuras.
Quero sofrer
Com humildade,
E sempre ter
Em mim bondade,
Feliz dulçor
Da caridade!...”
E o Mestre Amado,
Compadecido
Do pobre Espírito
Dilacerado,
Enfim, perdido,
Deu-lhe o perdão,
A permissão
Para voltar
A antiga arena —Luta terrena,
Oferecendo-lhe
Ocasião
Para tornar-se
Mais venturoso
E sempre digno
Do seu perdão.
Seja bendito,
Pelo infinito
Desenrolar
E perpassar
De toda a idade,
O bom Jesus,
Que, com sua luz
E terno amor,
Escuta a prece
De quem padece,
Fazendo assim
Desabrochar
O dealbar
Das alvoradas
Iluminadas
De muitas vidas,
Belas, queridas,
Para lutarmos
E nos tornarmos
Dignos do Amor
Inigualável,
Incomparável,
Do Criador!
Na estrada de Damasco
Num certo dia
A Ambição,
De parceria
Com o Orgulho,
Chamou o homem
Jatancioso,
Rude e cioso
Do seu poder
E vão saber,
E assim lhe disse:
“Homem, tu és
Senhor potente,
Grande e valente
Aqui no mundo;
E se quiseres
Tornar-te um rei
Da imensa grei
Da Criação,
É só viveres
A procurar
Mais dominar
Os elementos
A transudar
Nos sentimentos.
Maior coragem
Para ganhares
Sempre vantagem
No teu viver,
E conquistares
Sempre o poder
Dos triunfantes.
Aos semelhantes
Em vez de amá-los
Tais como irmãos,
Faze-os vassalos
No teu reinado,
Glorificado
De grão-senhor!”
E o pecador,
Ser imperfeito
Se achasse embora,
A seu agrado,
Bem satisfeito,
Foi sem demora
Então chamado
Por um juiz
De retidão,
Que é a Consciência,
Nesta existência
De provação,
Que então lhe diz:
“Mas, e o bom Deus
Que está nos Céus,
Que tudo vê,
Sabendo assim
Quanto a tua alma
Dele descrê?
Ele é o teu Pai,
O Criador,
O Deus de amor.
E o bom Jesus,
Nosso Senhor,
Mestre da luz,
O Filho amado
Que à Terra veio,
A este mundo
Ingrato e feio
A redimir,
E assim banir
O teu pecado?
Ele te amou
E te ensinou
Que ao teu irmão
Tu deves dar,
Nunca negar
A tua mão;
E espalhar
Somente amor,
A relegar
Toda a maldade,
Para que um dia
Te fosse dado
Reconhecer,
Com alegria,
O solo amado
Do eldorado
Dos belos sonhos,
Lindos, risonhos,
Do teu viver.
Assim, procura
Melhor ventura
Em só buscar,
Acompanhar,
Seguir Jesus
Em sua dor,
Em seu amor,
Em sua cruz!”
Mas, o tal homem
Tão orgulhoso,
Que já se achava
Bem poderoso,
Achou estranho
Esse conselho:
Rigor tamanho
Não poderia;
Isso seria
Obedecer
E se humilhar;
E ele havia
Aqui nascido
Só para ser
Obedecido,
Tendo o poder
Pra dominar.
Assim, buscou
E perguntou
Aos companheiros
Eles, então,
Lhe responderam
No mais profundo
Do coração:
— “Esse conselho
É muito velho!
Deus é irrisão.
E o tal Jesus,
Com sua cruz
E seu calvário
Somente foi
Um visionário.
Enquanto ele
Só te oferece
Amargas dores.
Desolações,
Tristes agruras,
Cruéis espinhos,
Nós concedemos
Ao teu valor
De grão-senhor
Sublimes flores,
Lindos brasões,
Grandes venturas
Nesses caminhos
Quem mais souber
Gozar e rir,
Mais saberá
O que é existir.
A vida aqui
Só é formosa
Para quem goza;
E pois, assim,
Vale o gozar
Constantemente,
Pois vindo a Parca
Bem de repente,
Há de levar
Esse teu sonho
De amar, sofrer,
Ao caos medonho
Do mais não-ser;
Porque a morte
Tão renegada,
Essa é apenas
O frio nada.
O louco amor
Do teu Jesus,
Exprime a dor
E não a luz.”
E assim, quando
O homem fraco
E miserando
Mais se exaltou
E se jatou,
Onipotente,
Chegou a Dor
Humildemente,
A lapidária,
A eterna obreira,
A mensageira
Da perfeição,
Nessa oficina
Grande e divina
Da Criação;
Fê-lo abatido
E desolado,
Até enojado
Do corpo seu:
Apodreceu
O seu tesouro.
E o homem-rei
Reconheceu
Que o paraíso
Dos sãos prazeres
Vive nas luzes
Só da virtude,
No cumprimento
Dos seus deveres,
Na humildade,
Na caridade,
Na mansuetude,
Na submissão
Do coração
Ao sofrimento,
Quando aprouver
Ao Deus de Amor
Oferecer
Rude amargor
Ao nosso ser.
Depois, então,
De mui sofrer
E padecer
Na expiação,
Reconheceu
A nulidade,
A fatuidade
Da vil matéria!
Na atroz miséria
Dessa agonia,
Só procurou
Buscar se via
Os seus mentores
Enganadores,
Altivos filhos
Da veleidade.
Só encontrou
O juiz reto,
O Magistrado
Incorrutível
Da consciência,
E que, num brado
Indescritível,
Em conseqüência,
Lhe fez com ardor
Ao coração
Ermo de afeto,
Ermo de amor,
A mais tremenda
Acusação!
É o que acontece
Em toda a idade,
Com a maioria
Da Humanidade;
Pois sempre esquece
Os seus deveres
E se submerge
Nos vãos prazeres.
Para a alegria
Fatal converge
O seu viver,
Para o enganoso,
Efêmero gozo
Do material,
A esquecer
Tudo o que seja
Espiritual.
Feliz de quem
Aí procura
Maior ventura
No sumo bem;
Porque verá,
Contemplará
Todo o esplendor.
A eterna luz,
Do eterno amor
Do bom Jesus.
Parnaso de Além-Túmulo
Além do túmulo o Espírito inda canta
Seus ideais de paz, de amor e luz,
No ditoso país onde Jesus
Impera com bondade sacrossanta.
Nessas mansões, a lira se levanta
Glorificando o Amor que em Deus transluz,
Para o Bem exalçar, que nos conduz
A divina alegria, pura. e santa.
Dessa Castélia eterna da Harmonia
Transborda a luz excelsa da Poesia,
Que a Terra toda inunda de esplendor.
Hinos das esperanças espargidos
Sobre os homens, tornando-os mais unidos,
Na ascensão para o Belo e para o Amor.
Angústia materna
“Ó Lua branca, suave e triste,
- A Mãe pedia, fitando o céu —
Dize-me, Lua, se acaso viste
Nos firmamentos o filho meu.
A Morte ingrata, fria e impiedosa,
Deixou vazio meu doce lar,
Deixou minhalma triste e chorosa,
Roubou-me o sonho — deu-me o penar.
Se tu soubesses, Lua serena,
Como era grácil, que encantador
Meu anjo belo como a açucena,
Cheio de vida, cheio de amor!...”
Disse-lhe a Lua — “Eu sei do encanto,
Dum filho amado que a gente tem;
E das ausências conheço o pranto,
Oh! se o conheço, conheço-o bem!...
— “Então, responde-me sem demora,
Continuava, sempre a chorar:
Em qual estrela cheia de aurora
Foi o meu anjo se agasalhar?.. .“
— “Mas não o avistas — responde-lhe ela —
Naquela estrela que tremeluz?
Abre teus olhos... É bem aquela
Que anda cantando no céu de luz.”
E a Mãe aflita, martirizada,
Fitou a estrela que lhe sorriu,
Sentiu-lhe os raios, extasiada,
E dos seus cantos, feliz, ouviu:
— “Ilha pacífica, da esperança,
Sou eu no mar do éter infindo;
Do sofrimento mato a lembrança
E abro o futuro, ditoso e lindo.
Do Senhor tenho doce trabalho,
Missão que é toda só de alegrias:
Flores reparto cheias de orvalho,
Flores que afastam as agonias.”
— “Quase te odeio, luz de alvorada,
Ó linda estrela que adorna o céu,
Gritou-lhe a pobre desconsolada,
Porque tu guardas o filho meu.”
— “Se tu me odeias, se me detestas,
Contudo eu te amo e pergunto: quem
Não tem saudades das minhas festas?
O teu anjinho teve-as também.
Em mim a noite não tem guarida,
Aqui terminam os dissabores;
Aqui em tudo floresce a vida,
Vida risonha, cheia de flores!...”
A mãe saudosa, banhada em pranto,
Notou de logo seu filho lindo,
Todo vestido dum brilho santo,
Num belo raio de luz, sorrindo...
Disse-lhe o filho — “Tive deveras
Muita saudade, mãezinha amada,
Senti a falta das primaveras,
Senti a falta desta alvorada!...
Não resisti... Tanta era a saudade!
Voltei do exílio, fugi da dor,
Aqui é tudo felicidade,
Paz e ventura, carícia e amor!
Ó mãe, perdoa, se mais não pude
Ficar contigo na escuridão,
A Terra amarga, tristonha e rude,
Envenenava meu coração.
Aqui, na estrela, também há fontes,
Jardins e luzes e fantasias,
Sóis rebrilhando nos horizontes,
Sonhos, castelos e melodias.
Daqui te vejo, daqui eu velo
Pelo sossego dos dias teus;
Faço-te um ninho ditoso e belo,
Muito pertinho do amor de Deus!...“
Aí os olhos da desditosa
Nada mais viram do Eterno Lar.
Viu-se mais calma, menos saudosa,
E, estranhamente, pôs-se a chorar...
Lamentos do órfão
Minha mãezinha, alguém me disse,
Que tu te foste, triste sem mim;
Já não me embala tua meiguice,
E não podias partir assim.
Eu acredito que tenhas ido
Pedir a Deus, que possui a luz,
Que de mim faça, do teu querido,
Um dos seus anjos, outro Jesus.
Mas tanto tempo faz que partiste,
Que me fugiste sem me levar,
Que sofro e choro, saudoso e triste,
Sem esperanças de te encontrar.
Há quantos dias que te procuro,
Que te procuro chamando em vão!...
Tudo é silêncio tristonho e escuro,
Tudo é saudade no coração.
Outros meninos alegres vejo,
Numa alegria terna e louçã,
Que exclamam rindo dentro dum beijo:
“Como eu te adoro, minha mamã!”
Sinto um anseio sublime e santo,
De nos meus braços, mãe, te beijar;
E abraço o espaço, beijo o meu pranto,
Somente a mágoa vem-me afagar.
Inquiro o vento: — “Quando verei
Minha mãezinha boa e querida?”
E o vento triste diz-me: — “Não sei! ...
Só noutra vida, só noutra vida!...”
Pergunto à fonte, pergunto à ave,
Quando regressas dos Céus supremos,
E me respondem em voz suave:
“Nós não sabemos! nós não sabemos!...”
Pergunto à flor que engalana a aurora,
Quando é que voltas desse país,
E ela retruca, consoladora:
“Depois da morte serás feliz.”
E digo ao sino na tarde calma:
“Onde está ela, meu doce bem?”
Ele responde, grave, à minhalma:
“Além na luz! Na luz do Além!.. .“
O mar e a noite me crucificam,
Multiplicando meus pobres ais,
Cheios de angústias, ambos replicam:
“Tua mãezinha não volta mais.”
Somente a nuvem, quando eu imploro,
Diz-me que vens e diz que te vê;
E me conforta, do céu, se eu choro:
“Eu vou chamá-la para você.”
Sempre te espero, mas, ai! não voltas,
Nem para dar-me consolação;
Ó mãe querida, que mágoas soltas
Andam cortando meu coração.
Tanta saudade, e, no entretanto,
Vejo-te linda nos sonhos meus;
Ajoelhada, banhada em pranto,
E de mãos postas aos pés de Deus.
Sempre a meus olhos, estás bonita
Qual uma rosa, como um jasmim!
Porém conheço que estás aflita,
Com o pensamento junto de mim.
Então, entrego-me ao meu desejo,
Tremo de anseio, calo, sorrio,
Sentindo o anélito do teu beijo...
Mas abro os olhos no ar vazio!
Vai-se-me o sonho... Quanta amargura,
Que sinto esparsa pelo caminho!
Que mágoa eterna! que desventura,
Para quem segue triste e sozinho.
Volta depressa! guardo-te flores,
Porque só vivo pensando em ti:
Celebraremos nossos amores,
Junto da fonte que canta e ri.
Já não suporto tantos cansaços!...
Se não voltares, pede a Jesus
Que te conceda pôr-me em teus braços,
Foge comigo para outra luz!...
O leproso
Dizia o pobre leproso:
Senhor! Não tenho mais vida.
Sou uma pútrida ferida
Sobre o mundo desditoso!
Mas o anjo da esperança
Responde-lhe com brandura:
— Meu filho, espera a ventura
Com fé, com perseverança.
Se teu corpo é lama e pus
Em meio dos sofrimentos,
Tua alma é réstea de luz
Dos eternos firmamentos.
Bondade
Vê-se a miséria desditosa
Perambulando numa praça;
Sob o seu manto de desgraça
Clama o infortúnio abrasador.
Eis que a Fortuna se lhe esconde;
E passa o gozo, muito ao largo;
E ela chora, ao gosto amargo,
O seu destino, a sua dor.
Mas eis que alguém a reconforta:
É a bondade. Abre-lhe a porta;
E a fada, à luz dessa manhã,
Diz-lhe, a sorrir: — Tens frio e fome?
Pouco te importe qual meu nome,
Chega-te a mim: sou tua irmã.
Oração
A Ti, Senhor,
Meu coração
Imerso em dor
Aflito vem,
Pedindo a luz,
Pedindo o bem
E a salvação.
Pedir a quem,
Senão a Ti,
Cuja bondade
Me sorri
E me conduz
A imensidade
Da perfeição?
És a piedade
Divina e pura
Que à criatura
Dá luz e pão.
Sou eu, somente,
O impenitente
Na expiação.
Em Ti, portanto,
Confio e espero,
De Ti eu quero
Me aproximar!
Consolo santo,
Para o meu pranto
Venho implorar.
Bem sei, Senhor,
Se sofro e choro,
Se me demoro
No padecer,
É porque andei
Longe do Amor,
No meu viver.
O Amor é a lei,
Que me ensinaste
E que deixaste
Aos irmãos teus!
Pra que eu pudesse,
Ditosamente,
Buscar os Céus.
Assim, contente,
Cheio de unção,
Elevo a prece
Do coração,
A Ti, Senhor,
Rogando amor,
Paz e perdão!
A Fortuna
Anda a Fortuna por uma praça,
Fala à Ventura com riso irmão,
E mais adiante topa a Desgraça,
E altiva e rude lhe esconde a mão.
Vaidosa e bela, dá preferência
Ao torpe egoísmo acomodatício,
E entre as virtudes, na existência,
Escolhe sempre flores do vício.
E assim prossegue na desmarcada
Carreira louca do vão prazer,
Como perdida, e já sepultada,
No esquecimento do próprio ser.
Depois, cansada e já comovida,
Quando só pede luz e amor,
Acorre a Morte por dar-lhe a Vida,
E vem a Vida por dar-lhe a Dor.
Oração
Vós que sois a mãe bondosa
De todos os desvalidos
Deste vale de gemidos.
Mãe piedosa!...
Sublime estrela que brilha
No céu da paz, da bonança,
Do céu de toda a esperança —
Maravilha!
Maria! — consolação
Dos pobres, dos desgraçados,
Dos corações desolados
Na aflição,
Compadecei-vos, Senhora,
De tão grandes sofrimentos,
Deste mundo de tormentos,
Que apavora.
Livrai-nos do abismo tredo
Dos males, dos amargores,
Protegei os pecadores
No degredo.
Estendei o vosso manto
De bondade e de ternura,
Sobre tanta desventura,
Tanto pranto!
Concedei-nos vosso amor,
A vossa misericórdia,
Dai paz a toda discórdia,
Trégua à dor!...
Vós que sois Mãe carinhosa
Dos fracos, dos oprimidos
Deste vale de gemidos,
Mãe bondosa!
Oração:
Pai de Amor e Caridade,
Que sois a terna demência
E de todas as criaturas
Carinhosa Providência!
Que os homens todos vos amem,
Que vos possam compreender,
Pois tendo ouvidos não ouvem,
E vendo não querem ver.
Além
Além da sepultura, a nova aurora
Luminosa e divina se levanta;
Lá palpita a beleza onde a alma canta,
A luz do amor que vibra e revigora.
Ó corações que a lágrima devora,
Prisioneiros da dor que fere e espanta,
Tende na vossa fé a bíblia santa,
E em vossa luta o bem de cada hora.
Além da morte, a vida tumultua,
O trabalho divino continua...
Vida e morte — exultai ao bendizê-las!
Esperai nos tormentos mais profundos,
Que a este mundo sucedem-se outros mundos,
E às estrelas sucedem-se as estrelas!
Soneto
Como outrora, entre ovelhas desgarradas,
O coração tocado de agonias,
O Mestre chora como Jeremias,
Vendo o mundo nas lutas condenadas.
Sempre a miséria e a dor nos vossos dias!
Sempre a treva nas míseras estradas...
Preces infindas e desesperadas,
Do caminho de lágrimas sombrias...
Dois milênios contando o grande ensino
Do Amor, o luminoso bem divino,
Sobre as desolações do mundo velho...
Mas, em todos os tempos é a vaidade
No egoísmo da triste Humanidade,
Demorando as vitórias do Evangelho.
A Prece
O Senhor da Verdade e da Clemência
Concedeu-nos a fonte cristalina
Da prece, água do amor, pura e divina,
Que suaviza os rigores da existência.
Toda oração é a doce quinta-essência
Da esperança ditosa e peregrina,
Filha da crença que nos ilumina
Os mais tristes refolhos da consciência.
Feliz o coração que espera e ora,
Sabendo contemplar a eterna aurora
Do Além, pela oração profunda e imensa.
Enquanto o mundo anseia, estranho e aflito,
A prece alcança as bênçãos do Infinito,
Nos caminhos translúcidos da Crença.
Fraternidade
Fraternidade é árvore bendita,
Cujas flores e ramos de esperança
Buscam a luz eterna que se agita,
Rumo ao país ditoso da bonança.
É a fonte cristalina em que descansa
A alma humana fraca, errante e aflita;
É a luminosa bem-aventurança
Da mensagem de Deus, pura e infinita!...
Vós que chorais ao coro das procelas,
Vinde, irmãos! Desdobrai as vossas velas!...
Não vos sufoque o horror da tempestade
Fraternidade é o derradeiro porto,
A terra da união e do conforto,
Que habitaremos na Imortalidade.
Lembrai a chama
Vós que buscais além da sepultura
A resposta de luz da Eternidade,
Nunca olvideis a Excelsa Claridade,
Que reside convosco em noite escura.
Somos todos a Grande Humanidade,
Em direção à Fonte Eterna e Pura,
Somos em toda parte a criatura
Buscando os dons supremos da Verdade.
Tendes convosco a Chama Adormecida...
Rogamos acendais a Luz da Vida,
Já que buscais mais crença junto a nós!
Se quiserdes brilhar nos Outros Planos,
Ó torturados corações humanos,
Deixai que o Cristo nasça dentro em vós.
Eterna mensagem
Ainda e sempre o Evangelho do Senhor
É a mensagem eterna da Verdade,
Senda de paz e de felicidade,
Na luz das luzes do Consolador.
Nos caminhos da lágrima e da dor,
Ante os desfiladeiros da impiedade,
Não sabe o coração da Humanidade
Beber dessa água límpida do Amor.
Mas os túmulos falam pela estrada,
Em toda parte fulge uma alvorada
Que ao roteiro dos Céus nos reconduz;
O Evangelho, na luz do Espiritismo,
É a escada de Jacob vencendo o abismo,
Trazendo ao mundo o verbo de Jesus.
No Templo da Educação
Distribuía o Mestre os dons divinos
Da luz do seu Espírito sem jaça,
E exclama, enquanto a turba observa e passa;
— “Deixai virem a mim os pequeninos!...”
É que na alma sincera dos meninos
Há uma luz de ternura, amor e graça,
De que o Senhor da Paz quer que se faça
O sol da nova estrada dos destinos.
Vós, que tendes a fé que ama e consola,
Fazei do vosso lar a grande escola
De justiça, de amor e de humildade!
As conquistas morais são toda a glória
Que a alma busca na vida transitória,
Pelos caminhos da imortalidade.
Na noite de Natal
— “Minha mãe, por que Jesus,
Cheio de amor e grandeza,
Preferiu nascer no mundo
Nos caminhos da pobreza?
Por que não veio até nós,
Entre flores e alegrias,
Num berço todo enfeitado
De sedas e pedrarias?”
— “Acredito, meu filhinho,
Que o Mestre da Caridade
Mostrou, em tudo e por tudo,
A luminosa humildade!...
As vezes, penso também
Nos trabalhos deste mundo,
Que a Manjedoura revela
Ensino bem mais profundo!”
E a pobre mãe de olhos fixos
Na luz do céu que sorria,
Concluiu com sentimento,
Em terna melancolia:
— “Por certo, Jesus ficou
Nas palhas, sem proteção,
Por não lhe abrirmos na Terra
As portas do coração.”
37
JOSÉ DO PATROCÍNIO
Nova Abolição.
JOSÉ do Patrocínio nasceu em Campos, Estado do Rio de Janeiro, aos 9 de outubro de 1853. E desencarnou a 29 de janeiro de 1905. Farmacêutico,
jornalista, romancista, poeta, impetuoso político e grande orador, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Foi uma das figuras máximas na
campanha abolicionista, e todo o seu pensamento convergia para o bem da Humanidade.
Nova Abolição
Prossegue a escravidão implacável e crua...
Não mais senzala hostil, escura e desumana.
A incompreensão do amor, no entanto, continua
Em domínio cruel de que a treva se ufana.
Mas a luz do Senhor não teme, nem recua,
Na ansiedade e na dor, sublime, se engalana,
E, das graças do templo aos sarcasmos da rua,
Erige a liberdade augusta e soberana...
Irmãos do meu Brasil, encantado e divino,
Do Amazonas ao Prata ergue-se a Deus um hino
Que exalça no Evangelho a grandeza de um povo!
Fustiguemos o mal, combatendo a descrença,
Descortinando, além da noite que se adensa,
A alvorada feliz de um mundo livre e novo.
38
JOSÉ DURO
Aos homens – Soneto.
POETA português, nasceu em 1875 e desencarnou em 1899. Musa amargurada, deixou um livro — Fel — que apareceu poucos dias antes da sua morte e foi
prefaciado por Forjaz de Sampaio. Henrique Perdigão classifica-o como o “Cantor da Tristeza”.
Aos homens
Volta ao pó dos mortais, homem que vens, depressa,
A chave procurar do enigma que encerra
A paragem da morte, o mais além da Terra,
Onde o sonho termina e a vida recomeça.
Volve ao sono cruel da tua carne obscura,
Amassa com o teu pranto o pão de cada dia,
Vai com o teu padecer sobre a estrada sombria,
Para depois ouvir a voz da sepultura.
Tomé, coloca as mãos na tua própria chaga,
Perambula na dor da tua noite aziaga,
Porque a treva e o sofrer sempre hão de acompanhar-te!
Reconhece o quanto és ignorante ainda.
A vida é vibração ilimitada, infinda,
E o seu grande mistério existe em toda parte...
Soneto
Pouco tempo sofri na Terra ingrata e dura
Onde o mal prolifera, onde perece o amor,
Entre a sufocação de um sonho superior
E a esperança na morte, a triste senda escura.
Até que um dia a morte amiga e benfazeja
Apodreceu meu corpo em sua mão gelada,
E minhalma elevou-se à rutilante estrada
Onde o Espírito encontra a paz que tanto almeja.
Algum tempo eu sofri, ao pé do corpo imundo,
Escravizado ao pranto, agrilhoado ao mundo,
Prisioneiro da mágoa, amortalhado em dor!
Mas depois a oração libertou-me da pena,
E pude, então, voar para a mansão serena,
Onde fulgura o sol do verdadeiro amor.
39
JOSÉ SILVÉRIO HORTA
Oração.
Oração
Pai Nosso, que estás nos Céus,
Na luz dos sóis infinitos,
Pai de todos os aflitos
Deste mundo de escarcéus.
Santificado, Senhor,
Seja o teu nome sublime,
Que em todo o Universo exprime
Concórdia, ternura e amor.
Venha ao nosso coração
O teu reino de bondade,
De paz e de claridade
Na estrada da redenção.
Cumpra-se o teu mandamento
Que não vacila e nem erra,
Nos Céus, como em toda a Terra
De luta e de sofrimento.
Evita-nos todo o mal,
Dá-nos o pão no caminho,
Feito na luz, no carinho
Do pão espiritual.
Perdoa-nos, meu Senhor,
Os débitos tenebrosos,
De passados escabrosos,
De iniqüidade e de dor.
Auxilia-nos, também,
Nos sentimentos cristãos,
A amar nossos irmãos
Que vivem longe do bem.
Com a proteção de Jesus,
Livra a nossa alma. do erro,
Sobre o mundo de desterro,
Distante da vossa luz.
Que a nossa ideal igreja
Seja o altar da Caridade,
Onde se faça a vontade
Do vosso amor... Assim seja.
40
JÚLIO DINIZ
O Esposo da Pobreza – Poesia - Aves e anjos.
POETA português, nascido em 1839 e desencarnado na cidade do Porto, em 1871. Com este pseudônimo, pois que o seu nome é Joaquim Guilherme Gomes
Coelho, notabilizou-se mais como romancista, principalmente com As Pupilas do Senhor Reitor. A edição póstuma de Poesias exaltou, di-lo um comentador,
as suas qualidades primaciais de prosador, sem embargo de possuírem os seus versos um certo encanto melancólico.
O Esposo da Pobreza
Francisco de Assis, um dia,
Assim que deixara a orgia
No castelo,
Entregou-se à Natureza,
A uma vida de aspereza
Num canto doce e singelo.
Abandonara a vaidade,
Buscando a paz da humildade,
A santa luz da harmonia;
E nas horas de repouso,
Francisco em estranho gozo
A voz de Jesus ouvia:
— “Filho meu, faze-te esposo
Da pobreza desvalida,
Emprega toda a tua vida
Na doce faina do bem.
Francisco, ouve, ninguém
Vai aos Céus sem a bondade,
Que é a grande felicidade
De todos os corações.
Esquece as imperfeições! ...
Vai, conforta os desgraçados,
Sedentos e esfomeados,
Flagelados pela dor.
Quem alivia e consola,
Recebe também a esmola
Das luzes do meu amor!”
Francisco chorava e ria,
E em divinal alegria
Via os lírios e os jasmins,
Que não fiam, que não tecem,
Com roupagens que parecem
Vestidos de Serafins;
As aves que não trabalham
E no entanto se agasalham,
Nos celeiros da fartura,
Saltando de galho em galho,
Buscando a graça do orvalho,
Bênção do Céu, doce e pura.
Via a terra enverdecida
Exaltando a força e a vida,
A seiva misteriosa
No seio dos vegetais,
E a ânsia cariciosa
Das almas dos animais.
E sobretudo, inda via,
A sacrossanta harmonia
Do coração sofredor,
Que não tendo amor nem luz,
Tem tesouros de esplendor
No terno amor de Jesus.
Francisco de Assis, então,
Submerso o coração
Em sublimes alegrias,
Entregou-se às harmonias
Vibrantes da Natureza,
Tornou-se o amparo da dor
E guiado pelo amor
Fez-se o Esposo da Pobreza...
Poesia
Poesia da Natureza
Embalsamada de olores,
Ornamentada de flores
Que os meus encantos resume;
Poema de singeleza
Esplendente e delicada,
Como raios de alvorada
Cheia de luz e perfume!
Suavidade e doçura
Das rosas, das margaridas,
Das lindas sebes floridas
Nos dias primaveris:
Radiosidade e frescura,
Fragrâncias, amenidade,
Aromas, alacridade
Dos cenários pastoris!
As cotovias cantando,
As ovelhinhas balindo,
As criancinhas sorrindo
Na alegria das manhãs;
Jovens felizes amando
Entre arroubos de ternura,
Caridosa ventura
No abril das almas irmãs.
Belezas de canto agreste
Nas urzes da Terra escura,
Tão cheia de desventura;
Entretanto, imaginai
A Natureza celeste
Longe da Terra sombria,
Na glória do Eterno Dia
Do reino de Nosso Pai.
Ó Terra, quanto eu quisera
Unir-te toda à poesia,
À mesma santa harmonia
Que te prende à luz dos Céus,
Nessa mesma primavera
Dos rutilantes espaços,
Em que me sinto nos braços
Do amor sagrado de Deus.
Aves e anjos
Passarinhos... passarinhos...
Aconchegados nos ninhos,
Lares de amor doce e brando,
Pequeninos trovadores
Entre as árvores e as flores,
Cantando...
Cantando...
Crianças, anjos suaves,
Mimosas quais bandos de aves
Cortando um céu claro e lindo,
Açucenas perfumadas,
Com as pétalas orvalhadas,
Sorrindo....
Sorrindo...
Hino terno de esperanças
Das aves e das crianças,
Vai-se com a luz misturando,
Tecendo as horas serenas
Das alegrias terrenas,
Sorrindo...
Cantando...
41
JUVENAL GALENO
Pobres – Sextilhas - De cá.
NASCIDO em Fortaleza e desencarnado na mesma cidade, em 1931, com 95 anos de idade. É um vulto literário inconfundível no cenáculo do seu tempo,
impondo-se justamente pela naturalidade e espontaneidade do seu estro. Chamaram-lhe — “Béranger brasileiro”. Sua musa foi elogiada por Castilho, José
de Alencar, Machado de Assis, Silvio Romero, etc.
Pobres
Mal clareia o Sol a serra,
Toca a vida a despertar:
O pobre se pôs há muito,
Sem descanso, a labutar.
Ao levantar-se da cama,
Inda é espessa a escuridão,
A fome lhe bate à porta,
Persegue-lhe a precisão.
Ao acordar, ele escuta
O coração a gritar:
“Quem não trabuca não come,
Já chega de repousar!”
Busca, então, o seu trabalho,
Tudo ajeita, tudo faz,
Rasga a terra, corta os matos,
Luta e sua, não tem paz.
Planta o milho, planta a cana,
Batatas, couves, feijão;
Três quartas partes de tudo
Pertencem ao seu patrão.
Quando a semente germina
E os ramos querem crescer,
Vem a seca sem piedade
E o pobre espera chover.
Não vem a chuva, porém;
Nada existe no paiol,
As plantas já se amarelam,
Arde a terra, queima o Sol.
Quando o pobre vai à mesa,
O estômago pede mais,
Mas se quer repetições,
Que cuide dos mandiocais.
Redobra o pobre os serviços,
Espalha o pé nos gerais,
Ah! que a água já está pouca
Nos rios, nos seringais.
Contudo, ele espera sempre
Do Deus que o ama, que o vê,
E sempre resignado,
O pobre nunca descrê.
O certo é que ao fim do tempo
De constante batalhar,
Aguarda a minguada espiga
Que decerto há de ficar.
Plenamente contentado
Com o pouco do seu suor,
Deus lhe dará no outro ano
Uma colheita melhor.
Se geme, se sofre dor,
Não possui um só real
Pra consultar um doutor.
Então, resolve pedir
Ao patrão que sempre o tem,
Mas o patrão avarento
Não adianta vintém.
Arrasta-se e vai ao médico
E lhe expõe o seu sofrer:
“Não tem recomendações?
Então não posso atender.”
O pobre, humilde e paciente,
Regressa para o seu lar,
E pensa nos outros meios
Da saúde lhe voltar.
E põe em prática os meios:
As beberagens, o chá,
As promessas aos seus santos,
Os vinhos de jatobá.
Ai! que sorte rude e amarga
Do pobre sempre a sofrer:
Se vive para o trabalho,
Trabalha para comer.
Se a morte vem ao seu ninho
E lhe rouba o filho, os pais,
Não lhes pode dar a missa,
Que o padre cobra demais.
Dá-lhes porém seu tesouro,
Sublime estrela que brilha
Da mais rica devoção —
A prece que nasce dalma,
Que fulge no coração.
Mesmo assim, quanta tortura,
Que amargosa a sua dor!
A todo o instante da vida
Luta o pobre sofredor.
Se tem pão não tem saúde,
Se tem saúde, não tem
Quem o ampare, quem o ajude,
O braço amigo de alguém.
Se outrem lhe ofende e ele pede
Da Justiça a punição,
A Justiça o encarcera
Com a sua reprovação.
Não tem casas de morada,
Nem terrenos, nem ovil;
Se lhe falta o pão do dia
Falta azeite no candil.
Se bate à porta do rico,
Mormente dum rico mau,
Os cães o tocam da porta,
E em vez de pão, ganha pau.
O pobre só tem na vida
A doce mão de Jesus,
Que o cura na enfermidade,
Que na treva lhe dá luz.
Mal do pobre se não fora.
O carinho dessa mão,
Que o conforta na desgraça
E ampara na provação.
Mal dele se não houvesse
A vida depois da dor,
Após a morte, onde existem
Justiça, ventura, amor.
Sextilhas
Quando a morte chega em casa,
A casa faz alarido,
Parece até que se arrasa
Sob as chamas de um incêndio;
O povo está reunido
Quando a morte chega em casa.
Ela vem buscar alguém,
De quem precisa por certo;
Não se importa com ninguém
Que chore ou que se lastime,
Esteja distante ou perto,
Ela vem buscar alguém.
A morte não quer saber
Se é preto como urubu,
Se aquele que vai morrer
É branco qual uma garça,
Se tem pratas no baú,
A morte não quer saber.
Não lhe pergunta qual é
A sua religião,
Se Sancho, Pedro ou José
É o seu nome de batismo,
Nem a sua profissão
Não lhe pergunta qual é.
Não quer saber se ele tem
Uma candeia com luz,
Se pratica o mal ou o bem,
Se tem mais fé com o demônio
Do que mesmo com Jesuz,
Não quer saber se ele tem.
Nem procura examinar
Se tem filhos ou mulher;
Se esse alguém vai-se casar,
Se tem pai e se tem mãe,
Nada disso a morte quer,
Nem procura examinar.
Para a morte não existe
Anéis de grau de doutor,
Nem homem alegre ou triste,
Nem mulher bonita ou feia,
Saúde, beleza e dor,
Para a morte não existe.
Para o pobre, para o rico
Nunca tem contemplação;
Como o corvo bate o bico
Por cima de um peixe podre,
Ela vem de supetão
Para o pobre, para o rico...
O cristão ou o pecador
Ela conduz sem ruído,
Não perde tempo em clamor,
Em atenções e conversas,
Leva sem tempo perdido
O cristão ou o pecador.
O que segue vai com unção,
Rogando com fervor terno
Ao santo da devoção
Que o afaste do diabo
E dos horrores do inferno,
O que segue vai com unção.
Mas ele mesmo é quem faz
Os prantos ou gozos seus;
Na tempestade ou na paz,
Essa questão de ficar
Com Satanás ou com Deus,
É ele mesmo quem faz.
De cá
Que amargo era o meu destino!...
Tristezas no coração,
Tateando dificilmente
No meio da escuridão...
Viver na Terra e somente
Remando contra a maré,
Com receio de ir ao fundo...
Nem tão boa coisa é.
Esta vida de sofrer
Trinta dias cada mês,
Entremeados de prantos,
Há quem estime? Talvez...
Mas para mim que só fui,
Galeno sem nó, galé,
Tantas dores em conjunto,
Nem tão boa coisa é.
Sentir as disparidades
Das vidas cheias de dor,
O mal sufocando o mundo,
Marchando com destemor:
Ver o rico andar de coche
E o pobre correndo a pé,
Tantas misérias sentir...
Nem tão boa coisa é.
O pranto ferve na Terra,
Salta aqui, salta acolá,
Nas guerras de toda parte,
Nas secas do Ceará;
Meus irmãos de Fortaleza,
Do Crato, do Canindé,
Ver uns rindo e outros chorando,
Nem tão boa coisa é.
Ah! morrer e ainda sentir
Saudades da escravidão,
Da carne, do desconforto,
Da treva, da ingratidão...
Não é possível porque,
Pobre filho da ralé,
Casar-se com a desventura
Nem tão boa coisa é.
Mas falar demais agora,
Já não é próprio de mim,
Não vou gastar minha cera
Com tanto defunto ruim;
Patetice é ensinar
Verdade aos homens sem fé.
Jogar pérolas a tolos,
Nem tão boa coisa é.
42
LEÔNCIO CORREIA
Saudade.
LEÔNCIO Correia nasceu em 1865, no Estado do Paraná, e desencarnou no Rio de Janeiro, em junho de 1950. Professor e poeta, deixou inúmeras obras.
Saudade
Ante o brilho da vida renascente
Depois da névoa estranha, densa e fria,
Surgem constelações do Novo Dia
Muito longe da Terra descontente.
Mundos celestes, reinos de alegria
E impérios da beleza resplendente
Cantam no Espaço, jubilosamente,
Ao compasso do Amor e da Harmonia...
Mas, ai! pobre de mim!... Ante a grandeza
Da glória excelsa eternamente acesa
Volvo à sombra letal do abismo fundo!
E, esmagado de angústia e de carinho,
Choro de amor, revendo o velho ninho
E as aves ternas que deixei no mundo!...
43
LUCINDO FILHO
Sem sombras.
NASCIDO em Minas Gerais a 16 de agosto de 1847 e falecido em Vassouras a 10 de junho de 1896. Médico, jornalista, compositor musicista e tradutor
renomado. Latinista de prol, conta em sua bibliografia Poemetos, Virgilianas, Flores Exóticas, etc.
Sem sombras (*)
Junto ao sepulcro onde a saudade chora
E onde o sonho das lágrimas termina,
Abre-se a porta da mansão divina
Entalhada em reflexos de aurora.
Não mais a noite; vive em tudo, agora,
A beleza profunda e peregrina,
Envolvida na luz esmeraldina
Da esperança que vibra e resplendora.
Sem as sombras das lutas desumanas,
A alma vitoriosa entoa hosanas,
Ébria de paz e de imortalidade.
Não lamenteis quem parta ao fim do dia,
Que a sepultura em cinza escura e fria
É a nova porta para a eternidade.
(*) Vide nota 3 no fim do volume.
44
LUIZ GUIMARÃES JÚNIOR
Soneto – Voltando.
POETA brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 17 de fevereiro de 1845, e desencarnado em Lisboa com 53 anos de idade. Foi jornalista, comediógrafo e
diplomata. Entre suas obras, Carimbos, Noturnos, Lírica, etc., sobressai Sonetos e Rimas, que ainda hoje se lê com encanto. Foi membro da Academia
Brasileira de Letras.
Soneto
Na escuridão dos anos procelosos,
Da velhice nos dias mal vividos,
Eu quisera voltar aos tempos idos
Da juventude, aos tempos bonançosos.
Mal podia julgar que inda outros gozos
Mais sublimes que aqueles já fruídos,
Nas esteiras de prantos esquecidos,
Acharia nos céus maravilhosos.
Pairar no Além!... volver ao lar primeiro,
Ressurgido em perene mocidade,
Clarão de paz ao pobre caminheiro!
No limiar das amplidões da Altura
Penetrei, vislumbrando a Imensidade,
Soluçando empolgado de ventura.
Voltando
Após a longa e frígida nortada
Da existência no mundo de invernia,
Busquei contente a paz que me sorria
No fim da áspera senda palmilhada.
Voltei. Nova era a vida, nova a estrada
Que minhalma extasiada percorria;
Divinal era a luz que resplendia,
Em revérberos lindos de alvorada.
De volta, e os mesmos seres que me haviam
Ofertado na Terra amores santos,
Envoltos em ternuras e em carinhos,
Novamente no Além me ofereciam
Lenitivo às agruras dos meus prantos,
Nas carícias risonhas dos caminhos.
45
LUIZ MURAT
Além ainda.
FLUMINENSE, nascido a 4 de maio de 1861 e desencarnado na cidade do Rio de Janeiro, em 1929. Bacharel em Direito, membro da Academia Brasileira de
Letras. Poeta de grande e viva inspiração, conta em seu acervo bibliográfico Ondas (3 volumes), Sara (poema), e vasta colaboração na Imprensa.
Além ainda...
Caminheiro que vais ao fim do dia
Demandando o crepúsculo das dores,
Não te percas na lágrima sombria
Da tormenta de anseios e amargores!
Além da sepultura principia
O caminho dos sonhos redentores,
Na alvorada perene da harmonia,
Aureolada de eternos resplendores.
Desolado viajor, ergue teus olhos!
Não te prendas somente ao chão tristonho,
Guarda a esperança carinhosa e linda!
Vence a longa jornada dos abrolhos,
Que o país luminoso do teu sonho
Fica ao alto... distante... além ainda...
46
LUIZ PISTARINI
No estranho portal.
LUIZ Pistarini nasceu em Resende, Estado do Rio, à rua dos Voluntários, e faleceu, aos 41 anos de idade, naquela mesma cidade, no começo do ano de
1918. Publicou dois livros, de poesias: Bandolim e Sombrinhas e Postais, deixando, inédito, um terceiro: Agonias e Ressurreição. Fundou e dirigiu a
revista A Crisálida e o jornal O Domingo. Residiu durante algum tempo na Capital Federal, onde colaborou em vários jornais. Foi um atormentado pelas
enfermidades.
No estranho portal
No último instante, a lágrima dorida
Resume as ânsias da existência inteira,
E a saudade é a tristonha mensageira
Que engrinalda de angústia a despedida.
A antevisão do fim de toda a vida
Obscurece a tela derradeira
E a noite escura se distende à beira
Da suprema esperança desvalida.
Um golpe... Um sonho... e excelsa clarinada
Anuncia outra vida renovada,
Brilhando além da lápide sombria.
Apagou-se a candeia transitória
E a verdade refulge envolta em gloria,
Aos clarões imortais do Novo Dia.
47
MARTA
Nunca te isoles – Unidade - No Templo da Morte – Jesus - Lembra-te do Céu - Ao pé do altar - Mãe das mães.
ESTE Espírito não pôde ou não quis identificar-se. Aqui o incluímos, porém, de justiça, atenta a magnitude do seu estro.
Nunca te isoles
Nunca te isoles entre os mananciais da vida;
A vida é o eterno bem que nos foi dado,
Para que o multiplicássemos indefinidamente...
E a alma que se abandona,
Ao sofrimento ou ao bem-estar,
É um deserto sem oásis,
Onde outras almas sentem fome e sede.
Multiplicar a vida
É amar sem restrições
A flor, a ave, os corações,
Tudo o que nos rodeia.
Atenuar a dor alheia,
Sorrir aos infelizes,
Bendizer o caminho que nos leva
Da treva para luz;
Agradecer a Deus, que é Pai bondoso,
O firmamento, o luar, as alvoradas,
Ler a sua epopéia feita de astros,
Ter a bondade ingênua das crianças,
Tecer o fio eterno da esperança
Por onde se sobe ao Céu;
Dar sorrisos, dar luzes, dar carícias,
Dar tudo quanto temos,
Tudo isto é amar multiplicando a vida,
Que se estende infinita no Infinito.
Dar a lição de paciência se sofremos,
Dar um pouco de gozo se gozamos,
É guardarmos a semente
Da Vida
Em leivas verdejantes,
E a qual há de nos dar
Sombras amigas para descansarmos,
Indumentos de flores perfumosas
E frutos aos milhares,
Para nutrir as nossas alegrias
Nos jardins estelares...
Unidade
Todos nós somos irmãos,
Porque os nossos espíritos
São unos na essência...
Todos nós somos fragmentos
Da mesma luz gloriosa e eterna
Da sabedoria inescrutável
Do Criador,
Cujas mãos magnânimas e misericordiosas
Espalharam com abundância
Nas vastidões imensuráveis do éter,
Infinitas e esplendorosas,
Terras e almas,
As quais no divino equilíbrio do Amor
Buscam a perfeição indefinida.
Todos nós somos irmãos,
Porque nutrimos indistintamente
A mesma aspiração do Belo e do Perfeito,
O mesmo sonho,
A mesma dor na luta
A prol da redenção.
Espiritualmente,
Somos filhos de um só Pai,
Somos as frondes que se interpenetram
De uma só árvore genealógica,
Cuja raiz insondável
Está no coração augusto de Deus,
O qual, por uma disposição inexplicável,
Encerra em si
Todos os mundos,
Todas as almas
Todos os seres da Criação!
Fazei, pois, da Terra
O caminho comum da vossa salvação,
Porqüanto, mais além
Das fronteiras planetárias,
Vivereis dentro de sagrados coletivismos,
Sem egoísmos,
Na suprema unidade
De aspiração para a felicidade.
No Templo da Morte
O templo da morte tem portas incontáveis,
Como incontáveis são as almas humanas,
E infinitos seus estados de consciência.
Pela porta escura do remorso,
Um dia penetrou os seus umbrais
Uma alma que regressava da Terra.
Lá dentro,
Em nome do Senhor de todos os latifúndios do Universo,
Pontificava o Anjo da Justiça.
“Anjo Bom! — disse-lhe a alma súplice —
Eu tenho a minhalma coberta de feridas cancerosas!
Cura-me as chagas purulentas do remorso...
Tenho os meus olhos vendados
E uma treva incomensurável na consciência!
Apaga os meus atrozes padeceres!.. .“
“Filha — respondeu compassivo —,
Para sanar tão estranhas feridas,
Tão amargos pesares,
Só há um recurso:
Volta à Terra!
Lá existe o Regato das Lágrimas,
Banha-te nas suas águas cristalinas;
Elas serão o teu bálsamo consolador
E curarão a tua cegueira...
Estás na escuridão absoluta
Pela ausência da luz, do bem na tua alma!
Mas o Anjo da Dor irá contigo;
Ele há de te guiar através das sirtes do mar encapelado dos sofrimentos,
E te conduzirá ao lugar bendito onde existem as lágrimas salvadoras!...”
E a pobre regressou...
Conduzida pela Dor,
Banhou-se na água lustral dos tormentos,
Submergiu-se no regato encantado, de cuja fonte límpida promana a Salvação.
E depois de haver percorrido
Tão tortuosos caminhos,
Inçados de perigos
E de dores amargas,
Reconheceu o luminoso Anjo da Dor...
E nos seus braços magnânimos e compassivos,
Penetrou no templo misterioso da morte
Pela porta maravilhosa da Redenção.
Jesus
Jesus foi na Terra
A mais perfeita encarnação do Amor Divino.
E ainda hoje,
Nos dias amargurados que transcorrem,
É para a Humanidade
A promessa da Paz,
O manto protetor
Que abriga os aflitos e os infelizes,
O pão que sacia os esfomeados das verdades eternas,
A fonte que desaltera todos os sofredores.
Apegai-vos a Ele, cheios de confiança!
Ele é a misericórdia personificada,
O Jardineiro Bendito
Que jorra no coração
Dos transviados do caminho do Bem,
As sementes do arrependimento
Que hão de florir na Regeneração
E frutificar na perfeita felicidade espiritual.
Ouvi a sua voz
No silêncio da consciência que vos fala
Do cumprimento austero
De todos os deveres cristãos!
E um dia
Descansareis reunidos,
Ligados pelos liames inquebrantáveis
Da fraternidade além da morte,
A sombra da árvore luminosa
Das boas ações que praticastes,
Longe das lágrimas
Do orbe obscuro,
Dos prantos e das provações remissoras!...
Lembra-te do Céu
És uma estrela caída
Sobre os pauis da Terra...
Acima de todas as coisas transitórias,
Que se desfazem como as neblinas aos beijos leves do Sol,
És alma em ascensão para Deus.
A tua inteligência e o teu sentimento
São fulcros de luz imperecível,
Que constituem os atributos maravilhosos da tua imortalidade.
Por que te abates e desanimas sob os aguilhões da carne perecível?
Contempla o Alto,
Se a fraqueza te envolve em seus tentáculos.
E sentirás uma carícia branda,
Misteriosa, doce, suave,
Que promana
Do empíreo constelado
Para todas as almas que oram,
Que sonham e choram,
Buscando Deus,
— A bússola das suas mais caras esperanças!
Quando sofreres,
Busca aspirar esse aroma divino
E tua alma sofredora
Sentir-se-á envolta na beleza,
No eflúvio peregrino
Que mana fartamente
Dos espaços imensos!...
Na amargura e na dor,
Lembra esse dia que te espera
Na indefinível primavera
Gloriosa de amor.
Ao pé do altar
Eu vivia no Claustro,
Na sombra silenciosa dos mosteiros.
Mas um dia,
Quando as penitências mortificavam
O meu corpo alquebrado e dolorido
E a oração
Era o conforto do meu coração,
Disse-me alguém:
“Minha filha,
Juraste fidelidade só a Deus,
Mas se entrevês os Céus
E as suas maravilhas,
Se tens a Fé mais pura,
A Esperança mais linda,
Não te esqueças que a Caridade,
O anjo que nos abre as portas da Ventura,
Não permanece
No recanto das sombras, do repouso;
Se ama a prece e a pureza,
Não faz longas e inúteis orações:
Ela é a serva de Deus
E as suas preces fervorosas
São feitas com as suas mãos carinhosas,
Que pensam no coração da Humanidade
Todas as chagas abertas
Pelo egoísmo...
Está sempre em meio às tentações
Para vencê-las,
Esmagá-las com o Bem,
Destruí-las com Amor.
A solidão da cela é um crime;
Não te retires, pois, do mundo.
Darás a Deus, sem reserva, a tua alma
Amando o próximo,
Que contigo é seu filho dileto.
Será um hino constante subindo aos Céus;
Sê a mãe desvelada,
A irmã consoladora,
A companheira terna
De todos aqueles que te rodeiam
Na estrada longa dos destinos comuns;
Sê a abnegação e a bondade serena,
E a tua Fé
Será um hino constante subindo aos Céus;
A tua esperança em Deus
Será dilatada,
Para que vislumbres as felicidades celestes
Que esperam os justos na Mansão da Alegria...
Meu corpo não resistiu
Aos cilícios que o martirizavam
E minhalma tomada de emoção
Abandonou-o, brandamente,
Atraída pela Verdade,
Desprezando o repouso e a soledade,
Sonhando com a luz do trabalho
Em outras vidas benfazejas;
Porque a verdadeira paz de espírito
É conquistada
No seio das lutas mais acerbas,
Dos mais rudes pesares.
E só a dor que nos crucia
Ou a dor que consolamos,
— Somente a Dor em sua essência pura
Nos desvia da amarga desventura,
Purificando os nossos corações
Na conquista das altas perfeições.
Mãe das mães
Maria
É a Mãe piedosa
De todas as mães resignadas e sofredoras.
É a consolação
Que se derrama puríssima
Sobre os prantos maternos,
Vertidos na corola imensa das dores;
É o manto resplandecente
Que agasalha os corações das mães piedosas,
Amarguradas e infelizes,
Que orvalham com lágrimas benditas
As flores do seu amor desvelado,
Espezinhadas pelo sofrimento,
Fustigadas pelo furacão da desgraça, atropeladas pelo mal,
Perseguidas pelo infortúnio
No sombrio orbe das lágrimas e das provações.
Todas as preces maternas
Ascendem aos Espaços
Como um doloroso brado de angústia a Maria;
E a rosa sublime de Nazaré
Escuta-as piedosamente,
Estendendo os seus braços tutelares
As mães carinhosas e desprotegidas;
E bastam os eflúvios do seu amor sacrossanto
Para que as consolações se derramem
Cicatrizando as feridas,
Balsamizando os pesares,
Lenindo os padeceres
Das mães desoladas, que encontram nela
O símbolo maravilhoso de todas as virtudes!...
Ao seu olhar compassivo,
Pulverizam-se os rochedos do mal
Do oceano da vida de desterro e de exílio,
Para que o Brigue da Esperança,
Com as suas velas alvas e pandas,
Veleje tranqüilamente,
Buscando o porto esperado com ânsia,
Da salvação das almas que sofreram
Nos torvelinhos do mundo,
Como náufragos de uma tormenta gigantesca,
Que não se perderam no abismo das águas tenebrosas
Do mar da iniqüidade,
Porque se apegaram
A âncora da Fé.
Maria é o anjo, pois,
Que nos ampara e guia em nossa cruz;
Levando-nos ao Céu, cheia de piedade e
Pelas nossas fraquezas.
Ela é a personificação do amor divino
No vale das sombras e das amarguras,
E sendo o arrimo de todas as criaturas,
É, sobretudo,
A Virgem da Pureza
— Mãe das mães.
48
MÚCIO TEIXEIRA
Honra ao trabalho.
MÚCIO Teixeira nasceu em 1858, no Estado do Rio Grande do Sul, e desencarnou em 1926. Autor de inúmeras obras literárias.
Honra ao trabalho
Trabalha e encontrarás o fio diamantino
Que te liga ao Senhor que nos guarda e governa,
Ante cuja grandeza o mundo se prosterna,
Buscando a solução da dor e do destino.
Desde o fulcro solar ao fundo da caverna,
Da beleza do herói ao verme pequenino,
Tudo se agita e vibra, em cântico divino
Do trabalho imortal, brunindo a vida eterna!...
Tudo na imensidão é serviço opulento,
Júbilo de ajudar, luta e contentamento,
Desde a flor da montanha às trevas do granito.
Trabalha e serve sempre, alheio à recompensa,
Que o trabalho, por si, é a glória que condensa
O salário da Terra e a bênção do Infinito.
49
OLAVO BILAC
Jesus ou Barrabás? – Soneto - No Horto - O beijo de Judas - A crucificação - Aos descrentes – Ideal – Ressurreição - O Livro – Brasil.
NATURAL do Rio de Janeiro, nasceu em 16 de dezembro de 1865 e aí faleceu em 1918. Considerado, ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Sócio
fundador da Academia Brasileira de Letras.
Jesus ou Barrabás?
Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.
A multidão inteira, ansiosa se congrega,
Surda à lição do amor, implacável e cega,
Para a consumação dos festins do pecado.
“Crucificai-o!” — exclama... Um lamento lhe chega
Da Terra que soluça e do Céu desprezado.
“Jesus ou Barrabás?” — pergunta, inquire o brado
Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.
Jesus! Jesus!... Jesus!... — e a resposta perpassa
Como um sopro cruel do Aquilão da desgraça,
Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema...
E debaixo do apodo e ensangüentada a face,
Toma da cruz da dor para que a dor ficasse
Como a glória da vida e a vitória suprema.
Soneto
Por tanto tempo andei faminto e errante,
Que os prazeres da vida converti-os
Em poemas das formas, em sombrios
Pesadelos da carne palpitante.
No derradeiro sono, instante a instante,
Vi fanarem-se anseios como fios
De ilusão transformada em sopros frios,
Sobre o meu peito em febre, vacilante.
Morte, no teu portal a alma tateia,
Espia, inquire, sonda e chora, cheia
De incerteza na esfinge que tu plasmas!.
Impassível, descerras aos aflitos
Uma visão de mundos infinitos
E uma ronda infinita de fantasmas.
No Horto
Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,
Vê descer da amplidão o Arcanjo da Agonia,
Cuja mão luminosa e terna lhe trazia
O cálix do amargor, duríssimo e refece.
— “Se puderdes, meu Pai, afastai-o!...” — dizia,
Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;
E do céu se desprende uma doirada messe
De bênçãos aurorais, de Paz e de Alegria.
Paira em todo o recanto a vibração sonora
Do Amor e o Mestre já na sede que o devora,
De imolar-se por fim nas aras desse Amor,
Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,
E sublime na fé mais vivida, murmura:
— “Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!...”
O beijo de Judas
Ouve-se a voz do Mestre ungida de ternura:
- “Amados, eu vos dou meus últimos ensinos;
Na doce mansidão dos seres pequeninos,
Trazei a vossa vida imaculada e pura!
O Amor há de vos dar todos os dons divinos;
Eterna irradiação que atinge a mais escura
Estrada de aflição, de dor e desventura,
— Raio de eterno sol na senda dos destinos.
Derramai com piedade a lágrima terrestre!”
Mas eis que Judas chega e lhe diz: — “Salve, Mestre!”
E toma-lhe das mãos, osculando-lhe a fronte...
E Jesus abençoando aquelas almas cegas,
Responde humildemente: — “É assim que tu me entregas?”
Vendo as coortes do Céu nas fímbrias do horizonte...
A crucificação
Fita o Mestre, da cruz, a multidão fremente,
A negra multidão de seres que ainda ama.
Sobre tudo se estende o raio dessa chama,
Que lhe mana da luz do olhar cLarividente.
Gritos e altercações! Jesus, amargamente,
Contempla a vastidão celeste que o reclama;
Sob os gládios da dor aspérrima, derrama
As lágrimas de fel do pranto mais ardente.
Soluça no silêncio. Alma doce e submissa,
E em vez de suplicar a Deus para a injustiça
O fogo destruidor em tormentos que arrasem,
Lança os marcos da luz na noite primitiva,
E clama para os Céus em prece compassiva:
“— Perdoai-lhes, meu Pai, não sabem o que fazem!.. .“
Aos descrentes
Vós, que seguis a turba desvairada,
As hostes dos descrentes e dos loucos,
Que de olhos cegos e de ouvidos moucos
Estão longe da senda iluminada,
Retrocedei dos vossos mundos ocos,
Começai outra vida em nova estrada,
Sem a idéia falas do grande Nada,
Que entorpece, envenena e mata aos poucos.
Ó ateus como eu fui — na sombra imensa
Erguei de novo o eterno altar da crença,
Da fé viva, sem cárcere mesquinho!
Banhai-vos na divina claridade
Que promana das luzes da Verdade,
Sol eterno na glória do caminho!
Ideal
Na Terra um sonho eterno de beleza
Palpita em todo o espírito que, ansioso,
Espera a luz esplêndida do gozo
Das sínteses de amor da Natureza;
É ansiedade perpetuamente acesa
No turbilhão medonho e tenebroso
Da carne, onde a esperança sem repouso
Luta, sofre e soluça, e sonha presa.
Aspirações do mundo miserando,
Guardadas com ternura, com desvelos,
Nas lágrimas de dor do peito aflito!...
Mas que o homem realiza apenas, quando,
Rotas as carnes, brancos os cabelos,
Sente o beijo de glória do Infinito!...
Ressurreição
Extinga-se o calor do foco aurifulgente
Do Sol que vivifica o Mundo e a Natureza;
Apague-se o fulgor de tudo o que alma presa
As grilhetas do corpo, adora, anela e sente;
Tombe no caos do nada, em túrgida surpresa,
O que o homem pensou num sonho de demente,
Os mistérios da fé, fulcro de luz potente,
O templo, o lar, a lei, os tronos e a realeza;
Estertore e soluce exausto e moribundo,
Debilmente pulsando, o coração do mundo,
Morto à mingua de luz, ambicionando a glória;
O Espírito imortal, depois das derrocadas,
Numa ressurreição de eternas alvoradas,
Subirá para Deus num canto de vitória.
O Livro
Ei-lo! Facho de amor que, redivivo, assoma
Desde a taba feroz em folhas de granito,
Da Índia misteriosa e dos louros do Egito
Ao fausto senhoril de Cartago e de Roma!
Vaso revelador retendo o excelso aroma
Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito,
O Livro é o coração do tempo no Infinito,
Em que a idéia imortal se renova e retoma.
Companheiro fiel da virtude e da História,
Guia das gerações na vida transitória,
É o nume apostolar que governa o destino;
Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda,
Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda,
E brilha com Jesus no Evangelho Divino.
Brasil
Desde o Nilo famoso, aberto ao sol da graça,
Da virtude ateniense à grandeza espartana,
O anjo triste da paz chora e se desengana,
Em vão plantando o amor que o ódio despedaça,
Tribos, tronos, nações... tudo se esfuma e passa.
Mas o torvo dragão da guerra soberana
Ruge, fere, destrói e se alteia e se ufana,
Disputando o poder e denegrindo a raça.
Eis, porém, que o Senhor, na América nascente,
Acende nova luz em novo continente
Para a restauração do homem exausto e velho.
E aparece o Brasil que, valoroso, avança,
Encerrando consigo, em láureas de esperança,
O Coração do Mundo e a Pátria do Evangelho.
50
PEDRO DE ALCÂNTARA
Meu Brasil - No exílio – Rogativa – Soneto - Página de gratidão - Oração ao Cruzeiro - Bandeira do Brasil - Brasil do Bem – Brasil.
O ÚLTIMO imperador deixou alguns sonetos, que, bem o sabemos, há quem diga não serem da sua lavra. Ignoramos por que Dom Pedro 2º, alma boníssima,
vibrátil, e espírito culto, não pudesse fazer o que fizeram e fazem tantos outros patrícios nossos, a ponto de ser correntio o conceito de que todo
brasileiro é poeta aos 20 anos. De qualquer forma, entretanto, o que se não poderá negar é a estreita afinidade destes sonetos com os que, de Dom
Pedro, conhecemos.
Meu Brasil
Longe do meu Brasil, triste e saudoso,
Bastas vezes sentia, mal desperto,
Com o coração pulsando, estar já perto
Do pátrio lar risonho e bonançoso.
E deplorava o rumo escuro e incerto,
Do meu desterro amargo e desditoso,
Desalentado e fraco, sem repouso,
O coração em úlceras aberto.
Enviava, a chorar, na aura fagueira,
Minhas recordações em terna prece
Ao torrão que adorara a vida inteira;
Até que a acerba dor, enfim, pudesse
Arrebatar-me à vida verdadeira.
Onde a luz da verdade resplandece.
No exílio
Pode o céu do desterro ser tão belo,
Quanto o céu do país em que nascemos;
Nada faz com que o nosso desprezemos,
Acalentando o sonho de revê-lo.
Todo o nosso ideal pomos no anelo
De regressar, e voando sobre extremos,
Com o pensamento ansioso percorremos
Nosso amado rincão, lindo ou singelo.
Jaz no desterro a plaga da amargura,
De acerba pena ao pobre penitente,
De amaro pranto da alma torturada;
A alegria no exílio é desventura,
É a saudade na ânsia mais pungente
De retornar à pátria idolatrada.
Rogativa
Magnânimo Senhor que os orbes cria,
Povoando o Universo ilimitado,
Que dá pão ao faminto e ao desgraçado,
E ao sofredor os raios da alegria,
Se, de novo, no mundo, desterrado,
Necessitar viver inda algum dia,
Que regresse ditoso ao solo amado
Da generosa pátria que eu queria;
Se é mister retornar a um novo exílio,
Seja o Brasil, lá onde eu desejara
Ter vertido o meu pranto derradeiro...
Que, novamente viva sob o brilho,
Da mesma luz gloriosa que eu amara,
Na alcandorada terra do Cruzeiro.
Soneto
No exílio é que a alma vive da lembrança,
Numa doce saudade enternecida,
Tendo chorosa a vista que se cansa
De procurar a pátria estremecida;
Com dolorosas lágrimas avança,
Do sonho que teceu e amou na vida,
Para a morte, onde tem sua esperança,
Na celeste ventura prometida.
E Deus, que os orbes cria, generoso,
Na vastidão dos céus iluminados,
Concede a paz ao triste e ao desditoso
Na clara luz dos mundos elevados,
Onde, do amor, reserva o eterno gozo
Para as almas dos pobres desterrados.
Página de gratidão
Tangendo as cordas da harpa da saudade,
Venho ao Brasil buscar a essência pura
Do amor da pátria minha, da doçura
Da flor cheia do aroma da amizade.
Prende-me o coração a suavidade
Desse arroubo de afeto e de ternura
Dalma do povo meu, que de ventura
E de alegria o espírito me invade.
Do misterioso aquém da morte, eu vejo,
Sentindo, essa onda intensa e luminosa
Da afeição, que idealiza o meu desejo:
E tendo a gratidão por companheira,
Volvo ao pátrio torrão de alma saudosa,
Amando mais a Terra Brasileira.
Oração ao Cruzeiro
(No cinqüentenário da Abolição)
Luminosas estrelas do Cruzeiro,
Iluminai a terra da Esperança,
Na doce proteção de um povo inteiro
Onde a mão de Jesus desce e descansa.
Símbolo sacrossanto de aliança
De paz e amor do Eterno Pegureiro,
Guardai as claridades da Bonança
Na vastidão do solo brasileiro.
Constelação da Cruz, cheia de graças,
Transfundi numa só todas as raças,
No país da esperança e da bondade.
Que o Brasil, sob a luz da tua glória,
Possa escrever, no mundo, a grande história
Das epopéias da Fraternidade.
Bandeira do Brasil
Bandeira do Brasil, símbolo da bonança,
Enquanto a guerra estruje indômita e sombria,
Sê nos planos de luta o sinal de harmonia,
Espalhando no mundo as bênçãos da Esperança.
Assinalas, na Terra, o país da Alegria,
Onde toda a existência é um hino de abastança,
Guardas contigo a luz da bem-aventurança,
És o florão da paz, marcando um novo dia.
Nasceste sob a luz de um bem, alto e fecundo,
Nunca te conspurcaste aos embates do mundo,
Buscando iluminar as lutas, ao vivê-las...
É por isso que Deus, que te ampara e equilibra,
Deu-te um corpo auri-verde onde a paz canta e vibra,
E um coração azul, esmaltado de estrelas.
Brasil do Bem
Eis que o campo de sombra se esfacela
No doloroso e amargo cativeiro
Da guerra que ameaça o mundo inteiro,
Qual furacão no auge da procela.
Mas na amplidão do solo brasileiro
Outra expressão de vida se revela
Nalma caridosa, heróica e bela,
Que se engrandece ao brilho do Cruzeiro.
Grande Brasil do Bem e da Abastança,
Deus te guarde os tesouros da esperança,
Desde as luzes dos céus à luz dos ninhos!
Segue à frente do mundo aflito e errante
E alça o pendão pacífico e triunfante,
Como a doce promessa nos caminhos!...
Brasil
Sopra o vento do Ódio e da Vingança,
Aniquilando a Paz do mundo inteiro,
Embora o Amor Divino do Cordeiro
Seja a fonte da Bem-aventurança.
Mas a terra ditosa da Esperança
Vive nas claridades do Cruzeiro,
Onde o Evangelho é o Doce Mensageiro
Das bênçãos da Verdade e da Bonança.
Meu Brasil, guarda a luz dessa vitória,
Que é o mais belo florão de tua glória
Nos caminhos da espiritualidade.
Ama a Deus. Faze o bem. Todo o problema
Está na compreensão clara e suprema
Do Trabalho, do Amor e da Verdade.
51
RAIMUNDO CORREIA
Sonetos.
NASCIDO a 13 de maio de 1859, a bordo do vapor São Luiz, na baía de Mangunça, litoral do Maranhão, e desencarnado em Paris a 13 de setembro de 1911.
Magistrado, membro da Academia Brasileira de Letras; além de justo e bom, pode sem favor considerar-se um dos maiores poetas da sua geração.
Sonetos
1
Tudo passa no mundo, O homem passa
Atrás dos anos sem compreendê-los;
O tempo e a dor alvejam-lhe os cabelos,
À frouxa luz de uma ventura escassa.
Sob o infortúnio, sob os atropelos
Da dor que lhe envenena o sonho e a graça,
Rasga-se a fantasia que o enlaça,
E vê morrer seus ideais mais belos!...
Longe, porém, das ilusões desfeitas,
Mostra-lhe a morte vidas mais perfeitas,
Depois do pesadelo das mãos frias...
E como o anjinho débil que renasce,
Chora, chora e sorri, qual se encontrasse
A luz primeira dos primeiros dias.
2
Ah!... se a Terra tivesse o amor, se cada
Homem pensasse no tormento alheio,
Se tudo fosse amor, se cada seio
De mãe nutrisse os órfãos... Se na estrada
Do contraste e da dor houvesse o anseio
Do bem, que ampara a vida torturada,
Que jamais viu um raio de alvorada
Dentro da noite eterna que lhe veio
Do sofrimento que ninguém conhece...
Ah! se os homens se amassem nessa estância
A dor então desapareceria...
A existência seria a ardente prece
Erguida a Deus do seio da abundância,
Entre os hinos da paz e da alegria.
52
RAUL DE LEONI
Luta - Na Terra – Soneto – Nós - “Post mortem” – Soneto.
FLUMINENSE, nascido em Petrópolis em 1895 e desencarnado em Itaipava, com apenas 31 anos de idade. Bacharel em Direito, foi deputado estadual e
posteriormente Secretário de Legação. Entre os talentos da chamada nova geração, a sua afirmativa nos domínios da Arte Poética pode considerar-se das
mais fulgurantes. Além de Ode a um Poeta Morto, dedicada a Olavo Bilac, de quem foi amigo dileto, deixou Luz Mediterrânea, considerada como seu livro
de ouro.
Luta
Aí na Terra, as bem-aventuranças
São o sonho que o Espírito agasalha,
Mas, mesmo após a morte, a alma trabalha
Buscando o céu das suas esperanças.
Muita vez, quando pensas que descansas,
Além te espera indômita batalha,
Onde o suposto gozo se estraçalha
Sob o guante acerado das provanças.
Para cá do sepulcro a dor antiga,
Que nos traz o desânimo, a fadiga,
Sob a luz da verdade se atenua;
A febre das paixões desaparece,
O Espírito a si mesmo reconhece,
Mas a luta infinita continua.
Na Terra
Renascendo no mundo da Quimera,
Ao colhermos a flor da juventude,
É quando o nosso Espírito se ilude,
Julgando-se na eterna primavera.
Mas o tempo na sua mansuetude,
Pelas sendas da vida nos espera,
Junto à dor que esclarece e regenera,
Dentro da expiação estranha e rude.
E ao tombarmos no ocaso da existência,
Nós revemos do livro da consciência
Os caracteres grandes, luminosos!.
Se vivemos no mal, quanta agonia!
Mas se o bem praticamos todo o dia,
Como somos felizes, venturosos!...
Soneto
Não te entregues na Terra à indiferença.
Cheio de amor e fé, trabalha e espera;
Nos domínios do mal, nada há que vença
A alma boa, a alma pura, a alma sincera.
No pensamento nobre persevera
De servir, sempre alheio à recompensa;
O desejo do Bem dilata a esfera
Das luzes sacratíssimas da Crença.
Vive nas rutilantes almenaras
Dos castelos do Amor de essências raras,
Aspirando os olores da Pureza!...
Terás na Terra, então, a vida calma...
E a morte não será, para a tua alma,
Jamais medonha e trágica surpresa.
Nós...
Nós todos vamos pela vida em fora
Deixando no caminho os mesmos traços,
Em Deus buscando a Perfeição que mora
No cume inatingível dos Espaços!...
Cada instante de dor nos aprimora,
Desatando os grilhões, rompendo os laços
Dessa animalidade atrasadora,
Que procura tolher os nossos passos.
Heróis de novas lendas carlovíngias,
O Sonho imanta as nossas almas, cinge-as,
Na Luz Ideal — o nosso excelso escudo;
Buscando o Indefinível, o Insondado,
Deus, que é o Amor eterno e ilimitado
E a gloriosa síntese de tudo.
“Post mortem”
Depois da morte, tudo aqui subsiste,
Neste Além que sonhamos, que entrevemos,
Quando a nossa alma chora nos extremos
Dessa dor que no mundo nos assiste.
Doce consolação, porém, existe
Aos amargosos prantos que vertemos,
Do conforto celeste os bens supremos
Ao coração desalentado e triste.
Também existe aqui a austera pena
A consciência infeliz que se condena,
Por qualquer erro ou falta cometida;
E a Morte continua eliminando
A influência do mal, torvo e nefando,
Para que brilhe a Perfeição da Vida.
Soneto
Se todos nós soubéssemos na vida
A Verdade grandiosa e soberana,
Não faltaria o gozo que promana
Dos sentimentos da missão cumprida.
Mas na Terra a nossa alma empobrecida,
Presa dessa vaidade toda humana,
De desgraças e de erros se engalana
Numa incerteza amarga, irreprimida...
Vamos passando assim a vida inteira,
Sem esposar a crença imorredoura,
A fé demolidora de montanhas,
Quase imersos na treva da cegueira,
Sem vislumbrar a luz orientadora,
Nessa noite de dúvidas estranhas!...
53
RODRIGUES DE ABREU
Vi-te, Senhor! - No Castelo encantado.
POETA nascido em Capivari, São Paulo, a 17 de setembro de 1899, e desencarnado, tuberculoso, em Campos do Jordão, aos 24 de novembro de 1927. Publicou
Casa Destelhada, Noturnos e Sala dos Passos Perdidos, além de inúmeros trabalhos esparSOS na imprensa do seu Estado. Foi cognominado — “o poeta triste
dás rimas róseas”.
Vi-te, Senhor!
Eu não pude ver-Te, meu Senhor,
Nos bem-aventurados do mundo,
Como aquele homem humilde e crente do conto de Tolstoi.
Nunca pude enxergar
As Tuas mãos suaves e misericordiosas,
Onde gemiam as dores e as misérias da Terra;
E a verdade, Senhor,
É que Te achavas, como ainda Te encontras,
Nos caminhos mais rudes e espinhosos,
Consolando os aflitos e os desesperados...
Estás no templo de todas as religiões,
Onde busquem Teus carinhos
As almas sofredoras,
Confundindo os que lançam o veneno do ódio em Teu nome,
Trazendo a visão doce do Céu
Para o olhar angustioso de todas as esperanças.
Estás na direção dos homens,
Em todos os caminhos de suas atividades terrestres,
Sem que eles se apercebam
De Tua palavra silenciosa, e renovadora,
De Tua assistência invisível e poderosa,
Cheia de piedade para com as suas fraquezas.
Entretanto,
Eu era também cego no meio dos vermes vibráteis que são os homens,
E não Te encontrava pelos caminhos ásperos...
Mocidade, alegria, sonho e amor,
Inquietação ambiciosa de vencer,
E minha vida rolava no declive de todas as ânsias...
Chamaste-me, porém,
Com a mansidão de Tua misericórdia infinita.
Não disseste o meu nome para não me ofender;
Chamaste-me sem exclamações lamentosas,
Com o verbo silencioso do Teu amor,
E antes que a morte coroasse a Tua magnanimidade para comigo,
Vi que chegavas devagarinho,
Iluminando o santuário do meu pensamento
Com a Tua luz de todos os séculos!
Falaste-me com a Tua linguagem do Sermão da Montanha,
Multiplicaste o pão das minhas alegrias
E abriste-me o Céu, que a Terra fechara dentro de minhalma...
E entendi-Te, Senhor,
Nas Tuas maravilhas de beleza,
Quando Te vi na paz da Natureza,
Curando-me com a Dor.
No Castelo encantado
Eu ainda não era um homem,
Quando subi aos elevados promontórios da esperança,
Divisando os países da beleza.
Meu coração pulou com um ritmo descompassado
E desejei a luz das cidades distantes,
O perfume das florestas prodigiosas
Onde cantavam as aves da mocidade e da glória.
Tudo sonhei contemplando o horizonte!...
Na embriaguez da ansiedade e do desejo,
Não vi o cântaro de mel
Que minha mãe deixara com o seu beijo
Na prateleira humilde de minhalma.
Gotas de mel, palavras de oração —
“Pai Nosso que estais no Céu...”
“Ave Maria, cheia de graças...”
Gotas do mel de amor, do coração.
Tudo esqueci, por infelicidade,
E andei como um fauno louco pelos mares remotos e pelas ilhas desconhecidas...
Eu era dono do mundo inteiro
Porque era senhor dos sonhos absolutos,
Adormecendo à sombra enganadora
Da árvore da ilusão, onde quase todos os frutos apodrecem.
E quando quebrava os últimos altares,
Na inquietação da carne e do desejo,
Chegou ao país de minhalma um romeiro triste dos Céus,
Falando como Jeremias sobre a Jerusalém de minhas ânsias:
“A sombra da ilusão envenena-te a vida....
“Eu corrijo as paisagens interiores,
Trago-te o pão dos grandes amargores,
“Sou a Dor, ficarei sempre contigo.
“Guarda as minhas verdades, meu amigo,
“Manda o Senhor que eu seja a companheira
“De tua vida inteira...
“Irás comigo a mundos ignorados,
“Dar-te-ei maravilhas
“Ao sol dos meus castelos encantados.. .“
Eu não sei explicar o mistério
Daquela personagem enigmática
Que se intrometia, afoitamente,
Na minha estrada de alegria.
Seu olhar parecia
A claridade estranha de toda a resignação e de todo o padecimento.
E, desde esse momento,
Casou-se comigo a Dor, de tal maneira,
Que a senti junto a mim, a vida inteira:
Roubou-me todas as glórias da Terra,
Fez fugir-se-me a noiva idolatrada,
Deixou-me só na lôbrega jornada,
Afastou-me a alegria da saúde,
Apodreceu meu coração em sua mão,
Deu-me as sombras dos Campos do Jordão,
Fez de meu sonho a casa destelhada,
Onde as chuvas de todas as misérias
Caíram sem cessar desde esse dia;
Crestou-me a flor ditosa da alegria,
Tudo levou-me a dor incontentada...
Mas oh! suave milagre de ventura,
Ela deu-me os palácios encantados
Onde brilham as luzes dAquele que se sacrificou na cruz por todos os homens!...
Pela sua porta estreita,
Encaminhou-me à sensação perfeita
De Tua inefável presença, ó Senhor de Bondade.
Nas grandezas de Tua claridade,
Cala-se o meu verso humilde,
Porque com a Dor
Sinto que Te compreendo, meu Senhor,
E abençôo contente
As mágoas que me deste antigamente...
Pois agora é que eu sei
Banhar-me todo nessa fonte imensa
Da paz, doce e balsâmica da crença,
Enxergando na tamareira da esperança,
A cuja sombra o espírito descansa,
Pelos desertos áridos do mundo,
O único fruto eterno, bom e fecundo...
Fruto que é o Teu amor
E a Tua caridade, meu Senhor,
Sustentando a infeliz Humanidade,
Desde as pedras da Terra
Aos jardins de esplendor da Eternidade!
54
SOUZA CALDAS
Ato de contrição - Versão do Salmo 12 - Versão do Salmo 18.
NASCIDO na cidade do Rio de Janeiro, em 1762, e aí desencarnado em 1814. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, abraçou mais tarde a
carreira eclesiástica, ordenando-se em Roma. Dizem que as suas melhores composições, as que o levaram a ser preso pelo Santo Ofício, perderam-se.
Acreditamos que o médium ignorava a circunstância de ser a tradução dos Salmos de David, justamente, de suas obras poéticas, a mais apreciada.
Ato de contrição
A vós
Senhor,
Meu Deus
De Amor,
Minhalma
Implora
A salvação!
Meu Pai,
Bem sei
Que mal
Andei,
Buscando
O erro
E a imperfeição;
Assim
Pequei,
Na treva
Errei,
E jus
Eu fiz
A expiação.
Vós sois,
Porém,
Farol
Do Bem!
Ouvi
Dos Céus
Minha oração.
Sois vós
A luz,
E junto
A cruz
Do meu
Sofrer,
Quero o perdão;
Perdão
Que traz
Sossego
E paz
Ao meu
Viver
Na provação.
Suplico-o
A vós,
Na dor
Atroz,
Amara
E rude
Da contrição!
Dai ao
Meu ser,
Aflito
Ao ver
O seu
Pecado,
A redenção;
E hei de
Poder
Feliz
Vencer
Do mal
Cruel
O atroz dragão!
Versão do Salmo 12
Senhor dos Mundos, na Terra inteira,
Os maus somente é que dominam,
Rudes tiranos e os impiedosos
De coração.
Ganham favores, buscam louvores,
Espezinhando seus semelhantes,
Tripudiando nas vossas leis,
Ímpios que são.
Causam a ruína da vossa casa,
Lançam injúrias ao vosso nome,
Adoradores da iniqüidade,
Da imperfeição.
Vossas ovelhas são confundidas,
E sufocadas pelo amargor,
Fracas e pobres andam saudosas,
Do vosso amor.
São elas todas, pobres e humildes,
Glorificai-as, meu Criador!
Alevantai-as do abismo escuro
Com a vossa luz!
Vossa bondade, imensa e eterna,
É a esperança dos pecadores;
Pai amoroso, salvai os homens,
Confio em vós!
Versão do Salmo 18
Por toda a parte
Veja a criatura,
Na noite escura
Da sua dor,
A eterna força
De um Deus clemente,
Onipotente,
Cheio de amor.
Astros e mundos
No céu girando,
Aves cantando,
O mar e a flor,
Todos os seres
Hinos entoem,
Cantos ressoem
Ao Criador!
Eterno Artífice
Que os sóis modela,
Lustres da auréola
Da Criação,
Sois a bondade
A mais perfeita,
A Luz Eleita,
A salvação.
Doce refúgio
Dos desgraçados,
Aos meus pecados,
Muitos que são,
Imploro e clamo,
Com o meu espírito
Turbado e aflito,
Vosso perdão.
Que desprezei
O ouro brilhante,
Lindo e faiscante,
Bem sei, Senhor!
Como fugi
Da hora fugace
Que me afastasse
Do vosso amor!
Mas bem sabeis
Que a carne impura
Leva a criatura
A mais pecar;
Fazendo assim
Pra meu tormento,
Meu pensamento
Prevaricar.
Porém, o vosso
Amor profundo
Redime o mundo
Do padecer;
Dando-lhe o tempo
E áspera lida
Para na vida
Tudo vencer.
Vós que acendestes
Faróis brilhantes,
Sóis rutilantes
Dalmo esplendor,
Cantando a vida,
A onipotência
E a pura essência
Do vosso amor!
Que sois o sol
Dos universos,
Mundos dispersos
Na imensidão.
Além da força
Vós sois, também,
O sumo bem
E a perfeição
Que vence o mal,
O orgulho e a dor,
Que o pecador
No coração
Guarda com zelo,
Cruéis inimigos,
Que são amigos
Da perdição.
Misericórdia,
Assim espero,
Almejo e quero
Para que eu
E os meus irmãos
O mal deixemos
E abandonemos
Buscando o Céu.
Por vossa causa
O maior gozo,
Esplendoroso,
Desprezarei,
Para que eu viva
Na luz fulgente,
Eternamente,
Da vossa lei.
Assim, Senhor,
Minhalma aguarda
A luz que tarda
Ao mundo vão,
Que há de esplender
Nos homens todos,
Limpando os lodos
Da imperfeição.
Dominareis
Toda a impiedade
Pela verdade
Que em vós transluz!
E, servo, aguardo
Do vosso amor
Consolo à dor,
Amparo e luz!
55
UM DESCONHECIDO
Meditando - O nobre castelão - Nesga de Céu.
Meditando
Eu fui daquelas almas que viveram
Sem conhecer da Terra os paraísos,
Que somente a amargura dos sorrisos
Pela noite das dores conheceram.
Não que eu fosse infeliz e desditoso,
Pois fui também humano entre os humanos,
E através dos meus dias, dos meus anos,
Se eu quisesse gozar, teria o gozo.
É que ao sentir no âmago do peito
A atitude do homem nossa vida,
Coração enganado, alma iludida,
Afastado do Puro e do Perfeito,
O meu ser que sonhara a Humanidade
Qual um ramo de flores perfumosas,
Viu as almas tremerem, desditosas,
Sob o peso da própria iniqüidade.
E isolado nos grandes sofrimentos
De ser só, na aspereza dos caminhos,
Encontrei o prazer pelos espinhos,
Ao trilhar os carreiros dos tormentos.
Pois no mundo pequeno da minhalma,
Quando em dor me envolvia a desventura,
Eu vislumbrava a luz brilhante e pura
Que me trazia a paz, bonança e calma:
— Era a luz que me vinha da visão
De ver o Cristo-Amor, entre cansaços,
E tinha então prazer de ver meus braços
Enlaçados na cruz da provação.
O nobre castelão
No interior
Do esplêndido alcançar,
Agonizava o senhor
Dos domínios extensos.
O dono do solar
Nos espasmos intensos
Da agonia,
Em torno dirigia
Um último olhar,
E viu então
O seu brasão
Invicto e glorioso,
Insculpido nas fúlgidas realezas
Do castelo formoso,
Transbordante de glórias e riquezas!
Mais alongando a vista,
Viu-lhe o feito da esplêndida conquista
Nas grandiosas searas.
Que em suas mãos avaras
Foram armas cruéis, destruidoras,
Martirizando as almas sofredoras.
Contemplou seus tesouros passageiros,
E em espasmos convulsos, derradeiros,
Opresso o coração,
Mergulhado no pranto mais profundo,
Expirou para o mundo
O nobre castelão.
A sua alma despida das grandezas,
Das terrenas, efêmeras realezas,
Bem após o transcurso de alguns anos
De triste letargia,
Foi um dia
Despertada em amargos desenganos:
Conturbado por agros dissabores,
Contemplou seu solar
Ocupado por outros moradores...
A exclamar,
Estranhou revoltado,
Que ninguém acudisse ao seu chamado.
E em atitude austera,
Tomado de energia,
De cólera severa
Já que ele era o senhor,
Reclamou os seus servos com calor
E, entretanto, nenhum lhe obedecia.
Imerso em turvação,
Somente, às vezes,
Escutava nos ditos mais soezes
Terrível maldição
Das vítimas de antanho!
E o sofrimento era, tamanho
Em ser incompreendido,
Que se julgou perdido
Irremissivelmente
Assim, constantemente,
Durante o transcorrer de muitos dias,
Conservou-se naquelas cercanias
Como presa feroz
Do sofrimento atroz,
De contínuos pesares e agonias...
Todavia,
O pobre sofredor,
No auge do amargor,
Recordou-se que havia
Um Pai Onipotente,
E cheio de fervor,
Humilde penitente,
Implorou seu amor
Numa súplica em lágrimas de pena.
Sua alma sofredora
Sentiu-se então mais calma e mais serena,
Penetrada de doce claridade,
De luz confortadora,
Que provinha de alguém
Que lhe fazia
Meditar na grandeza da Verdade
E lhe dizia
Da beleza do Amor, da Luz do Bem: —
“O que sofres, amigo, é a conseqüência
Da equívoca existência
Que levaste,
Já que sem piedade aniquilaste
Muitas almas e muitos corações,
Que hoje te envolvem os lúridos momentos
Em rudes sofrimentos
E estranhas maldições.
Por que ocultaste as flores formosas
Que na Terra colheste,
Flores lindas que nunca ofereceste
As almas desditosas?
Por que não concedeste um só bocado
Do teu pão abundante
Ao pobre esfomeado?
Ocupando-te em gozo, a todo o instante,
Jamais vestiste os nus, nem consolaste
Aquele que sofria;
Desprezavas o fraco e nunca amaste
Quem de ti carecia!
A caridade,
O sentimento-luz, a flor-tesouro,
Não tiveste em teus dias de maldade
No grande sorvedouro!
Porém, o Deus de Amor
É sempre o magnânimo Senhor,
E permite que voltes aos humanos,
Para que se dissipem teus enganos
No amargor;
Voltarás,
Porém, já não terás
Efêmeras venturas,
Serás agora escravo e não senhor...
Conhecerás
As dores e amarguras,
As mágoas escabrosas.
Pelas estradas rudes e espinhosas!
Abençoa o Senhor
Que te concede a dor,
Para assim compreenderes
Que os reais e legítimos prazeres
Que da vida nos vêm,
Não residem no Mal e sim no Bem.”
Nesga de Céu
A alma extasiada
Sobe... sobe...
Há toda. uma amplidão Iluminada
A sua vida...
A estrada
É uma etérea alfombra
Sem resquícios de sombra!
É o domínio da luz que ela conquista!
Vibra no ar
Dulcíssima harmonia,
Como se fora feita
De luar,
De alegria...
De alegria perfeita.
Parece um hino de amor
Dos Paganinis siderais,
A ventura, o fulgor,
Transformados em notas musicais.
Além, fulguram sóis;
Em tudo há um misto
Nunca visto
De manhãs e arrebóis.
Aos clarões dessa aurora,
A alma chora
Em êxtase profundo.
E lembra-se que sofreu,
Que amou, que padeceu.
Ao longe, muito ao longe,
O mundo
É um ponto negro que gira...
Ainda além, mais além,
A Via-Láctea transluz,
Como um éden de luz
E de amor.
Nesgas do céu, imagens de esplendor,
Cenários majestosos,
Soberbas harmonias
Nos mundos luminosos!
Seres que passam rápidos, flutuantes,
Sorridentes, radiantes,
Nos espaços sem termos, onde a vida
É a imortalidade
Anelada, querida,
De pureza, de beleza,
De perfeição e de felicidade!
Em baixo as vastidões,
Em cima, as emoções
Do ilimitado.
Atrás a noite e as mágoas de agonia
Do passado;
E, em frente,
Um futuro esplendente
Pintalgado de rosas,
Da mais pura alegria.
Feito de éter, de sonho,
O caminho é risonho,
Recamado de flores perfumosas.
Melodia, luz, aroma!...
De repente
Numa nesga de céu resplandecente
Assoma
Uma rutila esfera,
Como um país de doce primavera,
Intérmina de gozos!...
A alma se extasia
Na luz do Eterno Dia.
Com os pensamentos puros e radiosos,
Ora a Deus:
Recorda em prece os sofrimentos seus,
Evoca as lágrimas vertidas!
Contempla panoramas de outras vidas,
Vidas de estranha dor...
Mas cada gota amarga dos seus prantos
Agora
É um raio de aurora,
Que um a um
Vão formando uma auréola
De brilhos santos,
Que a engrinalda de luz.
Em suavíssima unção,
A pobre alma orando,
Chorando,
Nessa prece
Reconhece
A alvorada de sua redenção!
56
VALADO ROSAS
Aos meus irmãos - Na paz do Além.
NASCEU em Viana do Castelo, Portugal, em 1871. Veio para o Brasil com 14 anos e aqui viveu, poetou e desencarnou, na cidade de Caratinga, aos 19 de
janeiro de 1930. Seu nome é Lázaro Fernandes Leite do Val. Modesto quão talentoso, foi também um polemista e doutrinador espírita vigoroso, que
ilustrou o pseudônimo na imprensa profana e doutrinária do Brasil e de sua pátria.
Aos meus irmãos
Sob as estrelas da minha crença,
Cansado e triste cerrei meus olhos
Dentro da noite que é para muitos
Um mar bravio, cheio de escolhos.
Quando no mundo de exílio e sombra,
Habituei-me com as invernias
E com os reveses da minha sorte,
Na luta intensa que encheu meus dias,
É que o Evangelho do Cristo amado,
— O mensageiro da Perfeição,
Nas horas tristes e amarguradas,
Esclarecia meu coração:
Não sou, no entanto, quem vá mostrar
As maravilhas que ele fornece,
Quando escutamos as vozes claras
Da consciência, na luz da prece.
E, então, eu pude adormecer
Na paz serena, doce e cristã,
Abrindo os olhos tranqüilamente
Numa alvorada linda e louçã.
Vós, que ficastes no mundo ingrato,
De quem me lembro na luz do Além,
Lede o roteiro dos Evangelhos...
E a paz na marte tereis também.
Na paz do Além
Dentro da noite grandiosa e calma,
Deixo a minhalma falar aqui,
Aos companheiros de luta e crença,
Da graça imensa que recebi.
Graça divina de haver sofrido,
De ser vencido no mundo vão,
Graça de haver sorvido tanto
O amargo pranto da ingratidão.
Na vida obscura e transitória
A nossa glória vive na dor,
Dor de quem sofre sonhando e espera,
Com fé sincera, no Pai de Amor.
Subi o Gólgota dos meus pesares,
Que os avatares da redenção
São todos feitos nas amarguras,
Nas desventuras da provação.
Perdi na Terra doces afetos,
Sonhos diletos de sofredor,
Mas recebendo na grande escola
A grande esmola do meu Senhor.
E a Morte trouxe-me a liberdade,
A piedade, o amparo e a luz!
Feliz quem pode na dor terrestre
Seguir o Mestre com sua cruz.
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NOTAS DA EDITORA
(1) Esta poesia singela e, por assim dizer, intimamente pessoal, foi recebida em circunstâncias imprevistas e timbra episódios vemos de mais de 30
anos, que o médium não podia conhecer, atento mesmo a sua banalidade. Singelos e Aves Implumes são títulos de dois pequenos volumes de versos
publicados em começos do século. Carlota é o nome da esposa do poeta cego, também cegada de uma vista, por acidente, depois de casada.
(2) Este e outros sonetos de Cruz e Souza foram por ele mesmo traduzidos magistralmente em Esperanto, e as traduções ditadas ao médium Francisco
Valdomiro Lorenz, que no-las remeteu. Por supormos fato inédito, deixamo-lo aqui registado. Essas traduções mediúnicas de versos em Esperanto foram
publicadas em elegante volume, sob o título: Vodoj de poetoj ei la Spirita Mondo.
(3) Esta produção surgiu de improviso no curso de uma reunião familiar em que se não cogitava de assuntos espíritas. O poeta desencarnou no século
passado e o médium é deste século; e conquanto fosse intelectual de prol, a seu tempo, é hoje um nome esquecido, fora dos meios culturais. Ninguém ali
o conhecera nem dele se lembraria, exceto uma senhora que, em menina, lhe assistira aos funerais, em Vassouras, onde ele tem precioso jazigo,
oferecido pela população local.
Fim