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sábado, 29 de janeiro de 2011

Amor, imbatível amor-Divaldo Pereira Franco

DIVALDO PEREIRA FRANCO

DITADO PELO ESPÍRITO JOANNA DE ÃNGELIS


A EXCELÊNCIA DO AMOR

O processo de evolução do ser tem sido penoso, alongan­do-se pelos milênios sob o impositivo da fatalidade que o con­duzirá à perfeição.

Dos automatismos primevos nas fases iniciais da busca da sensibilidade, passou para os instintos básicos até al­cançar a íntelígêncía e a razão, que o projetarão em patamar de maior significado , quando a sua comunicação se fará, mente a mente, adentrando -se, a partir dai; pelos campos vibratóri­os da intuição.

Preservando numa fase a herança das anteriores, o me­canismo de fixação das novas conquistas e superaçdo das an­teriores, torna-se um desafio que lhe cumpre vencer.

Quanto mais largo foi o estágio no patamar anterior, mais fortes permanecem os atavismos e mais dificeis as adaptações aos valiosos recursos que passa a utilizar.

Porque o trânsito no instinto animal foi de demorada aprendizagem, na experiência humana ainda predominam aqueles fatores afligentes que a lógica, o pensamento lúcido e a razão se empenham por substituir.

Agir, evitando reagir; pensar antes de atuar; reflexionar como passo inicial para qualquer empreendimen­to; promover a paz, ao invés de investir na violência constituem os passos decisivos para o comportamento saudável.

A herança animal, no entanto, que o acostumara a to­mar, a impor-se, a predominar, quando mais/arte, se trans­formou em conflito psicológico, quando no convívio social inteligente as circunstâncias não facultaram esse procedimen­to primitivo.

Por outro lado, os fatores endógenos — hereditarieda­de, doenças degenerativas e suas seqüelas —, assim como aqueles de natureza exógena — conflitos familiares, pres­sões psicossociaís, religiosas, culturais, sócio-econômicas, de relacionamento interpessoal — e os traumatismos cra­nianos, respondem pelos transtornos psicológicos e pelos distúrbios psiquiátricos que assolam a sociedade e desar­ticulam os indivíduos.

Criado o Espírito simples, para adquirir experiências a esforço próprio, e renascendo para aprimorar-se, as realiza­ções se transferem de uma para outra vivência, dando curso aos impositivos da evolução que, enquanto não viger o amor, se imporão através dos processos aflitivos.

Inevitavelmente, porém, momento surge, no qual há um despertamento para a emoção superior e o amor brota, a prin­cípio como impulso conflitivo, para depois agigantar-se de forma excelente, preenchendo os espaços emocionais e libe­rando as tendências nobres, enquanto dilui aquelas de natu­reza inferior.

O sexo, nesse imenso painel de experiências, na condi­ção de atavismo predominante dos instintos primários essen­ciais, desempenha papel importante no processo da saúde psicológica e mental, não olvidando também a de natureza física.

Pela exigência reprodutora, domina os campos das ne­cessidades do automatismo orgânico tanto quanto da emoção, tornando-se fator de desarmonia, quando descontrolado, ou precioso contributo para a sublimação, se vivencíaddo pelo amor.

Psicopatologias graves ou superficiaís têm sua origem na conduta sexual frustrante ou atormentada, insegura ou instável, em razão das atitudes anteriores que promoveram os conflitos que decorrem daquelas atitudes infelizes.

Nesse capítulo, a hereditariedade, a família, a presença da mãe castradora ou superprotetora, todos os fenômenos perimatais perturbadores são conseqüências das referidas ações morais pretéritas.

As terapias psicológicas, psicanalíticas e psiquiátricas, de acordo com cada psicopatologia, dispõem de valioso arse­nal de recursos que, postos em prática, liberam as multidões de enfermos, gerando equilíbrio e paz.

Não obstante, a contribuição psicoterapêutica do amor é de inexcedível resultado, por direcionar-se ao Si profundo, restabelecendo o interesse do paciente pelos obgetivos saudá­veis da vida, de que se díssocira.

O amor tem sido o grande modificador da cultura e da cívilização, embora ainda remanesçam costumes bárbaros que facultam a eclosão de tormentos emocionais complexos...

O imperador Honório, por exemplo, que governava Roma e seus domínios, era jovem, algo idiota, covarde e pusilâni­me, conforme narra a História. No entanto, pressionado por cristãos eminentes, discípulos do Amor, fecho as escolas de gladiadores no ano de 399, onde se preparavam homicidas legais.

Quando os gados ameaçavam invadir a capital do Impé­rio, o general Atilicho, em nome do governante e do povo, os bateu em sangrentas batalhas, expulsando-os de volta às re­giões de origem em 403.

Ao serem celebradas essas vítórias no Coliseu — o monu­mental edifício sólido que comportava cinqüenta mil expec­tadores e propiciava espetáculos variados quão formidandos — estavam programadas cerimônias várias e esplendorosas como: corridas de bigas e quadrigas, desfiles, musicais, baila­dos... Por fim, em homenagem máxima ao Imperador e ao General, foram exibidas lutas de gladiadores, que se deveri­am matar.

No auge da exaltação da massa, quando os primeiros lutadores se apresentaram na arena, um homem humilde ati­rou-se das galerias entre eles e começou a suplicar-lhes que não se matassem...

O estupor tomou conta da multidão que, logo recupe­rando a ferocídade, pôs-se a atirar-lhe pedras e tudo quanto as mãos alcançassem, ao tempo em que pedúim a morte do intruso, de imediato assassinado para delírio geral...

Apesar do terrível desfecho, aquele foi o último espetá­culo dantesco do gênero, e em 404, as lutas de gladiadores foram finalmente abolidas.

O sacrifício de amor do anônimo foi responsável pela radical mudança de hábitos na época.

Ressurgiram, sem dúvida, de forma diferente, naquelas denominadas marciais, no Oriente, e de boxe, no Ocidente, porque ainda predominam os instintos primitivos, mas serão proibidas em futuro não distante, como resultado da força do amor...

Assim também as guerras, as lutas fratricidas, os con­flitos domésticos e sociais, quando a consciência de justiça suplantar as tendências destrutivas...

... O amor vencerá!

*

Examinamos, no presente livro, várias psicopatologias e conflitos hodíernos, recorrendo a admiráveis especialistas nessa área, a quem respeitamos; no entanto, colocamos uma ponte espiritual entre as suas terapias valiosas e o amor, con­forme a visão espírita, herdada do Psicoterapeuta galileu.

Reconhecemos que não apresentamos qualquer origina­lidade, que ainda não haja sido proposta. Dispusemo-nos, no entanto, a contribuir com apontamentos que esperamos pos­sam ajudar a evitar a instalação de diversos conflitos naque­les que ainda não os registrou e auxiliar quem os padece, ofe­recendo-lhes experiências e informações, talvez ainda não ten­tadas que, certamente, contribuirão de forma eficaz para a conquista da saúde integral.

Tranqüila, por havermos cumprido com o dever da solidariedade que deflui do amor, almejamos que os nossos lei­tores possam recolher algo de útil e de valioso do nosso esfor­ço de bem servir conforme aqui exposto.

Salvador, 18 de maio de 1998.

Joanna de Ãngelis


PRIMEIRA PARTE


1

AMOR, IMBATÍVEL AMOR

O amor é substância criadora e mantenedora do Universo, constituído por essência divina.

É um tesouro que, quanto mais se divide, mais se multiplica, e se enriquece à medida que se reparte.

Mais se agiganta, na razão que mais se doa. Fixa-se com mais poder, quanto mais se irradia.

Nunca perece, porque não se entibia nem se enfra­quece, desde que sua força reside no ato mesmo de doar-se, de tornar-se vida.

Assim como o ar é indispensável para a existência orgânica, o amor é o oxigênio para a alma, sem o qual a mesma se enfraquece e perde o sentido de viver

É imbatível, porque sempre triunfa sobre todas as vicissitudes e ciladas.

Quando aparente — de caráter sensualista, que bus­ca apenas o prazer imediato — se debilita e se envene­na, ou se entorpece, dando lugar à frustração.

Quando real, estruturado e maduro — que espera, estimula, renova — não se satura, é sempre novo e ideal, harmônico, sem altibaixos emocionais. Une as pes­soas, porque reúne as almas, identifica-as no prazer geral da fraternidade, alimenta o corpo e dulcifica o eu profundo.

O prazer legítimo decorre do amor pleno, gerador da felicidade, enquanto o comum é devorador de ener­gias e de formação angustiante.

O amor atravessa diferentes fases: o infantil, que tem caráter possessivo, o juvenil, que se expressa pela insegurança, o maduro, pacificador, que se entrega sem reservas e faz-se plenificador.

Há um período em que se expressa como compen­sação, na fase intermediária entre a insegurança e a ple­nificação, quando dá e recebe, procurando liberar-se da consciência de culpa.

O estado de prazer difere daquele de plenitude, em razão de o primeiro ser fugaz, enquanto o segundo é permanente, mesmo que sob a injunção de relativas aflições e problemas-desafios que podem e devem ser vencidos.

Somente o amor real consegue distingui-los e os pode unir quando se apresentem esporádicos.

A ambição, a posse, a inquietação geradora de in­segurança — ciúme, incerteza, ansiedade afetiva, cobran­ça de carinhos e atenções —, a necessidade de ser ama­do caracterizam o estágio do amor infantil, obsessivo, dominador, que pensa exclusivamente em si antes que no ser amado.

A confiança, suave-doce e tranqüila, a alegria na­tural e sem alarde, a exteriorização do bem que se pode e se deve executar, a compaixão dinâmica, a não-posse, não-dependência, não-exigência, são benesses do amor pleno, pacificador, imorredouro.

Mesmo que se modifiquem os quadros existenci­ais, que se alterem as manifestações da afetividade do ser amado, o amor permanece libertador, confiante, in­destrutível.

Nunca se impõe, porque é espontâneo como a pró­pria vida e irradia-se mimetizando, contagiando de jú­bilos e de paz.

Expande-se como um perfume que impregna, agra­dável, suavemente, porque não é agressivo nem em­briagador ou apaixonado...

O amor não se apega, não sofre a falta, mas frui sempre, porque vive no íntimo do ser e não das gratifi­cações que o amado oferece.

O amor deve ser sempre o ponto de partida de to­das as aspirações e a etapa final de todos os anelos hu­manos.

O clímax do amor se encontra naquele sentimento que Jesus ofereceu à Humanidade e prossegue doan­do, na Sua condição de Amante não amado.


2

AMOR E EROS

O amor se expressa como sentimento que se expande, irradiando harmonia e paz, terminando por gerar plenitude e renovação íntima. Igualmente se manifesta através das necessidades de intercâmbio afetivo, no qual os indivíduos se completam, per­mutando hormônios que relaxam o corpo e dinami­zam as fontes de inspiração da alma, impulsionando para o progresso.

Sem ele, se entibiam as esperanças e deperece o ob­jetivo existencial do ser humano na Terra.

As grandes construções do pensamento sempre se alicerçam nas suas variadas manifestações, concitan­do ao engrandecimento espiritual, arrebatando pelos ideais de dignificação humana e fomentando tanto o desenvolvimento intelectual como o moral.

Valioso veículo para que se perpetue a espécie, quando no intercurso sexual, de que se faz o mais im­portante componente, é a força dinâmica e indispensá­vel para que a vida se alongue, etapa-a-etapa, ditosa e plena.

Nos outros reinos — animal e vegetal — manifesta-se como instinto no primeiro e fator de sincronia no segundo, de alguma forma embriões da futura conquis­ta da evolução.

Adorna a busca com a melodia da ternura e encan­ta mediante a capacidade que possui de envolvimento, sem agressão ou qualquer outro tipo de tormento.

Sob a sua inspiração as funções sexuais se enobre­cem e a sexualidade se manifesta rica de valores sutis: um olhar de carinho, um toque de afetividade, um abra­ço de calor, um beijo de intimidade, uma carícia envol­vente, uma palavra enriquecedora, um sorriso de des­contração, tornando-se veículo de manifestação da sua pujança, preparando o campo para manifestações mais profundas e responsáveis.

Como é verdade que o instinto reprodutor realiza o seu mister automaticamente, quando, no entanto, o amor intervém, a sensação se ergue ao grau de emoção duradoura com todos os componentes fisiológicos, sem a selvageria da posse, do abandono e da exaustão.

A harmonia e a satisfação de ambos os parceiros constituem o equilíbrio do sentimento que se espraia e produz plenitude.

A libido, sob os seus impulsos, como força criado­ra, não produz tormento, não exige satisfação imedia­ta, irradiando-se, também, como vibração envolvente, imaterial, profundamente psíquica e emocional.

Quando o sexo se impõe sem o amor, a sua passa­gem é rápida, frustrante, insaciável...

Por outro lado, os mitólogos definem Eros, na con­ceituação antiga do Olimpo grego, como sendo a di­vindade que representa o Amor, particularmente o de natureza física.

Eros teria nascido do caos primitivo, portanto, es­pontaneamente, como manifestação da vida afetiva. A partir do século 6º antes de Cristo passou a ser representativo da Paixão, e teria tido uma origem diferente, uma gênese mais poética, comparecendo como filho de Hermes e Afrodite, ou como descendente de Cronos e Gê, ou de Zéfiro e Íris, ou ainda, de Afrodite e Marte... Foi objeto de culto particular e especial em Téspias, Esparta, Sa­mos, Atenas, merecendo esse culto ser associado ao que se dispensava a Afrodite, Cantes, Dionísio e Hércules. Por extensão, passou a representar o desejo sexual, a função meramente decorrente do gozo sensualista, dos prazeres e satisfações sexuais.

Posteniormente, os romanos identificaram-no como Cupido, filho de Vênus, inicialmente representado como um adolescente, enquanto na Grécia possuía a aparência de uma criança algo maliciosa, que se fazia conhecer com ou sem asas, arco e flecha nas mãos. Foi tido como o mais poderoso dos deuses durante muito tempo.

O importante, porém, é que, em nosso conceito pessoal, o amor transcende os desejos sexuais, enquanto Eros, que pode ser portador de sentimento afetivo, ca­racteriza-se pelos condimentos da libido, sempre dire­cionada para os prazeres e satisfações imediatas da uti­lização do sexo.

O amor é permanente, enquanto Eros é transitó­rio. O primeiro felicita, proporcionando alegrias duradouras; o segundo agrada e desaparece voraz, como chama crepitante que arde e gasta o combustível, logo se convertendo em cinzas que se esfriam...

Eros toma conta dos sentidos e responde pelas paixões desenfreadas, pelos conflitos da insatisfação, que levam ao crime, ao desar, ao desespero. Tendo, por objetivo imediato e inadiável, o atendimento dos desejos mentais do desequilíbrio sexual, é responsá­vel pela alucinação que predomina nos grupos soci­ais em desalinho.

Assomando em catadupas de posse encegueci­da, não confia, envenena-se pelo ciúme, transtorna-se pela insegurança, fere e magoa, derrapando em patologias sexuais devastadoras e perversões alu­cinantes.

O amor dulcifica e acalma, espera e confia. É enriquecedor, e, embora se expresse em desejos ar­dentes que se extasiam na união sexual, não conso­me aqueles que se lhe entregam ao abrasamento, porque se enternece e vitaliza, contribuindo para a perfeita união.

O amor utiliza-se de Eros, sem que se lhe submeta, enquanto esse raramente se unge do sentimento de pu­reza e serenidade que caracterizam o primeiro.

Os atuais são dias de libido desenfreada, de pai­xão avassaladora, de predominância dos desejos que desgovernam as mentes e aturdem os sentimentos sob o comando de Eros.

Não obstante, o amor está sendo convidado a subs­tituir a ilusão que o sexo automatista produz, acalman­do as ansiedades enquanto alça os seres humanos ao planalto das aspirações mais libertadoras.


3

DESEJO E PRAZER

O desejo, que leva ao prazer, pode originar-se no instinto, em forma de necessidade violenta e insopitá­vel, tornando-se um impulso que se sobrepõe à razão, predominando em a natureza humana, quando ainda primitiva na sua forma de expressão. Nesse caso, tor­na-se imperioso, devorador e incessante. Sem o contro­le da razão, desarticula os equipamentos delicados da emoção e conduz ao desajuste comportamental.

Como sede implacável, não se sacia, porque é de­voradora, mantendo-se a nível de sensação periférica na área dos sentimentos que se não deixam de todo dominar

É voraz e tormentoso, especialmente na área gené­sica, expressando-se como erotismo, busca sexual para o gozo.

Em esfera mais elevada, torna-se sentimento, gra­ças à conquista de algum ideal, alguma aspiração, an­seio por alcançar metas agradáveis e desafiadoras, pro­pensão à realização enobrecedora.

Dir-se-á que as duas formas confundem-se em uma única, o que, para nós, tem sentido diferente, quando examinamos a função sexual e o desejo do belo, do no­bre, do harmonioso, em comparação àquele de nature­za orgânica, erótica, de compensação imediata até nova e tormentosa busca.

O desejo impõe-se como fenômeno biológico, éti­co e estético, necessitando ser bem administrado em um como noutro caso, a fim de se tornar motivação para o crescimento psicológico e espiritual do ser humano.

É natural, portanto, a busca do prazer, esse desejo interior de conseguir o gozo, o bem-estar, que se ex­pressa após a conquista da meta em pauta.

Por sua vez, o prazer é incontrolável, assim como não administrável pela criatura humana.

Goethe afirmava que ele constituía uma verdadei­ra dádiva de Deus para todos quantos se identificam com a vida e que se alegram com o esplendor e a beleza que ela revela. A vida, em conseqüência, retribui-o atra­vés do amor e da graça.

O prazer se apresenta sob vários aspectos: orgâni­co, emocional, intelectual, espiritual, sendo, ora físico, material, e noutros momentos de natureza abstrata, es­tético, efêmero ou duradouro, mas que deve ser regis­trado fortemente no psiquismo, para que a existência humana expresse o seu significado.

O prazer depende, não raro, de como seja conside­rado. Aquilo que é bom, genericamente dá prazer, abrin­do espaço para o medo da perda, das faltas, ou para as situações em que pode gerar danos, auxiliando na que­da do indivíduo em calabouços de aflição.

Muitas pessoas consideram o prazer apenas como sendo expressão da lascívia, e se olvidam daquele que decorre dos ideais conquistados, da beleza que se ex­pande em toda parte e pode ser contemplada, das inefáveis alegrias do sentimento afetuoso, sem posse, sem exigência, sem o condicionamento carnal.

Por uma herança atávica, grande número de pes­soas tem medo do prazer, da felicidade, por associá-lo ao pecado, à falta de mérito, que se tornaria uma dívi­da a resgatar, ensejando à desgraça vir-lhe empós, ou, talvez, como sendo uma tentação diabólica para retirar a alma do caminho do bem.

Tal castração punitiva, que se prolongou por mui­tos séculos, ao ser vencida deixou uma certa consciên­cia de culpa, que liberada, vem conduzindo uma ver­dadeira legião de gozadores ao desequilíbrio, ao abu­so, ao extremo das aberrações.

Como efeito secundário, ainda existem muitas pes­soas que temem o prazer ou que procuram dissimulá­lo, envolvendo-o em roupagens variadas de desculpis­mos, para acalmar seus conflitos subjacentes.

Acentuamos, porém, que o prazer é uma força cri­adora, predominante em tudo e em todos, responsável pela personalidade, mesmo pela esperança. Muitas ve­zes, é confundido com o desejo de tudo possuir, a fim de desfrutar, mais tarde, da cornucópia carregada de todos os gozos, preferentemente o de natureza sexual.

Wilhelm Reich, o eminente autor da Bioenergéti­ca, centrou, no prazer, todas as buscas e aspirações hu­manas, considerando que a pessoa é somente o seu cor­po, e que este é constituído por um sistema energético, que deve ser trabalhado, sempre que a couraça bloqueie a emoção, propondo como terapia a Teoria dos Anéis, a fim de, através da sua aplicação nas couraças corres­pondentes, poder liberar a emoção encarcerada.

Tendo, no corpo somente, a razão de ser da vida, Reich tornou-se apologista do prazer carnal, sensual, capaz de levar ao estado de felicidade psicológica, emo­cional.

A natureza espiritual do ser humano, no entanto, não mereceu qualquer referencial de Reich, assim como de outros estudiosos do comportamento e da criatura em si mesma, na sua complexidade, ficando em plano secundário.

Desse modo, o desejo e o prazer se transformam em alavancas que promovem o indivíduo ou abismos que o devoram.

A essência da vida corporal, no entanto, é a con­quista de si mesmo, a luta bem direcionada para que se consiga a vitória do Self, a sua harmonia, e não apenas o gozo breve, que se transfere de um estágio para ou­tro, sempre mais ansioso e perturbador.


4

SEXO E AMOR

Na sua globalidade, o amor é sentimento vincula­do ao Self enquanto que a busca do prazer sexual está mais pertinente ao ego, responsável por todo tipo de posse.

O sentimento de amor pode levar a uma comunhão sexual, sem que isso lhe seja condição imprescindível. No entanto, o prazer sexual pode ser conseguido pelo impulso meramente instintivo, sem compromisso mais significativo com a outra pessoa, que, normalmente se sente frustrada e usada.

Os profissionais do sexo, porque perdem o com­ponente essencial dos estímulos, em razão do abuso de que se fazem portadores, derrapam nas explosões eró­ticas, buscando recursos visuais que lhes estimulem a mente, a fim de que a função possa responder de ma­neira positiva. Mecanicamente se desincumbem da ta­refa animal e violenta, tampouco satisfazendo-se, porqüanto acreditam que estão em tarefa de aliciamento de vidas para o comércio extravagante e nefando da venda das sensações fortes, a que se habituaram.

O amor, como componente para a função sexual, émeigo e judicioso, começando pela carícia do olhar que se enternece e vibra todo o corpo ante a expectativa da comunhão renovadora.

Essa libido tormentosa, veiculada pela mídia e ex­posta nas lojas em forma de artefatos, torna-se aberra­ção que passa para exigências da estroinice, resvalan­do nos abismos de outros vícios que se lhe associam.

Quando o sexo se apresenta exigente e tormento­so, o indivíduo recorre aos expedientes emocionais da violência, da perseguição, da hediondez.

Os grandes carrascos da Humanidade, até onde se os pode entender, eram portadores de transtornos se­xuais, que procuravam dissimular, transferindo-se para situações de relevo político, social, guerreiro, tornan­do-se temerários, porque sabiam da impossibilidade de serem amados.

Quando o amor domina as paisagens do coração, mesmo existindo quaisquer dificuldades de ordem se­xual, faz-se possível superá-las, mediante a transfor­mação dos desejos e frustrações em solidariedade, em arte, em construção do bem, que visam ao progresso das pessoas, assim como da comunidade, tornando-se, portanto, irrelevantes tais questões.

O ser humano, embora vinculado ao sexo pelo atavismo da reprodução, está fadado ao amor, que tem mais vigor do que o simples intercurso genital.

Sem dúvida, por outro lado, as grandes edificações de grandeza da humanidade tiveram no sexo o seu élan de estímulo e de força. Não obstante, persegue-se o su­cesso, a glória efêmera, o poder para desfrutar dos pra­zeres que o sexo proporciona, resvalando-se em equí­voco lamentável e perturbador.

O amor à arte e à beleza igualmente inspirou Mi­guel Ângelo a pintar a capela Sistina, dentre outras obras magistrais, a esculpir la Pietá e o Moisés; o amor à ciência conduziu Pasteur à descoberta dos micróbios; o amor à verdade levou Jesus à cruz, traçando uma rota de segurança para as criaturas humanas de todos os tempos...

O amor é o doce enlevo que embriaga de paz os seres e os promove aos píncaros da auto-realização, estimulando o sexo dignificado, reprodutor e cal­mante.

Sexo, em si mesmo, sem os condimentos do amor é impulso violento e fugaz.

5

MEDO DE AMAR

A insegurança emocional responde pelo medo de amar.

Como o amor constitui um grande desafio para o Self, o indivíduo enfermiço, de conduta transtornada, inquieto, ambicioso, vítima do egotismo, evita amar, a fim de não se desequipar dos instrumentos nos quais

oculta a debilidade afetiva, agredindo ou escamotean­do-se em disfarces variados.

O amor é mecanismo de libertação do ser, median­te o qual, todos os revestimentos da aparência cedem lugar ao Si profundo, despido dos atavios físicos e men­tais, sob os quais o ego se esconde.

O medo de amar é muito maior do que parece no organismo social. As criaturas, vitimadas pelas ambi­ções imediatistas, negociam o prazer que denominam como amor ou impõem-se ser amadas, como se tal con­quista fosse resultado de determinados condicionamen­tos ou exigências, que sempre resultam em fracasso.

Toda vez que alguém exige ser amado, demonstra desconhecimento das possibilidades que lhe dormem em latência e afirma os conflitos de que se vê objeto. O amor, para tal indivíduo, não passa de um recurso para uso, para satisfações imediatas, iniciando pela proje­ção da imagem que se destaca, não percebendo que, aqueloutros que o louvam e o bajulam, demonstrando-lhe afetividade são, também, inconscientes, que se uti­lizam da ocasião para darem vazão às necessidades de afirmação da personalidade, ao que denominam de um lugar ao Sol, no qual pretendem brilhar com a clarida­de alheia.

Vemo-los no desfile dos oportunistas e gozadores, dos bulhentos e aproveitadores que sempre cercam as pessoas denominadas de sucesso, ao lado das quais se encontram vazios de sentimento, não preenchendo os espaços daqueles a quem pretendem agradar, igualmen­te sedentos de amor real.

O amor está presente no relacionamento existente entre pais e filhos, amigos e irmãos. Mas também se expressa no sentimento do prazer, imediato ou que venha a acontecer mais tarde, em forma de bem-estar. Não se pode dissociar o amor desse mecanismo do prazer mais elevado, mediato, aquele que não atormenta nem exige, mas surge como resposta emergente do próprio ato de amar. Quando o amor se instala no ser humano, de imediato uma sensação de prazer se lhe apresenta natural, enriquecendo-o de vitalidade e de alegria com as quais adquire resistência para a luta e para os grandes desafios, aureolado de ternura e de paz.

O amor resulta da emoção, que pode ser definida

como uma reação intensa e breve do organismo a um lance inesperado, a qual se acompanha dum estado afetivo de concentração penosa ou agradável, do pon­to de vista psicológico. Também pode ser definida como o movimento emergente de um estado de excitamen­to de prazer ou dor.

Como conseqüência, o amor sempre se direciona àqueles que são simpáticos entre si e com os quais se pode manter um relacionamento agradável. Este con­ceito, porém, se restringe à exigência do amor que se expressa pela emoção física, transformando-se em pra­zer sensual.

Sob outro aspecto, háo amor profundo, não neces­sariamente correspondido, mas feito de respeito e de carinho pelo indivíduo, por uma obra de arte, por algo da Natureza, pelo ideal, pela conquista de alguma coi­sa superior ou transcendente, para cujo logro se empe­nham todas as forças disponíveis, em expectativa de um prazer remoto a alcançar.

As experiências positivas desenvolvem os senti­mentos de afetividade e de carinho, as desagradáveis propÕem uma postura de reserva ou que se faz caute­losa, quando não se apresenta negativa.

No medo de amar, estão definidos os traumas de infância, cujos reflexos se apresentam em relação às demais pessoas como projeções dos tormentos so­fridos naquele período. Também pode resultar de insatisfação pessoal, em conflito de comportamento por imaturidade psicológica, ou reminiscência de so­frimentos, ou nos seus usos indevidos em reencar­nações transatas.

De alguma forma, no amor, há uma natural neces­sidade de aproximação física, de contato e de contigüi­dade com a pessoa querida.

Quando se é carente, essa necessidade torna-se tor­mentosa, deixando de expressar o amor real para tor­nar-se desejo de prazer imediato, consumidor. Se for estabelecida uma dependência emocional, logo o amor se transforma e torna-se um tipo de ansiedade que se confunde com o verdadeiro sentimento. Eis porque, muitas vezes, quando alguém diz com aflição eu o amo, está tentando dizer eu necessito de você, que são sen­timentos muito diferentes.

O amor condicional, dependente, imana uma pes­soa à outra, ao invés de libertá-la.

Quando não existe essa liberdade, o significado do eu o amo, o transforma na exigência de você me deve amar, impondo uma resposta de sentimento inexisten­te no outro.

O medo de amar também tem origem no receio de não merecer ser amado, o que constitui um complexo de inferioridade.

Todas as pessoas são carentes de amor e dele cre­doras, mesmo quando não possuam recursos hábeis para consegui-lo. Mas sempre haverá alguém que este­ja disposto a expandir o seu sentimento de amor, sintonizando com outros, também portadores de necessi­dades afetivas.

O medo, pois, de amar, pelo receio de manter um compromisso sério, deve ser substituído pela busca da afetividade, que se inicia na amizade e termina no amor pleno. Tal sentimento é agradável pela oportunidade de expandir-se, ampliando os horizontes de quem de­seja amigos e torna-se companheiro, desenvolvendo a emoção do prazer pelo relacionamento desinteressado, que se vai alterando até se transformar em amor legíti­mo.

Indispensável, portanto, superar o conflito do medo de amar, iniciando-se no esforço de afeiçoar-se a outrem, não gerando dependência, nem impondo condições.

Somente assim a vida adquire sentido psicológico e o sentimento de amor domina o ser.


6

CASAMENTO E COMPANHEIRISMO

O resultado natural do amor entre pessoas de se­xos diferentes é o casamento, quando se tem por meta a comunhão física, o desenvolvimento da emoção psí­quica, o relacionamento gerador da família e o compa­nheirismo.

O matrimônio representa um estágio de alto de­senvolvimento do Self, quando se reveste de respeito e consideração pelo cônjuge, firmando-se na fidelidade e nos compromissos da camaradagem em qualquer es­tágio da união que os vincula, reciprocamente, um ao outro ser.

Conquista da monogamia, através de grandes lu­tas, o instinto vem sendo superado pela inteligência e pela razão, demonstrando que o sexo tem finalidades específicas, não devendo a sua função ser malbaratada nos jogos do prazer incessante, e significa uma auto-realização da sociedade, que melhor compreende os direitos da pessoa feminina, que deixa de ser um obje­to para tornar-se nobre e independente quanto é. O mesmo ocorre em relação ao esposo, cabendo à mulher o devido cumprimento dos deveres de o respeitar, man­tendo-se digna em qualquer circunstância e época após o consórcio.

Mais do que um ato social ou religioso, conforme estabelecem algumas Doutrinas ancestrais, vinculadas a dogmas e a ortodoxias, o casamento consolida os vín­culos do amor natural e responsável, que se volta para a construção da família, essa admirável célula básica

da humanidade.

O lar é, ainda, o santuário do amor, no qual, as cri­aturas se harmonizam e se completam, dinamizando os compromissos que se desdobram em realizações que dignificam a sociedade.

Por isso, quando o egoísmo derruba os vínculos do matrimônio por necessidades sexuais de variação, ou porque houve um processo de saturação no relacio­namento, havendo filhos, gera-se um grave problema para o grupo social, não menor do que em relação a si mesmo, assim como àquele que fica rejeitado.

Certamente, nem todos os dias da convivência ma­trimonial serão festivos, mas isso ocorre em todos os campos do comportamento. Aquilo que hoje tem um grande sentido e desperta prazer, amanhã, provavel­mente, se torna maçante, desagradável. Nesse momento, a amizade assume o seu lugar, amenizando o con­flito e proporcionando o companheirismo agradável e benéfico, que refaz a comunhão, sustentando a afeição.

Em verdade, o que mantém o matrimônio não é o prazer sexual, sempre fugidio, mesmo quando inspira­do pelo amor, mas a amizade, que responde pelo inter­câmbio emocional através do diálogo, do interesse nas realizações do outro, na convivência compensadora, na alegria de sentir-se útil e estimado.

Há muitos fatores que contribuem para o descon­certo conjugal na atualidade, como os houve no passa­do. Primeiro, os de natureza íntima: insegurança, bus­ca de realização pelo método da fuga, insatisfação em relação a si mesmo, transferência de objetivos, que nun­ca se completarão em uma união que não foi amadure­cida pelo amor real. Segundo, por outros de ordem psico-social, econômica, educacional, nos quais estão embutidos os culturais, de religião, de raça, de nacionalidade, que sempre comparecem como motivo de de­sajuste, passados os momentos de euforia e de prazer. Ainda se podem relacionar aqueles que são conse­qüências de interesses subalternos, nos quais o senti­mento do amor esteve ausente. Nesses casos, já se iniciou o compromisso com programa de extinção, o que logo sucede. Há, ainda, mais alguns que são derivados do interesse de obter sexo gratuitamente, quando seja solicitado, o que derrapa em verdadeira amoralidade de comportamento.

O matrimônio, fomentando o companheirismo, permite a plenificação do par, que passa a compreen­der a grandeza das emoções profundas e realizadoras, administrando as dificuldades que surgem, prosseguin­do com segurança e otimismo.

Nos relacionamentos conjugais profundos também podem surgir dificuldades de entendimento, que de­vem ser solucionadas mediante a ajuda especializada de conselheiro de casais, de psicólogos, da religião que se professa, e, principalmente, por intermédio da ora­ção que dulcifica a alma e faculta melhor entendimen­to dos objetivos existenciais. Desse modo, a tolerância toma o lugar da irritação, a compreensão satisfaz os es­tados de desconforto, favorecendo com soluções hábeis para que sejam superadas essas ocorrências.

É claro que o casamento não impõe um compro­misso irreversível, o que seria terrivelmente perturba-dor e imoral, em razão de todos os desafios que apre­senta, os quais deixam muitas seqüelas, quando não necessariamente diluídos pela compreensão e pela afe­tividade.

A separação legal ocorre quando já houve a de na­tureza emocional, e as pessoas são estranhas uma à outra.

Ademais, a precipitação faz com que as criaturas se consorciem não com a individualidade, o ser real, mas sim, com a personalidade, a aparência, com os ma­neirismos, com as projeções que desaparecem na con­vivência, desvelando cada qual conforme é, e não como se apresentava no período da conquista.

Essa desidentificação, também conhecida como o cair da máscara, causa, não poucas vezes, grandes cho­ques, produzindo impactos emocionais devastadores.

O ser amadurecido psicologicamente procura a emoção do matrimônio, sobretudo para preservar-se, para plenificar-se, para sentir-se membro integrante do grupo social, com o qual contribui em favor do pro­gresso. A sua decisão reflete-se na harmonia da sociedade, que dele depende, tanto quanto ele se lhe sente necessário.

Todo compromisso afetivo, portanto, que envolve dois indivíduos, torna-se de magna importância para o comportamento psicológico de ambos. Rupturas abrup­tas, cenas agressivas, atitudes levianas e vulgaridade geram Lesões na alma da vítima, assim como naquele que as assume.


SEGUNDA PARTE


7

CONQUISTA DO PRAZER

A cultura hedonista tem-se direcionado exclusivamente para o culto do prazer, principalmente aquele que se adquire com o menor esforço.

Ninguém, entretanto, consegue viver em harmo­nia consigo próprio, sem a auto-realização, sem a con­quista das metas que facultam essa emoção estimula­dora e vital.

Não obstante, a vida possui outros significados de pro­fundidade, outras realizações que, certamente, resultarão em prazer ético, estético, espiritual. Como conseqüência, a proposta hedonista falha no seu próprio conteúdo, que seria tornar a vida uma busca de prazer incessante.

São inevitáveis as ocorrências do desgaste orgâ­nico, do conflito psicológico, do distúrbio mental, das dificuldades financeiras, sociais, existenciais.

A própria dor faz parte do processo que integra a criatura no contexto da sociedade, sem cujo contri­buto desapareceriam os esforços para o auto-apri­moramento, a iluminação pessoal, o progresso geral.

A emoção de dor constitui mecanismo da vida, que deve ser atendida sem disfarce, porqüanto o próprio crescimento do ser depende das experiências que ela proporciona.

Quando o estoicismo propôs a resignação diante da dor, Atenas se encontrava sob imensos desafios po­líticos e morais.

Renascendo várias vezes na História e trazendo a sua contribuição para a felicidade da criatura hu­mana, a partir de Boécio, que o vinculou à proposta cristã vigente, esteve no pensamento de René Des­cartes, de Montaigne e de outros, convidando à re­flexão e à coragem em quaisquer circunstâncias. To­davia, embora seja valiosa essa contribuição, a resig­nação sem uma imediata ou simultânea ação que con­duza o ser a libertar-se da injunção dolorosa, pode fazê-lo derrapar numa atitude masoquista, perturba­dora.

A atitude estóica deve ser seguida pelo esforço de vencer o sofrimento, criando situações diferentes que gerem prazer, proporcionando motivação para prosse­guir a existência corporal, què é de grande importância para a vida em si mesma.

Intermediando as duas conceituações filosóficas, o idealismo de Sócrates e Platão constitui-se como uma condição indispensável para a plenitude do prazer que pode ser conseguido mediante a consciência tranqüila, que se torna fruto de um coração pacificado em razão das ações de nobreza realizadas.


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PODER PARA O PRAZER

A formulação hedonista do prazer conduz o indi­víduo a considerá-lo como sendo uma inevitável con­seqüência do poder, transferindo todas as aspirações para esse tipo de conquista, muito confundido com o triunfo em apresentação de sucesso.

O poder tem recursos para levar ao prazer em ra­zão das portas que abre, quase todas porém, de resul­tados enganosos, porque aqueles que se acercam dos poderosos estão, quase sempre, atormentados pelo ego, utilizando-se da circunstância para satisfazer aos con­flitos em que se debatem. Os seus referenciais são fal­sos, a sua amizade é insustentável, a sua solidariedade é enganosa, e eles trabalham como atores em uma peça cuja fantasia é a realidade...

A busca do poder vem-se tornando febril, gerando conceitos errôneos que propõem qualquer método des­de que o objetivo seja alcançado, especialmente com brevidade, já que o tempo é muito importante para a usança do prazer.

Na Obra de Oscar Wilde, denominada O retrato de Dorian Gray, é possível ver-se a terrível aflição do jovem para manter a aparência, a fim de desfrutar de todos os gozos, mesmo os derivados da abjeção, com rapidez e sofreguidão.

Não lhe importavam as vidas ceifadas, as angústi­as dilaceradoras que a sua insaciável busca ia deixan­do para trás. A indução infeliz de Lorde Harry Wolton permanecia-lhe na mente aturdida, como uma hipnose dominadora. Ele falara-lhe que a juventude passava ra­pidamente e que o corpo belo se transformaria inevita­velmente, desorganizando-se, degenerando. Seria pois, necessário, fruir o prazer até à exaustão, naquele momento fugidio, na estação dos verdes anos.

O moço, embriagado pelo narcisismo, sem escutar a sensatez do seu amigo, o pintor Basil Hallward, dei­xou-se arrebatar e proclamou o desejo de que envelhe­cesse o retrato, não ele, ficando no esplendor da juven­tude, que era o seu poder mais relevante, assim pas­sando a viver a situação amarga que o vitimou.

Wilde, sem conhecer os complexos mecanismos do perispírito, descreveu como os atos ignóbeis do ser pas­sam a ser registrados nesse corpo intermediário e sutil, que se deforma até a mais vulgar e depravada expres­são, decorrente da conduta perversa e promíscua de Dorian, culminando em mais crime e na tragédia da autoconsumpção...

Por outro lado, o poder econômico parece acenar com maior quota de prazeres, considerando-se o nú­mero de pessoas que se escravizam ao dinheiro, ven­dendo a própria existência para atender à desmedida ambição. Em razão disso, o desespero pela sua aquisi­ção torna-se meta de muitas vidas que naufragam, quando o conseguem — não se sentindo completadas interiormente — ou quando não se vêem abençoadas pelo apoio da fortuna, enveredando pelo corredor da revolta e tombando mais além da miséria a que se en­tregam.

O poder converte-se, desse modo, em verdadeira paixão ou numa quimera a ser perseguida. E porque os seus valores são ilusórios, as suas vítimas se multipli­cam volumosamente.

Todos aspiram a algum tipo de poder. Até o poder da mentira é mencionado com suficiente força para se conseguir algum triunfo, e não são poucos os indivíduos que o utilizam, terminando por infamar, destruir, malsinar...

Mediante o poder adquire-se a possibilidade de manipular vidas, alterar comportamentos, atingir os cumes das vaidades doentias.

É inata essa ambição, porqüanto está presente nos animais expressando-se em força, mediante a qual so­brevive o espécime mais forte.

O homem, no entanto, porque pensa, recorre ao poder a fim de desfrutar de mais prazer, e o faz indivi­dualmente, tornando-se um perigo quando o transfe­riu para as massas que, através de pressões violentas, alteram a conduta do próprio grupo social: sindicatos para a defesa de empregados; agremiações para prote­ção dos seus membros; clubes para recreações; condo­mínios para guarda de algumas elites; clínicas de vari­adas especialidades para a proteção da saúde...

Graças a essa força transformada em poder coleti­vo o processo de evolução da humanidade tornou-se factível, mas também as guerras irromperam cada vez mais cruéis, as calamidades sociais mais desastrosas, o crime organizado mais virulento... Nessa marcha, com a soma do poder nas mãos de governos arbitrários, a possibilidade da destruição de milhões de vidas e mes­mo do planeta, torna-se uma realidade nunca descarta­da dos estudiosos do comportamento coletivo dos po­vos.

O poder, quando em pessoas imaturas, corrompe­as, assim como se torna instrumento de perversão de outros indivíduos que se lhe entregam inermes e ansi­osos.

Tudo, porém, guardando-se a ambição do prazer que se poderá usufruir.

O poder, por mais recursos disponha, é antagôni­co ao prazer. Isto porque o prazer resulta do inter-rela­cionamento das energias que são liberadas no fluxo das sensações que o ser corporal experimenta em si mesmo ou no meio em que se movimenta. O poder, no entan­to, é forte enquanto produz o represamento e o contro­le da energia. Ademais, o poder é fonte de conflito, o que impede o prazer real, exceto em condições patoló­gicas do seu possuidor.

Através do poder surgem o abuso, a ausência de senso das proporções, a dominação ameaçadora e de­sagregadora do relacionamento humano. A vida fami­liar perde a sua estrutura quando um dos cônjuges as­sume o poder e o expande, submetendo o outro e os demais membros do clã. No grupo social, o mais fraco se sente sempre intimidado sob a espada de Damocles, que parece prestes a cair-lhe sobre a cabeça.

Há uma tendência natural no poder, que o leva a submeter os demais seres ao seu talante, tornando-se repressório e cruel. Toda repressão e crueldade castram o prazer, mesmo quando este se pode apresentar, por­que se vê rechaçado ou rebaixado à condição de satis­fação individual, angustiada.

Quando o poder, no entanto, supera as barreiras dos interesses mesquinhos do ego, passa a trabalhar para a comunidade igualitária, na qual surgirão os pra­zeres compensadores. Para que tal se realize, torna-se inevitável a necessidade, o cultivo da criatividade, per­mitindo que o ser humano cresça e expanda a sua ca­pacidade realizadora, fomentando o bem-estar geral e a harmonia entre os indivíduos, jamais se direcionan­do para fins que não sejam o crescimento e a valoriza­ção da sociedade.

Seja qual for a forma de poder, torna-se imprescin­dível a liberação da sua carga egoísta para preencher a superior finalidade do prazer.


9

PRAZER E FUGA DA DOR

Mecanismos conscientes como inconscientes pro­pelem o indivíduo a fugir do sofrimento, que se lhe afigura como processo de perturbação e desequilí­brio.

Remanescente das experiências animais, nas quais a dor feria a sensibilidade do instinto, produzindo de­sespero incontrolável, por falta do recurso da razão, tal atavismo transforma-se em arquétipo conflitivo ínsito no inconsciente coletivo, tornando-se gênese de fobias variadas, que se avultam e se transformam em estados patológicos.

Por outro lado, vivências anteriores, que decorrem de reencarnações malsucedidas, transformam-se em receios, que são reminiscências do já passado ou pre­disposição automática para futuros acontecimentos.

Esses sucessos encontram-se estabelecidos pela Lei de Causa e Efeito, que é inexorável na sua programáti­ca, afinal decorrente da conduta do próprio Espírito, na sua condição de autor de todos os fenômenos que o alcançam, em razão da sua observância ou não aos Es­tatutos da Vida.

O sentimento de medo que alcança o ser humano ésempre descarregado através da fuga, evitando que aconteça o lance perturbador.

Expressa-se, esse medo, toda vez que se pressente a predominância de uma força superior, real ou não, que pode produzir sofrimento. Surge, então, o desafio entre fugir e enfrentar, dependendo da reação momen­tânea que se apossa do indivíduo.

Relativamente aos danos que o sofrimento pode causar, surgem as manifestações de medo físico, moral e psíquico, afetando o comportamento.

O de natureza física fere a organização somáti­ca, cujos efeitos poderão ser controlados pelas resis­tências emocionais. No entanto, o despreparo para a agressão corporal faculta que a dor se irradie pelo sistema nervoso central tornando-se desagradável e desgastante.

O de natureza moral é mais profundo, porque desarticula a sensibilidade psicológica, apresentan­do a soma de prejuízos que causa, no conceito em torno do ser, dos seus propósitos, da aura da sua dignidade, terminando por afetar-lhe o equilíbrio emocional.

... E quando as resistências morais são abaladas, facilmente surgem os sofrimentos psíquicos, as fixações que produzem danos nos painéis da mente, empurran­do para transtornos graves.

Esse medo de acontecimentos de tal porte impulsi­ona à raiva, como recurso preventivo, que leva a agre­dir antes de ser vitimado, ou à reação que se transfor­ma em quantidade de força que o ajuda a superar o receio que o acomete, seja em relação ao volume ou ao peso do opositor.

Onde, todavia, a raiva não se pode expressar, por­que o perigo é impalpável, se apresenta abstrato ou toma um vulto assustador, o medo desempenha o seu papel de preponderância, dominando como fantasma triunfante, que aparvalha.

Na sua psicogênese, estão presentes fatores que fi­caram na infância ou na juventude, nos processos cas­tradores da educação e da formação da personalidade, que levavam ao pranto ante a escuridão, às ameaças reais ou veladas, à presença da mãe castradora, do pai negligente ou violento, à insatisfação e à raiva...

O controle do ego é a melhor maneira para afu­gentar o medo, evitando que se transforme em pânico.

Face aos muitos mecanismos a que recorre, para poupar-se ao medo, a tudo que produza sofrimento, o ser humano é impulsionado a evitar o amor, justifican­do que nunca é amado, sendo-lhe sempre exigido amar.

Todos anelam pelo amor, entretanto, por imaturi­dade, não têm conhecimento do que é o mesmo, assim incorrendo no perigo de ter medo de amar.

Acredita, aquele que assim procede, que amando se vincula, passa a depender e recebe em troca o aban­dono, a indiferença, que lhe constituem perigosas ame­aças à segurança no castelo do ego, no qual se isola, perdendo as excelentes oportunidades para conseguir uma vida de plenificação.

Esse amor condicional, de troca, egotista — eu so­mente amarei se ou quando; eu amo porque — tem suas raízes fincadas na insegurança afetiva, infantil, pertur­badora, que não foi completada pela presença da ter­nura nem da espontaneidade. Assim ocorria antes como forma compensatória a algum interesse não atendido, como referencial a algum objetivo em aberto, produ­zindo desconfiança a respeito do amor, que remanesce incompleto, temeroso.

O medo de amar escamoteia-se e leva à solidão angustiante, que projeta o conflito como sendo de respon­sabilidade das demais pessoas, do meio social que é con­siderado agressivo e insano, fatores esses que existem no imo daquele que se recusa inconscientemente a dar-se, ao inefável prazer de libertar as emoções retidas.

O amor relaxa e conforta, sendo felicitador e pro­porcionando compensação em forma de prazer.

É o sentimento mais complexo e mais simples que predomina no ser humano, ainda tímido em relação às suas incontáveis possibilidades, desconhecedor dos seus maravilhosos recursos de relacionamento e bem-estar, de estimulação à vida e a todos os seus mecanis­mos.

O amor liberta quem o oferece, tanto quanto aque­le a quem é direcionado, e se isso não sucede, não atin­giu o seu grau superior, estando nas fases das trocas afetivas, dos interesses sexuais, dos objetivos sociais, das necessidades psicológicas, dos desejos... Certamente são fases que antecedem o momento culminante, quan­do enriquece e apazigua todas as ansiedades.

De qualquer forma porém, amar é impositivo da evolução e psicoterapia de urgência, que se torna in­dispensável ao equilíbrio do comportamento das cria­turas.

Expressando prazer de viver, o amor irradia-se de acordo com o nível de consciência de cada ser ou con­forme o seu grau de conhecimento intelectual.

Todo o empenho para superar o medo de amar deve ser aplicado pelo ser humano, que realmente pre­tende o auto-encontro, a harmonia interior.


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AFEIÇÕES E CONFLITOS

Quando os conflitos interiores não se encontram solucionados e a imaturidade predomina no compor­tamento psicológico do ser, a sua afetividade é instá­vel, perturbada, exigente, nunca se completando.

Ninguém consegue viver sem afeição. E quando isso ocorre, expressa algum tipo de psicopatologia, porqüanto o sentimento da afetividade é o veio aurífero de enriquecimento da criatura psicológica. Sem esse sentido da vida, ocorre uma hipertrofia de valores emo­cionais e o indivíduo em desarmonia, degenera.

A afeição é inata ao ser humano, como o instinto que alcança um patamar mais elevado no seu processo de desenvolvimento de valores inatos, podendo-se per­der, mesmo embrionariamente, nas expressões de di­versos animais, na sua maternidade, na defesa das cri­as, nas brincadeiras e jogos que se permitem. Momen­tos surgem, nos quais se tem idéia de que pensam e se ajudam. Posteriormente, esse instinto cresce e adquire maior soma de sensibilidade, quando identifica pelo odor aquele que o cuida, nota-lhe a ausência, sofre-a e, às vezes deperece até a morte por inanição, negando-se ao alimento, em razão da morte daquele que o cui­dava e a quem se ligava...

No ser humano, mais desenvolvido molecularmen­te, portador de um sistema nervoso mais avançado, surge como afetividade, a princípio atormentada, inse­gura, exigente, depois calma, produtiva e compensa­dora.

Porque permanece em conflitos consigo mesmo, o ser que transita na inquietação não se permite afeição alguma, nem se doando, nem a aceitando de outrem, face à insegurança em que se encontra, por desconfian­ça de que a mesma se expresse como forma de senti­mentos inconfessáveis, ou porque se lhe deseja explo­rar.

Vitimado por não confessável complexo de inferi­oridade, em que se compraz, não acredita merecer afei­ção, ampliando a área dos conflitos e abrindo espaço para vinculação terrível com parasitas espirituais, que se transformam em estados obsessivos de larga dura­ção.

Qualquer indivíduo merece afeição e deve esfor­çar-se por desenvolvê-la e experienciá-la. Trabalhando-se interiormente, reflexionando em torno dos direitos e valores que todos possuem ante a Vida, reformula pla­nos mentais e dá-se conta de que é portador de um te­souro de ternura ainda submersa no ego, que é capaz de expandi-la e digno de a receber também. Quando isso não se lhe faz possível, o auxílio de um psicólogo ou de um psicanalista é valioso, ou mesmo de um grupo social de ajuda, porque, de alguma forma, quase to­das as pessoas possuem conflitos semelhantes, que va­riam apenas na forma de expressar-se.

Muitos fatores perinatais e da infância predomi­nam na área dos conflitos e da desafeição. São registros que não foram digeridos, nem consciente ou inconsci­entemente, remanescendo como trauma de solidão, de desamor, de rejeição, de decepção dos pais e do institu­to familiar ou meio social, ou mesmo heranças genéti­cas, que agora se manifestam em isolacionismo, em cen­suras doentias, em autoflagelações dolorosas, quão in­justificáveis.

A afeição dá sentido à existência humana, facul­tando-lhe a luta otimista, o esforço continuado, o interesse permanente, a conquista de novos valores para progredir e enobrecer-se. Não é tanto a condição moral que a estimula, senão o objetivo que se tem a seu res­peito, que desenvolve o sentimento moral. Quando isso não ocorre, surgem o fanatismo de qualquer expressão, o mascaramento de natureza moral, em processos psi­cológicos de transferência, que aparecem como purita­nismo, exigência descabida de valores éticos e uma in­suportável conduta de aparência que está longe da rea­lidade interior.

Ela tem início em um sentido de carinho que se expande e enlaça os seres sencientes, aumentando até o encontro com a criatura humana, que igualmente necessita de afeto e pode retribuí-lo, em intercâmbio que dignifica e dá significado à existência.

Quando escasseia a afetividade, o que se deriva de conflitos anteriores, pode a criatura esforçar-se por bus­car objetivos, senão no presente, pelo menos no futuro.

Fixando alguma coisa ou pessoa que desperte in­teresse ou alguma forma de simpatia, que se transfor­mará em afeição com o decorrer do tempo, liberando-­se da algidez emocional, passa a fixar-se nos aconteci­mentos do passado e procura deles desvencilhar-se; assinalado, no entanto, pelo trauma que o esmaga, lu­tará, agora que possui motivação para continuar a vi­ver, com insistente tenacidade, a fim de libertar-se de tudo que lhe é perturbador.

A logoterapia, proposta por Viktor Frankl, convo­ca o ser para projetar-se no futuro, nas possibilidades ainda não exploradas, que são um manancial inesgotá­vel de recursos que aguardam oportunidade para ma­nifestar-se.

“— Que meta poderia alguém acalentar em um campo de concentração, de trabalhos forçados e de exter­mínio sistemático — interroga o logoterapeuta — para superar a depressão e encontrar objetivo para lutar, para viver?”

Ele próprio responde: “— Projetá-lo no futuro. Des­cobrir se alguma coisa o aguarda, quando sair do cam­po: um filho, uma esposa, um sentimento de arte, de cultura, algum projeto interrompido!”

E conclui, confortavelmente: “— Quase todos os in­ternados tinham algo que fazer, que terminar, nem que fosse denunciar a crueldade assassina dos seus algo­zes, a indiferença da cultura e da civilização com o des­tino que lhes havia sido reservado, por motivo nenhum, como se houvesse algum motivo que tornasse o ser humano bestial e tão perverso.”

Aqueles carcereiros impiedosos haviam destruído o próprio sentimento de humanidade e converteram-se em sicários, tornando as demais criaturas que lhes caíam nas mãos, apenas um número que não lhes sig­nificava nada e que lhes proporcionava o prazer de os esmagar, de destruir-lhes a alma, o valor, coisificando­as, zerando-as. Não obstante, eram pais e mães gentis, quando retornavam aos lares, bons vizinhos e afáveis cidadãos, com as exceções compreensiveis...

A crueldade mais acerba, todavia, se manifestava, em forma patológica de ausência de afeição nos guar­das recrutados entre os próprios prisioneiros, que se faziam verdugos implacáveis, buscando sobreviver, desfrutar de alguns favores e concessões dos seus per­seguidores.

Os conflitos mal controlados levam o indivíduo àcrueldade, à total insensibilidade, por sentir-se descon­fortado em si mesmo, transferindo o rancor da própria situação contra aqueles que acredita felizes e os fazem invejá-los..

Mediante a conquista da afetividade, lenta e segu­ramente, são superados os conflitos perturbadores, abrindo-se os braços, a princípio à solidariedade, de­pois ao cumprimento dos deveres de fraternidade, que levam ao amor.

Os sinais evidentes de uma existência e de um ser normais, são os pródromos do desabrochar da afetivi­dade tranqüila, que se desenvolve estimulando à luta, ao crescimento interior.

TERCEIRA PARTE


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FUGAS E REALIDADE

Graças ao processo da individualização do ser, superando as etapas primárias, na fase animal, o pre­domínio do ego desempenhou papel de primordial im­portância, trabalhando-o para vencer o meio hostil e os demais espécimes, usando a inteligência e o raciocínio como forças que o tornavam superior, deixando os re­manescentes da falsa condição de dominador do meio ambiente e de tudo quanto o cerca.

Como conseqüência, passou a acreditar que tam­bém poderia dominar o corpo, estabelecendo suas me­tas sem lembrar-se da transitoriedade e da fragilidade da maquinaria orgânica.

Impossibilitado de governá-lo, quanto gostaria, já que o organismo tem as suas próprias leis, que inde­pendem da consciência, como a respiração, a circula­ção, a digestão, a assimilação e outras, esses fenôme­nos ferem-lhe o egotismo e levam-no, não raro, a esta­dos depressivos perturbadores.

A mente, encarregada de proceder ao comando, experimenta então um choque com os equipamentos que direciona, em razão de ser metafísica, enquanto esses são de estrutura física, portanto, ponderáveis.

Ante a impossibilidade de exercer o seu predomí­nio total sobre o corpo, o ego estabelece mecanismos patológicos inconscientes de depressão, desejando ex­tinguir aquilo que o impede de governar soberano. Tra­ta-se de uma forma de autopunição, porqüanto, dessa maneira, se realiza interiormente. Como, porém, a men­te não depende do corpo, quando esse sobrevive à pa­tologia autodestrutiva, o ego esmaece e abrem-se pers­pectivas de ampliação dos sentimentos, como altruís­mo, fraternidade, interesse pelos demais.

O egoísmo é invejoso, porque aspirando tudo para si, lamenta o prejuízo de não conseguir quanto gostaria de deter, e por isso, inveja o corpo que não se lhe subme­te, preferindo matá-lo, na insânia em que se debate.

Lutar pela sobrevivência é tarefa específica da men­te, entre outras, com objetivo essencial de tudo empe­nhar por consegui-lo. Por isso, logra superar as injun­ções egotistas e ampliar o sentido e o significado da vida.

O ser humano está fadado à glória solar, acima das vicissitudes, às quais se encontra submetido momenta­neamente, como resultado do seu processo evolutivo, que o domina em couraças, de que se libertará, a pouco e pouco, utilizando-se dos recursos bioenergéticos e outros que as modernas ciências da alma lhe colocam ao alcance, ajudando-o no crescimento interior e na con­quista do super-ego.


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HEDONISMO

O conceito de hedonismo tem-se desdobrado em variantes através dos séculos. Criado, originariamente para facultar o processo filosófico da busca do prazer, hoje apresenta-se, do ponto de vista psiquiátrico como sendo uma expressão psicopatológica, por significar apenas o gozo físico, abrasador, incessante, finalidade única da existência humana, essencialmente egotista.

Tal conceito surgiu com o discípulo de Sócrates, Aristipo de Cirene, por volta do século 5º antes de Cristo e foi con­solidado por seus seguidores.

A finalidade única reservada ao ser humano, sob a óptica hedonista, era o prazer individual.

Na atualidade, consideram-se duas vertentes no hedonismo: a primeira, denominada psicológica ou antiga, que tem como meta o prazer como sendo o últi­mo fim, constituindo uma realidade psicológica positi­va, gratificante, e a ética ou moderna, que elucida, não procurarem as criaturas atuais sempre e somente o pra­zer pessoal, mas que se devem dedicar a encontrar e conseguir aquele que é o prazer maior para si mesmas e para a humanidade.

A tendência do ser humano, todavia, é a busca do que agrada de imediato, em razão do atavismo rema­nescente da posse, da dominação sobre o espécime mais fraco, que se lhe submete servilmente, proporcionando o gozo da falsa superioridade.

Nesse comportamento, a libido predomina, esta­belecendo a meta próxima, que se converte na auto-realização pelo atendimento ao desejo.

O desejo é fator de tormento, porqüanto se mani­festa com predominância de interesse, substituindo to­ dos os demais valores, como sendo primacial, após o que, atendido, abre perspectivas a novos anseios.

Nesse capítulo, o desejo de natureza lasciva, forte­mente vinculado ao sexo, atormenta, dando surgimen­to a patologias várias, que necessitam assistência tera­pêutica especializada.

Noutras vezes, as frustrações interiores impõem alteração de conduta, dando origem ao desejo do po­der, da glória, da conquista de valores amoedados, na vã ilusão de que essas aquisições realizam o seu pos­suidor. A realidade, no entanto, surge, mais decepcio­nante, o que produz, às vezes, estados depressivos ou de violência, que irrompem sutilmente ou voluptuo­sos.

São algumas dessas ocorrências psicológicas que dão surgimento aos ditadores, aos dominadores arbi­trários de pessoas e de grupos humanos, aos crimino­sos hediondos, aos perseguidores implacáveis, a ex­pressivo número de infelicitadores dos outros, porque infelizes eles próprios. No íntimo, subconscientemen­te, está a busca hedonista, impositiva, egóica, sem ne­nhuma abertura para o conjunto social, para a comuni­dade ou para si mesmo através das expressões de afeto e de doação, de carinho e bondade, que são valores de alto conteúdo terapêutico.

O hedonista vê-se apenas a si mesmo, aturdindo-se na insatisfação que acompanha o prazer, porqüanto jamais se torna pleno. A ânsia do prazer é tão incontro­lável quão intérmina. Conseguido um, outro surge, numa sucessão desenfreada.

Quando a consciência do dever estabelece os para­digmas da autoconquista, o prazer se transfere de sig­nificado, adquirindo outro sentido, que é de legitimidade para a harmonia do ser psicológico, exteriorizan­do-se em serviço, elevação interior, realizações perenes. Arrebenta as amarras do ego e abre as asas para o ser profundo poder expandir-se, voando em direção do Infinito.

O prazer de ajudar transforma o indivíduo em um ser progressista, idealista, que se realiza mediante a construção da felicidade em outrem, sem qualquer for­ma de fuga da sua própria realidade.

Nessa fase experimental da saída do ego e de sua superação, novos prazeres passam a ocupar os estados emocionais: a visão das paisagens irisadas de Sol e ri­cas de beleza, o encantamento que o mundo oferece, a alegria de estar vivo, o sentido de utilidade que experi­menta, a empatia que decorre dos valores que vão sen­do descobertos, contribuindo para o auto-encontro, para o significado existencial.

A busca do prazer, portanto, é parte essencial dos desafios psicológicos existenciais, desde que seja dire­cionada para aqueles que propõem libertação, conquista de paz, realização interior.

O altruísmo é o antídoto, a terapia mais valiosa para a superação do estágio hedonista da evolução do ser.


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O EU E A ILUSÃO

A trajetória de predominância do ego no ser é lar­ga. A descoberta do eu profundo, do ser real, da indivi­duação é, por conseqüência, mais difícil, mais sacrificial, exigindo todo o empenho e dedicação para ser lo­grada.

Vivendo em um mundo físico, no qual a ilusão da forma confunde a realidade, o que parece tem predo­mínio sobre o que é, o visível e o temporal dominam os sentidos, em detrimento do não visível e do atemporal, jungindo o ser à projeção, com prejuízo para o que é real, e é compreensível que haja engano na eleição do total em detrimento do incompleto.

Esse conflito — parecer e ser — responde pelos equívocos existenciais, que dão preferência ao que fere os sentidos, substituindo as emoções da alma, além das estruturas orgânicas. Estabelece-se, então, a prevalência da ilusão derivada do sensorial que a tudo comanda, no campo das formas, desempenhan­do finalidade dominante em quase todos os aspe­ctos da vida.

Submerso no oceano da matéria o ser profundo — o eu — encontrando-se em período de imaturidade psico­lógica, deixa-se conduzir pelo exterior, supondo-se di­ante da realidade, sem dar-se conta da mobilidade e estrutura de todas as coisas, na sua constituição mole­cular.

O campo das formas responde pela ilusão dos sen­tidos, que se prolongam pelos delicados equipamentos emocionais, dando curso a aspirações, desejos e com­portamentos.

A ilusão, no entanto, é efêmera, quanto tudo que se expressa de maneira temporal. A própria fugacida­de do tempo, como medida representativa e dimensio­nal da experiência física, traí o ser psicológico, cujo es­paço ilimitado necessita de outro parâmetro ou coor­denada que, ao lado de outra coordenada espacial, faculta a identificação univocamente de um fato ou ocor­rência.

O ser psicológico movimenta-se em liberdade, po­dendo viver o passado no presente, o presente no mo­mento e o futuro, conforme a projeção dos anseios, igualmente na atualidade. As dimensões temporais ce­dem-lhe lugar às fixações emocionais, responsáveis pela conduta do eu profundo.

Face a essa distonia entre o tempo físico e o emoci­onal, cria-se a ilusão que se incorpora como necessida­de de vivência imediata, primordial para a vida, sem o que o significado existencial deixa de ter importância.

A escala de valores do indivíduo está submetida à relatividade do conceito que mantém em torno do que anela e crê ser-lhe indispensável. Enquanto não apro­funda o sentido da realidade, a fim de identificar-lhe os conteúdos, todos os espaços mentais e emocionais permanecem propícios aos anseios da ilusão.

E ilusória a existência física, apertada na breve di­mensão temporal do berço ao túmulo, de um início e um fim, de uma aglutinação e uma destruição de molé­culas, retornando ao caos de onde se teria originado, fazendo que o sentido para o eu profundo seja destitu­ído de uma qualificação de permanência. Como efeito mais imediato, a ilusão do gozo se apropria do espaço-tempo de que dispõe, estabelecendo premissas falsas e gozos igualmente enganosos.

A dilatação do processo existencial, começando antes do berço e prosseguindo além do túmulo, oferece objetivos ampliados, que se eternizam, proporcionan­do contentos satisfatórios que se transformam em rea­lizações espirituais de valorização da vida em todos os seus atributos.

O ser humano não mais se apresenta como sendo uma constituição de partículas que formam um corpo, no qual, equipamentos eletrônicos de alta procedência reúnem-se casualmente para formar a estrutura huma­na, o seu pensamento, suas emoções, tendências, aspi­rações e acontecimentos morais, sociais, econômicos, orgânicos...

Essa visão do ser profundo desarticula as engre­nagens falsas da fatalidade, do destino infeliz, das tra­gédias do cotidiano, dos acontecimentos fortuitos que respondem pela sorte e pela desgraça, dos absurdos e funestos sucessos existenciais.

Abre perspectivas para a auto-elaboração de valo­res significativos para a felicidade, oferecendo estímu­los para mudar o destino a cada momento, a alterar as situações desastrosas por intermédio de disciplinas psí­quicas, portanto, igualmente comportamentais, supe­rando as ilusões fastidiosas e rumando na direção da realidade permanente à qual se encontra submetido.

Certamente, os prazeres e divertimentos, os jogos afetivos — quando não danosos para os outros, geran­do-lhes lesões na alma — as buscas de metas próximas que dão sabor à existência terrena, devem fazer parte do cardápio das procuras humanas, nesse inter-relaci­onamento pessoal e comportamental que enriquece psicologicamente o ser profundo.

O fato de ëxpressar-se como condição de indes­trutibilidade, não o impede de vivenciar as alegrias tran­sitórias das sensações e das emoções de cada momen­to. Afinal, o tempo é feito de momentos, convencional­mente denominados passado, presente e futuro.

Qualquer castração no que diz respeito à busca de satisfações orgânicas e emocionais produz distúrbio nos conteúdos da vida. No entanto, o apego exagerado, a ininterrupta volúpia por novos gozos, a incompletude produzem, por sua vez, outra ordem de transtornos que atormentam o ser, impedindo-o de crescer e desenvol­ver as metas para as quais se encontra corporificado na Terra.

Diversos estudiosos da psique humana atribuem ao conceito de imortalidade do ser uma proposta ilu­sória, necessária para o seu comportamento, a partir do momento em que se liberta do pai biológico, trans­ferindo os seus conflitos e temores para Deus, o Pai Eter­no. Herança do primarismo tribal, esse temor se torna­ria prevalecente na conduta imatura, que teria necessi­dade desse suporte para afirmação e desenvolvimento da personalidade, como para a própria segurança psi­cológica. Como conseqüência, atribuem tudo ao caos do princípio, antes do tempo e do espaço einsteiniano.

Se considerarmos esse caos, como sendo de natu­reza organizadora, programadora, pensante, anuímos completamente com a tese da origem das formas no Universo. Se, no entanto, lhe atribuirmos condição for­tuita e impensada dos acontecimentos, somos levados ao absurdo da aceitação de um nada gerar tudo, de uma desordem estabelecer equilíbrio, de um desastre de coi­sa nenhuma — por inexistir qualquer coisa — dar origem à grandeza das galáxias e à harmonia das micropartí­culas, para não devanearmos poeticamente pela beleza e delicadeza de uma pétala de rosa perfumada ou a le­veza de uma borboleta flutuando nos rios da brisa sua­ve, ou das estruturas do músculo cardíaco, dos neurô­nios cerebrais...

A Vida tem sua causalidade em si mesma, pensan­te e atuante, que convida a reflexões demoradas e qualitativas, propondo raciocínios cuidadosos, a fim de não se perder em complexidades desnecessárias. Por efei­to, todos os seres sencientes, particularmente o huma­no, procedemde uma Fonte Geradora, realizando gran­diosa viagem de retorno à sua Causa.

Os conflitos são heranças de experiências fracassa­das, mal vividas, deixadas pelo caminho, por falta de conhecimento e de emoção, que se vão adquirindo eta­pa-a-etapa no processo dos renascimentos do Espírito — seu psiquismo eterno.

A ilusão resulta, igualmente, da falta de percepção e densidade de entendimento, que se vai esmaecendo e cedendo lugar à realidade, à medida que são conquis­tados novos patamares representativos das necessida­des do progresso. São essas necessidades — primárias, dispensáveis, essenciais — que estabelecem o conside­rando do psiquismo para a busca do que lhe parece fundamental e propiciador para a felicidade.

O eu permanece, enquanto a ilusão transita e se transforma. Quanto hoje se apresenta essencial, algum tempo depois perde totalmente o valor, cedendo lugar a novas conquistas, que são, por sua vez, técnicas de aprendizagem, de crescimento, desde que não deixem na retaguarda marcas de sofrimento, nem campos de­vastados pelas pragas das paixões primitivas.

Momento chega a todos os seres em desenvolvi­mento psicológico, no qual, se recorre à busca espiritu­al, à realização metafísica, superando-se a ilusão da car­ne, do tempo físico, assim equilibrando-se interiormente para inundar-se de imortalidade consciente.


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DUALIDADE DO BEM E DO MAL

Um velho koan Zen-Budista narra que um homem muito avarento recebeu, oportunamente, a visita de um mestre.

O sábio, depois de saudá-lo, perguntou-lhe: — Se eu fechar a minha mão para sempre, não a abrindo nun­ca, como te parecerá?

o avaro respondeu-lhe sem titubear: — Deforma­da.

Muito bem, prosseguiu o interlocutor: — E se eu a abrir para sempre, como a verás?

— Igualmente deformada — redargüiu, o anfitrião.

O homem nobre concluiu, informando-o: — Se en­tenderes isso, serás um rico feliz.

Depois que se foi, o anfitrião começou a meditar e, a partir daí, passou a repartir com os necessitados, aqui­lo que lhe parecia excedente, tornando-se generoso.

Todos os opostos, afirma o antigo koan, bem e mal, ter e não ter, ganhar e perder, eu e os outros, dividem a mente. Quando são aceitos, afastam as pessoas da mente original, sucumbindo ao dualismo.

A sabedoria, concluiu a narração sintética, está no meio, no Zen, que é o caminho.

A dualidade sempre esteve presente no ser huma­no, desde o momento em que ele começou a pensar, desenvolvendo a capacidade de discernir. Os opostos têm-lhe constituído desafios para a consciência, que deve eleger o que lhe é melhor, em detrimento daquilo que lhe é pernicioso, perturbador, gerador de conflitos.

Não poucas vezes, por imaturidade, toma decisões compulsivas e derrapa em estados de perturbação, demarcando fronteiras e evitando atravessá-las, assim

perdendo contato com as possibilidades existentes em ambos os lados, que podem auxiliar na definição de rumos. Essa definição, no entanto, não pode ser cercea­dora das vivências educativas, produtoras. Devem ca­racterizar-se pela eleição natural do roteiro a seguir, de maneira que nenhuma forma de tormento pelo não ex­perimentado passe a gerar frustração.

A experiência ensina a conquistar os valores legíti­mos, aqueles que propiciam a evolução, facultando, na análise dos contrários, a opção pelo que constitui estí­mulo ao crescimento, sem que gere danos para o pró­prio indivíduo, para o meio onde se encontra, para ou­trem. Somente assim, é possível a aquisição do com­portamento ideal, propiciador de paz, porque não traz, no seu bojo, qualquer proposta conflitiva.

Do ponto de vista ético, definem os dicionaristas, o bem é a qualidade atribuida a ações e a obras huma­nas que lhes confere um caráter moral. (Esta qualida­de se anuncia através de fatores subjetivos — o senti­mento de aprovação, o sentimento de dever — que le­vam à busca e à definição de um fundamento que os possa explicar.)

O mal é tudo aquilo que se apresenta negativo e de feição perniciosa, que deixa marcas perturbadoras e afugentes.

Na sua origem, o ser não possui a consciência do bem nem do mal. Vivendo sob a injunção do instinto, é levado a preservar a sobrevivência, a reprodução, atu­ando por automatismos, que irão abrindo-lhe espaços para os diferenciados patamares do conhecimento, do pensamento, da faculdade de discernir.

A seleção do que deve em relação ao que não deve realizar dá-se mediante a sensação da dor física, depois emocional, mais tarde de caráter moral, ascendendo na escala dos valores éticos. Percebe que nem tudo quanto lhe é lícito executar, pode fazê-lo, assim realizando o que lhe é de melhor, no sentido de descobrir os resulta­dos, porqüanto aquilo que lhe é facultado, não poucas vezes fere os direitos do próximo, da vida em si mes­ma, quanto da sua realidade espiritual.

Essa percepção torna-se a presença da capacidade de eleger o bem em detrimento do mal. Faz-se a reali­dade livre da sombra; o avanço psicológico sem trau­ma, a ausência de retentivas na retaguarda.

Embora haja o bem social, o de natureza legal, aquele que muda de conceito conforme os valores éticos estabelecidos geográfica ou genericamente, pai­ra, soberano, o Bem transcendental, que o tempo não altera, as situações políticas não modificam, as cir­cunstâncias não confundem. É aquele que está ins­crito na consciência de todos os seres pensantes que, não obstante, muitas vezes, anestesiem-no, perma­nece e se impõe oportunamente, convidando o in­frator à recomposição do equilíbrio, ao refazimento da ação.

O mal, remanescente dos instintos agressivos, pre­domina enquanto a razão deles não se liberta, sob a dominação arbitrária do ego, que elabora interesses hedonistas, pessoais, impondo-se em detrimento de todas as demais pessoas e circunstâncias.

O seu ferrete é tão especial que, à medida que fere quantos se lhe acercam, termina por dilacerar aquele que se lhe entrega ao domínio, tombando, exaurido, pelo caminho do seu falso triunfo.

O ser humano foi criado à imagem de Deus, isto é, fadado à perfeição, superando os impositivos do trânsito evolutivo, nessa marcha inexorável a que se encon­tra compelido.

Possuindo os atributos da beleza, da harmonia, da felicidade, do amor, deve romper, a pouco e pouco, a casca que o envolve — herança do período primário por onde tem que passar — a fim de desenvolver as apti­dões adormecidas, que lhe servem temporariamente de obstáculo a esses tesouros imarcescíveis.

O Bem pode ser personificado no amor, enquanto o mal pode ser apresentado como sendo-lhe a ausên­cia.

Tudo aquilo que promove e eleva o ser, aumentan­do-lhe a capacidade de viver em harmonia com a vida, prolongá-la, torná-la edificante, é expressão do Bem. Entretanto, tudo quanto conspira contra a sua eleva­ção, o seu crescimento e os valores éticos já logrados pela Humanidade, é o mal.

O mal, todavia, é de duração efêmera, porque re­sultado de uma etapa do processo evolutivo, enquanto o Bem é a fatalidade última reservada a todos os indi­víduos, que se não poderão furtar desse destino, mes­mo quando o posterguem por algum tempo, jamais o conseguindo definitivamente.

Eis porque o ser tem a tendência inevitável de bus­car o amor, de entregar-se-lhe, de fruí-lo.

Encarcerado no egoísmo e acostumado às buscas externas, recorre aos expedientes do prazer pessoal, em vãs tentativas de desfrutar as benesses que dele decorrem, tombando na exaustão dos sentidos ou na frustração dos engodos que se permite.

Oportunamente um aprendiz indagou ao seu mes­tre: — Dize-nos o que é o amor.

— E o sábio, após ligeira reflexão, redargüiu com um sorriso:

— Nós somos o amor.

Esse sentimento que temos todos os seres viventes expressa o Supremo Bem, que nos cumpre buscar, em­bora estejamos na faixa da libertação da ignorância, errando, ainda praticando o mal temporário por falta da experiência evolutiva, que nos junge às sensações, em detrimento das emoções superiores que alcançare­mos.

Há uma tendência para a experiência do Bem, face à paz e à beleza interior que se experimenta, constitu­indo-se um grande desafio ao pensamento psicológico estabelecer realmente o que é de melhor para o ser hu­mano, graças aos impositivos dos instintos que prome­tem gozo, enquanto que a sua libertação, às vezes, do­lorosa, em catarse de lágrimas, proporciona em plenitude.

A terapia do Bem — essa eleição dos valores éticos que propiciam paz de consciência — constitui proposta excelente para a área da saúde emocional e psíquica, conseqüentemente, também física dos seres humanos, que não deve ser desconsiderada.

A medida que se amplia o desenvolvimento psico­lógico, seu amadurecimento, são eliminadas as distân­cias entre o eu e os outros, superando o mal pelo bem natural, suas ações de fraternidade e de compreensão dos diferentes níveis de transição moral, compreenden­do-se que o mal que a muitos aflige, por eles mesmos buscado, transforma-se na sua lição de vida.

Eis porque é necessária a terapia da realização edi­ficante, produzindo sempre em favor de si mesmo, do próximo e do meio ambiente, evitando qualquer tenta

tiva de destruição, de perturbação, de desequilíbrio.

Por isso, não realizar o bem é fazer-se a si mesmo um grande mal. Dificultar-se a ascensão, é forma de comprazer-se na vulgaridade, na desdita, assumindo um comportamento masoquista, no qual se sente valo­rizado.

Certamente, nem todos os indivíduos conseguem de imediato uma mudança de conduta mental, por­tanto, emocional, da patologia em que se encarcera, para viver a liberdade de ser feliz. Isso exige um esforço her­cúleo que, normalmente, o paciente não envida. Acre­dita que a simples assistência psicológica irá resolver-lhe os estados interiores que o agradam, quase que a passo de mágica, transferindo para o psicoterapeuta a tarefa que lhe compete desenvolver.

Para esse cometimento, o do reequilíbrio, a assis­tência especializada é indispensável, somada à contri­buição de um grupo de apoio e ao interesse dele pró­prio para conseguir a meta a que se propõe.

A religião bem orientada, pelo conteúdo psicológi­co de que se reveste, desempenha um papel de alta re­levância em favor do equilíbrio de cada pessoa e, por extensão, do conjunto social, no qual se encontra loca­lizada.

A religião que se fundamenta, no entanto, na con­duta científica de comprovação dos seus ensinamen­tos, que documenta a realidade do Espírito imortal e a sua transitoriedade nos acontecimentos do corpo, como é o caso do Espiritismo, melhores condições possui para auxiliá-la na escolha do caminho a trilhar com os pró­prios pés, propondo-lhe renovação interior e adesão natural aos princípios que promovem a vida, que a dig­nificam, portanto, que representam o Bem.

Por outro lado, proporciona-lhe uma conduta res­ponsável, esclarecendo-a que cada qual é responsável pelos atos que executa, sendo semeadora e colhedora de resultados, cabendo-lhe sempre enfrentar os desafi­os de superar-se, porque toda conquista valiosa é re­sultado do esforço daquele que a consegue. Nada exis­te que não haja sido resultado de laborioso esforço.

Ainda mais, faculta-lhe o entendimento de como funcionam as Leis da Vida, em cuja vigência todos os seres somos participantes, sem exceção, cada qual res­pondendo de acordo com o seu nível de consciência, o seu grau de pensamento, as suas intenções intelecto-morais.

Abre, ademais, um elenco de novas informações que a capacitam para a luta em prol da saúde, expli­cando-lhe que existe um intercâmbio mental e espiritu­al entre as criaturas que habitam os dois planos do mundo: o espiritual ou da energia pensante e o físico ou da condensação material.

A morte do corpo, não extinguindo o ser, apenas altera-lhe a compleição molecular, mantendo-lhe, não obstante, os valores intrínsecos à sua individualidade, o que faculta, muitas vezes, o intercâmbio psíquico.

Quando se trata de alguém cuja existência foi pau­tada em ações elevadas, a influência é agradável, rica de saúde e de harmonia. Quando, porém, foi negativa, inquieta ou doentia, perturbada ou insatisfeita, trans­mite desarmonia, enfermidades, depressões e alucina­ções cruéis, que passam a constituir psicopatologias de classificação muito complexa, na área das obsessões espirituais e de libertação demorada, que exigem mui­to esforço e tenacidade nos propósitos em favor da re­cuperação da saúde.

O Bem, portanto, é o grande antídoto a esse mal, como o é também para quaisquer outros estados per­turbadores e traumáticos da personalidade humana.

Outrossim, a experiência do Bem se dará plena após o trânsito pelas ocorrências do Mal, os insucessos, as perturbações, as reações emocionais conflitivas, que facultam o natural selecionar dos comportamentos agra­dáveis, tranqüilos, que validam o esforço de haver-se optado pelo que é saudável. Caso contrário, a aquisi­ção positiva não se faz total, porque será mais o resul­tado de repressão aos instintos do que superação de­les, graças ao que se pode adquirir virtudes — sentimen­tos bons, conquistas do Bem —, no entanto, perder-se a integridade, a naturalidade do processo de elevação. A pessoa torna-se frustrada por não haver enfrentado as lutas convencionais, evitando-as, ocasionando um sen­timento de culpa, que é, por sua vez, uma oposição à proposta encetada para a vida correta.

A experiência do Bem e do Mal começa na infância diante das atitudes dos pais e dos demais familiares. Por temor a criança obedece, porém, não compreende o que é certo e aquilo que é errado, que lhe querem incutir os genitores, muitas vezes por imposição sem o esclarecimento correspondente para a análise lenta e àassimilação da razão.

Se a criança não consegue entender aquilo que lhe é ministrado e exigido, passa a aceitar a informação por medo de punição, até o momento em que se liberta da imposição, transformando o sentimento em culpa, e temendo reagir pelo ódio ou pelo ressentimento, ou, noutras situações, reprimindo-se, tomba na depressão. O inconsciente, utilizando-se do mecanismo de preser­vação do ego, resolve aceitar o que foi ministrado, pas

sando a insuflar a conduta reta, no entanto, em forma de máscara que oculta a realidade reprimida.

A conquista paulatina do Bem produz equilíbrio e segurança, eliminando as armadilhas do ego, que mais tem interesse em promover-se do que em ser substituí­do pelo valor novo, inabitual no seu comportamento.

Por isso mesmo, o Bem não pode ser repressor, o que é mal, porém, libertador de tudo quanto submete, se impõe, aflige. A sua dominação é suave, não constri­tora, porque passa a ser uma diferente expressão de conduta moral e emocional, dando prosseguimento àassimilação dos valores que foram propostos no perío­do infantil, e que constituem reminiscências agradáveis que ajudam nos procedimentos dos diferentes perío­dos existenciais, na juventude, na idade adulta, na ve­lhice.

Em razão disso, torna-se mais difícil a assimilação e incorporação dos valores do Bem em um adulto acli­matado à agressão, às lutas, nas quais predominou o Mal, houve a sua vitória, os resultados prazerosos do ego, a vitalização dos comportamentos esmagadores, que geraram heróis e poderosos, mas que não escapa­ram das áreas dos conflitos por onde continuam transi­tando.

Somente através da renovação de valores desde cedo é que o Bem triunfará nas criaturas.

Quando adultas, o labor é mais demorado, porque terá que substituir as constrições do ego e, através da reflexão, dos exercícios de meditação e avaliação da conduta, substituir os hábitos enraizados por novos comportamentos compensadores para o eu superior.

Eis porque se pode afirmar que o Bem faz muito bem, enquanto que o Mal faz muito mal. A simples mudança, portanto, de atitude mental do indivíduo en­seja-lhe o encontro com o Bem que irá desenvolver-lhe os sentimentos profundos da sua semelhança com Deus.


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A BUSCA DA REALIZAÇÃO

A infância, construtora da vida psicológica do ser humano, deve ser experienciada com amor e em clima de harmonia, a fim de modelá-lo para todos os futuros dias da jornada terrestre.

Os sinais das vivências insculpem-se no inconsci­ente com vigor, passando a escrever páginas que não se apagam, quase sempre revivendo os episódios que desencadeiam os comportamentos nos vários períodos por onde transita. Quando são agradáveis as impres­sões decorrentes dos momentos felizes, passam a fazer parte da auto-realização, contribuindo poderosamente para o despertar do Si profundo, que vence as barrei­ras impeditivas colocadas pelo ego. Se negativas, per­turbam o desenvolvimento dos valores éticos e com­portamentais, gerando patologias psicológicas avassa­ladoras, que se expressam mediante um ego domina­dor, violento, agressivo, ou débil, pusilânime, dúbio, pessimista, depressivo.

Essas marcas são quase que impossíveis de ser apa­gadas do inconsciente atual, qual aconteceria com a mossa provocada por uma pressão ou golpe sob super­fície delicada que, por mais corrigida, sempre perma­nece, mesmo que pouco perceptível.

A busca da realização pessoal deve iniciar-se na auto-superação, mediante vigorosa auto-análise das necessidades reais relacionadas com as aparentes, aque­las que são dominadoras no ego e não têm valor real, quase nunca ultrapassando exigências e caprichos da imaturidade psicológica.

Para o cometimento, são necessárias as progressi­vas regressões aos diferentes períodos vividos da ju­ventude e da infância, até mesmo à fase de recém-nas­cido, quando o Self verdadeiro foi substituído pelo ego artificial e dominador. Foi nessa fase que a inocência infantil foi substituída pelo sentimento de culpa, em razão da natural imposição dos pais, no lar, e, por ex­tensão dos adultos em geral em toda parte. Mais tarde, identificando-se errada, em razão de não haver conseguido modificar os pais, nem vencer a teimosia dos adultos, mascara-se de feliz, de virtuosa, perdendo a integridade interior, a pureza, aprendendo a parecer o que a todos agrada ao invés de ser aquilo que realmen­te é no seu mundo interior.

Esse trabalho de progressão regressiva que se pode lograr mediante conveniente terapia é muito doloroso, porque o paciente se recusa inconscientemente a acei­tar os erros, como forma de defesa do ego e, por outro lado, por medo do enfrentamento com todos esses me­dos aparentemente adormecidos. O seu despertar as­susta, porque conduz a novas vivências desagradáveis. O ego, no seu castelo, conseguiu mecanismos de defe­sa e domina soberano, reprimindo os sentimentos e dis­farçando os conflitos, porqüanto sabe que a liberação desses estados interiores pode levar à agressividade ou ao mergulho nas fugas espetaculares da depressão.

Todos os indivíduos, de alguma forma, sentem-se desamparados em relação aos fatores que regem a vida: os fenômenos do automatismo fisiológico, o medo da doença insuspeita, da morte, do desaparecimento de pessoas queridas, as incertezas do destino, os fatores mesológicos, como tempestades, terremotos, erupções vulcânicas, acidentes, guerras... De algum modo, essa sensação de insegurança, de desamparo provém da in­fância — ou de outras existências —, quando se sentiu dominado, sem opção, sujeito aos impositivos que lhe eram apresentados, fazendo que o amor fosse retirado do cardápio existencial.

Tal sentimento contribui para a análise do proble­ma da sobrevivência, que é o mais importante, ainda não solucionado no inconsciente.

Eis porque é necessário liberar esses conflitos per­turbadores, reprimidos, para que a criança inocente, pura, no sentido psicológico, bem se depreende, volte a viver integralmente.

Inicia-se, então, o maravilhoso processo de tera­pia para a busca da realização. Sob o controle do tera­peuta, esse direcionamento se orienta para a criativi­dade, através da qual o paciente expressa um tipo de sentimento mas vive noutra situação. Essas emoções antagônicas devem ser trabalhadas pelo técnico, para depois serem vividas pelo indivíduo, que passa a per­mitir que tudo aconteça naturalmente sem novas pres­sões, nem castrações, nem dissimulações. Passa a eli­minar a raiva reprimida, que é direcionada contra ob­jetos mortos, sem caráter destrutivo; a angústia pode expressar-se, porque sabe estar sob assistência e contar com alguém que ouve e entende o conflito.

Posteriormente, o paciente se transforma no seu próprio terapeuta, no dia-a-dia, por ser quem controlará os sentimentos desordenados e mediante a criativi­dade, começa a substituir o que sente no momento pelo que gostaria de conquistar, transferindo-se de patamar mental-emocional até alcançar a realização pessoal.

Nesse processo, surgem a liberação das tensões musculares, a identificação com o corpo no qual se movimenta e que passa a exercer conscientemente uma função de grande importância no seu comportamento, movendo-se de forma adequada.

A seguir, identifica a necessidade de experimentar prazeres, sem a consciência de culpa que as religiões ortodoxas castradoras lhe impuseram, transferindo-se das províncias da dor — como necessidade de sublima­ção — para o prazer agradável, renovador, que não sub­juga nem produz ansiedade. O simples fato de reco­nhecer a necessidade que tem de experimentar o pra­zer sem culpa, auxilia-o no amor ao corpo, na movi­mentação dos músculos, eliminando as tensões físicas, derivadas daqueloutras de natureza emocional, assim aprendendo a viver integralmente, a conquistar a reali­zação pessoal.

É indispensável também aceitar-se, compreender que os seus sentimentos são resultado das aquisições intelecto-morais do processo evolutivo no qual se en­contra situado. Sem a perfeita compreensão-aceitação dos próprios sentimentos, é muito difícil, senão impro­vável, a conquista da realização. Naturalmente terá que se empenhar para superar os sentimentos depressivos, excessivamente emotivos e perturbadores ou indiferen­tes e frios, de forma que a valorização de si mesmo faça parte do seu esquema de crescimento interior, o que lhe facultará alcançar as metas estabelecidas.

Por outro lado, a identificação da própria fragilidade leva-o a uma atitude de humildade perante a vida e a si mesmo, porque percebe que o ser psicológico está profundamente vinculado ao fisiológico e vice-versa. Misturam-se a funções em determinado momento de consciência, quando percebe que algumas tensões mus­culares e diversas dores físicas são conseqüência da­quelas de natureza psicológica, ou por sua vez, estas últimas têm muito a ver com a couraça que restringe os movimentos e os entorpece.

De fundamental importância também a constata­ção e a aceitação da necessidade da humildade, que o ajuda a descobrir-se sem qualquer presunção nem medo dos desafios, enfrentando os fatores existenciais com naturalidade e autoconfiança, não extrapolando o pró­prio valor nem o subestimando. Essa humildade dar-lhe-á forças para ampliar o quadro de relacionamento interpessoal, de auxiliar na fraternidade, percebendo que a sua individualidade não pode viver plena sem a comunidade de que faz parte e deve trabalhá-la para auxiliá—la no seu progresso.

Com a humildade, o indivíduo descobre-se crian­ça, e essa verificação representa conquista de maturi­dade psicológica, que lhe faculta liberar esses sentimen­tos pertencentes ao período mágico da infância.

Jesus, na sua condição de Psicoterapeuta por exce­lência, demonstrou que era necessário volver a essa fase de pureza, de dependência, no bom sentido, de humil­dade, quando enunciou, peremptório: ... Se não vos fi­zerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Quem, pois, se tomar humilde como uma criança, esse será maior no reino dos céus. (*)

O enunciado, do ponto de vista psicológico, apela

(*) Mateus 18: 3 e 4 — Nota da Autora espiritual.

para a auto-realização, a penetração no reino dos céus da consciência reta e sem mácula, assinalada pelos ide­ais de dignificação humana.

A criança é curiosa, espontânea, alegre, sem aridez, rica de esperanças, motivadora, razão de outras vidas que nas suas existências se enriquecem e encontram sentido para viver.

A busca da realização conduz o indivíduo ao cres­cimento moral e espiritual sem culpa ante as imposi­ções da organização fisiológica, que lhe propõe o pra­zer para a própria sobrevivência e faz parte ativa da realidade social que deve constituir motivo de estímu­lo para a vitória sobre o egoísmo e as paixÕes perturba­doras.


QUARTA PARTE


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MECANISMOS CONFLITIVOS

Nos mecanismos do comportamento humano há um destaque especial para o prazer, que faz parte do processo da evolução. A busca do prazer, nunca é de­mais insistir no assunto, constitui estímulo vigoroso para a luta. Face a isso, quando algo inesperado e desa­gradável acontece, logo as pessoas afirmam que não têm nenhuma razão para viver, somente porque um insucesso, que talvez as amadureça mais, despertan­do-as para outras realidades, lhes aconteceu, tisnando-­lhes a capacidade de discernimento para a eleição en­tre o verdadeiro e o falso.

Normalmente se estabelece que vida feliz é aquela que apresenta as criaturas sorridentes, bem dispostas, com expressão donairosa, destacadas no grupo social, mas que, além da máscara afivelada na face, conduzem sofrimentos, inseguranças, incertezas sobre si mesmas e aqueles que as cercam.

A busca do prazer, em razão das necessidades mais imediatas e dos gozos mais fortes, tem sido dirigida para os divertimentos: os alcoólicos, o sexo, o tabaco, quando não as drogas aditivas e perturbadoras. Esses ingredientes levam a diversões variadas, extravagan­tes, fortes, mas não ao verdadeiro prazer, que pode ser encontrado em uma boa leitura, em uma paisagem re­pousante, em uma convivência relaxadora, em uma caminhada tranqüila ou em um jogging, em um mo­mento de reflexão, de prece, numa ação de socorro fraternal, em uma recepção no lar proporcionada a alguém querido ou simplesmente a um convidado a quem se deseja distinguir... Há incontáveis formas de prazeres não necessariamente fortes, que se transformam em sensações que exaurem e exigem repouso para o refa­zimento.

O prazer deve dilatar-se no sistema emocional, con­tinuando a proporcionar bem-estar, mesmo depois do acontecimento que o desencadeia.

O divertimento tem duração efêmera: vale enquan­to é fruído, logo desaparecendo, para dar lugar a no­vas buscas.

Algo que parece uma conquista ideal tem o valor essencial do esforço pelo conseguir, deixando certo tra­vo de insatisfação após logrado.

Como conseqüência, há uma grande necessidade de parecer-se divertido, o que sinaliza como ser ditoso, triunfante no grupo social.

Os divertimentos, nem sempre prazeres legítimos, multiplicam-se até às extravagâncias e aberrações, vio­lências e agressividades, para substituirem o fastio que os sucede, em razão de não poderem preencher as ne­cessidades de bem-estar, que são as realmente buscadas.

Roma imperial, que também se notabilizou pela busca de divertimentos contínuos, passou dos jogos gregos, que foram importados para as lutas de gla­diadores, nas quais o vencido era apenas humilhado na sua força, até às exigências de suas vidas, quando sucumbiam despedaçados, enquanto os diletantes sorriam, aplaudindo freneticamente os vitoriosos de um dia... Na sucessão das exorbitâncias, o diverti­mento mais apetitoso passou a ser aquele que obri­gava as vidas a serem estioladas das formas mais originais, para não dizer cruéis, que se possa imagi­nar. A variedade dos jogos e dos divertimentos ul­trapassava a imaginação sempre fértil na criação de novos atrativos.

Foi uma das características da decadência do Im­pério, porque as pessoas perderam o senso do prazer, passando para o divertimento da crueldade.

Através dos tempos foram modificados esses pro­cessos, não erradicados os divertimentos alucinados.

Mesmo hoje, na época das conquistas valiosas do pensamento e do sentimento, dos direitos huma­nos, da preservação ecológica, os divertimentos pros­seguem tão bárbaros, senão mais apetecíveis na mídia, por exemplo, que se utiliza das paixões pri­mevas do ser, para estimulá-lo mais aos divertimen­tos do sexo explícito, da brutalidade sem limites, da vulgaridade insensata, da nudez agressiva e vil, do mercado das sensações, enquanto o público, sempre ávido quão insatisfeito, exige espetáculos mais bur­lescos e brutais, na vida real, através das lutas de boxe, entre animais, da tauromaquia, e, quando cansado desse pequeno circo de loucura, das guer­ras hediondas que arrasam cidades, países e destroem vidas incontáveis, mutilando outras tantas que ficam física, psicológica e mentalmente esfaceladas.

Quanto mais divertimentos, mais fugas psicológi­cas, menos prazeres reais. Onde proliferam, também surgem a crueldade, a indiferença pelo sofrimento alheio, a ausência da solidariedade, porque o egoísmo deseja retirar o máximo proveito da situação, do lugar, da oportunidade de fruir e iludir-se, como se fosse pos­sível ignorar os desafios e os conflitos, somente porque se busca anestesiá-los.

As pessoas divertidas parecem felizes, mas não o são. Provocam risos, porque conseguem mascarar os próprios sentimentos, em um faz-de-conta sem limite. Demonstram seriedade, mesmo nos seus divertimen­tos, o que provoca alegria, bulha e encantamento de outros aflitos-sorridentes, mas, passado o momento, volvem à melancolia, ao vazio em que se atormentam. A descontração muscular e emocional é forjada, não espontânea, nem rítmica, proporcionadora do prazer que harmoniza interiormente.

É natural que surjam, agora ou depois, vários, ter­ríveis processos conflitivos na área da personalidade e no âmago da individualidade. Tais conflitos não serão resolvidos com gargalhadas ou com dissimulações, mas somente através de terapia conveniente e grande es­forço do paciente, que se deve autodescobrir e encon­trar as razões perturbadoras do estado emocional em que se encontra. O jogo escapista de um para outro di­vertimento somente complica o quadro, por adiar a sua solução.


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FERIDAS E CICATRIZES DA INFÂNCIA

Tem sido estabelecido através da cultura dos tempos, que a infância é o período mais feliz da existência humana, exatamente pela falta de discer­nimento da criança, e em razão das suas aspirações que não passam de desejos do desconhecido, de necessidades imediatas, de ignorância da realidade.

Os seus divertimentos são legítimos, porque a eles se entrega em totalidade, sem qualquer esforço, graças à imaginação criadora que a transporta para esse mundo subjacente do crer naquilo que lhe pa­rece. Não estando a personalidade ainda formada, não há dissociação entre o que tem existência real e aquilo que somente se fundamenta na experiência mental.

A criança atravessa esse período psicologicamente feliz, sem o saber, com as exceções compreensíveis de casos especiais, porque tampouco sabe o que é a felici­dade. Só mais tarde, na idade adulta é que, recordando os anos infantis, constata o seu valor e pode ter dimen­são dos acontecimentos e prazeres.

Como a criança não sabe o que é felicidade, facilmente identifica-a no divertimento, aquilo que a agrada e a distrai, os jogos que lhe povoam a ima­ginação.

É na infância que se fixam em profundidade os acontecimentos, aliás, desde antes, na vida intra-uteri­na, quando o ser faz-se participante do futuro grupo familiar no qual renascerá. As impressões de aceitação como de rejeição se lhe insculpirão em profundidade, abençoando-o com o amor e a segurança ou dilacerando-lhe o sistema emocional, que passará a sofrer os efei­tos inconscientes da animosidade de que foi objeto.

Da mesma forma, os acontecimentos à sua volta, direcionados ou não à sua pessoa, exercerão prepon­derante influência na formação da sua personalidade, tornando-a jovial, extrovertida ou conflitada, depressi­va, insegura, em razão do ambiente que lhe plasmou o comportamento.

Essas marcas acompanhá-la-ão até a idade adulta, definindo-lhe a maneira de viver. Tornam-se feridas, quando de natureza perturbadora, que mesmo ao se­rem cicatrizadas, deixam sinais que somente uma tera­pia muito cuidadosa consegue anular.

Por sua vez, o Espírito, em processo de reencarna­ção, acompanha mui facilmente os lances que prece­dem à futura experiência, e porque podendo movimen­tar-se com relativa liberdade antes do mergulho total no arquipélago celular, compreende as dificuldades que terá de enfrentar mais tarde, ao sentir-se desde então indesejado, maltratado, combatido.

Certamente, essa ocorrência tem lugar com aque­les que se vêm impelidos ao renascimento para repa­rar pesados compromissos infelizes, retornando ao seio das suas anteriores vítimas que agora os rechaçam, o que é injustificável.

A bênção de um filho constitui significativa con­quista do ser humano, que se deve utilizar do ensejo para crescer e desenvolver os sentimentos superiores da abnegação e do amor.

As reações vibratórias que podem produzir os Es­píritos antipáticos na fase perinatal, produzem, não raro, mal-estar. Não obstante, a ternura e a cordialida­de fraternal substituem as ondas perturbadoras por outras de natureza saudável, preparando os futuros pais para o processo de aprimoramento e de educação do descendente.

Na raiz de muitos conflitos e desequilíbrios juve­nis, adultos, e até mesmo ressumando na velhice, as distonias tiveram origem — efeito de causa transata —no período da gestação, posteriormente na infância, quando a figura da mãe dominadora e castradora, as­sim como do pai negligente, indiferente ou violento, frustrou os anseios de liberdade e de felicidade do ser.

Todos nascem para ser livres e felizes. No entanto, pessoas emocionalmente enfermas, ante o próprio fra­casso, transferem para os filhos aquilo que gostariam de conseguir, suas culpas e incapacidades, quando não descarregam todo o insucesso ou insegurança naque­les que vivem sob sua dependência.

Esse infeliz recurso fere o cerne da criança, que se faz pusilânime, a fim de sobreviver ou leva-a a refugi­ar-se no ensimesmamento, na melancolia, sentindo-se vazia de afeto e objetivo de vida. Com o tempo, essas feridas purulam, impelindo a atitudes exóticas, a com­portamentos instáveis, às fugas para o fumo, a droga, o álcool ou as diversões violentas, mediante as quais ex­travasam o ressentimento acumulado, ou mergulham no anestésico perigoso da depressão com altos reflexos na conduta sexual, incompleta, insatisfeita, alienado­ra...

A sociedade terá que atender à infância através de mecanismos próprios, preenchendo os espaços deixa­dos pela ausência do amor na família, na educação es­colar, na convivência do grupo, nas oportunidades de desenvolvimento e de auto-afirmação de cada qual. Para tal mister, torna-se necessário o equilíbrio do adulto, do educador formal, que pode funcionar como psi­coterapeuta, orientando melhor o aprendiz e reenca­minhando-o para a compreensão dos valores existen­ciais e das finalidades da vida.

Inveja, mágoa, ciúme, instabilidade, ódio, pusila­nimidade e outros hediondos sentimentos que afligem as crianças maltratadas, carentes, abandonadas mesmo nas casas onde moram, desde que não são lares verda­deiros, constituem os mecanismos de reação de todos quantos se sentem infelizes, mesmo que inconscientemente.

A compreensão dos direitos alheios e dos próprios deveres, o contributo da fraternidade, a segurança afe­tiva, a harmonia interior, a compaixão, a lealdade se instalarão no ser, cicatrizando as feridas, à medida que o meio ambiente se transforme para melhor e o afeto dos outros, sincero quão desinteressado, substitua a indiferença habitual.

Qualquer ferida emocional cicatrizada pode rea­brir-se de um para outro momento, porqüanto não er­radicada a causa desencadeadora, os tecidos psicoló­gicos estarão muito frágeis, rompendo-se com facilidade, pela falta de resistência aos impactos enfrenta­dos.

A questão da felicidade, por isso mesmo, é muito relativa. Se a felicidade são os divertimentos, ou é o prazer, ei-la de fácil aquisição. No entanto, se está radi­cada na plenitude, muito complexa é a engrenagem que a aciona.

De certo modo, ela somente se expressa em totali­dade, quando o artista conclui a obra a que se entrega, o santo ao ministério de amor a que se devota, o cientista realiza a pesquisa exitosa, o pensador atinge com a sua mensagem o mundo que o aguarda, o cidadão comum se sente em paz consigo mesmo... O dar-se, a que se refere o Evangelho, certamente é a melhor me­todologia para alcançar-se essa ventura que harmoni­za e plenifica.

Toda vez, portanto, que alguém sinta incompletu­de, insegurança, seja visitado pelos sentimentos inqui­etadores da insegurança, do medo, da raiva e da inveja injustificáveis, exceção feita aos estados patológicos profundos, as feridas da infância estão ainda abertas ou reabrindo-se, e necessitando com urgência de cica­trização.


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INSEGURANÇA E ARREPENDIMENTO

A criança mal amada, que padece violências fí­sicas e psicológicas, vê o mundo e as pessoas atra­vés de uma óptica distorcida. As suas imagens estão focadas de maneira incorreta e, como conseqüência, causam-lhe pavor. Ademais, os comportamentos agressivos daqueles que lhe partilharam a convivên­cia, atemorizando-a mediante ameaças de punições com seres perversos, animais e castigos de qualquer natureza, fazem-na fugir para lugares e situações vexatórios, nos quais o recolhimento não oferece qualquer mecanismo de defesa, deixando-a abando­nada. Essa sensação a acompanhará por largo período, senão por toda a existência, perturbando­lhe a conduta insegura e assinalada por culpas sem sentido, que a levarão a permanente desconsideração por si mesma, pela ausência de auto-estima, por incessantes arrependimentos.

Nessa instabilidade emocional, sem alguém em quem confiar e a quem entregar-se, a criança constrói o seu mundo de conflitos e nele se encerra, dominada por contínuo receio de ser ferida, desconsiderada, evitan­do-se participar da vida normal, para poupar-se a so­frimentos e do desprezo de que se sente objeto.

Para sobreviver, nessa situação, transfere os seus medos e sua insegurança para a responsabilidade do conjunto social que sempre lhe parece hostil, numa na­tural projeção do que sofreu e não pôde eliminar.

A violência de qualquer matiz é sempre responsá­vel pelas tragédias do cotidiano. Não apenas a que agri­de pela brutalidade, por intermédio de gritos e golpes covardes, mas também, a que se deriva do orgulho, da indiferença, da perseguição sistemática e silenciosa, das expressões verbais pejorativas, desestimulando e con­denando, enfim, de todo e qualquer recurso que des­denha as demais criaturas, levando-as a patologias inu­meráveis.

A violência urbana, por exemplo, é filha legítima dos que se encontram em gabinetes luxuosos e desvi­am os valores que pertencem ao povo, que desrespei­tam; que elaboram Leis injustas, que apenas os favore­cem; que esmagam os menos afortunados, utilizando-se de medidas especiais, de exceção, que os anulam; que exigem submissão das massas, para que consigam o que lhes pertence de direito... produzindo o lixo mo­ral e os desconsertos psicológicos, psíquicos, espiritu­ais.

Numa sociedade justa, que se organiza com indi­víduos seguros dos próprios deveres, na qual os compromissos morais têm prevalência, dignificando a cri­atura em si mesma e proporcionando-lhe recursos para uma existência saudável, os valores educativos têm pri­mazia, por constituírem alicerces sobre os quais se edi­ficam os grupos que a constituem.

Lúcidos, a respeito das necessidades que devem ser consideradas, os seus governantes se empenham com decisão, para proporcionar os recursos hábeis que po­dem facultar a felicidade das massas.

Não obstante, há fatores que contribuem para os desajustes sociais, que precedem o berço e que consti­tuem implementos relevantes na carga genética, pro­gramando seres inseguros, arrependidos, frágeis emo­cionalmente. Trata-se de Espíritos que não souberam conduzir-se, entregando-se a excessos e dissipações que os prejudicaram, mas também perturbaram outras vi­das, produzindo lesões nas almas, que agora ressumam em conflitos inquietadores. Esses mesmos fatores in­duziram-nos a reencarnar-se em grupos familiares onde as dificuldades ambientais e os relacionamentos afeti­vos gerariam insegurança, levando à dubiedade de comportamento — após qualquer ação, boa ou má — à irrupção do arrependimento, mais aflição que sentimen­to de auto-recuperação.

Somente através de uma constante construção de idéias positivas e estimuladoras será possível uma te­rapia eficiente, à qual o paciente se deve entregar em clima de confiança, trabalhando as lembranças trau­matizantes recordadas e preenchendo o consciente atual com perspectivas que se farão arquivar nos refolhos dalma, com propostas novas de felicidades, que volta­rão à tona oportunamente, enriquecendo-o de alegria.

A reprogramação da mente torna-se essencial para a conquista da segurança e da paz. Acostumada ao pes­simismo conflitivo, os seus arquivos no inconsciente mantêm registros perturbadores que deverão ser subs­tituídos pelos saudáveis. Esse material angustiante irá elaborar comportamentos sexuais insatisfatórios, medo de amar, pequena auto-estima, estabelecendo receios na área afetiva, por acreditar-se incapaz de ser amado, assim refugiando-se na autocomiseração, negando-se encontrar o sol do amor que tudo modifica.

Exercícios físicos contribuem para romper essa cou­raça psicológica, que se torna também física, produzin­do dores nos tecidos orgânicos, abrindo espaços para a instalação de diversas enfermidades.

O ser psicológico é o vigilante do domicilio celu­lar. Conforme conduzir-se, estabelecerá as satisfatórias ou negativas manifestações da saúde física e mental.

Aprofundar reflexões nas causas da insegurança e do arrependimento de maneira edificante, procurando retirar o melhor proveito, sem culpa nem castração, é o desafio do momento para cada ser, que então se dispo­rá à superação dos agentes constritores e de desagre­gação da personalidade.


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NOSTALGIA E DEPRESSÃO

As síndromes de infelicidade cultivada tornam-se estados patológicos mais profundos de nostalgia, que induzem à depressão.

O ser humano tem necessidade de auto-expressão, e isso somente é possível quando se sente livre.

Vitimado pela insegurança e pelo arrependimen­to, torna-se joguete da nostalgia e da depressão, per­dendo a liberdade de movimentos, de ação e de as­piração, face ao estado sombrio em que se homizia.

A nostalgia reflete evocações inconscientes, que parecem haver sido ricas de momentos felizes, que não mais se experimentam. Pode proceder de exis­tências transatas do Espírito, que ora as recapitula nos recônditos profundos do ser, lamentando, sem dar-se conta, não mais as fruir; ou de ocorrências da atual.

Toda perda de bens e de dádivas de prazer, de júbilos, que já não retornam, produzem estados nos­tálgicos. Não obstante, essa apresentação inicial é saudável, porque expressa equilíbrio, oscilar das emoções dentro de parâmetros perfeitamente natu­rais. Quando porém, se incorpora ao dia-a-dia, ge­rando tristeza e pessimismo, torna-se distúrbio que se agrava na razão direta em que reincide no com­portamento emocional.

A depressão é sempre uma forma patológica do estado nostálgico.

Esse deperecimento emocional, faz-se também corporal, já que se entrelaçam os fenômenos físicos e psicológicos.

A depressão é acompanhada, quase sempre, da perda da fé em si mesmo, nas demais pessoas e em Deus... Os postulados religiosos não conseguem per­manecer gerando equilíbrio, porque se esfacelam ante as reações aflitivas do organismo físico. Não se acre­ditar capaz de reagir ao estado crepuscular, caracte­riza a gravidade do transtorno emocional.

Tenha-se em mente um instrumento qualquer. Quando harmonizado, com as peças ajustadas, pro­duz, sendo utilizado com precisão na função que lhe diz respeito. Quando apresenta qualquer irregulari­dade mecânica, perde a qualidade operacional. Se a deficiência é grave, apresentando-se em alguma peça relevante, para nada mais serve.

Do mesmo modo, a depressão tem a sua reper­cussão orgânica ou vice-versa. Um equipamento de­sorganizado não pode produzir como seria de dese­jar. Assim, o corpo em desajuste leva a estados emo­cionais irregulares, tanto quanto esses produzem sen­sações e enarmonias perturbadoras na conduta psi­cológica.

No seu início, a depressão se apresenta como desinteresse pelas coisas e pessoas que antes tinham sentido existencial, atividades que estimulavam àluta, realizações que eram motivadoras para o sen­tido da vida.

À medida que se agrava, a alienação faz que o paciente se encontre em um lugar onde não está a sua realidade. Poderá deter-se em qualquer situação sem que participe da ocorrência, olhar distante e a mente sem ação, fixada na própria compaixão, na descrença da recuperação da saúde. Normalmente, porém, a grande maioria de depressivos pode con­servar a rotina da vida, embora sob expressivo es­forço, acreditando-se incapaz de resistir à situação vexatória, desagradável, por muito tempo.

Num estado saudável, o indivíduo sente-se bem, experimentando também dor, tristeza, nostalgia, an­siedade, já que esse oscilar da normalidade é carac­terística dela mesma. Todavia, quando tais ocorrên­cias produzem infelicidade, apresentando-se como

verdadeiras desgraças, eis que a depressão se está fixando, tomando corpo lentamente, em forma de reação ao mundo e a todos os seus elementos.

A doença emocional, desse modo, apresenta-se em ambos os níveis da personalidade humana: cor­po e mente.

O som provém do instrumento. O que ao segun­do afeta, reflete-se no primeiro, na sua qualidade de exteriorização.

Idéias demoradamente recalcadas, que se negam a externar-se — tristezas, incertezas, medos, ciúmes, ansiedades contribuem para estados nostálgicos e depressões, que somente podem ser resolvidos, à me­dida que sejam liberados, deixando a área psicológi­ca em que se refugiam e libertando-a da carga emo­cional perturbadora.

Toda castração, toda repressão produz efeitos de­vastadores no comportamento emocional, dando campo à instalação de desordens da personalidade, dentre as quais se destaca a depressão.

É imprescindível, portanto, que o paciente en­tre em contato com o seu conflito, que o libere, desse modo superando o estado depressivo.

Noutras vezes, a perda dos sentimentos, a fuga para uma aparência indiferente diante das desgra­ças próprias ou alheias, um falso estoicismo contri­buem para que o fechar-se em si mesmo, se transfor­me em um permanente estado de depressão, por negar-se a amar, embora reclamando da falta de amor dos outros.

Diante de alguém que realmente se interesse pelo seu problema, o paciente pode experimentar uma explosão de lágrimas, todavia, se não estiver inte

ressado profundamente em desembaraçar-se da cou­raça retentiva, fechando-se outra vez para prosse­guir na atitude estóica em que se apraz, negando o mundo e as ocorrências desagradáveis, permanecerá ilhado no transtorno depressivo.

Nem sempre a depressão se expressará de for­ma autodestrutiva, mas com estado de coração pe­sado ou preso, disfarçando o esforço que se faz para a rotina cotidiana, ante as correntes que prostram no leito e ali retêm.

Para que se logre prosseguir, é comum ao paci­ente a adoção de uma atitude de rigidez, de deter­minação e desinteresse pela sua vida interna, afive­lando uma máscara ao rosto, que se apresenta pati­bular, e podem ser percebidas no corpo essas deci­sões em forma de rigidez, falta de movimentos har­mônicos...

Ainda podemos relacionar como psicogênese de alguns estados depressivos com impulsos suicidas, a conclusão a que o indivíduo chega, considerando-se um fracasso na sua condição, masculina ou femini­na, determinando-se por não continuar a existência. A situação se torna mais grave, quando se acerca de uma idade especial, 35 ou 40 anos, um pouco mais, um pouco menos, e lhe parece que não conseguiu o que anelava, não se havendo realizado em tal ou qual área, embora noutras se encontre muito bem. Essa reflexão autopunitiva dá gênese a estado de­pressivo com indução ao suicídio.

Esse sentimento de fracasso, de impossibilida­de de êxito pode, também, originar-se em alguma agressão ou rejeição na infância, por parte do pai ou da mãe, criando uma negação pelo corpo ou por si mesmo, e, quando de causa sexual, perturbando completamente o amadurecimento e a expressão da libido.

Nesse capítulo, anotamos a forte incidência de fenômenos obsessivos, que podem desencadear o processo depressivo, abrindo espaço para o suicídio, ou se fixando, a partir do transtorno psicótiço, dire­cionando o paciente para a etapa trágica da autodes­truição.

Seja, porém, qual for a gênese desses distúrbi­os, é de relevante importância para o enfermo con­siderar que não é doente, mas que se encontra em fase de doença, trabalhando-se sem autocomisera­ção, nem autopunição para reencontrar os objetivos da existência. Sem o esforço pessoal, mui dificilmente será encontrada uma fórmula ideal para o reequi­líbrio, mesmo que sob a terapia de neurolépticos.

O encontro com a consciência, através de avali­ação das possibilidades que se desenham para o ser, no seu processo evolutivo, tem valor primacial, por­que liberta-o da fixação da idéia depressiva, da au­tocompaixão, facultando campo para a renovação mental e a ação construtora.

Sem dúvida, uma bem orientada disciplina de movimentos corporais, revitalizando os anéis e pro­porcionando estímulos físicos, contribui de forma valiosa para a libertação dos miasmas que intoxicam os centros de força.

Naturalmente, quando o processo se instala —nostalgia que conduz à depressão — a terapia bioe­nergética (Reich, como também a espírita), a logote­rapia (Viktor Frankl), ou conforme se apresentem as síndromes, o concurso do psicoterapeuta especializado, bem como de um grupo de ajuda, se fazem in­dispensáveis.

A eleição do recurso terapêutico deve ser feita pelo paciente, se dispuser da necessária lucidez para tanto, ou a dos familiares, com melhor juízo, a fim de evitar danos compreensíveis, os quais, ocorren­do, geram mais complexidades e dificuldades de re­cuperação.

Seja, no entanto, qual for a problemática nessa área, a criação de uma psicosfera saudável em torno do paciente, a mudança de fatores psicossociais no lar e mesmo no ambiente de trabalho constituem va­liosos recursos para a reconquista da saúde mental e emocional.

O homem é a medida dos seus esforços e lutas interiores para o autocrescimento, para a aquisição das paisagens emocionais.


20

EXISTÊNCIAS FRAGMENTADAS

O ego, utilizando-se de técnicas para mascarar-se, recorre com freqüência a mecanismos sutis, quan­do se vê defrontado pelo dever de assumir respon­sabilidades que se derivam dos atos insensatos, tais como transferência de culpa e autopunição.

No primeiro caso, torna-se-lhe mais fácil, raci­onalmente, fugir para a inocência e a fragilidade, direcionando acusações a outrem, do que enfrentar-se, e, no segundo caso, o recurso da autopunição castradora e infeliz, como anestésico para a consciência e liberação de um conflito, mesmo que geran­do outros.

Reprimindo-se desde a infância mal vivida, o ser escamoteia os sentimentos e procura viver conforme os estereótipos convencionais, impedindo-se a auto-re­alização, o enfrentamento lúcido, a coragem para assu­mir responsabilidades e delas desincumbir-se sem con­flito.

Ansiando por liberdade, defronta os impedimen­tos sociais e comportamentais, passando a ocultar os sentimentos e sofrer insatisfações que se sombreiam com perturbações psicológicas e desencantos.

Não se resolvendo por lutar contra os impedimen­tos à felicidade — que é a harmonia interior em identifi­cação com os propósitos de elevação — vive fragmenta­riamente, tornando a existência um fadário de pesada condução.

Somente por intermédio de uma resolução fir­me é que pode romper os fortes elos que o prendem aos sofrimentos desnecessários, mantendo a decisão de não se furtar às conseqüências, e superá-las a qual­quer preço.

Os gregos antigos, experimentando as mesmas injunções psicológicas, conceberam, através da Mi­tologia, os referenciais para bem traduzirem as ocor­rências e seus efeitos, em bem entretecidas catarses, que ainda servem de modelo para um bom entendi­mento dos conflitos humanos e suas soluções.

No mito de Prometeu, por exemplo, vemo-lo rou­bando o fogo sagrado de Zeus, a fim de auxiliar aos homens que se encontravam condenados às grandes trevas.

Surpreendido, foi aprisionado por trinta séculos, acorrentado a um rochedo, até ser libertado por Hera­cles.

Nesse período, tinha o fígado exposto a um abutre que o devorava incessantemente, enquanto o mesmo se refazia, a fim de que o seu fosse um suplício sem limite.

Face à trágica ocorrência, quando ficou livre, acon­selhou ao irmão Epimeteu, que se mantivesse adverti­do e lúcido, não aceitando presente algum de Zeus, que certamente planejava desforço.

Invigilante, porém, Epimeteu deixou-se seduzir por bela jovem que Zeus lhe enviara, e que conduzia uma preciosa caixa.

Tratava-se de Pandora que, após conquistá-lo e dominá-lo, abriu o cofre e espalhou o bafio das pestes, do sofrimento, das misérias que passaram a predomi­nar no mundo...

Apesar de admoestado, o irresponsável deixou-se conduzir pela imprevidência egóica, passando a sofrer-lhe as conseqüências, e tornando-se causador das des­graças humanas.

Prometeu, como o nome significa, é aquele que prevê, que percebe antes, enquanto Epimeteu é o que desperta tardiamente, que toma conhecimento depois.

O ego astuto não aceita as sugestões do Self, que o adverte, e, imediatista, ambiciona o prazer voluptuo­so, sem preocupação com os resultados da precipita­ção, da irreflexão.

Quando desperta, como ocorreu com Epimeteu, os danos já se avolumaram, e, ao invés de assumir as res­ponsabilidades, transfere-as para os outros ou autopu­ne-se em mecanismos de consciência de culpa e senti­mentos de remorso.

Todas as advertências que lhe são apresentadas soam sem significação, porque deseja a própria satisfa­ção, a imediata e tormentosa sensação saciada, que so­mente se converte em nova inquietação desencadeadora de diferentes conflitos.

O ser, porém, está destinado à plenitude, à auto-realização embora os desafios e as dificuldades aparen­tes que lhe surgem durante o período de crescimento.

A planta que germina arrebenta o claustro no qual a semente jaz encarcerada, desenvolvendo todos os conteúdos que a tipificam.

Nessa ruptura, desabrocha o fatalismo biológico que a conduz à totalidade.

As heranças das formas primevas pelas quais pas­sou o ser humano no seu processo antropológico, repe­tem-se desde o zigoto ao feto, à criança libertada do sacrário materno.

Os valores psicológicos, da mesma forma, ressu­mam das experiências humanas vividas antes, apresen­tando-se como tendências e conflitos, frustrações e ego­tismos, que se expressam no ser como recurso de segu­rança.

Os impulsos egóicos remanescentes dos instintos básicos, porém, devem ceder espaço às realizações cons­cientes, à diluição das mazelas e angústias, identifican­do a própria realidade.

Como resultado, não é lícito culpar os demais, menos ainda manter a atitude autopunitiva, masoquis­ta.

O Prometeu que jaz no inconsciente em forma de reflexão e cuidado nas decisões psicológicas, deve to­mar o lugar de Epimeteu, o malsucedido aventureiro e sonhador.

Qualquer tentativa de autopunição deverá ser subs­tituída pela aquisição da auto-estima e da boa orienta­ção para o logro da saúde mental e comportamental.

Face, porém, a qualquer tentação de transferir cul­pa para outrem, cabe a luta para assumir a coragem da responsabilidade sem conflito, compreendendo que se trata de experiência que libera a existência de fragmen­tação.

Essa atitude mental e de comportamento ético li­bera o germe de vida superior que também se encontra em todos os seres humanos à semelhança da flor e do fruto dormindo no silêncio da semente que é portado­ra de vida e de bênçãos.


QUINTA PARTE


21

A BUSCA DO SENTIDO EXISTENCIAL

Existir significa ter vida, fazer parte do Universo, contribuir para a harmonia do Cosmos.

A existência humana é uma síntese de múltiplas experiências evolutivas, trabalhadas pelo tempo atra­vés de automatismos que se transformam em instintos e se transmudam nas elevadas expressões do sentimen­to e da razão.

À medida que os automatismos biológicos se con­vertem em impulsos dirigidos — ressalvados alguns que permanecerão sem a contribuição da consciência — o ser psicológico passa a sobressair, conduzindo, de iní­cio, a carga dos atavismos que deverão ser remaneja­dos, diluindo aqueles de natureza perturbadora e apri­morando aqueloutros que se transformarão em fontes de alegria, de prazer e de paz...

Simultaneamente, a razão abandona as brumas da ignorância que a entorpece — qual cascalho que envolve a gema preciosa — e se delineiam objetivos e sentido existenciaL Enquanto não surge essa ne­cessidade, o primarismo predomina, e o ser, não obstante em estágio de humanidade, apenas reage, sem saber agir; ambiciona sem discernir para que; agride ou deprime-se, por desconhecer o valor da luta saudável, sempre desafiadora para a conquista do progresso. Somente então, surgem as interroga­ções que fazem parte da busca do sentido existenci­aL a) para que viver? b) por que lutar? c) como desenvolver essa capacidade de perseverar até al­cançar a meta?

A vida é inerente a tudo, e tentar explicar-lhe a cau­sa, o motivo do Primeiro Movimento que lhe deu ori­gem, é perder-se em elucubrações filosóficas e religio­sas desnecessárias. Aceitar-lhe a realidade sem discus­são, que se apresenta como fuga psicológica para o seu enfrentamento, é o primeiro passo.

Vive-se, e isso é incontestável. Negá-lo, significa anular-se, anestesiar a capacidade de pensar.

Viver da melhor forma possível é o desafio imedi­ato. Viver bem — desfrutando dos recursos que a Natu­reza e a inteligência proporcionam — para bem viver —realizações internas com o desenvolvimento ético ade­quado, que proporcionam bem-estar interior —, eis a ra­zão por que lutar.

Tal conquista sempre se consegue mediante o es­forço da não aceitação comodista, partindo-se para a luta de crescimento pessoal e de transformação ambi­ental, que facultam a existência feliz.

O próprio esforço, na mínima realização vitoriosa, contribui para o favorecimento da capacidade de se prosseguir conquistando as metas que, ao serem alcan­çadas, oferecem outras novas, que podem proporcionar melhores condições de plenitude e de integração na Consciência Cósmica.

Cada etapa vencida, portanto, mais capacita o ser para as porvindouras que lhe cumpre conquistar. Ex­perimentada uma vitória, surgem motivações especi­ais para o prosseguimento das lutas que acenam con­quistas mais significativas, particularmente no íntimo, quando o ser psicológico desabrocha e predomina so­bre o conjunto fisiológico.


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O VAZIO EXISTENCIAL

Nesse processo de superação do primarismo, quan­do o Self adquire discernimento, se não houve um amadurecimento paulatino e cuidadoso, ocorrem, se­gundo Viktor Frankl, em seus estudos e aplicações lo­goterápicos, dois fenômenos que respondem pelo va­zio existencial: a perda de alguns instintos animais, básicos, que lhe davam segurança, e o desaparecimen­to das tradições que se diluem, e antes eram-lhe para­digmas de equilíbrio.

Diante disso, o indivíduo é obrigado a escolher, com discernimento para eleger, dando surgimento a outro tipo de instinto de sobrevivência para prosse­guir lutando. Sem uma decisão clara, torna-se ins­trumento dos outros, agindo conforme as demais pes­soas, em atitude conformista, não reagindo aos im­positivos do meio, perdendo-se, sem motivação, ou se deixa conduzir pelos interesses do grupo, atuan­do conforme o mesmo, que lhe impõe comportamentos agressivos, anulando o seu interesse e alterando o seu campo de ação.

Naturalmente perde o contato com o Self para que sobreviva o ego, e assimilando o que é bem da época, assume os modismos e se despersonaliza.

Nesse vazio que surge, por falta de motivação real para prosseguir, foge para o alcoolismo, para as dro­gas, para o sexo ou tomba em depressão...

Noutras vezes, para ocultar essa lacuna na emoção

— o vazio existencial — refugia-se em comportamentos impróprios, buscando o poder, a glória efêmera atra­vés dos quais chama a atenção, torna-se brilhante sob os focos de luz da fama, neurotizando-se.

Dá-se conta de que as complexas engrenagens do poder e da glória continuam permitindo o vazio interi­or — porque se satura com rapidez das novidades do exterior — percebe também que as compensações do prazer sexual são frustrantes quão ligeiras, produzin­do um certo estado de amargura que parece inexplicá­vel.

Mui comumente surgem comentários no grupo social, a respeito de alguém que tem tudo — dinheiro, família, beleza, inteligência, poder — e, no entanto, pa­rece não ser feliz.

Sucede que esse tudo não preenche o vazio, fal­tando o sentido da vida, seu significado, sua razão de ser.

A tensão de novas buscas e a saturação que de­corre do conseguir, resultam em transtorno neuróti­co.

Com o tempo disponível e falta de objetivo, a úni­ca saída emocional é o mergulho na depressão. Essa ocorrência é comum nas pessoas atuantes que param

de agir abruptamente, por enfermidades, por aposen­tadoria, pelos feriados e períodos de férias, que lhes abrem as feridas existenciais do vazio.

A psicoterapia unida à logoterapia amenizam a si­tuação, propondo um sentido natural à existência, ob­jetivos duradouros, que exigem esforço, embora sejam compreensíveis as recaídas até a fixação dos novos va­lores.


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NECESSIDADE DE OBJETIVO

A busca de um sentido existencial por parte do ser humano constitui-lhe uma força inata impulsionadora para o seu progresso. Ao identificá-lo, torna-se-lhe o objetivo básico a ser conquistado, empenhando todos os recursos para a consecução da meta.

Graças a isso, que podem ser os seus ideais, as suas necessidades, as suas ambições, oferece a vida e não teme a morte, conseguindo, inclusive, permanecer sob as mais miseráveis e inumanas condições, desde que essa chama permaneça acesa interiormente.

Trata-se de um sentido pessoal que ninguém pode oferecer, e que é particular a cada qual. Torna-se, de futuro, um ideal de grupo, em razão de constituir inte­resse coletivo, porém a sua origem se encontra no nível de consciência e de pensamento individual, que elegem o que fazer e como fazê-lo. Não pode ser elegido por outrem ou brindado, senão conseguido pelo próprio ser.

Possivelmente será proposto quando se é despertado para o interesse, chamando-lhe a atenção, mas a sua eleição é pessoal.

Jesus, ante a transitoriedade dos valores terrestres e a fugacidade do corpo, propôs a busca do reino de Deus e Sua justiça, elucidando que, após esta prima­zia tudo mais será acrescentado. Isto é, estabelecendo o mais importante — o sentido, o objetivo existencial —as demais aspirações se tornam secundárias e chega­rão naturalmente.

Esse reino de Deus encontra-se na consciência tran­qüila, que resulta do dever retamente cumprido, dos compromissos bem conduzidos, dos objetivos delinea­dos com acerto. Graças a essa diretriz, a aquisição dos recursos faz-se com naturalidade, como um acréscimo, que é a conseqüência básica.

Todos necessitam de um algo para motivar-se, para viver.

Essa busca de significado, de objetivo ou sentido não pode ser resultado de uma fé ancestral, isto é, de uma crença destituída de fatos, que se dilui ante difi­culdades, principalmente os conflitos internos, mas da luz da razão que se transforma em vontade de conse­guir uma vida mais expressiva, mais rica de conteúdo, de aspirações profundas e autênticas.

Um afeto familiar, um ideal em desenvolvimento, o lar, uma atividade dignificadora, o retorno a um ser­viço interrompido tornam-se, entre muitos outros, ob­jefivos que dão sentido à vida, favorecendo meios para se lutar.

Sustentaram incontáveis encarcerados nos campos de trabalho forçado e de extermínio, mesmo quando exauridos, e nada mais lhes restava, sempre aguardan­do ser o próximo a morrer... Ainda vitalizam milhões outros que se encontram em situações inumanas, víti­mas de homens e mulheres arbitrários, de sistemas in­justos, de situações penosas.

Certamente, o oposto também dá sentido — infeliz é certo — a outras existências: o ódio, o ressentimento, a ânsia de poder, tornando as suas trajetórias adrede fa­nadas, porque os mesmos são máscaras do ego ferido, que não se tornam razões de paz, antes se fazem contí­nuo tormento.

Quando se tem o porquê viver, a forma de como viver até lograr o objetivo torna-se secundária. Esse im­pulso primário no ser, faz que supere os obstáculos e impedimentos com o pensamento no que conseguirá.

Alguns psicoterapeutas afirmam que os princípios morais, que lhes parecem metafísicos, nada têm a ver com o sentido ou significado existencial. E se olvidam de todos quantos lhes entregaram as vidas, plenifican­do-se saudavelmente. Informam, ademais, que esse sen­tido resulta daquilo que pode enfrentar a existência, não nascendo com ela.

Somos de parecer que o sentido, o objetivo, o es­sencial, é a auto-superação das paixões, a auto-ilumi­nação para bem discernir o que se deve e se pode fazer, para harmonizar-se em si mesmo, em relação ao seu próximo e ao grupo social no qual se encontra, bem como à Vida, à Natureza, Deus...

Os princípios morais — alguns inatos ao ser huma­no — são indispensáveis. Não porém as imposições morais-sociais, geográficas, estabelecidas legalmente e logo desacreditadas. Mas aqueles que são inerentes, derivados do mais profundo e básico, que é o amor. Respeitar a vida, amando-a; fomentar o progresso, tra­balhando; construir a felicidade, perseverando; não fazer a outrem o que não deseja que o mesmo lhe faça, eliminam a possibilidade de consciência de culpa, de conflito, e dão-lhe um padrão para o comportamento equilibrado, uma diretriz para a conduta sadia.

O ser atua moralmente, porque sente o impulso interno da vida que se submete às Leis que a regem.

Essa força interior que o leva à prática dos atos cor­retos, o Bem, no início, é metafísica, pois procede do Psiquismo Causal, para depois tornar-se uma necessi­dade transformada em ações, portanto nos fatos que lhe confirmam a excelência.

Quando escasseiam esses princípios na mente e na emoção, o indivíduo, desestruturado, enferma e a mais eficaz solução é o amorterapia, impulsionando-o a per­mitir que desabrochem os sentimentos de fraternida­de, de solidariedade, de perdão, de auto-entrega, as­sim aparecendo significados para continuar-se a viver.

Muitos aposentados e idosos, depressivos diver­sos, que se neurotizaram, recuperam-se através do ser­viço ao próximo, da autodoação à comunidade, do la­bor em grupo, sem interesse pecuniário, reinventando razões e motivos para serem úteis, assim rompendo o refúgio sombrio da perda do sentido existencial.

Sem meta não se vive, obedece-se aos automatis­mos fisiológicos em perigoso crepúsculo psicológico, a um passo do suicídio.

Quando o ser se percebe atuante, produtivo, ne­cessário, vibra e produz. Todo e qualquer contributo psicoterapêutico, logoterapêutico, há de considerar a autovalorização do paciente.

Jesus sintetizou-o, na resposta com que concluiu o diálogo com o sacerdote que o interrogara a respeito do reino dos céus: — Vai tu e faze o mesmo.


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SIGNIFICADO DO SOFRIMENTO NA VIDA

Para melhor expressar-se, o amor irrompe de for­mas diferentes, convidando à reflexão em torno dos valores existenciais. Muito do significado que se carac­teriza pelo poder — mecanismo dominante da realiza­ção do ego — desaparece, quando o amor não está pre­sente, preenchendo o vazio existencial. Essa ânsia de acumular, de dominar, que atormenta enquanto com­praz, torna-se uma projeção da insegurança íntima do ser que se mascara de força, escondendo a fragilidade pessoal, em mecanismos escapistas injustificáveis que mais postergam e dificultam a auto-realização.

A perda da tradição é como um puxar do tapete no qual se apoiam os pés de barro do indivíduo que se acreditava como o rei da criação e, subitamente se en­contra destituído da força de dominação, ante o desa­parecimento de alguns instintos básicos, que vêm sen­do substituídos pela razão. O discernimento que con­quista é portador de mais vigor do que a brutalidade dos automatismos instintivos, mas somente, a pouco e pouco, é que o inconsciente assimilará essa realidade, que partirá da consciência para os mais recônditos re­folhos da psique.

Nesta transformação — a metamorfose que se ope­ra do rastejar no primarismo para a ascese do raciocí­nio — o sofrimento se manifesta, oferecendo um novo tipo de significado e de propósito para a vida.

Impossível de ser evitado, torna-se imperioso ser compreendido e aceito, porqüanto o seu aguilhão pro­duz efeitos correspondentes à forma porque se deva aceitá-lo.

Quando explode, a rebeldia torna-se uma sensa­ção asselvajada, dilaceradora, que mortifica sem sub­meter, até o momento em que, racionalmente aceito, faz-se instrumento de purificação, estímulo para o progres­so, recurso de transformação interior.

O desabrochar da flor, rompendo o claustro onde se ocultam o perfume, o pólen, a vida, é uma forma de despedaçamento, que ocorre, no entanto, no momento próprio para a harmonia, preservando a estrutura e o conteúdo, a fim de repetir a espécie.

O parto que propicia vida é também doloroso pro­cesso que faculta dilaceração.

O sofrimento, portanto, seja ele qual for, demons­tra a transitoriedade de tudo e a respectiva fragilidade de todos os seres e de todas as coisas que os cercam, alterando as expressões existenciais, aprimorando-as e ampliando-lhes as resistências, os valores que se con­solidam. Na sua primeira faceta demonstra que tudo passa, inclusive, a sua presença dominante, que cede lugar a outras expressões emocionais, nada perduran­do indefinidamente. Na outra vertente, a aquisição da resistência somente é possível mediante o choque, a experiência pela ação.

O ser psicológico sabe dessa realidade, O SeU iden­tifica-a, porém o ego a escamoteia, fiel ao atavismo an­cestral dos seus instintos básicos.

O sofrimento constitui, desse modo, desafio evo­lutivo que faz parte da vida, assim como a anomalia da ostra produzindo a pérola. Aceitá-lo com resignação dinâmica, através de análise lúcida, e bem direcioná-lo é proporcionar-se um sentido existencial estimulante, responsável por mais crescimento interior e maior va­lorização lógica de si mesmo, sem narcisismo nem uto­pias.

Todos os indivíduos, uma ou mais vezes, são con­vidados ao enfrentamento, sem enfermidades graves ou irreversíveis, com dramas familiares inabordáveis, com situações pessoais quase insuportáveis, defrontan­do o sofrimento.

A reação irracional contra a ocorrência piora-a, alu­cina ou entorpece os centros da razão, enquanto que a compreensão natural, a aceitação tranqüila, propiciam a oportunidade de conseguir o valor supremo de ofe­recer-se para a conquista do sentimento mais profun­do da existência.

A morte, a enfermidade, os desastres econômicos, os dramas morais, os insucessos afetuosos, a solidão e tantas outras ocorrências perturbadoras, porque inevi­táveis, produzindo sofrimento, devem ser recebidas com disposição ativa de experienciá-las. Para alguns desses acontecimentos palavra alguma pode diluir-lhe os efeitos. Somente a interação moral, a confiança em Deus e em si mesmo para a convivência feliz com os seus resultados.

Esta disposição nasce da maturidade psicológica, do equilíbrio eutre compreender, aceitar e vivenciar. Aqueles que não os suportam, entregando-se a lamen­tações e silícios íntimos, permanecem em estado de in­fância psicológica, sentindo a falta da mãe superprote­tora que os aliviava de tudo, que tudo suportava em vãs tentativas de impedir-lhes a experiência de desenvolvimento evolutivo.

A aceitação, porém, do sofrimento como significado existencial e propósito de vida, não se torna uma cruz masoquista, mas se transforma em asas de liberta­ção do cárcere material para a conquista da plenitude do ser.


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RELATIVIDADE DA VIDA FÍSICA

Embora a relatividade do ser físico, da existência terrena, o sentido da vida permanece inalterado. Se se depositam no corpo, apenas, todas as aspirações, àmedida que ele envelhece, que se lhe diminuem as re­sistências e possibilidades, claro está que perdem o impacto e o objetivo.

Observando-se, porém, a vida como um todo, não somente como a trajetória fisiológica, tais anseios se realizam a cada instante, arquivando-se no passado, e servem de base para novas buscas e motivações.

Não sendo o corpo mais que uma vestimenta, a sua duração é irrestrita, desgastando-se enquanto vibra, consumindo-se à medida que é utilizado.

As conquistas agradáveis e as derivadas do sofri­mento tornam-se parte integrante do seu conteúdo, permanecendo como valores que o enriquecem.

O importante não é o seu tempo de duração, mas a forma como é vivida, experienciada, arquivada cada etapa.

Quando se encontra acumulado, vibra e tem senti­do, porqüanto pode ser acionado a cada instante, revi­vido com intensidade quando se queira, repetindo as emoções antes experimentadas.

Não há porque se temer o envelhecimento, invejar a juventude, lamentar o tempo. Esse comportamento viceja nos indivíduos imaturos. O vir-a-acontecer não pode influir mais na conduta, do que o já-acontecido.

Os sofrimentos vivenciados, os sorrisos extemados, os conhecimentos adquiridos, os recursos utilizados são todos um cabedal que não pode ser comparado ou per­mutado pelas interrogações daquilo que ainda não foi conseguido.

A existência física possibilita a integração do indi­víduo com a Natureza, harmonizando-o e promoven­do-o para realizar incursões mais audaciosas, quais a superação do ego e o crescimento do Self, assim como a tranqüila movimentação na sua realidade de ser imor­tal. O seu trânsito no corpo constitui-lhe uma etapa valiosa para a recomposição de forças, que se pertur­baram, e a aquisição de energias mais sutis que se deri­vam do eu superior e devem ser canalizadas no rumo da sua supervivência.

Assim não fosse, a consumpção orgânica encerrar-lhe-ia a realidade, apagando as conquistas do pensa­mento e do amor.

Essas expressões da vida não se comburem jamais, desaparecendo na memória do tempo, extinguindo-se no espaço universal. Permanecem atuantes e realiza­doras, vencendo as barreiras vibratórias do corpo e mantendo-se organizadas fora dele, porque são a fonte geradora do existir.

A busca do sentido da vida ultrapassa a manif esta­ção da forma e prossegue em outras dimensões, afor­moseando o ser que projeta, sim, a sua realidade para outros cometimentos existenciais futuros, outros desa­fios humanos, superando-se através das conquistas ar mazenadas, direcionando-se para a integração na har­monia da Consciência Cósmica, livre de retentivas com a retaguarda, desembaraçado de aflições, porque su­peradas, e aberto a novas expressões sempre portado­ras da peregrina luz da sabedoria.


SEXTA PARTE


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OBJETIVOS CONFLITIVOS

O desajuste emocional e a perda de identidade que predominam na sociedade contemporânea determinam como indispensável a conquista de metas estabelecidas pelo egoísmo, em indisfarçável preocupação de pare­cerem proporcionar a felicidade, O triunfo que todos devem almejar, segundo essas tendências, apresenta-se estatuído em como conseguir-se destaque social, parecer-se vencedor, tornar-se divertido.

Para esse cometimento surgem cursos e técnicas variadas para superar-se obstáculos — circunstânci­as, ocorrências e pessoas — conquistar-se amigos, lograr-se relacionamentos úteis, que significam van­tajosos, numa terrível, quase neurótica preocupação pelas vitórias exteriores.

O ser, em si mesmo, é quase secundária impor­tância, desde que a aparência seja agradável, a posi­ção tenha representatividade e o dinheiro se encar­regue de resolver as situações embaraçosas.

Tais objetivos não passam de disfarces para a luta pela supremacia do ego portador de recalques, que deixa de lutar pela libertação do Self para en­gendrar novos futuros conflitos.

A busca de poder que favorece a projeção social e o ter produzem contínua inquietação, de algum modo pelo medo de não mais vir a dispor da situ­ação cômoda, invejável. Esse receio induz à insegu­rança, à desconfiança, à instabilidade.

A medida porém, que as contas bancárias au­mentam e o brilho social projeta, o indivíduo perde contato com a sua realidade, tornando-se antinatu­ral, exigindo tratamento especial em toda parte, es­pecialmente no lar — qual lhe é propiciado pela in­sensatez da bajulação — sentindo-se todo poderoso e agressivo. Não permite ser contrariado nas coisas e situações de quase nenhuma importância, porque susceptível em demasia, se irrita, agride, se indis­põe. Essa conduta sistemática e as pressões sofridas no mundo do parecer estressam-no, e cada vez tom­bam-no na insatisfação.

Noutras vezes, afadiga-se por defender a posi­ção em que estagia, e não desfruta daquilo que foi anelado, porque está sempre preocupado com aque­les que vêm atrás e ameaçam-lhe o lugar de falso triunfo. Prossegue, então, acumulando mais, defen­dendo-se mais, amando menos, tranqüilizando-se menos ainda.

Se escapa dessas injunções conflitivas, experi­menta a saturação e desmotiva-se, mergulhando no tédio gerador de morbidez e depressão.

Os objetivos, quando legítimos, não podem en­carcerar nem entorpecer, menos ainda afligir. Somente aqueles que são constituídos por qualidades e valores profundos, compensam o afã e o esforço por lográ-los.

Formam-se pelos anseios de vitórias, de realiza­ções, não porém, exclusivamente exteriores, senão também, internas, as únicas que produzem renova­ção, que estimulam e dão sentido existencial.


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SUCESSO E FRACASSO

O homem tem necessidade de enfrentar desafi­os. São eles que o impulsionam ao crescimento, ao desenvolvimento de suas aptidões e potencialidades, sem o que permaneceria sem objetivo, relegando-o ao letargo, à negação da própria mecânica da vida que se expressa como evolução.

A medida que se lhe vai operando o amadure­cimento psicológico, mais amplas perspectivas sur­gem nas suas paisagens mentais em forma de aspi­rações que se transformam em lutas motivadoras da existência. Cada etapa vencida faculta novos rumos a percorrer e o seu transcurso é realizado a esforço que o ideal do sucesso propõe. A princípio são me­tas próximas, não obstante se possam ambicionar outras mais expressivas, mesmo que remotas, po­rém prenunciadoras de vitórias imediatas.

O que está próximo e fácil não constitui grande desafio nem forte motivação para ser conseguido, pois sucede com mínimo esforço, deixando, quando logrado, um certo travo de frustração.

Enquanto se acalentam ambições nos padrões da realidade do possível, se vive motivado para prosse­guir. O seu desaparecimento faz-se morte existenci­al. Dessas objetivações realizáveis surgem projetos mais audaciosos, considerados então impossíveis, que a tenacidade e a inteligência ao esforço conseguem alcançar.

A conquista da roda inicialmente mudou a fase do planeta. A fundição dos metais, a eletricidade e suas inumeráveis aplicações alteraram completamen­te o mundo terrestre, que deixou de ser conforme se apresentava para ressurgir com aspecto totalmente novo. Os desafios do micro e do macrocosmo, que estão sendo vencidos, alteram, com os recursos avan­çados da ciência e da tecnologia, a cultura, a civili­zação e a vida nas suas diversas expressões.

Certamente, a precipitação emocional, as graves patologias orgânicas, psicológicas e psíquicas, algu­mas resultado dos atavismos e das fixações ances­trais, não permitiram, por enquanto, que se instale na sociedade a felicidade, nem no próprio indivíduo a harmonia, o prazer não agressivo nem extravagan­te. A morbidez que campeia tem-nos dificultado.

Apesar dos sucessos conseguidos em muitos se­tores, outros permanecem obscuros, aguardando. Pas­505 audaciosos já foram dados, favorecendo o bem-estar e ampliando os horizontes existenciais.

Lenta, mas seguramente, o homem sai da caver­na, tem sucesso ao diminuir as sombras por onde transita e desenha um radioso futuro. Os vestígios de barbarismo, o predomínio da natureza animal, a perseverança da apatia, vão sendo substituídos pe­los anelos de liberdade, pelos ideais de auto-iluminação, de progresso, de amor, que se lhe desdobram no imo como um hino de alegria, uma saudação estuante de júbilo, um êxito em relação às condições hostis e às tendências perturbadoras.

Saturado do habitual aspira pelo inusitado. Apai­xonado pelo bom, pelo nobre, pelo belo liberta-se, a esforço que supera a vulgaridade, o tédio, o ego do­minador. Harmoniza o Self com o Cosmos e busca integração no conjunto geral, sem perda de identi­dade, nem de individualidade.

O sucesso é sempre o prêmio para quem luta e aspira por ascensão, poder, destaque. Não se tratam de buscas egóicas, mas de instrumentos de uso para conseguir a vigência dos ideais.

O poder é ferramenta neutra. A aplicação que lhe é dada responde pelos efeitos que produz. Pro­porciona os meios hábeis para as realizações, abrin­do portas e ensanchas, a fim de que a vida se torne mais significativa.

Ter, possuir para manter-se com dignidade, em segurança econômica, social, emocional, é um senti­do existencial através do qual se harmonizam algu­mas necessidades psicológicas.

Qualquer tipo de carência aflige, e quando se faz pronunciada, expressando-se em um meio social ou em uma situação econômica angustiante leva a crises desestruturadoras do comportamento.

O sucesso significativo, porém, se expressa como a atitude de equilíbrio entre o conseguir e o perder. Nem sempre todas as respostas da luta são positi­vas, de triunfo. O fracasso, desse modo, faz parte integrante do comportamento da busca. Não se de­ter, quando por ele visitado, retirar a lição que encerra, analisar os fatores que o produziram, a fim de que não se repita, e recomeçar, quantas vezes se faça necessário, eis a forma de torná-lo um sucesso ver­dadeiro.

A rebelião ante a sua ocorrência, a desestrutura­ção íntima, a perda do sentido da luta, além de cons­tituírem prejuízo emocional, representam fracasso real. O insucesso de um cometimento pode tornar-se experiência que predispõe ao triunfo próximo.

Na estratégia bélica, vencer a guerra é a meta, e não somente ganhar batalhas. O importante e essen­cial, no entanto, é sair vitorioso na luta final, aquela que define o combate.

O homem de sucesso ou de fracasso exterior deve vigiar o comportamento íntimo para detectar como se encontra realmente, e remanejar a situação.

Produzir a harmonia entre o eu superior e o ego é que realmente representa sucesso ideal.


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ASTÚCIA E CRIATIVIDADE

O instinto, por não possuir a faculdade de pen­sar, adquire e exterioriza a astúcia, que é um meca­nismo, através do qual consegue o que persegue.

Habilidade, perseverança, artimanhas fazem par­te dessa manifestação que tipifica diversos animais dentre os quais alguns seres humanos.

A criatividade se deriva da faculdade de pensar, que se renova sem cessar.

Considerava J. Paul Sartre que o homem se reinventa, que está sempre engendrando idéias, meios e formas para ser novo, para estar novo.

Naturalmente, o homem criativo é capaz de rein­ventar-se, de sair da rotina, de buscar novos desafi­os e entregar-se a contínuos anelos de evolução.

As artimanhas do instinto preservam a vida do animal, quando se mimetiza a fim de livrar-se dos predadores, seus inimigos naturais que, não fosse esse valioso recurso da natureza, exterminariam as espécies de que se nutre e, graças às quais, sobrevi­ve.

Quando esse instinto não se encontra iluminado pela consciência desperta, lúcida, e direciona o ser, surge-lhe a astúcia em detrimento da inteligência, tornando-o adaptável em quaisquer situações, pusi­lânime, aderindo e vinculando-se a pessoas e cir­cunstâncias, sem a sua identidade pessoal nem as específicas características psicológicas. Mente, enga­na, trai, considerando-se inteligente e subestimando a inteligência dos demais. Porque age, direcionado pelo instinto, inventa, sem criatividade, escusas, esclarecimentos, projetando sempre a sombra, até ser desmascarado ou relegado a plano secundário, con­siderado pernicioso ao meio social.

A criatividade inspira à busca do real, embora no campo imaginário, conduzindo o ser psicológico à aquisição de recursos que o emulam ao desenvol­vimento das potencialidades nele jacentes. Quando bem direcionada, supera a fantasia, que se lhe pode antecipar, penetrando no âmago das coisas e ocor­rências com que compõe novos cenários e estabelece produtivos objetivos.

O ser criativo sai das situações menos felizes sem amarguras ou seqüelas dos insucessos e desgos­tos experimentados, convertendo-os em lições de vida mediante as quais progride em tranqüilidade.

Somente a criatividade pode manter as pessoas que experimentam superlativas dores e excruciantes abandonos, perseguições e impiedades.

Quando despidas de tudo — haveres, família, ami­gos, títulos — não são despojadas de si mesmas, com as quais contam, reconstruindo a autoconfiança e pro­jetando-se no futuro.

O astuto busca enganar, enganando-se.

Inseguro, tenta a lisonja, o enredo falso e se ema­ranha na tecedura da rede de ilusões.

O criativo, quando sofre o presente, recupera mentalmente o passado, revivendo-o, recompondo as cenas e programando o futuro. Se, por acaso, o seu foi um passado menos feliz, repara-o, reexami­na-o e tenta descobrir-lhe os pontos vulneráveis do comportamento que lhe brindou as conseqüências perturbadoras. Ao delinear o futuro reforça a cora­gem e a vigilância, trabalhando-se para os enfrenta­mentos, sempre de maneira nobre, a fim de não perder o respeito nem a dignidade para consigo mesmo.

A astúcia não resiste à análise inteligente por falta de suporte real, basilar, para as suas propostas. Quem a cultiva, permanece infantil, mente à mãe castradora ou superprotetora, ao pai dominador ou negligente, escondendo agora a realidade como fa­zia na infância, por medo ou para estar nas graças, porém em permanente conflito que muda apenas de apresentação.

Essa couraça do medo que comprime e libera os mecanismos de fuga da realidade e do dever, deve ser removida pela energia da razão, em exame cui­dadoso quanto aos resultados da conduta, elegendo aquela que não produza danos mais tarde, apesar dos riscos e desagrados do momento.

A criatividade dá sentido à existência, que não estaciona ante o já conseguido, demonstrando a ex­celência de tudo quanto falta para ser alcançado.

Liberta do encarceramento elaborado pelo ego, rompendo o círculo da comodidade e impulsionan­do a novas experiências.

A mente criativa é atuante e renovadora, propi­ciando beleza ao ser, que se faz solidário no grupo social, participante dos interesses gerais, aos quais se afeiçoa, enquanto vive as próprias expectativas elaboradas pelo pensamento idealista.

A mente astuta, anestesiada pela ilusão, nega-se à aceitação da realidade por temor de ver desmoro­nar o seu castelo de sonhos, e ter que se enfrentar despida das mentiras e quejandos. Momento porém, chega, no qual se rompe essa couraça constritora — o sofrimento, o amor, o conhecimento, a alegria legíti­ma afloram — e surge, num parto feliz, a criatividade enriquecedora, equilibrada e tranqüila, proporcionan­do saúde psicológica.


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IMAGEM E PROJEÇÃO

O ego, na sua ambição possessiva, esconde o ser quanto pode. Mascara a realidade como mecanismo teimoso de sobrevivência, desenvolvendo projeções para o exterior, mesmo que em situação conflitiva.

Ambicionando o que não conseguiu nem se esfor­ça para conquistar, assume comportamento ambivalen­te: aquilo que demonstra e a frustração da não realida­de.

Desestruturado da personalidade que não se orga­nizou com segurança, o ego elabora imagens que assu­mem aspecto de legitimidade, dando lugar ao surgi­mento de personificações parasitárias, prejudiciais.

Insculpidas no inconsciente por impulsos de fuga de situações afugentes, as mesmas assomam e se insta­lam, bloqueando a consciência e adquirindo domínio sobre a razão.

São muito delicados os alicerces da personalida­de, que se vão organizando através do tempo, desde o período perinatal, cuja influência forte estabelece, por automatismos, programas que se manifestarão na infância, adolescência e idade adulta, exigindo atenção.

Quando se trata de um ser equilibrado, cujo de­senvolvimento se dá com naturalidade, sem complexi­dades patológicas, todo o futuro psicológico faz-se har­mônico, saudável, e os enfrentamentos mais consoli­dam as estruturas que os constituem. Quando porém, são vítimas dos conflitos ambientais, dos distúrbios fa­miliares, com destaque para os pais, especialmente para a mãe, mesmo sem que tenham responsabilidade cons­ciente, os efeitos são desastrosos.

A insegurança, os temores, os complexos de inferi­oridade, as compulsões mascaram o ser, e este, a fim de sobreviver no grupo social que se lhe apresenta como hostil, passa a atuar de forma semelhante, isto é, em consonância com o que se lhe impõe, tornando-se pes­soa espelho, mas tormentosa para si mesmo.

Para a integração da imagem no ser, das facetas e personalidades que assume, nos mecanismos de defe­sa e de fuga da realidade, torna-se indispensável uma terapia psicológica cuidadosa e a convivência com um grupo de ajuda saudável.

Assim mesmo, deve-se considerar que o ser é a soma de muitas reencarnações, nas quais esteve na con­dição de personalidades transitórias, cujos conteúdos foram-lhe incorporados, formando-lhe a individualida­de. E natural, portanto, que essas experiências e vivên­cias mais marcantes arquivadas no inconsciente pro­fundo emerjam, vez que outra, confundindo a consci­ência atual e, às vezes, escapando-lhe ao controle em forma de imagens projetadas, de personificações que exteriorizam com prevalêncía do ego.

Adicione-se a esse transtorno psicológico a incidên­cia de psiquismos diversos, ínteragindo por processos hipnóticos, conscientes ou não, sobre a pessoa porta­dora de uma estrutura psicológica frágil, e o conflito se torna mais expressivo.

Neste capítulo, surgem as obsessões espirituais, particularmente produzidas pelos Espíritos desencar­nados, que interferem na conduta humana, graças àemissão de ondas-pensamento perniciosas, carregadas de altos teores vibratórios de ódio, ciúme, despeito, vin­gança, e se verão as mudanças bruscas na conduta mo­ral, mental e comportamental, dando curso a psicopa­tologias variadas e graves.

Esta incidência, que é muito comum, particular­mente em razão dos mecanismos de afinidade entre os seres, constitui enfermidade desafiadora, por significar

a força opressiva e constritora de um campo psíquico sobre outro que passa a dominar.

A imagem captada, que se instala sobre a persona­lidade, aturde-a, e trava-se uma luta perturbadora en­tre o agredido e o agressor, que conduz carga vibrató­ria constituída de energia deletéria, resultado do culti­vo de sentimentos destrutivos.

Seja, porém, qual for a psicogênese do distúrbio em que se transformam as imagens projetadas pelo in­divíduo, faz-se urgente a psicoterapia, a fim de auxiliá­lo no auto-encontro, na conquista da sua identidade, que são os caminhos eficientes para a auto-realização.

O ser real tem que vencer as camadas sucessivas de sombras que o ocultam, desarticulando as engrena­gens passadas das imagens que projeta em estados mórbidos, enfrentando o meio onde vive após auto-enfrentar-se.

A identificação de metas saudáveis, aquelas que enobrecem, constitui o passo que deve ser dado para conquistá-las, diluindo, em cada etapa, as projeções ja­centes no inconsciente ou captadas psiquicamente, ori­ginadas de outros campos psíquicos.

Assumir-se, pois, os valores que a cada um tipifica, é conquista do seu sobre o ego, liberando-se de conflitos.


30

INDIVIDUALISMO

A imaturidade psicológica não oferece sinergia para as lutas com efetivo espírito de competitividade e de realização.

Porque num estado medíocre de evolução, o ho­mem busca sobressair-se, engendrando mecanismos de individualismo e utilizando-se de superados mé­todos de combate aos outros antes que de autoliber­tação.

Para destacar-se, em tal conjuntura, usa os ou­tros, através de artifícios do ego para conseguir os seus objetivos que, não o plenificando, prosseguem conflitivos, ou recorre à velha conduta do dividir para imperar, acumulando insucessos reais que são tidos como realizações vantajosas.

A valorização de si mesmo conscientiza o ser quanto à necessidade de bom trânsito no grupo so­cial e da sua importância no mesmo. Célula valiosa do conjunto deve encontrar-se harmônico, a fim de gerar um órgão sadio que se promoverá ampliando o círculo através de novos membros, dessa forma alcançando toda a sociedade.

A vida expressa-se em um todo, num coletivo equilibrado que, mesmo se apresentando numa es­trutura geral, não anula o indivíduo, nem o impede de desenvolver-se, agigantar-se. Isso porém, não o leva, necessariamente, ao individualismo, que é con­duta imposta pelo ego conflitivo.

Quando tal ocorre, as carências afetivas se apre­sentam transmudadas em ambições que atormentam enquanto parecem satisfazer; o indivíduo dá mos­tras de auto-realização que mal disfarça a solidão e a insatisfação íntima que se lhe encontram pulsantes no íntimo.

É provável que, nesse contexto, o hemisfério es­querdo do seu cérebro — racional, analítico, matemá­tico, lógico, casuístico — ignore o poder do direito — intuição, imaginação, transcendência, pensamento holístico, artístico —, condenando-o a viver sob a in­junção de fórmulas, de teorias, de conceitos preesta­belecidos, de julgamentos feitos, de regulamentos rígidos, aparentando não sentir necessidade do emo­cional e artístico, do divino e metafísico.

Nesse afã de ser lógico e individualista, impõe-se, sem dar-se conta, os próprios limites, e, por te­mor de aventurar-se no grupo social, integrando-se e explorando possibilidades que poderão resultar no progresso geral, estiola-se emocionalmente, tornan­do-se rude, amargo, ingrato para com a vida, embo­ra projete imagem diferente de si.

Perdendo o contato com a intuição, a simplici­dade, o senso comum, isola-se, e passa a ver o mun­do e as demais pessoas por meio de uma óptica distorcida, que lhe tira a claridade do discernimento e lhe faculta a identificação de conteúdos e contor­nos, fronteiras e intimidades.

Estabelecendo objetivos que agradam ao ego, mais se lhe aumentam os conflitos internos, por fal­ta de valor para identificar as próprias falhas e os medos que não combate.

O individualismo é recurso de fuga das propos­tas da vida, desvio de rota psicológica, porque avan­ça holística e socialmente para o todo, para o con­junto que não se pode desagregar sob pena de não sobreviver.

Todo individualista impõe-se, usando os demais, e converte-se em títere de si mesmo e dos outros, ou sucumbe nas sombras espetaculares do transtorno íntimo que foge para a loucura ou o suicídio.

Os objetivos não conflitivos da vida, porém, são conseguidos pelo indivíduo que os reparte com o seu grupo social, no qual sustenta os ideais, haurin­do aí sinergias para prosseguir lutando e vencendo, de forma saudável e equilibrada, sem projeções nem imagens irreais.


SÉTIMA PARTE


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TORMENTOS MODERNOS

Os avanços da ciência aliados à tecnologia favore­ceram a vida com incomparáveis contribuições: higie­ne e saúde, comodidade e prazer, facilidade de loco­moção e de cultura, programas de solidariedade e apoio, mais amplos recursos de fraternidade e inter-relacio­namentos pessoais...

A globalização tornou-se inevitável, ganhando-se distâncias com velocidades expressivas e participando-se das ocorrências que têm lugar nos mais diferentes pontos do globo.

Baniram da Terra várias endemias, erradicaram doenças cruéis, alteraram a face do planeta, melhoran­do-lhe inumeráveis condições...

Não obstante, os nobres e úteis avanços não conse­guiram impedir a violência urbana; as guerras, cada vez mais destruidoras; a miséria econômica e social; os fenômenos sísmicos; o surgimento de novas e calami­tosas enfermidades; a corrupção de vários matizes, que campeia desenfreada; os crimes hediondos assim como a pena de morte, a eutanásia, o aborto, o suicídio, a trai­ção...

Aprofundaram a sonda na psique do ser humano e desvelaram muitos enigmas que antes desvairavam, oferecendo recursos terapêuticos para minimizar e mesmo sanar muitos transtornos. Todavia, não pude­ram evitar distúrbios neuróticos e de pânico, as depres­sões profundas e outras tantas patologias tormentosas da mente...

A admirável conquista da ecologia ressalta este período, preservando a vida vegetal, animal, o meio ambiente com valiosas contribuições em favor do pla­neta em pré-agonia.

Apesar disso, a vida humana perece pela fome, pelo abandono, por diversas doenças que ainda não foram vencidas, pelo desrespeito de que é vítima...

Ocorre que o homem interior ainda não se fez con­quistar. As valiosas realizações de fora aprisionaram-no, por outro lado, no limite das horas, no volume es­magador dos compromissos, na multiplicidade das re­alizações para a sobrevivência, estressando-o ou fazen­do-o indiferente ao seu próximo, tornando-o arrogante ou aturdido, falto de ideais superiores e abarrotado de coisas sem significado real.

As exigências sociais tiraram-lhe a naturalidade, e os anseios de triunfos externos desestruturam-no, tor­nando-se-lhe importantes os valores que se fazem co­nhecidos, embora escravizem, em detrimento daque­loutros que permanecem não vistos e que são liberta­dores.

O temor detém-no no lar, cercado de tecnologia, mas, isolado da convivência com outras pessoas, longe do calor humano que produz relacionamentos motiva­dores.

A exigüidade de tempo não lhe propicia mais a re­flexão, levando-o a agir e a reagir por impulsos. Escas­seiam-lhe os momentos para si mesmo, interiormente, em espaços mentais e emocionais de oração, de medi­tação, de refazimento de forças exauridas nos embates contínuos.

Os medos assaltam-no, e a solidão na multidão asfixia-o.


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MASSIFICAÇÃO

Ao tempo em que as informações se multiplicam, oferecendo o conhecimento de muitas ocorrências si­multaneamente, aquelas que têm primazia nos veícu­los de comunicação — tragédias, excentricidades, vio­lências e crimes, sexo em desvario, ameaças de morte e de guerra — deixam o indivíduo inseguro. Porque não dispõe de tempo para digerir e bem absorver as notíci­as, selecionando-as, abate-se com facilidade ou excita-se, armando-se emocionalmente para os enfrentamen­tos.

Ocorre-lhe o fenômeno de ruptura da omeostase, que o perturba, física e psiquicamente.

Deixando-se arrastar pelo volume, massifica-se e perde o contato com a própria identidade, passando a ser apenas mais um no grupo, no qual se movimenta —trabalho, recreios, estudos, em quaisquer atividades —submetendo-se ao estabelecido, ao gosto geral, à von

tade alheia, às necessidades que os organizadores defi­nem, sem o consultarem anteriormente. Os seus pas­sam a ser os prazeres que outrem lhe concede, exigin­do que se sinta bem e se divirta, porqüanto esse é o convencionado. Membro que é do conjunto, as suas são as opções gerais.

A massificação deságua na desumanização, recon­duzindo o ser ao anterior estágio dos impulsos e ins­tintos básicos, que eram próprios para a selva antiga, e agora se apresentam como necessários na moderna, que é construída de pedras, cimento e ferro. Nela, não há liberdade plena, nem harmonia gratificante, porqüanto é artificial, ruidosa, agressiva, propondo contínuo, exaustivo estado de alerta contra os seus métodos e membros igualmente violentos.

A massa humana, como ser grupal, é destituída de alma, de sensibilidade. Em sua marcha voluptuosa avassala, deixando escombros físicos e psicológicos por onde passa. Porque os seus membros perderam a capa­cidade de ser indivíduos, estouram a qualquer voz de comando, arrastados pelos que os sediciam, e assim agem, para não ficarem esmagados. Os seus tornam-se os interesses coletivos, e tudo é programado, extinguin­do no homem a espontaneidade, que lhe expressa a in­dividualidade, o nível psicológico e de consciência, no qual se encontra.

O ser animal necessita do grupo, conduzido pelo instinto gregário, que o protege dos inimigos naturais e dá-lhe vida, estímulos, facultando-lhe intercâmbios.

O homem, porém, não prescinde da própria intimida­de, dos espaços que ocupa e lhe são fundamentais.

Experimentar mergulhos no Self, fruir momentos de solidão, sem buscar isolar-se, são-lhe atitudes saudáveis, renovadoras, que lhe concedem beleza interior para contrabalançar os choques desgastantes da luta pela vida.

A busca de realização é sempre pessoal e a meta éigualmente particular, correspondente ao estágio de evolução de cada qual. Não obstante haja similitudes entre as aspirações de criaturas diferentes, os valores anelados possuem características e significados muito especiais, nunca se misturando em uma generalidade comum.

O ser humano é um universo com as suas próprias leis e constituição, embora em harmonia com todos os demais, formando imensa famiia. Massificado, perde a capacidade, ou lhe é impedida, de expressar-se, de anelar e viver, conforme o seu paradigma de aspiração e progresso, pois que, do contrário, é expulso do gru­po, onde não mais tem acesso. Marginalizado, depri­me-se, aflige-se.

Cabe-lhe, porém, amadurecer reflexões para viver no grupo sem pertencer-lhe; para estar em sociedade sem perder a sua identidade; para encontrar-se neste momento com os demais, porém, não se permitir os arrastamentos insensatos e compulsivos da massifica­ção.

Como lhe é necessário viver em grupo, é-lhe im­prescindível ser ele próprio. Sua individualidade deve ser respeitada e mantida, a fim de que experiencie os acontecimentos conforme o seu estado emocional, or­gânico e intelectual.

O ser humano detém possibilidades inesgotáveis, que se multiplicam por si mesmas. Quanto mais as de­senvolve, tanto mais se apresentam aguardando oca­sião de expandir-se.

A aquisição da consciência de si, porém, é resulta­do de um esforço individual concentrado, que a massi­ficação dificulta, porqüanto, no conjunto, basta seguir-se o volume no qual se está mergulhado.

Quando defrontado com o Si profundo, o indiví­duo opta por controlar e bem direcionar a máquina or­gânica ao invés de ser conduzido pelos instintos pre­valecentes. Esse empenho racional converte-se de ime­diato em desafio que o engrandece, oferecendo-lhe sig­nificado existencial, por cujo termo lutará com deno­do.

A massificação permite a liberação negativa e per­turbadora dos conflitos do homem que, somados aos dos demais, torna-se um transtorno desenfreado, que mais inquieta, na razão direta em que se exterioriza. Tornando-se difícil a identificação da pessoa conflitiva, em razão do grupo que a absorve, o paciente sente-se à vontade para expandir a sua mazela, mascarando-se e parecendo estar em outra realidade. Ao escamoteá-lo, porém, mais lhe aprofunda as tenazes nos alicerces do inconsciente, aturdindo-se e infelicitando-se.

A massa absorve, devora as expressões individu­ais e consolida as paixões perversas. A diluição tera­pêutica do conflito certamente obedece à sua exteriori­zação conscientizada, anulando-lhe a causalidade e preenchendo o seu espaço com formulações amadure­cidas e realizações compensadoras. Tal a resolução, e a ação dinâmica exige humildade, reconhecendo-se o ser frágil e necessitado, por fim, encorajando-se para o co­metimento libertador.

Vivendo-se uma atualidade globalizadora, inevi­tável, pode-se no entanto, evitar a massificação, pre­servando-se a individualidade, sendo-se autêntico consigo mesmo, enfrentando as imposições do ego e har­monizando-as com o Self.


33

PERDA DO SENSO DE HUMOR

A capacidade para manter o senso de humor nas mais variadas oportunidades resulta do amadurecimen­to psicológico, propiciador da aquisição de valores re­levantes para o perfeito equilíbrio existencial.

Poder encarar as situações vexatórias sem revolta nem autocompaixão, considerando-as fenômenos na­turais do processo evolutivo; identificar-se humano e passível de todas as ocorrências; aceitar com bom hu­mor os acontecimentos inusitados e permitir-se sorrir de si mesmo, dos equívocos cometidos e dispondo-se a repará-los, constituem conquistas do auto-amor.

O amor, no seu elenco imenso de expressões, sus­tenta o senso de humor, facultando ao indivíduo possi­bilidades enriquecedoras, dentre as quais a alegria da vida como quer que esta se apresente, a compreensão das falhas alheias e próprias, a coragem para repetir as experiências fracassadas, até alcançar o êxito e, sobre­tudo, o preenchimento dos espaços íntimos com realizações edificantes.

A perda do senso de humor, entre outras causas, resulta do estresse e da amargura, do desgaste das emo­ções e do vazio existencial, colimando em condutas pessimistas, caracterizadas pela revolta sistemática, a agressividade diante de quaisquer incidentes, ou pelo desânimo, pelo desinteresse em torno das ocorrências. Descaracterizam-se então, os valores perante si mesmo, e as aspirações cedem lugar à acomodação rebelde, conspirando contra as estruturas íntimas.

O senso de humor estimula ao prosseguimento dos objetivos, vencendo dificuldades e obstáculos com o otimismo de quem confia em si, nas próprias possibili­dades e na capacidade de renovar-se para não estacio­nar. Trata-se de um parâmetro para aquilatar-se a con­dição em que se encontra e as disponibilidades ao al­cance para vencer.

A criança, porque ainda não impregnada dos vícios sociais e das lutas malsucedidas, expressa com naturali­dade o seu senso de humor, de confiança nos adultos e nas coisas que a cercam. O discernimento advindo dos fatores domésticos e sociais altera-lhe essa faculdade es­pontânea tomando-a, às vezes, dissimuladora, interessei­ra, hábil na forma de conduzir-se para agradar.

É indispensável a aceitação do propósito de agra­dar-se também, desde que disso não decorra qualquer tipo de prejuízo para si ou para as demais pessoas.

O idealista e o esteta, o santo e o artista, o poeta e todo homem de bem possuem apurado senso de hu­mor que os motiva a insistir e a ambicionar conseguir a meta que perseguem, alegrando-se no que realizam, e quando algo não corresponde às aspirações acalenta­das ou resulta negativo, ao invés de perturbar-se, ou lamentar, ou desistir, aprendem com o erro um método que deve ser alterado, porque não os levou ao ponto estabelecido.

Este senso de humor constitui riqueza íntima que se deve cultivar sob qualquer circunstância, rejubilan­do-se com ele e exteriorizando-se onde se esteja, a fim de melhorar os relacionamentos interpessoais, as realizações e favorecendo os resultados de todos os empre­endimentos.

A vida moderna, com as suas sofisticadas exigên­cias, propicia muitos conflitos que podem ser evitados mediante a autoconsciência e a vivência do senso de humor, isto é, a forma natural e positiva para encarar as ocorrências do cotidiano. Não se trata do humor que decorre do anedotário, da chalaça, da momice, dos re­latos pejorativos e de sentido pífio. Mas, dessa autênti­ca jovialidade para compreender-se e compreender aos demais, encarando a existência com seriedade, mas sem carranca, com alegria, mas sem vulgaridade, emocio­nalmente receptivo às lições e complexidades dos pro­cessos da vida.

A perda desse sentido mergulha o indivíduo no fos­so da autodestruição, que arquiteta, conscientemente ou não, como fuga existencial ou capricho infantil, de quem sente falta da mãe superprotetora, anteriormente encar­regada de solucionar todos os problemas do filho, o que deu surgimento à insegurança, ao desequilíbrio, não lhe permitindo o desenvolvimento psicológico.

A aquisição como a preservação do senso de hu­mor tornam-se essenciais para a vitória do homem so­bre os conflitos modernos e o direcionamento para a conquista da plenitude.


34

COMPORTAMENTOS AUTODESTRUTIVOS

A falta de iniciativa e o medo constituem fatores relevantes para a instalação dos comportamentos au­todestrutivos, decorrência natural da insegurança pes­soal e da hostilidade social presente na competitivida­de da sobrevivência humana.

Conflitos autopunitivos da consciência de culpa não superados apresentam-se de forma patológica, con­tribuindo para a ausência de auto-estima e compulsão auto-exterminadora. Nem sempre porém, assumem a tendência para o suicídio direto, manifestando-se, en­tretanto, de maneira mascarada, como desinteresse pela existência, ausência de objetivos para lutar, atitudes pessimistas...

Noutras ocasiões, a freqüente ingestão das vibra­ções perniciosas do mau humor, do ressentimento, da rebeldia sistemática, do ódio, do ciúme desenvolvem transtornos psíquicos que terminam por desarmonizar as células, comprometer os órgãos e conduzir à morte.

Diversas enfermidades têm causalidade psicosso­mática, que culminam em verdadeiros desastres orgâ­nicos.

Na raiz de toda doença há sempre componentes psíquicos ou espirituais, que são heranças decorrentes da Lei de causa e efeito, procedentes de vidas transa­tas, que imprimiram nos genes os fatores propiciado­res para a instalação dos distúrbios na área da saúde.

A vida moderna, geradora de estresses e angústi­as, por sua vez também desencadeia mecanismos de ansiedade e de fobias várias, que desgastam os núcleos do equilíbrio psicológico com lamentáveis disfunções dos equipamentos físicos.

As pressões contínuas que decorrem do trabalho, dos compromissos sociais, das necessidades econômi­cas, da tensão emocional e dos impositivos psíquicos, desestabilizam o ser humano, que se torna vítima fácil de falsas necessidades de fugas, como recurso de bus­car a paz, engendrando comportamentos autodestruti­vos.

Desequipado psicologicamente para os enfrenta­mentos incessantes e sentindo-se incapaz para acom­panhar e absorver o desenvolvimento tecnológico e toda a parafernália dos divertimentos que induzem ao consumismo rigoroso e insensato, o indivíduo de tem­peramento tímido perturba-se, desistindo de pros­seguir, ou se engaja na loucura generalizada, auto-destruindo-se igualmente através da excitação e da insatisfação, da competitividade com os seus inter­valos de fastio e amargura, buscando, nos alcoólicos, no tabaco, no sexo e nas drogas os estímulos e as com­pensações para substituírem o cansaço, o tédio e a saturação diante do que já haja conseguido.

A velocidade que assinala os acontecimentos ho­diernos supera as suas resistências emocionais, e dei­xa-se conduzir, a princípio, sem dar-se conta do exces­so da carga psíquica, para depois automatizar-se, sem reservar-se períodos para o auto-refazimento, para a renovação, para o encontro consigo mesmo e uma aná­lise tranqüila das metas em desenvolvimento, elabo­rando e seguindo uma escala de valores legítimos, a fim de não consumir as horas e as forças nas buscas impostas pelo contexto social, no qual se encontra, e que não lhe correspondem às aspirações íntimas.

A existência terrena é portadora de valiosa contri­buição ética, estética, intelectual, espiritual, e não so­mente dos impositivos materiais e das satisfações ligei­ras do ego sem a compensação do Self.

São muitos os mecanismos que levam à autodestruição, dentre os quais, a fadiga pelo adquirir e poder acompanhar tudo; estar envolvido nas armadilhas cri­adas pelo mercado devorador que desencadeia inquie­tação; a quantidade de propostas perturbadoras pela mídia, que aturde; o excesso de ruídos em toda parte, que desorienta, e a superpoluição nos centros urbanos, que desenvolve os instintos violentos e agressivos, eli­minando quase as possibilidades para a aquisição da beleza, do entesouramento da paz, de ensanchas de auto-realização.

O ser humano é a medida das suas aspirações e conquistas, sem o que a mediocridade o vence.

Cada meta desenvolvida propicia a compensação da vitória e o estímulo para novas realizações. Quando isso não ocorre, os insucessos mal interpretados levam-no à desarmonia, da qual procedem os fatores inibido­res para novos tentames com a desistência do esforço e a perda da capacidade para recomeçar.

É justo não se desfalecer jamais. Toda ascensão impõe sacrifício, toda libertação resulta de esforço.

A ruptura das algemas psicológicas responsáveis pelo desprezo de si mesmo, pelo acabrunhamento e autonegação torna-se de urgência, a fim de favorecer a visão clara da realidade e os meios hábeis para bem vivê-la.

Cada momento propicia renascimento, quando se está vigilante para fazê-lo.

Na impossibilidade de mudar-se a vida moderna, melhor explicando, os fatores negativos que conduzem aos conflitos — desde que existem valiosos contributos para a sua valorização, aquisição do seu significado, crescimento interior e progresso individual como geral

— cumpre se criem condições próprias para enfrentá-la, se elaborem programas pessoais para a auto-realização e bem-estar, não se deixando atormentar com as impo­sições secundárias, desde que percam o significado de que desfrutam...

Exercícios físicos e rítmicos — natação, caminhada, ciclismo, de acordo com a eleição de cada qual —, ao lado de exercícios mentais — boa leitura, música inspi­radora, conversações instrutivas, relacionamentos es­timulantes, orações, meditação, ajuda ao próximo — são excelentes terapias para a redescoberta do significado existencial e da vida, aceitando sem estresse as imposições contemporâneas, decorrentes do processo da evo­lução científico-tecnológica.

A existência enriquecida de ideais deve ser utiliza­da mediante os diversos recursos hodiernos para trans­formar o tumulto em harmonia, a doença em saúde e a tendência à autodestruição em prolongamento da vida sob a égide do amor que a tudo deve comandar, inspi­rar e vencer.

Face à sua presença e vitalidade, o mundo se mo­difica e o ser se liberta, plenificando-se.


OITAVA PARTE


35

QUEDA E ASCENSÃO PSICOLÓGICA

Na base de inúmeras perturbações emocionais são encontradas a culpa e a vergonha. A culpa procede de uma peculiar sensação de estar-se realizando algo que está errado e de como esse comportamento afeta as demais pessoas. Esse sentimento proporciona uma cor­relação entre a capacidade de agir correta ou errada­mente. O ato de haver-se equivocado, sem uma estru­tura equilibrada do ego em relação ao corpo, produz uma distonia que gera sentimentos profundos de amar­gura e desajuste emocional.

Ao livre-arbítrio cabe o mister de examinar e dis­cernir o que se deve e se pode fazer, daquilo que se pode mas não se deve, ou se deve, porém não se pode realizar. Ao errar, atormenta-se todo aquele que não possui resistências psicológicas para considerar a pró­pria fragilidade, dispondo-se a novo cometimento re­parador.

Quando o ego é saudável, enfrenta a situação do erro com naturalidade, porque compreende que os con­ceitos certo e errado são abstratos, cabendo-lhe discer­nir o que é de melhores resultados para si e para os outros, portanto, permitindo-se o direito de errar e im­pondo-se o dever de corrigir.

Qualquer relacionamento humano é estabelecido dentro das diretrizes do prazer e das compensações emocionais que proporciona. Quando a culpa se apre­senta, essa estrutura se fraciona, alterando a conduta do indivíduo. No sentimento de culpa apresenta-se um elemento conflitivo que é o ressentimento daquele que erra em relação ao outro a quem feriu, facultando, não raro, uma situação recíproca.

Nos relacionamentos afetivos próximos, o senti­mento de culpa é devastador, porque gera ambivalên­cia de conduta: um pai ou mãe que se comporta sob sentimento de culpa em relação a um filho, mantém ressentimento desse filho que, por sua vez, responde com o mesmo sentimento em relação ao genitor, e cul­pa-se por essa atitude, que lhe parece incorreta.

Esse tormento alastra-se no campo emocional, tor­nando a situação cada vez mais embaraçosa, porque a culpa faz-se maior.

Invariavelmente, no ódio, no ressentimento, no ci­úme, o paciente se sente aprisionado no agente da sua reação, por sentimento de culpa, que procura dissimu­lar através de acusações contínuas em relação ao outro.

Quando se está sujeito a um julgamento moral, o conceito emocional que envolve a culpa apresenta-se. Quando esse julgamento é oposto, portanto, negativo, a culpa toma vulto. Por outro lado, se é positivo, tem-se a sensação de encontrar-se sempre certo, o que é pe

rigoso, já que o erro faz parte do processo de aprendi­zagem e de crescimento intelectual e moral. E graças ao conhecimento que esse sentimento se desenvolve.

Desde a infância, o ser é orientado a descobrir o que é certo e o que é errado, de forma que possa sem­pre agir acertadamente, assim amadurecendo os con­ceitos morais, conforme o bem ou o mal que deles de­corram em relação a si mesmo como ao seu próximo.

Obrigada a participar do drama da vida, a criança é induzida a agir de forma sempre correta, conforme o padrão do seu meio ambiente, os valores éticos, as pres­sões existentes. Será esse comportamento que dará lu­gar ao senso de responsabilidade. Entretanto, a ação da responsabilidade pode dar-se sem se fazer acompanhar do sentimento de culpa, somente porque se haja equi­vocado, considerando-se as imensas possibilidades de recuperação.

Toda vez que alguém com sentimento de culpa jul­ga a própria conduta, se constata que os seus sentimen­tos se apresentam negativos, prejudiciais, sente vergo­nha dos mesmos e procura suprimi-los, amargurando-se por estar a vivenciá-los, mesmo que sem consciên­cia, autocondenando-se.

Com o acúmulo de conflitos e o represamento dos sentimentos, perde a capacidade de discernimento para saber como agir com correção.

Nesse estado a auto-aceitação desaparece, dando lugar à repulsa por si mesmo, abrindo espaço para a tristeza, o medo e outros sentimentos perceptuais, que são identificados pelo ego.

A vergonha, de algum modo, está mais vinculada às funções do corpo, quando não decorre dos atos mo­rais. A herança antropológica permanece com destaque em muitas funções orgânicas, tais a alimentação e a eli­minação, a aparência física, os movimentos... Normal­mente são associados à conduta animal, quando gro­tescos ou vulgares.

Torna-se indispensável que a educação contribua com orientação adequada, de modo a definir-se um comportamento saudável, que evite as associações de­preciativas.

Não obstante, a sociedade não se estruturaria, se não existissem esses sentimentos de culpa e de vergo­nha que, de alguma forma, funcionam como árbitro de muitas ações, contribuindo para o despertar do discer­nimento.


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DESPERSONALIZAÇÃO

O ser humano, embora antropologicamente seja portador de uma herança animal, é, antes de tudo, um Espírito, com possibilidades inimagináveis, que se lhe encontram em germe, e que à educação cumpre o mis­ter de despertar e desenvolver.

Em razão da sua realidade transpessoal, a finali­dade da sua existência é crescer, alcançando os pata­mares que lhe estão reservados, por fatalidade evoluti­va. No entanto, face à sua natureza animal, que não poucas vezes desconhece ou que lhe dá predominân­cia, aturde-se, sem saber como avançar.

Se não valoriza a condição na qual se encontra — as exigências do corpo — faz-se um autômato, porque lhe cumpre vivê-las, educando-as, superando os impulsos dos instintos básicos, para desenvolver os valores espi­rituais latentes.

Vencendo, a pouco e pouco, os automatismos psi­cológicos, que vão sendo orientados pelo senso crítico e pela razão, deve conduzir o corpo sem paixão, nem escravidão, realizando-se física e emocionalmente.

O corpo, como é natural, impõe inúmeros anseios e necessidades, que fazem parte da sua constituição biológica, e devem ser levados em conta, não obstante a sua realidade espiritual ser o comando básico da exis­tência. O ego, por conseqüência, tem suas raízes finca­das nele, e se as mesmas são arrancadas violentamen­te, corre o perigo de tornar-se esquizóide.

Faz-se necessário, portanto, que seja mantida uma inter-relação entre o passado — animal — e o presente, a fim de que, negando o seu corpo, não se tome um Espí­rito sem envoltório material, o que lhe tomaria impro­vável o processo de evolução. Alterando, porém, sub­vertendo a natureza animal — por falta de consideração pelo Espírito que é — transforma-se em um títere, um demônio, que desconhece os direitos dos outros e so­mente cultiva o primarismo dos instintos.

A luta travada pela cultura e pela civilização, a fim de que o corpo seja superado, tem propiciado situá-lo em nível mais elevado, em razão do raciocínio, do apro­fundamento da consciência, tornando mais radioso e belo o Espírito. Como efeito inevitável, tornou-lhe o corpo mais sensível, mais estético, portador de sensibi­lidade apurada, de percepção parafísica, alimentando­o com equilíbrio, exercendo-lhe as funções com respei­to.

Sem necessidade de agredir o corpo, mediante cilí­cios nem considerações deprimentes que o denigrem, vem o mesmo recebendo a consideração que merece, face ao valor que representa no processo de elevação mental e moral do ser.

Não obstante esse reconhecimento, vários fatores se apresentam como responsáveis pela despersonaliza­ção, tais como os sentimentos de terror, de culpa, que produzem a inibição respiratória e a dos movimentos, enjaulando o paciente nas celas escuras e sem paredes dos conflitos.

Essa conduta produz sensações indescritíveis, que o organismo procura vencer através da morte da sua realidade. O corpo, então, enrijece, a respiração faz-se com dificuldade e a falta de oxigênio no organismo pro­duz males psicológicos e físicos variados.

A autopercepção é profundamente afetada e os pacientes passam a sofrer emocionalmente sensações de difícil catalogação, que os levam ao desespero.

O eminente Eugen Bleuler, analisando a desperso­nalização que afeta os indivíduos incursos nessa dis­torção, considera que os sofrimentos creditados àque­les que lhe são vítimas, variam desde surras e queima­duras, a espetadas com agulhas, lâminas e punhais em brasa viva; amputações de membros, o semblante de­formado... e suplícios indescritíveis são experimenta­dos em um clima de horror crescente, que mais piora a patologia da personalidade.

A ausência de sentimentos responde por esses efei­tos, tendo-se em vista que o paciente matou o corpo, em mecanismo psicológico inconsciente, para fugir dos sintomas anteriores produzidos pelo terror. Concomi­tantemente, o portador de esquizofrenia, porque desti­tuído da capacidade de direcionar os sentimentos, tom­ba no vazio da sua própria realidade.

O indivíduo saudável é aquele que orienta as emo­ções organizadamente, lutando contra os obstáculos que se lhe apresentam, e que são parte do processo no qual se encontra mergulhado, o que mais lhe desen­volve a capacidade de crescimento e de armazenamen­to de conhecimentos.

Esse terror, gerador do grave mal, está quase sem­pre vinculado a condutas vivenciadas na infância, quan­do se foi vítima da negligência ou da crueldade de pais insensíveis, que promoveram cenas aterradoras e per­versas, que o paciente atual associou inconscientemen­te aos fenômenos desafiadores da atualidade.

Comportamentos sexuais promíscuos dos adultos, sob a observação infantil ignorante, expressões agres­sivas e temerárias, que não puderam ser absorvidas nem superadas pela criança, tormentos decorrentes de agres­sões físicas e morais destituídas de compaixão e respei­to, não podendo ser liberadas, por associação condu­zem a vítima ao estado de despersonalização.

O corpo passa a ser detestado, e a falta de um con­ceito como de uma imagem corporal saudável, empur­ra-o para o atendimento dos impulsos sexuais mais primários e de maneira promíscua.

Quando o corpo, porém, é recuperado pelo dis­cernimento, e toma-se aceito, ganhando vida e signifi­cado, modifica-se-lhe o comportamento sexual para melhor, equilibra-se-lhe a conduta emocional, fácilita­se-lhe a aspiração da busca do amor e do afeto, pela necessidade de relacionamento estimulador e prazen­teiro.

Muitas vezes, também, os pais, inadvertida ou conscientemente, passam a nutrir pelo descendente, um sentimento apaixonado, no qual está oculto o desejo de um relacionamento sexual perverso, anu­lando-lhe a natural constituição da personalidade, que se deveria ir firmando a pouco e pouco de for­ma correta.

Essas condutas estranhas e esdrúxulas de mui­tos pais, com características incestuosas, refletem os seus próprios conflitos e perturbações, que os não auxiliaram no desenvolvimento de um comporta­mento pessoal saudável, tanto quanto de um desen­volvimento sexual harmônico.

Aturdidos e viciados mentalmente, vêm nos fi­lhos somente objetos para o autoprazer, preservan­do a sua personalidade incompleta e insatisfeita in­teriormente.

A reconquista da personalidade, no entanto, épossível, mediante a recuperação dos movimentos e da respiração, por meio de exercícios de reflexão e auto-análise, eliminando as associações negativas e buscando-se, racionalmente direcionar a ocorrência dentro do quadro de valores que possui, sem supe­restima, nem mecanismo traumatizante.

A aquisição da personalidade equilibrada está no relativismo do ego para com o Self, nas aspira­ções do corpo para com as da mente, no processo de busca de valores e de vivências geradores de alegria e portadores de paz.

Dentro do quadro da psicogênese da desperso­nalização, é-nos possível também adir, que muitos aspectos desse terror procedem de vivências em outras experiências carnais, passadas, que imprimi­ram suas marcas tão profundamente, que somente na juventude e na idade adulta o inconsciente con­segue liberar em forma de clichês e recordações que passam a confundir e a atormentar, aprisionando os seus agentes nesses cárceres da respiração insufici­ente e dos movimentos paralisados.

Todos os fatos que são praticados pela crueldade, pela insensatez e vilania, mesmo quando ocorre o fe­nômeno biológico da morte, não desaparecem, porque os danos morais continuam gerando conseqüências, até que o seu causador se recupere e reorganize a paisa­gem moral afetada.

Conhecendo a própria debilidade, e consciente do abuso perpetrado, o ser transfere de uma para outra experiência carnal a carga das responsabilidades, sen­do compulsoriamente convidado à regularização. Es­sas reminiscências emergem como consciência culpa­da, terrores sem próxima justa causa, ansiedade, atitu­des autopunitivas e autodestrutivas, que lhe alteram o comportamento pessoal, modificando, totalmente a personalidade que fica marcada.

Quanto mais se consiga autoconscientização das responsabilidades para com o corpo e para com o Espí­rito, mais facilmente se fazem a luta pela preservação da saúde física e mental, e as experiências propiciado­ras do progresso moral e cultural, que contribuem para a existência realmente feliz.


37

CONFLITO AFETIVO

Na área das manifestações afetivas, o desenvolvi­mento da percepção deve dar-se de maneira espontânea, sem qualquer tipo de manipulação dos sentimentos.

Inata, em a criatura humana, a afetividade é fun­damental para um desenvolvimento emocional sau­dável, respondendo pela felicidade e auto-realização do ser.

A imaturidade dos adultos, não raro, desde cedo, por mecanismo de transferência de sentimentos con­flitivos, procura adquirir o afeto da criança median­te a sedução, que conduz, no íntimo, algum distúr­bio da libido. Naturalmente, esses, que assim se comportam, como muitos pais, não têm conhecimen­to da relação subjacente de conotação sexual.

Incapaz de compreender a sedução de que se faz objeto, a criança se sente impossibilitada de exer­cer o critério da livre escolha, ou de fazer exigências naturais para a conquista do que lhe resulta em prazer. Quando o consegue, descobre a maneira de chantagear, passando a mascarar os seus sentimen­tos e derrapando em interesses subalternos. Essa conduta propõe um dilema no processo psicológico da mesma, que é a dificuldade de como agir, de forma que a si mesma se agrade, sem desatender àquele que lhe proporciona prazer, embora por meio de astúcia, de ser livre e escolher a própria satisfação de maneira segura.

Nesse jogo de afetividade doentia, surge a rejei­ção como mecanismo punitivo, no qual o medo de ser descoberto pelo sentimento perturbador que man­tém, pune o ser que seduz, por haver-se tornado instrumento de gozo e de possível sofrimento.

Esse distúrbio resulta da carência que experi­mentam alguns adultos, que transferem, de imedia­to, para a prole, essa necessidade afetiva, passando a seduzir os filhos, não raro, amando-lhes os corpos, o contato físico, em razão da repulsa que sentem pelo próprio.

Conduta de tal natureza, além de afligir a crian­ça e perturbar-lhe o desenvolvimento psicológico saudável, contribui para que surjam conflitos afeti­vos. Poderá manter ojeriza pelo corpo, caso tenha observado o dos pais, especialmente se são exibici­onistas, e o apresentam com o pretexto de darem início a uma educação sexual, que ocorre no mo­mento inadequado. A criança pode ser tomada de pavor em verificar como ficará na idade adulta, passando a realizar um conflito castrador, notando a ausência de beleza no corpo adulto. Porque ainda éincapaz de entender estética e harmonia, a exibição física dos pais ou de outro adulto qualquer, poderá provocar um sentimento de anulação do próprio corpo, passando a abandoná-lo, mesmo que incons­cientemente.

O esquizóide, por exemplo, nega o corpo e assu­me, quase sempre, uma postura infantil e de incapa­cidade.

Somente o amor real, destituído de interesses perturbadores, consegue irradiar a luz da harmonia entre as criaturas. Será ele que oferecerá recursos para uma conduta saudável, pela força intrínseca de que é portador, anulando a possibilidade da instala­ção de conflitos.

Mesmo o esquizóide não se encontra imune ao amor. Tem dificuldade de amar, é certo, porém é receptivo ao amor. Quando este se lhe acerca, trans­forma-o, o ego nele predominante abandona sua he­gemonia, facultando que fique à disposição da ou­tra pessoa.

Nesse estado, aquele que ama, não somente vive um sentimento de união com o ser amado, como também com tudo e com todos, em um estado de perfeita identificação. Alteram-se, ante as suas emo­ções, os painéis da natureza, e a vida flui de forma generosa, harmônica.

Indispensável que a conduta se encontre estabe­lecida entre parâmetros que definam como agir e como vivenciar as próprias experiências.

O conhecimento oferece recursos hábeis para o cometimento. No entanto, a espontaneidade não deve ser banida dessa conquista, em razão dos benefícios que proporciona. Uma atitude natural é muito mais valiosa do que aquela que se fez estruturar artifici­almente, oferecendo uma postura robotizada.

Por isso, o treinamento não pode eliminar a pos­sibilidade das reações normais, o que tornaria os gestos totalmente destituídos de encantamento e na­turalidade.

Certamente, se deve pensar antes de agir, parti­cularmente quando se é defrontado por circunstân­cias e ocorrências importantes. Todavia, o gesto afe­tivo espontâneo consegue muito mais do que as ar­timanhas e elaborações do intelecto. Ademais, o sen­timento puro irradia-se e conquista, enquanto a ati­tude estudada oferece gentileza mas não esponta­neidade.

O conhecimento exerce um grande valor na con­duta afetiva, no entanto, o estabelecimento de re­gras presentes em manuais de como conquistar pes­soas, de como mantê-las vinculadas, constitui um perigo para a própria expressão do amor, que se torna artificial, desinteressante, em razão de considerar-se o outro como objeto de uso, de exploração que, após preencher a finalidade, pode, a qualquer momento, ser deixado à margem.

Destacam-se dois elementos na área da afetivi­dade que não podem ser desconsiderados: o conhe­cimento e o sentimento. O conhecimento amplia os horizontes, mas o sentimento vivencia-os. O conhe­cimento liberta, porém o sentimento dá calor e vida.

Não seria fácil estabelecer uma escala de valores para demonstrar qual dos dois é mais importante na estruturação da vida afetiva. Deve-se, no entanto, ter em conta que o amor trabalhado mediante fór­mulas é destituído de luz e de calor, com duração efêmera, podendo saturar com rapidez.

Por outro lado, o sentimento sem controle escra­viza, perturbando a função afetiva com exigências descabidas, principalmente se o ego comanda a con­duta.

Ideal, portanto, que o ato afetivo seja espontâ­neo, sem fórmulas, com respeito e doação, com calor e sem ardência, o que se consegue mediante a edu­cação do sentimento.

Costuma-se afirmar que o coração não pode ser educado, o que é verdade, no entanto, podem ser orientadas as explosões do ego como necessidade afetiva.

Seria desejável que essa proposta de educação dos sentimentos, começada no lar, prosseguisse na escola, de forma que a criança pudesse experienciar a afetividade sem afetação, sem sedução, evitando­-se, por conseqüência, o fenômeno da rejeição.

Nesse programa educativo, seria viável que se retomasse a espontaneidade, ao lado do currículo estabelecido sem rigidez, para que se logre, na com­petitividade do grupo social, a produção e a con­quista de recursos financeiros compensadores para o ego e realizadores para o Self.

Todo recurso de sedução é prejudicial, em razão da falta de autenticidade afetiva, propondo confli­tos, perfeitamente dispensáveis.


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RECUPERAÇÃO DA IDENTIDADE

A identidade é conquista valiosa do ser, através da qual se afirma e se caracteriza no grupo social, de for­ma a existir conscientemente. Não se trata de uma he­rança psicológica, mas de um desenvolvimento gradu­al que se inicia no momento em que nasce, e se mani­festa através do primeiro choro, que lhe expressa des­conforto de qualquer natureza. Logo seja atendido, volta a silenciar, demonstrando que o motivo desagra­dável cessou. Muitas vezes, são a falta do corpo mater­no, o frio ou o calor, a fome ou a dor, que se apresen­tam, produzindo a sensação desagradável e chamando a atenção para si.

Na juventude como na idade adulta, revela-se pelo conhecimento da sua realidade, por imperiosa necessi­dade de estar consciente e de enfrentar com segurança as situações mais variadas possíveis. Nessa fase, a ex­periência emocional é quase sem sentido e os sentimen­tos se apresentam confusos, sem direcionamento, ca­racterizando a ausência de identidade. É certo que, no inconsciente, de alguma forma, todos possuem uma identidade. No entanto, vários fatores adstritos ao Eu profundo, podem apresentar-se como ausência da mes­ma, especialmente quando trazido o conflito de reen­carnação anterior.

Nesse caso, a partir do renascimento carnal, à me­dida que a identidade for sendo formada, o desenvol­vimento do ego não se faz normalmente com expres­são saudável.

Há três fatores que contribuem para um bom e bem direcionado senso de identidade: percepção do desejo, reconhecimento da necessidade e consciência da sen­sação corporal.

Experimentar desejos e saber direcioná-los é de suma importância, no balizamento da identidade, por­que para um paciente que não os possua, difícil se tor­na distinguir exatamente o que quer, exclamando, no seu conflito, que não o sabe, que nada sente, nem mes­mo o de que necessita, por mais importante seja. Há uma espécie de vácuo emocional, com anulação da ca­pacidade de querer. Quando isso não se dá, mascara as aspirações e entrega-se a sensações e buscas que não correspondem às suas necessidades reais.

O reconhecimento da necessidade resulta numa bem urdida busca de solução, em bom encaminhamen­to para alcançar o que deseja. Faculta-lhe distinguir as próprias emoções de tristeza, de alegria, de aborreci­mento ou de afetividade. Invariavelmente, esses senti­mentos ficam bloqueados na ausência do senso da iden­tidade, tornando o paciente um autômato desmotiva­do de novas e constantes realizações, bastando-se com o conseguido, sem a experiência do prazer dinamiza­dor de conquistas desafiadoras.

A consciência da sensação física é adquirida a partir do momento do parto, quando se expressam por automatismos as primeiras necessidades, afir­mando, através do choro, a realidade existencial e a sua presença como ser consciente. No entanto, essa ocorrência dá-se fora do limite da consciência, em estado ainda embrionário, incapaz de realmente dis­tinguir, porqüanto as suas funções seletivas se irão desenvolver a pouco e pouco, tornando-se pujantes e ativas.

À medida que vai crescendo, as sensações cor­porais se tornam mais imperiosas, como é natural, graças também, às necessidades mais volumosas e aos desejos mais característicos, terminando num estado de lucidez mais profunda, a exteriorizar-se por sentimentos mais definidos. Essa é a marcha natural da aquisição do senso de identidade. E quan­do assim não ocorre, desaparece a motivação para o crescimento interior, a valorização do corpo e da oportunidade da vida, necessitando de terapia con­veniente, a fim de ser adquirido.

Esse ego fracionado, enfermo, não conseguiu o desenvolvimento harmônico, que é viável quando a percepção e a sensação se unem ao sentimento numa proposta de integração.

É muito comum, no relacionamento psicológico, a aparência de identidade, mediante representações de papéis que agradam ao ego. No início houve a família que participou da exibição em cena, quando a criança exteriorizava aparência imitando o conhe­cido, que lhe chegava ao alcance, o que era percebi­do pelos sentidos. À medida que cresce, torna-se necessária outra audiência, mudando-se de cenário mas não de conteúdo. E como é natural, em qualquer representação o tédio termina por predominar, ao tempo em que surgem os desencantos, face à ausência de autenticidade. Após as decepções, bus­cam-se novas personagens e novos auditórios.

Quando essa situação se faz presente nos relaci­onamentos mais próximos, entre cônjuges, familia­res, a representação perde o seu caráter de impres­sionar, assumindo a postura de uma farsa que não convence e mui facilmente se desvanece. Ocorre que, naqueles que estão sempre representando, existe um imenso vazio existencial, e, por falta de objetivo, um desespero que arde interiormente, não permitindo tranqüilidade.

A representação gera uma distorção na área da autopercepção, porque somente são captadas as si­tuações e experiências mais próximas do ato, o que evita uma boa formulação de respostas aos desafios existenciais.

O indivíduo, nessa situação, acredita no valor da sua identidade confusa, fugindo para as fatalida­des do destino, com que se compensa, informando que tudo quanto lhe ocorre desastrosamente é resul­tado da má sorte como do infortúnio. Entrega-se a queixas sistemáticas e descobre um mundo que se apresenta hostil, dificultando-lhe a marcha, a felici­dade.

É mais fácil a acusação do que a reparação, que o levaria à busca de solução terapêutica para o dis­túrbio e à vivência do amor, para ampliar a percep­ção de sua realidade.

A formação do senso de identidade é também recurso para a instalação do caráter. Quando não se possui uma faculdade, a outra se apresenta deficitária, em razão da ausência de parâmetros para defini-las no ser turbado e tedioso.

Para que contribua em favor da aquisição do senso de identidade, o paciente será conduzido à análise de que os seus atos não necessitam ser apro­vados sempre, conforme ocorria na infância; ter medo das repressões e reprovações sociais, porqüanto ele também é membro da sociedade; experimentar cul­pa a respeito do seu corpo, dos seus sentimentos de natureza sexual, tendo direito a apresentar também sentimentos negativos, sem que isso constitua sinal de vulgaridade ou de desajuste emocional.

Um senso de identidade normal transita entre os acertos e os erros, sem auto-exaltação nem auto-punição, enfrentando as situações como parte do pro­cesso evolutivo que todos encontram pelo caminho.

Ao identificar-se com a vida, experienciando as ocorrências com ambições bem direcionadas, o indi­víduo cresce psicologicamente, na razão direta em que desenvolve o corpo e a mente se amplia, ense­jando-lhe tirocínios corretos e impulsos estimulado­res para a existência.

A perda ou a ausência de identidade confunde e atormenta, deixando o paciente à mercê dos fenô­meno automáticos, pesando na economia da socie­dade, sem direcionamento nem significado.

O dever dos pais em relação aos filhos, na mol­dagem da identidade, é muito grave, porqüanto, de acordo com a conduta mantida, essa será plasmada dentro dos padrões vigentes no lar. As castrações e as inibições, os conflitos não superados e as necessi­dades emocionais não satisfeitas contribuem para o transtorno da identidade, gerando a necessidade da projeção do papel dos mesmos nas outras pessoas. A criança é um ser imitador por excelência, afinal, tudo quanto aprende decorre, na sua maioria, da capaci­dade de imitar, de memorizar, de reflexionar. Imitar faz parte do processo de desenvolvimento psicológi­co saudável. Todavia, adquirir a identidade do ou­tro, por que lhe foi plasmada, oferece uma situação patológica. Quando se imita, adquire-se capacidade de discernimento para saber-se que tal não passa de uma experiência, no entanto, quando se identifica e assimila, perde-se a liberdade de pensar e de agir, buscando sempre a fonte de ligação para prosseguir no desempenho do papel assumido.

A imitação ocorre em relação a tudo e a todos, enquanto que a identificação perturbadora é sempre fruto de pais exigentes, ameaçadores, que se tornam imagens dominantes na mente infantil. Para enfren­tá-los, o indivíduo se torna igualmente insensível, às vezes cruel, adquirindo essas características pertur­badoras que foram incorporadas ao seu comporta­mento. Essa ocorrência pode ser inconsciente, graças ao que, nada pode ser produzido em favor do equi­líbrio pelo próprio paciente, levando-o a vivenciar experiências que se transmudam em necessidades dos outros.


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AUTO-AFIRMAÇÃO

As raízes da auto-afirmação do indivíduo encon­tram-se na sua infância, quando os movimentos automáticos do corpo são substituídos pelas palavras, par­ticularmente quando é usada a negativa. Ao recusar qualquer coisa, mediante gestos, a criança demonstra que ainda não se instalaram os pródromos da sua iden­tidade. No entanto, a recusa verbal, peremptória, a qual­quer coisa, mesmo àquelas que são agradáveis, deno­tam que está sendo elaborada a auto-afirmação, que decorre da capacidade de escolha daquilo que interes­sa, ou simplesmente se trata de uma forma utilizada para chamar a atenção para a sua existência, para a sua realidade.

Trata-se de um senso de identificação infantil, sem dúvida, no qual a criança, ainda incapaz de discernir e entender, procura conseguir o espaço que lhe pertence, dessa maneira informando que já exis­te, que solicita e merece reconhecimento por parte das demais pessoas que a cercam.

Quando a criança concorda, afirmando a aceita­ção de algo, age apenas mecanicamente e por ins­tinto, enquanto que se utilizando da negativa, tam­bém denominada conceito do não, dá início à desco­berta do senso de si mesma, do seu Self, passando, a partir desse momento, a exteriorizá-lo, afirmando o NÃO, mesmo quando sem necessidade de fazê-lo. E a sua maneira de auto-identificação que, não raro, parece estranho aos adultos menos conhecedores dos mecanismos da mente infantil.

Quando ocorre a inibição da negativa — o que émuito comum — esse fenômeno dará surgimento a alguém que, no futuro, não saberá exatamente o que deseja da vida, experimentando uma existência sem objetivo, que o leva a ser indiferente a quaisquer resultados, e, por cuja razão, evita expressar-se negativamente, deixando-se arrastar indiferente aos acontecimentos, assim desvelando o estado íntimo de inibição, de timidez e de recusa de si mesmo. Com o tempo essa situação se agrava, levando-o a um estado de amorfia psicológica.

O Self, por sua vez, se estrutura e se fixa atra­vés do sentimento, e quando este se encontra confu­so, sem delineamento, a auto-afirmação se enfraque­ce e a capacidade de dizer NÃO perde a sua força, o seu sentido.

A auto-afirmação se expressa especialmente no desejo de algo, mediante duas atitudes que, parado­xalmente se opõem: o que se deseja e o que se rejei­ta.

Em um desenvolvimento saudável da personali­dade, sabe-se o que se quer e como consegui-lo, o que se torna decorrência inevitável da capacidade de escolha. Quando tal não ocorre, há surgimento de uma expressão esquizóide, na qual o paciente foge para atitudes de submissão receosa e de revolta in­terior. Silencia e afasta-se do grupo social que passa a ser visto com hostilidade, por haver-se negado a penetrá-lo, alegando, no entanto, que foi barrado... A sua óptica distorcida da realidade, trabalha em favor de mecanismos de transferência de culpa e de responsabilidade.

Mediante essa conduta, o enfermo se nega a li­beração dos conflitos, mantendo-se em atitude cer­rada, por falta do senso de auto-afirmação. O seu é o conceito falso de que não é bem-vindo ao grupo que ele acredita não o aceitar, quando, em verdade, é ele quem o evita e se afasta do mesmo.

À medida que vão sendo liberados os sentimentos perturbadores e negativos que se encontram em repressão, os desejos de afetividade, de expressão, de harmonia, manifestam-se, direcionando-o para va­liosas conquistas.

Com o desenvolvimento da capacidade de jul­gar valores, surgem as oportunidades de auto-afir­mação, face à necessidade de escolhas acertadas, a fim de atender aos desejos de progresso, de cresci­mento ético-moral e de realização interior.

Por meio de exercícios mentais, nos quais se encontrem presentes as aspirações elevadas e de eno­brecimento, bem como através de movimentos res­piratórios e físicos outros, para liberar o corpo da couraça dos conflitos que o tornam rígido, a auto-afirmação se fixa, propiciando um bom relaxamen­to, que se faz compatível com o bem-estar que se deseja.

Com o desenvolvimento intelecto-moral da crian­ça, passando pela adolescência e firmando os propósi­tos de autoconquista, mais bem delineadas surgem as linhas de segurança da personalidade que enfrenta os desafios com tranqüilidade e esperanças renovadas.

Nesse particular, a vontade desempenha impor­tante papel, trabalhando em favor de conquistas in­cessantes, que contribuem para o amadurecimento psicológico, característica vigorosa da saúde mental e moral.

Em cada vitória alcançada através da vontade que se faz firme cada vez mais, o ser encontra estímulos para novos combates, ascendendo interiormente e afir­mando-se como conquistador que se não contenta em estacionar nos primeiros patamares defrontados duran­te a escalada de ascensão. Desejando as alturas, não interrompe a marcha, prosseguindo impertérrito no rumo das cumeadas.

Esta é a finalidade precípua do desenvolvimento emocional, estabelecendo diretrizes que definam a rea­lidade do ser, que se afirma mediante esforço próprio. Em tal cometimento, não podem ficar esquecidos o con­tributo dos pais, da família, da sociedade, e as possibi­lidades inatas, que remanescem do seu passado espiri­tual.

Estando, na Terra, o Espírito, para aprender, repa­rar e evoluir, nele permanecem as matrizes da conduta anterior, facultando-lhe possibilidades de triunfo ou impondo-lhe naturais empecilhos que lhe cumpre su­perar.

Quando a auto-afirmação não se estabelece, apre­sentando indivíduos psicologicamente dissociados da própria realidade, tem-se a medida dos seus compro­missos anteriores fracassados e da concessão que a Vida lhe propicia por segunda vez para regularizá-los.

Cumpre, portanto, ao psicoterapeuta, o desenvol­vimento de uma visão profunda do Self, de forma es­pecial, em relação ao ser eterno que transita no corpo em marcha evolutiva.

Somente assim, se poderá entender racionalmente o porquê de determinados indivíduos iniciarem a auto-afirmação nos primeiros meses da infância, enquanto outros já se apresentam fanados, incapazes de lutar em favor da sua realidade, no meio onde passará a experi­enciar a vida.

A sociedade marcha inexoravelmente para a com­preensão do Espírito eterno que o homem é, do seu pro­cesso paulatino de evolução através dos renascimen­tos, herdeiro de si mesmo, que transfere de uma para outra etapa as realizações efetuadas, felizes ou equivo­cadas, qual aluno que soma experiências educacionais, promovendo-se ou retendo-se na repetição das lições não gravadas, com vistas à conclusão do curso.

A Terra assume sua condição de escola que é, tra­balhando os educandos que nela se encontram e propi­ciando-lhes iguais oportunidades de evolução e de paz.

NONA PARTE


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ALGOZES PSICOLÓGICOS

O processo da evolução ântropo-sociológica do ser humano não se fez acompanhar pelo desenvolvi­mento psicológico, que deveria, pelo contrário, pre­cedê-lo.

Sendo um ser essencialmente constituído pela ener­gia pensante, ela teria predominância no comportamen­to, imprimindo suas necessidades mais vigorosas, que se transfeririam para o cérebro, por ela modelado, pas­sando a conduzir a maquinaria física, como conseqü­ência das suas expressões psicológicas. Não obstante, em razão da sua estrutura original, simples, destituída de complexidades, esse desabrochar de valores torna­se lento, fixando cada conquista, de forma que a próxi­ma se apóie na anterior que lhe passa a constituir ali­cerce psíquico.

Os sentimentos, por isso mesmo, surgem, a pouco e pouco, arrebentando a concha na qual se aprisionam em latência, apresentando-se como impulsos e tendências que se comportarão no futuro como hábitos estru­turados, formadores de novos campos vibratórios a se tornarem ação.

O desconhecimento de determinadas experiências inibem-no psicologicamente, permitindo que verdadei­ros algozes psicológicos tomem campo no comporta­mento, que se transformam em conflitos perturbado­res, inibidores, trabalhando para a formação de exis­tências fragmentadas.

Às vezes se apresentam difíceis de remoção imedi­ata, exigindo terapia demorada e grande esforço do seu portador, caso esteja realmente interessado na conquis­ta da saúde emocional.

Ao invés de assim agir, pelo contrário, o indivíduo refugia-se na distância, evitando compromissos sociais e emocionais que acredita não saber administrar, tor­nando a situação mais complexa na razão direta em que evita os contatos saudáveis, que podem arrancá-lo da situação alienante.

Desequipado de coragem e de estímulos para ven­cer-se e superar os algozes, mais se aflige, reflexionan­do negativamente, e deixando-se embalar pelas mórbi­das idéias da autocomiseração ou da revolta, da auto-punição ou do pessimismo, que passam a constituir-lhe companheiros constantes da conduta interior, que externa como amargura, insegurança, mal-estar.

Os mecanismos da evolução constituem força pro­pulsionadora do desenvolvimento dos germes que dor­mem em latência, aguardando os fatores propiciatóri­os ao seu desempenho.

A princípio, de forma incipiente, depois com mais vigor, por fim, com espontaneidade, que se torna ca­racterística da personalidade, abrindo mais espaços

para a aquisição dos valores mais elevados da inteli­gência e do sentimento.

Para a eficiência do afã deve ser empreendida uma bem direcionada luta interior, firmada em propósitos de relevância em relação ao futuro, e de superação das marcas do passado.

A constituição de cada indivíduo mantém os sinais de todo o processo de crescimento, tal como ocorre com todos os seres em a Natureza.

Na botânica, a cor das folhas e flores, o sabor dos frutos, mesmo que da mesma espécie, expressam as características do solo no qual se encontram. O mesmo ocorre entre os animais, que são resultado das condi­ções climáticas e ambientais, da alimentação e do trata­mento que recebem, variando de expressões conforme os lugares onde se movimentam.

Muitos caracteres psicológicos têm a ver com os fatores mesológicos e suas implicações na conduta.

Assim, os algozes psicológicos que afetam a um expressivo número de pessoas, aguardam decisão e aju­da para arrebentarem as suas amarras retentivas, que impedem a plenificação da criatura.


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TIMIDEZ

Um relacionamento infantil insatisfatório com a fa­milha, particularmente em referência à própria mãe que se apresente castradora ou se torne superprotetora, ter­mina por impedir o desenvolvimento psicológico sau­dável do indivíduo, que estabelece um mecanismo de timidez a fim de preservar-se dos desafios que o sur­preendem a cada passo.

Submetido a uma situação constrangedora por impositivo materno, que não lhe permite espaço para autenticidade, sente-se castrado nas suas aspirações e necessidades, preferindo sofrer limitação a assu­mir atitudes que lhe podem causar mal-estar e afli­ções. Por outro lado, superprotegido, sente anulada a faculdade de discernimento e ação, toda vez que defronta uma situação que exige valor moral e cora­gem.

Refugiando-se na timidez, disfarça o orgulho e o medo de ser identificado na sua impossibilidade de agir com segurança, protegendo-se das incomodidades que, inevitavelmente, o surpreendem.

Como conseqüência, o desenvolvimento da libido faz-se incompleto, dando nascimento a limitações e re­ceios infundados quanto à própria atividade sexual, o que se pode transformar em conflito de maior profun­didade na área do relacionamento interpessoal, assim como na auto-realização.

A timidez pode apresentar-se como fenômeno psicológico normal, quando se trata de cuidado ante enfrentamentos que exigem ponderação, equilíbrio e decisão, dos quais resultarão comprometimentos graves no grupo social, familiar, empresarial, de qualquer ordem. Poder-se-ia mesmo classificá-la como um mecanismo de prudência, propiciador de reflexão necessária para a adoção de uma conduta correta.

Igualmente, diante de situações e pessoas novas, em ocorrências inesperadas que exigem uma rápida resposta, temperamentos existem que se precatam ti

midamente, sem que haja, de forma alguma, exteriori­zação patológica na conduta, tornando-se, portanto, normal.

Todavia, quando se caracteriza como um temor quase exagerado ante circunstâncias imprevistas, pro­duzindo sudorese, palpitação cardíaca, colapso perifé­rico das extremidades, torna-se patológica, exigindo conveniente terapia psicológica, a fim de ser erradica­da ou diluída a causalidade traumática, através de cujo método, e somente assim, advirá a superação do pro­blema.

O indivíduo tímido, de alguma forma, é portador de exacerbado orgulho que o leva à construção de com­portamento equivocado. Supõe, inconscientemente, que não se expondo, resguarda a sua realidade conflitiva, impedindo-se e aos outros impossibilitando uma iden­tificação profunda do seu Self. Noutras vezes, subesti­ma-se e a tudo aquilo quanto poderia induzi-lo ao cres­cimento psicológico, à aprendizagem, a um bom rela­cionamento social, e torna-se um fardo, considerando que as interrogações que poderia propor, os contatos que deveria manter, não são importantes. Na sua ópti­ca psicológica distorcida, o que lhe diz respeito não éimportante, tendo a impressão de que ninguém se inte­ressa por ele, que as suas questões são destituídas de valor, sendo ele próprio desinteressante e sem signifi­cado para o grupo social. A timidez oculta-o, fazendo­o ausente, mesmo quando diante dos demais.

De certo modo, a timidez escamoteia temperamen­tos violentos, que não irrompem, produzindo distúrbi­os externos, porque se detêm represados, transforman­do-se em cólera surda contra as outras pessoas, às ve­zes contra si próprio.

É de considerar-se que essas são reações infantis, face ao não desenvolvimento e amadurecimento psico­lógicos.

Nesse quadro mais grave, o conflito procede de experiência pretérita, que teve curso em vida passada, quando o paciente se comprometeu moralmente e asfi­xiou, no silêncio íntimo, o drama existencial, que em­bora desconhecido das demais pessoas, se lhe gravou nos recessos do ser, transferindo-se de uma para outra reencarnação, como mecanismo de defesa em relação a tudo e a todos que lhe sejam estranhos. No íntimo, o orgulho dos valores que se atribui e a presença da cul­pa insculpida no inconsciente geraram-lhe o clima de timidez em que se refugia, dessa forma precatando-se de ser acusado, o que lhe resultaria em grave problema para a personalidade.

A timidez é terrível algoz, por aprisionar a espon­taneidade, que impede o paciente de viver em liberda­de, de exteriorizar-se de maneira natural, de enfrentar dificuldades com harmonia interna, compreendendo que toda situação desafiadora exige reflexão e cuida­do. Uma vida saudável caracteriza-se também pela ocorrência de receios, quando se apresentam proble­mas que merecem especial atenção.

Como todos desejam alcançar suas metas, que são o sentido existencial a que se afervoram, a maneira cui­dadosa e tímida, não agressiva nem precipitada, expres­sa oportuno mecanismo de preservação da intimidade, da realidade, do processo de evolução.

A ausência da timidez não significa presença de saúde psicológica plena, porque, não raro, outros algo­zes do comportamento desenham situações também críticas, que necessitam ser orientadas corretamente.

Nesse sentido, a extroversão ruidosa, a comunica­bilidade excessiva, constituem fenômeno perturbador para o paciente que pretende, dessa maneira, ocultar os seus sentimentos conflitivos, desviando a atenção da sua realidade para a aparência, ao mesmo tempo diluindo a necessidade de valorização, por saber-se conhecido, desejado, face ao comportamento irrequie­to que agrada ao grupo social com o qual convive.

Realizando-se, por sentir-se importante, descarre­ga os medos na exteriorização de uma alegria e joviali­dade que não são autênticas.

Observando-se tal conduta, logo se perceberá uma grande excitação e preocupação em agradar, em cha­mar a atenção, em tornar-se o centro de interesse de todos, dificultando a comunicação natural do grupo. Esse tipo de exibicionismo é pernicioso, porque o paci­ente distrai os outros e continua em tensão permanen­te, o que se lhe torna um estado normal, no entanto, enfermiço.

A timidez pode ser trabalhada também, mediante uma auto-análise honesta, de forma que o paciente deva considerar-se alguém igual aos outros, como realmen­te é, nem melhor, nem pior, apenas diferente pela es­trutura da personalidade, pelos fatores sociais, econô­micos, familiares, com os quais conviveu e que o mo­delaram. Ademais, deve ter em vista que é credor de respeito e de carinho como todas as outras pessoas, que tem valores, talvez ainda não expressados, merecendo, por isso mesmo, fruir dos direitos que a vida lhe conce­de e lhe cumpre defender.

Toda fuga leva a lugar nenhum, especialmente no campo emocional. Somente um enfrentamento saudá­vel com o desafio pode libertar do compromisso, ao invés de transferi-lo para outra ocasião, em que lhe se­rão acrescidos os inevitáveis juros, que resultam do adiamento, quando, então, as circunstâncias serão di­ferentes e já terão ocorrido significativas alterações.

Uma preocupação que deve vicejar no íntimo de todos os indivíduos, tímidos ou não, é que não se deve considerar sem importância ou tão significativo que lhe notarão a presença ou a ausência.

Assim, uma conduta tranqüila, caracterizada pela autoconfiança e naturalidade nas várias situações pro­porciona bem-estar e conquista da espontaneidade.


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INIBIÇÃO

A timidez excessiva disfarça o orgulho dominador.

Algumas vezes, esse estado decorre de um me­canismo inibitório fixado na personalidade, que se transformou em comportamento doentio.

O indivíduo que se atormenta, vitimado pelo complexo de inferioridade, mesmo que camuflado, evita chamar a atenção, embora interiormente viva um vulcão de ansiedades e aspirações que asfixia aflitivamente, tomando posições isolacionistas, de onde observa o mundo exterior e as outras pessoas, considerando-as levianas, porque alegres; insensa­tas, porque espontâneas, ou exibicionistas, porque extrovertidas.

Experimentando a castração emocional que o im­pede momentaneamente de viver o clima social em que se encontra, sente-se rejeitado, quando é ele pró­prio quem se recusa a participar das atividades nas quais todos se encontram. Não apenas isso, mas tam­bém se utiliza do falso recurso de justificação, su­pondo-se isolado, porqüanto ninguém se interessa pela sua pessoa, quando, em verdade, por sua vez, tampouco se empenha em tomar conhecimento do que se passa fora de si, ou mesmo demonstrar qual­quer interesse pelo seu próximo. Como é natural, não se apresentando receptivo, em razão do respeito que todos se devem mutuamente, as outras pessoas poupam-se ao prazer, ou não prazer de buscá-lo para manter qualquer tipo de intercâmbio fraternal ou afetivo.

A inibição, essa resistência psicológica íntima, a pessoas, acontecimentos e condutas, é causa de mui­tos males na área da emoção. Empurra o paciente para reflexões pessimistas e autodestrutivas como forma de auto-realização doentia.

Sentindo-se não aceito, acumula azedume e ator­menta-se, frustrando as inumeráveis possibilidades de alegria e comunicação.

Quase sempre esse estado mórbido decorre de uma infância infeliz, na qual conviveu com pais au­toritários, familiares rebeldes e agressivos, sentindo-se empurrado. para o ensimesmamento, face ao re­ceio de ser punido por qualquer coisa acontecida, mesmo quando não a houvesse praticado, assumin­do postura de vítima que se esforça para agradar sempre, estar permanentemente bem com todos, sem ser incomodado pelas ocorrências ou pelas criatu­ras.

Essa conduta também expressa alta dose de egoísmo, que se impõe fórmulas de vivência individu­alista, reacionária contra tudo quanto lhe parece am­biente hostil e de difícil penetração.

Não possuindo resistência psicológica para so­brepor-se à severidade doméstica, recua para a inte­riorização, dando asas à imaginação pessimista e per­turbada, naufragando no estado de inibição.

Outras vezes, a conduta insensível dos pais, es­pecialmente da mãe — com quem mais se convive no período infantil — fez o atual paciente sentir-se re­jeitado, transformado em incômodo que era para os genitores, como se a sua presença lhes constituísse um fardo, eliminando-o, pela indiferença, do grupo familiar.

Essa mesma ocorrência pode também originar-se no convívio com outros adultos e apresentar as suas primeiras marcas no relacionamento com ou­tras crianças que, incapazes de compreender a ocor­rência, criticam, expulsam dos seus folguedos, agri­dem todos aqueles que as desagradam... Ante essa reação dos companheiros de jogos e brincadeiras, agravam-se os conflitos, que se transformarão em conduta de inibição enfermiça.

O ser existencial, todavia, é, antes de quaisquer outras considerações, um Espírito imortal, herdeiro de todas as realizações que lhe assinalam a marcha ancestral.

Viajor de muitas experiências em roupagens car­nais diferentes e múltiplas, é o arquiteto de glórias e desaires através do comportamento ético-moral, social, religioso, político, artístico e de qualquer outra natureza, por cujas faixas transitou no curso da sua evolução.

Conforme se haja conduzido em uma etapa, transfere para a outra os conteúdos que lhe servirão de alicerce para a formação da personalidade. Por outro lado, o renascimento em lares afetuosos ou agressivos, gentis ou indiferentes, entre expressões de bondade ou de acusação, resulta das ações ante­riormente praticadas, que ora lhe cumpre reparar, caso hajam sido infelizes e prejudiciais, ou mais cres­cer, em razão dos procedimentos enobrecedores.

Assim, recuando à concepção fetal, encontra-se o ser pleno, indestrutível, herdeiro de si mesmo, tra­balhador incansável do próprio progresso, que lhe cumpre conquistar a esforço pessoal.

Assim considerando, os fatores hereditários e mesológicos, psíquicos e físicos, sociais e emocio­nais que o compõem estruturando-lhe a personali­dade, delineando-lhe a existência humana, têm as suas matrizes fixadas nas atividades desenvolvidas anteriormente.

Aluno da vida, promoção ou recapitulação, re­provação na classe em que estuda na valiosa escola terrestre, dependem exclusivamente do próprio em­penho.

Não obstante, o avanço do conhecimento, nas áreas da ciência e da tecnologia, muito tem contri­buído para minimizar e mesmo eliminar os fatores traumáticos das reencarnações anteriores, principal­mente em razão dos avanços das doutrinas psíqui­cas, descobrindo o ser transpessoal, viajor entusias­ta da imortalidade.

A valiosíssima contribuição de diferentes psico­terapias modernas constitui bênção para os trans­tornos psicológicos e psiquiátricos da mais variada ordem, não devendo permanecer esquecidos os fato­res que desencadearam as ocorrências que prece­dem ao berço.

Desde o período perinatal, a partir da concep­ção, que os implementos do pretérito se insculpem no ser em formação, modelando-o conforme as ma­trizes que se lhe encontram no cerne espiritual.

Por outro lado, além das psicoterapias acadêmi­cas que auxiliam na libertação dos fenômenos de inibição, o interesse do paciente é de grande valia, mesmo durante o processo de reconquista da saúde.

Inicialmente deve ser estabelecido o veemente desejo de sentir-se bem, liberando-se da perturbado­ra sensação de permanente mal-estar a que está acos­tumado.

Para tanto, a substituição de pensamentos ne­gativos, autopunitivos, autodepreciativos, por outros de ordem emuladora ao progresso e à alegria, torna-se de vital importância. Logo depois, a consideração em torno de que todos se apresentam conforme lhes é possível, não lhe cabendo a vacuidade de colocar-se na posição de vítima, em que se compraz, tendo as outras pessoas como suas adversárias, com ou sem razão.

O problema conflitivo se encontra no indiví­duo e não no mundo exterior. Quando ele se harmo­niza, consegue enfrentar as mais hostis situações como sendo desafios que o incitam ao crescimento interior, ao amadurecimento psicológico, porque a existência humana, em verdade, não é como aprazeria a cada um, mas conforme a estrutura dos acon­tecimentos e dos impositivos da sociedade, na qual todos se encontram envolvidos.

Ainda aí, no processo de autoterapia, é essencial o desenvolvimento da tolerância para considerar as pessoas como seres em crescimento, com dificulda­des no trato consigo mesmas e não como criaturas especiais, eleitas, modelos, que devem constituir o melhor exemplo, embora a si se permita a justifica­tiva de manter-se recluso nas idéias e comportamen­tos esdrúxulos.

Cada indivíduo é um universo de emoções, de conquistas, de valores por descobrir, merecendo in­vestimentos de alto significado.

O desenvolvimento psicológico do ser humano é processo lento, que deve apresentar-se seguro, sem oscilações, vencendo as diferentes etapas e fixando-as no comportamento, a fim de que se estabeleçam novos patamares que devem ser conquistados.

Esse campo experimental, no qual a emoção se engrandece saudavelmente, é fértil em oportunida­des criativas e compensadoras, porqüanto, a inevi­tável busca do prazer, da harmonia, se transformam em razões emuladoras para o sucesso.


43

ANGÚSTIA

O filósofo Kierkegaard considera a angústia como sendo uma determinação que revela a condição espi­ritual do homem, caso se manifeste psicologicamente de maneira ambígua e o desperte para a possibilida­de de ser livre.

A angústia é a terrível agonia que limita o ser na estreiteza das paredes da insatisfação, face à falta de objetivo e de essencialidade da existência.

Resultado de inúmeros desconfortos morais, ex­pressa-se em desinteresse doentio e afugente, que pun­ge o ser, levando-o a graves transtornos psicológicos.

Radicada no Espírito, exterioriza-se como ressen­timento da vida, processo de desestruturação da per­sonalidade, azedume e infelicidade.

Na infância, sem dúvida, se encontram os fatores que produziram o amargor, quando a rejeição dos pais e familiares conspirou contra o amadurecimento emo­cional, alardeando pessimismo em torno da criança, que foi brutalizada, desestimulada de promover qualquer reação em favor de si mesma e dos valores que se lhe encontravam adormecidos, suprimindo-lhe o direito a uma existência saudável.

A morte dos objetivos existenciais deu-se, a pouco e pouco, graças aos espículos das injustiças implacá­veis que a desnortearam quando ainda em formação, apresentando-lhe sempre a sua incapacidade para tri­unfar, a ausência de recursos para merecer respeito e consideração, a insistente e rude violação dos seus di­reitos como ser humano.

Sentindo-se desrespeitada e odiada, não tendo espaço para a catarse dos dramas íntimos que se lhe desenhavam nos painéis da mente, deslocou-se do mundo infantil iluminado, refugiando-se na caverna sombria da amargura, que passou a comandar as suas aspirações, embora de pequena monta, termi­nando por turbar-lhe as paisagens do sentimento e da emoção.

À medida que se foram estabelecendo os contor­nos e conteúdos da amargura, os resíduos psíquicos pessimistas se acumularam em forma de toxinas que passaram a envenenar-lhe os comandos mentais, en­torpecendo-lhe os neurotransmissores e perturbando-lhe as comunicações.

Ainda aí se podem contabilizar, nesse doloroso processo de instalação da angústia, os efeitos do com­portamento desastroso em existência transata, quando malbaratou as oportunidades felizes que lhe foram con­cedidas pela Vida, ou as utilizou indevidamente, pro­duzindo desaires e desconforto, quando não gerando desgraça de efeitos demorados.

Essas vítimas, tornaram-se cobradores inconse­qüentes daquele que delinqüiu, hoje reencarnando-se na condição de pais e demais familiares, que se atribu­íram, embora inconscientemente, os direitos de rejei­ção ao ser que a Divindade lhes confiou para o proces­so de crescimento e de reparação, nesse complexo e extraordinário movimento que é a vida.

Trazendo insculpida no inconsciente profundo a culpa, após um despertar doloroso para a realidade, o Espírito, que se reconhece indigno de auto-estima, mer­gulha no abismo da autopunição sem dar-se conta, tor­nando-se angustiado e, sobretudo, magoado em rela­ção a todos e a tudo.

A culpa não diluída é terrível flagício que dilacera o ser, seja conscientemente ou não, impondo a necessi­dade da reparação do dano causado. Por isso mesmo, o perdão ao mal de que se foi objeto ou àquele que o in­fugiu é de relevante importância. Não porém, apenas a quem agride, acusa ou malsina, mas também, e princi­palmente, a si mesmo. É indispensável que o indivíduo se permita o direito do erro, considerando, entretanto, o dever da reparação, mediante cujo esforço supera o constrangimento que a consciência do equívoco lhe impõe.

Não se trata de uma atitude permissiva para no­vos equívocos, e sim, de um direito de ser humano que é, de lograr sucesso ou desacerto nos empreendimen­tos que se permite, aprendendo mediante a experimen­tação, que nem sempre se faz coroar de êxito. Não obs­tante, quando se tem consciência do gravame, com ha­bilidade e interesse, é possível transformá-lo em bên­ção, porqüanto, através dele, se aprende como não mais agir.

Não sendo assim conduzida, a ação tomba, em al­gum tipo de processo perturbador, como o de natureza angustiante.

A óptica do paciente angustiado é distorcida em relação à realidade, porque as suas lentes estão emba­çadas pelas manchas morais dos prejuízos causados a outras vidas, tanto quanto em razão das injunções do­lorosas a que se sentiu relegado.

Somente através do esforço bem direcionado em favor do reequilíbrio e utilizando-se de terapia especí­fica, é que se torna possível a libertação do estertor da angústia, restabelecendo o comportamento saudável, recuperando os objetivos existenciais perdidos em ra­zão do estabelecimento de novos programas de vida.

Acostumado à rejeição, e somando sempre os va­lores negativos que defronta pela jornada, o indivíduo enfermo estabelece o falso conceito da irreversibilida­de do processo, negando-se o direito de ser feliz, felici­dade essa que lhe parece utópica.

Adaptado emocionalmente ao cilício do sofrimento interno, qualquer aspiração libertadora assume propor­ções difíceis de serem ultrapassadas. Não obstante, o amor desempenha papel fundamental nesse contubér­nio, transformando-se em terapia eficiente para o con­flito desesperador.

Despertando para a afetividade, que lhe foi nega­da, e que brota inesperadamente na área dos sentimen­tos profundos, é possível ao paciente arregimentar po­deres, energias para romper o círculo de força que o sitia, propondo-lhe uma releitura existencial e emulan­do-o ao avanço.

O amor preenche qualquer vazio existencial, por despertar emoções inusitadas, capazes de alterar a es­trutura do ser.

Quando asfixiado, continua vibrando até o momen­to em que irrompe como força motriz indispensável ao crescimento interior que faculta amadurecimento e vi­são correta das metas a serem alcançadas. Concomitan­temente, o auxílio especializado de profissional com­petente torna-se essencial, contribuindo para a recom­posição das paisagens emocionais danificadas.

O esforço pessoal, no entanto, é fator preponde­rante para o sucesso da busca da saúde psicológica.

Apesar de todo o empenho, porém, convém consi­derar-se que surgem momentos na vida, nos quais, epi­sódios de angústias se apresentam, sem que se torne abalada a harmonia emocional.

Desde que se façam controláveis e superados a bre­ve tempo, expressam fenômeno de normalidade no transcurso da existência humana, porqüanto, num com­portamento horizontal, sem as experiências que se al­ternam, produzindo bem ou mal-estar, não se podem definir quais são as diretrizes de uma conduta real­mente saudável e digna de ser conseguida.

Toda fixação que se torna monoideísta, eliminando a polivalência dos inúmeros fenômenos que fazem parte do mecanismo da evolução, transforma-se em transtorno do comportamento, que conduz a patologi­as variadas, dentre as quais, a amargura, que se expres­sa como força autopunitiva, mecanismo psicótico-ma­níaco-depressivo que, não cuidado no devido tempo, sempre culmina em mal de conseqüências irreversíveis.


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ABANDONO DE SI MESMO

A debilidade de resistências psicológicas, que se convertem em ausência de forças morais, conduz o pa­ciente aos estados mórbidos, quando acometido dos desconfortos da timidez, inibição e angústia, que lhe trabalham os mecanismos da mente, deixando-o à de­riva.

Revolta e pessimismo assaltam-no, levando-o a paroxismos de desesperação interior, em cujo processo mais se aflige, entorpecendo os centros do discernimen­to e mergulhando em fundo poço de desarmonia.

Sem motivação estimuladora para buscar objetivos salutares nos rumos existenciais, auto-abandona-se, descuidando da aparência como efeito do pessimismo que o aturde.

Passa a exigir uma assistência que se não permite, e quando alguém se dispõe a oferecê-la, recusa-a, agre­dindo ou fugindo para atitudes de autocomiseração, nas quais se compraz.

Porque coleciona azedume, a sua faz-se uma pre­sença desagradável, carregada de negatividade, com altas doses de censura aos outros ou de auto-reproche, evitando-se liberação.

A timidez é couraça forte que aprisiona. O tímido, no entanto, adapta-se, e egoisticamente passa a viver em exílio espontâneo, que lhe não exige luta, assim poupando-se esforços, que são inevitáveis no processo de crescimento e de conquista psicológica madura.

A inibição é tóxico que asfixia, produzindo distúr­bios emocionais e físicos, transtornando a sua vítima e empurrando-a para o poço venenoso da alienação. Ali, os tóxicos dos receios injustificados asfixiam-no, pro­duzindo-lhe enfermidades físicas e psíquicas em cujas malhas estorcega em demorada agonia.

A angústia despedaça os sentimentos que se tor­nam estranhos ao próprio paciente, que perde o conta­to com a realidade objetiva dos acontecimentos e das pessoas, para somente concentrar-se no próprio dra­ma, isolando-o de qualquer convivência saudável, e quando não se pode evadir do meio social, permanece estranho aos demais, em cruel autopiedade, formulan­do considerações comparativas entre o que experimenta e o que as demais pessoas demonstram. Parece que so­mente ele é portador de desafios, e que as aflições se fixaram exclusivamente na sua casa mental.

Não cede espaço para a análise dos problemas que a todos assoberbam, e que podem ser examinados de forma saudável, transformando-se em fonte de perma­nentes estímulos para o desenvolvimento dos recursos de que é portador.

São esses distúrbios emocionais algozes implacá­veis, que merecem combate sistemático e diluição con­tínua, não se lhes permitindo fixação interior. A ocor­rência de qualquer um deles é perfeitamente normal no comportamento humano, servindo para fortaleci­mento dos valores íntimos e da própria saúde emocio­nal.

Inevitável, para a sua erradicação, a busca de re­cursos preciosos, alguns dos quais, os mais importan­tes, se encontram no próprio enfermo, como, por exem­plos, a auto-estima, a necessidade do autoconhecimen­to, e do positivo relacionamento no grupo social, que são negados pelos distúrbios castradores.

A auto-estima, na vida humana, é de relevantes resultados, em razão de produzir fenômenos fisioló­gicos, que decorrem dos estímulos emocionais sobre os neurônios cerebrais, que então produzem enzi­mas que concorrem para o bem-estar e a alegria do ser.

Da mesma forma que as idéias esdrúxulas, carre­gadas de altas doses de desesperança e negação, soma­tizam-se, dando surgimento a enfermidades variadas, as contribuições mentais idealistas, forjadas pela auto-estima, confiança, coragem para a luta produzem esta­dos de empatia, de júbilo e de saúde.

Quando, porém, o paciente resolve absorver os transtornos que o assaltam, demorando-se na reflexão em torno deles, agindo sob os vapores venenosos que expelem, refugiando-se na autocompaixão e na rebel­dia, voltando-se contra o grupo social que o pode auxi­liar, não apenas amplia os efeitos perniciosos da con­duta, como também bloqueia os recursos de auxílio para a libertação, abrindo campo para a instalação de inumeráveis enfermidades alérgicas, de dermatoses delicadas, de problemas digestivos e respiratórios, com profundos reflexos nervosos destrambelhados ou do­enças mais graves...

O indivíduo é, com muita propriedade, a mente que o direciona.

As ocorrências traumatizantes, por isso mesmo, ao invés de aceitas pelo Self, devem ser liberadas, medi­ante catarses próprias ou através da transmudação dos conteúdos, de forma que em substituição aos pensa­mentos destrutivos, perversos, negativos, passem a ser cultivados aqueles que devem reger as realizações edi­ficantes, interagindo na conduta que se alterará para melhor, direcionada para a saúde.

A impossibilidade de realizá-lo a sós não se torna empecilho para que seja buscada a solução, através do psicoterapeuta preparado, para auxiliar no comporta­mento e na transformação dos modelos mentais per­turbadores.

Ademais, porque originados no cerne do ser espi­ritual, que se é, a orientação competente que se deriva da evangelhoterapia, face à contribuição do amor e do esclarecimento da causalidade dos problemas, não pode ser postergada ou levada em desconsideração.

Ressumando os miasmas dos erros pretéritos e di­ante de novas possibilidades que se apresentam auspi­ciosas, as dificuldades iniciais são a cortina de fumaça que oculta os horizontes claros do êxito, que aguardam ser conquistados após a diluição do impedimento.

Desse modo, o esforço para o autoconhecimento se transforma em necessidade terapêutica, porqüanto o aprofundamento sereno na busca de respostas para os conflitos da personalidade, culminarão apresentan­do a cada um informações que não haviam sido detec­tadas lucidamente, e que passarão a contribuir de for­ma valiosa na conduta.

Quando o indivíduo se comporta através de sucessivas reações sem a oportunidade de atitudes cons­cientes, que são resultados da ponderação, do amadu­recimento, da análise em torno do fato, mais se lhe agra­vam os efeitos perniciosos de tal atitude. É perfeitamen­te normal uma reação que decorre da força do instinto de preservação da vida, resguardando-se, automatica­mente, de tudo aquilo que venha a constituir sofrimen­to ou desagrado. No entanto, reações em cadeia, sem intervalos para a lógica nem a meditação em volta do que está sucedendo, tornam-se morbidez de conduta, expressando o desequilíbrio instalado no campo emo­cional.

Ainda assim, é perfeitamente válido o esforço para a alteração do quadro, buscando entender-se, interro­gando-se sobre o porquê de tal procedimento e tentan­do honestamente mudar dessa direção para outra mais lúcida e racional.

A convivência social, mesmo que se apresentando desagradável para o paciente, irá contribuir para que descubra valores em outras pessoas que, distanciadas, são tidas como antipáticas, inconvenientes ou desinte­ressantes. Nesse meio, perceberá que todas experimen­tam as mesmas pressões e sofrem semelhantes proble­mas, sendo que algumas sabem como administrá-los, dissimulá-los, superá-los, vivendo em equilíbrio, sem escorregarem pela rampa da autopunição, da autocom­paixão, do auto-amesquinhamento.

O abandono de si mesmo é forma de punir a inca­pacidade de lutar, cilício voluntário para a autodestrui­ção, recurso para punir os familiares ou a sociedade na qual se encontra. Sentindo-se impossibilitado de com­petir, negando-se a lutar, recalcando os conflitos na rai­va e na mágoa, castiga-se, para desforçar-se de todos aqueles que se lhe apresentam na mente atormentada como responsáveis pelo seu estado.

Enquanto o indivíduo não se resolva por crescer e ser feliz, esses algozes implacáveis e mais outros ator­menta-lo-ão, ferindo-o, cada vez mais, e dominando a sociedade que passará a ser-lhe vítima.


DÉCIMA PARTE


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DOENÇAS DA ALMA

O ser psicológico é o perfeito reflexo da sua re­alidade plena. Sendo Espírito imortal, conduz o seu patrimônio evolutivo — resultado das experiências ancestrais — que se encarrega de modelar os conteú­dos delicados da sua personalidade, elaborando pro­cessos de harmonia ou desequilíbrio que resultam dos condicionamentos armazenados no psiquismo profundo.

Arquiteto da própria vida, em cada realização ela­bora, conscientemente ou não, os moldes que se lhe constituirão mecanismos hábeis para a movimentação nos novos investimentos.

Elaborado pela energia inteligente, que o torna especial no complexo campo das vibrações que se agi­tam no Universo, o direcionamento que resulte da arte e ciência de pensar responderá pela formação das es­truturas psicológicas e físicas, psíquicas e orgânicas com as quais se haverá nos empreendimentos futuros.

Conforme pensa, constrói os delicados e sutis im­plementos que se transformarão em força atuante no mundo das formas. Ao mesmo tempo, exterioriza on­das específicas que se imprimem nos painéis mentais, aí insculpindo os processos psíquicos que comandarão as futuras atividades.

Em razão disso, quando as elaborações mentais não possuem carga superior de energia, elaborando ima­gens perniciosas e inferiores, plasmam-se nos refolhos íntimos as estruturas que irão delinear a conduta, en­sejando harmonia ou abrindo espaço para a instalação de psicopatologias variadas, que se imprimirão nas engrenagens do conglomerado genético, definidor, de certo modo, graças ao perispírito, da futura estrutura do indivíduo.

As enfermidades da alma, portanto, procedem de condutas atuais como de anteriores, a que se permitiu o Espírito, engendrando as emanações morbíficas, que ora se convertem em distúrbio de natureza complexa, e que passam a exigir terapia conveniente quão cuida­dosa.

O ser jamais se evade de si mesmo, do Eu interior, que sobrevive à decomposição cadavérica e é respon­sável por todas as ocorrências existenciais, face à sua causalidade e à sua destinação, que tem caráter eterno.

Assim sendo, é totalmente decepcionante uma aná­lise do indivíduo somente sob o ponto de vista orgâni­co, por mais respeitável seja a Escola de pensamento que se atenha a esse estudo.

A hereditariedade e os implementos psicossociais, sócio-econômicos, os fatores perinatais e outros são in­suficientes para abarcar a realidade do ser humano em toda a sua complexidade.

A alma transcende as emanações neuronais, pos­suindo uma realidade que resiste à disjunção cerebral e por essa razão, podendo pensar sem os seus equipa­mentos supersensíveis, embora esses não consigam ela­borar o pensamento sem a sua presença.

Felizmente, a antiga presunção organicista vem cedendo lugar a concepções mais compatíveis com a realidade, deixando à margem a imposição acadêmica ancestral, para se firmar no testemunho dos fatos ine­quívocos da experimentação contemporânea.

Nessa investigação, séria e nobre, em torno do ser tridimensional: Espírito, perispírito e matéria, se pode encontrar a psicogênese das enfermidades da alma, como também defrontar as patogêneses que assinalam a criatura humana no seu transcurso evolutivo.

O ser profundo, autor de todos os acontecimentos em sua volta, é o Espírito, seja qual for o nome que se lhe atribua.


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MAU HUMOR

Realizando um périplo que se inicia na forma de princípio inteligente, o Espírito cresce insculpindo con­quistas e desacertos no âmago da sua realidade, defi­nindo formas, contornos e conteúdos, à medida que avança na esteira multifária da evolução.

Cada etapa se assinala por específica realização que se lhe torna patamar de sustentação para novo passo, crescendo, a pouco e pouco, no rumo da autoconquis­ta.

O desenvolvimento psicológico ocorre-lhe lenta­mente, plasmando-se através das experiências que lhe desabrocham as potências adormecidas e que são ele­mentos constitutivos da sua realidade transcendental.

De acordo com a iluminação, e o discernimento conseguido, adquire consciência de culpa em decor­rência dos atos praticados, transferindo para os novos cometimentos a necessidade de recuperação da tran­qüilidade perdida, que é o recurso hábil para a saúde integral.

O ser essencial é amor, no entanto, no processo de despertamento da sua potencialidade divina, adquire expressões não legítimas, que passam a atormentá-lo, já que fazem parte do processo de maturação através de negatividades, que são o desamor e as máscaras do ego, expressando-se como pseudo-amor.

Face a esses mecanismos, com freqüência as insa­tisfações e conflitos dão curso a estados desagradáveis de comportamento, que se podem transformar em en­fermidades da alma, ou, em razão de suas raízes pro­fundas no ser, exteriorizam-se como máscaras do ego, como negatividades, decorrentes dos desequilíbrios da conduta anterior.

O mau humor, que resulta de distúrbios emocio­nais profundos ou superficiais, se instala de forma su­til e passa a constituir uma expressão constante no com­portamento do indivíduo. Pode apresentar-se com ca­ráter transitório ou tornar-se crônico, convertendo-se em verdadeira doença, que exige tratamento continua­do e de longo prazo.

Por trazer as matrizes inseridas nos tecidos sutis da realidade espiritual, transfere-se do campo psíquico para a organização somática através da hereditariedade, que responde pela sua fixação profunda, de caráter expiatório.

Em casos tão graves, a terapia psiquiátrica é con­vocada a auxiliar o paciente, que se lhe deve entre­gar com cuidado, ao mesmo tempo alterando o modo de encarar a vida, o mundo e as pessoas, mediante cujo esforço renovará as paisagens íntimas e elaborará novos painéis que lhe darão cor e beleza existenciais.

Caracteriza-se o mau humor pela apatia que o indivíduo sente em relação às ocorrências do dia-a­dia, à dificuldade para divertir-se, aos impedimen­tos psicológicos de atingir metas superiores, de bem desempenhar a função sexual, negando-se à mesma ou atirando-se desordenadamente na busca de satis­fações além do limite, mediante mecanismo de fuga em torno da própria problemática. Torna-se, dessa forma, pessoa solitária, egoísta, amarga...

Tais características podem levar a um diagnósti­co equivocado de depressão, que se caracteriza por alternâncias de conduta, enquanto que no estado de humor negativo a conduta é qual uma linha reta, desinteressante, sem emoção, permanecendo cons­tante, enquanto que na depressão a mesma desce em fase profunda ou ascende, podendo libertar-se com relativa facilidade.

O oposto, o excesso de humor, também expressa disfunção orgânica, revelando-se em traços da per­sonalidade em forma exagerada de otimismo que não tem qualquer justificação de conduta normal, já que se torna uma euforia, responsável pela alteração do senso da realidade. Perde-se, nesse estado, o contorno do que é real e passa-se ao exagero, tornando-se irresponsável em relação aos próprios atos, já que tudo entende como de fácil manejo e defini­ção. Em tal situação, quando irrompe a doença, há uma excitação que conduz o paciente às compras, à agitação, à insônia, com dificuldades de concentra­ção.

Certamente que um momento de euforia como outro de mau humor fazem parte do processo de se estar saudável, de comportar-se bem, de encontrar-se em equilíbrio. A permanência num como noutro comportamento é que denota o desajuste, a disfun­ção, a desarmonia emocional.

Diante de uma pessoa mal-humorada, a primei­ra idéia que ocorre à família ou aos amigos, é a de proporcionar-lhe divertimento, mudança de clima psicológico, levando-a a sorrir, tentando gerar situ­ação agradável ou cômica, que se lhe apresenta per­turbadora, insossa, já que não consegue biologica­mente produzir enzimas propiciadoras do bem-es­tar.

O distímico sente-se pior, em tal circunstância, formulando um conceito de culpa perturbador, ao sentir-se responsável por estar preocupando aqueles que o estimam e o cercam, tornando-se-lhe o lazer proposto uma experiência ainda mais traumática.

Ante o insucesso, familiares e amigos recuam e passam à agressão mediante apodos, denominando o enfermo como preguiçoso, indiferente ao afeto que lhe é direcionado, como se ele pudesse alterar de um para outro momento o estado de enfermidade.

Somente a paciência familiar e fraternal, o en­volvimento afetivo natural, sem exageros momentâ­neos nem pseudoterapêuticos, e, concomitantemente a assistência psiquiátrica podem oferecer os resul­tados que se desejam, e que são logrados com vagar.

A consciência de culpa ínsita no Espírito, im­põe-lhe uma conduta mal-humorada, produzindo or­ganicamente os fenômenos exteriores, que podem ser diluídos mediante uma alteração na conduta do en­fermo, que se deve esforçar, certamente com muito sacrifício, a fim de recuperar-se dos equívocos, ence­tando novos compromissos edificantes, mediante os quais diminuirá a dívida moral, autoliberando-se do fardo esmagador.

Por outro lado, a bioenergia constitui valioso re­curso terapêutico, por agir nos tecidos sutis do pe­rispírito do enfermo, auxiliando na reconstrução das suas engrenagens específicas, alterando o campo vi­bratório, que redundará em modificação expressiva na área neuronal.

A distimia e a euforia são, portanto, doenças da alma, que necessitam de conveniente estudo e tratamen­to, por assaltarem um número cada vez maior de paci­entes, vitimados por si mesmos e pelos variados fato­res exógenos que a todos envolvem na atualidade.


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SUSPEITAS INFUNDADAS

O indivíduo, assinalado por consciência de culpa decorrente dos atos passados, que não soube ou não os quis regularizar quando do périplo carnal, renasce pos­suído por conflitos que procura ocultar, não conseguin­do superá-los no mundo íntimo.

Assim sendo, projeta no comportamento suspei­tas infundadas em relação às pessoas com quem con­vive, sempre temendo ser identificado pelos erros, desmascarado e trazido à realidade da reparação.

Essa conduta aflige e corrói os valores morais, trabalhando-o de maneira negativa e perturbadora, de tal forma que o torna arredio, agressivo e infeliz, levando-o, não poucas vezes, a situações vexatórias, neuróticas, por encontrar inimigos hipotéticos em toda parte, assim experimentando o fardo da culpa, que o anatematiza e procura manter oculta.

Toda vez que se encontra no grupo social, e duas ou mais pessoas dialogam, sorriem ou se tornam aus­teras, logo lhe surge a idéia infeliz, a suspeita tor­mentosa, de que se referem à sua pessoa, que co­mentam negativamente o seu comportamento, ou in­vejosas, inferiores, comprazem-se em persegui-lo e malsinar as suas horas.

Tal conduta patológica, torna-se um cruel ver­dugo para o paciente, que se afasta do meio social, sentindo-se rejeitado, de alguma forma detendo-se em conflito persecutório ou de ambição exagerada de grandeza, através de raciocínios lógicos, tomban­do num quadro paranóico.

Nesse estado torna-se refratário a qualquer aju­da, em considerando-se bem, sem apresentar neces­sidade de alguma espécie, ao que sobrepõe o ego doentio, que se supõe superior.

O ser humano é essencialmente sua conduta pre­gressa. Em cada etapa existencial adquire compro­missos que se transformam em asas de libertação ou algemas vigorosas, passando a sofrer as conseqüên­cias que se transferem de uma para outra existência física, do que lhe decorrem inevitáveis efeitos mo­rais. Ninguém, portanto, no grande périplo da evo­lução, que possa atravessar o processo de crescimento evadindo-se das responsabilidades estatuídas pelos Supremos Códigos e impressas na Lei natural, vi­gente em toda parte, que é o amor.

Toda e qualquer agressão a essa realidade trans­forma-se em contingente aflitivo, que atormenta até romper o elo retentor. Por outro lado, todas as con­quistas se transformam em mapas de elevação, apon­tando rumos para o Infinito e a Plenitude.

Uma análise, portanto, do ser integral, impõe a visão reencarnacionista, propiciadora dos valores de engrandecimento, estruturando-o, fortalecendo-o.

Recupera em uma etapa o que perdeu na ante­rior, não necessariamente na última experiência, se­não naquela que permanece como peso na economia da evolução, aguardando ressarcimento.

Está, portanto, no passado do Espírito, próximo ou remoto, a causa de qualquer transtorno psicoló­gico, psíquico e orgânico, por constituir alicerce pro­fundo do inconsciente, no qual se apoiam as novas conquistas e surgem os comportamentos decorren­tes.

A psicoterapia desempenha um papel relevante ao lado dos portadores de suspeitas infundadas, au­xiliando-os no autodescobrimento e na valorização da sua realidade, não das supostas qualidades que não existem, assim como das acusações que supõem lhes são feitas, e totalmente destituídas de funda­mento.

Nesse contubérnio de inquietação, mentes de­sassociadas do corpo, que deambulam no Mundo Causal, utilizam-se do conflito e passam a obsidiar o paciente, enviando-lhe mensagens telepáticas mais infelizes, que se tornam uma forma de autopensa­mento, tão freqüentes e contínuas se lhes fazem, que dão surgimento a processos alienantes muito graves e de conseqüências imprevisíveis.

Eis porque o Evangelho desempenha um papel fundamental como terapêutica em processos de tal envergadura como noutros, auxiliando o paciente a libertar-se das suspeições atordoantes e avassalado­ras.

Sob tal orientação, a da saúde espiritual, surgem as possibilidades de praxiterapias valiosas, que se sustentam na ação do bem ao próximo, na caridade para com ele, resultando em caridade para com a pessoa mesma.

Lentamente se vão instalando novos raciocínios, visão mais dilatada da realidade que se apresenta e a recuperação do distúrbio faz-se com segurança, pro­piciando equilíbrio e bem-estar.


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SÍNDROME DE PÂNICO

Em 1980 foi estabelecido como sendo uma enti­dade específica, diferente de outros transtornos de ansiedade, aquele que passou a ser denominado como síndrome de pânico, ou melhor elucidando, como transtorno de pânico, em razão de suas carac­terísticas serem diferentes dos conhecidos distúrbi­os.

A designação tem origem no deus Pan, da Mito­logia grega, caracterizado pela sua fealdade e forma grotesca, parte homem, parte cabra, e que se com­prazia em assustar as pessoas que se acercavam do seu habitat, nas montanhas da Arcádia, provocando-lhes o medo.

Durante muito tempo, esse distúrbio foi desig­nado indevidamente como ansiedade, síndrome de despersonalização, ansiedade de separação, psicas­tenha, hipocondria, histeria, depressão atípica, ago­rafobia, até ser estudado devidamente por Sigmund Freud, ao descrever uma crise típica de pânico em uma jovem nos Alpes Suíços. Anteriormente, duran­te a guerra franco-austríaca de 1871, o Dr. Marion Da Costa examinou pacientes que voltavam do cam­po de batalha apresentando terríveis comportamen­tos psicológicos, com crises de ansiedade, insegu­rança, medo, diarréia, vertigens e ataques, entre outros sintomas, e que foram denominados como coração irritável, por fim tornando-se conhecido como Síndrome de Da Costa, pela valiosa contri­buição que ele ofereceu ao seu estudo e terapia.

A síndrome de pânico pode ocorrer de um para outro momento e atinge qualquer indivíduo, parti­cularmente entre os 10 a 40 anos de idade, alcançan­do, na atualidade, expressivo índice de vítimas, que oscilam entre 1% e 2% da população em geral.

Na atualidade apresenta-se com alta incidência, levando grande número de pacientes a aflições ino­mináveis.

Existem fatores que desencadeiam, agravam ou atenuam essa ocorrência e podem ser catalogados como físicos e psicológicos.

Já não se pode mais considerar como responsá­vel pelos distúrbios mentais e psicológicos uma cau­sa unívoca, porém, uma série de fatores predispo­nentes como ambientais, especialmente no de pâni­co.

Entre os primeiros se destacam os da hereditari­edade, que se responsabilizam pela fragilidade psí­quica e pela ansiedade de separação. Tais fatores genéticos facultam o desencadear da predisposição biológica para a instalação do distúrbio de pânico. Por outro lado, os conflitos infantis, geradores de insegurança e ansiedade, facultam o campo hábil para a instalação do pânico, quando se dá qualquer ocorrência direta ou indireta, que se responsabiliza pelo desencadeamento da crise.

Acredita-se que a responsabilidade básica esteja no excesso de serotonina sobre o Sistema Nervoso Central, podendo ser controlada a crise mediante aplicação de drogas específicas tais clonazepam, não obstante ainda seja desconhecido o efeito produzido em relação a esse neuro-receptor.

O surto ou crise é de efeitos alarmantes, por transmitir uma sensação de morte, gerando pavor e desespero, que não cedem facilmente.

A utilização de palavras gentis, os cuidados ver­bais e emocionais com o paciente não operam o re­sultado desejado, em razão da disfunção orgânica, que faculta a instalação da ocorrência, embora con­tribuam para fortalecer no enfermo a esperança de recuperação e poder trabalhar-se o psiquismo de forma positiva, que minora a sucessão dos episódios devastadores.

Não raro, o paciente, desestruturado emocionalmente e vitimado pela sucessão das crises, pode de­senvolver um estado profundo de agorafobia ou der­rapar em alcoolismo, toxicomania, como evasões do problema, que mais o agravam, sem dúvida.

É uma doença que se instala com mais freqüên­cia na mulher, embora ocorra também no homem, e não se trata de um problema exclusivamente con­temporâneo, resultado do estresse dos dias atuais, em razão de ser conhecida desde a Grécia antiga, havendo sido, isto sim, melhor identificada mais recentemente, podendo ser curada com cuidadoso tratamento psiquiátrico ou psicológico, desde que o paciente se lhe submeta com tranqüilidade e sem a pressa que costuma acompanhar alguns processos de recuperação da saúde mental.

O distúrbio de pânico encontra-se enraizado no ser que desconsiderou as Soberanas Leis e se reen­carna com predisposição fisiológica, imprimindo nos gens a necessidade da reparação dos delitos transa­tos que permaneceram sem justa retificação, porque desconhecidos da Justiça humana, jamais porém, da divina e da própria consciência do infrator. Por isso mesmo, o portador de distúrbio de pânico não trans­fere por hereditariedade necessariamente a predis­posição aos seus descendentes, podendo, ele próprio não ter antecessor nos familiares com essa disfunção explícita.

Indispensável esclarecer que, embora a gravida­de da crise, o distúrbio de pânico não leva o pacien­te à desencarnação, apesar de dar-lhe essa estranha e dolorosa sensação.


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SEDE DE VINGANÇA

O comportamento paranóico gera uma gama de aflições perturbadoras de grande densidade, alienan­do o paciente que perde relativamente o contato com a realidade objetiva.

Deambulando pelos dédalos da insensatez, sente-se acuado pelos conflitos, que transfere de responsabi­lidade, sempre acusando as demais pessoas de o não entenderem e o perseguirem, empurrando-o para o in­sucesso, a infelicidade...

Afastando-se do conjunto social elabora mecanis­mos de desforço como fenômeno de auto-realização, engendrando formas de constatar a superioridade me­diante a queda daquele que é considerado seu oposi­tor.

Nesse estado de inquietação engendra formas de análise inadequada em torno da conduta alheia, derrapando em maledicências, em exageros de in­formações que não correspondem à realidade, cul­minando em calúnias, que possam caracterizar im­perfeição do seu opositor, situando-o em plano de inferioridade.

Dessa forma, quando o outro, o inimigo, experi­menta qualquer desar, tormento ou provação, o enfer­mo que se lhe opõe experimenta uma alegria íntima muito grande como compensação da inferioridade na qual estagia.

Esse tormento faz-se tão cruel que, não raro, o pa­ciente torna-se algoz inclemente daquele que se lhe tor­na vítima.

Na raiz desse como de outros transtornos da per­sonalidade encontram-se o egoísmo exacerbado e o orgulho, que são os cânceres morais encarregados de de­sorganizar o ser humano, tornando-o revel.

A mente, concentrada no conteúdo da mensagem que elabora, termina por influenciar os neurônios que lhe sofrem a indução psíquica e passam a produzir subs­tâncias equivalentes à qualidade de onda, dando curso ao bem-estar ou aos conflitos perturbadores. Quando essa indução é mais demorada e produz agravantes de efeitos danosos, transfere-se de uma para outra exis­tência, imprimindo nos tecidos sutis do perispírito os prejuízos causados, que remanescem como provas ou expiações que assinalam profundamente o ser espiri­tual.

Face a essa razão, são impressas nos componentes genéticos as necessidades de reparação, assinalando o Espírito com os distúrbios a que deu lugar a sua con­duta desastrosa.

A sede de vingança é lamentável conduta espiritu­al que termina por afligir aquele que a vitaliza interiormente.

Cabe ao indivíduo envidar todos os esforços para vencer esse sentimento inferior, que lhe constitui moti­vo de demoradas angústias, porqüanto é impossível desfrutar da infelicidade alheia, alegrando-se quando outrem sofre.

A aparente alegria, resultado da satisfação por sen­tir-se vingado, logo se transforma em profunda frus­tração, por desaparecer-lhe o motivo existencial.

A vida tem definidas metas que constituem moti­vação para a sua experiência. Quando desaparecem, o sentido existencial emurchece, se instalam as distoni­as, e transtornos especiais tomam lugar na área do equi­líbrio.

Cabe ao infrator desenvolver a coragem para en­tender que o problema não procede do exterior, de ou­tra pessoa, porém, dele mesmo, em razão dos seus con­flitos, da sua limitada percepção de consciência, em razão do trânsito em faixas primárias do conhecimen­to. Todavia, resolvendo-se por adquirir a saúde emoci­onal, cumpre-lhe esforçar-se por reverter a situação, domando as más inclinações, dentre as quais se desta­ca a sede de vingança.

Lentamente, porém, com segurança, o amor abre-lhe perspectivas dantes não imaginadas, que se vão ampliando até conseguir a perfeita compreensão da luta que deve travar em seu mundo íntimo, a fim de auto­superar-se e encontrar a felicidade.

Todo o esforço de educação pessoal em superar as más inclinações constitui terapia valiosa para a saúde integral. Ninguém há que se considere sem necessida­de dessa avaliação pessoal e do conseqüente esforço para a conseguir.


DÉCIMA-PRIMEITA PARTE


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INCERTEZAS E BUSCA PSICOLÓGICA

O processo da evolução ântropo-sócio-psicoló­gica do ser é muito lento, porqüanto, passo a pas­so, o mecanismo do pensamento se vai desenvol­vendo, abrindo perspectivas sempre mais amplas, na medida que conquista conhecimento e discerni­mento.

Ampliam-se-lhe com vagar os horizontes do en­tendimento, que lhe faculta melhor situar-se na reali­dade do ser inteligente com possibilidades de alcançar patamares sempre mais elevados.

Os transtornos e distúrbios que o assinalam podem ser considerados como desarmonias e quedas do senso psicológico, que aguarda os recursos hábeis para a sua renovação.

A predominância dos instintos básicos, que lhe foram indispensáveis para a sobrevivência nas faixas primárias do crescimento, permanecem no mecanismo fisiológico de que se utiliza, ao tempo em que rema

nescem no inconsciente profundo, ressuscitando a cada momento com vigor e induzindo à permanência no pri­marismo.

Reações automáticas, ambições desnecessárias, re­ceios injustificáveis projetam-no para comportamentos defensivos-agressivos e condutas extravagantes condi­zentes com os estágios dos quais se deve liberar.

Essa queda psicológica natural permanece até o momento em que se resolve por alçar-se à razão e so­brepor-se aos caprichos perturbadores, que somente são superados mediante o controle da vontade e estímulos corretos para o bem-estar sem conflitos, bem como a conquista da saúde emocional, que é responsável por outros requisitos indispensáveis para a aquisição da­quela de natureza integral.

Não se pode fugir das próprias heranças interio­res, que se apresentam como impulsos, necessidades e motivações para o correto sentido existencial. Por essa razão, a predominância das paixões dissolventes sus­tenta o fenômeno de estacionamento, quando luz a oportunidade de ascensão, de rearmonização interior para o salto valioso de superação do ego e conquista total do Self.

Quando isso ocorre, a percepção de valores meta­físicos e parapsicológicos, mediúnicos e espirituais abar­ca o campo emocional e agiganta-se a capacidade de entendimento da existência corporal, proporcionando a vigência do ser ideal, que se libertou das torpezas morais e dos tormentos emocionais daquelas deriva­dos.

Esse procedimento se torna valioso compromisso que o indivíduo lúcido assume em favor dele mesmo e, por conseqüência, da sociedade na qual se encontra.

As suas conquistas e os seus prejuízos tornam-se fator precioso para o comportamento geral, porqüanto esse todo, que é o grupo social, cresce e amadurece de acordo com os membros que o constituem.

Ninguém se pode dissociar do conjunto social sem o agravante de perder-se na alienação.

A medida de um ser saudável é identificada atra­vés da sua conduta pessoal em relação a si mesmo e àqueles com quem convive. Revela-se através da ma­neira como se conduz, irradiando jovialidade sem alar­de, alegria e comunicação fácil.

Enquanto não logra o cometimento, o trabalho in­cessante no campo emocional constitui-lhe o desafio a vencer.

Ascender, no entanto, psicologicamente, mediante o amadurecimento interior e o controle dos sentimen­tos, torna-se-lhe de impostergável necessidade.


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DESAJUSTAMENTO

Massificado no volume perturbador que o opri­me, o indivíduo descaracteriza-se, perdendo a indi­vidualidade e tornando-se títere dos hábeis manipu­ladores de opinião, orientadores de conceitos, que também se equivocam e, sem rumo, estabelecem com­portamentos que interessam ao mercado das sensa­ções, das novidades, da volúpia do consumismo.

Esse enfrentamento que predomina de fora para dentro da personalidade alcança resultados imediatos nas pessoas frágeis psicologicamente, tímidas e conflitivas que a eles se adaptam, a fim de ficarem de bem com o conjunto, não tendo a coragem de assumirem a sua própria realidade. Mesclando-se ao comum não chamam a atenção, podendo escamotear as dificulda­des que as aturdem, perdendo o significado da existên­cia, que passa, agora, a seguir a correnteza dos suces­sos sem profundidade.

Tal insensatez conduz a comportamentos morais reprocháveis, nos quais a pusilanimidade assume des­taque e expressa-se de forma equivocada. Não possu­indo um senso diretor para a conduta, o indivíduo per­de o contato com os valores éticos, derrapando em si­tuações vexatórias para ele mesmo como indignas em relação aos outros.

Caracterizam-no a ausência de lealdade nos relaci­onamentos, a dubiedade nas decisões, a aparente gen­tileza, nivelando todos no mesmo patamar, na desis­tência dos ideais relevantes, da forma equilibrada com que devem conduzir a própria vida.

Na massificação, o que importa é a ausência de problemas, como se toda a vida pudesse ser avaliada pelos divertimentos, pelos risos artificiais, pela levian­dade.

O indivíduo psicologicamente desajustado, pro­cura massificar-se, de forma a não ter que enfrentar os desafios que lhe são necessários para o crescimento ín­timo.

Momento surge, porém, em tal procedimento, que se torna necessária a definição de rumos, a eleição de conduta salutar, o desabrochar de preferências pesso­ais.

A massa é informe e dominadora, arrastando ine­xoravelmente à desidentificação, à vulgaridade.

Há impulsos poderosos que procedem do Self e não podem ser ignorados. Surgem inesperadamente, e cada qual dá-se conta da sua individualidade, da sua personalidade, das suas próprias aspirações, que não estão de acordo com o que lhe é imposto e aceito até o momento sem qualquer reação. A partir de então apre­sentam-se o despertar da consciência, a alteração de padrões e de aspirações contribuindo para a libertação da canga aflitiva.

O indivíduo está fadado à sua realidade superior, que o caracterizará como um ser pleno, sem inquieta­ções nem tormentos, porqüanto a vida se lhe deve apre­sentar com o sentido de libertação de qualquer cons­trangimento, realizando-se, ajustando-se.

O instinto gregário aproxima-o de outrem, ajuda­-o a formar o grupo social, mas é a razão que lhe dita a conduta para a sua preservação. Integrar-se, não signi­fica perder-se, tornar-se invisível na massa, mas identi­ficar-se com as suas propostas, harmonizar-se com ela, sem deixar de ser a própria estrutura, seus ideais e ambições, seus esforços e anelos, porqüanto a harmo­nia sempre depende do equilíbrio das diferentes partes que constituem o todo.

O ser psicológicamente saudável é aquele que se mantém não afetado pelos acontecimentos, antes po­rém sensibilizado, de forma a poder contribuir para ate­nuar os danos, quando ocorrerem, ou auxiliar o cresci­mento, quando se faça necessário.

Para tanto, é indispensável o sentido de valoriza­ção da vida, de análise correta e compreensão dos ele­mentos essenciais à preservação do equilíbrio da socie­dade.

A exaltação personalista, decorrente dos fenômenos de fuga da timidez, do medo de ser desco­berto na sua realidade conflitiva, torna-se necessida­de emocional para destacar-se da massa, porque o indivíduo compreende que, não tendo valores éticos ou intelectuais, artísticos ou quaisquer outros que o diferenciem, chama para si, os conflitos disfarçados e exibe a tormentosa condição que o diferencia, po­rém, de maneira excêntrica, perturbadora. É também um transtorno de comportamento que tem a ver com a instabilidade emocional e a insegurança que o atormentam.

Cada ser constrói a sua personalidade ao longo das experiências vividas e conquistadas, estabelecendo comportamentos de segurança que o assinalam e tor­nam-no conhecido. Abandonar essa realização, é como negar-se o direito a uma vida saudável.

O enfrentamento social, como expressão de desafi­os existenciais, faz parte do processo de crescimento moral e de auto-realização, que propelem ao auto-en­contro, quando então o direcionamento da vida física se faz, com real equilíbrio e metas perfeitamente defi­nidas.

Por outro lado, não se torna necessário fugir do meio social, por mais leviano este se apresente, agredi-lo com indiferença ou de forma aguerrida nem colocar-se em um pedestal de falsa superioridade...

Impõe-se, isto sim, o indispensável compromisso de se estar presente, de ser participativo, porém, não dependente, não escravo, contribuindo para que ocor­ra a sua transformação, o seu desenvolvimento para outros valores, a sua elevação moral.

Todo indivíduo que se harmoniza interiormente, deixa que surja a sua realidade emocional, superando o desajustamento que aturde a sociedade, e tornando-se exemplo de saúde e de bem-estar que desperta inte­resse, provocando curiosidade e inveja positiva...


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AFETIVIDADE PERTURBADA

A afetividade é o sentimento que se expressa mediante reações físicas positivas.

O ser humano tem necessidade de prazer, e to­dos os seus esforços são direcionados para usufruí-lo, evitando a experiência do sofrimento, excetuan­do-se os casos de transtornos masoquistas. Toda e qualquer busca, conscientemente ou não, aguarda a compensação do bem-estar, que é sempre a fonte motivadora para toda luta.

Desse modo, a afetividade produz uma reação de adrenalina no sangue que leva o indivíduo ao aqueci­mento orgânico, do qual decorre a sensação agradável do prazer, do desejo de estar próximo, do contato físi­co, do aperto de mão, do abraço, da carícia.

A afetividade é inerente ao ser humano, não po­dendo ser dele dissociada, já que também é natural em todos os animais, inicialmente como instinto de proteção à prole.

Psicologicamente, a sua exteriorização tem mui­to a depender do convívio perinatal e suas experiên­cias no ambiente do lar, particularmente com a mãe.

Por uma necessidade imperiosa de segurança —que a criança perde ao sair do claustro materno — o contato físico é de vital importância para o equilíbrio do ser. Inicialmente a criança não tem ainda desenvolvido o sentimento de afeição ou de amor, mas a necessidade de ser protegida, de ter atendidas as suas necessidades, o que lhe oferece prazer, sur­gindo, a partir daí, a expressão emocional, também sinônimo de garantia em relação ao que necessita para viver.

O sentimento da afetividade, porém, é quase sempre acompanhado dos conflitos pessoais, que de­correm da estrutura psicológica de cada um.

Quando não se viveu plenamente na infância a experiência tranqüilizadora do amor, a insegurança que se instala gera conflitos em relação à sua reali­dade, e todos os relacionamentos afetivos se apre­sentam assinalados pela presença do ciúme, da rai­va ou do ressentimento.

O ciúme, que retrata a falta de auto-estima, pre­dominando a autodesvalorização, como decorrência da não confiança em si mesmo, transforma-se em terrível algoz do ser e daqueles que fazem parte do seu relacionamento.

As exigências descabidas, as suspeitas insupor­táveis produzem verdadeiros cárceres privados, nos quais se desejam aprisionar aqueles que se tornam asfixiados pela afetividade do enfermo emocional. Nesse comportamento, a desconfiança abre terríveis brechas para a hostilidade e a raiva, que sempre se unem como mecanismo de proteção daquele que se sente desamado.

De alguma forma, essa conduta resulta do aban­dono emocional a que se foi relegado na infância, quando as necessidades físicas e psicológicas não se faziam atendidas convenientemente, resultando nesse terrível transtorno de desestruturação da perso­nalidade, da autoconfiança.

A desconfiança de não merecer o amor — incons­cientemente — e a necessidade de impor o sentimen­to — acreditando sempre muito doar e nada receber — levam a patologias profundas de alienação, que derrapam em crimes variados, desde os mais sim­ples aos mais hediondos...

O medo de não ter de volta o amor que se ofe­rece conduz à raiva contra aquele que é alvo desse comportamento mórbido, porque o afeto sempre doa e não exige retribuição, é um sentimento ablativo, rico de oferta.

Toda vez que o amor aflora, um correspondente fisiológico irriga de sangue o organismo e advém a sensação agradável de calor, enquanto a animosida­de, a antipatia, a indiferença proporcionam o reflu­xo do sangue para o interior, deixando a periferia do corpo fria, portanto, desagradável, perturbadora.

Todo aconchego produz calor na pele, bem-es­tar, enquanto que o afastamento gera frio, desagra­do, tornando-se difícil de aceitação a presença física de quem é causador de tal sensação.

O amor não pode ser imposto, mas desenvolvi­do, treinado, quando não surgir espontaneamente.

Esse aflorar natural tem suas raízes nas experi­ências anteriores do Espírito, que renasce em condi­ções ambientais propiciatórias ou não ao seu apare­cimento, ao lado de uma família afetuosa ou desti­tuída desse sentimento, o que contribui decisivamen­te para a sua existência, para a sua eclosão.

Em muitos relacionamentos o amor brota com espontaneidade e cresce harmônico. Noutros, no entanto, é conflitivo, atormentado, com altibaixos de alegria e de raiva, de ansiedade e medo, de hostili­dade e posse.

A necessidade de amor é imperiosa, e subjacente àmesma, encontra-se o desejo do contato físico, enrique­cedor, estimulante.

Quando se é carente de afetividade, a mesma se apresenta em forma de ansiedade perturbadora, que gera conflitos e insatisfações, logo seja atendida.

Em tal caso, produz incerteza de prosseguir-se amado, após atendida a fome do contato físico ou emo­cional. Enquanto se está presente, harmoniza-se, para logo ceder lugar à insegurança, à desconfiança.

Assim sendo, o amor se torna dependente e não ple­nificador. Transfere sempre para o ser amado as suas ne­cessidades de segurança, exigindo receber a mesma dose de emoção, às vezes desordenada, que descarrega no ser elegido. Essa é uma exteriorização infantil de insatisfação afetiva, não completada, que foi transferida para a idade adulta e prossegue insaciada.

A afetividade madura proporciona o prazer, sem o qual permaneceria perturbada, angustiante, caótica.

Amar, é um passo avançado do desenvolvimento psicológico do ser, uma conquista da emoção, que deve superar os conflitos, enriquecendo de prazer e de júbi­lo aquele a quem é dirigido o afeto.

Amadurecido pela experiência da personalidade e pelo equilíbrio das emoções, proporciona bem-estar na espera sem ansiedade, e alegria no encontro sem exi­gência.


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BUSCA DE SI MESMO

O amor desempenha um papel preponderante na construção de um ser saudável, sem o que a predomi­nância dos instintos o mantém no primarismo, na ge­neralidade das expressões orgânicas sem maior controle do comportamento.

Crescendo ao lado da razão, o sentimento de amor é o grande estimulador para o progresso ético, social e espiritual da criatura, sem cuja presença se manteria nas necessidades primárias sem maior significado psi­cológico.

Inato no relacionamento mãe-filho, como decor­rência de o último ser uma forma de apêndice da primeira, surge no pai através do instinto de prote­ção à sua fragilidade e dependência, que se irá de­senvolvendo mediante a carga de emoção de que se faz acompanhar.

A medida que desabrocha e se desenvolve, desve­la as características individuais — do Espírito que é —, adquirindo e assimilando os conteúdos do meio social em que se encontra e que contribuem para a formação da sua identidade.

Tais fatores — inatos e sociais — estão presentes na hereditariedade — são impressos pelos valores adquiri­dos em outras existências, os quais se encarregam de modelar o ser — e decorrem da convivência do meio em que se está colocado no processo da evolução.

A aquisição ou despertamento do Si, é o grande desafio da existência humana, tornando-se condição de relevância no comportamento do ser e nos enfrentamen­tos que deverá desenvolver.

O ser real, no entanto, está oculto pelo ego, pelos

condicionamentos, pelos impositivos sociais, sob a máscara da personalidade...

Descobri-lo, constitui um valioso desafio de natu­reza interior, impondo-se um mergulho no inconscien­te, de forma a arrancar a realidade que se oculta sob a aparência, o legítimo escondido no projetado.

A conquista de si mesmo proporciona alegria e li­bertação dos sentimentos subalternos, conflitivos. Sem­pre vem acompanhada da individualidade, quando se tem coragem de expressar sentimentos de valor — sem agressões, mas sem temor de desagradar —, quando se assume a consciência do Si e se sabe exatamente o que se deseja, bem assim como consegui-lo.

Ao adquirir-se a identidade, experimenta-se uma irradiação de alegria, de prazer que contagia, sem o expressar em forma ruidosa, esfuziante, tornando-se pleno e feliz diante da vida.

Essa conquista independe do poder, que normal­mente corrompe e deixa o indivíduo vazio quando a sós, nos momentos em que o seu prestígio não tem va­lor para submeter alguém ou para impor a subserviên­cia que agrada ao ego, tombando no desânimo ou na revolta e fazendo-se violento.

Na conquista de si mesmo surge um magnetismo que se exterioriza, produzindo empatia e proporcionan­do sensação de completude, resultado do amadureci­mento psicológico e do controle das emoções que flu­em em harmonia.

A sua presença causa prazer nas demais pessoas, enquanto que o indivíduo não realizado, não identifi­cado, proporciona estranhas sensações de mal-estar, de desagrado. O quanto é agradável estar-se ao lado de alguém jovial, feliz, plenificado, dá-se em oposto quando se convive com alguém pessimista, queixoso, inse­guro.

Cada ser irradia o que é internamente. Mesmo que muito bem apresentado pode produzir mal-estar, ou quando despido de atavios e exterioridades, é suscep­tível de provocar agradáveis sensações.

A busca de si mesmo nada tem a ver com o sucesso exterior, que pode ser adquirido superficialmente sem fazer-se acompanhar do interno, que é mais importan­te, porque define os rumos existenciais, prolongando os objetivos da vida.

Quando se busca o sucesso, o preço a pagar é mui­to alto, particularmente pelo que se tem de asfixiar em sentimentos internos, a fim de alcançar a meta exterior, enquanto que na busca da própria realidade a nada se sacrifica; antes se desenvolve o senso de beleza, de har­monia, de interiorização sem qualquer alienação. Essa viagem interior deve ser consciente, observada, reflexionada, descobrindo-se os conteúdos emocionais e espirituais que estão soterrados no inconsciente profun­do, portanto, adormecidos no Espírito.

Confunde-se muito a conquista de si mesmo, ten­do-se a falsa idéia de que ela surge após conseguir-se o poder, o sucesso, a vitória sobre a massa. Todas essas realizações são exteriores, enquanto a auto-identifica­ção tem a ver com a autolibertação que, no caso, é o desapego das coisas — o que não quer significar que seja o abandono delas, mas o uso sem a dependência, a va­lorização sem a escravidão às mesmas —; às pessoas que, embora amadas, não se tornam codependentes dos ca­prichos impostos; às ambições perturbadoras que sem­pre levam a mais poder, a mais aquisição, a mais inqui­etação.

Valores antes não conhecidos passam a habitar a mente e a preencher as lacunas do sentimento, desen­volvendo aptidões ignoradas e trabalhando emoções não vivenciadas.

Nessa incursão interior, descobre-se quem se é, quais as possibilidades que existem e se encontram àdisposição, como desenvolver os propósitos de cresci­mento íntimo e viver plenamente em harmonia consi­go, bem como em relação com as demais pessoas e com a Natureza.

Ocorre nessa fase um peculiar insight, e essa ilu­minação norteia a conduta, que se assinala pela har­monia e confiança em si mesmo, nas suas atitudes, nas metas agora estabelecidas, trabalhando pelo crescimen­to intelectomoral.

A busca da identidade proporciona a superação da massificação, ao tempo em que faculta o descobrimen­to da realidade espiritual que se é, em detrimento da transitoriedade carnal em que se encontra.

A vitória sobre o medo da doença, do infortúnio, da morte produz auto-segurança para todos os enfren­tamentos e a ampliação do futuro, que agora não mais se apresenta no limite da sepultura, do desconhecido, do aniquilamento, desdobrando metas incomensurá­veis, que se ampliam fascinantes e arrebatadoras sem­pre que esteja vencida a anterior.

A ansiedade cede lugar à harmonia, a hostilidade natural é substituída pela cordialidade, a insegurança abre espaço para a confiança, e o mundo se apresenta não agressivo, não punitivo, não castrador, porqüanto, aquele que é livre interiormente não tem obstáculos pela frente por haver-se vencido, dessa forma, tornando todo combate factível e credor de enfrentamento.

Enquanto a busca do poder é exterior, a insatisfa­ção corrói o ser vitimado pela ambição fragilizadora, principalmente por causa da presença inevitável e do­minadora da morte que espreita e a tudo devora, ame­açando as construções mais vigorosas da transitorie­dade física.

Sem dúvida, a morte é um fantasma presente nas cogitações dos planos de breve ou de longo curso, por­que está sempre no inconsciente humano, mesmo quan­do ausente na realidade objetiva.

A autoconquista da identidade é também vitória da vida imperecível, da realidade que se é, na investi­dura transitória em que se transita.

Cada qual deve buscar-se através de reflexões tran­qüilas e interiorização consciente, perguntando-se quem e, quais os objetivos que se encontram à frente e como alcançá-los, investindo alguns momentos diários a exer­cícios de pacificação e manutenção de pensamentos edifi­cantes sejam quais forem as circunstâncias.

O auto-encontro dá-se, após esse labor, naturalmen­te e plenificador, saudável e rico de harmonia.


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AUTOCONFIANÇA E AUTO-RENOVAÇÃO

O egoísmo é um remanescente cruel do primitivis­mo que predomina em a natureza humana. Responsá­vel por inumeráveis males, comanda os indivíduos, que vilipendia; os grupos, que entorpece moralmente; as sociedades, que submete a seu jugo.

Resultado dos impulsos animais, conduz a pesada carga do interesse imediatista em detrimento dos valo­res que enobrecem, quando partilhados com o grupo social.

Porque propõe o prazer asselvajado, propele o ser humano no rumo das conquistas exteriores em meca­nismos hediondos de perversidade, pouco se preocu­pando com os resultados nefastos que os seus lucros e triunfos oferecem à sociedade.

A meta do egoísta é o gozo pessoal, perturbador, insaciável, porque oculta a insegurança que se realiza através da posse, com o que pensa conquistar relevo e destacar-se no grupo, nunca imaginando a ocorrência terrível da solidão e do desprezo que passa a receber mesmo daqueles que o bajulam e o incensam.

O egoísta é o exemplo típico da autonegação, do descaso que tem pelo Si profundo, vitimando-se pelo alucinar das ansiedades insatisfeitas e pelo tormento de não conseguir ser amado.

A autoconfiança produz uma atitude contrária às posses externas e um trabalho de autoconquista, que pode favorecer a realidade do que se é, sem preocupa­ção com a aparência ou com a relevância social.

Descobrindo-se herdeiro de si mesmo, o indivíduo trabalha-se, a fim de crescer emocionalmente, amadu­recendo conceitos e reflexões, aspirações e programas, a cuja materialização se entrega.

Reconhece as próprias dificuldades e esforça-se para superá-las, evitando a autocompaixão anestesian­te quão deprimente do não entusiasmo, que sempre leva a estados enfermiços.

Identificando os valores que lhe são específicos, torna-se vulnerável à dor, sem se deixar vencer; à alegria, sem esquecer os deveres, e compreende que o pro­cesso da evolução é todo assinalado por vitórias como por derrotas, que passa a considerar como experiênci­as que contribuirão para futuros acertos.

O processo de fuga da realidade é sempre de efê­mera duração, porque os registros no inconsciente do indivíduo propelem-no vigorosamente para a frente, apesar da conjuntura imperiosa de manter os atavis­mos dos quais procede.

Ocorre que o ser humano está destinado à conquista da sua realidade divina, não se podendo impedir essa fatalidade.

Os transtornos de que se vê tomado são conse­qüências das ações vivenciadas, que se vão depurando à medida que novos atos são realizados, ensej ando con­quistas novas e libertadoras.

Nesse trajeto, o despertar da consciência impõe discernimento para que possa compreender quais as propostas relevantes para a saúde mental e emocional, conseqüentemente também a de natureza física, por ser esta o efeito daquelas outras formas. O corpo é sempre o invólucro que se submete aos impositivos do ser psí­quico que se é, experimentando os efeitos das irradia­ções do fulcro vital, que é o Espírito.

Toda e qualquer providência em favor do equi­líbrio há de provir dessa fonte inexaurível de ener­gias, encarregada de manter a estabilidade do con­junto. Quando algo ocorre, a disfunção é central, produzida por este ou aquele fator, que sempre tem a ver com as elucubrações e propósitos cultivados na forja mental.

Aí está o campo a conquistar, onde se encontram os conteúdos definidores da identidade do ser.

Conseguindo-se a disciplina da autopenetração mental, descobre-se a pouco e pouco o mundo de ten­dências, de desconfortos, de frustrações, de ansiedades e de conflitos em que se encontra mergulhado, reali­zando, mediante a auto-renovação, o trabalho de corri­gir o que se apresenta perturbador, aprimorando aqui­lo que pode ser alterado, superando o que seja factível de conseguir-se.

O ser humano é vida em expansão no rumo do in­finito. Espírito imortal, momentaneamente cercado de sombras e envolto em tormentos de insatisfação, pode canalizar todas as energias decorrentes dos instintos básicos para os grandes vôos da inteligência, superan­do os patamares mais primitivos da evolução com os olhos voltados para a realidade transcendente.

Emergindo do caos em cuja turbulência se agita, percebe a perenidade existente em tudo, não obstante as transformações incessantes e toma parte, emociona­do, no conjunto que pulsa e se engrandece diante dos seus olhos.

Esse ser, que parece insignificante e, não poucas vezes, faz-se mesquinho ante a grandeza do Cosmo, agiganta-se e descobre as infinitas possibilidades que lhe estão ao alcance, participando ativamente do con­certo geral, não mais pelos impulsos, senão consciente da grandeza nele existente, que aguarda somente o de­sabrochar.

A autoconfiança leva ao encontro de Deus no mun­do íntimo, à grandiosa finalidade para a qual existe, convidado à superação dos impedimentos transitórios que parecem asfixiá-lo.

Nesse admirável esforço surge o conhecimento de como se é e de como se encontra, descobrindo as próprias deficiências, mas igualmente as incontáveis pos­sibilidades de que desfruta.

O perceber dos limites e conflitos faculta uma me­lhor dimensão da fragilidade pessoal, propiciando to­mar-se de grande estima por si mesmo, sem qualquer inspiração narcisista, assim permitindo-se errar, porém preservando os objetivos de acertar, e toda vez que se compromete, ao invés de tombar no mecanismo auto-punitivo, busca superar o engano e conceder-se nova ocasião para se corrigir.

Não se detendo na autocompaixão perturbadora quão inútil, antes se motiva para crescer e alcançar os patamares psicológicos mais elevados, identificando-se com a Causalidade Única em tudo vibrando.

Esse empreendimento dá-se através da auto-re­novação, quando surge a necessidade de modificar os planos existenciais, face à descoberta do diferente sig­nificado e modo de viver.

Antes eram os anseios festivos e infantis das ale­grias superficiais, imaturas, agora são os saltos na es­cala de valores que se alteram mediante a conscientiza­ção do que se é e de tudo quanto significam em favor de si mesmo e do conjunto universal.

Já não se aspira pela mudança do mundo, pela transformação da sociedade, porque se descobriu que esse cometimento tem início em si mesmo, consideran­do-se uma célula importante do organismo pulsante que está presente em tudo. Constatando que, enquanto houver disfunção na partícula haverá desequilíbrio no conjunto, altera o movimento emocional da aspiração cultivada e se entrega ao ritmo eloqüente da vida em abundância, não mais da particularização dos interes­ses egóicos.

A autoconfiança resulta das conquistas contínuas que demonstram o valor de que se é portador, produ­zindo imensa alegria íntima, que se transforma em saú­de emocional, com a subseqüente superação dos con­flitos remanescentes das experiências passadas.

Esse processo inadiável deve ser iniciado no com­portamento mental através do cultivo de idéias liberta­doras, que fomentam esperança e motivam à luta, apre­sentando as inumeráveis formas de vitória sobre os ins­tintos predominantes, responsáveis pelos mergulhos no abismo da agressividade e da violência.

Da reflexão mental à ação tudo ocorre de maneira mais fácil, porqüanto se instalam automaticamente nos mecanismos psíquicos, daí transferindo-se para os há­bitos morais, as realizações físicas e sociais.

É nesse momento que se desenvolvem o senso de beleza e graça, o anseio pela conquista do imaterial, a aspiração pelo nobre e pelo bom.

As fronteiras existenciais se dilatam e o espírito voa com maior capacidade de conquistas transcendentais, de expressões abstratas que estão acima das formas e dos sentidos.

Inato nas pessoas, esse sentido de graça, de beleza, de transcendência somente é descoberto após a auto-realização, quando são extraídos do âmago e se expan­dem nos sentimentos que se adornam de vida e de luz.

Inexoravelmente o ser humano avança na busca da sua afirmação ante a vida e todos aqueles que o cer­cam.


DÉCIMA-SEGUNDA PARTE


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TRANSTORNOS CONTEMPORÂNEOS

Os impulsos que se derivam dos instintos básicos levam o indivíduo à busca do prazer imediato, a fim de sobreviver aos mecanismos agressivos, àqueles que ar­rastam ao desequilíbrio e à consumpção física e emoci­onal.

Ao mesmo tempo, as necessidades de preservação da existência física, a disputa por um lugar ao Sol, as ambições exageradas, os anseios do sentimento e os desejos perturbadores contribuem para que se instalem tormentos íntimos no ser humano, levando-o a distonias emocionais. Simultaneamente, as pressões exter­nas, os compromissos em tempo exíguo, o tráfego de­sumano, a violência urbana, o medo, contribuem de for­ma preponderante para que o equilíbrio se desnorteie, dando surgimento a disfunções psicofísicas com ten­dências agravantes.

A busca do prazer, no bom sentido, aquele que transcende o imediatismo sexual e o do estômago, ampliando-se à área da beleza e da estesia, da esperança e do bem-estar, emula à luta, ao tempo em que desgasta a emoção, precipitando frustrações, quando a resposta não é imediata, ou ansiedade que combure, torturando de maneira lamentável.

A ilusão propiciada pelo modismo dos equipamen­tos eletrodomésticos e eletrônicos desencadeia a luta para adquiri-los, ao tempo em que a falsa necessidade de conforto exagerado perturba as aspirações normais, desorganizando a programação de paz, em razão da perda do sentido de valores, no qual o secundário se faz preponderante em detrimento da qualidade e da ordem de conteúdos que os devem caracterizar.

A busca de sucesso, isto é, de poder, que proporci­ona destaque social, prestígio político, privilégios, cons­titui-se meta central do comportamento humano, como se a própria existência pudesse reduzir-se à transitori­edade, às variações da bolsa, aos impositivos da econo­mia internacional, às negociações político-partidárias...

Como conseqüência, advêem os tormentos moder­nos, as lutas intérminas pela posse, as preocupações exageradas para amontoar coisas, distanciando-se da auto-realização, da autoplenificação.

Facilmente surge a desestruturação da personali­dade com a instalação de distúrbios compatíveis com a intensidade do estresse.

O êxito não é portador de magia, de fenômenos que alterem o ser interior, desde que o mesmo não se encontre equipado com valores para enfrentá-lo e vivê­-lo.

Eis porque, lograda a meta, uma outra nova se apre­senta em desafio perturbador, conduzindo ao desvario e à alucinação.

Mesmo quando conseguido um estágio, o tédio, que sucede à conquista, se instala, até que outra moti­vação forte levante o ânimo do indivíduo, que se lhe en­trega, vivenciando fases de comportamentos instáveis.

Nesse ínterim, a fuga para o álcool, o tabaco, as drogas, o sexo em desregramento se apresenta como sendo solução, prazer, que não atende às necessidades reais, aquelas que predominam em a natureza humana e têm transcendência, em razão da sua origem, do ser espiritual que é.

Crê-se, indevidamente, que o êxito é o medidor de valores através dos quais se destacam as pessoas. Encontra-se em qualquer tipo de busca, não somente econômica, mas também cultural, científica, social, artística, em qualquer área que seja necessário o desem­penho e a manifestação de valores.

O sucesso tem sentido quando realiza o lutador, esta­belecendo equilíbrio na conduta e produzindo paz interi­or. Em caso contrário, não se trata de uma realização legí­tima, porém, de uma projeção de imagem que se faz afli­ção pelo temer competidores, por fragilizar-se com facilidade, por estar em constantes enfrentamentos.

O significado da luta estabelece-se nas metas liber­tadoras dos sentimentos angustiantes, das paixÕes pri­márias, dos instintos básicos...


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PERDA DO SI

O ser humano é, na sua essência, um animal social, programado para viver em grupo, através do qual mais facilmente pode desenvolver os sentimentos, transformar os instintos primitivos em razão, ascen­dendo emocionalmente até atingir o patamar da in­tuição. Não obstante, a herança ancestral de exclusi­va vinculação com a espécie, mantém-no, em algu­mas faixas da experiência humana, com as reações agressivas em referência aos demais membros da so­ciedade.

Essa conduta atávica perturbadora se desenvolve como individualismo, que o isola da comunidade, em­purrando-o para a vivência de conduta estranha e alie­nada.

Outras vezes, para fugir a esse comportamento, persegue o sucesso com avidez tormentosa, nele colo­cando todas as suas aspirações.

Quando isso ocorre, e não possuindo resistências morais em desenvolvimento nem maturidade psicoló­gica, torna-se massificado pelas conquistas tecnológi­cas, pela mídia insensível, desaparecendo no volume da sociedade, confundido com todos, sem possibilida­des de iniciativa pessoal, de auto-realização, de identi­ficação dos objetivos essenciais da existência humana, ocorrendo-lhe a perda do Si.

As suas são as aspirações e os gostos gerais, por sentir-se esmagado pela propaganda que o aturde, quanto mais ele a consome.

Sem opção, porque desidentificado com o Si, o ego, atormentado e inseguro, sucumbe pela indiferença ao assumir atitudes excêntricas como necessidade de auto­afirmação.

Nessa busca, a sua definição pessoal se faz arro­gante, com peculiaridades que chamam a atenção e pro­vocam comentários. Sua indumentária, conduta, aparência e gestos mascaram a timidez e a importância emocional de que se sente vítima, numa forma de agres­são ao sistema, ao qual não se impôs, e que lhe torna a realização pessoal tormentosa.

A falta de individualidade é compensada pela ex­plosão do ego que aturde.

O indivíduo, nessa situação, tem medo da convi­vência social, e quando forma o seu grupo, é para es­conder-se e chocar a sociedade em geral.

Normalmente, trata-se de alguém enfermo. Além dos conflitos psicológicos que o assaltam, sofre de ou­tros distúrbios fisiológicos, especialmente na área do sexo, na qual somatiza as inquietações, mascarando-se para negar a dificuldade e chamar a atenção pelo exo­tismo em que mergulha.

A sociedade agita-se em torno do sucesso, em ra­zão do ilusório poder que ele proporciona e por decor­rência de raciocínios que não correspondem à realida­de, tais como: a aquisição da paz, a vitória sobre impe­dimentos e a ausência de problemas.

O êxito veste exteriormente o indivíduo, sem o modificar por dentro, nem conceder-lhe plenitude. Trata-se de um objetivo, que se pode também trans­formar em mecanismo de fuga dos conflitos, que se não tem coragem de enfrentar ou que se prefere ig­norar.

Não raro, ao conseguir-se o êxito, depara-se com o vazio interior, a desmotivação, o tédio.

São comuns os biótipos de sucesso que se apresen­tam frustrados, magoados com a vida, sucumbindo em depressão...

Aqueles que lhes invejam o luxo, a família sor­ridente, as extravagâncias, não percebem que tudo isso são exibicionismos que se distanciam da verda­de.

Alguns triunfadores, na realidade, são tímidos quando em convívio particular — astros da mídia e sucessos das finanças —, denunciando receios injusti­ficáveis, e quando descidos do pedestal da fama con­fundem-se na massa, tornando-se insignificantes.

A vida plena exige criatividade, movimentação, in­tegração vibrante e satisfatória na busca do prazer es­sencial.

Todos os esforços que movem aqueles que triunfa­ram sobre si mesmos, através das atividades a que se entregaram — artes, ciências, filosofia, religião —, anela­vam pelo encontro, a conquista do prazer e da plenitu­de.

Mas, não somente eles. Outros também que se não tornaram conhecidos e que não se massificaram, man­tendo os seus ideais e lutando por eles com estoicismo e abnegação, alimentavam o desejo de tornar a existên­cia prazerosa, compensadora, mesmo quando isso os levava ao holocausto, à perda dos haveres, do nome, da situação, preservando com serenidade a ambição de conquistar a imortalidade.

Na perda do Si — efeito da vida moderna — o indi­víduo frustra-se ficando atrás daqueles que brilham, consumindo-lhes o sucesso, ao tempo que os ajuda a vender mais, a desfrutar de mais êxito.

A sua invisibilidade sequer é percebida, mas cons­titui apoio e segurança para aqueles que se destacam.

De outra forma, a ocorrência também contribui para o aumento da criminalidade, para as condutas aberrantes.

A agressividade surge, então, quando o espaço di

minui, seja entre os animais ou entre os homens. Com­primidos, tornam-se violentos.

Impossibilitados de alcançar ou de serem alcança­dos pelas luzes do sucesso, explodem em perversida­des, em condutas criminosas, que os retiram do anoni­mato e os transformam em ídolos para os outros psico­patas que os seguirão, neles tendo os seus mitos.

Por sua vez, os seus líderes são indivíduos reais ou conceptuais que a mídia celebriza pela hediondez dis­farçada de coragem, por que são defensores da Lei e da sociedade, embora os métodos truanescos de que se utilizam ou pela habilidade de burlarem o sistema, de se tornarem justiceiros a seu modo, ou de se imporem pelo suborno, pelo medo, pelo poder que aos outros reduz ao nada.

Uma vida saudável não naufraga na perda do Si por estabelecer os seus próprios ideais, expressos em uma conduta harmônica dentro das diretrizes do soci­almente aceito e caracterizada pela autoconsciência.

O sucesso exterior não prescinde daquele interno, que decorre da perfeita assimilação dos objetivos exis­tenciais e dos interesses pessoais.

Quando se diz que outrem está realizando isso, tal não significa a verdade, mas o que dele se pensa, que ele projeta, ou no que ele crê sob o ponto de vista soci­al, material, artístico, cultural...

A auto-realização é como um processo de autocon­quista e de alo-superação, no qual se harmonizam os sentimentos, a razão e as aspirações.

Enquanto o indivíduo na massa desaparece, aque­le que é feliz se destaca, irradia poder, prazer, alegria. Pode não ter valores materiais que despertem ambições, mas são ricos de saúde moral, de paz, de equilíbrio. Os

seus olhos têm brilho, a sua face movimenta os múscu­los, a sua é a expressão da vida, da conquista interna.

Na massa, a pessoa está amorfa, patibular, morta...

A perda do Si, sem dúvida, é uma das muitas en­fermidades dos tormentos modernos.

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AUSÊNCIA DE ALEGRIA

Afastando a pessoa da sua realidade, retirando-lhe a individualidade, o mergulho no grupo torna-a amar­ga, desinteressada de si mesma, sem objetivo, passan­do a agir conforme a maioria prefere, adquirindo aqui­lo que o consumismo informa ser o mais procurado, e nesse caso, o senso crítico esmaece e o humor se entor­pece, desaparecendo.

Passando a aceitar o que lhe é impingido pela pro­paganda, a sua capacidade de dizer basta desfalece enquanto afogado nas sucessivas e rápidas informações, e tem diminuído o aprofundamento nos conteúdos, re­tirando o prazer de conhecer, sendo conduzido à ilusó­ria sensação de estar a par de tudo o que acontece, as­sim perdendo-se na variedade das notícias.

Graças a esse procedimento aprende a gostar do que lhe é imposto de forma autoritária, tendo as emo­ções robotizadas, porqüanto o seu humor se expressa no riso em esgar ante o grotesco, o vulgar, sem o prazer de expressar a própria emoção de júbilo.

Qual ocorre com a representação televisiva, o riso da platéia — quase sempre selecionada e paga pela produção dos programas — é antinatural, decidido por alguém que sinaliza os momentos hábeis, desinteres­santes, sem sentido.

Na sociedade computadorizada, ser espontâneo é quase um sacrilégio, é uma aberração.

O humor torna-se cada vez mais chulo, agressivo, não traduzindo alegria, satisfação ou a hilaridade que libera enzimas proporcionadoras de saúde e auxiliares da imunização do organismo.

Evita-se sorrir ou tem-se medo de fazê-lo. Acredi­ta-se que não existem razões para a alegria e o senso de humor desaparece a pouco e pouco, substituído pela carantonha e pelo azedume.

A perda do senso de humor equivale ao desap are-cimento do sentido da vida, dos seus objetivos e meios de realização.

A conquista do significado existencial dá-se me­diante a aquisição da capacidade crítica, do discer­nimento ante a verdade, da coragem de ser-se au­têntico, que a vulgaridade destrói em razão das con­veniências e descaracterizações da pessoa como in­divíduo.

Conta-se que Dionísio, de Siracusa, na Sicilia, fora um rei autoritário e cruel, que se apresentava como poeta autoconfiante no valor das suas composições, face aos aplausos exuberantes que lhe concediam os baju­ladores.

Logo terminava um poema, lia-o para os admira­dores que, hipócritas, lhe exaltavam qualidades inexis­tentes.

Supervalorizando-se, e presunçoso, o rei mandou chamar Filoxeno, que era filósofo e poeta de caráter reto, sempre fiel à verdade.

O rei, diante dos fanáticos, leu para o convidado diversos poemas, e depois indagou-lhe a respeito da quali­dade dos mesmos.

Sem titubear, Fioxeno afirmou que os versos eram destituídos de valor, e que não justificavam o rei dedicar-se à sua elaboração, por faltar-lhe inspiração e destreza poética.

Diante dos falsos admiradores, que acompanhavam a audácia do homem crítico e verdadeiro, o rei, irado, mandou encarcerá-lo.

Passado um largo período, e desculpando-lhe a ofen­sa, graças a uma carta dos súditos, o rei mandou libertar o filósofo e trazê-lo à sua presença.

Como houvera composto um recente poema, ao qual atribuía significado literário e artístico, leu-o com emoção diante dele e da corte, e, ao concluí-lo, indagou ao recém-liberto o que achava.

Todos, na sala do trono, louvavam a métrica, o con­teúdo de rara beleza e a forma da composição.

Fioxeno, que permanecera em silêncio durante todo o tempo, acercou-se de dois guardas ali postados, e pe­diu-lhes:

— Voltem a encarcerar-me, porque o poema continua de má qualidade e o seu criador não possui dom poético.

Ante o estupor que tomou a todos, Dionisio, que tam­bém amava a coragem, embora contrariado, libertou o fi­lósofo que partiu em paz.

A livre expressão digna e a coragem de vivenciá-la são decorrências da capacidade de manter-se o senso cri­tico e de ter-se consciência do que se faz e se diz, definin­do o indivíduo livre e consciente.

O filósofo Bertrand Russell e o apóstolo Mohandas Gandhi, dentre muitos outros homens e mulheres admi­ráveis, foram encarcerados mais de uma vez, por expressarem a sua crítica ao sistema arbitrário sob o qual viviam e lutaram para mudá-lo, tornando-se exemplos honrosos para a humanidade.

A consciência do Si possui a nobreza de identificar a vida e a sua proposta, oferecendo alegria sem jaça na ex­periência humana. Apresenta facetas agradáveis e descon­certantes, que são selecionadas e, com bonomia, aceitas e vividas. Enseja a oportunidade de rir-se e de fruir-se o prazer que emula ao prosseguimento da existência.

Essa faculdade expressa o júbilo, o sentido de hu­mor, e permite que o indivíduo saudável ria até de si mes­mo, dos seus equívocos, sabendo dosar o sal que lhe élícito colocar nos acontecimentos cotidianos, para fazê­los apetecíveis.

Assim agindo, liberam-se enzimas que mantêm o equilíbrio psicofísico e bloqueiam-se toxinas prejudiciais que envenenam.

O esforço para se preservar o sentido de humor, a capacidade crítica, a busca do prazer e a própria indivi­dualidade é um desafio que deve ser aceito em favor do crescimento intelectomoral e do desenvolvimento espiri­tual, que constituem as metas da vida, e que o movimen­to ciclópico dos dias hodiemos não tem direito de entor­pecer, facultando a instalação das enfermidades que de­correm da automação, da robotização, liberando o ser para a alegria.


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IMPULSOS DOENTIOS PERVERSOS

O equilíbrio da personalidade resulta do fenôme­no de integração do ego com o corpo sob o comando da mente.

Quando se rompe essa harmonia, face às pressões que a impulsionam, advêem transtornos emocionais que conduzem a comportamentos doentios com impul­sos mórbidos.

O ego age de forma consciente, o que não significa uma conduta correta, enquanto que o corpo reage às situações de forma impulsiva, automaticamente, sen­do duas correntes de forças que se devem unir para dar curso a uma personalidade unitária. Ocorrendo a reação de uma contra outra, surge uma fissura que leva à conduta de autonegação com as suas conseqüências perversas.

A manutenção da harmonia das duas forças depen­de do grau de vitalidade, de energia do indivíduo, que o capacita ou não ao enfrentamento.

Todo o esforço, portanto, deve ser empreendido, a fim de ser mantido o controle da conduta, de forma que as ações voluntárias — do ego — e as inconscientes —do corpo — não se oponham, antes convirjam para o equilíbrio do ser integrado.

A ruptura dessa harmonia, liberando a alta carga de tensão de uma que se volve contra a outra, conduz ao estado esquizofrênico.

Em razão das emoções, o ego não mantém sempre sobre o corpo a mesma quantidade de força, o que fa­culta melhor equilíbrio com ele, em decorrência dessa oscilação que diminui a carga de excitação sobre a per­sonalidade.

Diz-se que o comportamento autodestrutivo, de­corrente dos impulsos doentios, é de origem mental exclusivamente.

Sem que seja descartada essa hipótese, as suas raí­zes porém, estão fincadas em experiências anteriores do Espírito que se é, responsável pela estrutura do cor­po em que se está, elaborando os conflitos e a ruptura da personalidade.

O Espírito que, anteriormente, malbaratou a opor­tunidade de crescimento moral através de ações nefas­tas, enredou-se em forças vibratórias de grave conteú­do destrutivo, renascendo em lar difícil para o ajusta­mento efetivo, em clima de desafios de vária ordem para a aprendizagem comportamental, conduzindo a carga de energia necessária ao equilíbrio da personalidade que lhe cabe administrar.

Os fatores hostis que defronta são a auto-herança que recebe, a fim de bem aplicá-la para conseguir valo­res edificantes.

Na contabilidade desse espólio encontram-se saldos negativos sob a fiscalização atenta daqueles que foram lapidados e aguardam oportunidade para a cobrança.

O despertar da consciência, a pouco e pouco abre espaço para a identificação da culpa, tornando-se ins­trumento de autopunição com tendência maníaca para a autodestruição.

As energias em desacordo — o ego atormentado e o corpo deficiente — entram em choque e produzem a desarmonia da personalidade. Os conflitos assomam àconsciência e os complexos tomam corpo, açoitando os sentimentos com insegurança, medo, isolacionismo, abandono do amor e ausência de si mesmo assim como das demais pessoas.

Os comportamentos de autonegação surgem e abrem campo para os de autopunição levando o ser ao desequilíbrio.

Nem sempre o paciente se homizia na depressão que o afasta do meio social, mas foge também para um estado interior de autodepressão, de desprezo pelo Si, embora a aparência externa permaneça e transmita uma imagem simpática, de estar bem sucedido, de encon­trar-se sorridente e de ser feliz. O tormento íntimo po­rém, devora-o, porque simultaneamente o ego investe contra o corpo que passa a detestar.

Muitas síndromes expressam essa luta, em forma de autodesconsideração e de auto-agressão.

Nesse campo de batalha, a imagem do indivíduo se torna detestável, e é necessário castigar o corpo, mediante dietas rigorosas e autopunitivas, caindo em distúrbios de anorexia ou de bulimia, nunca satisfazen­do-se com os resultados obtidos.

Em casos mais inquietantes, ei-lo que recorre à ci­rurgia plástica para alterar contornos, mudar a aparên­cia, por vicejar a insatisfação interior, refletindo-se na forma externa.

Em algumas ocasiões, o desleixo procura matar essa imagem detestada, e a insegurança íntima conduz à glutoneria, que lentamente deforma, e, subconsciente-mente, mata o corpo.

A perda de identidade decorre da fragmentação da personalidade causando danos profundos à conduta que se extravia dos padrões sociais aceitos, adotando atitudes grotescas, alienando-se, buscando, nas suas fugas, aceitações exóticas em clãs hippies, punks, skin­heads ou equivalentes...

O alcoolismo, o tabagismo, o consumo de drogas, o desvario sexual, ou a autocastração violenta deterio­ram o corpo e a personalidade, enquanto o ego impla­cável se consome nessa luta infeliz.

Nesse capítulo, surgem as interferências obsessi­vas compartilhadas, nas quais as antigas vítimas se acer­cam e hipnoticamente, a princípio, e depois, subjuga­doramente, apossam-se-lhe do controle mental e cor­poral, caindo, mais tarde, na própria armadilha, e pas­sando a experimentar os mórbidos prazeres da vingan­ça, enquanto lhe vivencia também os vícios.

Os impulsos autodestrutivos inerentes ao atormen­tado são estimulados pelas mentes desalinhadas que lhe sofreram prejuízos, e agora lhe aumentam a força desintegradora da existência física.

Outrossim, o fenômeno também ocorre quando pessoas que se sentem prejudicadas descarregam as vibrações mentais deletérias contra aquele que lhes te­ria sido o responsável, impondo-lhe, pelo ódio, pelo ressentimento, pela inveja, altas cargas perniciosas, que são assimiladas em forma de tóxicos violentos e des­trutivos.

A culpa inconsciente proporciona-lhe a sintonia com essas mentes e o sentimento de autopunição cola­bora para que ocorra o desastre destrutivo por elas de­sencadeado e aceito pelo paciente.

O desamor, que decorre do conflito pela falta de harmonia entre o ego e o corpo — ausência de prazer e de emulação para a vida — não permite o direcionamen­to da afetividade a outrem, nem aos meios social e am­biental, produzindo aridez emocional interior, ausên­cia de calor de sentimento, que são incompatíveis com a vida e as suas metas.

O ser humano é estruturado para alcançar os pata­mares sublimes da harmonia, programado para a ple­nitude, o samadhi, o nirvana, o reino dos céus, a per­feição...

A busca do prazer o conduz ao encontro da felici­dade — esse equilíbrio entre o psíquico, o emocional e o físico — quando se poderá libertar das experiências re­encarnatórias.

Para esse cometimento o amor é preponderante, indispensável por produzir estímulos e gerar energias que mais vitalizam, quanto mais são permutados.

Uma existência saudável caracteriza-se pela expan­são do amor em sua volta, irradiando-se do fulcro interno dos próprios sentimentos.

Quando viceja no ser, orienta a personalidade, que se faz dúctil e comanda o equilíbrio do ego com o cor­po, em razão de ser a força dinâmica do Espírito em expansão.

Autodesenvolve-se, porque, ao estímulo da irradi­ação potencializa-se no Psiquismo Cósmico da Divin­dade de que procede, vibrando em todos e em toda parte esparzindo equilíbrio, desde as galáxias às expres­sões microscópicas.

Nas suas manifestações iniciais responde como fon­te geradora de prazer, a fim de alcançar a emoção da paz plenificadora — ausência de dor, de ansiedade, de busca, de qualquer inquietação...

É o amor o antídoto, portanto, das doenças moder­nas, decorrentes da massificação, da robotização, da perda do Si, porque é a alma da Vida, movimentando o Universo e humanizando o princípio inteligente, o Espírito, no processo de conquista da angelitude.


DÉCIMA-TERCEIRA PARTE


59

VITÓRIA DO AMOR

Enquanto vicejarem os sentimentos controvertidos da atual personalidade humana estereotipada nos clichês do imediatismo devorador; enquanto os impulsos sobre­pujarem a razão nos choques dos interesses do gozo in­sensato; enquanto houver a predominância da natureza animal sobre a espiritual; enquanto as buscas humanas se restringirem aos limites estreitos do hoje e do agora, sem compreensão das conseqüências do amanhã e do depois, o ser humano arrastará a canga do sofrimento, es­torcegando-se nas rudes amarras do desespero.

Assim mesmo, nesse ser primário que rugia na Ter­ra em convulsão enquanto olhava sem entender os cí­rios luminíferos que brilhavam no firmamento, o amor despontava. Esse lucilar que o impulsionou à saída da caverna, à conquista das terras pantanosas e das flores­tas, levando-o à construção das urbes, é o influxo divi­no nele existente, propelindo-o sempre para a frente e para o infinito.

Daquele ser grotesco, impulsivo, instintivo, ao ho­mem moderno, tecnológico, paranormal, da atualida­de, separa um grande pego.

Não obstante esse desenvolvimento expressivo, o rugir das paixões ainda o leva à agressão injustificável, tornando-o, não poucas vezes, belicoso e perverso, ou empurra-o para a insensatez dos gozos exacerbados dos sentidos mais grosseiros, nos quais se exaure e mais se perturba, dando curso a patologías físicas e emocionais variadas.

A marcha da evolução é lenta e eivada de escolhos.

Avança-se e recua-se, de forma que as novas con­quistas se sedimentem, criando condicionamentos que transformem os atavismos vigentes em necessidades futuras, substituindo os impulsos automáticos por as­pirações conscientes, para que tenha lugar o florescer da harmonia que passará a predominar em todos os movimentos humanos.

A insatisfação que existe em cada indivíduo é sín­drome do nascimento de novos anseios que o conduzi­rão à plenitude, qual madrugada que vence de forma suave e quase imperceptivelmente a noite em predo­mínio...

Esse amanhecer psicológico é proporcionado pelo amor, que é fonte inexaurível de energias capazes de modificar todas as estruturas comportamentais do ser humano.

Sentimento existente em germe em todos os im­pulsos da vida, adquire sentido e expande-se no cam­po da emotividade humana, quando a razão alcança a dimensão cósmica, tornando-se fulcro de vida que se irradia em todas as direções.

Presente nos instintos, embora de forma automa­tista, exterioriza-se na posse e defesa dos descenden­tes, crescendo no rumo dos interesses básicos, para tor­nar-se indimensional nas aspirações do belo, do nobre, do bem.

Variando de expressão e de dimensão em todos os seres, é sempre o mesmo impulso divino que brota e se agiganta, necessitando do direcionamento que a razão oferece, a fim de superar as barreiras do ego e tornar-se humanista, humanitarista, plenificador, sem particula­rismo, sem paixão, livre como o pensamento e podero­so quanto à força da própria vida.


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AMORTERAPIA

Na causalidade atual dos distúrbios psicológicos, como naquelas anteriores, sempre se encontrará o amor-ausente como responsável.

Animalizado pelos instintos em predomínio, fez-se responsável pelos comprometimentos morais e psi­cológicos, que engendraram os distúrbios complexos desencadeadores das personalidades psicopáticas, ora exigindo-lhes alteração de conduta interior, a fim de experimentarem equilíbrio, sem os transtornos afligen­tes.

A conquista do amor é resultado de processos emo­cionais amadurecidos, vivenciados pela conquista do Si.

Inicialmente, dá-se a paulatina conscientização da própria humanidade em latência, quando lampejam os sentimentos de solidariedade, de interdependência no grupo social, de afetividade desinteressada, de partici­pação no processo de crescimento da sociedade.

Cada conquista que vai sendo adquirida enseja maior perspectiva de possível desenvolvimento, en­quanto as necessidades da evolução desenham mais amplos espaços de movimentação emocional.

O problema do espaço físico, que contribui para a agressividade animal, à medida que se faz reduzido para a população que o habita, passa a ser enfocado de maneira diversa, em razão de o sentimento de amor demonstrar que a pessoa ao lado ou distante não é mais a competidora, aquela adversária da sua liberdade, mas se trata de participante das mesmas alegrias e oportu­nidades que se apresentam favoráveis a todos os seres.

O pensamento, irradiando essa onda de simpatia afetuosa, estimula os neurônios à produção de enzimas saudáveis que respondem pela harmonia do sistema nervoso simpático e estímulo das glândulas de secre­ção endócrina, superando as toxinas de qualquer natu­reza, responsáveis pelos processos degenerativos e pela deficiência imunológica, que faculta a instalação das doenças.

Por outro lado, face ao enriquecimento emocional que o amor proporciona, a alegria de viver estimula a multiplicação de imunoglobulinas que preservam o or­ganismo físico de várias infecções tornando-se respon­sáveis por um estado saudável.

Ao mesmo tempo, a irradiação psíquica produzi­da pelo amor direciona vibrações específicas em favor das pessoas enfocadas que, permitindo-se sintonizar com essa faixa, beneficiam-se das suas ondas carrega­das de vitalidade salutar.

O Universo é estruturado em energia que se ex pande em forma de raios, ondas, vibrações... O ser hu­mano, por sua vez, é um dínamo produtor de força que vem descobrindo e administrando tudo quanto o cer­ca.

À medida que penetra a sonda do conhecimento no que jazia ignorado, descobre a harmonia em tudo presente, identificando um fator comum, causal, pre­dominando em a Natureza, que pode ser decodificado como sendo o hálito do Amor, do qual surgiram os ele­mentos constitutivos do Cosmo.

A identificação dessa força poderosa, que é o amor, faculta a sua utilização de maneira consciente em favor de si mesmo como de todas as formas vivas.

As plantas absorvem as emanações do amor ou sentem-lhe a ausência, ou sofrem o efeito dos raios de­sintegradores do ódio, que é o amor enlouquecido e destruidor. Os animais enternecem-se, domesticam-se, quando submetidos ao dinamismo do amor que educa e cria hábitos, vitalizando-se com a ternura ou depere­cendo com a sua falta, ou extinguindo-se com as atitu­des que se lhe opõem.

O ser humano, mais sensível, porque portador de mais amplas possibilidades nervosas de captação — pode-se afirmar com segurança —, vive em função do amor ou desorganiza-se em razão da sua carência.

Amorterapia, portanto, é o processo mediante o qual se pode contribuir conscientemente em favor de uma sociedade mais saudável, logo, mais justa e nobre.

Essa terapia decorre do auto-amor, quando o ser se enriquece de estima por si mesmo, descobrindo o seu lugar de importância sob o sol da vida e, esplen­dente de alegria reparte com as demais pessoas o senti mento que o assinala, ampliando-o de maneira vigoro­sa em benefício das demais criaturas.

Enquanto as irradiações do ódio, da suspeita, do ciúme, da inveja e da sensualidade são portadoras de elementos nocivos, com alto teor de energias destruti­vas, o amor emite ondas de paz, de segurança, susten­tando o ânimo alquebrado pela confiança que transmi­te, de bondade pelo exteriorizar do afeto, de paz em razão do bem-estar que proporciona, de saúde como efeito da fonte de onde se origina.

Ao descobrir-se a potência da energia do amor, faz-se possível canalizá-la terapeuticamente a benefício próprio como do próximo.

Desaparecem, então, a competição doentia e per­versa, o domínio arbitrário e devorador do egoísmo, surgindo diferente conduta entre os indivíduos, que se descobrirão portadores de inestimáveis recursos de paz e de saúde, promotores do progresso e realizado­res da felicidade na Terra.


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AMOR-PERDÃO

Quando vige o amor nos sentimentos, não há lu­gar para o ressentimento. Não obstante, face à estrutu­ra psicológica do ser humano, a afetividade espontâ­nea sempre irrompe intentando crescimento, de modo a administrar as paisagens que constituem os objetivos existenciais. Não conseguindo atingir as metas, porque se depara com a agressividade inerente ao processo de desenvolvimento intelectomoral que ainda não se pôde instalar, sente-se combatida e impelida ao recuo. Tal ocorrência, nos indivíduos menos equipados de valo­res éticos, gera mal-estar e choques comportamentais que se podem transformar em transtornos aflitivos.

Quando isso sucede, o ser maltratado refugia-se na mágoa, ancorando-se no desejo de desforço ou de vin­gança.

A injustiça de qualquer natureza é sempre -uma agressão à ordem natural que deve viger em toda a parte, especialmente no homem que, por instinto, de­fende-se antes de ser agredido, arma-se temendo ser assaltado, fica à espreita em atitude defensiva...

Tudo quanto lhe constitui ameaça real ou imaginá­ria torna-se-lhe temerário e, por mecanismo de defesa, experimenta as reações fisiológicas específicas que de­correm das expectativas psicológicas.

A raiva, sob esse aspecto, é uma reação que resulta da descarga de adrenalina na corrente sangüínea, quan­do se está sob tensão, medo, ansiedade ou conflito de­fensivo.

O medo que, às vezes, a inspira, impulsiona àagressão, em cujo momento assume o comando das atitudes, assenhoreando-se da mente e da emoção.

A criatura humana, portanto, convive com esses estados emocionais que se alternam de acordo com as ocorrências, e que se podem transformar em transtor­nos desesperadores tais o ódio, o pânico, a mágoa en­fermiça.

A mágoa ou ressentimento, segundo os estudos da Dra. Robin Kasarjian, instala-se nos sentimentos em razão do Self encontrar-se envolto por sub-personali­dades, que são as qualidades morais inferiores, aque­las herdadas das experiências primárias do processo evolutivo, tais a inveja, o ciúme, a malquerença, a per­versidade, a insatisfação, o medo, a raiva, a ira, o ódio, etc.

Quando alguém emite uma onda inferior — sub-personalidade — a mesma sincroniza com uma faixa equivalente que se encontra naquele contra quem é di­recionada a vibração, estabelecendo-se um contato in­feliz, que provoca idêntica reação.

A partir daí estabelece-se a luta com enfrentamen­tos contínuos, que resultam em danos para ambos os litigantes, que passam a experimentar debilidade nas suas resistências da saúde física, emocional, psíquica, econômica, social... Naturalmente, porque a alteração do comportamento se reflete na sua existência huma­na.

Sentindo-se vilipendiado, ofendido, injustiçado, o outro, que se supõe vítima, acumula o morbo do res­sentimento e cultiva-o, como recurso justo para descar­regar o sofrimento que lhe está sendo imposto.

Essa atitude pode ser comparada à condução de “uma brasa para ser atirada no adversário que, apesar disso, enquanto não é lançada queima a mão daquele que a carrega”.

O ressentimento, por isso mesmo, é desequilíbrio da emoção, que passa a atitude infeliz, profundamente infantil, qual a de querer vingar-se, embora sofrendo os danos demorados que mantém esse estado até quan­do surja a oportunidade.

O amor, porém, proporciona a transformação das subpersonalidades em superpersonalidades, o que im­pede a sintonia com os petardos inferiores que lhes se­jam disparados.

Em nossa forma de examinar a questão do ressen timento e da estrutura psicológica em torno do Self, acreditamos que, em se traçando uma horizontal, e par­tindo-se do fulcro em torno de um semicírculo para baixo, teríamos as subpersonalidades, e, naquele que está acima da linha reta, defrontamos as superpersona­lidades, mesmo que, nas pessoas violentas e mais ins­tintivas, em forma embrionária.

Toda vez que é gerada uma situação de antagonis­mo entre os indivíduos, as subpersonalidades se enfren­tam, distendendo ondas de violência que encontram guarida no campo equivalente da pessoa objetivada.

Não houvesse esse registro negativo e a agressão se perderia, por faltar sintonia vibratória que facultas­se a captação psíquica.

O ressentimento, portanto, é efeito também da onda perturbadora que se fixa nos painéis da emotividade, ampliando o campo da subpersonalidade semelhante que se transforma em gerador de toxinas que termi­nam por perturbar e enfermar quem o acolhe.

Sob o direcionamento do amor, a subpersonalida­de tende a adquirir valores que a irão transformar em sentimentos elevados — superpersonalidades — anulan­do, lentamente, a sombra, o lado mau do indivíduo, criando campo para o perdão.

É provável que, na primeira fase, o perdão não seja exatamente o olvidar da ofensa, apagando da memória a ocorrência desagradável e malfazeja. Isso virá com o tempo, na medida que novas conquistas éticas forem sendo armazenadas no inconsciente, sobrepondo-se às mazelas dominantes, por fim, anulando-lhes as vibra­ções deletérias que são disparadas contra o adversário, ao tempo em que desintegram as resistências daquele que as emite.

Não revidar o mal pelo mal é forma de amar, concedendo o direito de ser enfermo àquele que se transforma em agressor, que se compraz em afligir e perturbar.

Nessa condição — estágio primário do processo de desenvolvimento do pensamento e da emoção — é na­tural que o outro pense e aja de maneira equivocada.

O amor-perdão é um ato de gentileza que a pessoa se dispensa, não se permitindo entorpecer pelos vapo­res angustiantes do desequilíbrio ou desarticular-se emocionalmente sob a ação dos tóxicos do ódio ressen­tido.

O homem maduro psicologicamente é saudável, por isso, ama-se e perdoa-se quando se surpreende em erro, pois que percebe não ser especial ou alguém irre­torquível.

Compreendendo que o trabalho de elevação se dá mediante as experiências de erros e de acertos, proporcio­na-se tolerância, nunca porém sendo complacente com esses equívocos, a ponto de os não querer corrigir.

É atitude de sabedoria perdoar-se e perdoar, porqüanto a conquista dos valores éticos é conseqüência natural do equilíbrio emocional, patamar de seguran­ça para a aquisição da plenitude.

O amor é força irradiante que vence as distonias da violência vigente no primarismo humano, gerador das subpersonalidades.

Surge como expressão de simpatia que toma corpo na emoção, distendendo ondas de felicidade que en­volvem o ser psicológico e se torna força dominadora a conduzir os objetivos essenciais à vida digna.

Fonte proporcionadora do perdão, confunde-se com esse, porque as fronteiras aparentes não existem em realidade, desde que um somente tem vigência quando o outro se pode expressar.

Amor é saúde que se expande, tornando-se vitali­dade que sustenta os ideais, fomenta o progresso e de­senvolve os valores elevados que devem caracterizar a criatura humana.

Insito em todos os seres, é a luz da alma, momen­taneamente em sombra, aguardando oportunidade de esplender e expandir-se.

O amor completa o ser, auxiliando-o na auto-supe­ração de problemas que perdem o significado ante a sua grandeza.

Enquanto viger nos sentimentos, não haverá lugar para os resíduos enfermiços das sub-personalidades, que se transformarão em claridade psicológica, avan­çando para os níveis superiores do sentimento, quan­do a auto-realização conseguirá perdoar a tudo e a to­dos, forma única de viver em plenitude.


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AMOR QUE LIBERTA

A vigência do amor no ser humano constitui a mais alta conquista do desenvolvimento psicológico e também ético, porqüanto esse estágio que surge como experiência do sentimento concretiza-se em emoções profundamente libertadoras, que facultam a compre­ensão dos objetivos essenciais da existência humana, como capítulo valioso da vida.

O amor suaviza a ardência das paixões canalizan­do-as corretamente para as finalidades a que se pro põem, sem as aflições devastadoras de que se reves­tem.

No emaranhado dos conflitos que às vezes o assal­tam, mantém-se em equilíbrio norteando o comporta­mento para as decisões corretas.

Por isso é sensato e sereno, resultado de inumerá­veis conquistas no processo do desenvolvimento inte­lectual.

Enquanto a razão é fria, lógica e calculada, o amor é vibrante, sábio e harmônico.

No período dos impulsos, quando se apresenta sob as constrições dos instintos, é ardente, apaixonado, cer­cado de caprichos, que o amadurecimento psicológico vai equilibrando através do mecanismo das experiên­cias sucessivas.

Orientado pela razão faz-se dúlcido e confiante, não extrapolando os limites naturais, a fim de se não tornar algema ou converter-se em expressão egoísta.

Não obstante se encontre presente em outras emo­ções, mesmo que em fase embrionária, tende a desen­volver-se e abarcar as sub-personalidades que manif es­tam os estágios do primitivismo, impulsionando-as para a ascensão, trabalhando-as para que alcancem o estágio superior.

É o amor que ilumina a face escura da personali­dade, conduzindo-a ao conhecimento dos defeitos e auxiliando-a na realização inicial da auto-estima, pas­so importante para vôos mais audaciosos e necessários.

A sua presença no indivíduo confere-lhe beleza e alegria, proporciona-lhe graça e musicalidade, produ­zindo irradiação de bem-estar que se exterioriza, tor­nando-se vida, mesmo quando as circunstâncias se apre sentam assinaladas por dificuldades, problemas e do­res, às vezes, excruciantes.

Vincula os seres de maneira incomum, possuindo a força dinâmica que restaura as energias quando com­balidas e conduz aos gestos de sacrifício e abnegação mais grandiosos possíveis.

O compromisso que produz naqueles que se unem possui um vínculo metafísico que nada interrompe, tor­nando-se, dessa forma, espiritual, saturado de esperan­ças e de paz.

O amor, quando legítimo, liberta, qual ocorre com o conhecimento da verdade, isto é, dos valores perma­nentes, os que são de significado profundo, que supe­ram a superficialidade e resistem aos tempos, às cir­cunstâncias e aos modismos.

Funciona como elemento catalisador para os altos propósitos existenciais.

A sua ausência abre espaço para tormentos e ansi­edades que produzem transtornos no comportamento, levando a estados depressivos ou de violência, porqüanto, nessa circunstância, desaparecem as motivações para que a vida funcione em termos de alegria e de fe­licidade.

Quando o amor se instala nos sentimentos, as pes­soas podem encontrar-se separadas; ele, porém, perma­nece imperturbável. A distância física perde o sentido geográfico e o espaço desaparece, porque ele tem o poder de preenchê-lo e colocar os amantes sempre pró­ximos, pelas lembranças de tudo quanto significa a arte e a ciência de amar. Uma palavra evocada, um aroma sentido, uma melodia ouvida, qualquer detalhe desen­cadeia toda uma série de lembranças que o trazem ao tempo presente, ao momento sempre feliz.

O amor não tem passado, não se inquieta pelo fu­turo. E sempre hoje e agora.

O amor inspira e eleva dando colorido às paisa­gens mais cinzentas, tornando-se estrelas luminosas das noites da emoção.

Não necessita ser correspondido, embora o seu ca­lor se intensifique com o combustível da reciprocida­de.

Não há quem resista à força dinâmica do amor.

Muitas vezes não se lhe percebe a delicada presen­ça. No entanto, a pouco e pouco impregna aquele a quem se direciona, diminuindo-lhe algumas das desa­gradáveis posturas e modificando-lhe as reações con­flitivas.

Na raiz de muitos distúrbios do comportamento pode ser apontada a ausência do amor que se não rece­beu, produzindo uma terra psicológica árida, que abriu espaço para o surgimento das ervas daninhas, que são os conflitos.

O amor não se instala de um para outro momento, tendo um curso a percorrer.

Apresenta os seus pródromos na amizade que des­perta interesse por outrem e se expande na ternura, em forma de gentileza para consigo mesmo e para com aquele a quem se direciona.

É tão importante que, ausente, descaracteriza o sen­tido de beleza e de vida que existe em tudo.

A sua vigência é duradoura, nunca se cansando ou se amargurando, vibrando com vigor nos mecanismos emocionais da criatura humana.

Quando não se apresenta com essas características de libertação, é que ainda não alcançou o nível que o legitima, estando a caminho, ufilizando-se, por enquanto, do prazer do sexo, da companhia agradável, do in­teresse pessoal egoístico, dos desejos expressos na con­duta sensual: alimento, dinheiro, libido, vaidade, res­sentimento, pois que se encontra na fase alucinada do surgimento...

O amor é luz permanente no cérebro e paz contí­nua no coração.

63

AMOR DE PLENITUDE

Em qualquer circunstância a terapia mais efici­ente é amar.

O amor possui um admirável condão que pro­porciona felicidade, porque estimula os demais sen­timentos para a conquista do Self, fazendo desabro­char os tesouros da saúde e da alegria de viver, conduzindo aos páramos da plenitude.

Ao estímulo do pensamento e conduzido pelo sentimento que se engrandece, o amor desencadeia reações físicas, descargas de adrenalina, que propor­cionam o bem-estar e o desejo de viver na sua esfera de ação.

Inato no ser humano, porque procedente do Ex­celso Amor, pode ser considerado como razão da vida, na qual se desenvolvem as aptidões elevadas do Espírito, assinalado para a vitória sobre as pai­xões.

Mesmo quando irrompe asselvajado, como im­pulso na busca do prazer, expressa-se como forma de ascensão, mediante a qual abandona as baixadas do bruto, que nele jaz para fazer desabrochar o anjo para cuja conquista marcha.

A sua essência sutil comanda o pensamento dos heróis, a conduta dos santos, a beleza dos artistas, a inspiração dos gênios e dos sábios, a dedicação dos mártires, colocando beleza e cor nas paisagens mais ermas e sombrias que, por acaso, existam.

Pode ver um poema de esperança onde jaz a morte e a decomposição, já que ensina a lei das trans­formações de todas as coisas e ocorrências, abrindo espaço para que seja alcançada a meta estatuída nas Leis da Criação, que é a harmonia.

Mesmo no aparente caos, que a capacidade hu­mana não consegue entender, encontra-se o Amor trabalhando as substâncias que o constituem, direci­onando o labor no rumo da perfeição.

O homem sofre e se permite transtornos psicológi­cos porque ainda não se resolveu, realmente, pelo amor, que dá, que sorri de felicidade quando o ser amado éfeliz, liberando-se do ego a pouco e pouco, enquanto desenvolve o sentido de solidariedade que deve viver em tudo e em todos, contribuindo com a sua quota de esforço para a conquista da sua realidade.

Liberando-se dos instintos básicos, ainda em predomínio, o ser avança, degrau a degrau, na esca­da do progresso e enriquece-se de estímulos que o levam a amar sem cessar, porqüanto todas as aspira­ções se resumem no ato de ser quem ama.

A síntese proposta por Jesus em torno do amor, é das mais belas psicoterapias que se conhece: Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, em uma trilogia harmônica.

Ante a impossibilidade de o homem amar a Deus em plenitude, já que tem dificuldade em conceber o Absoluto, realiza o mister, invertendo a ordem do ensinamento, amando-se de início, a fim de desen­volver as aptidões que lhe dormem em latência, esforçando-se por adquirir valores iluminativos a cada momento, crescendo na direção do amor ao próximo, decorrência natural do auto-amor, já que o outro é extensão dele mesmo, para, finalmente amar a Deus, em uma transcendência incomparável, na qual o amor predomina em todas as emoções e é o responsável por todos os atos.

Diante, portanto, de qualquer situação, é neces­sário amar.

Desamado, se deve amar.

Perseguido, é preciso amar.

Odiado, torna-se indispensável amar.

Algemado a qualquer paixão dissolvente, a li­bertação vem através do amor.

Quando se ama, se é livre.

Quando se ama, se é saudável.

Quando se ama, se desperta para a plenitude.

Quando se ama, se rompem as couraças e os anéis que envolvem o corpo, e o Espírito se movi­menta produzindo vida e renovação interior.

O amor é luz na escuridão dos sentimentos tu­multuados, apontando o rumo.

O amor é bênção que luariza as dores morais.

O amor proporciona paz.

O amor é estímulo permanente.

Somente, portanto, através do amor, é que o ser humano alcança as cumeadas da evolução, transfor­mando as aspirações em realidades que movimenta na direção do bem geral.

O amor de plenitude é, portanto. o momento culminante do ato de amar.

Desse modo, através do amor, imbatível amor, o ser se espiritualiza e avança na direção do infinito, plenamente realizado, totalmente saudável, portan­to, feliz.

Fim