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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Retratos da Vida-Francisco Cândido Xavier

Nota do Blog: Apesar de estar integralmente apresentado. Esse livro ainda não está totalmente formatado nesse blog, para uma leitura mais prazerosa.

CARO AMIGO:

Se você gostou deste livro e tem condições de comprá-lo, faça-o pois assim estarás ajudando a diversas instituições de caridade.
Que Jesus o abençoe.
Muita Paz

RETRATOS DA VIDA

FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

DITADO PELO ESPÍRITO CORNÉLIO PIRES

CORNÉLIO, O AMIGO

Imaginemos neste livro uma sala de confraternização para diálogo e

entendimento. Cornélio, o amigo, é o companheiro que nos recebe.

Dispensável a apresentação. Construtor do bem, que todos conhecemos para

a nossa própria felicidade, saibamos ouvi-lo, através

das aulas de amor e verdade que nos oferece

e estaremos aprendendo com a bondade e com a vida, em nome do Cristo de

Deus, para a nossa própria edificação.

EMMANUEL

(Uberaba, 22 de março de 1974)

4

1

CONVERSA DE COMPANHEIRO

Eis hoje, caro José,

Meu singelo parecer.

Em carta você me fala

Que só deseja morrer.

E anota com insegurança,

Dizendo espantado a mim:

— “Você me diga, Cornélio,

Se estou certo agindo assim.”

Tal assunto em sua idéia,

Tão lúcida quão travessa

Realmente não entendo

Como lhe vem à cabeça.

Posso afirmar-lhe, de pronto,

Na força de nossa fé : —

- Reajuste o próprio passo,

Não tente a morte, José.

Quem se esquece de viver,

Pensando em fim prematuro,

Acaba sem perceber

Caindo em salto no escuro.

Observe a Natureza:

Toda a vida se processa

Para serviço no tempo

Que não cogita de pressa.

O sol não registra idade,

A noite prepara o dia,

O fruto surge na hora,

Relógio não se abrevia.

Não falha a Obra de Deus

Cuja lei é a perfeição,

Todos temos lugar próprio,

Da estrela aos vermes do chão.

Morte, em si, é um velho marco

Na estrada de toda gente,

Aceitá-la é conformar se,

Provocá-la é diferente.

A Terra é um navio grande

Nas águas do Amor Divino,

5

Quem sai dele contra a ordem,

Noutro barco é clandestino.

E quem se faz clandestino,

No grau em que se subleva,

Encontra rudes lições

No caminho a que se leva.

Vivia pedindo a morte

Nossa amiga Dona Inês,

Acheia-a pior no Além,

Rogando um corpo outra vez.

Desanimou de viver

Nhô Nico da Tanajura,

Morreu mas vive isolado

Nas pedras da sepultura.

Xingando os filhos ingratos

Nhá Quina morreu aos poucos,

Mas vive cuidando agora

Dos netos muito mais loucos.

Por não suportar a nora,

Finou-se Olavo Vilela,

No Além não acha serviço

A não ser velar por ela.

Em não se ajustando ao genro,

Morreu Pio Avanhandava,

Hoje em dia quer ser filho

Do genro que detestava.

Por odiar a família

Morreu Marcelino Gaza,

Hoje, em luta, descobriu

Que está preso à própria casa.

Para fugir do trabalho

Finou-se o Juca Pulchério,

Mas hoje só sente paz

Se fica no cemitério.

Morreu Lino por pirraça

Contra a esposa Ana Sarmento,

Agora corre atrás dela,

Gritando arrependimento.

Conserve o seu próprio corpo,

É a medida que lhe peço;

Ele é seu campo de luta,

6

Sua enxada de progresso.

Não se descuide da vida

Nem viva no mundo às tontas,

A morte nos muda a casca

Mas não nos resolve as contas.

A morte que traz descanso,

Paz, reconforto, alegria

É aquela que nos procura

E chega sempre no dia.

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2

PARENTESCO E REENCARNAÇÃO

Você nos pede por carta,

Meu prezado amigo João,

Que a gente escreva no tema:

Família e reencarnação.

Assunto vasto, meu caro,

Tão vasto que já nem sei

Andar nesse labirinto

Mesmo andando à luz de lei.

O lar parece uma empresa

De lucro certo e benvindo,

Surge na Terra em dois sócios,

Depois a casa vai indo...

O casal primeiramente

Celebra doces afetos,

Em seguida, ganha filhos

E os filhos arranjam netos.

Logo após é um grupo grande

Ao qual, de forma concisa,

A gente volta em criança

Procurando o que precisa.

A luta chega... Entretanto,

O progresso vale a pena.

É isso aí... Cada berço

Põe a vida em nova cena.

O mundo lembra um teatro,

Cuja função nunca cessa,

Toda casa lembra um palco,

Cada família é uma peça.

O espetáculo é de todos,

A prova é parte comum,

Mas proveito e aprendizado

São coisas de cada um...

Antes do berço rogamos

A luta que nos apraz,

Depois, muito comumente,

Buscamos voltar atrás.

Requisitamos em prece

Inimigos por parentes

E ao revê-los, ombro a ombro,

Reclamamos descontentes.

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Às vezes, a filha ingrata

É aquela jovem sofrida

Que abandonamos à rua

Nos prazeres de outra vida.

Filho criando problema,

Tristeza, mágoa, perigo:

Adversário de outrora

Cobrando débito antigo.

Noras cruéis, genros brutos,

Pai tirânico e violento,

São contas do crediário

Resgatado a sofrimento...

Rusgas, brigas e desgostos

Espinheirais do passado,

Pagamento a prestações

De culpas por atacado...

Nossos erros de outras eras,

Ódio, inveja, tentação,

Retornam pela família

Na lei da reencarnação.

Quem amou, quem deu de si,

Sobe de altura e lugar,

Quem fez sofrer vem sofrer,

Quem bateu vem apanhar.

Quem dos outros fez capacho,

Cria resgate severo,

Quem foge ao próprio dever

Vem de novo à estaca zero.

Parentela é escola santa

Sempre que a vemos daqui,

Cada qual encontra em casa

Aquilo que fez de si.

Ame, perdoe, sirva e ajude

Quanto ao mais, meu caro irmão,

Se você sofre em família,

Não reclame, agüente, João.

9

3

OFENSA E RESSENTIMENTO

Você deseja de nós

Meu caro Luiz Sarmento,

Alguma fala qualquer,

Em torno ao ressentimento.

Diz você: “cá neste mundo

Não sei como me exprimir,

Se não aprendo, não sinto,

Se aprendo, devo sentir.

Se recebo alguma ofensa,

Zombaria ou pescoção,

Se nada disso me fere

Como guardar a lição?”

Sua palavra bem feita

Lançando o assunto no ar,

Dá muita filosofia,

Muita cousa que pensar...

Em toda questão de ofensa,

É necessário se insista:

Pede a vida que se mude,

O nosso ponto de vista.

Quem é aquele que ofende?

As vezes é um pobre louco...

De outras vezes, um doente

Que enlouquece pouco a pouco.

De que modo condenar

Quando me cabe entender,

Se todos somos no mundo

Capazes de adoecer?

Por isto, ressentimento

Dos enganos que se leva,

Quando embutido no peito,

Lembra um novelo de treva.

O ponto grave na ofensa

Está sempre na pessoa,

Que condena e se lastima,

Que se arrasa e não perdoa.

Surge a mágoa... Leve sombra

Numa estranha formação,

Depois recorda serpente

Por dentro do coração.

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Faz tristeza, inimizade,

Vida irritada e insegura,

Discórdia, injúria, sarcasmo,

Separação, amargura...

Quem guarda ressentimento,

Note bem, veja você:

Coloca o mal no que sabe,

Veneno em tudo o que vê.

Ressentimento onde esteja

Traz sempre como é notório,

Muita doença imprevista,

Muita ficha em sanatório.

Se você sofreu ofensa,

Lembre o perdão de Jesus,

Quem se ofende ajunta sombras,

Quem perdoa tem mais luz.

Contra alguém, seja quem for,

Que nunca se erga a voz,

A justiça vem de Deus,

O agravo é que vem de nós.

Mesmo entre pedras e lutas,

O amor trabalha e auxilia...

O tempo emenda a nós todos,

Cada qual tem o seu dia.

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4

HERANÇA NO ALÉM

Você deseja saber

Meu caro Joaquim Monforte,

Dentre os assuntos de herança,

O que há depois da morte.

Respondendo a sua carta

Cumpro apenas um dever;

Herança dá muita encrenca,

Você nem queira saber.

Decerto que há muita gente,

Caminhando ao nosso lado,

Que sabe usar com Jesus

Os bens de qualquer legado.

Entretanto, em muitos casos,

Nos passos de muitas vidas,

Heranças trazem problemas

Às pessoas mais queridas.

Amparo que você queira

Fazer, em verdade sã,

Auxilio, bênção, favor,

Não deixe para amanhã.

Nosso Téo deixou ao genro

A fazenda Carolina,

O moço inexperiente

Descambou na jogatina.

Tanta injúria de inventário

Recebeu Nhô Chico Bentes

Que se fez obsessor

De todos os seus parentes.

Nhá Nicota ajuntou casas

Em favor da própria filha;

Viu a filha envenenada

Numa questão de partilha.

Nhô Tino deixou aos filhos,

A fazenda da Tronqueira

E os rapazes sem trabalho

Caíram na bebedeira.

Calma legou à filha

Todas as lojas de um prédio:

A moça largou o estudo,

12

Depois matou-se de tédio.

Teotônio legou milhões

Para o bisneto Tadeu;

Ao vê-lo abusar de drogas

O coitado enloqueceu.

Nicão viu tantas loucuras

Na viúva Dona Criste,

Que deseja ir para o inferno,

Mas o inferno não existe.

Joaninha ao achar as filhas,

Em sombra, gozo e moleza,

Hoje pede vida nova

Afundada na pobreza.

Se você tem para dar

Não exija condição,

Dê trabalho e caridade,

Paz, amor e educação.

Bendita seja a pessoa

Que recebendo uma herança,

Sabe espalhar benefício,

Conforto, luz e esperança.

No entanto, muito legado

É mero apoio ilusório,

Há muito desencarnado

Que enlouqueceu no cartório.

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5

SOBRE A PREGUIÇA

Tenho em mãos sua consulta,

Minha prezada Larissa,

Você procura por nós,

Informes sobre a preguiça.

Preguiça mesmo no Além,

É uma sombra malfazeja,

Que o nosso espírito abraça,

Contra si próprio onde esteja.

É treva de obsessão,

Tão forte aí quanto aqui,

Moléstia do pensamento

Que a pessoa esconde em si

A preguiça escuta o verbo

De quem procura ajudar,

A prova, aceita, agradece,

Depois se põe a queixar.

Fala que anseia servir,

Dia a dia, hora por hora,

Que o trabalho é sempre a trilha

Por onde a vida melhora.

Afirma que a vida é luta,

Conhece o próprio dever,

Mas apresenta as razões

Porque não pode atender.

Preguiça não evolui,

Diz ela: — porque não tem,

Palavra de voz amiga

Nem proteção de ninguém.

As lágrimas que carrega

Só ela as vê como são,

Tem problemas que não cessam,

Tem família em provação.

Traz a saúde imperfeita

Embora reze com fé,

Suporta a cabeça fraca,

Carrega fogo no pé.

Tem cólica, batedeira,

Dor no fígado e no baço,

De dia, tudo é tristeza,

De noite, tudo é cansaço.

Sente aflição e azedume,

Sofre a queda dos cabelos,

Caminha de perna bamba,

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Tem dores nos tornozelos.

Padece angústia constante,

Vê fel por todos os lados,

Alega a perseguição

De espíritos atrasados.

Quando está caindo chuva

Sofre zelos naturais,

Quando o calor aparece

Diz que o calor é demais.

Não se agüenta com vizinhos

Que estão sempre contra ela,

Em casa nunca dispõe

De apoio da parentela.

Preguiça, prezada irmã,

É sempre uma cousa assim:

Um sofrimento parado

Numa doença sem fim.

Preguiça, antiga moléstia,

É praga na criatura,

Recebe muito remédio

Mas só serviço é que cura.

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6

QUESTÃO DE COMIDA

Você procura saber,

Meu caro Afrânio Caçula,

O que sucede no Além

Com quem se estraga na gula.

Parece problema simples

A questão que você traz

E nela há muita questão

De vida, saúde e paz.

Você sabe, caro irmão,

Viver de fome é impossível.

Tudo o que anda e trabalha

Precisa de combustível.

Note a lição do automóvel:

O carro, seja qual for,

Se move é com gasolina

Dosada para o motor.

A roseira por mais linda

Acaba mofina e tonta,

Quando sente na raiz

Adubo acima da conta.

Assim também a pessoa

Por mais robusta e mais forte,

Se come quanto não deve

Procura doença e morte.

A gula sempre estrangula

A paz de qualquer irmão,

Conversando, além de tudo,

A sombra da obsessão.

Recorde: comia tanto

O nosso Quinquim Peixoto

Que acordou no próprio enterro,

Buscando restos de esgoto.

Tanto abusava de peixe

O amigo Teotônio Pio,

Que vive depois de morto

Lançando rede no rio.

Andava de prato grande

Nhô Juca do Alagadiço,

Agora desencarnado

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Tornou-se papa-chouriço.

Aquela morte esquisita

De Dona Rita da Estaca?

Foi gula... Morreu comendo

Veneno de jararaca.

Outra morte... a de Antonico

Na Fazenda Nazaré,

Foi pesada indigestão

Com carne de jacaré.

Morreu comendo bichinhos

Nhô Nico Boaventura,

Sem corpo vive caçando

Farofa de tanajura.

Nhô Silvino, de repente

Morreu no Sítio da Sobra,

Comera de siriema

Que havia comido cobra.

Comia tanto, mas tanto

Juquinha Paraguassu,

Que hoje desencarnado

Só pensa em frango e tutu.

Nem gordura nem magreza

Turvam a vida no Além,

Cada qual anda na Terra

Conforme o corpo que tem...

Mas a comida em excesso

Por hábito inveterado

É tormento doloroso

Que dá problema e cuidado.

Viva muito e coma pouco

Na paz que nos endireite,

Nem na montanha do açúcar,

Nem na cisterna do azeite.

Há muita gente na Terra

De prato pesado e fundo

Que acampa no necrotério

E volta aos pratos do mundo.

Não se alarme no que digo,

Por estas linhas gerais,

Coma sempre o que precise

17

É só não comer demais.

18

7

ASSUNTO ENTRE AMIGOS

Recebi o seu bilhete,

Meu caro Juca Vilaça.

Pede você que lhe escreva

Algo mais sobre a cachaça.

Explica você: “Cornélio,

Abra o caso mais a fundo,

Fale mais dos resultados

Quanto à pinga no outro mundo.”

Você tem razão. A pinga,

Por mais que a verdade doa,

Sem controle que a governe,

Arrasa qualquer pessoa.

Além de ser forte agente

Da obsessão tal e qual,

Provoca desequilíbrio

No corpo espiritual.

Prejudica e desfigura

Muito mais do que se pensa,

Cachaça, por si, carrega

Tristeza, inércia, doença...

Em qualquer parte onde surja,

Lembra sempre, em qualquer clima.

Enxurrada morro abaixo

Ou fogo de morro acima.

Muito difícil contê-la

Quando segue de arrastão

Porque mergulha a cabeça

Em sombra ou destruição.

Você recorda o Pereira

Da Mata do Xique-Xique...

Desencarnado, ele mora

Numa beira de alambique.

Morreu de tanto beber

Nhô Totico da Água Santa;

Hoje, sem corpo, anda à caça

De quem lhe empreste a garganta.

Rafael foi-se em bebida,

— O pobre do nosso Rafa, —

E agora em vida diversa

Só pensa em copo e garrafa.

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Daqui, vejo, rua em rua,

Sem rumo em que se comande,

Nosso Ercílio do copinho

Que tombou em litro grande.

Embriagada vivia

Dona Quiquita Borela...

Depois da morte procura

Quem tome pinga com ela.

Uma história das mais tristes

A do nosso Chico Souza...

Perdendo o corpo em ressaca,

Não se lembra de outra cousa.

Largando o mundo, aos copásios,

Nhô Bernardo do Lajão,

Continua, após a morte,

Na mesma perturbação.

Cachaça, meu caro amigo,

Tem este traço comum:

Estraga de qualquer modo

A mente de qualquer um.

Em muito caso de angústia,

Nas provas justas da vida,

Muito suicídio e loucura

São do excesso de bebida.

Nas festas e cerimônias

Não se canse de aprender

A arte de alçar o copo

Nobre e firme sem beber.

Pinga ajuda o coração?...

Disso há gente que se gabe,

Mas se cachaça é remédio

A medicina é que sabe.

Quanto a nós, recorde o aviso

Do nosso Nico Belém:

—“Água que gato não bebe

Não auxilia a ninguém.”

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8

LAÇOS REDENTORES

(Resposta a um amigo que nos questionou, com relação à ofensa e

ressentimento.)

Ressentimento não vale.

A justiça não se atrasa

E a lei da Reencarnação

Atua dentro de casa.

Olhe o caso de Cristina,

Envenenou João Gamela,

Mas João, depois de algum tempo,

Renasceu... E é filho dela.

Embora a morrer em sangue,

Neca abateu Genserico;

Hoje são gêmeos em luta

Na roça do Tico-Tico.

Furtando-lhe sítio e casa,

Quinquim matou Rui da Venda,

Mas Rui nasceu neto dele,

A fim de herdar-lhe a fazenda.

Quintino arrasou Gregório

Com bebida numa festa...

Gregório voltou a ele,

E o caçula que o detesta.

Em não querê-la por nora,

Teotônio acabou com Lica,

Vejo a moça reencarnada:

E a neta que o prejudica.

Nina induziu Vaz à morte,

Suicídio triste sem causa,

Hoje ele é o filho doente

Que ela carrega sem pausa.

Lula matou Antônio,

Simples paixão de mulher...

Mas Antônio renasceu...

Ë o filho que não a quer.

Téo levou Juca ao suicídio.

Eis que o tempo vem e vai.

Juca hoje é o filho dele,

Um filho que odeia o pai.

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A Terra lembra hospital

Se a vemos de ânimo atento,

Levantam-se muitos lares

Por celas de tratamento.

Ressentimento, desforra,

Não adiantam, rapaz,

A vida cobra com juros

As contas que a gente faz.

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9

ASSUNTO DE PAIXÃO

Você deseja notícias,

Meu caro Juca Simões,

Sobre o que existe no Além

Ante a luta das paixões.

O assunto do seu pedido,

Quanto ao que busca saber,

É tão fácil de sentir,

Tão difícil de escrever!...

Reconhecemos: o amor

É luz em todo ser vivo,

Mas quando vira paixão

É processo obsessivo.

Há paixões de toda espécie,

Por encargos, por dinheiro,

Por mando, posse, vingança,

Rolando no mundo inteiro.

Mas a paixão propriamente

É aquele calor que surge

É aquele calor que surge

Por labareda do amor.

No começo é uma faísca,

Com clarão vago e miúdo,

Depois é fogo crescendo,

Incêndio que arrasa tudo.

A pessoa nessa prova

Vagueia tonta e insegura,

Pode enrolar-se no crime,

Quanto cair na loucura.

Veja a tragédia de Alvina,

Apegou-se ao Filomeno,

O moço quis Nominata,

Alvina foi-se a veneno.

Eugênio amava Tintina,

Tintina escolheu Jão Massa,

Só por isso o pobre Eugênio

Vive hoje de cachaça.

Contrariado no amor,

Dedicado à Gabriela,

23

Excitado, o Longimano,

Deu dois tiros no pai dela.

Você recorda decerto,

O nosso Quinquim da Areia,

Matou Ziziu por ciúme

E afundou-se na cadeia.

Recusado por Tininha,

Irvalmo arrasou Clemente,

Depois disso, exasperado,

Enloqueceu de repente.

Outra cousa, veja esta:

Nessas mortes por paixão

Aparece grande parte

Dos casos de obsessão.

Ninita por desprezar,

Matou Gil de Saramenha,

Mas sem corpo Gil a segue

Como fogo atado à lenha...

Sertório morreu aos poucos,

Envenenado por Zuma,

Sertório desencarnado

Não a deixa hora nenhuma.

Joana desfez-se de Antero

Para entregar-se ao Fontana,

Mas o espírito de Antero

Vive ligado com Joana.

Segundo todos sabemos

Cada qual vive por si,

Cuidado !... Foge à paixão

Que a paixão é isso aí...

Se você gosta de alguém,

Recorde: amor não reclama,

Não prende, nem sacrifica

E ampara sempre a quem ama.

Não procure ser amado

Ame e abençoe por dever,

Mantenha sinceridade

E deixe a vida correr.

Paixão é cousa da sombra,

Dor que a si própria maldiz,

24

Mas o amor é luz de Deus,

Amor é a vida feliz.

25

10

DESENCONTROS DE AMOR

Você deseja noções,

Meu caro Luiz Heitor,

De como se vê no Além

Os desencontros de amor.

Vejo agora que você

Tocando nessa questão,

Anota como se deve

A Lei da Reencarnação.

Se o estudo sobre a Terra

Fosse a luz de toda gente

A vida de cada um

Surgiria diferente.

Muitos renascem no corpo

Para renúncia e serviço,

Mas depois, passada a infância

Não querem nada com isso.

Principalmente em matéria

Do amor que salva e ilumina,

Quando se perde a cabeça,

Lá se vai a disciplina.

Se nos amássemos todos,

Segundo o amor de Jesus,

Tudo seria na Terra

Bondade, alegria e luz.

O amor, no entanto, entre os homens,

Tem força de correnteza

E o sexo lembra um rio

Que precisa de represa.

Se uma afeição de outras vidas

Vem, de novo, ao nosso olhar,

A condição em que esteja

É uma lei a respeitar.

Pode-se amar a pessoa

Em bases de estima e fé,

Como se guarda uma flor

Que não se arranca do pé.

Mas muita gente no teste,

Reencontrando um ser amado

Desgoverna-se de todo,

E deixa o dever de lado.

Se a criatura cai nisso,

Olvida o senso comum,

Menospreza o compromisso,

26

Não aceita aviso algum.

AbandonadO O programa

Que se trouxe ao renascer

Os males que surgirãO

Ninguém consegue prever.

É muito amigo da vida

Procurando o próprio azar,

Há muito drama no mundo

Que precisamos lembrar:

Maricota matou João

E deu-se ao Natividade,

Mas João hoje é filho dela

Sem justa necessidade.

Carolino suicidou-se

Largado por Florisbela,

Que não pode ser de Antônio

Por ver o morto atrás dela.

Antero morreu por Joana

Pois Joana deu-se ao Benfica,

Antero voltou aos dois

É o fIlho que os crucifica.

Quitéria arrasou Belinha

Para dar-se ao Gil Cascudo,

A vitima renasceu.

É a filha que a fere em tudo.

Cervino acabou com Cláudio

Conquistando Dona Elisa,

Mas o morto regressou...

É o filho que os escraviza.

O triângulo afetivo

Que não se forma, a contento,

Termina sempre na vida

Em trio de sofrimento.

Se você gosta de alguém,

Mas já não está sozinho,

Cultive o amor dos irmãos,

Não conplique seu caminho.

Você faça o que quiser,

Liberdade é cousa santa,

Mas não se esqueça, meu caro:

Cada qual colhe o que planta.

Se você apenas luta

27

Por desejo e tentação,

Separação não se entende,

Divórcio não tem razão.

Cumpra o dever que abraçou

Alegre, forte, sereno,

O sexo com remorso

É melado com veneno.

Recorde o antigo provérbio

De valor singelo e raro:

—“Quem a paca cara compra,

pagará a paca caro.”

28

11

QUESTÕES DE MULHER

Recebi o seu bilhete,

Prezada irmã Guiomar,

Anotando três consultas:

União, mulher e lar.

Três colunas vigorosas

De expressão indefinida,

A feição de pedestais,

Para a grandeza da vida.

União surge primeiro,

O lar reponta depois;

A mulher recorda a luz

Que Deus coloca entre os dois...

Nesta verdade tão simples

Para qualquer dos mortais,

Todo homem pode muito,

Mas a mulher pode mais.

Foram feitos um e outro,

Ela, o anjo, ele, o herói

Para marcharem unidos

Em tudo o que se constrói.

Quando falham entre si,

Surgem problemas em cacho,

Onde a brecha se desdobra,

A construção vem abaixo.

Olhe o romance de Joana:

Trocou Joaquim por Galeno,

Mas Galeno quis Lolota

Que arrasou Joana a veneno.

Lilita não desculpou

Alguns deslizes de Alberto...

O esposo ao ver-se humilhado,

Matou-se com tiro certo.

Dura tragédia a que vimos

Em nosso Tião Cerqueira,

Largado pela mulher,

Jogou-se da ribanceira.

Querendo sobrepujar

O marido, Adão Ventura,

Dona Quintina da Prata

Teve morte prematura.

Jandira fugiu de casa

29

Por não perdoar Castilho,

Mas provocou simplesmente

A perda do próprio filho.

Deixou o lar sem razão

Dona Cota de Inhaúma,

Fez-se mulher de prazer

Mas sem paz em parte alguma.

Julgando o esposo infiel,

Suicidou-se Aninha Graça,

O pobre caiu vencido

Entre o delírio e a cachaça.

Lilia da Conceição

Largou Juquinha Belém,

Tornou-se mulher de muitos,

Sozinha como ninguém.

Zina por ódio e vingança

Largou Janjão Calatrava,

Mas lacrou no sanatório

As filhas que idolatrava.

Teotônia por desavença

Lançou o esposo no lixo,

Hoje é mulher desprezada

Na mata do Carrapicho.

Por toda parte do mundo

Se a mulher larga o dever

Deserções, crimes, suicídios,

São fáceis de aparecer.

De toda conquista humana

Que temos e que virão

Deus situou na mulher

A paz, o amor e o perdão.

E o homem? Não me perguntem...

Ao nascer, vezes e vezes,

Já começa dependendo

Da mulher por nove meses.

Se sofre, nunca se queixe,

Tolere irmã Guiomar,

A justiça vem de Deus

Ninguém precisa apressar.

30

12

BELEZA E PAIXÃO

Eis aqui nossa resposta

Prezada Nina Tereza,

Em torno à sua consulta

Sobre as questões de beleza...

Você diz: —”Não sei porque

Tanta gente tem por norma,

Trocar amor por desprezo,

Quando a vida muda a forma”.

Você quer saber, a fundo,

Se é luxo perante o Além,

Apresentar-se a pessoa

Na melhor forma que tem...

Muita gente deita idéias,

Ao redor desta questão,

Entretanto, a Natureza,

É sempre o Belo em ação.

Cada manhã, fite a Terra,

Tudo é som, grandeza e cor,

O sol é ouro no Azul,

O chão é verdura e flor.

Contemple o fulgor do monte,

Quando o monte se ilumina..

O mar é a beleza imensa

Na força da disciplina.

A árvore é um lar de ninhos,

A relva é finura e graça,

A fonte é a presença viva

Da melodia que passa...

Note o maciço de lodo

Em que o charco se resume:

Dele nasce o lírio alvo,

Irradiando perfume...

Em todo abuso de amor,

Nos dramas que vêm e vão,

O delito vem de nós

Quando nos cega a razão.

Recorde o caso de Júlio,

Era louco por Maria,

31

Quando a pobre ficou surda,

Recusou-lhe a companhia.

Luiz adorava Aurora

No Sítio de João Fontana,

No entanto, ao vê-la doente,

Luiz trocou-a por Joana.

Foi operada na face

A noiva do Clarimundo,

Bastou vê-la mutilada

E o moço sumiu no mundo.

Romance dos mais bonitos,

O de Antônia com Dirceu,

Dirceu foi acidentado,

O amor de Antônia morreu.

Gabriela com Talico,

Noivado e linda novela...

Talico faliu na praça,

Lá se foi a Gabriela.

Encontrando a noiva enferma

No Roçado da Matriz,

Juquinha não mais quis vê-la

Declarando-se infeliz.

Joel dizia adorar

Marina de Dona Andréia,

Marina caiu de cama,

O rapaz mudou de idéia.

Joaquim prometeu casar-se

Com Nhánha do Clodoveu,

Ao vê-la de pés inchados,

Joaquim desapareceu.

Como vê, prezada amiga,

Nos domínios da afeição,

Amor detido na forma

Não é amor, é paixão.

Beleza vestindo a vida

Por princípio incontroverso,

É sempre a marca de Deus

Na luz de todo Universo.

Quem ama acima da forma,

Quem se eleva amando assim,

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Em tudo encontra a beleza

Brilhando no amor sem fim.

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13

COUSA DAS TREVAS

Em carta você pergunta

Minha irmã Zina Belém,

O que se pensa do aborto

Na vida do Grande Além.

Desejaria falar

Em verbo claro e graúdo!...

Só sei dizer que onde moro

Aborto complica tudo.

Muitos prometem dar corpo

A credores e a colegas.

Nascem, crescem... Mas depois,

Caminham vivendo às cegas.

Espíritos recusados

Na fúria louca em que estão

Promovem desequilíbrio,

Conflito, perturbação.

E a Lei que tudo corrige

Perante o aborto ilegal

Entrega o problema à dor

Extraindo o bem do mal.

Pode crer: mancha de culpa

Na roupa do pensamento,

Somente desaparece

Com o sabão do sofrimento.

Olhe a tragédia de Ertúzia

Prometeu corpo a Joaquim,

Fugiu do trato, mas hoje

Sofre doenças sem fim.

Téo praticou muito aborto,

Em pobres moças da roça,

Depois entrou na bebida,

Caindo de fossa em fossa.

Dona Helena do Lagedo

Fez os abortos que quis,

Morreu e tornou à Terra

Doente, triste e infeliz.

Lili fez muitos abortos...

Des encarnou em Portela..

Quer nascer... Pede socorro,

Mas o povo corre dela.

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Outra arrasava os pequenos

A jorros de água fervente,

E Tuta que, alucinada,

Só vê crianças à frente.

Belinha nasceu no mundo

Para dar corpo ao Libório,

Depois de expulsá-lo a ferros,

Rumou para o sanatório.

Por aborto, lá se foi

Aninha do Desidério...

Da parteira Dona Cissa

Passou para o necrotério.

Tina expulsou quatro vezes,

O espírito de João Róssi,

Logo após, caiu de cama,

Morreu de câncer precoce.

Teotônia fez vinte abortos

Em várias moças da Estaca...

Morreu e voltou ao mundo

Trazendo a cabeça fraca.

Amargosa provação

A de Ninhanha Ventura,

Seis abortos, seis problemas,

Obsessão e loucura.

Muito espírito conheço

Que sonhava paz e amor,

Que não podendo ser filho

Tornou-se perseguidor.

Cada qual é responsável

No amor que aceita ou que alcança;

Compromisso a cada um,

Mas que se poupe a criança.

Maternidade é tarefa,

Luminoso compromisso,

Um filho é bênção de Deus,

Não proteste, pense nisso.

Quando o aborto é indispensável

Tem a justa explicação,

Mas fora desse caminho

Aborto é perturbação.

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Minha irmã, fuja do aborto,

Se um filho é a bênção que levas...

Aborto desnecessário

É sempre cousa das trevas.

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14

AMBIÇÃO DESREGRADA

Recebi a sua carta,

Meu caro amigo Silvestre,

Você faz uma consulta

Em grave questão terrestre.

Você deseja saber

O que ocorre aos que se vão

Para a vida, além da morte

Em desregrada ambição.

O amigo não desconhece:

Ambição de fazer bem,

Anseio de ser melhor

Não fazem mal a ninguém.

Mas a febre do egoísmo

De quem quer mais, mais e mais

Sem precisão ou proveito

Arrasa as forças mentais.

Nesses casos, a pessoa,

Larga o corpo, exige e erra,

De ilusão para ilusão,

Perambulando na Terra.

Você recorda o Nhô Neca

Que arruinou muita viúva,

Desencarnado é um mendigo

Mas pensa que é manda-chuva.

Depois de morto, o João Panca

Que só queria dinheiro,

Ë vigia de um tesouro

Que enterrou no galinheiro

Nicão despojava os órfãos

Fosse a cara de quem fosse,

Morreu, mas anda chumbado

Ao sítio do Rio Doce.

Depois de deixar o corpo,

A sovina Dona Bela

É vista à porta dos bancos

E diz que os bancos são dela.

Finou-se a falar em ouro

O nosso Nhonhô da Mata,

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Ela agora cata pedras,

Achando que ajunta prata.

Passeando bens dos cegos,

Desencarnou Mano Landi,

Pelo remorso, é um fantasma

Assombrando a Roça Grande.

Tomou muita terra alheia

Nhô Chico do Lavajão,

Desencarnado ele clama

Em sete palmas de chão.

Morreu louco de avareza

O esperto Quinquim de Souza,

Tendo acordado na tumba

Quer vender a própria lousa.

Guarde a certeza, meu caro,

Na trilha da criatura,

Ambição mais ambição,

A soma é sempre loucura.

Louva a paz do necessário

Que o trabalho nos consente,

Tudo aquilo que é demais

É desarranjo na mente.

Você mais cedo ou mais tarde,

Tal qual comigo se deu,

Ressurgirá no outro mundo,

Sozinho como nasceu.

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15

NOTAS DA SOVINICE

Você deseja saber,

Caro Antônio da Planura,

O que sucede aos sovinas

Depois que a morte os procura.

O assunto pede cuidado,

Porqüanto, em tudo, na essência,

Não se deve caminhar

Com base na imprevidência.

Observe a natureza:

Na horta uma simples erva,

Vive, ajuda e se garante

Mantendo a própria reserva.

A árvore ampara sempre

Na bondade de que é feita,

Mas resguarda a seiva própria

Para dar outra colheita.

Melhor é viver no mundo,

Relembrando a história antiga:

Nem tanto quanto a cigarra,

Nem tanto quanto a formiga.

Em verdade, nunca vi,

Em meus caminhos terrenos

Quem não tenha um tanto mais.

Para dar a quem tem menos.

Toda pessoa precisa

De escoras, forças e meios,

De maneira a não pesar

Nos orçamentos alheios.

Mas sovinice, meu caro,

Na melhor definição,

É o pesadelo da posse

Com trevas no coração.

Você recorda Nhô Bruno,

Falecido em Miradouro;

Sem corpo, dorme no pó,

Julgando que dorme em ouro...

Enterrou muita moeda,

O nosso amigo Marçal,

DesencarnadO, é vigia

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Na barranca do quintal.

Agora depois da morte,

Alanco do Estaleiro,

Anda buscando o colchão

Em que prendia o dinheiro.

Sem corpo, Nhá Benta Paula

Hoje é um fantasma perfeito,

Mora no armário das jóias

Que guardava sem proveito.

Conquanto rica, Nhá Cota,

Desencarnada em Cumbica,

Vive na cova, pensando

Que mora em mina de mica.

Apegada nas baixelas,

Morreu Nhá Joana de Deus,

Sem corpo, vive agarrada

Ao que ficou nos museus.

Muito rico, mas sovina

Finou-se Juca do Grampo,

Comeu por economia

Tatu ervado no campo.

Falando em ouro e mais ouro

Morreu Altino de Grotas,

Mora no barro pensando

Que está num montão de notas.

Nosso prezado, Nhô Tuca,

Morto no Sítio dos Lessas,

Vive com medo dos santos

Aos quais fintava promessas.

Prudência, caro Antonico,

É paz na hora futura,

Entretanto, sovinice

De qualquer modo, é loucura.

Trabalhe, faça proveito

Do que ajuntou pelo bem,

Saiba, sempre, antes de tudo,

Que Deus não falta a ninguém.

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16

ASSUNTO DE MORRER

Quer você saber em carta,

Meu caro Joaquim Mamede,

Depois da morte do corpo

Aquilo que nos sucede.

A resposta necessária

Pede à gente tanto estudo,

Que muito desencarnado,

Neste ponto, fica mudo.

Digo, porém, a você

Sem a menor pretensão

Tanto a morte, quanto a vida

Exigem preparação.

Você sabe: sempre erramos,

Conforme o senso comum

Mas guarde a paz em si mesmo,

Não guarde remorso algum.

Trate o corpo com cuidado,

Imite o zelo de alguém

Que tendo ama enxada só,

Protege a enxada que tem.

Não chore as crises da Terra,

Que a própria vida se arruma,

Dos problemas que carregue

Não faça queixa nenhuma.

A favor da paz dos outros,

Ante a fé na qual se ampara,

Perdoe qualquer prejuízo,

Agüente tapa na cara.

Merece muito de Deus,

Quem poda sombra ou pesar,

Ajudando aos companheiros

Lutando sem reclamar.

Trabalhe quanto puder,

Quanto puder faça o bem,

Não há ninguém sem valor

Não pense mal de ninguém.

Julgar os outros? Desista,

É questão em que não entro,

Cada qual mostra por fora

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Aquilo que traz por dentro.

As vezes vemos na Terra

O crime ou a perturbação,

Mas lembre: vemos o mal,

Deus considera a intenção.

Fale menos, pense mais,

Cultive a comida pouca

Muita gente lembra peixe

Que se perde pela boca.

No copo muita atenção,

Naquilo que se recebe,

Em qualquer tempo, não tome

Água que gato não bebe.

Quanto ao mais cumpra o dever,

Recordando com juízo,

Que a morte é assim como a lei:

Chega sempre que é preciso.

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17

CURA DE OBSESSÃO

Você procura saber

Prezada Rita Simão,

Qual a melhor das receitas

Na cura da obsessão.

Como sucede à doença

Que ataca sob disfarce

Obsessão quando surge

Tem os meios de ocultar-se.

Muitas vítimas preferem

Engano, fuga, prazer,

Há quem se largue na sombra

E deixa a sombra correr...

A história, no entanto, é esta:

O espírito obsessor

É sempre alguém que nos pede

Ensino, perdão e amor.

Alguém que pensa conosco,

Que fala por nossa voz,

Que caminha em nosso passo,

Que vive em nós e por nós,

Sempre alguém que nos atrai

Seja no bem ou no mal,

Que nos partilha depois,

A vida espiritual.

Refletindo no problema,

Considero, em torno disso:

Que a cura da obsessão

Tem a base no serviço.

Sabe você: ódio, inveja,

Paixão, impulso violento,

Hábito, rixa, aversão

Começam no pensamento.

Observe e notará

Nas lutas do dia-a-dia,

Sugestão de obsessor

Vem pela hora vazia.

Tempo recorda a moeda,

Roga caminho direito

Precisamos de equilíbrio

Para usá-lo com proveito.

Pessoa de tempo vago,

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Sem manejá-lo no bem,

Dá pasto a muita ilusão,

Ouvindo o que não convém.

Quem sofra com tentações

Atenda, em linhas gerais,

A trabalho e mais trabalho,

Lidando e servindo mais.

Obsessor quando vê

A melhoria na gente,

Passa logo a refletir,

Tornando-se diferente.

É isso aí!... A entidade

Que nos perturba ou complica

Converte-se para o bem

Pelo bem que se edifica.

Se a questão é com você

Não se atrase, minha irmã,

Tarefa marcada hoje

Não deixe para amanhã.

Trabalhe. Não permaneça

Cozinhando a alma ferida,

Trabalho renova a mente,

A mente conduz a vida.

Estude. Não esmoreça,

Modifique a própria estrada,

Obsessor não agüenta

Nossa vida transformada.

Continue no auxílio aos outros,

Creia, esforce-se, não tema,

Na essência, temos aqui

A solução do problema:

A cura da obsessão

Na reforma se processa,

Mas pessoa que trabalha

Sara sempre mais depressa.

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18

LUTAS DA IRRITAÇÃO

Em carta você pergunta,

Prezada Rita Frazão,

Como se anotam no Além

As lutas da irritação.

Pode crer. A irritação

Quando envolve a criatura,

Ë um pedaço de caminho

Para a morte prematura.

A cólera é sempre um mal

Embora pareça um bem,

Espinheiro de azedume

Não dá proveito a ninguém.

São muitos os casos graves,

Que a fúria estende por si,

Tanto nos atos da Terra

Quanto nos fatos daqui.

Tanto se irava por nada

Nhô Totico das Candeias,

Que se matou sem querer

Trancando o sangue nas veias.

Enraivecido, Nhõ Juca,

Na Roça dos Enjeitados,

Morreu grudado na chusma

De espíritos atrasados.

Enfurecia-se à-toa,

O nosso Carlos Monteiro...

Ao irar-se no volante

Rolou no despenhadeiro.

Gritando desorientado

Contra tia Felisbela,

Nhô Ramos morreu de um bife

Engastalhado na goela.

Recorde o caso sabido

De Aninha de Nhô Vicente,

Caiu e morreu com raiva

Num tacho de água fervente.

Outra história muito triste

A morte de Adão Galeno,

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Cego de raiva trocou

Sal amargo por veneno.

Sempre irritado na praça,

Tião do Sítio da Lua,

Fazendo compras na loja,

Morreu de briga na rua.

Outro caso doloroso

O de Chiquinha dos Matos,

Afogou-se na cisterna,

Querendo bater nos gatos.

Nhá Tina em fúria constante

Na Tapera do Riacho,

Quando surrava um cachorro,

Finou-se de escada abaixo.

Derrame acabou com Júlio

Na Fazenda da Floresta...

O pobre espantava as moscas

Com murros na própria testa.

Tenha calma e tolerância,

Não siga impulso violento,

A cólera, em qualquer parte,

É chuva de sofrimento.

Irritação? Fuja disso,

Não se esqueça, minha irmã,

Ante os entraves de hoje

Que a vida volta amanhã.

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19

CONDENAÇÃO E VIDA

Você procura notícias,

Meu caro Nuno Serrão,

Do que se diz no outro mundo

Em torno à condenação.

Na luta em que vamos indo,

Seu pedido, caro Nuno,

Encerra assunto excelente

Para debate oportuno.

Num mundo assim qual o nosso,

Onde a luta nos cativa,

Ninguém pode dispensar

A crítica construtiva.

Se erro e se muitos erram,

Ë preciso aparecer

Quem nos aponte verdade

Quem nos convide ao dever.

No entanto, a critica nobre

Que ampara, esclarece e guia,

Traz consigo a segurança

Dos golpes de cirurgia.

O médico em plena ação,

Não corta, nem fere à-toa,

Trata ou suprime a doença

Sem desprezar a pessoa.

Nesse sentido assinalo

Que aprendi desde menino,

A saber o que é melhor

Pelo socorro do ensino.

Mas censura por si só,

Vertendo verbo infeliz,

Lembra pedrada sonora

De quem não sabe o que diz.

E já que a vida devolve

Aquilo que se lhe oferta,

Toda pedra que atiramos,

Volta a nós rápida e certa.

Note o caso de Nhô Fábio,

Moral de conversa brava,

Morreu buscando prazer

Na rua que detestava.

Nicota falando às soltas

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Acusava a mãe doente,

Um dia fugiu de casa

Para morrer delinqüente.

Laurentino reprovava

A trilha de Felisbela .

Foi-se o tempo e ele finou-se

Apaixonado por ela.

Jacó censurou o irmão

Por desposar Nhá Siluva;

Finou-se o irmão de repente...

Jacó ligou-se à viúva.

Falava Artur que o cigarro

É só veneno em consumo;

Depois de tanto fumar

Morreu no excesso de fumo.

Pregava contra a riqueza

Nosso amigo Zé Romão,

Ganhando na loteria,

Desertou da pregação.

Perseguido injustamente

Por jogo morreu Quim Cota...

E o filho que o acusava

Morreu na frente da sota.

Quirino Almeida zombava

Dos passes de Nhá Mariana...

Hoje, ele mesmo procura

Vinte passes por semana.

A vida é assim, caro Nuno...

Condenar não vale a pena,

Porque a gente sempre cai

Naquilo que mais condena.

Irritação e azedume

Criam angústia e pesar;

Perante qualquer ofensa

O melhor é perdoar.

Julgar exige cuidado

Pelos outros e por si.

Noã condene, ajude sempre,

Que este assunto é isso aí.

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20

APEGO DEMAIS

Você quer informação,

Meu caro Luiz Lamego,

Do que se sabe no Além,

Quanto aos problemas do apego.

Apego cria na gente

Muita luta e compromisso

Que o verbo ao nosso dispor

Quase nada conta disso.

Por força da Lei de Deus,

Sempre clara e benfazeja,

Cada qual acha no tempo

Aquilo que mais deseja.

Agarramento no mundo,

Na vista, uma cousa à-toa,

Parece uma corda grossa

Que prende qualquer pessoa.

Posso dizer a você:

Nesse laço estranho e forte,

Temos amigos em monte

Lutando depois da morte.

Você recorda Nhô Juca,

O sovina de Água Raza

Depois de morto, deitou-se

No cofre da própria casa.

Nhô Chico viveu rondando

O antigo sítio da Penha,

Desencarnado, prossegue

Vigiando chão e lenha.

A moça do garfo grande,

Maricotinha Donato,

Sem corpo, só pensa nisto:

— Leitoa, galeto e pato.

Antonico da Caneca,

No Além, inda bebe e xinga,

Se o vejo é sempre escornado,

Junto à garrafa de pinga.

Outra que anda no copo,

Dona Augusta, da Água Bela,

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Fora do corpo, procura

Quem queira beber com ela.

Conrado era da calúnia,

Nunca se soube porque,

Sem corpo vive escrevendo

Infâmias que ninguém lê.

Cultivava inveja e ódio

Nhô Tino do Sapecado,

No Além, parece uma bomba

Que todos deixam de lado.

Sempre fugiu do trabalho

O nosso caro Elentério,

Morreu, mas vive em descanso

Dormindo no cemitério.

Negociante usurário,

Desencarnado, Nhô Bem,

Conserva o punho agarrado

Na gaveta do armazém.

Guilhermino que morreu

De namorico e paquera

Vive agora atrás das moças,

Nem vê que o caso já era.

Pensem nisto, enquanto é tempo,

Apego, caro Luiz,

É o modo que o mundo encontra

De se fazer infeliz.

Educação e serviço

Indicam a paz segura,

Toda pessoa na vida

Tem aquilo que procura.

Pode crer. Depois da morte,

Quanto ao seu próprio lugar,

Aquilo que você busque

Ë a nota que vai contar!...

Fim