Índice do Blog – Parte 1 – Parte 2
i i Os Quatro Evangelhos
Livro 4 ii ii
Conteúdo
Prefácio.................................................................................................................68
CAPÍTULO I Vv. 1-18............................................................................................77
CAPÍTULO I Vv. 19-28........................................................................................147
Testemunho que de si e de Jesus dá João respondendo aos sacerdotes e aos levitas que, a mandado dos Judeus, o foram interrogar......................................................147
CAPÍTULO I Vv. 29-34........................................................................................149
Outro testemunho de João. — Jesus Cordeiro de Deus...............149
CAPÍTULO I Vv. 35-42........................................................................................151
Dois discípulos de João acompanham a Jesus. André lhe traz Pedro................................................................................151
CAPÍTULO I Vv. 43-51........................................................................................152
Filipe e Natanael.............................................................................152
CAPÍTULO II Vv. 1-11.........................................................................................154
Bodas de Caná. — Fato considerado milagroso...........................154
CAPÍTULO II Vv. 12-25.......................................................................................160
Vendedores expulsos do templo. — Jesus restabelecerá em três dias a vida no seu corpo, se os Judeus lha tirarem, conforme ao entender dos homens. — Conhecimento que ele por si mesmo tinha de tudo o que havia no homem...............................................................160
CAPÍTULO III Vv. 1-21........................................................................................163
A lei de renascimento. — A reencarnação. Perguntas de Nicodemos a Jesus. Respostas de Jesus..............................163
CAPÍTULO III Vv. 22-36......................................................................................202
João dá testemunho de Jesus.......................................................202
CAPÍTULO IV Vv. 1-26.......................................................................................210
Colóquio de Jesus com a Samaritana. — Água viva que Jesus dá de beber e que se torna, naquele que a bebe, uma fonte que jorra até à vida eterna. — Não mais adorar o pai nem no monte, nem em Jerusalém. — Adoração do pai. — Os verdadeiros adoradores que o pai quer. — Os adoradores do pai em espírito e em verdade. — Jesus declara à Samaritana ser o Messias, isto é, o Cristo. — Sentido, alcance e objetivo destas palavras de Jesus: Deus é Espírito. — Explicação que a iii iii
revelação atual dá de Deus....................................................210
CAPÍTULO IV Vv. 27-42.....................................................................................232
Narrativa da Samaritana. — Os Samaritanos vêm ter com Jesus. — Acreditam nele. — Reconhecem-no como sendo o Salvador do mundo. — Palavras de Jesus a seus discípulos........................................................................232
CAPÍTULO IV Vv. 43-54.....................................................................................237
Cura do filho de um oficial em Cafarnaum.....................................237
CAPÍTULO V Vv. 1-16........................................................................................239
Piscina de Betesda. — Cura de um paralítico................................239
CAPÍTULO V Vv. 17-30......................................................................................242
Ação incessante do pai. — Ação também incessante de Jesus. — Palavras deste aos Judeus que o acusam de se fazer igual a Deus, porque lhe chama seu pai. — Por essas palavras Jesus afirma, sob o véu da letra, sua inferioridade relativamente a Deus e se declara mero instrumento e ministro das vontades do pai. — Sua posição e seus poderes como Messias. — Quais os frutos que sua missão há de produzir.................242
CAPÍTULO V Vv. 31-38......................................................................................258
Jesus tem um testemunho maior do que o de João. Dele deu testemunho o pai, que o enviou. Suas obras é que dão testemunho dele........................................................258
CAPÍTULO V Vv. 39-47......................................................................................262
As Escrituras dão testemunho de Jesus. — Aquele que crê em Moisés crê em Jesus..................................................262
CAPÍTULO VI Vv. 1-15.......................................................................................273
Multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes. Jesus, sabendo que dele querem apoderar-se a fim de o fazerem rei, se retira para o monte, sozinho..........................273
CAPÍTULO VI Vv. 16-24.....................................................................................275
Jesus caminha sobre o mar...........................................................275
CAPÍTULO VI Vv. 25-40.....................................................................................276
A moral que Jesus personifica é a fonte de todo progresso e a senda que leva à perfeição. Ela conduz à libertação das encarnações materiais.....................276
CAPÍTULO VI Vv. 41-51.....................................................................................282
Murmurações dos Judeus contra o que Jesus acabava de dizer. — Palavras veladas de Jesus. — Nenhum iv iv
homem jamais viu a Deus, exceto aquele que nasceu de Deus. — Ninguém pode vir a Jesus, se não for atraído pelo pai que o enviou. — O que nele crê tem a vida eterna. — Ele é o pão que desceu do céu. — Ele é o pão vivo que desceu cio céu..........................282
CAPÍTULO VI Vv. 52-59.....................................................................................287
A moral que Jesus personifica é figuradamente o pão vivo, sua carne e seu sangue. — Aquele que a pratica tem a vida eterna, isto é, chega à perfeição...............287
CAPÍTULO Vl Vv. 60-72......................................................................................290
Murmurações e deserção de alguns dos discípulos de Jesus, motivadas pelo que ele acabava de dizer. — Palavras de Jesus a Pedro. — Resposta de Pedro. — Palavras de Jesus referentes a Judas lscariotes...............290
CAPÍTULO VII Vv. 1-9........................................................................................295
Incredulidade dos parentes de Jesus. — Seu tempo ainda não chegara...................................................................295
CAPÍTULO VII Vv. 10-53....................................................................................297
Jesus vai secretamente à festa dos Tabernáculos. Lá ensina publicamente. — Palavras suas e dos Judeus acerca da sua origem e da sua missão. — Ninguém lhe põe a mão, porque ainda não chegara a sua hora. — Tentativa infrutífera dos príncipes dos sacerdotes para conseguirem fosse Jesus preso pelos archeiros que eles mandaram ao templo para esse fim. — Palavras dos Fariseus aos archeiros. — Nicodemos toma a defesa de Jesus.......................................297
CAPÍTULO VIII Vv. 1-11.....................................................................................307
A mulher adúltera...........................................................................307
CAPÍTULO VIII Vv. 12-24...................................................................................309
Prédica de Jesus aos Judeus. — Palavras que só pela nova revelação haviam de ser compreendidas segundo o espírito, em espírito e verdade..............................309
CAPÍTULO VIII Vv. 25-45...................................................................................314
Continuação da prédica de Jesus aos Judeus...............................314
CAPÍTULO VIII Vv. 46-59...................................................................................324
Continuação e fim da prédica de Jesus aos Judeus......................324
CAPÍTULO IX Vv. 1-12.......................................................................................328
Cego de nascença. — Sua cura operada por Jesus.....................328v v
CAPÍTULO IX Vv. 13-34.....................................................................................332
O cego é levado à presença dos fariseus. — Interrogatório a que o submetem e a que também respondem seu pai e sua mãe. — Sua expulsão depois de injuriado..................................................................332
CAPÍTULO IX Vv. 35-41.....................................................................................334
O cego que fora curado, sendo encontrado por Jesus, crê nele. — Palavras que Jesus lhe dirige. — Palavras dos fariseus a Jesus. — Resposta de Jesus..........................334
CAPÍTULO X Vv. 1-10........................................................................................338
Parábola da porta do aprisco das ovelhas. — Jesus é a porta........................................................................................338
CAPÍTULO X Vv. 11-21......................................................................................343
Jesus é o bom pastor. — São suas ovelhas todos os que praticam a sua moral pura. — Sua missão consiste em levar todos os homens a praticá-la, a fim de que não haja mais do que um rebanho e um só pastor. — Ele tem o poder de deixar a vida e de a retomar; ninguém lha tira, nem lha pode tirar........................................343
CAPÍTULO X Vv. 22-42......................................................................................350
Jesus, acusado de querer passar por ser Deus, protesta, sob o véu da letra, e, também sob o véu da letra, lembrando aos Judeus o Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, se proclama filho de Deus, deus como eles, tendo tido, como essência espiritual, a mesma origem que todos. — Proclama ao mesmo tempo, mas ainda veladamente, sua autoridade, sua missão terrena e sua missão espiritual...............................................................350
CAPÍTULO XI Vv. 1-45.......................................................................................358
Lázaro "morto", segundo as vistas humanas e, no entender dos homens, "ressuscitado".....................................358
CAPÍTULO XI Vv. 46-57.....................................................................................383
Informados do que acabava de passar-se com relação a Lázaro, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reúnem em conselho, com o fim de descobrirem maneira de dar morte a Jesus. — Palavras de Califás.....................................................................................383
CAPÍTULO XII Vv. 1-11......................................................................................385
Maria perfuma os pés de Jesus. — Murmuração de Judas. — Os Judeus deliberam dar morte a Lázaro..............385vi vi
CAPÍTULO XII Vv. 12-19....................................................................................387
Entrada de Jesus em Jerusalém....................................................387
CAPÍTULO XII Vv. 20-26....................................................................................388
Alguns Gentios querem ver a Jesus. — Palavras suas nessa ocasião.........................................................................388
CAPÍTULO XII Vv. 27-36....................................................................................399
Continuação das palavras de Jesus..............................................399
CAPÍTULO XII Vv. 37-43....................................................................................403
Incredulidade dos Judeus. — Fé que alguns tinham, mas que o respeito humano, o temor de serem expulsos da sinagoga abafavam. — Esses preferiam a glória dos homens à glória de Deus.................................................403
CAPÍTULO XII Vv. 44-50....................................................................................405
A moral que Jesus pregou não é sua, mas de Deus. — Jesus, que é a luz, veio para salvar o mundo. — O homem se julga a si mesmo, e sua consciência é quem pronuncia a sentença....................................................405
CAPÍTULO XIII Vv. 1-17.....................................................................................407
Jesus lava os pés a seus apóstolos. — Palavras que lhes dirige........................................................................................407
CAPÍTULO XIII Vv. 18-30...................................................................................414
Jesus prediz a traição de Judas.....................................................414
CAPÍTULO XIII Vv. 31-38...................................................................................417
Jesus alude ao sacrifício que se vai consumar no Gólgota. — Os discípulos do Cristo devem amar-se uns aos outros. — Por esse sinal é que serão reconhecidos. — Predição da negação de Pedro..................417
CAPÍTULO XIV Vv. 1-12.....................................................................................420
Muitas moradas na casa do pai. — Jesus vai preparar o lugar para seus discípulos. Quando voltar, os atrairá a si, a fim de que estejam onde ele estiver. — Ele é o caminho, a verdade, a vida. — Ninguém vai ao pai senão por ele. — Suas relações com o pai. — Aquele que nele crê fará as obras que ele faz e fará outras ainda maiores...............................................................420
CAPÍTULO XIV Vv. 13-24...................................................................................431
Jesus promete a seus discípulos que lhes será concedido o que pedirem ao pai, a fim de que o pai seja glorificado no filho. — Promete conceder-lhes o que vii vii
eles lhe pedirem em seu nome. — Prescreve- -lhes que guardem seus mandamentos. — Promete-lhes o Consolador, que é o Espírito Santo, o Espírito da Verdade. — Declara que todos os que guardarem seus mandamentos, sua palavra, tê-lo-ão e ao pai consigo....................................................................................431
CAPÍTULO XIV Vv. 25-31...................................................................................437
O Consolador, que é o Espírito Santo, ensina todas as coisas. — Jesus dá sua paz a seus discípulos. — Seu pai é maior do que ele.....................................................437
CAPÍTULO XV Vv. 1-11......................................................................................441
Parábola da videira e das varas.....................................................441
CAPÍTULO XV Vv. 12-17....................................................................................445
Amarem-se uns aos outros. — Os servos, os amigos de Jesus. — Sua missão.............................................................445
CAPÍTULO XV Vv. 18-27....................................................................................449
Jesus prediz a seus discípulos o ódio e as perseguições que lhes acarretará o desempenho da mis- são de que se acham incumbidos. Prediz-lhes o futuro advento do Espírito da Verdade e sua vinda para eles..........................................................................................449
CAPÍTULO XVI Vv. 1-15.....................................................................................459
Continuação das predições de Jesus quanto às perseguições de que serão vítimas seus discípulos e quanto ao futuro advento do Espírito da Verdade e à sua missão..............................................................................459
CAPÍTULO XVI Vv. 16-22...................................................................................469
Jesus promete a seus discípulos a alegria após a tristeza............469
CAPÍTULO XVI Vv. 23-33...................................................................................471
Promessas de Jesus a seus discípulos. — Predições que lhes faz. — Atesta, sob o véu da letra, sua origem e sua posição espírita. — Declara que venceu o mundo.....................................................................................471
CAPÍTULO XVII Vv. 1-26....................................................................................474
Palavras que Jesus dirige ao pai- diante de seus discípulos — do ponto de vista da unidade e da indivisibilidade de Deus, da natureza e da importância da missão que lhe foi confiada com relação ao nosso planeta e à sua humanidade; do viii viii
ponto de vista da missão dos discípulos e dos progressos futuros que os aguardam após o cumprimento fiel dessa missão e que aguardam a todos os que lhes caminharem nas pegadas.........................474
CAPÍTULO XVIII Vv. 1-14...................................................................................486
Jesus vai, com seus discípulos, para o jardim situa- do além da ribeira do Cedron. — Sua prisão. — Circunstâncias relativas a essa prisão. — Palavras que ele dirige aos que acabavam de deitar-lhe a mão. — Palavras que dirige a Pedro, quando este, servindo-se da sua espada, fere a Malco na orelha direita. — Jesus é preso e conduzido a Anás e daí a Caifás......................................................................................486
CAPÍTULO XVIII Vv. 15-27.................................................................................488
Pedro em casa de Caifás. — Jesus é interrogado pelo pontífice. — Resposta que lhe dá. — Recebe uma bofetada. — Palavras que dirige ao que o esbofeteou. — Negação de Pedro..........................................488
CAPÍTULO XVIII Vv. 28-40.................................................................................490
Jesus é levado da casa de Caifás à presença de Pilatos. — Seu reino não é deste mundo. — Seu reino não é agora deste mundo. — Ele é rei e por isto é que não veio ao mundo senão para dar testemunho da verdade. — Pilatos quer livrá-lo, mas os Judeus se opõem e preferem a libertação de Barrabás..........................490
CAPÍTULO XIX Vv. 1-7.......................................................................................494
Flagelação. — Coroa de espinhos. — Eis o homem. — Pedido de crucificação por parte dos Judeus.........................494
CAPÍTULO XIX Vv. 8-15.....................................................................................495
Silêncio de Jesus em face da pergunta que Pilatos lhe dirige. — Todo poder vem do Alto. — Os Judeus persistem em pedir a sua crucificação....................................495
CAPÍTULO XIX Vv. 16-22...................................................................................497
Jesus é entregue aos Judeus. — É conduzido ao Calvário. — Crucificação. — Inscrição feita por Pilatos e colocada no alto da cruz..........................................497
CAPÍTULO XIX Vv. 23-27...................................................................................498
As vestes. — A túnica. — A Virgem e João ao pé da cruz. — Palavras de Jesus a Maria e a João..................................498ix ix
CAPÍTULO XIX Vv. 28-37...................................................................................499
Palavras de Jesus. — Jesus morre, no entender dos homens. — Ossos não quebrados. — Lado aberto................499
CAPÍTULO XIX Vv. 38-42...................................................................................507
O corpo de Jesus é depositado no sepulcro..................................507
CAPÍTULO XX Vv. 1-18......................................................................................508
Madalena vai ao sepulcro e comunica o que viu a Pedro e João e estes também vão lá. — Aparição dos anjos e de Jesus a Madalena.................................................508
CAPÍTULO XX Vv. 19-23....................................................................................510
Aparição de Jesus aos apóstolos...................................................510
CAPÍTULO XX Vv. 24-31....................................................................................512
Aparição de Jesus a Tomé e aos outros discípulos. — Tomé vê e crê.........................................................................512
CAPÍTULO XXI Vv. 1-25.....................................................................................516
Aparição de Jesus à margem do mar de Tiberíades. — Pesca chamada "milagrosa". — Amor de Pedro a Jesus. — Jesus lhe confia suas ovelhas e lhe prediz seu martírio, abstendo-se de dizer o que será feito de João....................................................................................516
OS MANDAMENTOS Explicados em espírito e verdade...................................521
DECÁLOGO...................................................................................521
PRIMEIRO MANDAMENTO — Não terás outros deuses diante da minha face...............................................................532
SEGUNDO MANDAMENTO — Não farás imagens esculpidas das coisas que estão em cima, nos céus, nem embaixo, sobre a terra, nem nas águas, sob a terra. — Não te prostrarás diante delas; não as adorarás, nem as servirás, porquanto eu sou o Eterno teu Deus, o Deus forte e cioso que puno a iniqüidade dos pais nos filhos na terceira e na quarta gerações dos que me odeiam e que uso de misericórdia, na sucessão de mil gerações, com os que me amam e guardam meus mandamentos.....................532
TERCEIRO MANDAMENTO — Não tomarás em vão o nome do Eterno, do Senhor teu Deus; porquanto o Eterno, o Senhor, não terá por inocente aquele que em vão houver tomado o seu nome........................................535
QUARTO MANDAMENTO — Lembra-te do dia de sábado para o santificares. Trabalharás seis dias e x x
farás a tua obra, mas o sétimo dia é o dia do descanso, consagrado ao Eterno, ao Senhor teu Deus. Não farás obra alguma nesse dia, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teu gado, nem teu hóspede, o estrangeiro que estiver dentro dos muros de tuas cidades....................................................................................536
QUINTO MANDAMENTO — Honra a teu pai e a tua mãe............539
SEXTO MANDAMENTO — Não matarás......................................550
SÊTIMO MANDAMENTO — Não cometerás adultério..................552
OITAVO MANDAMENTO — Não furtarás.....................................556
NONO MANDAMENTO — Não dirás falso testemunho contra o teu próximo...............................................................557
DECIMO MANDAMENTO — Não cobiçarás a casa de teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que seja de teu próximo....................................................................................558
AMOR DE DEUS E DO PRÓXIMO — "Amarás ao Eterno teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças." (Deuteronômio, cap. VI, vv. 4-5.).........................................................................................55968
Prefácio
Na véspera do dia 24 de junho de 1861, eu rogara a Deus, no sigilo de uma prece fervorosa, que permitisse ao Espírito de João Batista, patrono que me foi dado por ocasião do meu nascimento, manifestar-se por um médium que se achava então em minha companhia e com o qual me consagrava diariamente a trabalhos assíduos. Pedira também a graça da manifestação do Espírito de meu pai e do meu guia protetor.
Essas manifestações se produziram espontaneamente, com surpresa do médium, a quem eu deixara ignorante da minha prece. Constituíram para mim uma fonte de alegria imensa, com o me provarem que a minha súplica fora ouvida e que Deus me aceitava por seu servo.
O Espírito do apóstolo Pedro se manifestou a 30 de junho, de modo inesperado tanto para mim como para o médium. Não posso, nem devo publicar aqui essas comunicações mediúnicas. Fui mediunicamente prevenido da época em que poderia e deveria publicá-las.
Limito-me a transcrever alguns fragmentos destacados de uma das três manifestações de João, filho de Zacarias e Isabel. "São chegados os tempos em que as profecias se hão de cumprir. Começa o reinado da verdade.
Povos atidos ao culto idólatra da fortuna, desprendei os vossos pensamentos dessa profunda adoração. Dirigi os olhares para as regiões celestes. Escutai as vozes dos Espíritos do Senhor, que não se cansarão de fazer ouvido este aviso salutar: — os tempos são chegados."
"Chegaram os tempos. Deus envia seus Espíritos aos homens para ajudá-los a sair da superstição e da ignorância. Ele quer o progresso moral e intelectual de todos. Esse progresso, porém, estava entravado pelo orgulho e pelo egoísmo, obstáculo que lhe era impossível vencer, senão mediante lutas sangrentas e mortíferas. O Espiritismo, alavanca poderosa, que vosso pai acaba de colocar nas mãos de alguns apóstolos fervorosos, o fará avançar com passo rápido para o cume que lhe cumpre atingir, arrancando a humanidade toda ao pesado sono que a obrigava a ter o pensamento e o corpo pendidos para a terra." 69
"Chegaram os tempos em que todos deveis reconhecer vossos erros e faltas."
"Que os santos mandamentos de Deus, dados a Moisés no Sinai, sejam o código dos vossos deveres para com as vossas consciências. Que o santo Evangelho seja a doce filosofia que vos faça resignados, compassivos e brandos para com os vossos irmãos, pois todos sois membros da mesma família. O Espiritismo vos veio ensinar a verdadeira fraternidade e os tempos são chegados."
"São chegados os tempos em que, por toda parte, vai germinar a preciosa semente que o Cristo, o Espírito da Verdade, espalhou entre os homens."
"Sabeis quais são os copiosos frutos que os verdadeiros espíritas vão colher dessa sementeira bendita? São a liberdade, a fraternidade, a igualdade perante Deus e os homens. O Espiritismo é quem os vai convidar a todos para essa abundante messe, pois que o orgulho e o egoísmo, o fanatismo e a intolerância, a incredulidade e o materialismo vão desaparecer da Terra, cedendo lugar ao amor e à caridade, que os Espíritos do Senhor vos pregam. Eles estão sempre convosco e vos assistem, porquanto os tempos são chegados."
Profundamente comovido me senti ao ler AS SEGUINTES PALAVRAS FINAIS de uma das comunicações do Espírito de meu pai, a em que ele, do ponto de vista da era nova que começa, me dava conselhos, lições e avisos:
"Meu Deus, bendito sejas tu que tomaste pela mão o meu filho bem-amado e o levaste, através da pobreza, do estudo e do trabalho, a ter entre os seus irmãos da Terra uma posição livre e independente, que lhe permite consagrar o resto da sua vida a te amar e servir. Meu Deus, sê para sempre bendito, por haveres permitido que sua inteligência e seu coração compreendam e pratiquem tua lei de amor. Sê para sempre bendito, por teres permitido que seu pai terreno, teu humilde escravo, lhe viesse dar estes salutares avisos."
Repetindo essas palavras, minha alma experimentou vivamente a alegria de ser, para meu pai, filho em quem ele encontrava as sementes da vontade divina. Maior então se tornou a minha humildade, tão grande era em mim o temor de não me mostrar sempre digno dos encorajamentos que recebia desse ente querido e 70
respeitado.
Guardo em meu coração essas palavras, que aí foram postas como um farol a me clarear a estrada e para o qual volto constantemente os olhos, esforçando-me sempre por avançar ao longo dela.
Prosseguia nos meus estudos, nas minhas pesquisas, nos meus trabalhos, quando, no mês de Dezembro de 1861, fui convidado a ir a casa de Mme. Collignon, que eu não tinha a satisfação de conhecer e a quem teria que ser apresentado, para apreciar um grande quadro, desenhado mediunicamente, representando um aspecto dos mundos que povoam o espaço.
Fui e oito dias depois voltei lá, a fim de agradecer àquela Senhora o acolhimento que me dispensara por ocasião da visita que lhe fizera para ver a referida produção mediúnica.
Ao cabo de breve conversação sobre generalidades, como sói acontecer entre pessoas que mal se conhecem e que ainda não se acham ligadas por quaisquer relações de sociedade, tratei de retirar-me. No momento em que me preparava para sair, Mme. Collignon sentiu na mão a impressão, a agitação fluídicas bem conhecidas dos médiuns, indicadoras da presença de um Espírito desejoso de se manifestar, impressão e agitação que notei. Então, a instâncias minhas, ela condescendeu em se prestar à manifestação mediúnica e, no mesmo instante, sua mão, fluidicamente impelida, escreveu isto:
(Segue-se a comunicação que se acha integralmente inserta no primeiro tomo, a começar da página 68, assinada por MATEUS, MARCOS, LUCAS e JOÃO.)
Diante dessa manifestação, que me concitava a empreender, com o concurso da médium Mme. Collignon, este grande trabalho da revelação, sentimo-nos tomado de uma surpresa imensa, cheio, ao mesmo tempo, da alegria e do temor de não sermos capaz nem digno do encargo que nos era deferido.
Chamados desse modo a executar esta obra da revelação, que certamente de nosso moto-próprio não ousaríamos tentar, incapaz, ignorante e cego que éramos, metemos ombro à tarefa.
À medida que a revelação avançava, minha alma se ia encontrando cada vez mais presa de admiração ao descobrir todas aquelas verdades, apresentadas até ali aos homens envoltas em tais 71
mistérios que a razão se recusava a crer em tudo o que lhe era ensinado.
Abandonei-me então, inteiramente, às mãos de Deus, dizendo: "Dispõe da tua criatura, ó meu Deus. Sou teu, pertenço-te. Meu coração, meu tempo, minha razão, eu os consagro daqui por diante ao teu serviço. Serei feliz, ó soberano Senhor, se, mau grado à minha fraqueza, puder tornar-me nas tuas mãos um instrumento útil, que te conquiste o amor, o respeito, o coração das tuas criaturas."
Havíamos chegado à explicação da parábola do mancebo rico, estávamos no versículo que diz: "e ama o teu próximo como a ti mesmo." (MATEUS, XIX, v. 19, quando foram escritas, espontânea e mediunicamente, ESTAS PALAVRAS:
"Quando estiveres de posse de todos os materiais acerca dos Evangelhos, far-te-emos empreender um trabalho especial sobre os Mandamentos — "Decálogo" ("Êxodo", cap. XX): — "amor de DEUS e do próximo" ("Deuteronômio", cap. VI, vv. 4-5; Levítico, cap. XII, v. 18; MATEUS, XXII, vv. 34-40; MARCOS, XII, vv. 28-31; LUCAS, X, vv. 25-28 e 29-37), trabalho esse que publicarás em seguida ao dos Evangelhos. — MATEUS, MARCOS, LUCAS, JOÃO, assistidos pelos apóstolos."
No mês de maio, de 1865, estando reunidos todos os materiais, TANTO com relação aos Evangelhos, coMo com relação aos Mandamentos, aviso me foi dado, espontânea e mediunicamente, de tornar conhecida dos homens, de publicar a obra da revelação, NESTES TERMOS:
"Chegados a uma época transitória em que, lutando com o espiritualismo, o materialismo deixa as almas indecisas; em que, incerta, a fé flutua no ar, sem saber onde pouse; em que, filhos dos séculos de barbaria, de intolerância, de cupidez, os dogmas envelhecidos tremem nas suas bases; em que os princípios fundamentais da fé: a crença num Deus, a esperança de uma vida eterna, se extinguem, à falta de alimento; em que, cansados de mentiras, os homens vão ao extremo de rejeitar as verdades, é tempo de oferecer-se-lhes uma luz suave, porém firme, que possa clarear esse caos e mostrar aos vacilantes, aos pesquisadores o caminho que eles há tantos séculos perderam.
"Essa luz vos é dada pelo Espiritismo, que tem a missão de reacender o fogo do amor universal, abafado no fundo do coração humano, de reconduzir aos pés do Senhor os ateus, que julgam 72
viver somente pela matéria, de fazer que os homens sigam com amor a casta e grandiosa figura de Jesus, que, do alto da cruz, lança de contínuo fraterno olhar a todas as criaturas, que lhe cumpre levar ao pai purificadas e santificadas.
"Desde alguns anos o nome de Jesus provoca muitas dissidências e dá lugar a muitos sofismas.
"Ninguém mais podendo crer na sua divindade, procuraram explicá-lo pela natureza humana propriamente dita. Mas, ainda aí o homem esbarrou num escolho com que não contara: Jesus, como homem-Deus, era um contra-senso, seu devotamento uma aberração, seu sacrifício uma mentira, sua pureza uma conseqüência fatal da sua natureza. Considerado homem carnal, homem do vosSo planeta, seus atos se tornavam incompreensíveis, sua vida um problema, não passando de mistérios, de contos apropriados unicamente a embalar a humanidade infante e destinados a ser por ela repelidos com desprezo e zombaria na sua virilidade, os fatos denominados "milagres", operados pelo Mestre antes do sacrifício do Gólgota, o desaparecimento de seu corpo do sepulcro, estando chumbada a pedra que lhe fechava a entrada, sua "ressurreição" e, como conseqüência desta, suas aparições às mulheres e aos discípulos, sua volta às regiões etéreas, na época chamada "ascensão".
"Agora que o terreno foi lavrado em todos os sentidos pelos trabalhadores do pensamento, a revelação da revelação tem que ser conhecida e publicada, porquanto a obra que vos fizemos empreender vem explicar Jesus aos homens, tal como ele se apresenta aos olhos do pensador esclarecido pela luz espírita, isto é:
"como protetor e governador do vosso planeta, a cuja formação presidiu, dirigindo-lhe o desenvolvimento, os progressos, sempre dedicado à ativação da sua obra;
"como revestido de um corpo harmônico com a sua natureza espiritual, mas também relativamente harmônico com a vossa esfera, para aí se manifestar por longo tempo e lançar a semente que havia de germinar durante mil e oitocentos anos, deixando muitos grãos por pasto ao erro, preservada, porém, a vitalidade dos que começam hoje a desenvolver-se e que em breve cobrirão com seus ramos frondejantes o universo inteiro.
"A semente destinada a germinar durante mil e oitocentos anos deixou muitos grãos para alimento do erro, porque, em tempo algum, 73
a verdade inteira pode ser desvendada à humanidade; porque, sobretudo quando esta ainda se acha na infância, a verdade, atenta a maneira pela qual é disposta e apropriada, é sempre relativa ao entendimento da mesma humanidade, ao que ela pode suportar e compreender. Assim sendo, os véus que a cobrem dão lugar a falsas interpretações, que têm sua razão de ser com relação à época.
"A semente vital, que hoje começa a desenvolver-se e que breve estenderá seus galhos frondejantes por sobre o Universo, é a base forte que não pode ser substancialmente alterada. A semente que o Mestre espalhou quando surgiu na Terra e por ela passou, que germinou e vos há de abrigar, é a fé na missão do Cristo, enviado de Deus aos homens para lhes ensinar a viver e a morrer, objetivando o progresso do Espírito (ponto de vista este do qual fez ele todas as suas obras); para lhes mostrar o caminho do "céu" pelo renascimento, pela reencarnação, que é senda de purificação e de progresso, único meio de conciliar a justiça divina com a aparente injustiça da sorte. É a fé primordial, fundamental, definitiva em um Deus, só e único criador de tudo; a confiança e a certeza de que há, para a alma que faliu, uma vida eterna, a princípio expiatória e por fim gloriosa.
"A obra que vos fizemos empreender vem mostrar aos homens que, afastada toda e qualquer idéia de maravilhoso, de divindade da parte do Cristo, se podem explicar e pôr em concordância os livros que tiveram por destino conservar o bom grão, envolvendo-o, para isso, numa camada de mistérios, até ao momento em que o solo se devesse cobrir de frutos, isto é, até aos tempos da era nova que começa, em que o Espírito da Verdade, que o Mestre predisse e prometeu, vai despojar da letra o espírito e, pela sua obra progressiva e incessante, preparar e realizar o reino da verdade e conduzir-vos ao advento de Jesus, que vos virá mostrar a verdade sem véu.
"Fica sabendo e faze saber a teus irmãos que a obra "que lhes colocas sob as vistas é uma obra preparatória, ainda incompleta, uma entrada em matéria; que não passa de um prefácio da que sairá das mãos daquele que o Mestre enviará para esclarecer as inteligências e despojar INTEIRAMENTE da letra o espírito.
"Aquele que há de desenvolvê-la e cuja obra também será preparatória não tardará a se dar a conhecer, porquanto a atual geração humana verá os seus primeiros anos messiânicos. E os messias, isto é, os enviados especiais se sucederão até que a luz 74
reine sobre todos.
"Publica esta obra, a que darás o título de — "OS QUATRO EVANGELHOS", seguidos dos MANDAMENTOS, EXPLICADOS em espírito e verdade, de acordo com os ensinos ministrados, quanto aos Evangelhos, PELOS EVANGELISTAS ASSISTIDOS PELOS APÓSTOLOS e, quanto aos Mandamentos, POR MOISÉS E PELOS EVANGELISTAS ASSISTIDOS PELOS APÓSTOLOS.
"O trabalho é geral. Se bem que os nomes nem sempre sejam declinados, um de nós presidiu sempre à inspiração, O Espírito que nos anima é o mesmo que anima a todos os Espíritos superiores, sejam quais forem, que prepararam o advento da missão terrena do Mestre, que participaram do cumprimento dessa missão, que para ela concorreram, que trabalharam e trabalham pelo desenvolvimento, pelo progresso do vosso planeta e da sua humanidade.
"Damos nomes para evitarmos nomear aquele que, por nosso intermédio, dirigiu estes trabalhos e dirigirá os que ainda temos que fazer sejam empreendidos.
"O que vais publicar será a PRIMEIRA PARTE da obra geral. A segunda se comporá: 1° da refutação das objeções que esta primeira parte sobre oS EvangelhoS e os Mandamentos provocar; 2° da explicação, em espírito e verdade, dos Atos dos Apóstolos, das Epístolas, nas passagens que delas extrairemos para dar autoridade ao presente; da revelação, chamada Apocalipse, que João recebeu na ilha de Patmos.
"É chegado o tempo de te colocares na situação de entregar à publicidade esta obra. Não fixamos limites. Emprega com critério e medida as horas, a fim de poupares tuas forças. Tens diante de ti mais de um ano. Alguns meses a mais ou a menos nada são no correr dos tempos, porém são muita coisa na economia das forças humanas.
"A publicação poderá começar no próximo mês de agosto. A partir dessa época, trabalha com a maior presteza possível, mas sem ultrapassar os limites de tuas forças, de tal sorte que a publicação esteja concluída em agosto de 1866.
"Coragem, bons trabalhadores. O Mestre saberá levar em conta a vossa boa-vontade.
MOISÉS, MATEUS, MARCOS, LUCAS, JOÃO. 75
Assistidos pelos apóstolos.
Maio de 1865.
Mero instrumento, não faço mais do que cumprir um dever executando essa ordem, dando à publicidade esta obra, que põe em foco a essência de tudo o que há de sublime na bondade e na paternidade de Deus e de tudo o que há de devotamento, de abnegação e de sentimentos fraternais em Jesus, chamado o Cristo, que tão bem mereceu o titulo de Salvador do mundo, de protetor da Terra.
Aos meus irmãos, quaisquer que eles sejam, quaisquer que sejam suas crenças, ou o culto exterior que professem, corre o dever de se não pronunciarem sobre ela, senão depois de a terem lido integralmente e de terem seriamente meditado; porquanto, esta obra explicativa dos Evangelhos e dos Mandamentos é indivisível no seu conjunto. Cada uma de suas partes apóia as demais, sendo todas solidárias entre si.
O homem, em todas as idades do nosso planeta, passa pela prova de receber ou repelir a luz que lhe é trazida. Muito se pede a quem muito se deu. E a responsabilidade do Espírito está sempre em correlação com os meios postos a seu alcance para que se instrua.
A verdade, para triunfar, para ser aceita, tem PRIMEIRO que se chocar com as contradições humanas.
Do ponto de vista dessa prova a que está sujeito o homem e das condições necessárias a que a verdade triunfe foi que Simeão, inspirado, pronunciou estas palavras, transitóriaS e preparatórias do advento do espírito, referindo-se a Jesus, que É "a luz do mundo", que É "o caminho, a verdade, a vida":
"Meus olhos viram o Salvador que nos deste e que destinas a ser exposto à vista de todos os povos, como a luz que iluminará as nações e a glória de Israel teu povo.1
E que, abençoando a José e a Maria, acrescentou:
"Este menino vem para ruína e para ressurreição de muitos em Israel e para ser alvo das contradições dos homens." 2
Deus, que tudo governa, prepara, por meios secretos, os corações e as inteligências para apreenderem o que lhes é possível compreender. 76
Com esta obra, que eles nos fizeram executar e que damos à publicidade, os ministros do Senhor, explicando em espírito e verdade os Evangelhos e os Mandamentos, têm por fim a felicidade do gênero humano e sua purificação. Ela é publicada com a intenção de glorificar e honrar a Deus e de dar aos homens paz, esperança e ventura, por isso que prepara o advento da unidade das crenças e da fraternidade humana e, pois, mediante o cumprimento das promessas do Mestre, o advento do reino de Deus na Terra, sob o império da lei de amor e de unidade. Confiamos que alcançará esse objetivo.
J.-B. ROUSTAING.
Junho de 1865.
1 e 2 Ver, para explicação destas palavras de Simeão: Evangelhos de MATEUS, LUCAS e JOÃO, reunidos, n. 41, págs. 222-225 do 1º tomo.
EVANGELHO
SEGUNDO JOÃO
"O Espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida." (João, VI, v. 64.)
"A letra mata e o espírito vivifica." (PAULO, II Epístola aos Coríntios, cap. III, v. 6.) 77
CAPÍTULO I Vv. 1-18
O Verbo. — O Verbo com Deus. — O Verbo Deus. — O Verbo feito carne habitou entre os homens e estes o viram. — O mundo não o conheceu. — Ele veio ao que era seu e os seus o não receberam. — Nenhum homem jamais viu a Deus. — O filho único que está no seio do Pai é quem dele deu conhecimento. — Missão de João e testemunho que dá do Verbo
V. 1. No principio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. — 2. Ele estava no princípio com Deus. — 3. Todas as coisas foram feitas por ele e nada do que há sido feito o foi sem ele. — 4. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens. — 5. A luz brilha nas trevas e as trevas não a compreenderam. — 6. Houve um homem, enviado de Deus, que se chamava João. — 7. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. — 8. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho daquele que era a luz; — 9, que era a luz verdadeira, que alumia todo homem que vem a este mundo. — 10. Esse es- 78
tava no mundo, o mundo foi feito por ele e o mundo o não conheceu. — 11. Ele veio ao que era seu e os seus o não receberam. — 12. Mas, deu o poder de se fazerem filhos de Deus a todos os que o receberam, aos que crêem no seu nome, — 13, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem e sim de Deus. — 14. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória, glória como unigênito do Pai. — 15. João dá testemunho dele, exclamando: Este é o de quem eu disse: Aquele que há de vir depois de mim me foi preferido, porque era antes de mim — 16. E da sua plenitude todos recebemos graça por graça. — 17. Porquanto, a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus-Cristo. — 18. Ninguém jamais viu a Deus; o filho unigênito, que está no seio do Pai, esse foi quem dele deu conhecimento.
N. 1. Estes versículos e especialmente os versículos 1 e 2 hão dado lugar a muitos comentários, interpretações e contradições e contribuíram para a proclamação do dogma da divindade atribuída a Jesus-Cristo.
Os homens, porém, repararão o seu erro. Os que se apegam à letra, sem examinar os textos em seu conjunto e sem pesquisar o espírito que a este preside, para lhe apreenderem a harmonia, a necessidade, o motivo e o fim, tendo em vista a sucessão e a progressividade das revelações; para apreenderem a necessidade, o motivo e o fim dessas revelações, como condição e meio de a Humanidade progredir, de prosseguir na sua marcha gradual e ascendente pela estrada da luz e da verdade, esses não querem compreender que a inteligência, à proporção que se desenvolve, mais vastos horizontes vai divisando.
Se comentassem e meditassem seriamente e sem a preocupação de manterem o statu quo, veriam com quanta previdência Deus, que tem a presciência e a sabedoria infinita, tudo preparou, dispôs e apropriou, através dos séculos, para dar 79
gradual e progressivamente aos homens o que eles possam ir suportando, para ministrar a cada um o pão cotidiano da inteligência, conforme às suas faculdades e necessidades.
Veriam com quanta previdência, para que os homens fossem gradual e progressivamente conduzidos ao conhecimento do Pai, que é ele, e do Filho, que é Jesus-Cristo, Deus tudo preparou, dispôs e apropriou, mediante a revelação hebraica, mediante a que o anjo fez a Maria e a José, conseqüência da primeira, e mediante a obra da missão terrena de Jesus, que os evangelistas registaram, e a da missão dos apóstolos, uma e outra conseqüentes àquela dupla revelação.
Assim, como condição e meio de efetivar-se o progresso humano, ele tudo dispôs, preparou e apropriou, para que os homens fossem levados àquele conhecimento, desde o passado até os vossos dias, através da era hebraica e da era cristã, sob o império da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, e, daqui por diante, sob o império do espírito, através da era nova, que se inicia, do Cristianismo do Cristo, da era espírita, mediante a revelação incessante e sempre progressiva do Espírito da Verdade, que vos conduzirá aos tempos preditos do segundo advento de Jesus. Esse advento se dará quando o mesmo Jesus, como Espírito da Verdade, como complemento e sanção da verdade, vier em todo o seu fulgor espírita ao vosso planeta purificado e transformado, na qualidade de seu soberano, visível para as criaturas também purificadas e transformadas, mostrar a verdade sem véu.
Pela época em que começou a era hebraica, nos cultos de todos os povos a idéia da unidade divina, do Deus UNO, pairava dominante, é certo, mas apenas entre os iniciados, acima das divindades que as massas adoravam. No seio das camadas populares reinava ainda o politeísmo, que se originara das relações que a comunicação, oculta 80
ou patente, do mundo espiritual com o mundo corporal estabelecera entre os homens e todas as categorias de Espíritos, bons e maus, comunicação que constitui uma das leis da natureza, que é, portanto, eterna, como Deus, de cuja vontade todas emanam.
Quanto aos povos orientais, esses, de acordo com os preconceitos e crenças vulgares que mais tarde penetraram no Ocidente, admitiam a existência de "deuses" no céu e de "filhos dos deuses" na Terra, gerados estes últimos por virgens que a divindade fecundava. Esses filhos dos deuses eram divinizados; as honras da apoteose os elevavam à categoria dos deuses. Os Judeus trouxeram do exílio essas crenças vulgares.
Quando, porém, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, teve que se abrir a era hebraica, a Humanidade, nos centros mais civilizados, chegara, sob o ponto de vista do desenvolvimento intelectual, à fase em que a unidade divina tinha que ser posta em foco para todos os olhares, pela revelação, que espiriticamente se fez, do Deus uno, indivisível, que cria, mas sem fracionar a sua essência. Chegara à fase em que, graças a essa revelação e sob o seu império, o politeísmo tinha que desaparecer gradualmente, por efeito das revelações que progressivamente se sucederiam na marcha dos tempos, de acordo com o desenvolvimento e o progresso das inteligências.
A idéia da unidade divina Deus a pôs em foco, aos olhares de todos, no Decálogo que ele outorgou ao mundo no monte Sinai, servindo-lhe de intermediário um Espírito superior1 que, pela boca de Moisés, fez que os homens ouvissem estas
1 Ver adiante, nos Mandamentos, a explicação do Decálogo, na qual se dá a conhecer, segundo o espírito e em verdade, como ele foi transmitido e promulgado. 81
palavras: "Eu sou o Eterno, Teu Deus; não terás outros deuses diante de mim".
Ainda pela boca de Moisés, disse ele mais aos homens: "Eu, o Eterno, o único eterno, Único Deus". — "Eu sou aquele que é".
Depois, sendo necessário ligar o presente ao passado, a fim de depurar, explicar e desenvolver as crenças, Deus, que fizera fosse proclamado o monoteísmo, proclamou, pelo órgão dos profetas de Israel, inspirados e guiados por Espíritos superiores, ser ele o "Deus dos deuses". Fez que os homens escutassem estas palavras: "Deus tomou lugar na assembléia dos deuses e, sentado no meio deles, julga os deuses". — "Eu disse Sois deuses e todos sois filhos do Altíssimo". (Salmo LXXXI, vv. 1 e 6.)
Falando assim aos homens por intermédio de Moisés e dos profetas, ele se proclamou uno, indivisível, criador incriado, que cria, mas sem fracionar a sua essência. Proclamou não haver, dele, por ele, nele, e, conseguintemente, exceto ele, senão criaturas. Proclamou que todos os Espíritos, ainda quando qualificados de "deuses", tanto no céu como na terra, e quaisquer que sejam a sua elevação e a sua pureza, são criaturas, todos provindos do mesmo princípio, tendo tido a mesma origem, sendo, pois, seus filhos e, como tais, irmãos entre si.
Ainda não chegara, porém, para os homens (e muitos séculos teriam que passar antes que chegasse) o tempo de compreenderem por essa forma, em espírito e verdade, as palavras divinas. Esse tempo só chegaria com o advento do espírito, quando surgisse a era nova do Cristianismo do Cristo, a era espírita, depois que a Humanidade, durante longos séculos, se houvesse agitado nas faixas da infância e houvesse, progredindo lenta e laboriosamente, atravessado, sob o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, 82
o período da puberdade, da adolescência, e atingido a época precursora da sua virilidade.
Entretanto, para que, por obra dos séculos, o politeísmo antigo se desarraigasse completamente, desaparecesse do pensamento das massas populares no seio dos povos civilizados, aos quais incumbe a tarefa de impulsionarem o adiantamento dos que, sobre o vosso planeta, se encontram nos degraus inferiores do progresso; para que os homens fossem levados a reconhecer que Deus é uno e indivisível, que é o criador incriado, que todos, exceto ele, são criaturas, Espíritos criados, seus filhos e, portanto, irmãos entre si; para alcançar-se esse objetivo tão distante então na sucessão dos tempos, precisa se fazia uma transição. E esta tinha que ser preparada e executada de maneira adequada às crenças vulgares, aos preconceitos e tradições, ao estado das inteligências, às aspirações e necessidades de cada época, de cada era e, como condição e meio de realização do progresso humano, tinha que ser feita gradualmente, com o auxílio de revelações sucessivas e progressivas, sob o domínio da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre.
Claro é, diante disso, que só um enviado de Deus em missão podia executar na Terra a obra de semelhante transição. E essa missão superior Deus não a podia confiar senão a Jesus, que fora por ele constituído protetor e governador do vosso planeta, a cuja formação, como tal, presidira, e da humanidade terrena; a Jesus, que era e é o único encarregado do desenvolvimento e do progresso dos homens, de os levar à perfeição, de lhes dirigir os esforços, sempre devotado ao prosseguimento dessa obra. Daí a necessidade, o motivo e o fim da revelação hebraica., que anunciou o advento do Messias e preparou as bases e os elementos da sua missão terrena.
Jesus, porém, sendo um puro Espírito, um Espírito de pureza perfeita e imaculada, o funda- 83
2 Ver, para explicações e desenvolvimentos a este respeito: Evangelhos de MATEUS, MARCOS e LUCAS reunidos, ns. 14, 31 e 67, págs. 152-168, 191-208, e 369-373, do 1º tomo.
dor, o protetor, o governador do vosso planeta, não podia e não estava adstrito, de acordo com as leis imutáveis da natureza, como já explicamos ao comentarmos os três primeiros Evangelhos2, a tomar o corpo material do homem terrestre, corpo de lama, incompatível com a sua natureza espiritual. No entanto, cumprindo-lhe, para aparecer entre os homens e desempenhar na Terra a sua missão superior, revestir um corpo, tinha ele que, de acordo com as leis imutáveis da natureza, mediante aplicações e apropriações delas, pois que a vontade inalterável de Deus jamais as derroga, tomar um corpo compatível com a sua natureza espiritual e em relativa harmonia com o globo terráqueo, tal que aos homens desse a ilusão de ser um corpo humano.
Tinha assim Jesus que revestir um corpo que, sem ser de natureza idêntica à do dos habitantes da Terra, se lhe assemelhasse na forma, a fim de que, vendo nele, graças a essa conformidade, um de seus semelhantes, os homens se sentissem atraídos para ele, tocados pelas suas palavras, pelos seus ensinos e exemplos; reconhecessem, diante da sua vida pura, sem mancha, toda de devotamento, de caridade e de amor, quanto lhes ele era superior e fossem impelidos a amá-lo, admirá-lo e Segui-lo. Mais ainda: a fim de que, notando quanto seus atos se distinguiam dos de todos os homens, se enchessem de espanto e admiração e fossem conduzidos a reconhecer nele um enviado de Deus e que o que ensinava também de Deus vinha.
Era, em suma, preciso que, durante a sua missão terrena, Jesus passasse, aos olhos humanos, por ser um homem como os demais. Daí a necessidade, o motivo e o fim de acreditarem os homens, 84
enquanto durasse aquela missão, ter ele tido um pai e uma mãe humanos. Preciso era que a sua filiação humana, apenas aparente, todos a considerassem real.
A obra da missão terrena de Jesus-Cristo é que prepararia e efetuaria a transição destinada, sob o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, a arrancar do espírito das massas o politeísmo antigo, a substituí-lo aí pelo conhecimento do filho e pelo conhecimento do pai, a preparar e levar a Humanidade, mediante os esforços e as lutas do pensamento, as interpretações e contradições humanas, aos tempos em que o espírito pudesse ser despojado da letra. Assim, também, os homens seriam preparados e levados, mediante uma nova revelação feita pelo Espírito da Verdade, a crer, recebendo essa crença em toda a sua pureza e em toda a sua verdade, num Deus, criador incriado, uno, indivisível, de modo que dele, por ele e nele não há senão criaturas, Espíritos criados, todos provindos do mesmo princípio, tendo tido no ponto inicial a mesma origem, sendo todos filhos do Altíssimo, filhos de Deus (o que vem a dar no mesmo, pois o Altíssimo é Deus) e, conseguintemente, todos irmãos entre si.
Para efetuar essa transição, e alcançar esse objetivo, necessário era, segundo a presciência e a sabedoria divinas, adaptar as revelações sucessivas e progressivas às crenças vulgares, aos preconceitos e tradições, ao estado das inteligências, às aspirações e exigências da época e das gerações que se haviam de seguir. E era necessário ainda, em face de tais revelações, apropriar a tudo isso a obra da missão superior do Messias, do Cristo.
Entre os Hebreus era vulgar, como atrás dissemos, no seio das massas populares, a crença, por eles trazida do exílio, na existência de filhos dos deuses, mesmo de deuses, no meio dos homens, gerados os primeiros por virgens que a divindade 85
3 Ver: Êxodo, cap. XXXII, vv. 1-32; capitulo XXXIII, vv. 1-23; cap. XXXIV, vv. 1-35.
fecundava. Em virtude dessa crença vulgar, os Judeus, conquanto admitissem o monoteísmo que lhes fora imposto3, criam que Deus se comunicava diretamente com os homens sob o nome de — Espírito Santo, manifestando-se-lhes por um ato qualquer. Era, entre o vulgo, a idéia da corporeidade de Deus, idéia que Jesus, como explicaremos mais tarde, objetivou destruir, proferindo estas palavras cujo sentido e alcance vos indicaremos: "Deus é Espírito".
Assim é que, sempre segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, em face dessas crenças vulgares, desses preconceitos e tradições e em face do monoteísmo que Moisés e os profetas haviam imposto, mas que ainda não fora compreendido, em espírito e verdade, pelas massas ao tempo do aparecimento do Messias, do Cristo, na Terra, se tornou necessário, para os homens de então e para as gerações futuras, tendo-se em vista o progresso humano e as necessidades e aspirações da época, que no planeta surgisse um homem divino, um ser que fosse ao mesmo tempo homem e Deus: homem, porque nascido de mulher; filho de Deus, porque concebido e gerado no seio de uma virgem por obra do Espírito Santo; Deus, conseguintemente, pois que gerado pelo Espírito Santo, que, como dissemos acima, era considerado o próprio Deus.
Nessas condições, ficou ele destinado, graças aos véus e imprecisões da letra das revelações hebraica e messiânica, a ser deificado pelos homens, mas como filho único do pai, como parte destacada, ainda que inseparável, do Deus uno, igual, portanto, a este, Essa deificação resultou naturalmente da obra de sua missão terrena, da sua vida pura, sem mancha, da sua origem misteriosa, milagrosa, divina, dos "milagres" que rea- 86
lizou, da sublime apoteose que foram o sacrifício do Gólgota, sua "morte" e o que os homens chamaram sua "ressurreição", de suas aparições às mulheres e aos discípulos, de sua ascensão para as regiões etéreas.
Houve que ser assim e assim foi, a fim de que os homens fossem levados a depurar suas crenças, desprendendo-se das teias do antigo politeísmo e esforçando-se por encerrar a pluralidade na unidade. Porque, o filho do Eterno, do único eterno, do Deus uno, que dissera: "Eu sou o Eterno, teu Deus; não terás outros deuses diante de mim", não podia deixar de ser o filho único do pai, único Deus com ele. Não esqueçais que, para os Hebreus, como para os Cristãos, a Terra era a criação toda, o único lugar habitado pelas criaturas do Senhor.
Daí a necessidade, o motivo e o fim de uma maternidade "milagrosa" para o aparecimento de Jesus, que surgiu como concebido e gerado por uma virgem, em vez de uma maternidade e uma paternidade humanas. Aquela maternidade "milagrosa", apenas aparente, tanto quanto a maternidade e a paternidade humanas, tinha que ser considerada real pelos homens.
Tais foram a necessidade, o motivo e o fim de uma maternidade "milagrosa", para que na Terra surgisse, às vistas dos homens, o Messias, o Cristo, considerado homem como os outros, porque nascido de mulher, e filho de Deus, porque concebido e gerado no seio de uma virgem por obra do Espírito Santo. E os homens, influenciados pelas suas crenças vulgares, pelos seus preconceitos e tradições, pelas contingências e aspirações da época e dos tempos que se seguiram, tinham que ser induzidos, e foram, sob o império da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre, a tomar, como tomaram, aquele filho de Deus pelo próprio Deus. 87
Para que, em face e por efeito da sua missão terrena e da dos apóstolos, o tomassem pelo próprio Deus, como sendo uma parte destacada, ainda que inseparável, do Deus uno; para que o considerassem igual a Deus, porque gerado no seio de uma virgem por obra do Espírito Santo, também concorreu o haverem tomado ao pé da letra e interpretado segundo a letra, isoladamente, fora do conjunto de todas as que ele proferiu, certas palavras veladas do Mestre, acerca da sua natureza e da sua origem espirituais, da sua posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta, da natureza humana que lhe atribuíam, da sua natureza extra-humana, do modo por que se deram seu aparecimento e sua passagem pela Terra.
Jesus tinha que Ser e foi, durante a sua missão terrena, considerado um homem igual aos outros, tendo Maria por mãe e José por pai. Somente depois de cumprida aquela missão, só então, tinha que ser considerado filho da Virgem Maria, como concebido e gerado no seio desta, sendo ela virgem, por obra do Espírito Santo, como filho do Altíssimo, filho de Deus.
Eis porque e com que fim a revelação hebraica anunciou, para "aquele em quem todas as nações da terra serão benditas", primeiro, de modo preciso, uma origem humana, dizendo que ele sairia da posteridade de Abraão, da casa de David; depois, por intermédio dos profetas de Israel, mas veladamente, sob a imprecisão e a obscuridade da letra, uma origem extra-humana, milagrosa, divina, falando "de um filho para a casa de David, à qual o Senhor mesmo daria um prodígio", de um filho que "uma virgem conceberia e pariria e a quem dariam o nome de Emmanuel", palavra esta cujo verdadeiro sentido permaneceu velado e que o Evangelista Mateus, por influência e inspiração espírita, revelou, acrescentando: "isto é, Deus conosco" (quod est interpretatum nobiscum Deus). 88
4 ISAÍAS, VII, vv. 13—14. — MATEUS, I, vv. 21—23.
Em virtude das interpretações que deram às profecias é que os Hebreus, ao verificar-se o aparecimento de Jesus na Terra, esperavam, no Messias, no Cristo, um libertador material que havia de sair da raça de Abraão, que seria, pois, um homem como eles, um "filho de David".4
Daí a necessidade, o motivo e o fim da revelação que o anjo fez a Maria e a José, em condições e circunstâncias tais, que houvesse de ficar e ficasse secreta até depois de cumprida a missão terrena de Jesus, para só se espalhar entre a multidão quando, instruídos secretamente os apóstolos por Maria, aquela revelação pudesse e devesse ser por eles divulgada, com oportunidade e proveito, debaixo da inspiração dos Espíritos superiores que os assistiam e guiavam no desempenho da missão que lhes tocara.
Eis, então, porque e para que, dispostas, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, como condição do progresso humano, e apropriadas à marcha progressiva da Humanidade pela estrada da verdade e da luz, sob o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, durante sua infância, sua puberdade, sua adolescência, até aos vossos dias, precursores da Sua virilidade, foram dadas aos homens: 1°) por intermédio de Moisés e dos profetas de Israel, a revelação hebraica, que anunciou o advento do Messias e preparou as bases e os elementos da sua missão superior; 2°) como conseqüência dessa, a revelação que o anjo fez a Maria e a José; 3º) em face dessas duas revelações, a obra da missão terrena de Jesus, o Messias, o Cristo, obra que os Evangelhos, escritos sob a vigilância e a inspiração dos Espíritos superiores, registaram; 49) finalmente, a obra da missão terrena dos apóstolos e sobretudo do apóstolo Paulo. 89
Foi, primeiramente, para, pela ação dos séculos, desarraigar completamente o antigo politeísmo e fazê-lo desaparecer do seio das massas entre os povos civilizados, aos quais incumbe, como acima dissemos, impulsionar o progresso dos que, no vosso globo, se encontram nos degraus inferiores; para levar os homens a depurarem suas crenças, desembaraçando-se das teias do mesmo politeísmo e procurando, de um lado, por efeito das idéias politeístas, das crenças vulgares sobre Deus e o Espírito Santo e, de outro, por efeito do monoteísmo, encerrar a pluralidade na unidade, pela concepção do Eterno, único eterno, único Deus — o pai; do filho, fração, ainda que inseparável, do pai, igual a este — portanto, Deus; do Espírito Santo, igualmente fração, ainda que inseparável, do pai, igual a este — também, por conseguinte, Deus.
Foi, depois, para que, sob o império da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre, os homens, por esses meios e processos transitórios e preparatórios do advento do espírito, fossem levados a saber e reconhecer que Deus é uno, indivisível, é o criador incriado, que cria mas não fracionando a sua essência, que dele, por ele e nele, exceto ele, só há criaturas, Espíritos criados, todos oriundos do mesmo princípio, tendo tido todos, no ponto inicial, a mesma origem, sendo todos, portanto, filhos do Altíssimo, filhos de Deus, irmãos entre si.
Foi também para que chegassem a saber e reconhecer que o Messias, o Cristo, filho do Altíssimo, filho de Deus e irmão deles, pois que proviera do mesmo princípio que eles, tivera, no ponto inicial, origem idêntica à deles; que Jesus, pela sua pureza e pelo seu poder, filho único do pai relativamente a eles, é um puro Espírito, um Espírito de pureza perfeita e imaculada, cuja perfeição se perde na profundeza da eternidade; é o fundador, o protetor, o governador da Terra, a cuja formação presidiu; é o único encarregado do desen- 90
volvimento e do progresso de todas as criaturas do Senhor no planeta terreno, em todos os reinos da natureza, mineral, vegetal, animal e humano, o único encarregado de conduzir a Humanidade à perfeição.
Foi, ainda, para que viessem a saber e a reconhecer: — que não há mais do que um só Deus, o pai, o criador incriado; — que o filho, Jesus-Cristo, não é Deus, nem uma fração, ainda que inseparável, de Deus, nem igual a este; — que o Espírito Santo também não é Deus, nem uma fração, ainda que inseparável, de Deus, nem igual a este; — que, sob essa denominação simbólica, o Espírito Santo é, com relação a Deus e à Humanidade, a falange sagrada dos Espíritos do Senhor: puros Espíritos, Espíritos superiores, bons Espíritos, segundo a ordem hierárquica da elevação espírita, os quais recebem as inspirações divinas para as transmitir aos homens, ministros ou agentes das vontades de Deus, da sua providência, da sua justiça, da sua bondade e da sua misericórdia infinitas, executores de seus desígnios quanto ao progresso universal, quanto à vida e à harmonia universais, trabalhando todos, no que respeita ao vosso planeta, sob a direção de Jesus, vosso protetor e governador, vosso único doutor e único Mestre, como delegado e representante de Deus, que é o pai de tudo e de todos.
Foi, ainda mais, para que os homens viessem a saber e reconhecer que Jesus, o Messias, o Cristo, não podendo nem devendo, de acordo com as leis imutáveis da natureza, por ser um puro Espírito, um Espírito de pureza perfeita e imaculada, revestir o corpo material do homem terreno, corpo incompatível com a sua natureza espiritual, revestiu, para fazer a sua aparição na Terra e aí desempenhar a sua missão superior, um corpo especial fluídico, apto a longa tangibilidade, formando segundo as leis que regem os mundos superiores, compatível com a sua natureza espiritual e rela- 91
tivamente harmônico com a esfera terrestre, mediante a apropriação e a aplicação daquelas leis aos fluidos ambientes que no planeta terreno servem para a formação dos seres humanos que o habitam.
Foi, conseguintemente, para que chegassem a saber que a gravidez e o parto de Maria, os quais, se reais houvessem sido, teriam exigido o concurso dos dois sexos, de acordo com as leis imutáveis de geração dos corpos e de reprodução na Terra, foram apenas aparentes, por isso que resultaram de uma operação, de uma obra do Espírito Santo, isto é: dos Espíritos do Senhor, de uma obra, portanto, puramente espírita, mas realizada em condições tais, que aquela gravidez e aquele parto fossem, como cumpria que sucedesse, considerados reais por Maria. Foi, pois, ainda, para que pudessem vir a saber e compreender que a paternidade e a maternidade humanas de José e de Maria, tidas pelos homens como reais enquanto durou a missão terrena de Jesus, conforme também importava que sucedesse, eram, do mesmo modo, apenas aparentes.
Foi, finalmente, para trazer os homens aos dias, que despontam, da nova era do Cristianismo do Cristo, da era espírita, que, a seu turno, mediante revelações sucessivas e progressivas do Espírito da Verdade, os levará aos tempos preditos em que, tendo a humanidade chegado aos limites da perfeição, Jesus-Cristo, Espírito da Verdade, virá de novo à Terra depurada e transformada como seu soberano, visível às criaturas também depuradas e transformadas, a fim de lhes mostrar a verdade sem véu. Dessa vez, porém, virá em todo o seu fulgor espírita e será recebido com esta aclamação imensa e unânime: "Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o rei que vem em nome do Senhor!"
Obedecendo às necessidades, aos motivos e aos fins que acabamos de assinalar e tendo em vista 92
a obra de transição que cumpria fosse aparelhada e executada, Jesus, que não podia dar, aos homens da época e às gerações que se seguiriam até aos dias atuais, senão o que fossem capazes de suportar, teve que velar e velou intencionalmente a sua natureza e a sua origem espíritas, como já o haviam feito a revelação hebraica e a do anjo a Maria e a José. Desse modo, atendia ele àquela época e preparava o futuro, pela letra, mas também atendia ao futuro pelo espírito que vivifica, visando os tempos por ele preditos e designados da revelação, então vindoura, do Espírito da Verdade, cujas bases, cujos elementos e meios estabeleceu desde logo, enunciando proposições que se destinam a ser e são de fato a sanção prévia dessa revelação.
Para ser compreendido e sobretudo atendido, para que sua missão fosse aceita e produzisse frutos, ele teve que velar a sua linguagem, apropriando-a, assim como seus atos, ao estado das inteligências da época, aos preconceitos e tradições que, mediante as profecias da lei antiga, lhe haviam preparado o advento. Teve que os apropriar também às aspirações dos homens e ainda, como condição e meio transitórios de progresso, ao objetivo e às exigências das crenças que se desenvolveram durante e após o desempenho da sua missão terrena. Foram essas crenças que fizeram dele, sucessivamente, um homem como os demais, durante todo o tempo daquela missão; um profeta, quando entrou a desempenhá-la publicamente; depois, terminado o desempenho dela, um homem-Deus, atribuindo-lhe a divindade: homem, como os outros, porque revestido do corpo material do homem da Terra, porque nascido de mulher, e Deus, porque filho de Deus, fração, ainda que inseparável do Deus uno, do Deus criador incriado, imutável, eterno, infinito, — igual, portanto, a Deus. Assim é que fizeram o corpo de um homem, corpo finito, circunscrito, conter o infinito. 93
Assim é que fizeram do Deus uno um homem sujeito à morte como os que habitam a Terra, que submeteram à vida e à morte, em um corpo material e perecível como os deles próprios, o Eterno, único eterno — Deus, que é, foi e será imortal desde e por toda a eternidade, que só ele possui, desde toda a eternidade, a imortalidade.
Tais aspirações e crenças, cuja necessidade, motivo e fim já deixamos indicados, tiveram sua razão de ser, como meio transitório e preparatório do advento do espírito que vivifica, em substituição da letra que mata. Elas serviram, na marcha dos tempos, de campo para os esforços e lutas do pensamento a se agitar nas trevas da letra; para os esforços e lutas das interpretações e contradições humanas, cujos embates fizeram emergir das profundezas ocultas do espírito luminosas centelhas e prepararam o advento do espírito que vivifica, e que, levantando o véu da letra, tirando a capa ao mistério, aniquilando o prestígio do milagre, mostrará a luz e a verdade.
Foram essas aspirações e crenças que, trabalhadas pelos séculos e fazendo progredir as inteligências, vos trouxeram à era nova do Cristianismo do Cristo, à era espírita que diante de vós se abre. E a revelação espírita, predita e prometida, vem, pelo Espírito da Verdade que desce até vós por vontade do Pai, glorificando o Mestre, dizer-vos o que Jesus não podia dizer durante a sua missão terrena e, despojando da letra o espírito, ensinar-vos a verdade que agora estais aptos a receber.
Advertindo-lhes que desconfiassem da letra, disse o Cristo: "O Espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida." (João, VI, v. 64.)
Foi precisamente o apóstolo João aquele a quem, dentro do quadro que lhe traçou a influência espírita, coube, por inspiração mediúnica, re- 94
gistar essas palavras do divino modelo, do bem-amado Mestre.
E o apóstolo Paulo, aplicando às interpretações humanas aquelas mesmas palavras, disse: "A letra mata e o espírito vivifica." (2° Epístola aos Coríntios, cap. III, v. 6.)
A interpretação segundo a letra é a morte, porque conduz ao erro. A interpretação segundo o espírito é a vida, porque conduz à verdade.
Mas, o reinado da letra, transitório e preparatório do advento do espírito, é e foi previamente necessário, porque a letra é que convém aos povos primitivos, à humanidade nas fases de infância, de puberdade, de adolescência, até aos tempos precursores de sua virilidade, só convindo o espírito aos povos que hajam chegado a tal grau de desenvolvimento, que queiram compreender o que devem crer; aos povos para os quais não mais basta a fé cega, que, desde então, unicamente produz a dúvida ou a incredulidade, visto lhe faltar a razão de ser, do que resulta ficar sem alimento a crença; aos povos, enfim, que precisam receber o pão cotidiano da inteligência, de acordo com as suas faculdades e necessidades.
Por isso, aquelas palavras de Jesus e do apóstolo Paulo eram ditas para o futuro, eram palavras que só em séculos ainda muito distantes se haviam de cumprir.
Também por isso é que, em face e em conseqüência da revelação hebraica, e da que o anjo fez a Maria e a José, Jesus, por obra da sua missão terrena, pelos atos que praticou, pelas palavras que proferiu, pelos acontecimentos que formam os pontos culminantes do desempenho daquela missão, tudo dispôs e apropriou, de maneira a servir à época de então e a preparar o futuro para a era cristã, sob o império e o véu da letra, a capa do mistério e o prestígio do milagre, e de maneira também a deixar as bases, os elementos, a sanção prévia de uma nova revelação, de uma 95
revelação da revelação, que viesse despojar da letra o espírito para a era atual do Cristianismo do Cristo, para a era espírita, sob o império do espírito.
Os apóstolos, especialmente Paulo e João, este na sua narrativa evangélica, inspirados pelos Espíritos do Senhor que os assistiam e guiavam no desempenho de suas missões, a fim de que o que tinha de ser dito e feito o fosse, caminharam pelas sendas que Jesus traçara.
Jesus proferiu palavras que, em face da revelação hebraica e da revelação do anjo a Maria e a José, em face dos atos que ele praticou e da obra da sua missão terrena, tinham que, na sucessão dos tempos, de acordo com o estado das inteligências, os preconceitos e as tradições, as necessidades e aspirações de cada época, chamar primeiramente a atenção dos homens e ser, como aquelas duas revelações, consideradas segundo a letra. Pronunciou igualmente palavras destinadas a só prenderem a atenção dos homens quando pudessem e devessem ser explicadas em espírito e verdade, por uma nova revelação tornada necessária e que viria ao mesmo tempo corrigir os erros de todas as interpretações humanas a que houvessem dado lugar, dentre aquelas palavras, as que tivessem servido de base às crenças produzidas, segundo a letra, pela infância da humanidade.
Do mesmo modo, os apóstolos Paulo e João, seguindo os caminhos que Jesus traçara, proferiram palavras destinadas também a fixar primeiramente a atenção dos homens e a ser tomadas segundo a letra e palavras outras, das quais eles próprios não compreendiam o sentido exato, nem o motivo e o fim com que lhes foram inspiradas, destinadas a só despertarem a atenção dos homens, para lhes procurarem o espírito, quando pudessem e devessem ser explicadas em espírito e 96
verdade pela nova revelação, sob o império do espírito.
A missão das apóstolos, especialmente a de Paulo, consistia em preparar e abrir os caminhos à era cristã, sob o império da letra, proferindo palavras cujo espírito, como era mister sucedesse, se conservava para eles velado pela letra e destinadas a servirem de base, de elementos, de meios e de sanção prévia à revelação futura, à revelação da revelação.
Aqueles dois apóstolos, como os outros, serviram assim, segundo as vontades do Senhor, àquela época e prepararam o futuro, cada um nos limites da sua missão terrena, no meio, no tempo e nas condições que a sábia previdência de Jesus dispusera.
Nenhuma das palavras de João, como nenhuma das de Paulo, acerca da natureza e da origem espirituais de Jesus, da sua posição espírita com relação a Deus e ao planeta terreno, da natureza do corpo que ele tomou, do modo e das condições em que esse corpo se formou, para sua aparição e passagem pela Terra, deve ser rejeitada. Ao contrário, todas têm que ser entendidas e explicadas segundo o espírito que vivifica e, portanto, em espírito e verdade.
Os versículos de João referentes a esses pontos (vv. 1, 2, 3, 14 e 18) precisam não ser isolados das palavras de Jesus registadas pelos quatro evangelistas e das de Paulo dirigidas, de um lado, aos Hebreus e, de outro, aos Gentios.
Antes de vos explicarmos de maneira especial, em espírito e verdade, os versículos de João, vejamos primeiro o que o próprio Jesus disse e, depois, o que disse o apóstolo Paulo.
Quanto às palavras de Jesus, essas, iluminadas pela luz do espírito que vivifica, excluem a divindade que os homens lhe atribuíram; proclamam a sua inferioridade com relação ao pai, que ele declara ser o único Deus verdadeiro e do qual se 97
5 Ver infra, no n. 47 (cap. XIV, v. 12), a explicação destas palavras segundo o espírito.
diz servo e enviado; mostram, veladas pela letra, a natureza e a origem extra-humanas, estranhas a toda genealogia humana, que ele conservou quando apareceu na Terra a desempenhar entre os homens a missão superior, que trazia, de Messias, de Cristo; mostram, também veladas pela letra, sua posição espírita de Espírito fundador, protetor e governador do planeta terreno, constantemente em comunicação direta com o Pai, por ser ele o único encarregado do desenvolvimento e do progresso desse planeta e da Humanidade que o habita, único encarregado de a levar à perfeição.
Apreciemos primeiramente as que excluem a divindade que os homens lhe atribuíram e as que proclamam a sua inferioridade com relação ao Pai, que ele declara ser o único Deus verdadeiro e do qual se diz servo e enviado.
Jesus nunca se disse Deus. Não somente nenhuma de suas palavras permite se afirme ou mesmo se pense tal coisa, como, ao contrário, elas excluem a divindade que os homens lhe atribuíram.
A seus discípulos disse: "Em verdade, em verdade voz digo: Aquele que crê em mim fará as obras que eu faço e fará outras ainda maiores, pois que me vou para meu pai"5. Se ele fosse Deus, uma fração, ainda que inseparável, de Deus, como poderia o homem igualá-lo e, ainda menos, sobrepujá-lo nos atos?
Ao mancebo rico, que lhe chama "bom Mestre", responde com esta interpelação: "Porque me chamas bom? Bom só Deus o é." (MATEUS, XIX, v. 16; MARCOS, X, v. 17; LUCAS, XVIII, vv. 18-19.) — Ele, pois, não é Deus. Se o fosse, conforme explicamos no comentário aos três primeiros Evangelhos, direito lhe assistia ao qualificativo de bom. Assim podia ser qualificado ele, que era bom por excelência, cuja bondade o colocava tão acima de todos os homens, quando 98
6 Ver: Evangelhos de MATEUS, MARCOS e LUCAS reunidos (3º vol., n. 239, pág. 196).
7 Ver 3º vol., n. 261, pág. 284.
no meio destes. Respondendo, pois, daquela forma, teve em mente protestar, indireta e veladamente, contra a divindade que, sabia-o ele, os homens lhe haviam de atribuir.6
Ao escriba, que lhe pergunta qual o primeiro de todos os mandamentos, responde: "O primeiro de todos os mandamentos é este: "Escuta, Israel: o Eterno, teu Deus, é o único eterno; tu amarás o Eterno, TEU Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito, com todas as tuas forças. Esse é o primeiro mandamento."
A essa resposta faz o escriba a seguinte observação: "Mestre, o que disseste é muito verdade, isto é: que não há SENÃO UM SÓ Deus, que não há outro além dele".
Vendo Jesus que era criteriosa a observação do escriba, disse: "Não estás longe do reino de Deus." (MARCOS, XII, vv. 28-29, 32-34.)
Citando desse modo o Deuteronômio (cap. VI, vv. 4-5) e sancionando com a sua aprovação a observação do escriba, Jesus, como já explicamos no comentário aos três primeiros Evangelhos7, proclama que o Deus de Israel é o eterno, o único eterno, que é o Deus uno, o único Deus dos Hebreus, por ser o único Deus verdadeiro; proclama que nenhum outro há além desse. Por essa forma, proscreve, de antemão, em nome do monoteísmo hebraico, a divindade que, com a presciência que tinha do futuro, sabia lhe viria a ser atribuída pelos homens.
Quando os Judeus, tendo ouvido dele estas palavras: "Meu pai e eu somos um" e, preparando-se para lapidá-lo, lhe declararam: "Queremos apedrejar-te por causa da tua blasfêmia, PORQUE, sendo homem, tu te fazes passar por Deus", Jesus lhes responde: "Não está escrito na vossa lei isto: "Eu disse — Sois deuses?" Ora, se ela chama deuses àqueles a quem a 99
palavra de Deus é dirigida e se a Escritura não pode ser anulada, como dizeis que blasfemo por haver dito que sou filho de Deus, eu a quem meu pai santificou e enviou ao mundo?" (JOÃO, X, vv. 31-36.)
Dizendo isso, citando as palavras do profeta do Salmo LXXXI, v. 6, e deixando intencionalmente obscura uma parte da citação, Jesus prepara a transição que se havia de operar sob o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, e cuja necessidade, motivo e fim há pouco explicamos, e ao mesmo tempo proscreve, de antemão, a divindade que lhe atribuiriam, infirmando desde logo o sentido que, sob o império da letra, seria dado a esta expressão — filho de Deus, para servir de base àquela divindade, para fazer dele uma fração, se bem que inseparável, de Deus, para fazê-lo igual a este. Do mesmo passo confirmava e salientava o que havia dito ao escriba, porquanto, como sabeis, o Salmo LXXXI vv. 1 e 6, reza: "Deus tomou parte na assembléia dos deuses e, sentado no meio deles, julga os deuses"; e: "Eu disse: Sois deuses e todos sois filhos do Altíssimo (filhos de Deus, porquanto o Altíssimo é Deus, o Deus dos deuses").
Dessa maneira, citando o Salmo LXXXI que é "Escritura que não pode ser anulada", Jesus proclama que, como os Judeus, que o acusavam de blasfemo, como todos os homens, ele é filho do Altíssimo, filho de Deus, do Deus dos deuses; que é, pois, deus, como todos o são, por serem filhos do Altíssimo. Fulmina assim, embora velando seu pensamento com as palavras, como importava que o fizesse, a acusação que lhe lançavam de querer fazer-se Deus, o Eterno, o único eterno, fazer-se igual ao Deus de Israel, ao único Deus verdadeiro, uno e indivisível. Ainda mais: repele e condena desde logo o sentido que ao que ele acaba de dizer: "Meu pai e eu somos um", dão os Judeus, pretendendo que, com o dizer isso, ele se faz passar por 100
8 Ver adiante, no n. 35 (JOÃO, X, vv. 31-36), a explicação destas palavras de Jesus e do Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, e, aqui em seguida, na explicação dos vv. 1 e 2 do cap. 1.
Deus. Finalmente, citando aquele Salmo, Jesus proclama que, em espírito e verdade, segundo o espírito despojado da letra, é irmão dos homens, como Espírito criado que, oriundo, semelhantemente a todos, do mesmo princípio, tivera no seu ponto inicial a mesma origem; que é filho do Altíssimo, filho de Deus, como todos o são, do Deus dos deuses, que é seu pai e, conforme ele o disse e daqui a pouco lembraremos, pai dos homens, que é seu Deus e Deus dos homens, isto é, daqueles a quem a palavra divina é dirigida, dos homens irmãos dele, que o Eterno, o Deus de Israel, o Deus uno, indivisível, que cria, mas sem fracionar a sua essência, santificou e enviou ao mundo. Em Suma, citando o Salmo, Jesus proclama que ele é deus como os homens são deuses, quer no sentido politeísta, do ponto de vista transitório dos Hebreus, quer em espírito e verdade8, visto que todos são deuses, como filhos do Altíssimo, filhos de Deus, filhos do Deus dos deuses, criaturas, Espíritos criados, todos oriundos, igualmente, do Criador incriado.
Quando aparece a Maria Madalena, Jesus lhe ordena: "Vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte que: subo a MEU pai E VOSSO pai, a MEU Deus E VOSSO Deus." (JOÃO, XX, v. 17.)
Quando aparece a Maria Madalena e às outras mulheres, diz-lhes: "Ide dizer a meus irmãos que vão à Galiléia; que lá é que me verão." (MATEUS, XXVIII, v. 10.)
Após a Ceia, no momento em que vai entregar-se aos homens, solenemente condena a divindade que as interpretações humanas lhe haviam 101
de atribuir e confirma tudo quanto dissera antes contra essa divindade, bem como o sentido, em espírito e verdade, das palavras do profeta (Salmo LXXXI, vv. 1-6), o monoteísmo hebraico, a existência de um Deus uno, indivisível, que cria mas sem o fracionamento da sua essência, declarando:
"A vida eterna, ó meu pai, consiste em te conhecer a ti, que és o único Deus VERDADEIRO, e em conhecer a Jesus-Cristo, que tu enviaste." (JOÃO, XVII, v. 3.)
Proclamando que o pai é o único Deus verdadeiro, Jesus-Cristo proclamou a sua inferioridade com relação ao Pai e, proclamando a sua inferioridade, repeliu e condenou de antemão a divindade que os homens lhe atribuiriam.
Ele disse: "Meu pai é maior do que eu." (JOÃO, XIV, v. 28.) Se ele fosse Deus, uma fração, uma parte, ainda que inseparável, de Deus, igual a Deus, seria tão grande quanto seu pai, que é igualmente o PAI dos homens, quanto o SEU DEUS, que é também o DEUS dos homens.
É filho do Altíssimo, filho de Deus, como os homens, que são seus irmãos. (JOÃO, X, v. 36 e Salmo LXXXI, vv. 1-6.)
É filho único de Deus (JOÃO, III, v. 18), com relação à vossa humanidade, pela sua pureza, pela sua elevação espiritual e pelo seu poder sobre o planeta terreno.
A Tiago e a João, filhos de Zebedeu, disse ele, diante dos outros discípulos: "Pelo que respeita a vos assentardes à minha direita ou à minha esquerda, NÃO ESTÁ em mim vo-lo conceder; isso só é dado àquele para quem meu pai o preparou." (MARCOS, X, v. 40.)
Ora, se ele fosse Deus, parte, ainda que inseparável, de Deus, igual a Deus, necessariamente lhe caberia, em comum com o Pai, conceder a Tiago e a João o direito de se sentarem à sua direita ou à sua esquerda, de lhes preparar essa situação. 102
Mas, precisamente por não ser Deus, Jesus-Cristo proclama a supremacia de Deus sobre todo e qualquer Espírito criado, por mais elevado que este seja, e proclama que ninguém, senão somente Deus, sabe quando um Espírito é bastante puro para "se sentar à direita ou à esquerda do seu enviado".
A seus discípulos, falando-lhes do fim do mundo, disse:
"Quanto a esse dia e a essa hora ninguém os conhece, NEM MESMO os anjos do céu, SENÃO SOMENTE meu pai." (MATEUS, XXIV, v. 36.) — Quanto a esse dia e a essa hora, NINGUÉM o SABE, NEM os anjos que estão no céu, NEM o filho; só o pai o sabe." (MARCOS, XIII, v. 32.)
Se o filho, Jesus-Cristo, fosse Deus, fração, ainda que inseparável, de Deus, igual a Deus, ele saberia tanto como Deus.
Também disse: "Minha doutrina NÃO É minha, É daquele que me enviou." (JOÃO, VII, v. 16.) — "Não digo no mundo senão o que ele me ensinou." (JOÃO, VIII, v. 26.) — "NÃO DIGO SENÃO o que meu pai me ensinou." (JOÃO, VIII, v. 28.)
Se Jesus-Cristo fosse Deus, parcela, ainda que inseparável, de Deus, igual a Deus, a doutrina daquele que o enviou seria, dada essa inseparabilidade, também sua e ele nada teria tido que aprender de Deus, pois que era Deus; nada lhe poderia ter sido ensinado por aquele que o enviara, uma vez que, em virtude daquela inseparabilidade, ele tudo devia saber de toda a eternidade, como Deus que era.
Mas, precisamente porque não é Deus e sim, como Espírito criado, irmão dos homens, tendo Deus por pai, como estes, em conseqüência de ser idêntica a criação de todos, sendo Deus, portanto, seu pai e pai deles, seu Deus e o Deus deles, é que 103
proclamou a sua inferioridade como servo e enviado de Deus, dizendo:
"Meu pai, que me enviou, é quem, por SEU MANDAMENTO, me prescreveu o que devo dizer e como devo falar." — (JOÃO, XII, v. 49.) — "Sei que seu mandamento é a vida eterna; o que, pois, eu digo, digo-o conformemente ao que meu pai me ordenou." (JOÃO, XII, v. 50.)
Estas palavras, puramente figuradas, de Jesus-Cristo: "Meu pai e eu somos um" (João, X, v. 30), tomadas ao pé da letra, consideradas, segundo a letra, em sentido material, isoladas de todas as que ele pronunciara, quer das que já citamos, quer das que vamos citar, é que serviram de fundamento às interpretações humanas por efeito das quais lhe foi atribuída a divindade.
Essas mesmas palavras, também tomadas ao pé da letra, consideradas, segundo a letra, em sentido material, é que serviram aos Judeus de base para a acusação de blasfemo feita a Jesus. Criam eles que, dizendo-as, tinha Jesus em mente inculcar-se como sendo Deus, atribuir a si próprio a divindade.
Mas, como acabamos de vos explicar, a resposta que ele deu aos Judeus, imprecisa e velada de propósito, tendo em vista a transição que cumpria fosse aparelhada e executada, é exatamente que, compreendida em espírito e verdade, combinada com o texto integral do Salmo LXXXI, vv. 1-6, repele e condena, de antemão, a divindade que lhe havia de ser e foi atribuída pelos homens, pelas falsas interpretações humanas segundo a letra destas expressões "filho de Deus" e "meu pai".
Aquelas palavras: "Meu pai e eu somos um", foram ditas, repetimos, figuradamente, para exprimir a unidade de pensamento que existia, pela afinidade fluídica, pela pureza e pelo amor, entre Deus e o Cristo; que existiria entre os discípulos 104
9 Ver adiante a explicação, em espírito e verdade, das palavras destes versículos.
e os outros homens, conforme ia em breve estabelecer-se entre os discípulos e o Consolador, o Espírito Santo, o Espírito da Verdade, isto é: entre os discípulos e os Espíritos superiores que desceriam até eles, a fim de os inspirar e guiar no desempenho de suas missões terrenas, estabelecendo-se assim, por intermédio desses Espíritos superiores, a mesma unidade de pensamento entre os discípulos e Jesus. É o que ressalta evidente do confronto daquelas palavras com as que o Mestre proferiu a esse respeito (João, XIV, vv. 16, 17 e 20; e XVII, vv. 11, 20-23 e vv. 1, 2 e 3), as quais são formalmente condenatórias da divindade que os homens lhe atribuíram, como ides ver.
Após a Ceia, disse a seus discípulos 9: "Pedirei a meu pai e ele vos dará outro consolador que fique eternamente convosco, o Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê e não o conhece; vós, porém, o conhecereis, porque ele fícará convosco e estará em vós. — Não vos deixarei órfãos, virei a vós; nesse dia, conhecereis que EU ESTOU em meu pai E VÓS em mim E EU em vós." (JOÃO, XIV, vv. 16-17, 18-20.)
A seu pai dirige estas palavras: "Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, a fim de que eles sejam UM, como NÓS. Não peço por eles somente, mas também pelos que hão de crer em mim pelas suas palavras, a fim de fique todos sejam um; a fim de que, pai, assim como tu estás em mim e eu em ti, eles sejam do mesmo modo um em nós, para que o mundo creia que me enviaste." — "Dei-lhes a glória que me deste, a fim de que sejam um, como nós somos um." — "Estou neles e tu em mim, a fim de que eles sejam consumados NA UNIDADE e o mundo conheça que me enviaste e que os amaste como me tens amado." — "Meu pai, a hora é chegada; glorifica a teu filho, a fim de que teu filho te glorifique, assim como lhe deste poder sobre todos os homens, para que ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste. 105
10 Ver a explicação, em espírito e verdade, das palavras destes versículos, no comentário sobre os três primeiros Evangelhos. (3º vol., n. 264, pág. 295 e 296.)
Ora, a vida eterna é conhecer-te a ti que és o único Deus verdadeiro e conhecer a Jesus-Cristo que tu enviaste." (JOÃO, XVII, vv. 11, 20-23 e vv. 2 e 3.)
Com relação ao seu aparecimento e à sua passagem pela Terra, ao modo por que um e outra se deram, as palavras de Jesus, veladas pela letra, como cumpria que fossem, conforme já explicamos, a bem do preparo da transição, cuja necessidade, motivo e fim deixamos apontados, colocam a sua natureza e a sua origem fora da humanidade, mostram que ambas eram extra-humanas, estranhas à maternidade de Maria e à paternidade de José, das quais o julgaram fruto enquanto durou a sua missão terrena; estranhas a toda e qualquer maternidade milagrosa, ao mesmo tempo humana e extra-humana, da virgem Maria, como os homens acreditaram, depois de concluída aquela missão.
"Que pensais do Cristo? De quem é ele filho?" perguntou Jesus aos Fariseus e estes responderam: "De David." Diante dessa resposta, ele lhes observou: "Ora, David disse, pelo Espírito Santo, no Livro dos Salmos: "O Senhor disse a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu tenha reduzido teus inimigos a te servirem de escabelo. Como é o Cristo seu filho, se ele o chama seu Senhor? Desde que ele o chama seu Senhor, como pode o Cristo ser seu filho?" (MATEUS, XXII, vv. 41-45; MARCOS, XII, vv. 35-37; LUCAS, XX, vv. 41-44.) 10
Aos Judeus que lhe observaram: "Ainda não tens cinqüenta anos e dizes que viste Abraão", respondeu Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo: EU Sou, antes que Abraão fosse." (JOÃO, VIII, vv. 57-58.)
Dirigindo-se a Deus, seu pai, que ele acaba de declarar ser o único Deus verdadeiro, diz: "Tu me amaste antes da constituição do mundo." (JOÃO, XVII, 106
11 Sendo sempre Espírito, debaixo daquele perispírito tangível, com a aparência do corpo humano, ele estava sempre no céu.
v. 24.) — "E agora glorifica-me tu, pai, em ti mesmo com a glória que tive em ti antes que o mundo fosse. (JOÃO, XVII, v. 5.)
Tendo dito ao povo: "Sou a luz do mundo; aquele que me segue não caminha nas trevas, terá, ao contrário, a luz da vida", os Fariseus o acusavam de dar um testemunho que não era verdadeiro. Ao que ele retrucou: "SEI donde venho e para onde vou; vós, porém, não sabeis donde venho nem para onde vou." — Aos Judeus que, quando ele disse: "Não podeis vir onde eu vou", declaravam: "Quer dizer que se suicidará", observou: "Vós sois deste mundo, mas, eu sou do alto; sois deste mundo, EU, porém, não sou deste mundo." — "Quem me convencerá de pecado?" (JOÃO, VIII, vv. 23 e 46.) — "DESCI DO CÉU, NÃO para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou." (JOÃO, VI, v. 38.)
No seu colóquio com Nicodemos, disse-lhe: "Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber: o filho do homem, que está11 no céu." (JOÃO, III, v. 13.)
Aludindo ao seu aparecimento na Terra e à sua passagem por este planeta, à sua morte no Gólgota, morte aparente, mas que os homens, como era mister sucedesse, consideraram real; aludindo à sua ressurreição, às suas aparições às mulheres e aos discípulos, disse ele: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira, sou eu que a deixo por mim mesmo: tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar; este MANDAMENTO RECEBI de meu pai." (JOÃO, X, vv. 17-18.)
A seus discípulos, quando entre si murmuravam por haver ele dito aos Judeus: "Desci do céu", pergunta: "Que será então se virdes o filho do homem subir para onde antes estava?" (JOÃO, VI, v. 62.)
Palavras de Jesus e de João, o Precursor, também veladas umas e outras intencionalmente pela letra, que mostram a posição espírita do primeiro com relação a Deus, ao planeta que habitais 107
12 Ele, pois, não é Deus, porquanto nenhum homem jamais viu a Deus. (JOÃO, I, v. 18.) Assim, ele é o princípio, não porque seja Deus, mas por ser fundador da Terra, como ministro de Deus.
e à humanidade terrena, apontando-o como Espírito fundador, protetor e governador do mundo terrestre, a cuja formação presidiu, tendo, na qualidade de representante e delegado de Deus, plenos poderes, no céu e na terra, sobre todos os Espíritos que nesta encarnam:
Falando de si, que sofria a encarnação humana, e de Jesus, que não a sofria, e para proclamar a supremacia deste sobre o vosso planeta, como seu governador e protetor, João, o Precursor, inspirado pelos Espíritos superiores que o assistiam e guiavam no desempenho da sua missão, diz àqueles de seus discípulos que haviam discutido com os Judeus: "Aquele que veio do alto está acima de todos; aquele que é da terra é da terra e da terra fala. Aquele que veio do céu está acima de todos. — Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, pois que Deus não lhe dá o Espírito por medida. — O pai ama o filho e tudo lhe pôs nas mãos." (JOÃO, III, vv. 31, 34 e 35.)
Tendo dito aos Judeus: "Quanto a vós, sois deste mundo, mas, quanto a mim, sou do alto; sois deste mundo, eu, porém, não sou deste mundo", os Judeus lhe perguntaram: "Então, quem és tu?" Ao que ele respondeu: "Princípio, eu que vos falo" 12. (JOÃO, VIII, vv. 23 e 25.)
Também, respondendo aos Judeus que, por tomarem estas palavras — "meu pai" — segundo a letra, materializando-as, e não em espírito e verdade, o acusavam de se fazer igual a Deus, diz: "Em verdade vos digo que o filho nada pode fazer de si mesmo, senão apenas o que vir o pai fazer; o que, pois, o fizer o filho semelhantemente o faz. Porque o pai ama o filho e lhe mostra tudo o que faz e obras ainda maiores do que estas lhe mostrará, que vos maravilharão." (JOÃO, V, vv. 19-20.)
Protestando dessa forma, como era necessário que o fizesse, tendo em vista a transição que cum- 108
pria fosse, sob o véu da letra, aparelhada e executada, contra a acusação, que lhe lançavam, de querer igualar-se a Deus, como parte destacada de Deus, embora inseparável deste, Jesus proclama que a sua personalidade, a sua entidade são distintas do pai e inferiores ao pai, declarando que nada faz como poder criador, pois que este só a Deus pertence, mas que tudo faz no desempenho de um ministério. Quer isso dizer que o que faz lhe é inspirado, mostrado e, conseguintemente, ensinado por Deus. E, se assim é com relação ao que tem feito, assim será com relação às obras ainda maiores que fará.
Designando a Deus por seu pai e ao mesmo tempo designando-se, quando de si fala dirigindo-se a Deus, por "teu filho", tudo em obediência à necessidade de aparelhar e executar, sob o véu da letra, a transição, diz, referindo-se a si próprio como filho de Deus: "Assim como lhe deste poder sobre todos os homens, para que ele dê a vida eterna, a todos os que lhe deste. Ora, a vida eterna é conhecer-te a ti que és o único Deus verdadeiro e conhecer a Jesus-Cristo que tu enviaste". (JOÃO, XVII, vv. 2-3.)
A seus discípulos diz: "Meu pai tudo me pôs nas mãos". (Mateus, XI, v. 27.)
Desse modo proclama, em espírito e verdade: que Deus é uno, indivisível, único que cria, mas sem fracionar a sua essência; que, como filho, ele, Jesus, não é Deus e sim Espírito criado por Deus e Espírito protetor e governador do planeta terreno, tendo recebido de Deus todo o poder sobre os homens, a fim de os levar à perfeição; que foi e é entre estes um enviado de Deus e que aquele poder lhe foi dado com esse objetivo, com esse fim.
Sempre dentro da mesma ordem de idéias é que responde a Pilatos: "Tu o dizes, sou rei. Para isto nasci e para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da 109
verdade escuta a minha voz". (João, XVIII, v. 37); — é que diz a seus discípulos por ocasião da sua chamada ascensão, quando, terminada a sua missão terrena, ia elevar-se, diante deles, para as regiões etéreas, voltando à natureza espiritual que lhe era própria: "Todo poder me foi dado no céu e na terra", isto é: sobre todos os Espíritos encarnados e errantes do vosso mundo. (Mateus, XXVIII, v. 18); — é que disse também a seus discípulos: "Vós me chamais mestre e senhor e dizeis bem, porque eu o sou". (João, XIII, v. 13.) "Sou o caminho, a verdade, a vida; ninguém vem ao pai senão por mim". (João, XIV, v. 6.)
Palavras de Jesus que, sempre sob o véu da letra, o mostram em relação direta com o pai, como sendo o único encarregado do desenvolvimento e do progresso do vosso planeta e de vos conduzir à perfeição.
"Aquele que me enviou ESTÁ comigo e não me deixa só, porque faço o que é do seu agrado." (JOÃO, VIII, v. 29.)
"Eu sou o pão de vida." (JOÃO, VI, v. 48.) "Eu sou o pão vivo que desci do céu." (JOÃO, VI, vv. 41 e 51.) — "O pão de Deus, disse ele falando de si, é o que DESCE DO CÉU e dá vida ao mundo." (JOÃO, VI, v. 33.) — "Sou a luz do mundo; aquele que me segue não anda em trevas; terá, ao contrário, a luz da vida." (JOÃO, VIII, v. 12.) — "Eu, que sou a luz, vim ao mundo, a fim de que todo aquele que em mim crê não permaneça nas trevas." (JOÃO, XII, v. 46.)
Depois de haver dito (MATEUS, XI, v. 27): "Meu pai tudo me pôs nas mãos", acrescenta: "E ninguém conhece o filho senão o pai, nem ninguém conhece o pai senão o filho e aquele a quem o filho o tenha querido revelar"; tendo dito também: "A vida eterna é conhecer-te a ti que és o ÚNICO DEUS VERDADEIRO e conhecer a Jesus-Cristo que tu enviaste." (JOÃO, XVII, v. 3.)
Mostrando assim que, pela revelação espírita, Deus daria a conhecer, em espírito e verdade, quem é o "Filho", que só por essa revelação os homens 110
13 Ver adiante a explicação, em espírito e verdade, desses diversos versículos, dessas palavras veladas e figuradas que, como o disse Jesus, devem ser entendidas segundo o espírito que vivifica e que são espírito e vida. (JOÃO, VI, v. 64.)
adquiririam esse conhecimento e que só ele, "o filho", podia e havia de dar aos homens o conhecimento integral de Deus, isto é: de lhes mostrar a verdade sem véu, de os levar à perfeição, Jesus, ao chegar o momento em que ia entregar-se aos homens, para que se consumasse o sacrifício do gólgota, exclama:
"Meu pai, é chegada a hora; glorifica a teu filho, a fim de que teu filho te glorifique; assim como lhe deste poder sobre todos os homens, que ele dê a vida eterna a todos os que lhe deste. Ora, a vida eterna é conhecer-te a ti que és o ÚNICO DEUS VERDADEIRO e conhecer a Jesus-Cristo que tu enviaste." (João, XVII, vv. 1-2-3.) — "Quero que onde eu estou estejam comigo aqueles que tu me deste — (e os que hão de crer em mim pela palavra deles) — para verem a minha glória, que foste tu que me deste, porque me amaste antes da criação do mundo." — "Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei, a fim de que sejam um como tu, meu pai (que és o único deus verdadeiro) és em mim e eu em ti, para que também eles sejam um em nós, — A fim de que sejam um como nós somos um." "Eu estou neles e tu estás em mim, para que eles sejam consumados na unidade e para que o mundo conheça que tu me enviaste e que os amaste como me amaste a mim." (JOÃO, XVII, vv. 24, 26, 22, 21.) 13
Vejamos agora as palavras de Paulo acerca da natureza e origem espirituais de Jesus, da sua posição espírita com relação a deus e ao vosso planeta, da natureza do corpo que ele revestiu para aparecer na terra e desempenhar a sua missão terrena, coisas todas essas veladas para aquele apóstolo, como para todos os outros, pela letra da 111
revelação hebraica, pela da revelação do anjo a Maria e a José e pela das palavras do mestre.
Por inspiração dos Espíritos superiores que o assistiam e guiavam no desempenho da sua missão, Paulo disse tudo quanto devia dizer, a fim de que o que tinha de ser se verificasse, e o disse de maneira que, de um lado, servisse àquela época, preparasse e realizasse a transição, cuja necessidade, motivo e fim já vos explicamos, e que se ia efetuar, como se fazia mister, de acordo com a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, pela era cristã sob o império e o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre; e, de outro lado, estabelecesse as bases, os elementos e os meios da revelação então futura e que, nos tempos preditos por Jesus, havia de progressivamente explicar, pelo Espírito da Verdade, segundo o espírito que vivifica, tudo o que estivesse oculto e mantido sob o véu da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre.
Dentro dos limites em que lhe cumpria desempenhar a sua missão terrena, Paulo ignorava e tinha que ignorar a natureza e a origem espirituais de Jesus, sua posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta e a natureza do corpo que revestira para fazer seu aparecimento e sua passagem pela Terra. Tinha Paulo que ignorar tudo isso, porque aos homens só é dado aquilo que podem suportar e porque só a revelação predita e prometida do Espírito da Verdade deveria, quando eles se houvessem tornado capazes de a receber, pôr a descoberto o que estava oculto, dar a conhecer o que era secreto, iniciando-os nos segredos de além-túmulo.
Para aquele apóstolo, como para todos os outros discípulos e para a multidão, Jesus era um ente excepcional, que a inteligência humana não sabia definir; que tinha, sob o véu da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre, uma origem e uma natureza, ao mesmo tempo, humanas 112
e extra-humanas, divinas. As crenças que, durante e após o desempenho da missão terrena do Mestre, se desenvolveram, segundo os preconceitos, as tradições, a letra da revelação hebraica e da do anjo a Maria e a José, em face e por efeito da obra daquela missão, de acordo com o estado das inteligências, as necessidades e aspirações da época, é que haviam de levar os homens, com o caminhar dos tempos, a ver em Jesus-Cristo um homem tal como os do planeta terrestre, quanto ao invólucro corporal, e um Deus, como filho de Deus, encarnado no seio de Maria virgem, uma parte destacada de Deus, embora inseparável dele, igual a Deus.
Mas, tendo que ser transitórias essas crenças, preciso era que se preparassem as bases e os elementos da futura revelação do Espírito da Verdade, destinada a explicar, sob o império do espírito, segundo o espírito que vivifica, despojado da letra o espírito, a dupla revelação hebraica e messiânica, a necessidade, o motivo e o fim de ambas, assim como a necessidade, o motivo e o fim da obra da missão terrena de Jesus-Cristo e da obra da missão dos apóstolos.
Estando tudo então preparado e previsto, desde longos séculos, com o fito do progresso humano, como condição e meio de realização desse progresso, quer relativamente ao que havia de ser transitório e circunstancial, mas necessário, sob o véu da letra, como preparação, quer relativamente ao que havia de ao mesmo tempo conter as bases, os elementos e os meios das revelações progressivas que se seguiriam, Jesus era "filho de David", segundo a letra da revelação hebraica que, semelhantemente à revelação do anjo a Maria e a José, tinha, o que sempre se verifica, seu sentido oposto.
Essa origem e essa natureza humanas de Jesus, eis como o apóstolo Paulo as proclama:
Dá-o como, "segundo a carne, provindo dos patriarcas, pais dos Israelitas" (Epístola aos Romanos, 113
14 Aquele que seria o próprio Deus, como parte destacada deste, embora inseparável dele, igual a Deus, destinado a se consumar, a se aperfeiçoar pelo sofrimento e feito um pouco inferior aos anjos!... Palavras são estas ditas para aquele momento, transitórias, necessárias então a uma humanidade que se achava na infância, a homens materiais, que não podiam compreender outros sofrimentos que não os sofrimentos físicos; palavras necessárias, tendo-se em vista o progresso humano, a preparar e conduzir os homens, pela letra, ao espírito que vivifica, a reconhecerem mais tarde que Jesus não era NEM homem do planeta terreno, mortal, sujeito à morte humana, NEM DEUS.
IX, vv. 3, 4 e 5), como "provindo, pois, da vossa humanidade", sujeito, portanto, à morte, como vós, "morto" pelos pecados dos homens e "ressuscitado". (1º Epístola aos Coríntios, XV, vv. 13-16; Epístola aos Romanos. VIII, v. 34.) — "Que é o homem, pois que (Deus) se lembra dele; e que é o filho do homem, pois que o visita? — Deus o tornou um pouco menor do que os anjos, o coroou de glória e de honra, por causa da "morte" que sofres, tendo o mesmo Deus querido que ele por todos morresse. — Porque, bem digno era de Deus, para quem e por quem todas as coisas são; que, querendo conduzir à glória muitos filhos, consumasse, aperfeiçoasse14 pelo sofrimento aquele que havia de ser o chefe e o autor da salvação deles e ao qual Deus sujeitou todas as coisas, pondo-as debaixo de seus pés." (Epistola aos Hebreus, II, vv. 6-7, 9-10.) — "Ele se tornou, não o libertador dos anjos, mas o libertador da raça de Abraão. Eis porque importava que fosse, em tudo, semelhante a seus irmãos, para ser perante Deus um pontífice misericordioso e fiel no seu ministério, a fim de expiar os pecados do povo, pois é das penas e sofrimentos mesmos pelos quais foi tentado e experimentado que ele tira o poder de socorrer os que também são tentados. Como, pois, os filhos que Deus lhe deu são de uma natureza mortal, composta de carne e de sangue, ele, por isso, participou dessa mesma natureza, a fim de destruir pela morte o principio da morte, isto é: o diabo." (Epístola aos Hebreus, II, vv. 16-17, 13-14.)
Essas palavras foram de atualidade para aque- 114
la época e, para as gerações que se seguiriam até aos vossos dias, foram transitórias e preparatórias do advento do espírito. Foram elas que trouxeram a humanidade à era, que diante de vós se abre, do Cristianismo do Cristo, à era espírita, em que o Espírito da Verdade vem, da letra das revelações hebraica e messiânica, da obra da missão terrena de Jesus e da dos apóstolos, tirar o espírito.
Jesus era um ser ao mesmo tempo misterioso, excepcional, divino, com uma origem e uma natureza extra-humanas, mas misteriosas, obscuras, conforme à letra da revelação hebraica, da do anjo a Maria e a José e, em face dessas duas revelações, conforme ainda às palavras do próprio Jesus, à sua vida pura, sem mancha, aos "milagres" que realizou, aos acontecimentos culminantes da sua missão terrena, à sua morte, à Sua "ressurreição", às suas aparições às mulheres e aos discípulos, às circunstâncias em que se deram esses fatos, finalmente à sua ascensão para as regiões etéreas.
O mesmo apóstolo Paulo que, segundo a letra da revelação hebraica, proclamou a existência de uma natureza e de uma origem humanas em Jesus, também oportunamente proclamou ter ele uma origem e uma natureza extra-humanas, estranhas a quaisquer concepção e nascimento, Seja meramente humanos, como filho de Maria e de José, seja por efeito de uma maternidade "milagrosa". de Maria, sendo ela virgem.
Comprovou assim que a concepção e a gestação em Maria e, conseguintemente, sua gravidez e seu parto por obra do Espírito Santo, destinados a ser tidos como reais pelos homens, foram apenas aparentes. Comprovou, pois, que o que se formara no seio de Maria, por obra do Espírito Santo, fora simplesmente aparente, fora obra espírita e não uma realidade, que não houvera realmente concepção, gravidez e parto, os quais, na Terra, não podem verificar-se sem o concurso dos dois sexos. 115
E essa origem e natureza extra-humanas de Jesus, Paulo as proclamou também, exatamente como fizera com relação à natureza e à origem humanas do mesmo Jesus, de acordo com a letra da revelação hebraica. É que tudo estava preparado e previsto, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, para que, em cada época, em cada era, como já o temos dito, fosse fornecido aos homens o pão da inteligência, de acordo com suas faculdades e necessidades, e para que, por meio de revelações sucessivas, eles fossem progressivamente conduzidos pelo caminho da luz e da verdade.
Apreciemos as palavras com que Paulo proclamou a origem e a natureza extra-humanas de Jesus.
Foi Deus quem formou para Jesus um corpo, declara-o ele nestes termos: "O filho de Deus ao entrar no mundo diz: "Não quiseste hóstia nem oblata, mas me formaste um corpo." (Epístola aos Hebreus, X, v. 5.)
Depois de, por essa forma, haver dito que Deus formou um corpo para Jesus, proclama que este, como Melquisedec, é sem pai, sem mãe, sem genealogia, dizendo:
"Pois este Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que veio ao encontro de Abraão, quando este voltava da matança dos reis, e o abençoou e com quem Abraão repartiu o dízimo de tudo, e que se chama, primeiramente, por interpretação do seu nome, rei de justiça, depois, rei de Salém, que quer dizer rei de paz, que É sem pai, sem mãe, sem genealogia, que não tem começo de seus dias, nem fim de vida, semelhante assim ao filho de Deus, continua sacerdote para sempre." (Epístola aos Hebreus, VII, vv. 1-3.)
Desse modo, numa linguagem velada pela letra, Paulo declara que Jesus surgiu na Terra e fez sua passagem por esse planeta, cumpriu a sua missão 116
terrena, com um corpo que não se formou mediante concepção, gravidez, gestação e parto humanos, quer como obra humana de Maria e de José, quer como obra milagrosa produzida em Maria virgem, e sim com um corpo formado por Deus, isto é: de acordo com as leis naturais e imutáveis que Deus instituiu de toda a eternidade, mas diversas das que, no vosso planeta, regem a formação do corpo humano, exigindo, para esse efeito, o concurso dos dois sexos.
Proclama ainda, também sob o véu da letra, que aquele corpo que Jesus tomara, que constituía, ao ver dos homens, a sua vida e que não era idêntico aos corpos humanos da Terra, não estava sujeito, como estes, à morte. De sorte que sua morte no Gólgota, destinada a ser pelos homens considerada real, foi apenas aparente, como apenas aparentes foram — a concepção, a gravidez, a gestação e o parto em Maria virgem, por obra do Espírito Santo, a maternidade humana de Maria e a paternidade humana de José, enquanto ele desempenhou a sua missão terrena, a maternidade de Maria, virgem, depois do desempenho daquela missão. Assim, igualmente e pela mesma razão, apenas aparente foi a sua vida "humana", porquanto, segundo o espírito oculto pela letra, o seu aparecimento e a sua passagem pela Terra foram o que tinham sido o aparecimento e a passagem de Melquisedec, que veio ao encontro de Abraão e que, semelhantemente a Jesus, era sem pai, sem mãe, sem genealogia — uma manifestação espírita, uma aparição, ora visível e tangível ao mesmo tempo, ora simplesmente visível, de acordo com as necessidades e as circunstâncias da missão que viera desempenhar, antes e depois do sacrifício do Gólgota.
Eis como a tal respeito se expressa aquele apóstolo:
Depois de haver dito que Jesus é pontífice eter- 117
no, sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedec (Epístola aos Hebreus, VI, v. 20 e VII, v. 17), acrescenta, sempre falando de Jesus: "que ele se fez pontífice eterno, não segundo a lei de uma sucessão carnal, MAS pelo poder de sua VIDA insolúvel (que lhe não pode ser tirada, destruída) — "non secundum legem mandati carnalis, SED secundum virtutem vitae insolubilis." (Epístola aos Hebreus, VII, v. 16.) Isto porque, como já ele o dissera, Jesus-Cristo é "sem pai, sem mãe, sem genealogia", "não tem NEM começo de seus dias, NEM fim de sua vida" e porque "NÃO TENDO Deus QUERIDO sacrifício nem oblata, lhe formou um corpo."
Aquelas palavras de Paulo são uma conseqüência e uma aplicação explícita das de Jesus aludindo ao corpo que trazia, corpo que, segundo a maneira de ver dos homens, constituía a sua vida, mas que era apenas instrumento e meio de execução da sua missão terrena; aludindo ao seu aparecimento e à sua passagem pela Terra, ao sacrifício do Gólgota, à sua ressurreição, às suas aparições sucessivas às mulheres e aos discípulos, à sua volta para as regiões etéreas, na época da chamada ascensão:
"Deixo a vida PARA a retomar; ninguém ma tira, sou eu que a deixo por mim mesmo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar; MANDAMENTO QUE RECEBI de meu pai."
Declarando que Jesus era sem pai, sem mãe, sem genealogia, e que, para entrar no mundo, Deus lhe formara um corpo e acrescentando que esse corpo era a imagem da substância de Deus, o apóstolo Paulo comprova e proclama, sob o véu da letra, que Jesus fez seu aparecimento e sua passagem pela Terra com um corpo fluídico em estado de tangibilidade, semelhante ao do homem terreno, mas não da mesma natureza. Comprova, portanto, e proclama que Jesus fora sempre Espírito nesse corpo fluídico apto a longa tangibilidade, sujeito inteiramente à ação da sua vontade e que 118
era, desse modo, dada a correlação que existe entre o finito e o infinito, entre a criatura e o criador incriado, a imagem da substância de Deus, de Deus que é Espírito na substância: inteligência, pensamento, fluido; de Deus para quem o fluido universal, que dele emana e o toca de perto, constitui o instrumento e o meio pelos quais ele opera todas as criações, assim de ordem espiritual e de ordem material, como de ordem fluídica, fluido universal esse que se acha na culminância de tudo quanto dele provém.
Eis o que diz Paulo sobre isso:
"Jesus é o esplendor da glória de Deus, a imagem DA sua substancia." (Epistola aos Hebreus, I, v. 3.) — "Nem toda carne é a mesma carne. Há corpos terrestres e corpos celestes. O primeiro homem é o da terra, o terreno; o segundo homem é o do céu, o celeste. O primeiro Adão foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante." (V Epístola aos Coríntios, XV, vv. 39-40 e 45-47.)
Todas essas palavras daquele apóstolo, sobre a natureza do corpo que Jesus tomou fora da humanidade terrena, eram ditas para o futuro, eram palavras destinadas a só prender a atenção dos homens quando chegasse o momento de serem explicadas em espírito e verdade pela revelação da revelação, que vem despojar da letra o espírito, levantar o véu, pôr a descoberto o "mistério" e o "milagre", explicando um e outro como atos naturais, executados de acordo com as leis da natureza.
Paulo também proclama, Sob o véu da letra, a origem e a natureza espirituais de Jesus, apresentando-o como irmão dos homens, portanto como Espírito criado da mesma forma que estes, provindo, em sua origem, do mesmo ponto inicial que todas as outras criaturas de Deus, que todas as outras essências espirituais, que todos os outros Espíritos; oriundo do mesmo princípio que estes: 119
15 Estas palavras, que Paulo toma ao Salmo XXI, v. 21, e que não devem ser separadas das do Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, segundo o espírito que vivifica atribuem, sob o véu da letra, a todos os Espíritos criados uma origem comum e divina como princípio espiritual.
o Pai; apresentando-o também como um puro Espírito, um Espírito para sempre perfeito, de pureza perfeita e imaculada.
Eis de que maneira ele o proclama:
"Deus: NOSSO pai e Jesus-Cristo: NOSSO Senhor." (Epistola aos Efésios, I, v. 2 e Epístola a Filêmon, v. 3.) — "Aquele que santifica (Jesus-Cristo) e os que são santificados (os homens) VÊM todos de um só principio; EIS PORQUE ele (o que santifica) não se vexa de lhes chamar irmãos15, dizendo: Anunciarei teu nome a meus irmãos e te louvarei no meio da assembléia deles." (Epístola aos Hebreus, 11, vv. 11-12.) — "Ele é SANTO, INOCENTE, SEM MÁCULA, SEPARADO dos pecadores — e mais elevado do que os céus (parte integrante e acessória da terra, para os Hebreus." — Ele é "perfeito para sempre." (Epístola aos Hebreus, VII, vv. 26 e 28.)
Ainda sob o véu da letra, Paulo também proclama a unidade indivisível — Pai, como sendo o único Deus verdadeiro, condenando assim toda divindade que se haja atribuído no passado e que se viesse a atribuir então e de futuro a qualquer outra entidade diversa do Pai, seja no céu, seja na terra. Proclama a posição espírita de Jesus com relação a Deus e ao planeta terreno, como sendo o fundador, o protetor e o governador deste, como sendo o único encarregado do desenvolvimento e do progresso dos homens e de os levar à perfeição, onde, segundo uma locução figurada, Deus será tudo em todos.
Eis como se exprime o apóstolo:
"Não há mais do que um só Deus, pai de todos e que está ACIMA de todos, que estende por todos a sua 120
providência e que ESTÁ em todos nós." (Epístola aos Efésios, IV, vv. 5-6.) — "Aquele que é SOBERANAMENTE bem-aventurado, ÚNICO poderoso, o rei dos reis, o senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade, que habita uma luz inacessível, aquele que nenhum homem jamais viu nem pode ver, a quem cabem a honra e o império na eternidade." (1º Epístola a Timóteo, VI, vv. 15-16.) — "O DEUS de Nosso Senhor Jesus-Cristo, o pai de glória que vos dê um Espírito de sabedoria e de revelação para o conhecimento dele." (Epístola aos Efésios, I, v. 17.) — "Dele, POR ele e nele são todas as coisas." (Epístola aos Romanos, XI, v. 36.) — "Nele. vivemos, nos movemos e somos." (Atos dos Apóstolos, XVII, v. 28.)
"Nenhum outro Deus há senão só um; porquanto, ainda que haja os que são chamados deuses, quer no céu, quer na terra, não há, todavia, PARA NÓS, sendo um só Deus que é o pai, de quem todas as coisas procedem e em quem existimos; SENÃO um único Senhor, que é Jesus-Cristo, por quem todas as coisas foram feitas e por quem somos o que somos." (1º Epístola aos Coríntios, VIII, vv. 4-6.) — "Jesus-Cristo é a cabeça." (Epístola aos Efésios, IV, v. 15.) — "Ele é a cabeça de cada homem e Deus é a cabeça de Jesus-Cristo." (1º Epístola aos Coríntios, XI, v. 3.) — "Jesus-Cristo há de reinar até que haja posto sob seus pés todos os inimigos. Ora, a. morte é o inimigo que por último será destruído, pois a Escritura diz que Deus tudo lhe pôs sob os pés, tudo lhe sujeitou. Mas, quando ela diz que tudo lhe está sujeito, sem dúvida excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas. Quando, pois, todas as coisas estiverem sujeitas ao filho, o filho estará então sujeito AQUELE QUE lhe sujeitou todas as coisas. A FIM DE QUE Deus seja tudo EM todos." (1º Epístola aos Coríntios, XV, vv. 25-28.)
Também essas eram palavras ditas para o futuro, eram palavras que só haviam de prender a atenção dos homens quando chegasse o momento de lhes serem explicadas pela revelação da revelação, em espírito e verdade.
Mas a transição, vós o sabeis, pois que já vos explicamos sua necessidade, motivo e fim, tinha 121
16 Salmo II, v. 7.
17 Os Reis, liv. II, cap. VII, v. 14.
18 Salmo XCVI, v. 7.
19 Salmo XCVI, v. 7.
que ser aparelhada e executada pela era cristã sob o império da letra e favorecida por esta, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre, para que os homens fossem conduzidos à era nova do Cristianismo do Cristo, à era espírita, ao advento do espírito que vivifica. Foi com o objetivo dessa transição que o apóstolo Paulo, guiado pela inspiração, proferiu, de acordo com a revelação hebraica, estas palavras que, destinando-se a ser tomadas ao pé da letra e entendidas segundo a letra, tinham que ser e foram também palavras de atualidade para aquele momento.
"Ele é filho de Deus." (2º Epístola aos Coríntios, I, v. 19.) — "Ele, segundo a carne, descende dos patriarcas, pais dos Israelitas. E Deus acima de tudo." (Epístola aos Romanos, IX, vv. 4 e 5.) — "Deus nestes últimos dias falou pelo filho, que ele constituiu herdeiro de todas as coisas e por quem criou os séculos." (Epístola aos Hebreus, I, v. 2.) — "E como ele é o esplendor da sua glória e a imagem da sua substância e tudo sustenta pela expressão do seu poder, está sentado, nas maiores alturas, à direita da majestade — sendo tanto mais elevado do que os anjos quanto mais excelente do que o destes é o nome que recebeu, pois, a qual dos anjos disse Deus jamais: Es meu filho, eu hoje te gerei16 ? e doutra vez: Ser-lhe-ei pai e ele me será filho17 ? E ainda, quando introduz seu primogênito no mundo, diz: Que todos os anjos de Deus o adorem18. E, a respeito dos anjos, diz a Escritura: Deus faz dos Espíritos seus embaixadores, seus anjos e das chamas ardentes seus ministros19. Acerca do filho, porém, ela diz: Teu trono, ó Deus!, será eterno e o cetro do teu reino um cetro de eqüidade; amaste a justiça e odiaste a injustiça e por isso, ó Deus!, o teu Deus te sagrou, com um óleo 122
20 Salmo XLIV, vv. 6-7 (Lemaistre de Sacy) e v. 45 (Ostervald).
21 Salmo CI, v. 25.
22 Salmo CIX, v. 1.
de alegria, superior aos que têm parte contigo20. E diz também: Tu, Senhor, no princípio, fundaste a terra e os céus são obra de tuas mãos; eles perecerão, mas tu permanecerás; eles envelhecerão todos como uma veste e tu os mudarás como um manto e eles serão mudados; tu, porém, serás sempre o mesmo e teus anos não acabarão21. Enfim, a qual dos anjos disse jamais o Senhor: Senta-se à minha direita até que eu ponha teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés22? Os anjos não são todos eles Espíritos que lhe servem de ministros, enviados a exercerem seu ministério a favor dos que hão de herdar a salvação?" (Epistola aos Hebreus, I, vv. 2-14.)
Despido da letra o espírito, explicadas em espírito e verdade, combinadas com as do Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, com todas as que temos citado, proferidas por Jesus, sobretudo com as que pronunciou aludindo àquele Salmo; combinadas com todas as que Paulo proferiu, das quais não devem ser isoladas para, por uma interpretação segundo a letra, serem apontadas como contraditórias, quando, interpretadas todas segundo o espírito que vivifica, se reconhecerá que entre elas perfeita harmonia existe, as palavras acima, ditas pelo apóstolo dos Gentios, mostram Jesus como sendo: — filho de Deus, porque filho do Altíssimo, segundo o que disse o anjo a Maria; — filho, como todos, do Eterno, do único eterno, do Deus uno, indivisível, criador incriado; — irmão dos homens, oriundo do mesmo princípio que estes, tendo tido, no ponto inicial, a mesma origem; — Espírito de pureza perfeita e imaculada; — filho do Deus dos deuses, a quem se pode dar o título de Deus, no sentido de ser ele fundador, protetor e governador da Terra, vosso único Senhor, colocado, porque filho do Deus dos deuses, como Deus, acima de tudo: de todos 123
23 Gênese, cap. I.
os homens, de todos os anjos ou Espíritos que o cercam e trabalham no desenvolvimento do vosso planeta e da humanidade terrena, de todos os anjos ou Espíritos que junto dele desempenham as missões de ministros de Deus, todos, porém, pelo menos em saber universal, inferiores, dentro da ordem hierárquica, aos Espíritos protetores e governadores de mundos.
Aquelas palavras, destinadas também a preparar e executar a transição de que temos falado, aquelas palavras, ditas para os Hebreus, eram dirigidas a homens que acreditavam não existir mais do que um só mundo — a Terra, a homens para os quais a Terra era a única criação de Deus, não passando o céu, o firmamento, de um apêndice necessário, de um acessório integrante, de uma parte complementar — a abóbada da Terra. Para eles, os corpos luminosos, sol, lua e estrelas, eram simples luminares feitos e suspensos nessa abóbada unicamente para utilidade da Terra, a fim de separarem o dia da noite, de servirem de sinal para a marcação dos tempos e das estações, dos dias e dos anos, a fim de clarearem a Terra: o sol, presidindo ao dia; a lua, presidindo à noite; as estrelas, presidindo, com o seu luzir sobre o planeta, ao dia e à noite, separando da luz as trevas. 23
Em face dessas crenças então correntes e às quais, para ser compreendida e sobretudo escutada, fora apropriada a linguagem da revelação hebraica, é que precisam ser entendidas, em espírito e verdade, as palavras de Paulo tomadas aos Salmos e que não devem ser isoladas das do Salmo LXXXI, vv. 1 e 6.
Como fundador, protetor e governador da Terra, Jesus foi instituído por Deus "herdeiro de todas as coisas" e, por ele, Deus criou os "séculos". 124
Jesus fez a terra e, para os Hebreus, de acordo com o seu modo de ver, fez também o céu, como apêndice necessário, acessório integrante, parte complementar da terra.
"Quando Deus introduziu no mundo o seu primogênito, disse: "que todos os anjos o adorem."
Quando investiu a Jesus no mandato de fundador, protetor e governador da Terra, Deus colocou os anjos ou Espíritos designados para trabalharem, dirigidos pelo mesmo Jesus, na obra de formação, desenvolvimento e progresso desse planeta, submissos, respeitosos e cheios de amor para com aquele que sendo, tal qual eles, filho do Altíssimo, filho de Deus e, como filho do Deus dos deuses, deus, era o representante direto da vontade do Altíssimo; para com aquele que estava, como "deus", porque filho do Deus dos deuses, acima de tudo, acima de todos os anjos ou Espíritos enviados para, sempre debaixo da sua direção, exercerem o ministério que lhes fora confiado em favor dos que haviam de ser os herdeiros da salvação: em favor dos homens de boa-vontade.
"Jesus está assentado nas maiores alturas, à direita da majestade."
Está na primeira categoria, ocupa o primeiro lugar, o lugar de honra, junto de Deus, com relação ao planeta terreno, do qual é fundador, protetor e governador.
"Santo, inocente, sem mácula e Espírito para sempre perfeito, ele é filho único do pai."
Quer isso dizer que, sendo um puro Espírito, um Espírito de pureza perfeita e imaculada, que, na santidade e na inocência, sem nunca haver falido, conquistou a perfeição e foi por Deus ins- 125
tituído fundador, protetor e governador da Terra, Jesus, com relação aos anjos ou Espíritos que Pai trabalham na obra do progresso do vosso planeta e da humanidade terrena, é verdadeiramente filho único do pai pela sua pureza e pelo seu poder, o chefe supremo.
Assim é que Deus é "seu pai" e que ele é "filho único de Deus". Assim é que Deus, o Eterno, único eterno, para quem não há presente, nem passado, nem futuro, para quem só há a instantaneidade na eternidade, o gerou "hoje", assim é que ele foi gerado como filho do Altíssimo, filho do Deus dos deuses e irmão dos homens. Assim é que Deus o gerou como Espírito, de acordo com as leis imutáveis que ele mesmo, Deus, promulgou desde toda a eternidade e que presidem à criação de toda essência espiritual. Assim é que o gerou, para fazer o seu aparecimento na Terra e estar entre os homens, formando-lhe, fora da humanidade terrena, um corpo, segundo as leis imutáveis que regem a formação de tais corpos nos mundos superiores, mediante a apropriação delas aos fluidos ambientes que, no vosso planeta, servem para a formação dos seres humanos, de modo que aquele corpo fosse semelhante aos dos habitantes da Terra, mas não da mesma natureza. Assim é que ele, Jesus, "tanto mais alto está do que os anjos, quanto mais excelente do que o destes é o nome que recebeu" e assim é que, com um óleo de alegria, foi sagrado superior aos que com ele têm parte.
"Amou a justiça e odiou a injustiça; seu trono será eterno; o cetro do seu império será um cetro de eqüidade."
Tudo isso com relação ao vosso planeta, até que o haja levado às regiões dos fluidos puros, às condições de só ser habitável, acessível aos puros Espíritos e também com relação, posterior- 126
mente, a todos os outros planetas que ele houver de proteger e governar, de conformidade com as missões superiores que Deus lhe dará, no infinito e na eternidade.
Deus fê-lo sentar-se à sua direita, ainda com relação ao planeta terreno, quando o instituiu fundador, protetor e governador da Terra, "até que ponha seus inimigos a lhe servirem de escabelo para os pés", isto é: até que, no seio da humanidade, todos os vícios e imperfeições, morais, físicas e intelectuais, tenham sido destruídos; até que os Espíritos que habitam a Terra ou a circundam tenham chegado à perfeição moral humana, tenham galgado a categoria de puros Espíritos, época em que a missão de Jesus, como vosso protetor e governador, estará terminada e em que, portanto, "o filho se achará submisso a Deus", para receber nova missão.
"A terra e o céu perecerão, mas Jesus "permanecerá". "Uma e outro envelhecerão qual veste e Jesus os mudará como um manto e eles serão mudados." "Quanto a Jesus, permanecerá sempre o mesmo e seus anos não terão fim."
A Terra, como tudo o que se lhe acha ligado, como todos os mundos, quer os formados, quer os que estão por formar-se, perecerão depurando-se e transformando-se. Jesus, porém, Espírito para sempre perfeito, puro Espírito, que tem a vida espírita eterna, se conservará sempre o mesmo em sua pureza perfeita e assim seus anos não terão fim.
A Terra e tudo o que se lhe acha ligado envelhecerão qual veste e Jesus os mudará como um manto e serão mudados. "A Terra e todas as criaturas, de todos os reinos da natureza, mineral, vegetal, animal e humano, que a habitam, que nela se sucedem, se reproduzem por efeito da lei do renascimento, envelhecerão todos como uma veste; aquela, a Terra, depurando-se e transforman- 127
do-se para passar progressivamente do estado material ao estado fluídico; as criaturas, depurando-se e transformando-se, sob a ação da lei do renascimento, para chegarem à pureza, à perfeição, mediante o progresso moral, físico e intelectual. É assim que a Terra e tudo o que a ela se acha preso "serão mudados" e que Jesus "os mudará como um manto".
Dizendo, sob a inspiração dos Espíritos superiores que o guiavam no desempenho da sua missão terrena, mas sem consciência dessa inspiração, que Jesus "é Deus acima de tudo" (Epíst. aos Rom., IX, v. 5), ao mesmo tempo dizendo que, "segundo a carne, ele descende dos patriarcas, pais dos Israelitas" (Idem, v. 14), Paulo não proferiu palavras que tivessem por objeto e por fim atribuir a Jesus a divindade, do mesmo modo que não tiveram semelhante objetivo estas outras que ele tomou aos Salmos: "O Deus, teu trono será um trono eterno, o cetro do teu império será um cetro de eqüidade. O Deus, teu Deus, com um óleo de alegria, te sagrou superior aos que contigo têm parte"
As primeiras "Ele é Deus acima de tudo" não tiveram por objeto e por fim atribuir a Jesus a divindade, colocando-o acima do pai, que é o único Deus verdadeiro, do mesmo modo que estas outras — "ó Deus, teu Deus" — não tiveram por objeto e por fim apresentar Jesus como participe da divindade com o pai, que é o único Deus verdadeiro, como uma parte destacada de Deus, se bem que inseparável deste, como igual a Deus.
Tanto aquelas não tinham, quando ditas por Paulo, esse objetivo, que ele também disse: "Não há nenhum outro Deus além do único Deus, que é o pai."
Tais palavras, tomadas, por inspiração, aos Salmos, assim quanto à letra como quanto ao espírito, se acham em correlação com as do Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, das quais não devem ser separa- 128
das, palavras estas que já citamos e vamos recordar: "Deus tomou lugar na assembléia dos deuses e, sentado no meio deles, julga os deuses." — Eu disse: "Sois deuses e sois todos filhos do Altíssimo."
Estas palavras figuradas: "é Deus acima de tudo" — "ó Deus" — "ó Deus, teu Deus", no seu verdadeiro sentido, objetivavam exprimir, no meio em que, por inspiração, foram ditas pelo profeta e depois por Paulo, o seguinte pensamento: Sendo filho do Altíssimo, filho de Deus, como os homens, como todas as criaturas, como todos os Espíritos criados, irmãos destes, portanto, e "deus", porque filho do Eterno, único eterno, porque filho do Deus dos deuses, Jesus estava e está acima de tudo com relação aos homens, era e é o Senhor, o único Senhor com relação a eles e superior a todos os Espíritos encarnados ou errantes que, sob a sua direção, trabalham ou cooperam no desenvolvimento e no progresso do vosso planeta e da humanidade terrena.
Assim, aquelas palavras, no seu verdadeiro sentido e no meio em que foram ditas, se referem ao poder que Deus outorgou a Jesus relativamente ao planeta terra, cujo fundador, protetor e governador ele é, e relativamente à humanidade terrena, da qual é ele o Senhor, o único Senhor.
De maneira especial, chamamos toda a vossa atenção para as palavras de Paulo na 1ª. Epístola aos Coríntios, VIII, vv. 2, 4, 5 e 6. Elas são da mais alta importância do ponto de vista da autoridade que dão ao presente, no sentido de serem a base e a sanção prévia da nova revelação, da revelação da revelação, que vos trazemos de Deus. Elas foram, para o passado, a condenação do antigo politeísmo e, para aquela época e para o futuro, a condenação antecipada das interpretações humanas que, graças ao véu da letra, à capa do mistério, ao prestígio do milagre, como meio transitório e preparatório do advento da verdade acerca do "pai", do "filho" e do "Espírito Santo", haviam 129
24 Vol. I, págs. 351 a 353.
de produzir o dogma humano da divindade atribuída pelos homens a Jesus-Cristo, o dogma humano das três pessoas, da trindade dos católicos e dos cristãos ou protestantes ortodoxos.
Elas foram a condenação prévia das interpretações que, tudo materializando sob o reinado da letra, tomando ao pé da letra e segunda a letra as revelações hebraica e messiânica e algumas palavras de Jesus, isoladas do conjunto das que ele pronunciou, fizeram do mesmo Jesus um homem do vosso planeta quanto ao invólucro corporal humano e ao mesmo tempo um Deus, o próprio Deus, como parte destacada de Deus, embora, inseparável dele, igual a ele.
Elas encerram a condenação das interpretações humanas que, sob a influência das idéias hebraicas acerca do Espírito Santo que, para os Hebreus, era o próprio Deus manifestando-se por um ato qualquer, produziram, com relação à divindade atribuída a Jesus, o dogma humano das três pessoas e que, em face do monoteísmo hebraico, tentaram encerrar a pluralidade na unidade, a pluralidade de deuses na unidade Deus, sem atentarem no caráter panteísta dessa trindade, que não podia e não pode despir-se desse caráter, senão para constituir um politeísmo restrito, reduzido a três entidades.
Dessa trindade, tal como foi instituída e é entendida pelos homens (já tivemos ocasião de vo-lo dizer24, tendes a fórmula no que se passou às margens do Jordão onde, enquadrada semelhante interpretação nas idéias politeístas e não podendo perder esse aspecto senão para constituir um politeísmo restrito a três, se mostraram duas frações de Deus. Considerou-se o Deus uno divido em três partes, sendo uma das suas frações Jesus, em um corpo idêntico aos vossos, sujeito às necessidades da existência humana e às contingên- 130
cias humanas de vida e de morte. Outra fração de Deus foi o Espírito Santo, debaixo da forma corporal de uma pomba que desceu sobre Jesus-Deus. Em terceiro lugar, Deus, de quem aquelas duas frações se haviam destacado, a fazer que se ouvisse uma voz do céu, dizendo: "És meu filho bem-amado em quem pus todas as minhas complacências."
As duas primeiras frações de Deus, depois de se terem por essa maneira separado do grande todo, a ele voltaram e nele se reintegraram, reconstituindo-se a unidade, ficando, entretanto, destinadas a se separarem de novo do grande todo, a voltarem a ele e a nele se reintegrarem, recompondo-se outra vez a unidade. Quanto à fração Espírito Santo, essa separação se verificaria e se verificou, segundo o dogma, quando ele desceu sobre os apóstolos, afetando a forma de "línguas de fogo". Quanto à fração Jesus, ela se dará por ocasião do seu segundo advento.
As palavras, constantes da 1' Epístola aos Coríntios, cap. VIII, vv. 2, 4-6, que o apóstolo Paulo proferiu por inspiração, sem que tivesse consciência desta, sem lhes compreender o sentido exato, foram ditas para o futuro, para as gerações vindouras, para só serem compreendidas e explicadas em espírito e verdade pela nova revelação, para só então prenderem a atenção dos homens, com oportunidade e proveito.
São as seguintes essas palavras:
"Se alguém presume que sabe alguma coisa, esse ainda nada sabe como é preciso que o saiba." — "Sabemos que os ídolos nada são no mundo." — (1' Epístola aos Coríntios, VIII, vv. 2 e 4.)
Ele começa, assim, por proscrever todas as falsas divindades engendradas pelo paganismo, pelo politeísmo antigo. 131
Fala, pois, para o passado, quando diz: "Sabemos que os ídolos nada são no mundo." Em seguida, dirigindo-se principalmente à época de então e ao futuro, acrescenta:
"E (sabemos) que nenhum outro Deus há além do único Deus, pois, conquanto haja os que são chamados deuses, QUER no céu, QUER na terra, de modo a haver muitos deuses e muitos senhores, não há, todavia, para nós, senão um só Deus, que é o pai, de quem todas as coisas tiram o ser e QUE nos fez PARA SI; senão um só Senhor, QUE É Jesus-Cristo, por quem todas as coisas foram feitas e por quem somos tudo o que somos." (1º Epístola aos Coríntios, VIII, vv. 5 e 6.)
Conforme se vê, ele não se contenta com proclamar a unidade indivisível do pai, como sendo o Deus único, criador incriado, que cria mas sem fracionar a sua essência; com proclamar que o pai é o único Deus, que Deus é uno, indivisível. Vai além: proscreve expressamente, tendo em vista aquela época e o futuro, toda divindade que se atribua a quem quer que não seja o pai.
"Pois, conquanto haja os que são chamados deuses, QUER no céu, QUER na terra, de modo a haver muitos deuses e muitos senhores, NÃO HÁ, todavia, para nós, senão um só Deus, que é o pai... senão um só Senhor, que é Jesus-Cristo."
Estas palavras: "pois, conquanto haja os que são chamados deuses, quer no céu, quer na terra" aludem à divindade que havia de ser, por dogma humano, atribuída a Jesus-Cristo, ao dogma humano, que se havia de produzir, das três pessoas, dos três deuses num só, distintos e impessoais. Foi uma alusão que, sem ter dela consciência, Paulo fez por inspiração dos Espíritos superiores que o assistiam e guiavam no desempenho da sua missão, do mesmo modo que, inspirado por esses Espíritos, mas inconsciente dessa inspiração, ele falava de uma mesma coisa em diversos sentidos, de maneiras 132
diversas e opostas, contraditórias entre si segundo a letra. Isso se dava, a fim de que o que tinha de ocorrer ocorresse, de um duplo ponto de vista: do daquele momento, para a transição que cumpria fosse preparada e realizada, de acordo coma presciência e a sabedoria infinitas de Deus; e do futuro para, sob o império do espírito, se assentarem as bases, os elementos e os meios necessários à revelação então vindoura do Espírito da Verdade, à revelação da revelação que, segundo o espírito que vivifica, precisaria ter e achar a sua sanção antecipada nas revelações precedentes, na obra da missão terrena dos apóstolos, como na da missão terrena de Jesus.
"Chamados deuses, quer na terra" — pelos homens: "quer no céu", isto é, no espaço, no estado de erraticidade, por Espíritos pouco esclarecidos. Os Espíritos que volvem ao estado espírita, ao estado fluídico, levam consigo suas idéias, seus preconceitos e os conservam por mais ou menos tempo. Daí o permanecer neles a idéia da divindade atribuída pelos homens a Jesus-Cristo, a idéia que fazem do Filho e do Espírito Santo, tomando-os pelo próprio Deus. Daí o serem, quer no céu, quer na terra, chamados deuses o filho — Jesus e o Espírito Santo que, em realidade e verdade, é o conjunto dos Espíritos do Senhor, que recebem e transmitem, mediata ou imediatamente, por ordem hierárquica, a inspiração divina.
Há também os que eram e ainda são chamados deuses no céu, isto é, no espaço. Esses eram e são grandes Espíritos, aos quais Espíritos ignorantes, imbuídos de idéias politeístas, dão essa designação, ou por desprezo, ou figuradamente, conforme o grau de elevação dos que empregam aquela maneira de designar.
O sentido das palavras de Paulo na 1ª. Epístola aos Coríntios, cap. VIII, vv. 2, 4, 5 e 6, palavras que, repetimos, foram ditas para as futuras gera- 133
ções, é este, despojado da letra o espírito, em espírito e verdade:
"Sabemos que todas as falsas divindades do politeísmo antigo nada são neste mundo — e que não há nenhum outro Deus senão o Deus ÚNICO, pois, conquanto haja os que são chamados deuses, quer na terra, quer no céu (o filho e o Espírito Santo), de maneira a haver muitos deuses e muitos senhores, para nós, todavia, NÃO HÁ SENÃO UM Só Deus que é o pai, de quem todas as coisas TIRAM o ser E QUE nos fez PARA SI —, SENÃO UM SÓ Senhor, que é Jesus-Cristo, por quem todas as coisas foram feitas e por quem somos tudo o que somos; Jesus-Cristo — o fundador, o protetor, o governador da terra, o ÚNICO encarregado do nosso desenvolvimento e do nosso progresso, o ÚNICO encarregado de nos levar à perfeição; Jesus-Cristo que, com relação à terra e a nós, é o ÚNICO SENHOR, por ser o nosso único doutor, nosso único Mestre, nosso rei, primeiro ministro de Deus; Jesus-Cristo, que é ao mesmo tempo irmão dos homens, por ser, como todas as essências espirituais, como todas as criaturas, um Espírito criado, oriundo do mesmo princípio, e que teve, no ponto inicial, a mesma origem que todas as criaturas de Deus; — Jesus-Cristo, que é filho do Altíssimo, filho de Deus e deus, ele próprio, porque filho do Deus dos deuses, do Eterno, ÚNICO eterno, criador incriado, UNO, INDIVISÍVEL, que cria, mas sem fracionar a sua essência."
Assim, ante a alvorada, que surge, das irradiações do espírito, dissipa-se, por efeito da nova revelação, a noite em que vos envolveram as trevas da letra e as interpretações humanas nascidas do seio dessas trevas.
Sim, não há senão um só Deus, que é o pai, aquele que é soberanamente bem-aventurado, único poderoso, o rei dos reis, o senhor dos senhores, único que possui a imortalidade, que habita uma luz inacessível, que jamais foi nem pode ser visto por homem algum.
O filho, portanto, não é Deus. É sim, com 134
relação ao planeta e à humanidade terrenos, o único Senhor, mas também vosso irmão.
O Espírito Santo, igualmente, não é Deus. Essa expressão figurada designa a falange sagrada dos Espíritos do Senhor, composta dos puros Espíritos, dos Espíritos superiores e dos bons Espíritos, que, como já o temos dito, recebem imediata, ou mediatamente a inspiração divina; que são, guardada a ordem da hierarquia e da elevação espíritas, os servidores, os ministros, ou os agentes de Deus, da sua providência, no cumprimento da sua vontade e na execução de suas obras, na realização do progresso universal, dentro da vida e da harmonia universais, especialmente com relação a vós e ao vosso planeta. É por eles, pelo Espírito Santo, pois, que até vós desce a inspiração divina e se faz sentir a ação da divina providência, desempenhando cada um a missão que lhe foi confiada.
"Eu João Evangelista, quando encarnado, partilhei pessoalmente da idéia, da opinião, comuns entre os outros discípulos e o povo, acerca da divindade de Jesus-Cristo. Mas, escrevendo o que escrevi como apóstolo, como evangelista, fui o que foram Paulo e os demais Apóstolos — instrumento das vontades do Senhor, sob a inspiração dos Espíritos superiores que me assistiam e guiavam no desempenho da minha missão, a fim de que o que tinha de ser dito e feito o fosse, conservando-me entretanto inconsciente dessa inspiração. Assim escrita, a narração evangélica que compus, na época determinada e dentro dos limites que me traçaram a influência e a ação mediúnicas, teve por objeto e por fim, como o tiveram a obra da missão terrena de Jesus e a da de Paulo, conforme se vos acaba de explicar — aparelhar e executar a transição que era necessário se operasse e ainda preparar e estabelecer as bases, os elementos e os meios, a sanção prévia, da futura revelação do Espírito da Verdade. 135
"Apreciado em seu conjunto e entendido segundo o espírito que vivifica, o que escrevi sob véu da letra tinha que estar em luminosa harmonia com o que escreveram os três outros evangelistas sobre a obra da missão terrena de Jesus, sobre a origem e a natureza espirituais do bem-amado Mestre, sobre a sua posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta, sobre a natureza extra-humana do corpo que revestiu para fazer sua aparição e sua passagem pela Terra.
"Como disse o apóstolo Paulo, a letra mata e o espírito vivifica, Eu mesmo, guiado pela inspiração, registei estas palavras de Jesus: "O espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida."
"Quando escrevi: "O Verbo era Deus", não compreendia o sentido e o alcance com que essas palavras me eram inspiradas em obediência à vontade do Senhor. Não lhes compreendi, portanto, exatamente, o sentido e o alcance, segundo o espírito que vivifica, em espírito e verdade. A prova de que assim foi é que, como o apóstolo Paulo, escrevi por inspiração superior palavras que, tomadas ao pé da letra, interpretadas segundo a letra, são contraditórias, de significações opostas, ao passo que, consideradas segundo o espírito que vivifica, compreendidas e explicadas em espírito e verdade, entre elas existe, como não podia deixar de acontecer, luminosa harmonia. Desconfiai,pois, da letra. Notai, em confirmação do que vos venho de dizer, que, tendo acabado de escrever que "o Verbo era Deus", que os homens haviam visto o Verbo e que este entre eles habitara, escrevi: "Nenhum homem jamais viu a Deus."
"O que escrevi, guiado pela inspiração, na minha narração evangélica., desde que seja compreendido e explicado em espírito e verdade, despojando-se da letra o espírito, mostra Jesus tal como vos acaba de ser apresentado e torna evidentes, como vos foram patenteadas, sua origem 136
e sua natureza espirituais, sua posição com relação a Deus e ao vosso planeta, sua origem e natureza extra-humanas, no tocante ao seu aparecimento na Terra e à sua passagem por esse mundo.
"Na obra da missão dos Apóstolos e na dos quatro evangelistas, tudo, pela inspiração, se encadeava, objetivando, em face e por efeito, assim da revelação hebraica, como da do anjo a Maria e a José, e ainda em face e por efeito da obra da missão terrena de Jesus, este duplo fim: de um lado, preparar e realizar a transição, sob o império e o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre; de outro lado, preparar, estabelecer a base, os elementos e os meios necessários à revelação futura do Espírito da Verdade, que se verificaria no momento em que os homens pudessem e devessem receber essa nova revelação, a revelação da revelação, pela qual, ao tempo da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita que se abre diante de vós, o espírito seria despojado da letra, o mistério seria posto a nu e o milagre explicado segundo as leis imutáveis da natureza, segundo as aplicações e apropriações dessas leis. Assim, o que se tinha de dar deu-se como condição e meio de realização do progresso humano, e o que ainda se tem de dar vai dar-se.
"Ides agora receber a explicação da minha narração evangélica, segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade." Ei-la.:
V. 1. No principio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.
De Deus, Espírito genérico, emana todo princípio espiritual. Nesse sentido é que o Verbo, denominação dada a Jesus, como todo Espírito, estava com Deus desde toda a eternidade, era Deus. Também nesse sentido é que todos os Espíritos criados são deuses, são filhos do Altíssimo. Ë que todos, considerados como principio espiritual, têm uma 137
mesma origem divina. Todavia com relação a Jesus, há uma distinção a fazer-se, em virtude da qual ele se nos apresenta como tendo uma origem excepcional. Provém essa distinção do fato de não haver ele jamais falido. Assim sendo, jamais se afastou daquele princípio, guardou sempre a pureza típica da origem divina.
A palavra — Verbo — designa a causa, o ser. Como causa, entenda-se a ação por efeito da qual a Terra foi tirada do caos, segundo a expressão bíblica, o que quer dizer: foi tirada da massa dos fluidos, que Deus preparara e dispusera para serem os materiais constitutivos desse planeta, fluídos que continham em si as essências espirituais destinadas a se tornarem criaturas do mesmo planeta e os elementos formativos deste. Como "ser", entenda-se a personificação da vontade de Deus em Jesus, sempre como entidade distinta do ente supremo, que é uno, indivisível, criador incriado, sem cujo querer nada se produz; a personificação de Jesus, como órgão direto de Deus, para sustentação de tudo, respeito à Terra, pelo poder da sua palavra; personificação que tomou forma material para as vistas humanas, enquanto o Mestre desempenhou a sua missão terrena.
Jesus, já o sabeis, não é o único Verbo de Deus. São verbos de Deus todos os fundadores de planetas, os quais todos são Espíritos de pureza perfeita e imaculada, isto é: Espíritos que conservaram a pureza primitiva, que atingiram a perfeição sideral, sem jamais haverem falido.
Também podeis, não mais, entretanto, no sentido espiritual, porém empregando a expressão na sua acepção geral, chamar verbos de Deus, por serem seus enviados, aos Espíritos purificados que, tendo chegado à categoria dos puros Espíritos, podendo, conseguintemente, aproximar-se do foco da onipotência, se fazem mensageiros diretos do Senhor onipotente, e, nessa qualidade, desempenham missões nos planetas confiados à direção dos 138
Espíritos que os fundaram e são os seus governadores e protetores.
Reportai-vos ao que já vos foi dito (n. 60, págs. 326-330 do 1° vol.), acerca dos Espíritos fundadores, protetores e governadores de planetas e lembrai-vos de que ninguém pode nem deve falar do futuro. Contentai-vos com lançar as vistas sobre o espaço que podeis descortinar.
O Verbo estava com Deus e era Deus no sentido de que tinha em si, sem que ela houvesse perdido a sua primitiva pureza, a centelha divina que o formara.
Desconfiai da letra. Nunca será demais insistamos nisto, razão pela qual ainda aqui repetiremos: Como disse Paulo e diz João (v. 18), nenhum homem jamais viu a Deus, nem o pode ver. No entanto, os homens viram a Jesus-Cristo e este habitou entre eles. Se Jesus fosse, como os homens o supuseram nas suas interpretações, uma fração de Deus, se bem que inseparável deste, se fosse igual a Deus, seria tão grande quanto Deus. Ora, Jesus disse: "Meu pai é maior do que eu". E, citando aos Judeus, que o queriam apedrejar, o Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, em resposta à acusação que lhe lançavam de pretender passar por ser Deus, fazer-se igual a Deus, ele se declarou um Espírito criado pelo Eterno, que é o único eterno, o único Deus. Declarou-se, portanto, irmão dos homens, visto que criatura, como estes, do Senhor onipotente, do Deus uno, indivisível, que cria mas sem fracionar a sua essência, do Deus além do qual nenhum outro há, do Deus do monoteísmo hebraico, do Deus de Israel, do Deus dos deuses.
V. 2. Ele estava no principio com Deus. — 3. Todas as coisas foram feitas por ele e nada do que há sido feito o foi sem ele.
As palavras — "no princípio" — se referem aqui à criação do vosso planeta. Deus cria os 139
universos e, por conseguinte, os materiais que eles encerram. Os Espíritos puros, protetores dos planetas, reúnem esses materiais e formam com eles os mundos em que habitais. Deus é o Criador, os Messias são seus primeiros ministros.
Jesus estava com Deus, quando da criação do vosso planeta, pois que obrava por inspiração do Pai e de acordo com a vontade deste. Todas as coisas foram feitas por ele e nada o foi sem ele. Quer isso dizer que, no tocante à formação do planeta terreno, tudo foi feito, sob a sua direção, pelos Espíritos que trabalhavam naquela obra. Logo, tudo foi feito por ele.
Não atribuais poder criador a Jesus. Dando-lhe tal poder, multiplicareis o vosso Deus. Fazendo o que fez e faz, Jesus, como todos os que recebem missões semelhantes, apenas exerce um ministério no reinado eterno do Senhor onipotente, sem cuja vontade nada poderiam. Eis porque, sendo uno, único, indivisível, Deus consente que presteis ao seu messias a homenagem que lhe é devida.
V. 4. Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens.
Nele estava o poder de constituir o vosso mundo, centro de vida. Fora-lhe dado guiar, esclarecer as existências humanas e espirituais, cujo desenvolvimento auxiliava. A missão de Jesus não se limita a encaminhar e guiar corpos de lama. Ele a exerce principalmente sobre o Espírito. Todos nos conservamos sob o seu bendito império até que nossas luzes nos possam bastar. É ele quem nos esclarece; é o nosso farol e o nosso refúgio.
V. 5. A luz brilha nas trevas e as trevas não a compreenderam.
Há aqui uma alusão à ignorância de que eram escravos os homens e que os impedia de compreenderem quais as vias da salvação em Deus. 140
Essa alusão abrange os resultados de todos os esforços empregados, na conformidade do desenvolvimento das inteligências, para facilitar aos homens a compreensão do destino que os aguarda, para lhes abrir os olhos à luz.
Podeis aplicar essas palavras, que aqui se referem especialmente à missão terrena de Jesus, a todos os esforços em geral, feitos naquele sentido, porquanto a revelação de Deus é permanente e progressiva. Ela se produziu sempre no passado, assim antes como depois daquela missão, do mesmo modo que se produz hoje por intermédio de todos os Espíritos que descem em missão ao vosso mundo, de acordo com as vontades de Deus e sob a direção do vosso protetor e governador.
V. 6. Houve um homem, enviado de Deus, que se chamava João. — 7. Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.
A missão de João explica essas palavras. Os Espíritos humanos precisavam ser preparados para o acontecimento que ia mudar a face moral do globo terráqueo.
O evangelista diz: "a fim de que todos cressem por meio dele". Não é assim ainda agora? A missão de João não está concluída.. Não é exato que ela prossegue nos Evangelhos, no sentido de que quem os entende ou apenas os lê encontra neles a missão preparatória do Precursor? Não está ele sempre, por esse meio, a concitar os homens ao arrependimento?
Mas, repetimos, a missão propriamente dita de João não se acha concluída. Jesus não disse: "Ele já veio". Ele tem ainda que vir. Suas possantes mãos ainda têm que abrir a senda por onde passará o Espírito da Verdade: Jesus, trazendo ao mundo o complemento e a sanção da verdade. 141
V. 8. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho daquele que era a luz.
Nós, igualmente, vos dizemos hoje: Quando ele tornar a descer ao mundo terreno, não será a verdade, mas dará testemunho da verdade.
V. 9. Do que era a luz verdadeira, que alumia todo homem que vem a este mundo.
É uma alusão à missão de Jesus e ao império que ele exerce sobre o vosso planeta.
Neste versículo se vos diz, com relação a Jesus, que este "é a luz que alumia todo homem que vem a este mundo". Protetor e ordenador do vosso planeta, é ele principalmente quem vela pelo desenvolvimento de todas as coisas e, em particular, pelo da vossa inteligência. É ele, diretor inteligente e dedicado, quem escolhe os professores esclarecidos e adequados ao ensino de cada classe dos filhos que à sua guarda confiou o pai de família.
V. 10. Esse estava no mundo, o mundo foi feito por ele e o mundo o não conheceu.
Isto quer dizer: Ele existia antes do mundo. Como, desde a origem deste, os homens jamais se tivessem achado aptos a compreender a tarefa que ele se impusera, nem os benefícios que desta haviam de colher, não o conheciam, tanto mais que nunca o tinham visto. Para Espíritos materiais se faz mister o que toque e abale a matéria.
Esta afirmativa — "e o mundo o não conheceu" — alude à disposição de espírito em que se encontravam os homens antes da missão terrena do Mestre e mesmo após. Têm-no conhecido os homens, depois que ele esteve no mundo? Ainda agora, entre vós, quantos podem dizer: Conheço a Jesus? 142
V. 11. Ele veio ao que era seu e os seus o não receberam.
Não recebe a Jesus aquele que não se conforma com os seus preceitos.
V. 12. Mas, deu o poder de se fazerem filhos de Deus a todos os que o receberam, aos que crêem no seu nome, — 13, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem e sim de Deus.
De conformidade com o que vos acabamos de dizer, filhos de Deus são os que seguem seus mandamentos. Supondes, porém, que creia no seu nome quem vergonhosamente transgrida a sua lei?
Aquele que crê no seu nome caminha nas suas pegadas, pois que confia nas suas promessas. E filho de Deus se torna aquele que segue, sem se desviar, os caminhos que ele traçou, que carrega a sua cruz, perdoa a seus inimigos e esvazia a taça de fel sem a derramar sobre os que a encheram.
Os que, como vimos de dizer, seguem os passos de Jesus, quer caminhando pelas ridentes margens do Jordão, quer subindo o seu Gólgota, esses os que podem tornar-se filhos de Deus. Mas esses não nasceram do sangue, nada têm de comum com a carne. Que é o que tem capacidade para se elevar, compreender, aperfeiçoar-se? O vosso corpo ou o vosso Espírito? E este nasce da carne, ou do Espírito? Quer dizer: tem origem material, ou origem espiritual? Ora, sendo espiritual a sua origem, quanto mais ele se purifica e eleva, tanto mais se solta dos laços que o prendem à matéria.
As palavras dos vv. 12 e 13 podem aplicar-se a todos os que receberam a Jesus, não só durante e após a sua missão terrena, mas mesmo antes dela e sem o saberem, praticando o amor de Deus e do próximo, no qual, segundo o declarou o protetor e governador do vosso planeta, estão e se contêm 143
25 "Justino, um dos primeiros cristãos, verdadeiro pai da Igreja do Cristo, e que pela Igreja romana foi incluído no rol dos santos, se exprime DESTE MODO na sua segunda apologia para os cristãos: Todos os que hão vivido em conformidade com a razão e o Verbo, são CRISTÃOS, AINDA QUE parecessem não estar ligados a nenhum culto. Tais foram, entre os Gregos, Sócrates e Heráclito, e, entre os Bárbaros, Abraão, Ananias, Azarias, Misael, Elias e muitos outros, cujos nomes e ações, se fossem relembrados, formariam uma lista demasiado longa. Do MESMO MODO, os que entre os antigos viveram antes de Jesus-Cristo e não se conduziram de conformidade com a razão e o Verbo, foram inimigos de Jesus-Cristo e perseguiram os que viviam uma vida conforme à razão e ao Verbo. Mas, os que viveram e ainda vivem agora segundo a razão e o Verbo são cristãos, estão isentos de todos os temores e nada os perturba."
"toda a lei e os profetas"; praticando, portanto, com doçura, humildade e desinteresse, a justiça e a caridade com um coração sincero. Esses foram filhos de Deus. 25
V. 14. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória, glória como a de unigênito do pai.
O Espírito revestiu um corpo visível para os homens e estes lhe presenciaram os atos e os puderam apreciar. Foram postos em condições de compreender que nenhuma criatura igual a eles seria capaz de lhe trilhar as pegadas sem falir. Foram obrigados a reconhecer que vinha de Deus aquele que tais atos praticava.
Quanto à natureza do corpo de Jesus, reportai-vos ao que já vos dissemos a esse respeito comentando os três primeiros Evangelhos (ns. 14, 31, 64-67, 1° vol.).
Revestindo um corpo próprio de certos mundos elevados, Jesus tomava um invólucro corpóreo relativamente material, uma carne verdadeira, mas 144
relativa, porquanto "nem toda carne é a mesma carne", como o disse Paulo (1' Epístola aos Coríntios, XV, vv. 39-41, 44, 45 e 47), servindo-se de palavras cujo sentido exato não compreendia, palavras apropriadas ao futuro, do ponto de vista da aplicação que viriam a ter nos tempos, então distantes, da nova revelação.
Assim como "há corpos terrestres", também há corpos celestes.
Assim como o homem terreno tem um corpo animal sujeito à corrupção, formado segundo a lei natural de reprodução no planeta que ele habita, e um corpo espiritual, a que chamais perispírito, incorruptível, que constitui o envoltório fluídico da alma ou Espírito, também o homem celeste tem um corpo celeste, isento da corrupção, fluídico por sua natureza, formado, não mediante o contacto da matéria com a matéria, mas segundo as leis naturais que regem certos mundos elevados, operando-se a encarnação, ou, melhor, a incorporação, por efeito de uma atração fluídica, conforme explicamos no 1° vol., n. 14.
Relativamente à essência de Jesus, o corpo de natureza perispirítica que ele tomou era carne. Era carne verdadeira, carne como a de qualquer outro homem, o que quer dizer: era relativamente material às vistas humanas e à opinião que os homens tinham de formar e conservar.
Do ponto de vista dessa opinião, que cumpria fosse conservada pelos homens até quando a nova revelação lhes viesse explicar, em espírito e verdade, a aparição do Mestre na Terra, é que João, sujeito à influência e à inspiração espírita, das quais entretanto não tinha consciência, como instrumento inconsciente das vontades do Senhor, escreveu isto, cujo sentido exato e, menos ainda, o objetivo transitório, ele não compreendia:
"No mundo muitos impostores se levantaram que não confessam ter Jesus-Cristo vindo em carne verdadeira. O que tal coisa não confessa é 145
um sedutor e um anticristo." (João, 2' Epístola, v. 7.)
V. 15. João dá testemunho dele, exclamando: Este é o de quem eu disse: Aquele que há de vir depois de mim me foi preferido, porque era antes de mim. — 16. Da sua plenitude TODOS recebemos graça por graça.
Estes versículos confirmam o que vos temos dito sobre a origem do Cristo e das suas relações com o vosso planeta.
V. 17. Porquanto, a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus-Cristo.
Moisés deu aos homens mandamentos, ordens imperiosas a que tiveram de se submeter.
Jesus veio explicar aos homens a razão de ser desses mandamentos e lhes trouxe a graça, mostrando-lhes o pai, o Eterno sempre pronto a perdoar ao culpado que se arrepende. Trouxe-lhes a verdade, mostrando-lhes o objetivo de suas existências na Terra e o salário pela conquista do qual trabalham.
O véu, com que de intento cobriu suas palavras, levanta-o agora a nova revelação, que vos mostra, desses dois pontos de vista, a graça e a verdade.
V. 18. Ninguém jamais viu a Deus; o filho unigênito que está no seio do pai, esse é quem dele deu conhecimento.
Para ver a Deus é preciso ter chegado a um grau de pureza tal como o da dos messias, dos grandes Espíritos, únicos que dele podem aproximar-se.
Mas, esse versículo de João não encerra pensamento velado, suas palavras têm o sentido que lhes é próprio; entre os homens jamais houve 146
manifestação pessoal de Deus. A razão disso encontrá-la-eis no grau de elevação em que estais, isto é: no estado de inferioridade moral e intelectual e de encarnação material em que vos achais. Os Espíritos que, libertos da matéria, vos falam "de Deus", do esplendor das regiões que ele habita, ou usam de uma figura de linguagem, a fim de intensificar o vosso ardor, ou tomam os grandes Espíritos, dos quais puderam aproximar-se, como uma irradiação ou uma personificação do Altíssimo. Dissemos que usam de uma figura de linguagem. Diremos, se quiserdes, que assim falam por ouvir dizer. Compreendendo que de esplendores deve estar cercado o Senhor dos universos, sentindo esses esplendores, aqueles Espíritos se esforçam por incutir em vossas almas o desejo ardente, que eles experimentam, de progredir, a fim de se aproximarem do foco de toda a vida.
Só o Espírito que haja atingido o estado de pureza perfeita, que se haja tornado um puro Espírito, pode ver a Deus.
Ver a Deus é aproximar-se sem nenhum véu do centro da onipotência; é compreender a sua própria essência; é poder receber diretamente, sem intermediário, a ação da vontade divina, para a transmitir, através dos diversos graus da escala da pureza, até ao nível em que vos encontrais e até a níveis ainda mais baixos.
Esta frase: "O filho unigênito que está no seio do pai" é um composto de expressões figuradas, indicativas da elevação de Jesus, quer com relação ao vosso planeta e à humanidade que o habita, quer com relação aos Espíritos que, sob a sua direção, trabalham pelo vosso desenvolvimento e pelo vosso progresso. É um modo de indicar as relações existentes entre Deus e o seu mensageiro. 147
CAPÍTULO I Vv. 19-28
Testemunho que de si e de Jesus dá João respondendo aos sacerdotes e aos levitas que, a mandado dos Judeus, o foram interrogar
V. 19. Eis aqui o testemunho que deu João, quando os Judeus mandaram a Jerusalém sacerdotes e levitas para lhe perguntarem: Quem és tu? — 20. Ele confessou, não negou; confessou: Eu não sou o Cristo. — 21. Aqueles lhe perguntaram: Quem és então? És Elias? Ele respondeu: Não sou. És profeta? Respondeu: Não. — 22. Retrucaram-lhe: Dize-nos então quem tu és, para que possamos dar resposta aos que nos enviaram. Que dizes de ti mesmo? — 23. Disse-lhes ele: Eu sou a voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías. — 24. Tinham vindo da parte dos Fariseus os que o interrogavam. — 25. Assim, interpelaram-no ainda, deste modo: Se não és o Cristo, nem Elias, nem profeta, como é que batizas? — 26. Respondeu-lhes João: Eu batizo com água; mas, entre vós está um a quem não conheceis. — 27. É aquele que há de vir depois de mim, que foi feito antes de mim, de cujas sandálias não sou digno de desatar as correias. — 28. Isto se passou em Betânia, além Jordão, onde João batizava.
N. 2. Já recebestes explicações acerca desta passagem (n. 53, 1° vol., págs. 265-273). Nada temos que acrescentar.
O único ponto sobre o qual precisamos deter-nos é o em que João negou que fosse Elias.
Primeiro, a pergunta a que ele respondeu com essa negativa prova que os Judeus esperavam tornar a ver Elias, vivo entre eles, mediante uma nova encarnação. Segundo, a resposta dada prova que, como sucede à maioria dos homens, João não tinha lembrança de suas encarnações anteriores. Essa 148
lembrança, se ele a tivesse, houvera trazido complicações prejudiciais ao curso que deviam seguir os acontecimentos.
Dissemos — como sucede à maioria dos homens — porque, em casos raros e excepcionais, essa lembrança se pode verificar. Tem então um motivo, um fim: ou corresponde às necessidades da vida atual, ou representa uma provação, por efeito da incerteza em que envolve as idéias e das saudades ou temores que às vezes infunde. Em certos casos pode ser também uma prova evidente, assim para o encarnado, que fica, em conseqüência, predisposto a admitir a nova doutrina, como para os que o escutam e nele crêem.
Nos casos raros e excepcionais em que ela ocorre, essa lembrança o homem geralmente a adquire quando seu Espírito se acha desprendido durante o sono, recebendo-a ele então por uma comunicação espírita do seu guia e conservando-a, ao despertar, por inspiração do mesmo guia. Algumas vezes é obtida no estado de vigília, mediante intuição dada ao encarnado pelos Espíritos que o cercam.
Quanto ao batismo d'água (v.26) já recebestes as devidas explicações nos comentários feitos aos três primeiros evangelhos.
A imersão na água foi considerada em todas as épocas como um ato de purificação. Daí vem que João, preparando os caminhos àquele que havia de vir, derramava água sobre a cabeça de seus discípulos, tendo em vista com esse ato levá-los ao arrependimento. Mas, ao mesmo tempo, como Precursor, anunciava a vinda daquele que era esperado e que viria batizar com o Espírito, derrocando o império da matéria. João tinha consciência da sua inferioridade comparativamente ao Mestre, que ele sabia ser um enviado em missão superior e ocupar junto do Pai uma posição excepcional. 149
CAPÍTULO I Vv. 29-34
Outro testemunho de João. — Jesus Cordeiro de Deus
V. 29. No dia seguinte viu João a Jesus, que vinha ter com ele, e disse: Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado do mundo. — 30. Este é o de quem eu disse: Depois de mim vem um homem que me foi preferido, porque era antes que eu fosse. — 31. Eu não o conhecia, mas vim batizar com água, para que ele se manifeste em Israel. — 32. E João deu testemunho dele dizendo: Vi o Espírito descer do céu como uma pomba e pairar sobre ele. 33. — Eu não o conhecia, mas o que me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem vires descer e pairar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo. — 34. Eu vi e dei testemunho de que ele é o filho de Deus.
N. 3. Comparando Jesus a um cordeiro, João o fez por influência dos usos hebraicos. O cordeiro sem mancha era o que se oferecia em holocausto de propiciação. João anunciava assim, de antemão, numa linguagem apropriada às inteligências dos que o ouviam, que haveria um sacrifício solene para "resgate dos homens".
E, efetivamente, o sacrifício do Gólgota não estava destinado a ser o meio, a alavanca, que prepararia a regeneração humana e vos conduziria ao advento do Espírito da Verdade? Notai que em tudo há quase sempre o lado material, próprio a impressionar os sentidos humanos, e o lado espiritual, destinado a ser mais remotamente apreendido.
O que me enviou me disse (v. 33). Como encarnado, João se achava imbuído das tradições da 150
época. Era, vós o sabeis, médium, não só vidente e inspirado, mas também audiente. Tomava pelo próprio Deus os Espíritos superiores que lhe falavam. Na suposição em que estavam os homens de que toda manifestação vinha de Deus mesmo, elas como tais se produziam. Quando ele diz: — O que me enviou — deveis entender que João se refere aos Espíritos que o guiavam, porquanto, já o temos dito e repetimos, Deus jamais se comunica diretamente com os homens.
Encarnado, João perdera a lembrança de quem era Jesus. Este, para ele, como para todos, era, conforme cumpria que sucedesse, um homem qual os outros. Mas, para ele, Jesus também era o filho de Deus, enviado, muito mais elevado do que ele e desempenhando missão muito superior à sua. Da missão de Jesus, porém, João não fazia idéia exata, pois que, dentro dos limites da que lhe cabia desempenhar, tinha que ser apenas, quanto à linguagem e aos seus atos, um instrumento dos Espíritos superiores incumbidos de o inspirarem e guiarem, a fim de que o que precisava ser dito e feito por ele, como Precursor, o fosse.
Com relação aos outros versículos, já recebestes todas a explicações necessárias no comentário aos três primeiros Evangelhos (ns. 51, 53 e 54, 1° vol., págs. 263-281). 151
CAPÍTULO I Vv. 35-42
Dois discípulos de João acompanham a Jesus. André lhe traz Pedro
V. 35. Ao outro dia, João lá estava ainda com dois de seus discípulos, — 36, e, vendo a Jesus que passava, disse: Eis ali o Cordeiro de Deus. — 37. Os dois discípulos, ouvindo-o dizer isso, seguiram a Jesus. — 38. Voltando-se este e notando que eles o seguiam, perguntou-lhes: Que buscais? Eles responderam: Rabi (o que quer dizer Mestre), onde assistes? — 39. Disse-lhes Jesus: Vinde e vede. Os dois foram e viram onde Jesus assistia e ficaram aquele dia com ele. Era então por volta da hora décima. — 40. Um dos dois que tinham ouvido o que João dissera e que seguiram a Jesus era André, irmão de Simão Pedro. — 41. André, encontrando-se primeiro com Simão, lhe disse: Encontramos o Messias (que quer dizer — o Cristo). — 42. E o levou a Jesus. Jesus o fitou e disse: És Simão, filho de Jona. Chamar-te-ás Cefas, que quer dizer Pedro.
N. 4. Estes versículos não precisam de explicações. São compreensíveis. Com relação a estas palavras de Jesus, dirigidas a Simão, filho de Jona: "Chamar-te-ás Cefas, que quer dizer — Pedro", limitar-nos-emos a lembrar-vos o que dissemos no 2° volume, pág. 163, isto é: que o apelido de Cefas, significando Pedro, dado a Simão, filho de Jona, dizia respeito à sua missão terrena e espiritual, indicando que ele havia de ser a pedra angular da Igreja do Cristo (n. 184, págs. 425-436, 2° vol.). 152
CAPÍTULO I Vv. 43-51
Filipe e Natanael
V. 43. No dia seguinte, quis Jesus ir à Galiléia e, encontrando Filipe, disse: Segue-me. — 44. Filipe era natural da cidade de Betsaida, donde também eram André e Pedro. — 45. Encontrando Natanael, disse-lhe Filipe: Achamos aquele acerca de quem Moisés escreveu na lei e os profetas falaram, Jesus de Nazaré, filho de José. — 46. Perguntou-lhe Natanael: De Nazaré pode sair coisa que boa seja? Respondeu-lhe Filipe: Vem e vê. — 47. Jesus, vendo aproximar-se Natanael, disse, referindo-se a este: Eis aqui um verdadeiro Israelita, em que não há dolo. — 48. Natanael lhe perguntou: Donde me conheces? Respondeu Jesus: Antes que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas debaixo da figueira. — 49. Natanael exclamou: Mestre, tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel. — 50. Observou-lhe Jesus: Crês, porque disse que te vi debaixo da figueira. Pois verás maiores coisas do que esta. — 51. E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis aberto o céu e os anjos de Deus a subirem e descerem sobre o filho do homem.
N. 5. Natanael creu por o ter visto Jesus numa ocasião em que ele se achava fora do alcance dos olhares humanos. Embora dotado do que se chama segunda vista, qualquer encarnado, para ver, tem necessidade de ser assistido. Preciso se faz que seus guias o auxiliem, colocando-o sob a influência de uma magnetização espiritual, que nem sempre produz o sono, mas que desenvolve as faculdades.
Superior a todos os Espíritos que o cercavam, Jesus, que não sofria a encarnação humana, via a distância, via o que quer que estivesse fora do alcance dos olhares humanos. É que, revestido 153
apenas de um corpo de natureza perispirítica, conquanto parecesse aos homens achar-se encarnado, era sempre Espírito. Conservava, portanto, sob a aparência de um homem, a vista espiritual, a consciência exata da sua origem, a independência da sua natureza e de suas faculdades espirituais.
Usou de uma linguagem figurada, quando disse:
"EM VERDADE, em verdade vos digo que vereis aberto o céu e os anjos de Deus a subirem e descerem sobre o filho do homem."
Indubitavelmente, sua vida excepcional, os perigos a que escapou de maneira que os homens tinham por "milagrosa", haviam de fazer crer na intervenção dos anjos a seu favor. Aliás, essa intervenção foi real, não para o fim de protegê-lo, mas para, obedientes à sua vontade, lhe prestarem o devido concurso. Sabeis que Jesus se achava constantemente cercado de Espíritos superiores, prontos sempre a cumprir suas ordens. 154
26 Medida que tinha a capacidade de 27 litros.
27 Mordomo.
CAPÍTULO II Vv. 1-11
Bodas de Caná. — Fato considerado milagroso
V. 1. Três dias depois, celebraram-se umas bodas em Caná da Galiléia, a que esteve presente a mãe de Jesus. — 2. Este, com seus discípulos, também foi convidado para as bodas. — 3. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho. — 4. Respondeu-lhe Jesus: Que há de comum entre mim e ti, mulher? Ainda não é chegada a minha hora. — 5. Disse sua mãe aos que serviam: Fazei tudo o que ele vos disser. — 6. Ora, havia ali seis talhas de pedra destinadas às purificações que eram de uso entre os Judeus, cada uma com a capacidade de duas ou três metretas26. — 7. Disse-lhes Jesus: Enchei de água as talhas. Encheram-nas até à borda. — 8. Feito isso, disse ele: Agora, tirai do que está nelas e levai ao arquitriclino27. Assim fizeram. — 9. Tanto que provou da água mudada em vinho, o arquitriclino, não sabendo donde este viera (o que sabiam os criados, que haviam tirado das talhas a água), chamou o noivo, — 10, e disse: Todo homem serve primeiro o bom vinho; só depois que os convidados têm bebido bastante, lhes apresenta o inferior; tu, ao contrário, conservaste guardado até agora o vinho bom. — 11. Com este, realizado em Caná de Galiléia, deu Jesus começo aos seus milagres, manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele.
N. 6. Já conheceis bastante, de modo geral, os efeitos magnéticos, para compreenderdes a perfeita naturalidade desse fato que foi considerado um "milagre". Não ignorais que Jesus dispunha de grande poder sobre os fluidos. Pois bem, o que houve ali foi o resultado de uma ação magné- 155
tica exercida por ele. A água não se transformou em vinho, como o supôs e espalhou o vulgo ignorante das causas do fenômeno produzido. Por efeito daquela ação magnética, a água tomou, para o paladar dos convivas, o sabor do vinho, o sabor que Jesus lhe impôs.
Não vos admireis de que, assim magnetizada, apresentando o sabor de vinho, a água tenha sido tomada por vinho legítimo e que o fato, como conseqüência da ignorância em que todos estavam das causas e dos meios pelos quais se produzira, haja dado lugar à crença, que se espalhou, de que um "milagre" ali se operara, de que a água fora mudada em vinho. Quando a Jesus foi observado que não havia mais vinho o festim estava a terminar e já o dia declinara bastante. Os vasos, com que os que serviam tiravam das talhas o líquido, eram uma espécie de ânforas de barro. Foi de uma delas que o arquitriclino, ou mordomo, provou o líquido que lhe apresentaram e foi em vasos mais ou menos idênticos a esses, quanto à forma e à matéria de que eram fabricados, que o líquido circulou entre os convivas. Jesus impôs a estes a sua vontade, por meio de uma ação magnética. Já não é do vosso conhecimento o efeito do magnetismo, quer humano, quer espiritual, sobre o homem?
Para compreenderdes que Jesus, operando a distância, tenha exercido ação magnética sobre todos os convivas, basta reflitais em que um forte magnetizador humano pode, a grande distância relativamente aos homens, atuar sobre um paciente apropriado a essa ação. Ora, Jesus possuía no máximo grau a faculdade magnética. Quando mesmo, porém, não tivesse o poder de atuar por si sobre todos os convivas, o que é uma suposição gratuitamente falsa, os Espíritos superiores que o cercavam, em número, para vós, incalculável e sempre prontos a lhe obedecerem às vontades, teriam reforçado o valor magnético de que ele 156
dispusesse e teriam atuado por seu lado, de sorte a preparar os pacientes para experimentarem a influência do Mestre. Isso, entretanto, era desnecessário.
É o que sob as vossas vistas muitas vezes ocorre, quando um médium adormece, sem que dele se haja aproximado magnetizador algum. No caso de que tratamos, desde que à água foi dado o sabor do vinho, houve, por meio do magnetismo espiritual, ação sobre o pensamento dos convivas, uma inspiração que os preparou a sentirem na água o sabor do vinho, como era preciso que acontecesse.
Para tachar-se de imoral, como hão ousado fazer, o ato de Jesus, sob o fundamento de que ele assim acoroçoara a orgia, fornecendo-lhe alimento, é preciso se desconheça completamente a sobriedade de que os Orientais sempre deram provas. O banquete estava a terminar. Os convivas, embora houvessem bebido muito, no dizer do mordomo, tinham apenas tornado alegre o festim, sem que absolutamente tivessem chegado à licença, nem à embriaguez. Os que censuram devem raciocinar e sobretudo refletir antes de falar.
Se na minha narração, falando da água que, por ordem de Jesus, os criados tiraram das talhas e apresentaram ao mordomo para provar, eu, João, o evangelista, disse "que ela se transformara em vinho", foi porque, ignorante das causas, como o vulgo, reproduzi a narrativa corrente do fato, considerando-o também um "milagre", sem lhe buscar a explicação. E não busquei, não só porque era inútil que eu a desse, como ainda porque não podia nem tinha que a dar. Cumprindo que guardasse silêncio a tal respeito, fiquei, com relação a esse caso, privado da inspiração mediúnica, entregue às minhas impressões pessoais.
Quando o fato a que nos vimos referindo se deu, Jesus ainda não começara o desempenho ativo da sua missão. 157
Consideremos as palavras que ele dirigiu a Maria: "Que há de comum entre mim e ti, mulher? Ainda não é chegada a minha hora." Não tendo até então operado nenhum "milagre", Jesus lembrava a Maria que lhe não devera ter pedido fizesse um naquela circunstância, visto que ainda não chegara para ele o momento de começar a desempenhar publicamente a sua missão. Aquelas palavras não foram dirigidas pessoalmente a Maria e sim a todos os que o rodeavam, porquanto ao pedir o "milagre", dizendo a Jesus: "Eles não têm mais vinho", e aos criados: "Fazei tudo o que ele vos disser", ela se achava sob a influência espírita, falava por inspiração, mas sem ter consciência de uma nem de outra. E porque foi inspirada no sentido de pedir o que pediu? Porque aquela manifestação era conveniente, como preparatória das sendas que se iam abrir e como de molde a pôr em destaque a pessoa de Jesus.
Quanto ao mordomo, dizendo ao esposo (vv. 9 e 10), depois de provar da água que, no entender de todos os presentes, "se mudara em vinho": "Todo homem serve primeiro o bom vinho; só depois que os convidados têm bebido bastante, lhes apresenta o inferior; tu, ao contrário, conservas-te guardado até agora o vinho bom", apenas pôs em confronto com o caso ocorrente os costumes da época.
Tendo sido o fato em questão uma obra preparatória que o Mestre achou conveniente executar, podeis, das palavras do mordomo ao noivo, deduzir que Jesus trouxe aos homens a bebida perfeita, destinada a substituir o grosseiro licor que até então lhes matara a sede.
N. 7. Houve quem dissesse: Jesus, sua mãe e seus discípulos foram convidados para umas bodas. Como, quase ao terminar o festim, viesse a faltar vinho, estando já os convivas embriagados, Jesus, diz o evangelista, mandou que enchessem dágua seis talhas, 158
cada uma com a capacidade de duas ou três metretas, e transformou essa água em vinho. Calculou-se que essas dezoito metretas equivaliam a oito ou dez hectolitros, o que quer dizer uma quantidade de vinho suficiente para embebedar toda a cidade de Caná. Em geral, os milagres de Jesus têm um fim útil, ou uma significação moral. Onde, porém, AQUI, a utilidade, a moralidade dessa transformação da água em vinho para ser tomada por pessoas que já haviam bebido demais?
Muito embora Jesus nos informe de que os Judeus lhe chamavam comilão e beberraz, voraz et potator vini (MATEUS, I, v. 19), sabemos que ele era modelo de temperança. Conseguintemente, a ter de fazer um milagre, mais natural fora que transformasse o vinho em água, pois que assim daria àqueles convivas intemperantes uma lição de sobriedade.
A resposta está nas explicações que acabamos de dar-vos. Dessas reflexões se teriam abstido os que as fazem, se se houvessem reportado à ação magnética, que deu à água o sabor do vinho, sem lhe comunicar o princípio alcoólico.
Quanto ao lado moral do fato, atente-se em que este foi um fato preparatório, como dissemos acima, e que funda impressão causou nos Espíritos exatamente por haver tocado os sentidos materiais dos que o observaram. Fez que a fé despontasse nos discípulos, que começavam a grupar-se em torno de Jesus e que com ele estavam presentes ao festim. "Com esse, realizado em Caná de Galiléia, deu Jesus começo a seus milagres, manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele." "Milagre" realmente não houve, segundo a significação que esse vocábulo tem, isto é: no sentido de derrogação das leis da natureza. Deus, já o sabeis, nunca derroga as leis naturais que a sua vontade imutável estabeleceu desde toda a eternidade.
O fato ocorrido nas bodas de Caná foi um fato natural. Somente a ignorância das causas que o produziram é que, repetimos, levou os ho- 159
mens a qualificarem-no de milagre, supondo que efetivamente a água se transformara em vinho.
Quanto ao que concerne às seis grandes talhas, tendo Jesus dito: "Enchei dágua as talhas", os criados as encheram, por mofa, até à borda, crentes de que aquilo não passava de uma mistificação. Quanto ao sabor do vinho, só a água que foi tirada das talhas para ser levada ao mordomo e servida aos convivas o adquiriu, por efeito da vontade de Jesus e da ação magnética que ele exerceu. Só nessa porção dágua era necessário que se sentisse tal sabor.
Não se vos diz que o mordomo, terminada a festa e depois que os convivas se tinham ido embora, haja deixado de examinar a água que restara nas talhas. Ele a examinou e reconheceu que se encontrava no seu estado natural. Despejaram-nas e ninguém mais pensou nisso.
Esse outro fato, dada a ignorância das causas, que continuava a mesma, se o houvessem divulgado, um "milagre" a mais se contaria: — o da transformação do vinho em água, depois de ter sido a água mudada em vinho.
A ignorância que, entre os que não sabem explicar o caso ocorrido, produz a incredulidade, deu lugar, entre os convivas de Caná, à crença numa transformação da água em vinho. Diante do fato, que não podiam negar, tão fortemente lhes tocara os sentidos materiais, e que não achavam meio de explicar nem de compreender, eles se viram constrangidos a considerá-lo um "milagre".
Tudo estava preparado e previsto para o desempenho da missão do Mestre. 160
CAPÍTULO II Vv. 12-25
Vendedores expulsos do templo. — Jesus restabelecerá em três dias a vida no seu corpo, se os Judeus lha tirarem, conforme ao entender dos homens. — Conhecimento que ele por si mesmo tinha de tudo o que havia no homem
V. 12. Depois disso, ele desceu a Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos, mas não permaneceram ali muito tempo. — 13. Estando próxima a Páscoa dos Judeus, Jesus subiu logo para Jerusalém. — 14. Aí achou o templo cheio dos que vendiam bois, ovelhas e pombas e de cambistas sentados às suas bancas. — 15. Ele então fez de cordas um azorrague e os expulsou a todos do templo com as ovelhas e os bois e atirou ao chão o dinheiro dos cambistas, derribando-lhes as bancas. — 16. Aos que vendiam pombas disse: Tirai tudo isto daqui, não façais da casa de meu pai casa de comércio. — 17. Lembraram-se então seus discípulos de que está escrito: Devora-me o zelo da tua casa. — 18. Interpelaram-no os Judeus assim: Por que milagre nos mostrarás que tens o direito de fazer o que fazes? — 19. Respondeu-lhes Jesus: Destruí este templo e eu o restabelecerei em três dias. — 20. Retrucaram-lhe os Judeus: Quarenta e seis anos foram gastos em edificar este templo e tu o restabelecerás em três dias?! — 21. Ele, porém, falava do templo de seu corpo. — 22. Quando, pois, ressuscitou dentre os mortos, seus discípulos se lembraram de que dissera isso e creram na Escritura e no que Jesus havia dito. — 23. Enquanto ele esteve em Jerusalém pela festa da Páscoa, muitos, vendo os milagres que fazia, acreditaram em seu nome. — 24. Mas Jesus não confiava neles, porque os conhecia a todos. — 25. Não precisava que alguém lhe desse testemunho de homem algum, pois que ele, por si mesmo, conhecia o que havia no homem. 161
N. 8. Os evangelistas, ao narrarem os fatos, não obedeceram à ordem cronológica deles. Limitaram-se a registar o que viram ou lhes fora contado.
Assim, os versículos de João acima transcritos não se referem a um único fato. Diversos fatos foram reunidos em um mesmo ponto e dispostos por maneira a estabelecer-se entre eles uma ligação, mas não por ordem cronológica. apenas um conjunto de fatos ocorridos.
O Evangelho de João se liga, de certo modo, aos três outros, completando-se reciprocamente os quatro, porquanto se, de um lado, ele omite fatos de que os outros trataram, cita alguns a respeito dos quais os outros guardaram silêncio.
Quanto ao dos mercadores expulsos do templo, já recebestes as explicações convenientes no comentário aos três primeiros Evangelhos (n. 247, 3° tomo).
Notai o que disse Jesus acerca do templo de seu corpo: "Destruí-o e eu o restabelecerei em três dias", aludindo desse modo à sua ressurreição, e o que diz João, como expressão dos fatos de que ele, os apóstolos e os discípulos tinham sido testemunhas: "Não precisava que alguém lhe desse testemunho de homem algum, pois que, por si mesmo, conhecia o que havia no homem."
Confrontai aquelas palavras com estas outras do Mestre, aludindo ao mesmo tempo ao sacrifício do Gólgota, ao desaparecimento do seu corpo de dentro do sepulcro, estando selada a pedra que o fechava, à sua "ressurreição", às suas desaparições durante o desempenho da sua missão pública, sempre que se ocultava aos olhares humanos: "Deixo a vida para a retomar; — ninguém ma tira; — sou eu que a deixo por mim mesmo; — tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar. É mandamento que recebi de meu pai." (João, X, vv. 17 e 18.) 162
Confrontai-as também com estas outras: "Vós, sois deste mundo; eu, porém, sou do alto; sois deste mundo e eu não sou deste mundo; — desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou." — Ninguém nunca subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, o filho do homem que está no céu". (João, VIII, v. 23; VI, v. 38; III, v. 13.)
Fazei esse confronto e vereis que estas, de João: "Não precisava que alguém lhe desse testemunho de homem algum, pois que, por si mesmo, conhecia o que havia no homem", assinalam a origem extra-humana de Jesus. Sendo sempre Espírito debaixo daquele envoltório fluídico, tangível, Jesus lia por si mesmo o pensamento dos homens, penetrando-lhes as intenções. Sendo sempre Espírito, sua morte, que os homens consideraram real, foi meramente aparente e assim é que, pelo seu reaparecimento chamado "ressurreição", retomou aquele corpo de natureza perispirítica, com a aparência do corpo humano. 163
CAPÍTULO III Vv. 1-21
A lei de renascimento. — A reencarnação. Perguntas de Nicodemos a Jesus. Respostas de Jesus
V. 1. Havia na classe dos Fariseus um homem chamado Nicodemos, magnate entre os Judeus. — 2. Esse uma noite veio ter com Jesus e lhe disse: Mestre, sabemos que como Mestre vieste da parte de Deus, pois ninguém pode fazer os milagres que fazes se Deus não estiver com ele. — 3. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que ninguém pode entrar no reino de Deus se não nascer de novo. — 4. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode renascer um homem que já seja velho? Pode, porventura, entrar de novo no ventre de sua mãe e nascer outra vez? — 5. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que não pode entrar no reino de Deus aquele que não renascer pela água e pelo espírito. — 6. O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do espírito é espírito. — 7. Não te admires de haver eu dito: É necessário que torneis a nascer. — 8. O espírito sopra onde quer, tu lhe ouves a voz, mas não sabes donde ele vem nem para onde vai: assim é todo aquele que é nascido do espírito. — 9. Nicodemos lhe replicou: Como pode isso fazer-se? — 10. Observou-lhe Jesus: És mestre em Israel e ignoras estas coisas? — 11. Em verdade, em verdade te digo que dizemos o que sabemos e damos testemunho do que temos visto; entretanto, não recebeis o nosso testemunho. — 12. Se não me credes quando vos falo das coisas terrenas, como me crereis, quando vos fale das celestiais? — 13. Também ninguém subiu ao céu, senão aquele que desceu do céu, a saber: o filho do homem, que está no céu. — 14. Assim como Moisés alçou no deserto a serpente, do mesmo modo importa que o filho do homem seja alçado, - 15, para que todo o que nele crê não pereça e tenha, ao contrário, 164
a vida eterna. — 16. Porque, Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu filho unigênito, a fim de que todo o que nele crê não pereça, tenha a vida eterna. — 17. Porquanto, Deus não enviou seu filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. — 18. Quem nele crê não é condenado; mas o que não crê já está condenado, pois que não crê no nome do filho unigênito de Deus. — 19. O motivo desta condenação é que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais às trevas do que à luz, por serem más suas obras. — 20. Porque, aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se aproxima da luz, a fim de que suas obras não sejam argüidas. — 21. Mas, aquele que pratica a verdade se chega para a luz, a fim de que sejam manifestas suas obras, visto que são feitas em Deus.
N, 9. A pergunta de Nicodemos e a resposta de Jesus confirmam, como sabeis, a reencarnação, para a qual o Mestre chamava constantemente a atenção dos homens, tanto assim que a encontrastes indicada sob o véu da letra em muitos daqueles de seus ensinamentos que os três outros Evangelhos registaram, os quais já vos explicamos em espírito e em verdade.
A síntese das palavras de Jesus a Nicodemos é esta: se o homem não recomeçar sua vida até que atinja o limite que lhe está assinado, que é a perfeição, não entrará no reino de Deus, isto é: numa existência pura e luminosa que constitui a verdadeira vida do Espírito.
Tomai pensamento por pensamento e vos daremos as explicações necessárias.
V. 1. Havia na classe dos fariseus um homem chamado Nicodemos, magnate entre os Judeus. — 2. Esse, uma noite, veio ter com Jesus e lhe disse: Mestre, sabemos que como Mestre vieste da parte de Deus, pois ninguém pode fazer os milagres que fazes, se Deus não estiver com ele. — 3. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que ninguém pode entrar no reino de Deus se não nascer de novo. 165
Nicodemos tinha consciência da missão de Jesus. Os chefes da sinagoga também a tinham, mas o orgulho e os interesses pessoais os levavam a fazer então o que tantas vezes haviam feito com relação aos profetas.
A instrução teológica o pusera em condições de compreender, do ponto de vista das interpretações hebraicas, dadas às profecias referentes ao advento do Messias, que aquele homem simples e humilde, a operar milagres que só a mão de Deus poderia realizar, devia ser o enviado prometido desde tantos séculos. Mas, dominado pelo respeito humano, temia muito o — que se dirá? Jamais, portanto, ousaria entrar desassombradamente em a morada humílima do "filho do carpinteiro". O ridículo lá estava para lhe tolher os passos. Porque lhe lia o pensamento, foi que Jesus disse ser preciso que o homem renasça.
Essa resposta o Mestre a deu em particular a Nicodemos e em geral a todos os que não ousam externar suas opiniões, seus pensamentos, embora sintam que umas e outros são honrosos e santos.
Para Nicodemos, aquelas palavras significavam: É preciso que o homem se despoje desse corpo de que usa, composto de preconceitos, de egoísmo, de ignorância, de vis paixões, para renascer livre, puro, apto a progredir. É preciso que seja simples diante de Deus, como simples é aos olhos de sua mãe a criança que nasce. É preciso que seja puro, como a criança que os pais apresentam no templo. É preciso que seja santo, como é santa a criancinha consagrada a Deus.
Entretanto, declarando: "Em verdade, em verdade te digo que ninguém pode entrar no reino de Deus se não nascer de novo", Jesus tinha em mente afirmar a realidade da lei natural e imutável do renascimento, da reencarnação; a obrigação de reviver na carne, como sendo, para o Espírito, o único meio de se depurar e de pro- 166
gredir, de chegar à perfeição, de entrar, assim, no reino dos céus.
Mas, esse pensamento do Mestre só havia de ser compreendido, de modo exato e completo, pelas gerações então futuras, ao tempo da revelação predita e prometida: a revelação espírita, que vem explicar, em espírito e verdade, pondo-a claramente diante dos olhos de todos, essa lei natural e imutável do renascimento, da reencarnação, mostrando o princípio de justiça a que obedece, suas aplicações, seu objetivo e suas conseqüências.
Aquele que não se despoja do homem velho, que não despe a túnica da impostura e de iniqüidade que o cobre, para envergar a roupagem branca e pura do levita, as vestes de finíssimo linho, não entrará no reino dos céus, pois que só com os trajes nupciais se pode lá entrar. Esse o sentido figurado daquelas palavras.
Pelo que toca à realidade, à matéria, elas significam: Se o Espírito não despir a veste de carne com a qual se maculou, se não atirar para longe de si essa matéria imunda e infecta, a fim de comparecer perante seu juiz, lá não chegará.
Mas, despir a veste de carne não é tudo. Dar-se-á porventura que lhe basta despojar-se do corpo carnal, restituí-lo à terra, para que desapareçam todos os vícios e imperfeições a que esse corpo serviu? Não.
Pois que os vícios e imperfeições não nascem do corpo, que mais não é do que um instrumento passivo que o Espírito aciona, também o Espírito não deixa, ao abandonar o corpo, o fardo que trazia ao tomá-lo.
Revestindo-o, o Espírito encerra consigo nele os princípios bons ou maus que consigo traz, princípios que encontram no corpo um agente apropriado a auxiliá-lo nas suas manifestações.
O Espírito dirige o instrumento de que se serve. Cumpre-lhe servir-se bem dele, guiá-lo bem.
Abandonado pelo Espírito, o corpo não passa 167
de um amálgama de podridões, incapaz do menor movimento.
Quando o obreiro atira fora, abandonando-o definitivamente, o instrumento de que se utilizou, a ferrugem e os vermes o corroem.
Ora, o amo do obreiro não é ao instrumento que pede contas da obra a ser executada. Pede-as àquele que o manejava. Indaga do trabalho feito e, em sendo este mau, diz ao obreiro: Recomeça. O instrumento que te servia está inutilizado pelo uso; toma outro. Toma-o e trata de manejá-lo melhor; porque o trabalho tem que ser feito. É preciso que a obra se conclua e seja perfeita. Faliste: observa-te, estuda, vê por ti mesmo o que te arrastou à queda, o que te falseou o golpe de vista e a mão. Atira para longe de ti tudo o que tenha sido causa do teu transviamento e, quando me mostrares acabada a tua obra, receberás o salário prometido ao obreiro.
Dizei-nos, ó bem-amado, não é este um pensamento consolador, caricioso, reconfortante? Este dogma da natureza não é mais consolador, mais caricioso, mais reconfortante do que os dogmas humanos da Igreja? do que o da eternidade das penas para o Espírito culpado, dogma cuja monstruosidade só é igualada pela sua falsidade, dogma que, como dissemos noutro ponto, teve a sua razão de ser, mias que já fez a sua época, não produzindo hoje senão a incredulidade? do que o de um purgatório, vago, obscuro e falso, qual a Igreja o formulou, não apresentando mais do que uma única via de expiação — a dos seus suplícios, não oferecendo ao Espírito culpado que sai da Terra, ainda um dos mundos inferiores, meios de reparação, de purificação, pelos quais seja levado progressivamente à perfeição moral e intelectual, que só ela abre as portas do reino dos céus?
Quando a pena de morte alcançava, assim o ladrão, como o homicida, que importava àquele 168
que já se sentia condenado, cometer um crime mais ou um crime menos?
Não lhe inspiravam confiança a misericórdia dos juízes, nem as promessas dos homens de armas. Falira, continuava a falir. Não podia ser de outro modo.
Para aquele que viveu vida condenável, que vê, tomado de angústia, chegar o momento da partida; que, sem fé, espera o aniquilamento no nada; ou que, perguntando, empolgado pelas recordações da infância, se há um Deus, por única resposta vê um gládio prestes a vará-lo, que poderá haver de mais animador e reconfortante do que a idéia da reencarnação, da faculdade de recomeçar a tarefa mal cumprida?
Para o coração do homem que tem a animá-lo uma idéia generosa e nobre, que sonha com o progresso de seus irmãos, com o progresso da humanidade, que sente grandes coisas germinando no seu íntimo e que se vê atingido por essa impiedosa cega que é a morte, não será gratíssimo pensar que a obra incompleta pode ser acabada?
Oh! para aquele que só lobriga, além-túmulo, uma vida eterna contemplativa, a morte do corpo acarreta a paralisia da alma. Esta, separada do seu invólucro, não é mais um ser. Torna-se coisa abstrata, que não compreende as lutas do passado, a marcha do progresso, que nada mais espera do futuro, a menos que algumas transgressões "às leis da Igreja" a condenem aos suplícios do "purgatório".
Para aquele que sabe, a idéia do renascimento, da reencarnação não é a mais consoladora, a mais grata em face da morte?
O que faliu na sua obra, nas suas provas, pode a si mesmo dizer: "Fali; mas, meu pai, o meu Deus onipotente, em sua bondade, em sua justiça, em sua misericórdia infinitas, me permitirá recomeçar a obra mal feita. Meus crimes ou minhas faltas, eu as expiarei, após a morte, na 169
erraticidade, passando por torturas ou sofrimentos morais que lhes sejam proporcionados e apropriados e cujo aguilhão sinto já nos remorsos e dores que, como aqueles mesmos sofrimentos e torturas, têm sua fonte de origem na consciência culpada.
Arrependido e submisso, cheio do desejo ardente de reparar e de progredir, depois de ter visto o que me arrastou à queda, o que me falseou o olhar e a mão, pedirei a Deus a graça de reviver, de nascer de novo, para recomeçar a obra mal feita. E Deus, meu pai, cujos tesouros de misericórdia são inesgotáveis, me concederá essa graça. E, provado no fogo moral da expiação, recomeçarei a tarefa, pela reencarnação, mediante novas provas."
O que deixou incompleta, inacabada a obra que empreendera, visando a felicidade de seus irmãos, o progresso da humanidade, pode a si mesmo dizer: "Sem dúvida, a humanidade teria aproveitado da minha obra, das minhas inspirações, do meu gênio. Mas, quem sabe? Talvez que nos meus projetos se haja infiltrado algum fermento de humano orgulho, que meu pai, previdente e bondoso, quis extinguir desde logo. Talvez os projetos por mim formados, as empresas que desejava fundar, precisassem de aperfeiçoamentos que eu era ainda incapaz de lhes dar. Vou então para junto do Mestre indulgente e infalível estudar o que ignoro, aperfeiçoar o que sei. Voltarei mais forte, mais jovem de corpo, mais inteligente, mais instruído, acabar o que empreendera. Ó morte, sê bem-vinda! Vais restituir-me a juventude, a força, a bondade, a ciência!"
Essa idéia de recomeçar a tarefa não é mais suave do que qualquer outra, perguntamos?
V. 4. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode renascer um homem que já seja velho? Pode, porventura, entrar de novo no ventre de sua mãe e nascer 170
outra vez? — 5. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que não poderá entrar no reino de Deus aquele que não renascer pela água e pelo Espírito.
Imbuído das idéias de sua época, como vós o sois das da vossa, Nicodemos, conquanto inteligente e desejoso de instruir-se, não se achava em estado de compreender o alcance das palavras de Jesus, que tinham de permanecer veladas. Como tantos dentre vós, ele temia o ridículo e o sarcasmo. Não ousava crer abertamente e a sua falta de iniciativa lhe obscurecia a inteligência. Entretanto, ao formular a sua observação, apenas fez um jogo de palavras, pois que a consciência o fizera compreender o sentido que Jesus dava ao que havia dito. Por isso mesmo é que o Cristo se limitou, na sua segunda resposta, a reafirmar o que dissera. "Em verdade, em verdade te digo que não poderá entrar no reino de Deus aquele que não renascer da água e do espírito."
Efetivamente, dizendo — "se não renascer da água e do espírito" — outra coisa não teve o Mestre em mente senão reafirmar o que acabara de dizer: “se não renascer de novo.”
Aquelas palavras, como vos vamos mostrar, significam, em espírito e verdade: "se não renascer", se não recomeçar sua vida segundo a lei de reprodução; se não recomeçar, "pela água", tomando um novo corpo, "pelo espírito", vindo sua alma habitar esse corpo, do qual lhe cumpre servir-se bem e que constitui para o homem, por efeito do renascimento, da reencarnação, o meio único de entrar "no reino de Deus", isto é: de enveredar pelo caminho da reparação e do progresso, que o levará a uma existência pura e luminosa, a qual constitui a verdadeira vida do Espírito.
Disse o Cristo: "O reino de Deus está dentro de vós." (Lucas, XVII, v. 21.) Está no meio de 171
28 Cap. I, vv. 2, 6, 7, 9, 10, 11 e 20; cap. II, vv. 1, 4, 5, 6 e 7.
vós e não sabeis descobri-lo. O homem, já o temos explicado, traz em si mesmo "o reino de Deus", visto que no exercício de suas faculdades é que ele encontrará meio de lá chegar e lá só chegará lentamente, indo de progresso em progresso, de ascensão em ascensão. Aquele reino não é um lugar circunscrito, como os homens imaginaram, uma mansão feliz onde lhes será dado penetrar. É a perfeição moral humana. É a imensidade na virtude. É a união das almas purificadas, pelo renascimento, no cadinho das vidas sucessivas e progressivas, a princípio expiatórias e, por fim, gloriosas, que conduzem à perfeição sideral. À pluralidade das existências corresponde a pluralidade dos mundos ao longo da trajetória ascensional do progresso.
Em cada época se fala a linguagem apropriada às suas idéias, às suas interpretações científicas, às suas tradições.
Assim é que Jesus apropriou à época em que falava a linguagem de que usou nesta resposta a Nicodemos: "Não poderá entrar no reino de Deus aquele que não renascer da água e do Espírito."
De modo geral, segundo as interpretações científicas, e em especial para os Hebreus, segundo as tradições do Gênese28, que refletiam as interpretações científicas, a água, naquela época, era considerada um princípio primitivo, um princípio gerador, organizador de todas as coisas, elemento genésico dos reinos orgânicos e inorgânicos, princípio, fonte originária do corpo dos animais vivos, que se supunha produzidos por ela, do corpo do homem.
Portanto, "renascer da água" era nascer de novo com um corpo; "renascer do Espírito" era vir o Espírito animar esse corpo, habitá-lo.
De sorte que o renascimento, a reencarnação 172
eram uma realidade e não uma alegoria. Tais são, em espírito e verdade, o sentido e a explicação das palavras de que se serviu Jesus na sua segunda resposta a Nicodemos, resposta pela qual, empregando termos que tinham sua significação determinada no livro sagrado dos Hebreus, ele, repetimos, apenas reafirmou o que antes dissera.
Alguns, nos primeiros tempos, assim o compreenderam. Dizemos — alguns — porque a crença no renascimento era partilhada por muitos, mas não estava generalizada.
Eu, João evangelista, nesse sentido é que entendia e apliquei o termo água, isto é, como princípio primitivo, gerador e organizador do corpo humano, quando escrevi (Epístola 1°, cap. V, v. 8): "Há três que dão testemunho na Terra: o Espírito, a água e o sangue; esses três são um."
Estas palavras se referem ao homem. O Espírito dá testemunho ao Espírito: ao pai; a água e o sangue dão testemunho da existência da matéria unida ao Espírito. E os três são um: o "homem".
Na imagem, a água representa o princípio primitivo, gerador, organizador do corpo do homem e o sangue figura como elemento da vida, derivado daquele princípio.
Assim é que, eu, João evangelista, sob a influência espírita e sob a inspiração mediúnica, das quais, entretanto, como encarnado, não tinha consciência, disse (mesma Epístola 1ª cap. V, v. 6) que Jesus "viera com a água e o sangue"; não somente com a água, mas com a água e com o sangue, para, segundo o espírito e em verdade, comprovar que ele viera realmente entre os homens. Dizendo que viera não somente com a água, isto é: com um corpo, e sim com a água e o sangue, quis dizer que viera com um corpo, mas um corpo vivo, porque habitado pelo seu Espírito, corpo em tudo semelhante ao dos homens, porém, não da mesma natureza, do ponto de vista da água, do princípio orgânico, e do sangue, ou seja, do elemento da 173
vida, porquanto nem toda carne é a mesma carne e há corpos terrestres e corpos celestes.
V. 6. O que é nascido da carne é carne, o que é nascido do Espírito é Espírito .
O nascimento do homem não depende senão da carne. A matéria deriva da matéria. O Espírito apenas anima a matéria perecível.
Nascido do Espírito, isto é, emanado da inteligência suprema que rege todas as coisas, nenhuma afinidade tendo com a matéria, o Espírito independe dela, preexiste ao corpo e lhe sobrevive, pois que é imortal, como o Espírito genérico do qual emana.
Fazendo aquela distinção entre o corpo e o Espírito, quis Jesus pôr em evidência, sobrelevar o pensamento que acabara de exprimir quanto ao renascimento pela água e pelo Espírito, isto é: pela matéria unida ao Espírito, por um corpo e um Espírito que o venha animar, habitar. De maneira que, assim como, para nascer um homem, um Espírito toma um corpo e o anima, habitando nele, também para renascer, nascer de novo, o mesmo Espírito toma um novo corpo e o anima e habita, consistindo nisso o renascimento, a reencarnação.
A Igreja, tomando por base de suas interpretações o nascimento pela água e pelo Espírito, fez dele, pura e simplesmente, o emblema da purificação pelo batismo e da inspiração pelo Espírito Santo.
Desde que não admitia, como ainda não admite, a existência senão de um único mundo habitável, a Terra, e, para o Espírito, senão uma única vida corporal, assinando, de acordo com suas leis e seus dogmas, como destino para o homem, após a morte, "o inferno eterno", ou "o purgatório", lugares um e outro circunscritos e determinados, ou ainda "o paraíso", igualmente lugar circuns- 174
crito e determinado, destinado a uma eterna vida contemplativa na inércia, na inação, a Igreja também não admitiu o sentido próprio, ou, seja, a realidade do renascimento, da reencarnação. E, uma vez que não admitiu o sentido próprio, teve que procurar um sentido figurado.
As palavras realmente pronunciadas por Jesus e que constam na tradução rigorosamente fiel do texto original são estas: "Em verdade te digo que aquele que não renascer pela água e pelo Espírito não poderá entrar no reino de Deus."
A Igreja diz, alterando as palavras do Mestre e do texto original: "não renascer da água e do Espírito Santo."
Se vos colocardes no ponto de vista dessa tradução inexata e do sentido emprestado ao vocábulo "água" para o fazer significar o emblema da purificação pelo batismo de água, descobrireis sempre, nas palavras atribuídas a Jesus, mas diversas das que ele proferiu, o sentido necessário de uma realidade, o renascimento, a reencarnação, e não de uma alegoria.
Mas, ainda quando se queira explicar e compreender do ponto de vista do batismo dágua, o sentido e o alcance destas palavras: "Se não renascer da água e do Espírito Santo", não será por meio do batismo, qual aprouve à Igreja imaginá-lo, que se conseguirá. Será, sim, unicamente, considerando o batismo que existia e era praticado ao tempo em que Jesus falava a Nicodemos.
Não suponhais que o batismo dágua, que João administrava a seus discípulos e que a Igreja continuou a administrar, seja uma criação sua. Sê-lo-á na forma, no fundo não. O batismo que João empregava era uma purificação emblemática do corpo, praticada como preparatória da purificação do Espírito pelo arrependimento. Segundo o uso judaico, a criança que nascia era levada ao templo e aí passava por uma ablução para ser purificada. No batismo que João dava, apenas a 175
ocasião fora mudada. Ele só derramava a água batismal sobre a cabeça dos que já estavam aptos a compreender a importância do ato que praticavam, enquanto que a purificação judaica, tal qual o batismo da Igreja, não passava de um simulacro, de uma formalidade, que se empregava, como se emprega hoje, sem ter o batizando idéia nem consciência da cerimônia em que é parte.
No batismo de água que a Igreja administra, o que constitui uma criação sua é o sentido emblemático que lhe ela empresta: o de apagar no recém-nascido um pecado original que Adão lhe transmitiu, fazendo-o herdeiro de uma falta toda pessoal, por ele Adão cometida. Surge assim a criança trazendo, segundo a Igreja, a culpa, a responsabilidade de um ato praticado por outrem, culpa de que só o batismo a livra, muito embora tenha sido a alma daquele novo ente humano criada expressamente, também segundo a Igreja, para o corpo em que está habitando, o que implicaria a pureza dessa alma, visto que das mãos do Criador nada pode sair com mancha. esse um dogma que o progresso repeliu por absurdo.
No que vos revelamos (ns. 56 e seguintes do 1° volume), com relação à origem do Espírito, à sua queda, a seus caminhos, seus fins e destinos, se encontra a explicação do que a Igreja chama pecado original, quer do ponto de vista da queda, de que resulta a. encarnação material humana, quer do da reincidência, que leva à reencarnação.
Do ponto de vista humano, que é o em que a Igreja se coloca, do da significação que ela atribui ao termo "água", nas palavras de Jesus a Nicodemos, pretendendo que signifique um renascimento por meio do batismo dágua — o sentido daquelas palavras não pode ser determinado senão pela razão e pelo objetivo desse batismo, buscando-se essa razão e esse objetivo, ou na purificação judaica, que consistia na ablução do corpo para o purificar (todo corpo que vinha ao mundo era 176
lavado para se expungir de suas impurezas materiais), ou no batismo que João administrava sob um aspecto emblemático: o da purificação da carne, pela ablução do corpo, como preparatória da purificação do Espírito.
Sendo o batismo de água que João ministrava a seus discípulos a purificação do corpo pela ablução e sendo, como batismo de penitência, preparatório do batismo do Espírito, do "Espírito Santo", ele significava — purificar-se o homem de corpo e de inteligência.
Assim, pois, nascer da água e do Espírito, do "Espírito Santo", é purificar-se de corpo e de inteligência. Ora, o corpo não recebia mais que um único batismo dágua, quer quando a criança era levada ao templo para a purificação judaica, quer quando era João quem batizava, como não recebe hoje da Igreja senão um só batismo. Portanto, para renascer pela água ou da água, isto é, para se purificar novamente de corpo, preciso era que o corpo se renovasse, como preciso é hoje que se renove. Quer dizer: era preciso que o Espírito tomasse, é preciso que tome um novo corpo para de novo receber aquele símbolo material de purificação. De sorte que, mesmo quando vos coloqueis no ponto de vista das traduções inexatas e no ponto de vista das palavras que a Igreja atribuiu a Jesus, o renascimento, a reencarnação, para a ablução de um novo corpo, se apresentam sempre como realidade e não como alegoria.
Nessas condições, o batismo dágua lembrava e ainda lembra ao homem, que renasce, que nasce de novo e o recebe, que ele recebeu um corpo novo isento de impurezas e que lhe cumpre preservá-lo de todas as máculas. É um vaso novo que foi lavado para que ficasse em estado de conter o Espírito que nele se encerrou. Importa que esse Espírito não fermente, a fim de não escorrer pelo vaso, deixando neste marcas que interessariam à sua própria pureza. 177
29 Ver a explicação, dessas palavras, em espírito e verdade, à pág. 347 do 3° tomo.
O nascimento do homem não depende senão da carne, repetimos. A matéria deriva da matéria e o batismo dágua apenas se destina a simbolizar a purificação dessa matéria, para lembrar ao homem que o corpo, nada sendo por si mesmo, nenhuma impureza traz, proveniente da sua feitura. Privada do Espírito, a carne é inerte, inconsciente, incapaz de um ato qualquer, portanto de uma falta.
Só o Espírito anima essa matéria perecível.
O Espírito, que é nascido do Espírito, isto é, que emana, também o repetimos, da inteligência suprema que rege todas as coisas, que nenhuma afinidade tem com a matéria, não pode ser batizado senão com o Espírito, o que vale por dizer — esclarecido de inteligência, auxiliado pelo Espírito Santo, ou seja, pelos bons Espíritos que o cercam e que constituem, para ele, uma como emanação da divindade, pois que são os submissos instrumentos desta.
À Igreja e a seus doutores em teologia, que tomam por alegoria e não por uma realidade as palavras de Jesus a Nicodemos, que não admitem tenha o Espírito mais de uma existência na Terra, que repelem a lei de renascimento, de reencarnação, pedi que, sem esta, expliquem e tornem compreensíveis as seguintes palavras do Mestre a seus discípulos, falando-lhes do fim do mundo, dos sucessos que o assinalarão: "Em verdade vos digo que esta geração não passará antes que todas essas coisas hajam ocorrido", palavras pelas quais ele proclamava que, dentre os daquela geração a quem se dirigia, alguns estariam vivos na Terra pela época do fim do mundo. 29
A Igreja, que rejeita a reencarnação e cujos erros todos provêm de haver tomado por alegoria o que era realidade e vice-versa, considera excluído de 178
todas as vias de salvação o homem que, devendo e tendo podido receber, não recebeu o batismo dágua, deixando ela por isso de o acolher em seu seio como sua mãe. E tal homem, simplesmente porque, sabendo que, segundo o dogma da Igreja, devia receber o batismo e o não recebeu, se absteve disso, não o quis, por considerá-lo um ato material inútil, ela o repudia em absoluto, ainda que, sem o batismo, ele, praticando todas as virtudes e cumprindo todos os seus deveres, haja posto em prática, com a maior sinceridade e em toda a extensão, o amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo, duplo amor que o Cristo, dirigindo-se a todos os homens (Judeus e Gentios), sem distinção de cultos nem de nacionalidades, declarou encerrar toda a lei e os profetas, assim com relação ao passado, como com relação àquela época e ao futuro. Que dizeis a isso?
É uma pretensão humana, que não suporta exame.
Para se admitir que só os que renasçam da água e do Espírito, como a Igreja o entende, se salvem, preciso fora admitir que o Cristo, tipo de bondade, de justiça e de amor, houvesse excluído da paz do Senhor todos os que não recebam o batismo dágua que a Igreja administra.
Verdade é que ela admite a possibilidade de salvação para o homem que segue a lei natural. Mas, que vem a ser essa lei? Quais os seus limites? O antropófago segue a lei natural. Competir-lhe-á lugar idêntico ao de um dos pais da Igreja?
Se não lhe é dado atingir o mesmo grau de felicidade, por que há de ter o Senhor absoluto do universo lançado o infeliz, que vive de carne humana, nas regiões selvagens onde habita, tão longe da Igreja, das suas pias batismais, dos dons do "Espírito Santo"? Pode este, na realidade, descer para criaturas tão abjetas? Que responde ela?
Não entraremos aqui em minudências a propósito da Igreja, de seus preconceitos e de suas exigências. Limitar-nos-emos a perguntar a todo homem que pensa: 179
"Que é que está mais conforme à justiça do Senhor, à sua bondade, ao seu amor para com todas as criaturas: a lei da Igreja, que não admite como seus filhos senão os que ela arrebanhou para a sua comunhão, tenham ou não tenham virtudes e fé, contanto que se hajam submetido a seus dogmas; ou a lei natural do renascimento, que a todas as criaturas do Senhor concede direitos iguais, iguais títulos para alcançarem a meta; que não se preocupa com os atos senão quando se acham em relação com a consciência e que não admite boas consciências sem bons atos; que não separa a caridade da fé, porquanto aquele que crê ama e aquele que ama com sinceridade necessariamente há de crer e esperar, como o declarou João o Precursor, dizendo: a esperança é irmã da fé e ambas são filhas da caridade e do amor?"
Acabamos de falar da Igreja e de seus dogmas, considerando-os unicamente do ponto de vista em que ele se coloca. Efetivamente, para a Igreja, para os que a representam, toda a fé se encontra encerrada na observação de seus dogmas. Quem a estes se submeta ostensivamente poderá pecar contra Deus, pois que, se declarar que se arrepende, a absolvição estará sempre pronta a lhe abrir as portas do "paraíso". Se, porém, pecar contra os dogmas da Igreja, não obstante admitir esta que eles são obra semi-humana, ela se mostrará severa, por vezes inexorável.
Que é a absolvição que o sacerdote dá ao moribundo? Um dogma de criação e instituição humanas, pois que Jesus de tal coisa não falou. Entretanto, se o enfermo se esquecer de pedir que lhe chamem um sacerdote para assisti-lo nos seus últimos momentos, repelirá a Igreja esse filho insubmisso, ou irrefletido, negligente, senão apenas, o que é quase sempre o caso, ignorante, e lhe recusará a sepultura eclesiástica? E quando, como às vezes sucede, ela abre mão dessas particularidades formalísticas, será unicamente o res- 180
peito humano o que a contém? Será o temor da opinião pública? Não esqueçais que, em tudo o que vimos de dizer, nos colocamos, mesmo no tocante à forma da linguagem, estritamente no ponto de vista da Igreja.
Há quem tenha perguntado por que motivo e com que fim Jesus deixou de dar à pergunta de Nicodemos (v. 4) a resposta clara, precisa e completa que os Espíritos do Senhor, órgão do Espírito da Verdade, dão hoje aos homens por meio da Nova Revelação, resposta esta que teria poupado ao Cristianismo e à Igreja o erro em que ela incorreu de negar a reencarnação, demorando o progresso social e humano. Por que motivo e com que fim deixou Jesus de responder a Nicodemos: "Não, o homem que envelheceu não pode tornar a entrar no ventre de sua mãe, mas pode e tem que RENASCER, isto é: depois de haver morrido, seu Espírito tem que tomar, nas entranhas de outra mãe, um novo corpo, a fim de reviver novamente. Tem que RENASCER desse modo tantas vezes quantas forem necessárias, para se tornar, depurando-se no cadinho da reparação, do progresso, um bom Espírito e merecer não mais voltar a este mundo que, para os vossos Espíritos, é apenas um lugar de exílio, de expiação e de provação. Tendo-se tornado bom e tendo transposto, conseguintemente, os mundos inferiores, o Espírito, ainda assim, pode e deve renascer sucessiva e progressivamente em mundos cada vez mais elevados e superiores, física, moral e intelectualmente, até que haja atingido a perfeição sideral e se tenha tornado puro Espírito?"
Os que formulam semelhante questão e usam de tal linguagem não sabem ou, se o sabem, esquecem que as palavras de Jesus a Nicodemos não podiam e não deviam ser claras e positivas para todas as inteligências, como não o foram estas: "Há muitas moradas na casa de meu pai". Para dar maiores esclarecimentos a Nicodemos, fora mister que Jesus entrasse, acerca da reencarnação, bem como da. pluralidade dos mundos e da 181
sua habitabilidade, em explicações mais amplas do que as que podiam ser dadas e os homens podiam suportar. Isso não era então conveniente, nem oportuno, atentas as condições em que se opera. o progresso da humanidade e os meios pelos quais se realiza.
Já dissemos que a reencarnação e as relações entre o mundo invisível e a humanidade tinham que permanecer veladas para a maioria dos homens. Era uma necessidade, compreendei-o. O progresso da vossa raça nada sofreu com isso, como nada sofre a árvore que é podada na primavera, época própria para o seu desenvolvimento. Deixai, portanto, que a sabedoria do Senhor dirija o vosso planeta. Secundai os esforços que hão sido feitos para vos tirar das faixas infantis e preparar os tempos precursores da virilidade do gênero humano e não esqueçais que a criança não pode e não deve ser tratada como o homem. A cada idade o grau de ciência que lhe seja possível comportar.
V. 7. Não te admires de haver eu dito: É necessário que TORNEIS a nascer.
Desse modo insistia Jesus no que dissera antes, a fim de que Nicodemos voltasse a atenção para o princípio do renascimento do homem, mediante nova encarnação, mediante a reencarnação do Espírito.
Em nome da Igreja, os que a representam, sempre do seu ponto de vista alegórico, explicam esse versículo da seguinte maneira: "Quem conheça bem o coração humano não se admirará de que seja preciso que o homem se transforme num homem novo, de que lhe seja necessário novo espírito, novo coração, novo principio de vida e de ação.
É esse renascimento, todo espiritual, que lhe dá o direito de pedir, em todas as ocasiões, o espírito novo, de pedir a Jesus, santo dos santos, seu Espíri- 182
to, suas inspirações, sempre espirituais, sempre santas, como principio da nova vida."
E é numa única existência que a Igreja pretende seja o homem transformado assim em um novo homem, segundo a expressão do apóstolo Paulo, de homem animal em homem espiritual, quer se trate do antropófago, quer do selvagem da Oceania, quer do Neo-Zelandês, quer do habitante da Europa civilizada. Sim, porque a Igreja não pode, sem desconhecer a bondade, a justiça e a misericórdia infinitas do Senhor, negar direitos iguais a todas as suas criaturas, iguais títulos a todas para alcançarem a meta.
Mas, como, segundo ela própria o diz, isso nem sempre é possível, imaginou dois lugares circunscritos e determinados, para um dos quais manda o Espírito que, naquela única existência, não se transformou em novo homem, servindo de base à sentença a natureza da infração de seus dogmas.
Esses dois lugares são: um inferno eterno e um purgatório.
O inferno eterno é o reino de Satanás, do diabo, verdadeiro rival de Deus na eternidade, mais poderoso, de certa forma, do que o próprio Deus. Nesse inferno eterno é que, segundo a Igreja, o Espírito culpado se acharia eternamente sujeito a torturas incessantes, materiais na opinião de alguns dos seus representantes, morais na de outros. Haveria assim ovelhas desgarradas que o meigo e bom pastor se veria impossibilitado de carregar ao ombro para levá-las de novo ao aprisco, por só muito tarde as ter encontrado. Haveria assim filhos pródigos aos quais estaria interdita a entrada na casa paterna, por só muito tarde se terem lembrado de voltar, embora o pai de família estivesse sempre a esperá-los à porta. Inutilmente esses filhos pródigos clamariam por Deus, pai deles. Deus se conservaria impotente ou surdo ao clamor de tais filhos arrependidos e à súplica que lhe dirigissem para expiar e reparar suas faltas, para progredir, para recomeçar a obra mal feita, para, uma vez que bem a executassem, poderem reclamar e receber o salário prometido ao trabalhador.
O purgatório seria uma estância de suplícios temporários não definidos e que não levariam ao "paraí- 183
so" o Espírito culpado, pois que, segundo a Igreja, se ele "não renascer da água e do Espírito Santo", dentro da sua única vida corporal, isto é, se não conseguir como homem durante a única existência terrena que, para esse efeito, ela lhe concede, um renascimento que o mude em homem novo, não poderá entrar no reino de Deus, o qual, sempre segundo a Igreja, é o "PARAÍSO".
Não deveria a Igreja, inclinando-se diante da nova revelação, compreender que, dizendo: Não te admires de haver eu dito: "É necessário que TORNEIS a nascer", Jesus insistia no que já dissera, a fim de chamar a atenção de Nicodemos para o principio do renascimento do homem, mediante uma nova encarnação, uma reencarnação do Espírito?
Não deveria ver nessas palavras e nas que antes Jesus proferira a indicação da lei natural do renascimento, da reencarnação, a obrigação de reviver? Não deveria ver o inferno, o purgatório, a expiação, a reparação, o progresso nas sucessivas fases espíritas que se seguem a cada existência terrena, nas reencarnações múltiplas, precedida cada uma de sofrimentos ou torturas morais, na erraticidade, proporcionados e apropriados aos crimes ou faltas cometidos pelo Espírito e que levam o culpado ao arrependimento, ao desejo de reparar suas culpas e de progredir para o bem? Não deveria a Igreja ver em tais palavras a indicação dos caminhos e dos meios pelos quais, graças à onipotência de Deus, de acordo com a lei natural e imutável da expiação e do progresso, o homem, criado perfectível, é chamado inelutavelmente a transformar-se em novo homem, seja qual for o uso que tenha feito do seu livre-arbítrio, sejam quais forem os seus transviamentos ou atrasos na jornada?
Não deveria reconhecer que as reencarnações sucessivas, a princípio expiatórias nos mundos inferiores, depois gloriosas nos mundos superiores, são a alta escada que o homem tem de subir e que, subindo-a, ele se eleva progressivamente até atingir a perfeição moral humana, que o conduz a Deus?
Certamente. Deus quer que todos os seus fi- 184
30 Ver 1ª Epístola de Paulo a Timóteo, cap. II, vv. 3-4.
lhos se salvem30 e que partilhem todos do conhecimento da verdade, assim o selvagem da Oceânia, como o homem da Europa civilizada, tanto o Neo-Zelandês, o Lapônio, o Esquimó, como o "pai da Igreja". Ele quer que todos cheguem à "casa paterna", em cumprimento desta sentença de Jesus: "Sede perfeitos, como é perfeito vosso pai que está nos céus".
V. 8. O Espírito sopra onde quer; tu lhe ouves a voz, mas não sabes donde ele vem, nem para onde vai: assim é todo aquele que é nascido do Espírito .
Jesus era nascido do Espírito. Todo homem, que não vive em seu corpo, mas em sua inteligência, pode dizer-se, como Jesus, nascido do Espírito.
Do corpo procede o corpo. Todos conhecem a fonte donde ele provém e a matéria que o compõe. Quão poucos, porém, são hoje, como ao tempo de Nicodemos, os que podem dizer donde vem e para onde vai o Espírito, qual a sua essência, em que momento anima o vaso de argila que lhe serve de envoltório! Que é, para a humanidade, a inteligência? Será um corpo palpável, sensível? Pode fixar-se o momento da sua presença ou da sua ausência? Sabe-se donde o Espírito vem e para onde vai?
Só o pode saber aquele que nasceu do Espírito. Precisamos explicar e desenvolver o nosso pensamento. Entre os homens, poucos se acham em estado de viver pelo Espírito. Compreendei, amigos, que não falamos dos que entre vós são tidos por "inteligências de escol", por "homens notáveis". Sob o ponto de vista do saber, da profundeza dos conhecimentos, ah! bem pouco va- 185
lem na sua maioria, diante do que ignoram e não cuidam de compreender, acerca da escala dos seres e dos mundos, diante da eternidade, do infinito, dos mistérios que os envolvem, mesmo na Terra. A matéria corporal é o agente de que fazem a sua principal divindade. Falamos, muito ao contrário, das almas simples, simples não como os homens, por ignorância ou incapacidade intelectual, o entendem, mas simples pela humildade do coração e do Espírito; dessas almas que, tanto quanto lhes permite a sua condição de homens, escapam aos entraves da carne e vivem realmente a vida humana, porém como se dela não fizessem parte. Está claro, compreendei-o bem, que isto dizemos, não com relação às necessidades, sejam estas quais forem, do animal e sim com relação às necessidades do Espírito e da inteligência.
Somente os que compreendem a sua origem divina e se esforçam por aproximar-se cada vez mais do divino modelo sabem que nasceram do Espírito; sabem donde vêm e para onde vão; sabem que o Espírito sopra onde quer e lhe ouvem a voz; sabem donde ele vem e para onde vai.
Assim, quando vos dizemos: "Todo homem que não vive em seu corpo, mas em sua inteligência, pode dizer-se, como Jesus, nascido do Espírito", compreendei que falamos do homem que não vive em seu corpo, mas em sua inteligência esclarecida pelo facho espírita que os Espíritos do Senhor empunham, para sobre ela projetarem a luz, inspirando-lhe ou revelando-lhe a verdade.
Só é nascido do Espírito aquele que se encontra em condições de compreender os mistérios que vos desvendamos. Todavia, entre os que recebem a luz, muitos há que continuam cegos; entre aqueles a quem é concedida a faculdade de ouvir, muitos há que continuam surdos. Não basta que o homem receba a revelação, que saiba donde vem e para onde vai. Cumpre-lhe viver como vivem os que nasceram do Espírito, no sentido de que, 186
exercendo seus Espíritos domínio sobre a matéria, eles se esforçam por aproximar-se cada vez mais do divino modelo. Ah! quão poucos ainda se hão libertado da escravidão da matéria! Não invoqueis, por desculpar-vos, as necessidades da vida, as obrigações materiais, as leis da sociedade, para com a qual, membros que sois da grande família humana, tendes que cumprir todos os deveres atinentes ao vosso progresso pessoal e ao progresso coletivo, exemplificando todas as virtudes, de acordo com a lei de amor, pela prática da justiça, da caridade, da fraternidade. Nada disso é incompatível com a vida espiritual.
Em meio do turbilhão da existência terrena, podeis sempre volver os olhos para o farol que mantemos aceso por cima das vossas cabeças. Se assim fizerdes, passareis sem vos manchardes por entre todas as baixezas da humanidade, por entre as necessidades factícias, que vos tornam cúpidos, avaros e duros; por entre as ambições do orgulho, que vos levam a esmagar todos os que se vos antepõem, a pisá-los para vos elevardes; por entre todas essas aberrações da animalidade, que fazem de uma necessidade qualquer um objetivo, um desejo insopitável, para cuja satisfação ides a todos os excessos, a todos os crimes.
Não, não. De nada serve ouvir a revelação, desde que se continua a viver como se não a tivesse recebido. De nada serve saber-se de onde se vem e para onde se vai, desde que se mude de caminho, porquanto aquele que assim faz se afasta do ponto de partida e não mais pode, senão com grandes dificuldades, atingir o ponto de chegada.
V. 9. Nicodemos lhe replicou: Como pode isso fazer-se?
Nicodemos tinha do renascimento uma idéia confusa. (Intencionalmente empregamos este qua- 187
31 Ver os Evangelhos de MATEUS, MARCOS e LUCAS reunidos, 19 tomo, n. 43, pág. 228.
lificativo). Ele o considerava como uma superstição dos antigos tempos. Tocado pelas palavras de Jesus, desejou uma explicação que o esclarecesse. A resposta que obteve, salientando-lhe a ignorância e fazendo-o reportar-se ao passado, foi apenas, como ides ver, para lhe tornar compreensível que, no que Jesus dissera, estava a sanção de uma realidade, de uma verdade já entrevista pelos sacerdotes e pelos escribas, pelos eruditos, em suma, e espalhada no seio das massas populares.
V. 10. Observou-lhe Jesus: Pois quê! És mestre em Israel e ignoras estas coisas!
Essa resposta de Jesus equivale ao seguinte: "Ignoras o que te digo sobre o renascimento, sobre a obrigação de renascer, de reviver! Entretanto, como mestre em Israel, devias estar a par de tudo isso, pois que muitos o disseram e ensinaram antes que eu destas coisas falasse." Assim, bem apreendido o sentido destas palavras: "Não te admires de que eu haja dito ser necessário que torneis a nascer", vê-se que Jesus se referia a uma coisa que no domínio do passado já era realidade; que ele não compunha apenas a forma alegórica de uma idéia ou de uma noção nova; que não apresentava uma simples alegoria destinada a servir de base às futuras interpretações humanas da Igreja, relativas a um renascimento puramente espiritual por efeito do batismo dágua, que ela administra, e da inspiração do Espírito Santo.
Nos livros antigos do templo, livros em que os levitas hauriam toda a sua ciência, o renascimento se encontrava assinalado. Não é que constituísse um ponto de fé, mas dele ali se falava como de um fato ordinário.
Os magos, que, como sabeis31, se comuni- 188
cavam com os Espíritos, que eram médiuns, tinham conhecimento da reencarnação, mas de modo menos desenvolvido do que vo-lo traz a nova revelação.
Todos os povos antigos conheceram, antes do aparecimento de Jesus na Terra, a lei natural, universal, do renascimento. Consultai a história antiga da Ásia e da Europa, especialmente a da Índia, do Egito, da Caldéia, da Grécia, dos Latinos, das Gálias. Citamos apenas alguns nomes, mas essa crença estava espalhada por toda a parte, era, repetimos, universal.
Quando Jesus apareceu na Terra, a idéia do renascimento, formando um amálgama de erros e verdades, constituía apanágio de reduzido número de eruditos, de iniciados.
No seio das massas populares ainda tinha voga, mas velada, imprecisa, coberta de superstições que a tornavam quase incompreensível.
Por toda parte encontrareis traços dessa crença. Entre uns, ela se vos mostrará positiva; entre outros, vê-la-eis incluída no rol dos contos da carochinha, das histórias de lobisomens e fantasmas. Mas esse legado das passadas eras, essa consciência da origem, varou as crenças populares. Era um gérmen destinado a substituir sempre até chegarem os tempos em que houvesse de produzir rebentos fortes e vigorosos. Foi para que esse gérmen se mantivesse vivo que, veladamente, Jesus lembrou o princípio do renascimento em muitos de seus ensinos, esparsos, como vos mostramos, pelos três primeiros Evangelhos; foi que o proclamou como fato verificado na pessoa de João, filho de Zacarias e de Isabel; foi que o proclamou ainda no seu colóquio com Nicodemos. Sempre, porém, o fez deixando à revelação que ele predisse e prometeu e que seria trazida ao mundo pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, o encargo de fazer brotar daquele germe os rebentos fortes e vigorosos, isto é: de desenvolver e explicar, em espírito e verdade a lei natural 189
32 Evangelhos de MATEUS, MARCOS e LUCAS, reunidos (29 tomo, pág. 498).
e universal do renascimento, em seu princípio fundamental, suas aplicações e conseqüências, mostrando-a como pedra angular do edifício do progresso humano, como via e meio de depuração do Espírito, de alcançar este a perfeição moral.
Mas, conforme dissemos em explicações anteriores32, essa tão grave questão tinha que permanecer na sombra. É que a reencarnação implica forçosamente as relações espíritas, as relações de além-túmulo, entre a humanidade terrena e o mundo invisível e isso era uma arma que o homem ainda não estava em condições de manejar. Assim, em vez de ser de utilidade para aquela época e de preparar o futuro, teria prejudicado a obra de regeneração, a marcha do progresso.
A quantos dos atuais pastores se podem dirigir estas palavras que Jesus dirigiu a Nicodemos: Pois quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas!
Se os "doutores de Israel" houvessem estudado, esquadrinhado os arquivos, trabalhado enfim por instruir-se, com o desejo de instruir os outros e não com o propósito de se servirem da luz como de arma contra o vulgo, teriam sabido aquelas coisas, como as devera saber Nicodemos. Mas, a ignorância é filha do orgulho, deriva deste, e o orgulhoso se julga sempre bastante sábio. Pensa sempre ter ascendido ao fastígio da ciência, por ver que há outros mais ignorantes do que ele. Também, por vezes, teme descer ao fundo de certos conhecimentos, receando encontrar lá a sua própria condenação.
Entre vós, quantos "doutores de Israel" vivem!
V. 11. Em verdade, em verdade te digo que dizemos o que sabemos e damos testemunho do que 190
temos visto; entretanto, não recebeis o nosso testemunho.
Palavras proféticas, que se podem aplicar a todos os homens, em todas as épocas.
A incredulidade, como a sua companheira — a ignorância, é também filha do orgulho. Aquele que se julga sábio não aceita o que diz o humilde, o pequeno, como ele o considera. Não se dá sequer ao trabalho de estudar a questão que lhe é proposta e que sem mais exame repele. Para quê? O que temos basta. Para que procurar outra coisa?
As palavras, com que Jesus declarou que não dava testemunho (relativamente à reencarnação) senão do que vira, são mais uma prova da sua origem extra-humana. Proferindo-as, ele declara ter conhecimento e lembrança do que vira. Ora, esse conhecimento e essa lembrança não os pudera ele ter e não teria, se estivesse sofrendo a encarnação humana como a sofreis. Só na condição de Espírito livre os podia ter, como de fato tinha, precisamente porque era sempre Espírito, apenas revestido de um corpo de natureza perispirítica, tangível.
Entretanto, não recebeis o nosso testemunho. Estas palavras eram especialmente proféticas. Profetizavam que os Judeus, a Igreja, as seitas cristãs dissidentes e os outros homens diretores das massas populares haviam, como Nicodemos, de lhe interpretar mal as palavras ou de não as compreender, de rejeitar, portanto, a reencarnação que, conseguintemente, só pela revelação espírita, pela nova revelação, seria posta em foco para todas as vistas, em espírito e verdade, quanto a seu princípio fundamental, suas aplicações e suas conseqüências.
V. 12. Se não me credes quando vos falo das coisas terrenas, como me crereis, quando vos fale das celestiais? 191
Nicodemos e os magnates da Igreja deviam conhecer os mistérios da reencarnação tal como o passado lhes punha diante dos olhos. Porém, a ignorância de uns (ignorância que provinha do nenhum desejo de se instruírem e não da falta de elementos para isso) e o interesse de outros, levando-os a conservar oculto o que sabiam, faziam que ignorassem ou fossem tidos por ignorantes de um fato que deviam conhecer.
Despojado da letra o espírito, aquelas palavras significam: "Se, quando vos falo do renascimento do Espírito em um corpo novo, coisa que deveríeis saber, pois que se passa sob os vossos olhos, não me credes, como poderíeis, inteligências limitadas e rebeldes que sois, elevar-vos ao ponto de compreender o que se passa numa região donde tão afastados estais? Como compreenderíeis as coisas do céu, isto é: os segredos da inteligência, dos astros, da natureza, da criação inteira, se não podeis compreender o ato material que se efetua debaixo das vossas vistas?"
Oh! homem baldo de inteligência, mas enfunado de orgulho, queres elevar-te às regiões em que habita o Espírito, essência de todos os princípios, e tens tão obscurecida a vista, que não logras ver o que se passa a teus pés! Queres conhecer a origem do Espírito e nada conheces das transformações do corpo.
Estuda, homem ignorante, eleva-te e poderás compreender!
V. 13. Também, ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber: o filho do homem, que ESTA no céu.
Estas palavras queriam dizer: "Só eu posso saber o que se passa no céu, porque só eu desci ao meio de vós, para desempenhar uma grande e santa missão, conservando a lembrança da pátria donde vim e da qual não estou separado. Só eu, 192
na Terra, posso voltar para junto de meu pai. Só eu, essência diferente da vossa, posso, vivendo entre vós, viver igualmente entre meus irmãos e repousar a cabeça no regaço de meu pai. Só eu, portanto, posso saber o que se passa na casa paterna, pois que, ausentando-me dela para vos visitar, não a deixei e não tardarei a de novo entrar nela."
Despojai aquelas palavras do caráter figurado que apresentam e. vereis que Jesus, referindo-se, como sempre, ao vosso planeta, aos encarnados que o habitam e aos Espíritos que, sob a sua direção, trabalham pelo desenvolvimento e progresso da humanidade terrena, afirma a sua posição espírita e a sua natureza extra-humana. Dizendo que "ninguém subiu ao céu senão ele, o filho do homem", afirma que só ele, dentre vós, atingira a perfeição sideral. Dizendo que "ninguém descera do céu senão ele, filho do homem, que está no céu", afirma que só ele, vivendo entre os homens a quem fala, está na terra, tendo descido do céu, e está ao mesmo tempo no céu, é sempre Espírito, livre no espaço. Afirma, desse modo, que só ele, entre os homens, não estava sujeito a um corpo material de carne como os vossos, não lhe sofria o jugo; que se achava revestido de um corpo que lhe deixava ao Espírito toda a liberdade e toda a independência para aparecer entre os homens ou desaparecer no espaço. Afirma, por conseguinte, sua origem e sua natureza extra-humanas, naquele corpo de natureza perispirítica, mas tangível. Afirma que está constantemente em relação com o Pai, que sabe o que se passa na imensidade, que, salvo quando atendia às exigências da sua missão terrena, ocupava seu lugar na falange celeste.
V. 14. Assim como Moisés alçou no deserto a serpente, do mesmo modo importa que o filho do homem seja alçado. 193
Alusão à morte aparente que havia de sofrer e que serviria de símbolo de aliança para todos os que queriam e viessem a querer seguir-lhe as pegadas.
Essa morte e as circunstâncias em que ocorreu serviram para tocar as inteligências e para atrair sobre ele todos os olhares.
Homens, quem quer que sejais, volvei com confiança os olhos para a cruz. Qualquer que seja a nação a que pertençais, qualquer que seja o vosso culto, pensai naquele que, humilhando-se, se elevou aos olhos da humanidade e compreendei que, caminhando nas suas pegadas, podeis, por mais humilde que seja a vossa condição, elevar-vos na cruz de miséria e de humilhação, para alcançardes o "reino dos céus": a perfeição moral humana.
Todo aquele que se voltava com fé para a serpente de bronze que Moisés alçou no deserto, todo aquele que elevava para esse emblema os olhos, ficava curado de seus males físicos. Moisés tratava materialmente um povo material. Jesus, alçado na Cruz do Calvário, atrai os olhares dos que sofrem moralmente e os que se voltarem para ele com esperança e fé acharão a cura de seus sofrimentos, porquanto aprenderão a suportá-los com coragem, resignação e mesmo reconhecimento, sobretudo se forem iluminados pela luz espírita, que lhes mostra a existência humana como sendo, para o Espírito, o único meio de se purificar e progredir, passando pelas provas que escolheu, caminhando pelas sendas da expiação e da reparação que se impôs, ou que lhe foram traçadas e abertas pela sabedoria e pela previdência paternais do Senhor e por intermédio de seus mensageiros. Aquele que sabe sofrer e sabe porque sofre já não sente o seu mal.
Como se operava a cura dos males físicos quando Moisés alçou a serpente de bronze no deserto? 194
Pelo concurso dos Espíritos protetores. Moisés, como sabeis, era um Espírito em missão, assistido, conseguintemente, pelos seus iguais e mesmo pelos seus superiores. Poderoso médium, guiavam-no as influências ocultas e benfazejas que o cercavam. A serpente não era mais do que um meio material de prender a atenção dos Hebreus, sempre inconstantes e revoltados, e de lhes fazer compreender o poder da fé, pois que só a fé operava a cura. Os Espíritos do Senhor atuavam sobre os corpos materiais humanos, por meio do magnetismo espiritual, aplicando à cura dos mesmos corpos os fluidos necessários.
V. 15. Para que todo o que nele crê não pereça e tenha, ao contrário, a vida eterna.
Quer dizer: Para que todos os que lhe seguirem os passos se depurem, se expurguem do fermento do homem velho e possam elevar-se de seus calvários para a morada celeste, isto é, possam, transpostos os mundos inferiores de provações e expiações, chegar aos mundos superiores e, galgando orbes cada vez mais elevados, atingir a perfeição sideral que, nas regiões dos fluidos puros, dá acesso à vida eterna, à vida dos puros Espíritos, os quais, libertos de toda influência da matéria, não estão mais sujeitos a encarnação ou incorporação alguma, seja fluídica, seja material.
Crer em Jesus é pôr em prática a sublime moral que ele personifica pelos seus ensinamentos e exemplos.
V. 16. Porque, Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu filho unigênito, a fim de que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Deus, para vos auxiliar na vossa salvação, para ativar entre vós a obra do arrependimento, 195
vos enviou um modelo a ser por vós imitado. Enviou-vos um guia que vos ensinasse o caminho. Segui-o confiantes, pois que ele empunha o archote que brilha no "reino de Deus". Ele é o filho único do Pai, com relação aos homens, pela sua pureza e pelo seu poder, e por ser o único encarregado do desenvolvimento e do progresso do vosso planeta e da humanidade terrena, de vos conduzir à perfeição.
V. 17. Porquanto, Deus não enviou seu filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele.
Não, o Senhor não enviou aos homens um juiz, mas um guia, um amigo, um protetor. Tornai-vos, pela vossa confiança, merecedores da grande prova de amor que assim vos deu. Que a vossa submissão e o vosso reconhecimento ao Pai lhe provem que o que ele fez por seus filhos produziu frutos.
V. 18. Quem nele crê não é condenado; mas o que não crê já está condenado, pois que não crê no nome do filho unigênito de Deus.
Aquele que não crê em Jesus não cuida de lhe seguir os passos e só os que caminham nas suas pegadas podem esperar chegar ao fim. Mas, seguir a Jesus não é somente invocar o nome do Cristo, com aparentes mostras de reconhecimento, afetando uma prerrogativa de salvação. Seguir a Jesus é caminhar humilde, brando, resignado, casto, confiante, submisso, pela estrada que está aberta, pondo toda a esperança em Deus, aplicando a inteligência em viver santamente sob as inspirações da própria consciência. Seja qual for o culto que professe, o homem tem um sumo-sacerdote que o guia e ensina a honrar a Deus por atos, que não por palavras: a consciência. Que a escute. Jesus preside aos ensinamentos desse sacerdote e 196
o que por ele se deixa guiar segue as trilhas do filho do homem, do filho único do pai, com relação, repetimos, a vós, do pai eterno e onipotente, que é o único eterno, o único poderoso e o único Deus verdadeiro.
Quem nele crê não é condenado.
Quem não comete delito não tem que temer julgamento. Aquele que se esforça por acompanhar os passos do modelo que vos foi dado está precatado contra toda falta e, portanto, não tem que temer julgamento, pois deveis tomar o termo julgamento como sinônimo de condenação, no sentido de que o homem se condena a si mesmo pela falta que comete, visto que a sentença quem a profere é a sua própria consciência, sede do tribunal de Deus.
Mas o que não crê já está condenado, pois que não crê no nome do filho unigênito de Deus.
Esse que não crê faliu e, por conseqüência, está condenado. Os que se afastam das sendas de Jesus só o fazem por lhes parecerem estas muito difíceis de ser perlustradas. Preferem andar pelas bordas floridas dos precipícios e neles caem.
Destas palavras: "Pois que não crê no nome do filho unigênito de Deus", consideradas ao pé da letra, como o faz a Igreja romana, poder-se-ia concluir que aquele que não crê em Jesus, na sua missão terrestre, na sua divindade, já está condenado, isto é, segundo a Igreja, condenado por toda a eternidade? Poder-se-ia igualmente concluir que aquele que não crê na origem e na posição espíritas de Jesus como Espírito puro, protetor e governador do nosso planeta, segundo a nova revelação, já está condenado, isto é, submetido à expiação na erraticidade e depois à reencarnação na Terra ou em outros mundos inferiores? Não fora falsear a interpretação das palavras de Jesus admitir que pudesse ser assim, fosse qual fosse a boa-fé 197
do homem, mesmo quando, apesar da sua incredulidade no nome do filho único de Deus, isto é, na divindade que a Igreja lhe atribui ou na sua posição verdadeira, segundo a nova revelação, ele, não vendo em Jesus mais do que um homem como os outros, um filósofo ilustre, um reformador, houvesse, durante a sua existência terrena, como o Samaritano, tecido um manto de caridade, construído para si um pedestal de boas obras, praticando, com simplicidade de coração e humildade de Espírito, o trabalho, o amor, a caridade, a justiça e a fraternidade?
A Igreja romana afastou os homens da interpretação segundo o espírito, que dá o verdadeiro sentido da letra, porque tinha necessidade de os conservar no círculo estreito que ela lhes traçara, pois que tudo tem a sua razão de ser na marcha dos tempos, de conformidade com as fases, as condições e os meios de progresso do espírito humano.
Já o temos dito e repetimos: os atos são o que há de principal na existência humana. A fé em Deus é a base dos atos. Crede no vosso Deus; obrai por amor dele; sede caridosos, brandos e humildes de coração; segui os preceitos de Jesus, quer os atribuais a um enviado do Senhor, segundo a verdade evangélica, espírita, quer os imputeis ao próprio Deus, segundo o erro dogmático da Igreja, quer ainda os considereis de uma criatura tal como vós, dotada de inteligência mais elevada do que a de seus irmãos, segundo o erro dos que se mostram incrédulos, não por orgulho, mas por ignorância. Seja como for, segui-lhe os mandamentos, segui-lhe a moral e sereis "cristão". Deixai que a vaidade humana se apegue à glória das palavras. Que importa à grandeza divina, à luminosidade do facho da verdade, que lhe rendais, por palavras, as homenagens que lhe são devidas, ou que, por ignorância ou por efeito de falsas e mentirosas interpretações, a rebaixeis até a vossa estatura? Avançai, avançai pela estrada 198
que Jesus vos abriu; segui as pegadas que ele aí deixou, quer vejais nelas a luz do facho divino, quer a marca dos passos do homem. Ide sempre para diante e no termo da jornada o encontrareis, pronto a vos receber e mostrar a verdadeira luz.
Assim, o que importa é que não haja senão ignorância e boa-fé e que o erro ou a incredulidade não sejam companheiros do orgulho, nem fruto de um sentimento por este inspirado?
Certamente, pois que mesmo os atos não passam de obras mortas, se praticados unicamente por orgulho ou respeito humano, como também não passam de obras mortas, se praticados por egoísmo.
Aquele que vê a luz, que sente no coração os efeitos de seu calor vivificante, mas que a repele, que a nega, impelido por interesses materiais, por sentimentos mundanos, ou por orgulho, esse deixa de ser "cristão" de fato, já não está no caminho, já não segue o modelo.
Aqui só falamos dos homens de boa-fé, que não crêem porque não compreenderam; que não aceitam a verdade, senão porque suas inteligências, ainda pouco desenvolvidas, não estão maduras para a colheita; que vivem na ignorância, porque ninguém os veio esclarecer, ou porque os que os esclareceram tão mal o fizeram que a cegueira foi a conseqüência.
Repetimos: Falamos dos homens simples e conscienciosos e não dos fanfarrões da incredulidade ou dos hipócritas da fé.
V. 19. O motivo desta condenação é que a luz veio ao mundo e os homens amaram mais às trevas do que à luz, por serem más as suas obras.
Dupla explicação se faz aqui necessária: uma — "cristã"; outra — "espírita". Por "cristã" en- 199
tenda-se — atinente à época de Jesus feito "homem". Os que viam fecharam os olhos, porque não queriam introduzir no seu proceder as reformas necessárias, sem as quais não caminhariam na via da salvação.
Do ponto de vista espírita, são as mesmas a interpretação e a explicação. Supondes que o Senhor tenha por inocente o homem que, esclarecido pela nova revelação, dada ao mundo para confirmar todos os fatos do Cristianismo, recusa entrar no caminho que lhe ela abre, não por incredulidade, mas por não impor a si mesmo um jugo que lhe parece excessivamente pesado? não por escrúpulo de consciência, mas porque não quer ser forçado a escutar de contínuo a voz que em vão há tanto tempo lhe brada: "Caminhas por uma estrada coberta de flores, mas que exalam sutil veneno; a morte te apanhará, antes que hajas chegado ao fim da tua caminhada"?
Sim, julgados e condenados são os que rejeitam a reforma, porque não se querem reformar; que rejeitam a luz, porque esta os esclarece e eles preferem as trevas; que rejeitam a palavra de verdade, porque a seus ouvidos ressoa a mentira e eles preferem suas vozes melodiosas às ásperas censuras da consciência.
Sim, esses são condenados. Eles são os juizes de si mesmos e a si mesmos infligirão as penas.
V. 20. Porque, todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se aproxima da luz, a fim de que suas obras não sejam argüidas.
É o resumo do que acabamos de dizer. Aquele que se compraz nas suas iniqüidades, nos seus transviamentos, recusa aceitar a lei que o força a rejeitar, com vergonha e asco, aquilo mesmo que era motivo de suas alegrias ou de sua vaidade. Prefere, portanto, as trevas à luz, o silêncio às vozes amigas da consciência e do dever. Feita 200
assim a sua escolha, ele se tem julgado a si mesmo, a si mesmo se tem condenado. Escolheu a sua pena, sofrê-ia-á.
"Orai, ó bem-amados, orai por esses pobres pecadores endurecidos, que nada querem ouvir, e dizei conosco:
Senhor, permitiste que a tua luz descesse até nós para nos aquecer os corações, para nos reanimar as inteligências e para despertar os nossos sentimentos entorpecidos.
Faze, ó Deus de misericórdia, que todos, sem exceção, participemos dos benefícios dessa luz regeneradora. Faze, ó Deus, que ela brilhe igualmente para todos. Envia, Senhor, teus Espíritos àqueles que ainda se acham afastados da verdade. Que eles rasguem o véu que a oculta, para mostrá-la, em toda a sua beleza, aos que dela desviam a vista. Que, seduzidos pelos seus encantos, esses repilam para longe de si, com horror, os ídolos vãos que ainda incensam, se aferrem à verdade e a sigam com amor.
Deus de bondade, pai de misericórdia, permite que as nossas fracas vozes possam fazer ressoar aos ouvidos de nossos irmãos palavras persuasivas. Concede que os nossos corações regenerados possam enlaçar, num impulso de amor, os dos nossos irmãos que se acham distanciados. Dá-nos as propriedades do ímã, a fim de que, atraindo a nós todos os que temem, sofrem, negam, se transviam, possamos carregá-los nos braços e, apertando-os de encontro ao coração cheio de amor, depô-los a teus pés, Senhor, como braçada de flores escolhidas, cujo perfume subirá ao teu trono.
Deus de bondade, secunda os nossos esforços. Dá-nos a persuasão, a doçura, a perseverança, a fé forte que transporta montanhas, a confiança inabalável, o amor, Senhor, o amor que 201
33 Ver, no comentário dos três primeiros Evangelhos, a manifestação precedente do Espírito de Judas Iscarlotes. (39 tomo, págs. 392-393.)
nos aproxima de ti, estendendo-se por sobre todas as tuas criaturas."
JUDAS ISCARIOTES. 33
V. 21. Mas, aquele que pratica a verdade se chega para a luz, a fim de que sejam manifestas suas obras, visto que são feitas em Deus.
Aquele que procede de acordo com a verdade é, foi e será, em todos os tempos, o que se esforça, esforçou e esforçará por submeter seu pensamento, seus atos à lei divina, tal como Jesus a proclamou, declarando encerrar ela toda a lei e os profetas. Esse ama a luz, pois que só esta o pode guiar e ele a busca, porquanto nada tem em si de vergonhoso, que ela possa pôr em evidência.
Ó bem-amados nossos! sede do número dos que buscam a luz. Sede do número dos que podem mostrar-se nus aos ardores do sol divino, sem remorsos, nem vergonhas.
Vinde, filhos que educamos com amor, que carregamos em nossos braços, vinde receber os eflúvios dessa luz deslumbrante, que irradia de todos os lados, a toda a parte levando a seiva e a fecundidade. Vinde aquecer vossos corações transidos, vossos membros inteiriçados. Vinde, nós vos sustentaremos, vos carregaremos como criancinhas, para que, com o nosso amparo, vos possais aproximar dela cada vez mais e fertilizar as vossas almas sob a ação de seus raios benfazejos. 202
CAPÍTULO III Vv. 22-36
João dá testemunho de Jesus
V. 22. Depois disso veio Jesus com seus discípulos para a terra da Judéia e ali se demorou com eles a batizar. — 23. João também batizava em Enon, perto de Salim, porque havia lá muitas águas; e muitos lá iam e eram batizados. — 24. Porque, a esse tempo, João ainda não tinha sido metido no cárcere. — 25. Uma questão surgiu entre os discípulos de João e os Judeus acerca do batismo. — 26. Aqueles, indo ter com João, lhe disseram: Mestre, esse que estava contigo além Jordão e de quem deste testemunho, eis que também batiza e todos vão a ele. — 27. João lhes respondeu: Não pode o homem receber coisa alguma, se do céu não lhe foi dada. — 28. Vós mesmos me sois testemunhas de que eu disse: Não sou o Cristo, sou apenas um enviado adiante dele. — 29. O a quem pertence a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que com ele está e o ouve, muito se regozija por escutar a voz do esposo. Pois este gozo eu agora o experimento. — 30. É preciso que ele cresça e que eu diminua. — 31. Aquele que VEIO do alto está acima de todos; aquele que tira da terra sua origem é da terra e da terra são suas palavras. O que veio do céu está acima de todos. — 32. Dá testemunho do que viu e ouviu e ninguém recebe o seu testemunho. — 33. O que recebe o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. — 34. Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, pois Deus não lhe dá seu Espírito por medida. — 35. O pai ama o filho e tudo lhe pôs nas mãos. — 36. O que crê no filho tem a vida eterna; o que, porém, não crê no filho não verá a vida e a cólera de Deus permanece sobre ele.
N. 10. (V. 22.) Destas palavras: "e ali se demorou com eles a batizar", eis aqui o sentido exato e real: Jesus batizava por intermédio de 203
seus discípulos, não por suas próprias mãos. Mas, como os discípulos obravam em seu nome, a ação estava toda sujeita à sua personalidade. Do mesmo modo é que dizeis: "Recebeu o batismo do Cristo." É o que se encontra expressamente declarado nos vv. 1 e 2 do cap. IV de João.
Jesus mandava que seus discípulos administrassem o batismo d’água, que João o Precursor já administrava, para lhe conservar o caráter simbólico e material. É o que a Igreja pudera e devera ter compreendido. Ela devera ter continuado a praticá-lo, sem lhe alterar o objeto e o fim, e, sobretudo, sem o sujeitar às suas errôneas interpretações dogmáticas, que lhe desnaturaram e falsearam o sentido e o alcance.
(V. 25.) Quanto à questão que surgiu entre os discípulos de João e os Judeus, acerca do batismo, ou da purificação, porque no caso os dois termos são sinônimos, ela se originou de não reconhecerem os Judeus a Jesus o direito de fazer o que João fazia. Não esqueçais que, quando Jesus deu começo à sua missão, João já era considerado como um profeta enviado à casa de Israel. Jesus, pois, era tido geralmente por um impostor, que usurpava o respeito devido a João, ou por um discípulo infiel, que desviava do Mestre a multidão. Para eles, o Messias tinha que se anunciar com mais brilho. Refleti nisso e lembrai-vos de que esperavam um chefe temporal, que viria restabelecer o reino de Israel.
(V. 26.) Não vos admireis de que, em conseqüência dessa questão, os discípulos de João lhe tenham ido dizer: "Mestre, aquele que estava contigo além Jordão e de quem deste testemunho, eis que também batiza e todos vão a ele." Somente alguns deles haviam assistido ao que se passara entre João e Jesus às margens do Jordão. Esses mesmos, porém, à falta de faculdade e de ação mediúnica, não tinham visto, nem ouvido, as manifestações espíritas. E, não obstante o que tinham 204
ouvido de João, em virtude da discussão com os Judeus e por efeito das interpretações dadas às profecias da lei antiga, se achavam influenciados pela idéia de que o Messias anunciado, ao fazer a sua aparição, realizaria coisas mais espantosas do que o ato do batismo, ou purificação, executado pelo Precursor.
Assistido constantemente pelos Espíritos superiores que o guiavam no desempenho da sua missão, João, na resposta a seus discípulos, debaixo da influência espírita e por inspiração mediúnica, dá testemunho de Jesus, se humilha diante deste. Como ele próprio o declara, sua missão consistia em preparar os caminhos ao enviado divino. Rende, pois, homenagem àquele que acima dele está, afirmando a natureza celeste da sua missão.
Temos que, despojando da letra o espírito, vos explicar, em espírito e verdade, o sentido e o alcance da resposta de João a seus discípulos.
V. 27. Não pode o homem receber coisa alguma, se do céu não lhe foi dada.
Estas palavras se referem ao ato que Jesus praticava por intermédio de seus discípulos. Elas significam: Se Jesus não tivesse o direito de purificar os pecadores, não se teria arrogado esse direito; e o próprio João não lho teria consentido, se ele não fosse realmente o Cristo.
Depois de lembrar a seus discípulos que já declarara não ser o Cristo, mas apenas um enviado adiante deste (v. 28), acrescenta João (vv. 29 e 30):
"O a quem pertence a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que com ele está e o ouve, muito se regozija por escutar a voz do esposo; pois, este gozo eu agora o experimento; é preciso que ele cresça e que eu diminua." 205
Já tivemos ocasião de vos dizer que estas locuções — "o esposo", "o amigo do esposo" — eram tomadas às idéias, às tradições, aos costumes hebraicos. João empregava figuradamente a expressão "o esposo" para designar a Jesus, tendo em vista a honra que se prestava entre os Hebreus àquele que se casava. Jesus, que descera do céu para desempenhar na Terra a sua missão, era apresentado como o mancebo puro que, também ele, depõe a sua coroa nupcial, a fim de tomar e governar a família que para si constituiu.
Pela "esposa" que pertence ao "esposo", a Jesus, se designa a humanidade, que ele governa como Espírito protetor do planeta terreno e que lhe pertence no sentido de que só ele se acha encarregado do seu desenvolvimento e do seu progresso, só ele tem a missão superior de lhe falar quando desce ao seio dela.
A expressão — "o amigo do esposo" — também João a empregava figuradamente, para designar-se a si mesmo, pela razão de que o amigo do esposo é o que deste mais se aproxima e mais caro lhe é.
Falando do "amigo do esposo que com ele está e o ouve e muito se regozija por escutar a voz do esposo", João ainda se designa a si mesmo, como precursor de Jesus, seu devotado auxiliar, cheio de respeito e de amor para com ele e obedecendo-lhe à voz, jubiloso por tê-la ouvido, isto é, por ter visto começada a missão terrena do Mestre.
João "experimenta o gozo de escutar a voz do esposo; é preciso que Jesus cresça e que ele diminua". Quer isso dizer: ele experimenta o gozo de ver começada a missão de Jesus; é preciso que esta se desenvolva e que a sua, que era preparatória, se apague e termine.
Assim, pois, pelas palavras figuradas dos vv. 29-30, o que João disse a seus discípulos, despojado da letra o espírito, foi: "Jesus é aquele a quem, como governador do vosso planeta, per- 206
tence a humanidade terrena, é o único que tem a missão superior de lhe falar, quando desce ao seio dela. Eu, João, que apenas sou o seu precursor, seu auxiliar devotado, cheio de amor e de respeito para com ele, lhe obedeço à voz e me sinto jubiloso por ver começada a sua missão. Ela o está e é preciso que se desenvolva e que a minha, simplesmente preparatória, se apague e termine."
Em seguida, João, que, como sabeis, era médium, não só vidente e audiente, mas também inspirado, que falava por inspiração, conforme os casos, as circunstâncias e as necessidades da sua missão, profere, debaixo da influência espírita e da ação mediúnica, sem ter destas consciência, palavras, cujo sentido exato não compreendia, afirmativas da missão de Jesus, referentes à sua natureza, à sua origem, à sua posição e a seus poderes, com relação ao vosso planeta, à humanidade terrena e a todos os Espíritos que, sob a sua direção, trabalham ou concorrem para o desenvolvimento e para o progresso planetário e humano. Essas palavras são as seguintes:
V. 31. Aquele que veio do alto está acima de todos; aquele que da terra tira sua origem é da terra e da terra são suas palavras. O que veio do céu está acima de todos. — 32. Dá testemunho do que viu e ouviu e ninguém recebe o seu testemunho. — 33. O que recebe o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. — 34. Aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, pois Deus não lhe dá seu Espírito por medida. — 35. O pai ama o filho e tudo lhe pôs nas mãos.
Dizendo isso, João estabelece uma comparação entre ai próprio e Jesus. Ele, João, é um homem terreno, sofre a encarnação humana e suas palavras são da terra, emanam do homem terrestre. Segundo o espírito que vivifica, afirma a origem extra-humana de Jesus, quando diz: ele veio do 207
alto; não tira da terra a sua origem; não é da terra; veio do céu; é, portanto, não "homem terreno", revestido de um corpo terrestre, mas "homem celeste", revestido de um corpo celeste, isto é, fluídico por sua natureza e visível, para olhos humanos, pela tangibilidade, sob a aparência humana, mas considerado material pelos homens.
Dizendo: "Ele está acima de todos", João afirma a superioridade de Jesus sobre todos os Espíritos, encarnados ou errantes, quer os que se achem na Terra passando por provações e expiações para se desenvolverem e progredirem, quer os que se achem em missão, assistindo a Jesus e trabalhando sob a sua direção pelo progresso do vosso planeta e da humanidade terrena.
Afirma ainda essa superioridade, essa supremacia, que Jesus exerce, como Espírito protetor e governador da Terra, com os poderes ilimitados que recebeu do pai, declarando: "O pai o ama (tem confiança nele) e tudo lhe pôs nas mãos". Afirma que Jesus está em relação direta com o Pai e que não fala senão como órgão direto do Senhor onipotente, dizendo que, quando ele fala, dá testemunho do que viu e ouviu, e que aquele que recebe o seu testemunho atesta que Deus é verdadeiro. Não tendo tido origem na terra, não sendo da terra, não sendo homem terrestre, suas palavras não procedem da terra. Sendo homem celeste, em relação direta com o pai, cumprindo as vontades deste, que só ele conhece e que transmite, confiando a cada um tarefa proporcionada às suas forças, não profere senão as palavras de Deus. Não diz senão palavras de Deus, porque Deus não lhe dá seu espírito por medida. Quer isto dizer: porque ele conhece os mistérios da vontade divina e a verdade. Estando apto a compreender as vontades celestes e a contemplar o brilho da luz, não é necessário que Deus lhas vele.
V. 36. O que crê no filho tem a vida eterna; o 208
que, porém, não crê no filho não verá a vida e a cólera de Deus permanece sobre ele.
Por estas palavras João afirma que Jesus é vosso modelo, vosso guia, o encarregado do vosso desenvolvimento e do vosso progresso e de vos conduzir à perfeição; que só caminhando pelas suas sendas, acompanhando-lhe os passos, podeis chegar ao fim que vos cumpre atingir.
Nas explicações que já vos foram dadas em o n. 9, sobre os vv. 15, 16, 17 e 18, tendes o sentido e o alcance destas palavras, segundo o espírito. Muito fácil é compreendê-las. Aquele que crê — ama, obedece e merece. Mas, aquele que não crê se afasta, delinqüe e atrai sobre si o julgamento. Não verá a vida; permanecerá nas vias tenebrosas da encarnação material. E a cólera de Deus permanece sobre ele: a justiça do Senhor o conservará submetido à expiação.
Explicando, no n. 9, o v. 18, também já explicamos o que deveis entender, em espírito e verdade, por estas palavras: "Aquele que crê no filho." Acrescentaremos: Jesus personificava a moral, que ele declarou ser toda a lei e os profetas, que é anterior ao seu aparecimento na Terra. Aquele que, seja quem for, Judeu ou Gentio, católico ou protestante, cristão ou muçulmano, seja qual for a nação a que pertença, sejam quais forem seu culto, suas crenças, segue com simplicidade de coração e humildade de espírito a linha da justiça, do amor e da caridade, esse "crê no filho", o conhece.
Não esqueçais que aquele que hoje é, por exemplo, judeu, talvez tenha sido ontem um missionário da fé cristã e será, quem sabe, amanhã, um de seus mártires. Tende sempre em mente a reencarnação. As palavras de João, como as de Jesus, se aplicam aos Espíritos em via de reencarnar. Não se aplicam, no seu sentido próprio, isto é, segundo a letra, aos Espíritos encarnados 209
no momento e sim aos que acabam de o estar e aos que o estarão de futuro.
Quanto a estas palavras de João: "E ninguém recebe o seu testemunho", têm, do ponto de vista geral, o mesmo sentido das que já explicamos (n. 9, v. 11), dirigidas por Jesus a Nicodemos: "E, entretanto, não recebeis o meu testemunho."
Essas palavras de João eram de atualidade para seus discípulos, que não reconheciam a missão de Jesus; de atualidade e ditas para o futuro com relação aos Judeus e aos outros homens, que viriam a desconhecer aquela missão, a cerrar ouvidos à palavra do Mestre, a não caminhar nas suas sendas, a não lhe seguir os passos. 210
CAPÍTULO IV Vv. 1-26
Colóquio de Jesus com a Samaritana. — Água viva que Jesus dá de beber e que se torna, naquele que a bebe, uma fonte que jorra até à vida eterna. — Não mais adorar o pai nem no monte, nem em Jerusalém. — Adoração do pai. — Os verdadeiros adoradores que o pai quer. — Os adoradores do pai em espírito e em verdade. — Jesus declara à Samaritana ser o Messias, isto é, o Cristo. — Sentido, alcance e objetivo destas palavras de Jesus: Deus é Espírito. — Explicação que a revelação atual dá de Deus
V. 1. Quando Jesus soube que os Fariseus tinham ouvido dizer que ele fazia mais discípulos e batizava mais pessoas do que João, — 2, se bem Jesus mesmo não batizasse e sim seus discípulos, — 3, deixou a Judéia e voltou para a Galiléia. — 4. E, como precisasse atravessar a Samaria, — 5, foi ter a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, próxima à herdade que Jacob dera a seu filho José. — 6. Havia ali um poço que se chamava a fonte de Jacob. Cansado da caminhada, Jesus se sentou à borda do poço para repousar. Era por volta da hora sexta (meio-dia). — 7. Uma mulher de Samaria veio então tirar água ao poço e Jesus lhe disse: Dá-me de beber. — 8. (Seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos.) — 9. Mas, aquela mulher samaritana lhe disse: Como é que, sendo tu Judeu, me pedes de beber a mim, que sou Samaritana? Porque, os Judeus não se comunicam com os Samaritanos. — 10. Jesus lhe respondeu: Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que diz: Dá-me de beber, talvez lhe houvesses tu pedido e ele te teria dado da água viva. — 11. Observou-lhe a mulher: Senhor, não tens com que a tires e o poço é fundo; donde haverias então a água viva? — 12. És porventura maior do que nosso pai Jacob, 211
que nos deu este poço, que dele bebeu, assim como seus filhos e seus rebanhos? — 13. Jesus respondeu: Todo aquele que bebe desta água tornará a ter sede; mas, o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. — 14. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte que jorrará até à vida eterna. — 15. Disse a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem venha aqui tirá-la. — 16. Disse-lhe Jesus: Vai, chama teu marido e volta aqui. — 17. Respondeu-lhe a mulher: Não tenho marido. Replicou-lhe Jesus: Disseste bem, dizendo que não tens marido; — 18, porque cinco maridos tiveste e o que agora tens não é teu marido; nisto falaste verdade. — 19. Disse a mulher: Senhor, vejo que és profeta. — 20. Nossos pais adoraram neste monte e vós outros dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar. — 21. Jesus lhe disse: Mulher, crê-me, virá tempo em que não será nem neste monte nem em Jerusalém que adorareis o Pai. — 22. Vós adorais o que não conheceis, nós, porém, adoramos o que conhecemos, pois dos Judeus é que vem a salvação. — 23. Mas virá o tempo e já veio em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; esses os adoradores que o Pai quer. — 24. Deus é Espírito e os que o adoram em espírito e verdade é que o devem adorar. — 25. A mulher lhe retrucou: Sei que virá o Messias, chamado Cristo; quando ele vier nos anunciará todas as coisas. — 26. Jesus lhe disse: Eu o sou, eu que te falo.
N. 11. (Vv. 1-2.) Com relação ao batismo que, por intermédio de seus discípulos, Jesus administrava, já recebestes, no n. 10, as explicações necessárias. Reportai-vos a essas explicações.
Quanto ao colóquio com a Samaritana, esse é da mais alta importância, de um duplo ponto de vista; do da compreensão das palavras do Mestre, segundo o espírito, e do das explicações que dessas palavras, como órgãos do Espírito da Verdade, temos que vos dar, daquilo que temos para 212
vos dizer, de acordo com o que agora podeis suportar.
Ao que refere a narração evangélica, Jesus, por estar fatigado da caminhada, se sentou à borda do poço para repousar. Isto reflete a apreciação humana dos narradores do fato, dos quais o evangelista foi eco fiel e que, como este, consideravam Jesus do ponto de vista humano. Porque, não o esqueçais, Jesus, para a Samaritana, como para todos, era um homem igual aos outros, revestido do corpo material do homem planetário, sujeito, portanto, às necessidades, às contingências da existência humana.
Ele ali se sentou, porque previa a vinda da Samaritana, do mesmo modo que só lhe pediu de beber para entabular a conversação. Notai que não se vos diz que a Samaritana lhe deu de beber, nem que ele bebeu. O colóquio se trava imediatamente e Jesus o dirige de maneira que o ensinamento decorre dele, como da rocha a água viva.
Tudo, o lugar, a pessoa e o ato que esta vinha executar, tudo, naquele momento, de acordo com os preconceitos e as tradições da época, tinha que servir de base, de elemento e de meio para o diálogo e para os ensinamentos que dele haviam de derivar, de conformidade com as necessidades de então e do futuro, ensinamentos destinados a só se tornarem evidentes, claros, para as gerações vindouras, para aquelas, sobretudo, que teriam de receber a nova revelação, a revelação da revelação.
O primeiro ensino de Jesus está nos vv. 9-15. Tendo-se em vista as últimas palavras da Samaritana: Sei que virá o Messias, chamado Cristo; quando vier, ele nos anunciará todas as coisas, e o que Jesus lhe responde: Eu o sou, eu que te falo, verifica-se que as respostas do Mestre às diversas perguntas da mulher tiveram por fim ensinar, fazer compreender aos homens o seguinte: que, perante Deus, aos olhos do pai, não há heré- 213
ticos, nem ortodoxos, mas tão-somente filhos mais ou menos ternos, mais ou menos submissos, aos quais ele transmite suas instruções, sejam quais forem suas pátrias, suas crenças, contanto que seus corações os encaminhem para ele e que se mostrem prontos a receber os ensinos, os benefícios que ele lhes manda; que o Cristo, seu enviado celeste, vosso Messias, Espírito protetor e governador do vosso planeta, dá a todos os homens de boa-vontade, que lhos peçam, sejam eles o que forem, quaisquer que sejam seus cultos, crenças, nacionalidades, aqueles ensinos, aqueles benefícios, que abrem ao Espírito as sendas do progresso, de ordem física, de ordem moral e de ordem intelectual, e os encaminham para a perfeição.
Para os Judeus, que os perseguiam com seu ódio e seu desprezo, os Samaritanos eram heréticos. Eles, os Judeus, se consideravam os únicos filhos do Senhor, os únicos com direito a herdar o reino de Deus. Eram os ortodoxos.
Essa a razão por que, ao lhe dirigir Jesus, com o fito de travar o colóquio, estas palavras: "Dá-me de beber", a Samaritana lhe observa: "Como é que, sendo tu Judeu, me pedes de beber a mim, que sou Samaritana, pois que os Judeus não se comunicam com os Samaritanos?"
Jesus que, como Judeu, representa, para a Samaritana, a ortodoxia e que era tratado de Samaritano pelos Judeus, que usavam, para com ele, desse tratamento, como expressão suprema do ódio, da injúria e do desprezo que lhe votavam, responde, sendo o Messias: "Se conhecesses o dom de Deus e quem é o que te diz: "Dá-me de beber, talvez lhe houvesses pedido e ele te teria dado da água viva."
Suas palavras eram "espírito e vida". Tomando-as, porém, no sentido literal e material, a Samaritana lhe pondera: "Senhor, não tens com que a tires e o poço é fundo; donde haverias então 214
essa água viva? És porventura maior do que nosso pai Jacob, que nos deu este poço, que dele bebeu, assim como seus filhos e seus rebanhos?"
Jesus, continuando, lhe responde: "Todo aquele que bebe desta água tornará a ter sede; mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte que jorrará até à vida eterna."
Assim, em nome do Pai de quem é ele o representante direto perante vós, de quem é o enviado, Jesus, vosso Messias, dá de beber da água viva a todo aquele, Judeu ou Samaritano, que conheça o dom de Deus e o conheça a ele; a todos os homens, sejam quais forem suas pátrias e suas crenças. Se a Samaritana conhecesse o dom de Deus e se o conhecesse a ele, talvez lhe houvesse pedido dessa água viva e, se a tivesse pedido, Jesus lha houvera dado.
Para os Hebreus, o dom de Deus era o dom do Espírito Santo, isto é, a inspiração, o amparo, o concurso dos bons Espíritos, coisas que Deus concede a todo homem cujo coração o encaminha para ele e que se mostra pronto a receber seus ensinos, seus benefícios. O dom de Deus é a assistência, a inspiração, o amparo, o concurso dos bons Espíritos, que o homem recebe consciente ou inconscientemente e que lhe abrem ao Espírito, à inteligência e ao coração as sendas do progresso e o encaminham para a perfeição.
O que chamais a inspiração, o gênio da ciência e da caridade, e que o homem, na sua ignorância e no seu orgulho, atribui exclusivamente a si mesmo, é "o dom de Deus".
Conhecer o "dom de Deus" é saber que a assistência, a inspiração, o amparo, o concurso dos bons Espíritos podem ser dados por Deus ao homem.
Conhecer o Messias, isto é, o Cristo, é conhecer a moral que ele personifica, que declarou ser toda a lei e os profetas, que veio sancionar na 215
Terra e que é a lei divina, eterna e imutável como Deus, escrita na consciência de todas as criaturas e deposta no fundo de todos os corações.
A água do poço de Jacob era o símbolo da matéria que alimenta o corpo. A água viva, que Jesus teria dado à Samaritana se, conhecendo "o dom de Deus" e, conhecendo-o, ela lha houvesse pedido, e que dá a todo aquele que o conheça e conheça o dom de Deus, é o símbolo das verdades eternas, do progresso moral, que alimentam a alma e a elevam, que asseguram a predominância do espírito sobre a matéria, de tal maneira que aquele nunca mais se tornará escravo desta.
Assim, pois, despojado da letra o espírito, a resposta de Jesus à Samaritana exprime o seguinte: "Pedindo-te de beber, provei que eu, o Messias, isto é, o Cristo, sou enviado a todos os homens, quaisquer que sejam suas pátrias e suas crenças, sejam eles Samaritanos, Judeus ou Gentios; que, portanto, Deus nenhuma exceção faz de pessoas; que ele é o pai de todos; que todos os homens são seus filhos. Se soubesses que Deus pode dar ao homem a assistência, a inspiração, o auxílio e o concurso dos bons Espíritos, se conhecesses o objeto e o fim dessa assistência, dessa inspiração, desse auxílio e desse concurso; se conhecesses a moral que eu personifico, talvez me houvesses pedido de beber; e, se fosses assistida, inspirada, auxiliada pelos Espíritos do Senhor ter-me-ias, com o concurso deles, pedido de beber e eu te teria dado da água viva, isto é, da “água espiritual", que emana da fonte das verdades eternas e que dessedenta a alma, abrindo à inteligência e ao coração do homem as sendas de todo progresso."
“Tornará a ter sede quem quer que beba água idêntica à do poço de Jacob. Aquele que vive pelo corpo e para o corpo, sob o império da matéria, terá sempre sede das coisas da matéria. Ao contrário, aquele que beber da água que eu lhe der, 216
que dessedentar a alma com a água espiritual que lhe eu der, tirada por mim à fonte das verdades eternas; aquele que a saciar, praticando a moral que personifico, nunca mais terá sede das coisas da matéria. Ainda mais: a água que lhe eu der se tornará nele uma como fonte que jorrará até à vida eterna, isto é: será nele uma fonte de progresso moral, que jorrará até à perfeição, pois que todos os progressos são inseparáveis e solidários, se prestam, por assim dizer, apoio mútuo na senda da. perfeição, a fim de que o Espírito a esta chegue."
A Samaritana, não tendo compreendido, segundo o espírito que vivifica, o sentido e o alcance das respostas de Jesus, lhe pediu: "Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem volte a tirá-la aqui."
Quão poucos dos que se dizem representantes do Cristo na Terra compreenderam aquelas respostas do divino Mestre! Em vez de esperarem que os irmãos, a quem chamavam heréticos, lhes pedissem "a água viva" e em vez de darem dessa água aos que lha houveram pedido, eles, para com esses irmãos, aos quais deviam amar, usaram de intolerância, os perseguiram moral e fisicamente, condenando-os às torturas, aos suplícios, à fogueira, à morte!
Ainda hoje, quão poucos, dentre os vossos sacerdotes, levitas e "doutores da lei", compreendem, segundo o espírito que vivifica, aquelas respostas do Mestre e praticam o ensino que delas decorre!
Os versículos 19-26 encerram muitos ensinamentos que vos devem ser explicados de modo distinto e especial.
Diante das impressões que, do seu ponto de vista e de acordo com a sua inteligência, a Samaritana recebera por efeito das respostas de Jesus às suas perguntas, o divino Mestre, dando desde logo uma prova de suas faculdades extra-humanas 217
à mulher, prepara a continuação do diálogo, que a nova questão por ela formulada provocaria e que lhe abriria ensejo para os ensinamentos que ele queria e tinha de dar aos homens.
A mulher, conforme se deduz da sua linguagem quando diz: "nosso pai Jacob, que nos deu este poço", pertencia a uma família de Israelitas, que se associara ao culto dos Samaritanos, originários da Caldéia. Assim sendo e tendo em vista a autoridade do marido sobre a mulher entre os Israelitas, Jesus, em resposta ao pedido que ela lhe faz da água viva, para não mais voltar a tirar da do poço, lhe ordena: "Vai, chama teu marido e volta aqui." Ao que ela responde: "Não tenho marido." Diz-lhe então Jesus: "Disseste bem, dizendo que não tens marido, porque cinco maridos tiveste e o que agora tens não é teu marido; nisto falaste verdade."
Deu-lhe desse modo o Mestre uma demonstração de suas faculdades extra-humanas e, diante de tal prova, ela o considerou desde logo um "inspirado por Deus", tanto que lhe disse: "Senhor, vejo que és um profeta."
Muito espantada de que Jesus, sendo Judeu e, ainda mais, profeta, qual ela o considerava, entrasse "em relações com os Samaritanos", a mulher lhe dirige esta observação, que dá lugar a que ele lhe declare ser o Messias, isto é, ser o Cristo em pessoa que lhe falava: "Nossos pais adoravam neste monte e vós outros dizeis que Jerusalém é o lugar onde se deve adorar."
As respostas do Mestre a essa observação foram de natureza a só serem compreendidas e sobretudo praticadas, em espírito e verdade, pelas gerações vindouras, em tempos ainda para vós futuros, como fruto e conseqüência da nova revelação.
"Mulher, crê-me", diz ele, "virá tempo em que não será nem neste monte, nem em Jerusalém que adorareis o pai." 218
Referindo-se tanto àquela época como ao futuro, Jesus prediz a cessação, o desaparecimento de todos os cultos externos, que já então dividiam e separavam os homens, que haviam de surgir e de separá-los nos tempos que se seguiriam. Prediz a adoração do pai, abstraindo de todos os cultos que existiam e existiriam, praticados "nos templos construídos pelos homens" em qualquer parte, fosse "no monte, fosse em Jerusalém", mediante a celebração de cerimônias materiais. Prediz a adoração do pai no íntimo dos corações que, quando puros, são o seu único e verdadeiro templo, servindo-lhe de santuário a consciência e consistindo a adoração na homenagem a ele prestada pelo pensamento e pelos atos de justiça, de amor e de caridade praticados com sinceridade e humildade; consistindo também na prece espiritual, que é o culto interior da alma, único e verdadeiro culto que os homens prestarão ao pai, elevando-se por essa forma até ele, em espírito e em verdade.
As palavras de Jesus eram ditas para o futuro e ainda o são para muitos dentre vós.
Não continuam os homens a adorar a Deus "no monte e em Jerusalém?"
Não continuam divididos e separados pelos diversos cultos externos ainda existentes?
Não há ainda "Judeus e Samaritanos", heréticos e ortodoxos?
Desprezando, assim os ensinamentos, como os exemplos do Mestre, afastando-se da linha que os apóstolos traçaram ao prepararem os caminhos para a Igreja, una, universal, não continuou a Igreja a manter os preconceitos e as pretensões dos Judeus e dos chefes da sinagoga? E, subordinada a esses preconceitos e pretensões, não atirou os Judeus para a categoria dos Samaritanos, dos heréticos? Apropriando-se do privilégio de ortodoxia que os Judeus se arrogavam, não declarou heréticos, não perseguiu, não condenou mesmo à 219
morte, como tais, todos os que professavam crenças contrárias a seus dogmas humanos, a suas interpretações humanas?
Não afirma que somente os que lhe pertencem à grei são filhos do Senhor, que só esses hão de herdar o reino de Deus?
Não adora "em Jerusalém" e não repele todos os que adoram "no monte"?
Homens, por Jesus e com Jesus vos dizemos:
"Crede-nos, aproxima-se o tempo em que não será mais nem no monte nem em Jerusalém que adorareis o pai.
"Aproxima-se o tempo do desaparecimento e da cessação de todos os cultos externos que vos dividem e separam; o tempo em que, reunidos pela tolerância e pela fraternidade, em nome do que constitui toda a lei e os profetas, reunidos sob uma bandeira única que tem por exergo — "Amor e Caridade" — adorareis o pai em todos os lugares onde vos encontreis, "no monte", como em "Jerusalém."
Vós adorais, disse Jesus, o que não conheceis; NÓS, PORÉM, adoramos o que conhecemos, pois dos Judeus é que vem a salvação.
De acordo com o pensamento do Mestre, estas palavras tinham um sentido especial com relação à Samaritana e se aplicavam àquela época. Mas, ainda de acordo com o seu pensamento, tinham um sentido geral, como ensinamento dado aos homens, e se estendiam ao futuro.
A última frase — "pois dos Judeus é que vem a salvação" leva à compreensão delas, segundo o espírito que vivifica, desse duplo ponto de vista. Proferindo a frase citada, Jesus aludia às encarnações de messias de ordem inferior, relativamente a ele, que se verificaram de contínuo em a nação judia, a fim de manter puro o pensamento de Deus e preparar o advento do Verbo. 220
Quanto à Samaritana e a todos os homens entre os quais o pensamento puro de Deus se alterara por efeito de erros grosseiros, ou de culto idolátrico, esses todos "adoravam o que não conheciam", porque entre eles o pensamento de Deus não se conservara puro. "Nós, porém, os Judeus, adoramos o que conhecemos", por isso que entre os filhos da Judéia os profetas mantiveram puro o pensamento de Deus.
Essas palavras de Jesus se dirigem, ainda hoje, a todos os que, depois da sua missão terrena, se afastaram da idéia pura de Deus, conservada pelos profetas entre os Judeus, e multiplicaram a divindade, o pai, o Deus uno, indivisível, tentando encerrar na unidade a pluralidade.
Elas se aplicam à Igreja romana, como a todas as seitas cristãs dissidentes, que, por meio do dogma humano das três pessoas, adoram, não somente o pai, mas também "o filho" e o "Espírito Santo", não obstante haver Jesus, como o haviam feito Moisés e os profetas, proclamado a unidade e a indivisibilidade do Deus de Israel, quando disse, dirigindo-se ao pai: "A vida eterna consiste em te conhecer a ti, que és o único Deus verdadeiro e em conhecer a Jesus-Cristo que tu enviaste."
"Vós adorais o que não conheceis". Devendo adorar unicamente a Deus, o pai, adorais o que não conheceis, adorando o filho e o Espírito Santo, pois que não sabeis quem é "o filho", nem quem é "o Espírito Santo". Adorais o filho, que é uma criatura de Deus, filho bem-amado do pai, seu filho único pela sua superioridade, porque superior a todos, relativamente ao planeta terreno, pela sua pureza e pelo poder que o pai lhe outorgou. Adorais o filho, que é um Espírito de pureza perfeita e imaculada, vosso Messias, vosso protetor, mas também vosso irmão, porquanto, em sua origem, partiu do mesmo ponto inicial que vós outros, para chegar onde haveis de chegar, isto é, 221
à perfeição, e que a ela chegou sem jamais haver falido, momento esse que se oculta na noite das eternidades.
Adorais o "Espírito Santo", como se fora uma individualidade, quando essa expressão figurada designa um conjunto de criaturas de Deus, nas quais a vontade divina se reflete, o conjunto dos Espíritos do Senhor, dos puros Espíritos, dos Espíritos superiores e dos bons Espíritos, encarregados de executar as vontades do pai, de transmitir até vós, mesmo até mais abaixo — aos planetas inferiores ao vosso, a inspiração divina; compreendendo-se também naquela designação simbólica os messias, os protetores e governadores de planetas, como Jesus, primeiros ministros do pai, e todos os outros enviados ou missionários, seus ministros ou agentes, dentro da ordem hierárquica que lhes assina a elevação espírita.
A Igreja romana não relegou para segundo plano o pai, fazendo do filho o objeto exclusivo de seu culto de adoração?
E o culto prestado a Maria já não ameaça substituir o que ela, a Igreja, presta ao filho?
"Mas, virá o tempo, e já veio, em que os verdadeiros adoradores adorarão o pai EM ESPÍRITO E VERDADE; esses são os adoradores que o pai quer."
Estas foram palavras de atualidade, para aquela época, e palavras ditas para o futuro.
O tempo, de que falava Jesus, veio com ele, porquanto seus discípulos adoravam o pai em espírito e verdade. Depois deles, sempre houve, entre os homens, Espíritos mais esclarecidos do que os outros que, repelindo a materialização do culto, cultuavam o Senhor redendo-lhe as homenagens do pensamento, do coração e dos atos. Esse culto, único agradável a Deus, cada vez mais se generalizará no seio da humanidade e acabará por predominar. 222
Apóstolos da nova revelação, preservai-vos de cair no exclusivismo da Igreja romana, de fazer do grande progresso espiritualista, que abrange todo o vosso planeta e toda a humanidade, de fazer do Espiritismo, que é uma das fases da revelação permanente e progressiva de Deus — uma seita. Muitos homens há que, sem usarem o título de espíritas, sem de nenhum modo acreditarem nas manifestações de além-túmulo, adoram, entretanto, o Senhor em espírito e verdade.
Os verdadeiros adoradores que o pai reclama, seus adoradores em espírito e verdade, são todos aqueles que, seja qual for o rito que a encarnação os tenha levado a praticar, fazendo-os nascer em tal ou tal meio, repelem a materialização do culto, não reconhecendo, como templo único do pai, senão o coração do homem, nem outro Santuário que não a consciência do homem. São todos os que se elevam para o pai, prestando-lhe as homenagens do pensamento, do coração e dos atos, empregando sérios e porfiados esforços por praticar o amor a Deus acima de tudo e o amor ao próximo como a si mesmos. São todos os que, vendo nos outros homens irmãos seus, têm fé em Deus e praticam a caridade sob todas as formas, segundo a lei do amor. São todos os que se esforçam sempre, com sinceridade, por não fazer aos outros, no terreno físico, como no terreno moral e no intelectual, seja por palavras, seja por atos, o que não quereriam que lhes fizessem e se esforçam igualmente por fazer aos outros, do ponto de vista do bem, do que é justo, verdadeiro e bom, seja por palavras, seja por atos, tudo o que desejariam que lhes fosse feito.
Apóstolos da nova revelação, espíritas, espiritualistas! não sejais dogmáticos, pois que, se o fordes, vos tornareis sectaristas; falireis na tarefa que vos está confiada, falseando a missão que o Espírito da Verdade vem desempenhar no vosso mundo. 223
As verdades eternas, que sucessiva e progressivamente são reveladas ao homem, preciso é que ele as aceite livremente.
A aceitação dessas verdades tem que ser e é de fato obra do tempo e dos progressos do espírito humano.
Homens! todos vós, quem quer que sejais, qualquer que seja o lugar ou a situação que ocupeis nas raças humanas, quer se trate de civilizados, quer de selvagens, todos sois chamados a aceitar, com o correr dos tempos e mediante a reencarnação, essas verdades eternas, por efeito da liberdade de consciência, da liberdade da razão e da liberdade de exame.
Todos sois chamados a crer no pai, que é Deus, Deus uno, único e indivisível; no filho, que é Jesus, vosso Messias, Espírito protetor e governador do vosso planeta, único encarregado do seu desenvolvimento e do seu progresso, como dos da humanidade terrena e de a levar à perfeição; no Espírito Santo, que são os Espíritos do Senhor, Espíritos que trabalham ou concorrem, sob a direção do Mestre, para esse desenvolvimento e esse progresso.
Mas, sede adoradores do pai em espírito e verdade. Uni-vos, quaisquer que sejam vossas crenças, quaisquer que sejam, dentre os que ainda vos dividem e separam, os cultos exteriores que professeis. Uni-vos pela lei do amor, porquanto da prática dessa lei é que decorrerá o reinado da solidariedade, da fraternidade, da liberdade e da igualdade. Ela é que vos conduzirá à unidade.
Deus é Espírito e, os que o adoram, em espírito e verdade é que o devem adorar.
Estas, do mesmo modo, foram palavras ditas para aquele momento e para o futuro.
Dizendo-as para aquela época e referindo-se também ao passado, quis Jesus desligar o homem 224
da crença na materialização de Deus. Falou assim com vistas principalmente aos Gentios, porquanto, para os Judeus, Deus era "Espírito", se bem que entre eles, no seio das massas populares, igualmente existia e era necessário extirpar a crença na materialização de Deus.
As palavras do divino Mestre guardavam relação com a inteligência dos que o ouviam. Moisés definira Deus, usando desta expressão de imenso alcance na sua simplicidade: "Eu, o Eterno, único eterno, eu sou aquele que é". Deus é. Sua essência enche o espaço ilimitado; o universo infinito é a sua morada. Não há limites, nem medidas que o possam explicar. Ele é. Esta idéia, porém, tão ampla que a vossa inteligência, conquanto mais desenvolvida do que há dois mil anos, ainda não a compreende, estava por demais acima da dos homens a quem Jesus falava. Ser, para eles, era viver, era viver quase como eles viviam. Daí a existência, no espírito da maioria (referimo-nos ao vulgo), da idéia de corporeidade material em Deus, idéia que Jesus combateu, dizendo: "Deus é Espírito e, os que o adoram, em espírito é que o devem adorar." Quis com isto dizer: Deus é inteligência e a inteligência não tem forma palpável. Deus é pensamento e o pensamento não pode ser tocado. Deus é fluido e é, ao mesmo tempo, infinito, por conseguinte não tem corpo que o circunscreva.
O ensino era apropriado aos que o recebiam.
Aquelas palavras Jesus as disse também para o futuro, no sentido de que se destinavam a preparar, cada vez mais, para o homem, o conhecimento do pai, por efeito da compreensão que ele cada vez teria melhor do que é o Espírito e por efeito ainda da distinção que seria levado a fazer e a compreender entre o infinito e o finito, entre o que é sem limite e o que é circunscrito, portanto, entre o criador incriado e a criatura. 225
Deus é Espírito, no sentido de que todo princípio inteligente emana da suprema inteligência.
Deus é o Espírito dos Espíritos, indicando estas palavras humanas a superioridade de ser.
Se a linguagem humana pudesse exprimir o pensamento divino, tentaríamos conseguir que compreendêsseis Deus.
Deus é inteligência, pensamento e, como tal, criador incriado. É fluido e o fluido universal, que dele parte, com ele confinando, é o instrumento e o meio de todas as criações, que, no infinito e na eternidade, se operam de acordo com as leis naturais, imutáveis e eternas que ele mesmo estabeleceu. Essas leis são imutáveis e eternas, como eternas e imutáveis são a sua inteligência, o seu pensamento. Sob esse duplo aspecto é que ele é criador incriado, essência de toda vida.
Deus é o universal princípio inteligente que, por ato da sua própria vontade, atua sobre o fluido universal, operando neste todas as combinações, todas as transformações, de conformidade com aquelas leis imutáveis e eternas.
Esse universal princípio inteligente é que produz a criação universal, por vós chamada — a natureza, e é que tudo leva, segundo a lei imutável do progresso e da harmonia, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, assim na ordem espiritual, como na ordem fluídica e na.ordem material.
Não é Deus o motor de tudo o que é? Não é ele o eixo principal em que se apóia toda a máquina? a roda fundamental de todas as engrenagens? Sem ele, o Espírito seria alguma coisa? Não é ele o princípio originário de tudo, de tudo o que vive, de tudo o que se move, de tudo o que é, no infinito e na eternidade?
Deus, como o disse o apóstolo Paulo (1' Epístola aos Coríntios, VIII, v. 5), por ser o criador incriado, é o pai, de quem todas as coisas tiram o ser. E ele nos fez para si, no sentido de que 226
todas as suas criaturas, com o objetivo da vida universal, do progresso universal, da harmonia universal, têm que atuar sobre a natureza, em todos os reinos e em todas as criações, segundo suas leis imutáveis e eternas, sob a impulsão da sua vontade superior.
Muito limitados são ainda as vossas inteligências e os vossos meios de comunicação para compreenderdes Deus em sua essência e na sua maneira de obrar como criador incriado. Todavia, imaginai-o qual sol do universo infinito, luz cintilante que só a águia da pureza pode contemplar face a face. Seu calor se derrama por sobre todos os mundos e os fecunda. Inteligência suprema, cria com o seu sopro a inteligência. Seu olhar cria a vida. E, no entanto (oh! quão nua é a vossa linguagem, quão indigente a vossa inteligência, que nos forçam a restringir a imensidade de Deus, sujeitando-o a comparações materiais), e, no entanto, Deus, o princípio de todos os princípios, a fonte inesgotável de todas as vidas, não é um corpo limitado como os homens o figuram, procurando compreendê-lo.
Já o dissemos e repetimos: Deus é o princípio exclusivo e único de tudo o que é, luz de tudo o que vê, fertilidade de tudo o que produz. Deus é a causa de todas as causas, que inutilmente os vossos sentidos grosseiros buscam apreender. Essa causa primária, inefável, se acha tão acima de qualquer inteligência, que só os que dela estão próximos a podem compreender.
Não haveis adorado a materialização de Deus? O Espírito, puro e santo, que se abaixou até ao vosso nível, para vos ensinar a amar, a sentir, a viver nele, não é a mais frisante imagem que Deus vos há podido dar de si mesmo?
Tudo o que acabamos de dizer acerca de Deus vos prepara a compreenderdes estas palavras que, debaixo da influência e da inspiração espíritas, mas sem ter consciência de uma e outra e sem 227
34 Atos dos Apóstolos, XVII, v. 28.
35 Epistola aos Romanos, XI, v. 36.
36 JOÃO, 1ª Epístola, V, v. 7.
conhecer o sentido exato do que dizia, o apóstolo Paulo proferiu palavras cujo alcance integral ainda não podeis apanhar:
NELE temos a vida, o movimento e o ser: IN IPSO VIVIMUS ET MOVEMUR ET SUMUS.34
Tudo É dele, tudo É por ele e tudo É nele: ex ipso ET per ipsum ET in ipso SUNT omnia.35
Temos agora que vos explicar as seguintes palavras que, também debaixo da influência e da inspiração espíritas, mas sem ter disto consciência e sem compreender o sentido exato do que dizia, o apóstolo João escreveu, palavras essas que, de utilidade para aquele momento e destinadas a preparar o futuro, só a nova revelação tornaria compreensíveis aos homens, segundo o espírito que vivifica, em espírito e verdade:
"Três são os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo; e esses três são um."36
Influenciada, ao mesmo tempo, pelas idéias hebraicas acerca do "Espírito Santo", que era considerado o próprio Deus obrando junto dos homens, e pelas interpretações humanas de que resultou fazer-se do "Espírito Santo" uma personalidade do próprio Deus, uma parte de Deus, se bem que inseparável dele, e tendo em vista a divindade que era atribuída a Jesus, a Igreja se apegou a essas palavras de João para, interpretando-as ao pé da letra, formular o seu dogma humano dos três deuses em um só, porém distintos, embora impessoais, dogma a que ela chamou — "Santíssima Trindade". É um dos erros de que se emendará.
Sim, há três que dão testemunho no céu. Há, primeiro, o pai, criador, causa única de tudo, aquele 228
que é; Deus, pai de todos, que está acima de todos, que estende por sobre todos a sua providência e que é, portanto, o mesmo para todos.
Há, depois, o Verbo, manifestação palpável e visível da ação do criador sobre vós, do criador sob cujo vigilante olhar estais constantemente e que vos envia âncoras de salvação a que podeis e deveis agarrar-vos; o Verbo, que é o vosso Messias, Espírito puro e santo, protetor e governador do planeta terreno e vosso irmão, porque é, como vós, uma criatura de Deus, de Deus seu pai e vosso pai, seu e vosso Deus.
Há, em seguida, o Espírito Santo, a inspiração, no sentido de ser um reflexo da vontade divina, que só vos chega e é comunicada por intermédio dos enviados celestes, dos Espíritos do Senhor, também vossos irmãos, porque são, como vós, criaturas de Deus, que é igualmente vosso pai e pai deles, vosso Deus e Deus deles; o Espírito Santo, que são os Espíritos do Senhor, puros Espíritos, Espíritos superiores e bons Espíritos, os quais, como intermediários entre o pai e vós, são, de modo geral, no infinito e na criação universal, e, de modo especial, particular, com relação ao planeta e à humanidade terrenos, a personificação, os agentes da vontade divina, no tocante ao progresso universal, à vida e à harmonia universais.
"E os três são um." Estas palavras compõem uma linguagem figurada. Não materializeis. Os três são um, porque o Verbo e o Espírito Santo, isto é, os Espíritos do Senhor, como intermediários entre vós e o pai, se acham na dependência dessa causa inefável a que chamais Deus, na vossa linguagem humana. Os ramos, as folhas, os frutos não dependem da árvore que os faz nascer?
São um, porque o mesmo pensamento os anima. São um, como o vosso corpo é um, embora composto de membros que obedecem aos ditames da cabeça. É impossível, com a linguagem humana, 229
dar definição exata do que pertence totalmente aos domínios espirituais.
Os três não se confundem como individualidade, mas se confundem como pensamento.
Ficai sabendo: ainda depois de haver adquirido a perfeição moral humana, a perfeição sideral, o Espírito conserva, como antes, a sua individualidade, eternamente, por mais que se adiante, por maior que seja a sua superioridade no saber. Sendo ilimitado o progresso em ciência universal, o Espírito criado jamais pode igualar a Deus.
Homens, que se dizem filósofos e que acreditam haver penetrado o segredo do principio de todas as coisas, sustentam e ensinam que Deus É o todo universal; que constitui uma ingenuidade pretender-se que o criador incriado seja pessoal e distinto da natureza, de tudo o que É na ordem da criação.
Ingenuidade grande é a desses Espíritos "profundos". Eles chamam todo universal — à causa primária de todas as coisas. Que troquem os termos e encontrarão Deus; e terão, no todo universal, o instrumento e o meio de criação de todas as coisas, um efeito sob a ação da potência criadora; e terão, como causa primária, Deus, criador incriado.
Sim, nada pode ser sem uma causa primária. Deus é, aos vossos olhos, "a causa genérica de todas as causas primárias". Dizemos — genérica, no sentido de princípio criador de toda a geração em todos os reinos.
Perguntai a esses sábios, que não passam de pobres cegos a disputar sobre cores, qual a nascente desse todo universal, donde eles tiram todas as coisas. Que respondam, que o expliquem sem Deus, criador incriado, inteligência, pensamento, fluido; sem Deus, de quem parte e com quem confina o fluido universal, que, como instrumento e meio de todas as criações, de ordem espiritual, 230
de ordem fluídica, de ordem material, comanda tudo o que de Deus deriva, mediante leis eternas, imutáveis, como imutável é a vontade daquele de quem elas emanam; mediante a aplicação, a apropriação e o funcionamento, sob a ação espírita universal, dessas leis, que participam da essência mesma de Deus.
Eles dirão: natureza, leis universais, acaso. Mas, a causa, a causa primária, o tronco, onde o encontrarão? A natureza, como fonte primitiva e geratriz, o acaso, a harmonia universal não são apenas, na boca desses homens orgulhosos e impotentes para compreender e explicar, meras palavras com que disfarçam o pensamento profundo que só o termo Deus pode traduzir?
Deus, criador incriado, é pessoal e distinto da criação, como a causa é pessoal e distinta do efeito, se bem que este decorra dela e lhe permaneça ligado.
Deixai que divaguem. Deus é uma essência tão acima de toda e qualquer imaginação, que o homem ainda não pode nem deve tentar analisá-lo.
Não façais como as crianças de colo que, vendo brilhar uma chama, temerariamente estendem a mão para pegá-la. A dor é a conseqüência imediata da imprudência. Para procurardes compreender o que, dada a vossa natureza, vos é agora incompreensível, esperai que tenhais saído das faixas infantis que ainda vos envolvem.
Aguardai que vos tenhais purificado, para poderdes compreender. Por enquanto, não vos podemos dizer mais do que isto:
"Deus, o nosso Deus é o ser que é e será, desde e por toda a eternidade; é o soberano indulgente e benigno que reina sobre todas as coisas, inteligência suprema que dirige tudo o que é, no universo, na imensidade, no infinito".
Quanto tendes que progredir, pobres criancinhas, que ainda não abristes os olhos à luz, para poderdes suportar o brilho desse astro luminoso! 231
Dizemos — astro luminoso, por se nos não depararem na linguagem humana termos que possamos empregar para exprimir tão elevado quão grande pensamento!
Deixai que todos os pensadores devaneiem à vontade. Caminhai para diante e não esqueçais que, não sendo a luz feita para cegos, os que lhe quiserem pôr olhares indiscretos possivelmente ficarão atacados de cegueira. 232
CAPÍTULO IV Vv. 27-42
Narrativa da Samaritana. — Os Samaritanos vêm ter com Jesus. — Acreditam nele. — Reconhecem-no como sendo o Salvador do mundo. — Palavras de Jesus a seus discípulos
V. 27. Nisto chegaram seus discípulos e se admiraram de estar ele falando com uma mulher; nenhum, porém, lhe perguntou: Que é o que lhe perguntas? ou: Porque lhe falas? — 28. A mulher, entretanto, largou o cântaro, foi à cidade e se pôs a dizer a toda a gente. — 29. Vinde ver um homem que me disse tudo o que tenho feito. Não será o Cristo? — 30. Muitos então saíram da cidade e foram ter com ele. — 31. Nesse ínterim, seus discípulos lhe rogavam que tomasse algum alimento, dizendo: Mestre, come. — 32. Disse-lhes ele: Eu, para comer, tenho um manjar que vós não conheceis. — 33. Ouvindo isso, os discípulos se puseram a inquirir uns dos outros: Ter-lhe-ia alguém trazido de comer? — 34. Jesus lhes disse: Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou, é executar a sua obra. — 35. Não dizeis que ainda há quatro meses daqui até à ceifa? Eu, porém, vos digo: Levantai os olhos e observai os campos já branqueando, prontos para a ceifa. — 36. Aquele que sega recebe recompensa e acumula frutos para a vida eterna, a fim de que, assim o que semeia, como o que sega, juntamente se regozijem. — 37. Porque, nisto é verdadeiro o ditado: Um é o que semeia, outro o que colhe. — 38. Eu vos enviei a segar aquilo que não é fruto do vosso trabalho. Outros trabalharam e vós entrastes nos seus trabalhos. — 39. Muitos foram os Samaritanos daquela cidade que creram nele, pelo que lhes referira a mulher, afirmando ter ele dito tudo quanto ela havia feito. — 40. Os Samaritanos que foram ter com Jesus lhe pediram ficasse na companhia deles e ele lá ficou dois dias. — 41. E muitos outros creram nele pelo que dele ouviram. — 42. Assim é que di- 233
ziam à mulher: Já não é pelo que nos disseste que cremos, mas pelo que nós mesmos temos ouvido dele é que sabemos ser este verdadeiramente o Salvador do mundo.
N. 12. Estes versículos encerram duas ordens de idéias e de fatos perfeitamente distintos: uns dizem respeito à Samaritana e aos Samaritanos, outros a Jesus e aos discípulos.
Com relação à Samaritana (v. 28), o que a impressionara fora o testemunho que Jesus lhe dera das faculdades extra-humanas que possuía. Muito menos a havia impressionado a afirmação do Mestre quando lhe declarara ser o Messias, isto é, o Cristo, dizendo: "Eu o sou, eu que te falo." Isso não bastara para convencê-la; ela continuara a duvidar. Raça de incrédulos, tereis dificuldade em compreender a dúvida daquela mulher?
Com relação aos Samaritanos (vv. 30, 39, 40, 41 e 42), será preciso vos expliquemos o que com eles se passou? Não vedes ainda hoje, nos dias que correm, muitos "Samaritanos" que, para crerem, necessitam do testemunho de fatos a que chamais "adivinhação", enquanto que outros, tocados pela moral suave, simples e pura, nada mais pedem nem procuram para se tornarem crentes?
Dentre vós, os que deveriam ser os primeiros a crer são os que se curvam diante da verdade? Não. Os primeiros a crer são os repelidos pelos que julgam ter o privilégio da fé. São os "réprobos" os que primeiro se reúnem ao derredor do Mestre, para lhe dizerem: "Senhor, a tua palavra penetrou em meu coração, a luz me deslumbrou, eu creio."
Com os homens de hoje se dá e se dará ainda mais o que se deu com os Samaritanos. Muitos há que crêem e muitos virão a crer na revelação espírita pelo que tenham dito ou disseram pessoas que lhes mereçam crédito, relatando manifestações físicas ou fatos mediúnicos, que atestam necessária- 234
mente uma ação extra-humana, oculta ou patente; ou, então, porque hajam pessoalmente observado essas manifestações e fatos mediúnicos. Muitos acreditarão, depois que, nas manifestações mediúnicas inteligentes, tiverem ouvido falar os Espíritos do Senhor. Esses dizem ou dirão: "Já não é pelo que nos fora narrado, pelo que vimos, que acreditamos neles; mas, porque os ouvimos e sabemos que eles são verdadeiramente os órgãos do Espírito da Verdade."
Quanto às palavras de Jesus, constantes dos vv. 31-38, foram ditas com o objetivo de mais uma vez, como sempre, atrair o espírito dos discípulos para as coisas do céu, mostrar-lhes a obra do progresso humano já executada pelos que os haviam precedido, mostrar-lhes que era mister continuassem a tarefa que lhes cumpria desempenhar, mostrar-lhes a recompensa reservada a seus esforços.
Aquelas palavras o Mestre as disse sobretudo com o propósito de provar aos discípulos que ele só tinha um objetivo, um pensamento — prosseguir na obra de regeneração que empreendera. Ele se nutre com um alimento de que ninguém mais senão ele dispõe, porquanto a pureza é o que o coloca acima de tudo o que é humano, acima de toda necessidade. Dai-vos, portanto, pressa em receber esse alimento divino, que sacia e nutre o Espírito que busca a vida e a verdade.
(Vv. 31, 32 e 34.) Na resposta que deu a seus discípulos, quando estes, dizendo: "Mestre, come", lhe pediam que se alimentasse, Jesus afirma, veladamente, não estar sujeito às necessidades e contingências materiais da humanidade. Afirma, pois, veladamente, sua natureza extra-humana.
Confirmando o que dissemos no comentário dos três primeiros Evangelhos (n. 65, págs. 362-363, 1° tomo), essa resposta mostra que Jesus não fazia realmente refeições, como os homens o supunham; que só as fazia aparentemente, quando 235
era necessário, ou para convencê-los de que de fato tinha a natureza humana que lhe atribuíam e na qual era preciso que acreditassem, a fim de que a sua missão fosse aceita e produzisse frutos; ou para lhes dar um ensinamento, um exemplo de caridade, de perdão, de amor.
Dando aquela resposta, o Mestre também obedeceu ao propósito, repetimos, de provar, a seus discípulos, que um só objetivo tinha, um único pensamento — prosseguir na obra de regeneração que empreendera.
(Vv. 35, 36, 37 e 38.) Os campos, de que fala Jesus a seus discípulos, convidando-os a contemplá-los, já alvejantes e prontos para a sega, representam os países aonde ele os mandava adiante de si e nos quais se encontravam homens preparados a receber a boa nova, a ouvir e guardar a palavra de verdade, a se lhes grupar e a segui-lo a ele.
Jesus era "o que semeia", os discípulos eram "o que colhe". Trabalhando pelo progresso de seus irmãos, eram recompensados pelo progresso pessoal que realizavam. Neste progresso estavam os frutos que colhiam e que lhes aparelhavam o caminho para a perfeição.
Eu vos enviei, disse-lhes Jesus, a segar aquilo que não é fruto do vosso trabalho. Outros trabalharam e vós entrastes nos seus trabalhos.
Segundo o espírito que vivifica, Jesus, por essas palavras, exprime um duplo pensamento. Alude, primeiramente, à influência espírita que, por sua ação oculta sobre os homens e sem que estes tivessem dela consciência, os preparava a escutar e receber a palavra dos discípulos. Os Espíritos preparavam "os campos" onde Jesus mandava que seus discípulos "segassem".
Alude também aos Espíritos que, ou errantes, ou encarnados em missão, trabalharam, antes 236
dos discípulos, pelo progresso do espírito humano, prepararam o advento do Verbo, executando obra que aos mesmos discípulos tocava continuar.
Mais longe ia ainda o pensamento de Jesus. Alcançava o futuro, os tempos da era nova do Cristianismo do Cristo, a era espírita que se inicia.
Ele é ainda agora o que semeia. Fá-lo por intermédio dos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade.
Apóstolos da nova revelação, vós todos que caminhais nas pegadas do Mestre, que vos esforçais por difundir a fé e reconduzir ao aprisco as ovelhas tresmalhadas, todos vós semeais com Jesus, que é o Espírito da Verdade, porque sois "o que sega" e partilhais da alegria do Mestre, ao virdes que surgem as espigas da próxima colheita.
"Os campos que já branqueiam e se mostram prontos para a ceifa" são todos os homens que, escutando as palavras de verdade, as pesam e comentam e volvem à fé pura e adoram em espírito e verdade. E esses, a quem tal acontece, não se rejubilam e vós não partilhais da sua alegria, não rejubilais com os que colhem essa alegria? Sim, que eles, por sua vez, se tornam "o que semeia com Jesus e sega."
Mas, sobretudo, diante do pai de família é que experimentareis arroubos de ventura e de reconhecimento, vendo ali agrupados os que semeiam e os que colhem, a entoarem, estreitamente unidos, louvores ao Senhor.
Que assim seja com relação a vós, ó bem-amados. Essa a bênção que vos enviam os que velam por vós.
JOÃO. 237
CAPÍTULO IV Vv. 43-54
Cura do filho de um oficial em Cafarnaum
V. 43. Passados aqueles dois dias, Jesus dali partiu e foi para a Galiléia. — 44. Porque, ele próprio deu testemunho de que nenhum profeta é honrado em sua pátria. — 45. Chegando à Galiléia, os Galileus o receberam alegremente, porquanto tinham visto o que fizera em Jerusalém, por ocasião da festa, à qual também eles estiveram presentes. — 46. Voltou então a Caná da Galiléia, onde da água fizera vinho. Ora, lá se encontrava um oficial do rei, cujo filho estava doente em Cafarnaum. — 47. Esse oficial, ao saber que Jesus viera da Judéia para a Galiléia, foi ter com ele e lhe rogou que descesse a Cafarnaum, para lhe curar o filho que se achava à morte. — 48. Disse-lhe Jesus: Vós outros, se não vedes milagres e prodígios, não credes. — 49. Retrucou-lhe o oficial: Senhor, desce, antes que meu filho morra. — 50. Vai, disse-lhe Jesus, teu filho está curado. O homem acreditou no que Jesus lhe disse e se retirou. — 51. Quando já ele ia descendo, seus ser-vos lhe vieram ao encontro e disseram: Teu filho está bom. — 52. Perguntou-lhes então o oficial a que horas se sentira melhor. Responderam-lhe os servos: Ontem, à hora sétima, a febre o deixou. — 53. Verificou logo o pai que aquela fora a hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho está curado. Ele, pois, creu e bem assim toda a sua família. — 54. Esse foi o segundo milagre que Jesus fez, depois que viera da Judéia para a Galiléia.
N. 13. Relativamente a estes versículos, já recebestes as explicações necessárias, de todos os pontos de vista, especialmente acerca das curas materiais, nos comentários feitos aos três primeiros Evangelhos. (1° tomo: n. 74, págs. 388-390; n. 81, págs. 426-427; 2° tomo: n. 109, págs. 72-74; n. 110, pág. 76, n. 115, págs. 93-95; n. 121, páginas 131-132; n. 124, págs. 147-151; n. 125, pá- 238
ginas 152-155; n. 157, págs. 265-267; n. 177, páginas 401-404; n. 183, págs. 416-423; 3° tomo; número 246, págs. 231-232; n. 252, págs. 261-262.) Fora inútil repeti-las aqui. 239
CAPÍTULO V Vv. 1-16
Piscina de Betesda. — Cura de um paralítico
V. 1. Depois disto, como chegasse o dia da festa dos Judeus, Jesus subiu a Jerusalém. — 2. Ora, havia em Jerusalém a piscina das ovelhas, chamada em hebreu Betesda, e que tinha cinco alpendres. — 3. Nestes jazia uma multidão de enfermos, de cegos, de coxos, de paralíticos, esperando todos que a água se movesse. — 4. É que, em certas épocas, um anjo do Senhor descia à piscina e agitava a água; e aquele que primeiro entrava na piscina, após ter sido agitada a água, ficava curado de qualquer enfermidade que tivesse. — 5. Um homem lá se achava, que, havia trinta e oito anos, estava enfermo. — 6. Vendo-o deitado, Jesus, ao saber que ele desde tanto tempo se achava assim doente, lhe perguntou: Queres ficar são? — 7. Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho quem me meta na piscina quando a água é movimentada; enquanto para lá me dirijo, outro desce antes de mim. — 8. Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda. — 9. No mesmo instante o homem ficou são, tomou do leito e se pôs a andar. Era sábado aquele dia. — 10. Disseram então os Judeus ao que fora curado: Hoje é sábado e, pois, não te é licito levares o teu leito. — 11. Respondeu-lhes o homem: Aquele que me curou me disse: Toma o teu leito e anda. — 12. Perguntaram-lhe os Judeus: Quem é esse homem que te disse: Toma o teu leito e anda? — 13. Mas o que fora curado não sabia quem era aquele homem, porquanto Jesus logo se retirara do meio da multidão ali reunida. — 14. Depois, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: Eis que estás são; não tornes a pecar, para que te não suceda coisa pior. — 15. O homem foi comunicar aos Judeus ter sido Jesus quem o curara. — 16. Por isso perseguiam os Judeus a Jesus, por fazer dessas coisas em dia de sábado.
N. 14. A narrativa de João, no tocante à 240
piscina de Betesda, exprime e resume as crenças vulgares de que ele próprio partilhava.
Abalos vulcânicos por vezes agitavam aquela fonte. Suas águas, tornadas tépidas por um efeito térmico, eram apropriadas à cura de certas moléstias. Desconhecendo a causa do fenômeno, os homens de então o atribuíam a uma ação "milagrosa".
Havia exagero da opinião pública.
Quanto às épocas em que o fenômeno se produzia, nada tinham de regulares. A aproximação delas era pressentida por um ligeiro movimento na superfície da água. É que pequenos abalos a encrespavam algum tempo antes que fosse agitada pelas matérias calcáreas, que a invadiam por ocasião das erupções subterrâneas.
Aquele que primeiro entrava na piscina, diz a narração evangélica, depois de ter sido fortemente movimentada a água, ficava curado de qualquer doença de que sofresse. Como nem sempre a cura fosse obtida, deduziram desse fato que, para que ela se operasse, eram necessárias determinadas condições.
Curavam-se os que mergulhavam com fé na piscina. Os que se achavam atacados de moléstias para as quais aquelas águas tinham aplicação curavam-se, auxiliados pelo magnetismo espiritual. Aqueles para cujas enfermidades elas nenhuma eficácia apresentavam eram curados direta e unicamente por efeito desse magnetismo. Atraídos pela fé ardente com que esses enfermos ali iam, os Espíritos do Senhor exerciam sobre eles, invisivelmente, a ação magnética, servindo-se de fluidos apropriados à natureza da moléstia de que se tratava e desse modo produziam a cura.
Sabeis o que a fé pode alcançar. De fato, aquele que mergulhava na água, cheio de confiança, de reconhecimento e, mais que tudo, de submissão aos decretos da Providência, podia contar com a sua cura. Porém, ainda mais talvez do que 241
atualmente, os que buscavam a piscina se limitavam, na sua maioria, a acompanhar a corrente, a cumprir uma mera formalidade, dominados pelo egoísmo, que não permitia se elevassem os Espíritos e rendessem graças àquele que é o autor de todos os dons perfeitos.
Daí, não conseguirem muitos doentes curar-se, o que deu lugar à crença de que a cura dependia de uma condição especial. Por seu lado, os anciães e os doutores para evitarem a confusão e o tumulto que resultavam de quererem todos os doentes entrar na piscina, se aproveitaram daquela suposição e fizeram crer que só obtinha a cura o que primeiro entrava, donde a reputação que as águas de Betesda conservaram.
De modo que, havendo sempre doentes apressados e sucedendo, portanto, que muitos mergulhavam ao mesmo tempo, cada um julgando ser o "primeiro", se alguns se curavam, era pela razão de que, por terem molhado seus corpos no mesmo instante, todos esses tinham sido cada um o primeiro. Se a cura não se dava, isso não podia provir senão de que os não curados, embora parecendo ter mergulhado ao mesmo tempo, só o haviam feito sucessivamente, sem que tivessem sido cada um o primeiro.
Quanto à cura do homem que se achava enfermo havia trinta e oito anos e que, como o diz a narração evangélica, era paralítico, já recebestes sobre isso todas as explicações necessárias. Para vos inteirardes da maneira por que se deu esse fato qualificado de "milagre", não tendes mais do que vos reportardes ao que foi explicado com relação a casos análogos ou idênticos em o 2° tomo, n. 110, pág. 76; n. 121, pág. 131, e n. 157, pág. 264.
Quanto ao sábado e às curas que nesse dia Jesus operava, também não tendes mais do que vos reportardes ao que ficou dito nos comentários aos três primeiros Evangelhos. 242
CAPÍTULO V Vv. 17-30
Ação incessante do pai. — Ação também incessante de Jesus. — Palavras deste aos Judeus que o acusam de se fazer igual a Deus, porque lhe chama seu pai. — Por essas palavras Jesus afirma, sob o véu da letra, sua inferioridade relativamente a Deus e se declara mero instrumento e ministro das vontades do pai. — Sua posição e seus poderes como Messias. — Quais os frutos que sua missão há de produzir
V. 17. Jesus então lhes disse: Meu Pai até agora não cessa de obrar e eu também obro incessantemente. — 18. Isso fez que os Judeus procurassem ainda com mais ânsia dar-lhe a morte, porquanto ele não só violava o sábado, como dizia que Deus era seu pai, fazendo-se assim igual a Deus. A vista disso Jesus lhes disse: — 19. Em verdade, em verdade vos digo que o filho nada pode fazer de si mesmo e não faz senão o que vê o Pai fazer; pois que tudo o que faz o Pai o filho também o faz semelhantemente. — 20. Porque, o Pai ama o filho e lhe mostra tudo o que faz e lhe mostrará obras ainda maiores do que estas e que vos maravilharão. — 21. Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, também o filho dá vida aos que quer. — 22. Pois, o Pai a ninguém julga, mas deu ao filho todo o poder de julgar, — 23, a fim de que todos honrem o filho como honram o Pai; aquele que não honra o filho não honra o Pai que o enviou. — 24. Em verdade, em verdade vos digo que o que ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, esse tem a vida eterna e não incorre na condenação; ao contrário, já passou da morte à vida. — 25. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e já veio, em que os mortos ouvirão a voz do filho de Deus e os que a ouvirem viverão. — 26. Pois, assim como o Pai tem 243
a vida em si mesmo, também deu ao filho ter a vida em si mesmo. — 27. E lhe deu o poder de julgar, porque é o filho do homem. — 28. Não vos admireis disto, porquanto vem o tempo em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a voz do filho de Deus. — 29. E os que tiverem feito boas ações dali sairão, ressuscitando para a vida; porém, os que obraram mal sairão, ressuscitando para a condenação. — 30. Eu de mim mesmo nada posso fazer; assim como ouço, julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco fazer a minha vontade, mas sempre a vontade daquele que me enviou.
N. 15. Tudo prevendo e dispondo sempre com o objetivo do progresso do Espírito, Jesus aqui, como em tantas outras ocasiões, velou o seu pensamento, usando de uma linguagem figurada, o que era condição e meio de realização do progresso da humanidade. Essas palavras, por ele proferidas, tinham de servir para aquele momento e de preparar o futuro. Só haviam, portanto, de ser compreendidas, em espírito e verdade, pelas gerações vindouras, às quais a nova revelação, quando chegados fossem os tempos em que os homens se mostrassem capazes de suportá-la., as explicaria segundo o espírito que vivifica.
(V. 17.) Aos Judeus que o perseguiam com seu ódio por fazer ele curas em dia de sábado, diz Jesus: "Meu pai até agora não cessa de obrar e eu também obro incessantemente." Dizendo isso, quis fazer-lhes compreender que não há dia de repouso para a prática do bem. Mas não é tudo. Sob o véu da letra, proclamou, por essas palavras, que a ação de Deus, do Deus uno, indivisível, pai de quem todas as coisas tiram o ser, criador incriado, é incessante no infinito e na eternidade; que ele, à semelhança de todos os outros messias, Espíritos puros como ele e, como ele, fundadores, protetores e governadores de planetas, também obra incessantemente, a exemplo do pai; que só este, porque é o Deus único, tem e exerce o poder 244
de criar; que, quanto a ele, o seu poder é o de um ministro; que, no exercício de um ministério, é que obra; que obra como ministro no desempenho da sua missão, começada com a formação do planeta terreno, tornada manifesta com o seu aparecimento na Terra e que continua a ser desempenhada com o escopo de vos levar à perfeição.
Proclamou também, sob o véu da letra, além da atividade incessante e eterna de Deus, a atividade incessante e eterna do Espírito, porquanto todo Espírito criado igualmente obra, por toda parte, no espaço, na erraticidade e nos mundos, em prol do progresso universal, da vida e da harmonia universais, conformemente ao grau que ocupe na escala da criação. A ação provém de Deus e se transmite dele aos puros Espíritos, que a comunicam aos Espíritos superiores e estes aos bons Espíritos, segundo a ordem hierárquica de elevação espírita, de grau de pureza.
(V. 18.) Ouvindo-lhe as palavras "meu pai", ditas com relação a Deus, ainda de mais ódio a Jesus se encheram os Judeus e com mais furor entraram a persegui-lo, acusando-o de se fazer, assim, igual a Deus.
Tomando aquelas palavras "meu pai" ao pé da letra, num sentido exclusivo, pessoal e privativo, eles se irritavam com a pretensão, que imputavam a Jesus, de se atribuir a si mesmo a divindade. E foi precisamente nessas palavras, com que tanto se escandalizaram os filhos de Abraão, que os cristãos se apoiaram para estabelecerem a divindade de Jesus. Por uma interpretação falsa, os Judeus atribuíram a Jesus aquela pretensão. Por uma outra interpretação humana, igualmente falsa, das palavras — "meu pai" — e "filho de Deus", os cristãos, tomando-as, por sua vez, em sentido exclusivo, pessoal e privativo, estabeleceram a divindade de Jesus.
Ainda aqui, como sempre, o Mestre tudo pre- 245
via e dispunha, objetivando o progresso do Espírito. As palavras que dirigiu aos Judeus tinham que servir para aquele momento e que preparar o futuro. Eram destinadas a só ser compreendidas segundo o espírito que vivifica pelas gerações vindouras, às quais a nova revelação, quando fossem chegados os tempos em que os homens se mostrassem capazes de suportá-la, as explicaria em espírito e verdade. Preciso era que, pela missão terrena de Jesus, tudo fosse apropriado aos tempos, às inteligências e às aspirações de cada época; que aquela missão se cumprisse por maneira a produzir os frutos que produziu no decurso da era cristã, graças ao véu da letra, à capa do mistério, ao prestígio do milagre, e a produzir os que "o Espírito da Verdade" vem fazê-la dar neste período preparatório do segundo advento do Cristo.
Ao passo que os Judeus o acusam de querer fazer-se igual a Deus, por haver dito, referindo-se a este: "meu pai", Jesus, pronunciando essas palavras, afirma, numa linguagem velada e figurada, a sua posição inferior relativamente a Deus, dependente deste, ao mesmo tempo que evidencia sua posição e seus poderes de Messias, de enviado de Deus.
O espírito vem iluminar a letra e mostrar que o Mestre proclamou veladamente a sua condição de Espírito fundador, protetor e governador do planeta terrestre, de encarregado do seu desenvolvimento e do seu progresso, do progresso e do desenvolvimento da humanidade terrena, de encarregado de a levar à perfeição.
V. 19. O filho nada pode fazer de si mesmo.
Foi esta a resposta à acusação dos Judeus. Jesus, por essa forma, se declarou inferior ao pai e dependente dele. Segundo o espírito que vivifica, essas palavras têm um sentido mais dilatado, um alcance maior, como vos explicaremos dentro em 246
pouco, tratando do v. 30, no qual de novo se lêem estas outras palavras ditas pelo Mestre: "Eu nada posso fazer de mim mesmo."
Ele só faz aquilo que VÊ o pai fazer.
Em geral, o Espírito não tem sentidos, como os do corpo. Para o Espírito elevado, o pensamento é luz. Ora, para os grandes Espíritos, que se acham próximos do foco de toda vida e da onipotência, a vontade divina é visível. Eis porque Jesus diz que não faz senão o que vê o pai fazer. Quer dizer que ele nada faz que não seja da vontade do Senhor, vontade que ele vê logo que ela é.
Não vos equivoqueis acerca do termo ver. Quando dizemos vê, não pretendemos indicar que Jesus tenha uma simples intuição. Queremos significar a existência de uma luz que lhe ilumina a inteligência, como a todos os grandes Espíritos que se elevaram a essas puras regiões. Para o Espírito, o pensamento é um corpo visível e palpável e quanto mais puro é o Espírito, tanto mais luminoso se lhe torna o pensamento. Este é, para o Espírito, um corpo visível e palpável, no sentido de ser conduzido e transmitido por uma corrente fluídica. Deveis agora compreender que, para o puro Espírito, ele seja a luz que lhe ilumina a inteligência por meio de uma corrente fluídica pura que parte de Deus, constituindo o veículo do pensamento divino.
Não sabeis já que o fluido universal, em todos os seus estados de combinação e de transformação, é, na imensidade, o veículo do pensamento, sob a influência atrativa dos fluidos mediante os quais se estabelecem as relações, entre os Espíritos, por analogia de natureza, ou de espécie?
Tudo o que faz o pai, o filho também o faz semelhantemente. 247
Alusão à formação dos planetas, obra essa a que presidem os Espíritos puros. Deus, pela ação da sua vontade, cria os fluidos que de todos os lados o cercam e nos quais se contêm as essências espirituais e os germens donde saem os mundos e todos os reinos da natureza, para serem levados, segundo leis imutáveis e eternas, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, conforme já dissemos nos comentários aos três primeiros Evangelhos, explicando a origem do Espírito, suas fases e seus destinos (1° tomo, ns. 56 e seguintes).
Os Messias criam os mundos que se formam desses fluidos, no sentido de que, sob a vigilância e em obediência à vontade deles, é que tais fluidos se aglomeram por obra dos Espíritos prepostos que assistem os fundadores de planetas e trabalham, debaixo da direção deles, para que se efetue aquela aglomeração, donde há de sair a formação dos ditos planetas.
Nesse sentido e de acordo com o que acabamos de dizer a propósito do v. 19, é que: tudo o que o pai faz o filho também o faz semelhantemente, nada fazendo de si mesmo e só fazendo o que vê o pai fazer.
V. 20. O pai ama o filho e lhe mostra tudo o que faz.
O pai tem confiança no filho. Porque este, pelas suas obras, chegou à perfeição sideral e adquiriu o saber e a pureza que o colocaram em condições de ver e de compreender, e o pai, deixando que ele veja e compreenda, lhe mostra todos os atos que pratica como criador. Assim é que lhe comunica a previsão dos acontecimentos e dos progressos que se hão de realizar, planetários e humanos.
E lhe mostrará obras ainda maiores do que estas e que vos maravilharão. 248
Quando isso diz, alude Jesus aos acontecimentos e progressos que o pai lhe mostrará, isto é: que se realizarão por vontade do pai e por intermédio do filho, não só durante a sua missão terrena, mas principalmente depois dela. E os homens a quem o Mestre falava, a geração que então vivia se maravilhariam, porque de tais acontecimentos seriam testemunhas todos aqueles Espíritos. Testemunhá-los-iam, ou no estado de erraticidade, ou reencarnados, os que, dentre esses Espíritos, se achassem ainda presos ao globo terráqueo, nas épocas em que eles se verificassem. Quanto aos que, nessas épocas, por se terem purificado, já houvessem ascendido a mundos mais elevados, também seriam testemunhas dos mesmos acontecimentos e progressos, presenciando-os, ou das esferas superiores onde se encontrassem, ou da posição em que se achassem como Espíritos em missão na Terra, quer encarnados, quer errantes.
Mas, Jesus se dirigia a homens incapazes de lhe compreenderem, segundo o espírito, o pensamento. Forçoso era, portanto, que este se conservasse velado pela letra. Assim, aquelas palavras suas, para tais homens, também tinham por fim evidenciar-lhe a posição inferior e dependente com relação a Deus.
Foi o que eles não puderam e não souberam compreender, como não o puderam nem souberam as gerações, que se lhes seguiram, da era cristã, sob o império e o véu da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre.
V. 21. Pois, assim como o pai ressuscita os mortos e lhes dá a vida, também o filho dá a vida aos que quer.
Aqui, Jesus alude ao homem, ao Espírito encarnado. Esses "os mortos". Alude também à vida espírita. Essa a vida.
O pai ressuscita os mortos e lhes dá a vida. 249
Isso ele o faz com os Espíritos que faliram e que, em conseqüência, foram mandados para os tenebrosos lugares da encarnação. Esses são os que, de tal maneira, se acham espiritualmente "mortos". O pai os ressuscita e lhes restitui a vida, fazendo-os galgar a escala do progresso por meio das reencarnações expiatórias e das que, depois dessas, levam o Espírito à perfeição. Ë assim que o Espírito ressuscita e que a vida lhe é restituída, porquanto, desde então, tem ele, em definitiva, a vida espírita, que é a vida normal do Espírito, vida que perdera, falindo. O pai ressuscita o Espírito que ele criara puro e que "morrera" espiritualmente por haver falido, dando-lhe os meios de se purificar. A vida lhe é restituída, desde que, pelo progresso realizado, pela pureza e pela perfeição conquistadas, ele se tornou puro Espírito, não mais sujeito a encarnação alguma.
Assim, o filho dá a vida a quem quer, dando-a aos que se tornam capazes e dignos de a receberem, visto que a sua missão tem por objeto fazer que os Espíritos saiam dos sepulcros de carne, onde tanto se comprazem, e restituí-los à vida espiritual.
V. 22. Pois, o pai a ninguém julga.
O Senhor, na sua imutabilidade, espera, longânime, que pouco a pouco se aproximem os filhos que dele se afastaram. E todos acabarão certamente por ir a ele, pois que a lei do progresso, imutável como o próprio Deus de quem emana, é da essência mesma de tudo o que é. E o Espírito, obra da vontade divina, criado perfectível, com a consciência do bem e do mal, está inelutavelmente submetido a essa lei, quaisquer que sejam as oscilações, os desvios, os desvairamentos do seu livre-arbítrio.
Dizendo: "O pai a ninguém julga", Jesus se coloca no ponto de vista humano, no ponto de 250
vista donde os homens encaravam, e, na sua maioria, encaram ainda os atos espirituais, considerando o "julgamento" como a decretação de uma sentença, precedida da exposição das faltas, de audiência dos Espíritos prepostos à defesa dos acusados, mesmo de requisitório, se for preciso, e de deliberação.
O julgamento de Deus existe, de fato, porque, desde toda a eternidade, constitui lei tão imutável como as da gravitação, do fluxo e refluxo, da alternação do dia e da noite, e ainda mais imutável do que essas, no sentido de que a Terra pode passar e passa, sofrendo suas revoluções e transformações planetárias, sem que o Espírito retardatário lhe acompanhe a marcha ascensional; e no sentido de que a lei a que está sujeito o Espírito não passa, não passará nunca.
O julgamento de Deus, porém, não existe como ato, como sentença formulada e aplicada em conseqüência de julgamentos parciais, proferidos com relação a cada culpado, após acalorados debates sobre seus crimes, faltas e delitos.
O julgamento e sua aplicação estão, desde toda a eternidade, na lei de atração espiritual, lei imutável e eterna como o próprio Deus de quem emana e que, conforme o pendor de cada um, determina as relações entre os Espíritos, por efeito da influência atrativa dos fluidos, que a si mesmos se atraem uns aos outros, por analogia de espécies, de natureza. Ë essa a lei que, como sabeis, por meio dos fluidos magnéticos, religa todos os mundos no Universo, une todos os Espíritos, encarnados ou não, constitui o laço universal que os prende a todos, fazendo que formem um único ser, e os auxilia a subirem para Deus, conjugando-lhes as forças, determinando que os superiores trabalhem sem descanso pelo progresso dos inferiores.
O Espírito é quem livremente aplica a si mesmo essa lei, com a consciência, que Deus lhe outor- 251
gou, do bem e do mal, e ao julgamento da qual ele se acha inelutavelmente submetido.
O Espírito tem o livre-arbítrio. Cumpre-lhe a ele corrigir e reparar os transviamentos desse livre-arbítrio. É ao próprio Espírito que compete abrir para si o caminho que leva ao progresso e avançar por ele.
Se o anima o firme propósito de renunciar ao mal e de entrar na senda do bem, atrai a si as boas influências e se põe em relações com os bons Espíritos, encarnados e errantes, principalmente com estes, os quais, animados de idênticos pendores, dos mesmos sentimentos, o ajudam a progredir. Sob a inspiração e a proteção dos bons Espíritos, ele se adianta e o julgamento de Deus não o atinge.
Se, ao contrário, se compraz no mal e não atende às vozes amigas que o chamam para afastá-lo daí e fazê-lo enveredar pela senda do bem, o Espírito atrai a si as más influências e entra, inconscientemente, em relações com Espíritos maus, encarnados e errantes, com estes sobretudo, animados dos mesmos pendores e sentimentos que ele. Permanece então estacionário, porquanto o Espírito não retrograda, e o juízo de Deus o atinge.
O juízo de Deus é a ausência de progresso.
É a lei imutável do sofrimento que, cedo ou tarde, atinge o culpado, provocando-lhe o remorso. Imutável e, portanto, certa, inevitável, é, para o Espírito culpado, essa lei, como o são a consciência, que ele tem, do bem e do mal e, em face dessa consciência, a lei de perfectibilidade, ambas as quais de Deus emanam.
É o tempo que se escoa sem trazer ao Espírito melhora alguma, sem lhe satisfazer às aspirações. E o Espírito nem sempre aspira ao progresso, visto que também tende para o crime, para a preguiça, para a maldade, para a luxúria, a intemperança, o orgulho, a inveja, o egoísmo, a avareza. Pois bem! desde que seus desejos não são 252
satisfeitos, aí tendes a condenação que ele a si mesmo inflige, como conseqüência de seus pendores.
O juízo de Deus é, finalmente, a luta sem resultado em que o Espírito permanece, enquanto não toma o propósito firme de renunciar ao mal e de entrar na senda do bem. Porque, não podendo, na sua condição de culpado, caminhar para Deus, o Espírito se vê retido, pela influência atrativa dos fluidos que assimila, entre Espíritos inferiores, nas esferas de expiação, e constrangido a renovar suas provas, até que estas o induzam a querer progredir, e a sofrer outras, até que haja realizado o progresso que isenta o ser espiritual de reencarnar nessas esferas.
Eis o que vos podemos dizer acerca do juízo de Deus. Guardai-vos de atribuir às coisas do mundo espiritual as mesmas intenções, as mesmas conseqüências que às do vosso mundo. Sereis induzidos em erro. Não temos meio de deixar de usar da vossa linguagem para que possais perceber atos que estão muito acima da inteligência do homem.
O "juízo" de Deus é uma locução humana que coloca o homem em condições de compreender que, sendo Deus a origem, a fonte de todas as coisas, dele procede tudo o que é. Se bem que impróprio, debaixo de certos pontos de vista, esse termo precisa ser mantido, por ser o único capaz de lembrar ao Espírito do homem a ação incessante da divindade sobre tudo o que existe. Sem essa expressão — "juízo de Deus" — à maior parte dos encarnados pareceria uma fatalidade, sem causa originária, sem razão de ser e talvez sem objetivo, a sorte dos Espíritos quando deixam a vida terrena. O "julgamento de Deus" assina à sorte de cada um o valor que deve ter aos olhos de todos.
Mas deu ao filho todo o poder de julgar (v. 23), a fim de que todos honrem o filho como honram o 253
pai; aquele que não honra o filho não honra o pai que o enviou.
Estas palavras de Jesus, para serem bem compreendidas e completamente explicadas, têm que ser apreciadas juntamente com estas outras:
"Vós julgais segundo a carne, eu, porém, a ninguém julgo." (JOÃO, VIII, v. 15.)
Entre os homens, o julgamento é seguido de condenação. Assim, do ponto de vista humano foi que Jesus disse: "Vós julgais segundo a carne; eu, porém, a ninguém julgo."
Jesus espera, mas não condena. O homem é quem, por seus atos, se condena a si mesmo. O julgamento é o resultado das obras humanas, sua conseqüência inevitável. Nada há que não produza frutos, não o esqueçais. Tudo está em saber colhê-los a tempo. Jesus apenas aplica a lei. O Espírito culpado é quem livremente se julga a si mesmo e se condena.
Deste ponto de vista foi que ele disse: "Mas o pai deu ao filho o poder de julgar." Ele é quem vigia a marcha de cada um, quem apressa este, modera o ímpeto aventuroso daquele e ajuda todas as ovelhas entregues aos seus cuidados a trilharem a vereda que conduz ao aprisco.
A repressão dos Espíritos culpados não é um julgamento seguido de condenação, mas tão-somente um meio paternal de os reconduzir à senda do bem, de os salvar de si mesmos, forçando-os a que entrem em expiação, a fim de que se julguem e se condenem a si mesmos.
Neste sentido é que, como intermediário entre Deus e vós, Jesus recebeu do pai o poder de julgar, isto é: de presidir ao desenvolvimento e ao progresso dos homens, de os ajudar, por todos os meios, a se adiantarem, conformemente às faculdades e necessidades de cada um, "a fim de que honrem o filho como honram o pai." 254
Jesus é o tipo da moral que leva a Deus. O único meio de honrar o pai consiste em lhe seguir a lei. Não o honra todo aquele que não pratica a moral que a ele conduz. Assim sendo, não honra o pai aquele que não honra o filho, praticando a moral que este personifica, visto que essa moral não é doutrina do filho e sim do pai que o enviou.
V. 24. Em verdade, em verdade vos digo que o que ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, esse tem a vida eterna e não incorre em condenação; ao contrário, já passou da morte à vida.
Aquele que consegue caminhar com bastante pureza pelas sendas de Jesus, de modo a não se desviar, e que, pois, obedece aos preceitos que conduzem a Deus, entra numa nova fase de progresso e de provações que o fazem adiantar-se para a perfeição. Esse não se acha sujeito a entrar em expiação. Passou, conseguintemente, da morte "à vida", sob o ponto de vista do progresso e relativamente ao grau de purificação que alcançou, porquanto não está mais adstrito a permanecer ligado às esferas de expiação. Se o grau de sua purificação o comporta, pode ele ser libertado das provações materiais no planeta terreno e ficar isento de revestir um corpo de carne qual os vossos, corpo que, para ele, é, figuradamente, um sepulcro.
V. 25. Vem a hora, e já veio, em que os mortos ouvirão a voz do filho de Deus e os que a ouvirem viverão.
"E já veio." Alusão aos profetas e missionários, isto é, aos Espíritos em missão ou enviados e aos "justos", que haviam encarnado antes da missão terrena do Mestre, os quais já então "viviam", no sentido de já estarem bastante purificados para se verem livres das provações mate- 255
riais na Terra e isentos, conforme ao grau de pureza alcançado, de tomar um corpo de carne idêntico aos vossos.
Eles "vivem", porque ouviram a voz do filho de Deus. Dizendo isso, Jesus alude à sua posição de Espírito protetor e governador do vosso planeta, de encarregado do desenvolvimento e do progresso da humanidade terrena.
Os "mortos", isto é, os encarnados, que ouvirem a voz do filho de Deus, "viverão". Desse modo, Jesus prediz e promete aos que, desde o tempo de sua missão até agora, houverem trilhado as suas sendas, como o fizeram os profetas, os Espíritos em missão, os justos, que o tinham precedido, e promete também aos que de futuro caminharem por aquelas sendas, libertarem-se das provações materiais na Terra e do corpo de carne da natureza dos vossos.
V. 26. Pois, assim como o pai tem a vida em si mesmo, também deu ao filho ter a vida em si mesmo.
Esta declaração ainda uma vez vos mostra a condição relativamente inferior e dependente em que Jesus se coloca às vistas de todos.
"O pai tem a vida em si mesmo", pois que tem em si todas as perfeições. "Deu ao filho ter a vida em si mesmo", dando-lhe a possibilidade de adquirir todas as perfeições.
V. 27. E lhe deu o poder de julgar.
Já conheceis, segundo o espírito que vivifica, o sentido destas palavras, pelo que dissemos acerca do v. 22. O julgamento do Cristo não é coisa diversa da imprescritível aplicação que ele faz da lei a todo Espírito sujeito a humanizar-se: da lei do progresso, se o Espírito trata de se melhorar; da lei de estagnação, se persevera em suas faltas. 256
Porque ele é o filho do homem.
São figuradas estas expressões. Quer isso dizer: porque, mau grado à superioridade que adquiriu pelas suas obras, ele se acha em relações com os obreiros ainda presos à obra que se executa sob a sua suprema direção.
V. 28. Não vos admireis disto, porquanto vem o tempo em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a voz do filho de Deus.
Tempo vem em que todos os que estão nos sepulcros, isto é, todos os encarnados, visto que os vossos corpos de carne são sepulcros para os vossos Espíritos, ouvirão a voz do filho de Deus.
Aludia Jesus, em mente, aos frutos que a sua missão terrena havia de produzir, ao desempenho das missões que os apóstolos traziam, ao cumprimento de suas promessas pelo Espírito da Verdade e à época de sua segunda vinda.
V. 29. E os que tiverem feito boas obras sairão dali (dos sepulcros), ressuscitando para a vida; porém, os que obraram mal sairão, ressuscitando para a condenação.
Ainda expressões figuradas; sempre a mesma ordem de idéias. Os que hajam progredido serão chamados a prosseguir na marcha ascensional, ou no vosso planeta, ou em mundos superiores, conforme ao grau alcançado de purificação. Os culpados endurecidos, esses serão conservados nas esferas inferiores, aí reencarnarão, de acordo com o grau de culpabilidade que apresentem, com as condições em que devam sofrer a expiação e com as exigências do progresso que tenham de realizar.
Os túmulos são sempre os corpos de carne, verdadeiros sepulcros para o Espírito. A "ressurreição para a vida" é o renascimento, a reencarnação, mediante os quais o Espírito reinicia a 257
marcha ascensional pela via do progresso. A "ressurreição para a condenação" é o renascimento, a reencarnação, pelos quais o Espírito repete suas provas "nos mundos de expiação", recomeça a obra mal feita.
V. 30. Eu de mim mesmo nada posso fazer.
Jesus nada pode fazer de si mesmo, porque se limita a aplicar a lei universal e imutável da reencarnação e das provas, executando assim os decretos eternos, a vontade imutável do pai, regulando os efeitos e as conseqüências do livre-arbítrio do homem, o uso que este faz desse livre-arbítrio e classificando o Espírito para o renascimento, de acordo com o seu estado fluídico, isto é, classificando o que venceu a prova, na condição correspondente às suas faculdades e à sua aptidão para progredir; classificando o culpado, na condição correspondente à necessidade que tem de reparar e de progredir.
Assim como ouço julgo e o meu julgamento é justo, porque não busco fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.
Não tomeis a palavra ouvir no sentido que lhe dá a faculdade humana da audição. Tais distinções não existem para o Espírito puro, cujas sensações e percepções se verificam em todo o seu ser, sem que ele tenha nenhum sentido material e especial.
Jesus julga, poder-se-ia dizer, porque ouve e vê, uma vez que a lei imutável do progresso, ou a do estacionamento, ele só as aplica em conseqüência dos pensamentos e dos atos dos encarnados. E seu juízo é justo, porque não busca fazer a sua vontade, mas a vontade daquele que o enviou, isto é: fiel à inspiração que recebe diretamente de Deus, só faz a vontade de Deus, executando suas leis universais, imutáveis e eternas. 258
CAPÍTULO V Vv. 31-38
Jesus tem um testemunho maior do que o de João. Dele deu testemunho o pai, que o enviou. Suas obras é que dão testemunho dele
V. 31. Se sou eu que dou testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro. — 32. Outro é o que de mim dá testemunho e sei que é verdadeiro o testemunho que de mim ele dá. — 33. Enviaste mensageiros a João e ele deu testemunho da verdade. — 34. Eu, entretanto, não é de homem que recebo testemunho; digo-vos, porém, estas coisas a fim de que sejais salvos. — 35. Ele (João) era uma lâmpada que ardia e alumiava e vós quisestes exultar por algum tempo com a sua luz. — 36. Mas, testemunho maior eu tenho do que o de João; porquanto as obras que meu pai me concedeu fazer, as obras mesmas que eu faço, elas são que de mim dão testemunho e de que é meu pai quem me enviou. — 37. E meu pai, que me enviou, ele mesmo deu testemunho de mim. Nunca lhe ouvistes a voz, nem nada vistes que o representasse. — 38. E a sua palavra em vós não permanece, porque não credes naquele que foi por ele enviado.
N. 16. Pela obra é que se reconhece o obreiro e quem o emprega.
(Vv. 31, 32 e 33.) Jamais deve o homem apresentar-se como modelo. Deve, sim, de modelo servir. Só as obras que pratique, os exemplos que dê podem e devem testificar a seu favor. Esses os únicos testemunhos verdadeiros que o homem pode dar de si mesmo. Os outros, não ele próprio, é que devem dar dele testemunho.
Tal o ensino que decorre destas palavras do Mestre: "Se sou eu que dou testemunho de mim mesmo, o meu testemunho não é verdadeiro." 259
E, tendo dito: "Outro é o que de mim dá testemunho", acrescenta: "E sei que é verdadeiro o testemunho que de mim ele dá."
Atesta, assim, que tem consciência exata da sua origem e certeza do futuro, do ponto de vista da missão que recebeu do pai e que lhe cumpre desempenhar. Mostra que, sob o invólucro corporal que tomou para se tornar visível aos olhares humanos, seu Espírito conserva a independência e a liberdade.
(Vv. 34, 35 e 36.) No que disse aos Judeus que o foram interpelar, João deu testemunho da verdade, declarando não ser o Cristo, ser apenas seu precursor. De Deus é que Jesus recebe o testemunho da sua missão de enviado celeste.
"Digo-vos, porém, estas coisas a fim de que sejais salvos." Os que creram na sua missão foram postos em condições de se salvarem, isto é, de lhe ouvirem com confiança e fé a palavra, os ensinamentos, e de caminharem pelas suas sendas.
João era um Espírito superior em missão. Os Judeus lhe escutaram a palavra como sendo a de um profeta, de um enviado de Deus. Mas a sua missão era preparatória e, como tal, pouco tempo devia durar. O Precursor tinha que se apagar diante do Cristo, tinha que ver terminada a missão que trouxera, quando Jesus começasse a desempenhar publicamente a sua.
Jesus tem um testemunho maior do que o de João (v. 36).
Esse testemunho dão-no os atos que lhe fora concedido praticar, o poder que lhe foi conferido, os "milagres" que realizou. Estes testemunharam ser ele o enviado do pai.
"E o pai, que me enviou, ele mesmo deu testemunho de mim." 260
Por essas palavras Jesus alude às manifestações espíritas que se produziram quando, pelo Precursor, ele foi batizado às margens do Jordão e quando se transfigurou no Tabor. Em ambas essas manifestações, como sabeis, uma voz se fez ouvir, dizendo: "Este é o meu filho bem-amado, em quem hei posto todas as minhas complacências; escutai-o."
E Jesus acrescenta (v. 37):
"Nunca lhe ouvistes a voz, nem nada vistes que o representasse."
Duplo sentido encerram essas palavras do Mestre e duplo objetivo tinha ele em mente ao proferi-las: fazer notar aos Judeus, ali então presentes, que não haviam presenciado essas manifestações espíritas verificadas às margens do Jordão e no Tabor, assinalando assim a importância delas; e, além disso, comprovar, segundo o espírito que vivifica, dando um ensinamento, que Deus nunca se manifesta pessoalmente aos homens, como sabeis e nós temos dito.
V. 38. E a sua palavra em vós não permanece, porque não credes naquele que foi por ele enviado.
Jesus, perante os homens, era o órgão de Deus, sua palavra era a palavra de Deus. Não crendo os Judeus na sua missão e, ainda mais, repelindo-lhe a moral, os ensinos, os exemplos, neles não ficava a palavra de Deus. Em seus corações só tinham guarida os preconceitos, os vícios e as paixões que os dominavam.
Se, por ignorância ou escrúpulo, mas de boa-fé, houvessem renegado a missão de Jesus, crendo, entretanto, na moral que ele personificava e praticando-a, tal qual se cressem na sua missão, teriam sido, não de nome, porém de fato, seus discípulos, como o foram os profetas e os justos em Israel, antes da sua vinda à Terra. 261
Até aos vossos dias assim foi e ainda é. São de fato discípulos de Jesus todos aqueles que, sejam Judeus ou Gentios, sejam quais forem suas crenças, sejam quais forem as seitas a que pertençam, procedem como se cressem nele, praticando a moral que resume o mandamento divino em que se encerram toda a lei e os profetas, embora, na presente encarnação, lhe reneguem o nome.
Dissemos — "na presente encarnação". Ë que, na encarnação atual, tomando para exemplo um Judeu, o fato de ele renegar o nome do Mestre pode ser fruto de preconceitos e do meio onde nasceu e vive, desde que, por efeito de precedente encarnação, tem a maneira de proceder como se cresse em Jesus. 262
CAPÍTULO V Vv. 39-47
As Escrituras dão testemunho de Jesus. — Aquele que crê em Moisés crê em Jesus
V. 39. Lede atentamente as Escrituras, vós que julgais ter nelas a vida eterna: são elas mesmas que de mim dão testemunho. — 40. Mas não quereis vir a mim para terdes a vida. — 41. A minha glória não é dos homens que me vem. — 42. Mas eu vos conheço e sei que não tendes em vós o amor de Deus. — 43. Vim em nome de meu Pai e não me recebeis; se outro vier em seu próprio nome, recebê-lo-eis. — 44. Como podeis crer, vós que requestais a glória que uns aos outros dais e não buscais a glória que só de Deus vem? — 45. Não julgueis seja eu quem vos acusará perante o Pai; tendes um acusador, que é Moisés em quem esperais. — 46. Porque, se cresseis em Moisés, certamente também creríeis em mim, pois de mim foi que ele escreveu. — 47. Se, porém, não credes no que ele escreveu, como haveis de crer no que vos digo?
N. 17. Estes versículos são de si mesmos compreensíveis e ainda de mais fácil compreensão diante das explicações que vos temos dado.
(Vv. 39, 40 e 41.) Mostra Jesus que, de acordo com as interpretações dadas às palavras de Moisés e dos profetas, ele é o Messias prometido aos Hebreus e faz sentir que os Judeus não o recebem por não ser dos homens que lhe vem a glória, isto é, por não ser ele um libertador material. Viera dar-lhes a vida espiritual; os Judeus, porém, não o procuravam para tê-la.
Mas eu vos conheço e sei que não tendes em vós o amor de Deus. 263
Dessa forma declara Jesus que lê os pensamentos dos que o ouviam e os conhece. Fazendo essa declaração, afirma as suas faculdades extra-humanas e a consciência que delas tem. Afirma, portanto, a sua natureza e a sua origem também extra-humanas.
(Vv. 43 e 44.) Estes versículos se traduzem assim: "Sou o enviado de Deus e não me recebeis. Se outro vier em seu próprio nome e se vos apresentar na qualidade de libertador material, recebê-lo-eis. Como podeis crer, isto é, aceitar a minha missão, que é toda espiritual, e caminhar nas minhas sendas, se o que buscais é a independência e a glória na vida material, se não buscais a glória que só de Deus vem: a vida espiritual?"
V. 45. Não julgueis seja eu quem vos acusará perante o pai; tendes um acusador, que é Moisés em quem esperais.
Tinham eles seguido pura e fielmente a lei de Moisés? Não, tanto que Jesus já lhes dissera: "Eu vos conheço e sei que não tendes em vós o amor de Deus."
(Vv. 46 e 47.) Se cresseis em Moisés, certamente em mim também creríeis. — Se, porém, não credes no que ele escreveu, como haveis de crer no que vos digo?
Moisés anunciara a vinda do Messias, do Cristo. Proclamara e prescrevera aos Judeus o amor de Deus e do próximo como de si mesmo, o que implica e compreende a observância do Decálogo.
Crer em Moisés e no que ele escrevera era crer na missão de Jesus, era obedecer pura e fielmente à lei que o Mestre estendera a todos os homens, Judeus e Gentios, preceituando aquele duplo amor e declarando que esse preceito encerra toda a lei e os profetas. 264
"Se cresseis em Moisés, que anunciou a minha vinda como Messias, também creríeis em mim quando vos digo que sou o Messias, que de mim foi que ele escreveu. Se não acreditais no que ele escreveu, isto é, se não obedeceis pura e fielmente à sua lei, observando o Decálogo, praticando o amor de Deus e do próximo como de si mesmo, de que modo crereis no que vos digo eu, que vos venho reconduzir à prática pura e simples dessa lei, guiando-vos para as sendas da luz, da justiça, da caridade e da verdade? De que modo haveis de receber a minha palavra e seguir os meus ensinamentos e exempios ?"
Estas palavras de Jesus aos Judeus: "Não julgueis seja eu quem vos acusará perante o pai; tendes um acusador, que é Moisés em quem esperais", são de molde a provar aos homens, de lhes ensinar, e esse foi, segundo o espírito que vivifica, o objetivo com que o Mestre as disse, que, sejam quais forem suas crenças, seus cultos, sejam eles judeus, cristãos ou muçulmanos, Judeus ou Gentios, seus atos é que, perante Deus, testificarão pró ou contra eles.
Moisés, como se sabe, disse: "E TODAS AS NAÇÕES DA TERRA SERÃO BENDITAS NAQUELE QUE DE TI SAIRÁ (referindo-se a Abraão), porque obedeceste à minha voz." (Gênese, cap. XXII, v. 18.) — "O cetro não será tirado a Judá, nem o príncipe de sua posteridade, até que tenha vindo aquele que há de ser enviado e em quem todas as nações esperarão." (Gênese, cap. XLIX, v. 10.) E disse mais, no Deuteronômio, cap. XVIII, v. 15: "O Senhor teu Deus te suscitará um profeta como eu, da tua nação e dentre teus irmãos; É A ELE que escutarás." E, no v. 18: "Do meio de seus irmãos eu lhes suscitarei um profeta semelhante a ti e na boca lhe porei as minhas palavras e ele lhes dirá tudo o que eu lhe ordenar."
Diante dessas palavras e do que disse Jesus segundo os vv. 39, 45 e 46, acima transcritos, SERÁ ACER- 265
TADO entender-se que, mandando se reportassem os Judeus ao que dele escrevera Moisés, portanto, aos trechos que vimos de citar, Jesus tinha em mente proscrever a divindade que lhe atribuíssem, excluir a possibilidade de suporem ser ele DEUS e que, ASSIM, condenou de antemão a divindade que os homens, que as interpretações humanas lhe atribuíram?
Certamente. Porém, notai que Jesus não manda que os Judeus se reportem somente ao que dele escreveu Moisés, mas a tudo o que a seu respeito haviam escrito Moisés e todos os profetas, porquanto o que ele disse foi: "Lede atentamente as Escrituras, vós que julgais ter nelas a vida eterna; são elas mesmas que de mim dão testemunho."
Por Jesus e com Jesus também nós vos dizemos: Lede atentamente as Escrituras, tanto as da antiga lei, quanto as da lei nova. Naquelas encontrareis: intencionalmente velada, por ter de servir às interpretações humanas, de conformidade com as necessidades dos tempos, com as condições e os meios de realização do progresso humano, com o estado das inteligências e as aspirações da época, a revelação feita por intermédio de Moisés e dos profetas, anunciando o Messias, preparando o advento de Jesus, seu aparecimento e o modo por que este viria a dar-se, assim como a missão que desempenharia; preparando os caminhos que levariam ao desempenho dessa missão, tal qual foi desempenhada, e às conseqüências que havia de produzir, segundo o curso dos acontecimentos que a ela presidiram e segundo as interpretações humanas; preparando as bases, os elementos e os meios de verificar-se a revelação que havia de ser feita pelo anjo a Maria e a José para o aparecimento de Jesus; as bases, os elementos e os meios de realização da obra da sua missão e da continuação dessa obra. E vereis que tudo isso tinha de ser preparado e o foi, de um duplo ponto de vista: do da transição, que era 266
mister se executasse sob o império e o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre; e do aparelhamento das bases, dos elementos e dos meios apropriados à revelação futura do Espírito da Verdade, a verificar-se nos tempos da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita que se inicia.
Lede com cuidado as Escrituras da lei antiga; reportai-vos a todos os textos que recomendamos em o n. 1 e vereis que, com o objetivo dessa transição, que tinha de ser e foi disposta e operada, a revelação hebraica apresentou o Messias prometido, o Cristo, como um ser excepcional, com uma origem, uma natureza ao mesmo tempo humanas e extra-humanas, milagrosas, divinas, ao ver dos homens. Apresentou-o com uma origem e uma natureza humanas, indicando que ele sairia da posteridade de Abraão, da casa de David, que seria um filho de David, um profeta semelhante a Moisés, mas que também seria "aquele em quem todas as nações da Terra serão benditas", aquele de quem Deus disse, por intermédio de Moisés: "É a ele que escutareis." Apresentou-o com uma natureza, uma origem extra-humanas, uma origem, uma natureza, ao ver dos homens, milagrosas, divinas, dando-o como um prodígio concedido à casa de David, como concebido e gerado no seio de uma virgem, como o Senhor de David, gerado por Deus, filho do Altíssimo, filho de Deus, conforme se vê destes tópicos: "Eu te gerei hoje" — "és meu filho" — "Serei seu pai e ele será meu filho"; dando-o ainda como tendo fundado a terra e os céus, cumprindo notar que estes, para os Hebreus, eram um acessório integrante da terra.
Lede as Escrituras da lei antiga, reportai-vos a todos os textos que citamos em o n. 1 e verificareis que, tendo em vista aparelhar as bases, os elementos e as meios da futura revelação do Espírito da Verdade, a produzir-se na era nova 267
do Cristianismo do Cristo, na era espírita que se inicia, a revelação hebraica apresentou veladamente o Messias prometido, o Cristo, como sendo sem pai, sem mãe, sem genealogia, semelhante nisto a Melquisedec que foi ao encontro de Abraão e o abençoou, recebendo deste o dízimo de tudo; como tendo Deus, por não haver querido hóstia nem oblata, formado para ele um corpo, a fim de que fizesse a sua entrada no mundo; como não tendo começo de sua vida nem termo de seus dias; como sendo pontífice eterno, sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedec, não por efeito de uma sucessão carnal, mas pelo poder da sua vida imortal, vida que ninguém lhe pode tirar — vitae insolubilis. Verificareis que o apresentou como sendo aquele a quem, pelo órgão dos profetas, foi anunciado: "És meu filho" — "oh! Deus" — "Deus, teu Deus"; mas que também o apresentou como irmão dos homens, como "Deus" e "filho do Altíssimo", tal qual os homens, pondo-lhe na boca estas palavras: "Anunciarei teu nome a meus irmãos" e registando estas outras dirigidas aos homens: "Deus tomou assento na assembléia dos Deuses e julga os Deuses." — "Sois Deuses e todos sois filhos do Altíssimo", mostrando assim que o Deus do filho é o Deus dos Deuses, o único eterno, o Deus de Israel, o Deus do monoteísmo e que o filho o é do Deus dos Deuses. Ele, porém, é santo, inocente, sem mácula, distinto dos pecadores, fundou a Terra e tem o encargo de a governar. Sob esse aspecto é que, com relação a vós, Espíritos falidos e que por isso vos achais nos tenebrosos lugares da encarnação humana, lhe cabe o título de "filho único do pai".
Lede atentamente as Escrituras da lei nova e vereis Jesus aparecendo na Terra e desempenhando a sua missão, conformemente ao que fora preparado e disposto pela revelação hebraica.
Vereis que, graças à revelação feita pelo anjo 268
a Maria e a José, em condições e circunstâncias tais que ficasse, como ficou, em segredo durante todo o tempo da sua missão terrena, o aparecimento de Jesus se deu por maneira que, enquanto durou aquela missão, ele teve, aos olhos dos homens, paternidade e maternidade humanas, como descendendo de David, e, concluída aquela missão, passou, também segundo o modo de ver dos homens, a ser fruto de maternidade milagrosa, divina, porque concebido e gerado por obra do Espírito Santo que, para os Judeus, era o próprio Deus a se manifestar por um ato qualquer.
Vê-lo-eis, durante a sua missão, tido pelos homens como filho de José e de Maria, filho, pois, de Abraão, filho de David, por descendência; como um homem igual aos outros; como um profeta semelhante a Moisés; e o vereis declarar-se profeta e também filho de Deus, chamar-lhe seu pai e ao mesmo tempo chamar seus irmãos aos seus discípulos, dizer-lhes, com relação a Deus: "Meu pai e vosso pai, meu Deus e vosso Deus" e dizer, dirigindo-se a Deus: "Tu, que és o único Deus verdadeiro."
Vê-lo-eis fazendo tudo o que era necessário para que acreditassem na natureza humana que lhe foi atribuída e, ao mesmo tempo, por seus atos e palavras, sob o véu da letra, sob a capa do mistério, sob o prestígio do milagre, preparando pouco a pouco os homens para, concluída a sua missão terrena e quando pudesse ser divulgada com oportunidade e proveito, entrarem no conhecimento da revelação que o anjo fizera a Maria e a José e que até então se conservou secreta, acerca da sua natureza, da sua origem extra-humanas, "milagrosas, divinas", como obra do Espírito Santo. Vereis que essa revelação, intencionalmente velada, estava destinada a. servir de base às interpretações humanas, para o fim de operar-se a transição, que cumpria fosse prepa- 269
rada e executada, de acordo com as necessidades e aspirações da época, com as condições e meios de realização do progresso humano e com o estado das inteligências.
Vê-lo-eis a velar, também propositadamente, suas palavras e a dispor tudo para que aquela transição se efetuasse, como condição e meio de progresso, por maneira a servir àquela época e ao futuro sob o império e o véu da letra, a capa do mistério, o prestígio do milagre, ao mesmo tempo que preparava as bases, os elementos e os meios da revelação vindoura, por ele predita e prometida, do "Espírito da Verdade" precursora do seu segundo advento, igualmente predito e prometido. Essa revelação é a atual revelação da revelação, que vem substituir a letra pelo espírito que vivifica e fazer que os homens compreendam que o primeiro aspecto, o humano, por efeito de humana descendência, que as duas revelações veladas, a da antiga lei e a da lei nova, lhe emprestaram, era transitório e circunstancial, mas necessário a preparar os homens e a trazê-los aos dias de hoje, à aurora do advento "do espírito". É a nova revelação, que vem explicar, em espírito e verdade, quando os homens se tornarem capazes de a suportar, a natureza e a origem espirituais de Jesus, sua posição espírita relativamente a Deus e ao planeta terreno, seus poderes e sua missão, sua natureza extra-humana, seu aparecimento na Terra e o modo por que se deu esse aparecimento, conforme às leis da natureza, para desempenhar a sua missão, todos os fatos qualificados de "milagrosos", que ele praticou entre os homens, o sentido e o alcance de suas palavras, de seus atos, ensinos e exemplos, visando o progresso do Espírito e tendo por fim ensinar os homens a viverem e a morrerem.
Mas, não é de prever que muitos se prevaleçam 270
destas palavras do Gênese: "Naquele que de ti sairá", falando de Abraão, e destas outras do Deuteronômio: "Um profeta como eu, um profeta semelhante a ti", para contestarem a natureza extra-humana de Jesus, tal como é agora revelada?
Os que assim procedam abrirão exceção na revelação da lei antiga e na da lei nova. Mas, não lhes é lícito dividi-la, admiti-la numa parte e rejeitá-la em outra. Ora, dessas duas revelações, intencionalmente veladas, repetimos, uma fala do Messias prometido, a outra apresenta Jesus como a personificação do Messias e fala do seu advento, atribuindo-lhe origem ao mesmo tempo humana e extra-humana, "milagrosa", "divina".
As palavras de Moisés no Gênese e no Deuteronômio encerram apenas um dos aspectos, uma das faces da revelação da lei antiga, transitória e circunstancial, conforme o temos dito, mas necessária, como condição e meio de progresso, a preparar a revelação da lei nova, que havia de conduzir os homens aos dias de hoje.
A discussão sobre esse ponto tem que se travar e se travará. Porém, um momento de reflexão bastará para compreenderdes que Moisés não podia anunciar aos Hebreus um fato que eles não perceberiam e que, na condição de encarnado, o próprio Moisés não podia, nem tinha que compreender. Fazer o contrário fora desvendar-lhe a missão de Jesus e levá-lo a semear o bom grão em campos onde ainda só ao joio era possível crescer. Cada época tem os seus missionários. Moisés era inspirado, não há dúvida, mas, por isso mesmo, não dizia senão o que convinha que dissesse. Como encarnado, não tinha consciência do que havia de ser o Messias, nem do ponto de vista da missão que desempenharia, nem do de seu aparecimento e do modo por que este se daria na Terra. O mesmo sucedeu com os profetas que surgiram depois de Moisés e que revelaram 271
a natureza extra-humana, "milagrosa", "divina", do Messias. Eram inspirados, como Moisés o fora; mas, por isso mesmo, também não diziam senão o que convinha que dissessem, nenhuma consciência tendo igualmente, como encarnados, do que havia de ser o Messias, nem do modo por que se daria o seu aparecimento na Terra. Nem mesmo os que tinham de assistir a esse aparecimento e ao desempenho daquela missão deviam compreender uma e outra coisa. Só nos tempos atuais é que teriam de ser explicadas, como o faz a nova revelação. A cada época, a cada era, só é dado o que ela pode comportar.
Não sabeis que as revelações são sucessivas e progressivas, apropriadas às condições e aos meios de progresso das gerações humanas, de maneira a guiá-las em sua marcha ascensional? Não sabeis que cada uma prepara a que se lhe há de seguir?
Não devendo ser por eles compreendida a revelação velada da antiga lei, os Hebreus, por efeito das interpretações humanas a que ela deu lugar, entenderam que o Messias seria um libertador material, que lhes viria restituir a independência e restaurar a nacionalidade, restabelecer sobre todas as nações da Terra o império de Israel.
De outro lado, não devendo a revelação da lei nova ser compreendida pelos "cristãos", estes, por efeito das interpretações humanas a que a sujeitaram em face da que a precedera, viram no Cristo, no Messias que, prometido, viera, primeiramente um homem revestido do corpo material humano como os demais e, como os outros, sujeito à morte; depois, atribuindo-lhe a divindade, considerando-o parte destacada, se bem que inseparável, do Deus uno, igual a este, viram nele um Deus, o próprio Deus milagrosamente encarnado. 272
Finalmente, indo buscar sua base, seus elementos e meios nas revelações veladas que a precederam e explicando-as segundo o espírito que vivifica, a nova revelação, graças à ciência do magnetismo e à ciência espírita, que Deus fez reviver, fazendo-as ressurgir às vistas de todos, e graças a tudo o que elas vos têm revelado, vem mostrar Jesus tal qual ele é, em espírito e verdade: Espírito que, provindo, em sua origem, do mesmo ponto de partida que vós outros, se conservou puro na via do progresso e chegou à perfeição sideral, se tornou, sem jamais haver falido, puro Espírito; Espírito, portanto, de pureza perfeita e imaculada, Espírito cuja perfeição se perde na noite das eternidades; vosso irmão, fundador, protetor e governador do planeta terrestre, encarregado do vosso desenvolvimento, do vosso progresso, de vos levar à perfeição. Essa nova revelação vos vem explicar ainda, em espírito e verdade, a concepção, a gravidez e, conseguintemente, a gestação e o parto de Maria, como obras do "Espírito Santo", o aparecimento de Jesus na Terra e o modo por que se operou esse aparecimento, de conformidade com as leis da natureza, tomando ele um corpo fluídico, tangível, aparentemente igual ao corpo humano, formado, não mediante derrogação das leis naturais, mas de acordo com essas leis, com suas aplicações e apropriações. 273
CAPÍTULO VI Vv. 1-15
Multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes. Jesus, sabendo que dele querem apoderar-se a fim de o fazerem rei, se retira para o monte, sozinho
V. 1. Depois disto, passou Jesus à outra banda do mar da Galiléia, que é o lago de Tiberíades. — 2. Seguia-o grande multidão de gente, porque viam os milagres que ele operava nos que se achavam enfermos. — 3. Jesus subiu a um monte e ali se sentou com seus discípulos. — 4. Ora, estava próximo o dia da Páscoa, que é a grande festa dos Judeus. — 5. Como, levantando os olhos, visse uma grande multidão que com ele vinha ter, disse a Filipe: Onde compraremos pão para dar de comer a essa gente? — 6. Isso, porém, Jesus dizia apenas para o experimentar, pois bem sabia o que havia de fazer. — 7. Filipe lhe respondeu: Duzentos denários de pão não bastariam, para que cada um recebesse um pouco. — 8. Um de seus discípulos, chamado André, irmão de Simão Pedro, lhe disse: — 9. Está aqui um rapazinho que tem cinco pães de cevada e dois peixes; mas que é isso para tanta gente? — 10. Disse-lhe Jesus: Fazei que se assentem. Havia naquele lugar muito feno. Sentaram-se todos, em número aproximado de cinco mil pessoas. — 11. Jesus tomou então dos pães e, tendo dado graças, os distribuiu pelos que estavam sentados; e dos peixes lhes deu quanto eles quiseram. — 12. Saciados todos, disse Jesus a seus discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, a fim de que não se percam. — 13. Os discípulos os recolheram e encheram doze cestos com os pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram aos que haviam comido. — 14. Tendo visto o milagre que Jesus fizera, toda aquela gente dizia: Este é verdadeiramente o profeta que tinha de vir ao mundo. — 15. Como, porém, percebesse que o viriam arrebatar para o fazerem rei, Jesus se retirou de novo, a sós, para o monte. 274
37 Ver: 29 tomo, n. 173, págs. 373-379.
N. 18. O fato da multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes já vos foi explicado no comentário aos três primeiros Evangelhos37. O que então se vos disse tem inteira aplicação aqui. As narrações evangélicas se explicam e completam reciprocamente.
Quanto aos cestos, repetimos o que então dissemos: os discípulos, depois de terem feito o que Jesus mandara, os deixaram lá e com eles não mais se ocuparam. Não se tratou mais disso.
Com relação ao que a narração evangélica refere, dizendo que Jesus, como percebesse que a multidão que presenciara o fato qualificado de "milagre" o queria arrebatar para fazê-lo rei, se retirou de novo, a sós, para o monte, temos a dizer-vos o seguinte: Sabeis a que móvel, a que intento obedeciam os Judeus que pensavam em fazê-lo rei. Queriam que ele fosse um libertador material. Jesus, entretanto, havia dito: "Meu reino por agora não é deste mundo."
Sabeis igualmente, pois também já o temos explicado muitas vezes, o que era feito de Jesus quando longe das vistas humanas, quando supunham que ele se retirara para o deserto ou para o monte. 275
CAPÍTULO VI Vv. 16-24
Jesus caminha sobre o mar
V. 16. Quando veio a tarde, seus discípulos desceram para o mar. — 17. Meteram-se numa barca e atravessaram o mar em direção a Cafarnaum. Era já noite e Jesus não tinha ido reunir-se-lhes. — 18. E o mar se empolava por causa do vento rijo que soprava. — 19. Tendo navegado cerca de vinte e cinco ou trinta estádios, deram com Jesus que caminhava por sobre o mar, aproximando-se da barca, e ficaram apavorados. — 20. Jesus, porém, lhes disse: Sou eu, não tenhais medo. — 21. Eles então se dispuseram logo a recebê-lo na barca e esta chegou imediatamente ao lugar para onde iam. — 22. No dia seguinte, o povo, que ficara do outro lado do mar, notou que lá não havia na véspera senão uma só barca e que Jesus não entrara nela com os discípulos, que estes tinham ido sós. — 23. Outras barcas, entretanto, chegaram de Tiberíades, perto do lugar onde comeram o pão, depois de o Senhor haver dado graças. — 24. Quando, enfim, a multidão viu que Jesus não estava ali, nem seus discípulos, entrou nessas barcas e foi para Cafarnaum à sua procura.
N. 19. O fato de Jesus caminhar por sobre o mar também já vos foi explicado no comentário aos três primeiros Evangelhos. (2° tomo, n. 174, págs. 380-386.) Reportai-vos a essas explicações. Ainda aqui, como sempre, as narrações evangélicas, relativamente ao mesmo fato, se completam umas pelas outras. 276
CAPÍTULO VI Vv. 25-40
A moral que Jesus personifica é a fonte de todo progresso e a senda que leva à perfeição. Ela conduz à libertação das encarnações materiais
V. 25. Ao encontrarem-no do outro lado do mar, perguntaram-lhe: Mestre, quando chegaste aqui? — 26. Jesus respondeu: Em verdade, em verdade vos digo que me buscais, não por causa dos milagres que vistes, mas porque comestes dos pães que vos dei e ficastes fartos. — 27. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que se conserva para a vida eterna e que o filho do homem vos dará, porque nele foi que o Pai, que é Deus, imprimiu o seu selo. — 28. Perguntaram-lhe eles: Que havemos de fazer para obrarmos as obras de Deus? — 29. Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta: que creais naquele que ele enviou. — 30. Perguntaram-lhe então: Que milagre obrarás tu para que, vendo-o, te creiamos? que de espantoso farás? — 31. Nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Deu-lhes de comer o pão do céu. — 32. Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; meu Pai é quem dá o verdadeiro pão do céu. — 33. Porque, o pão de Deus é aquele que desceu do céu e dá a vida ao mundo. — 34. Disseram-lhe então: Senhor, dá-nos sempre desse pão. — 35. Jesus lhes respondeu: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não mais terá fome e aquele que em mim crê nunca mais terá sede. — 36. Mas eu já vos disse que vós me tendes visto e não credes. — 37. Todo aquele que o Pai me dá virá a mim e o que vem a mim eu não o lançarei fora. — 38. Porque desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. — 39. Ora, a vontade de meu Pai, que me enviou, é que eu não perca nenhum dos que ele me há dado; que, ao contrário, os ressuscite a todos no último dia. — 40. A 277
vontade de meu Pai, que me enviou, é que todo aquele que vê o filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.
N. 20. A turba que presenciara a multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes, que, diante desse fato, qualificado de "milagre", dissera: "Este é verdadeiramente o profeta que tinha de vir ao mundo", ao verificar que Jesus passara para o outro lado do mar, sem que nenhuma barca houvesse na qual pudesse ter feito a travessia, suspeitando que um novo "milagre" se operara, perguntou-lhe "Quando chegaste aqui?"
Jesus se absteve de responder a essa interrogação, de tornar conhecido o fato de haver caminhado por sobre o mar. Esse fato, que mais tarde se divulgaria, se naquele momento se espalhara, teria impressionado fortemente a multidão e despertado nela a idéia de se apoderar dele para fazê-lo rei.
Sua missão tinha que ser cumprida, seguindo o seu curso natural.
Ele se vale então do fato da multiplicação dos pães e dos peixes para, ao mesmo tempo, fazer a revelação velada da sua origem e de sua missão e dar um ensinamento, revelação e ensinamento que só haviam de ser explicados, em espírito e verdade, na época atual, pela nova revelação, quando os homens se acham em vias de ser preparados para a suportar e compreender. Assim é que afirmou serem extra-humanas a sua natureza e a sua origem, afirmando consistir a sua missão em prover, não só ao alimento do corpo, mas sobretudo ao da alma por meio do "verdadeiro pão do céu", do "pão de Deus", do "pão de vida", que multiplica para os que nele crêem, isto é, para os que se esforçam por trilhar as suas sendas.
Dizendo que "nele, o filho do homem, foi que o pai, que é Deus, imprimiu seu selo", dizendo 278
que "pão de Deus é aquele que desceu do céu e que dá a vida ao mundo", Jesus afirma serem extra-humanas sua natureza e sua origem, indica qual a sua missão e os poderes de que se acha investido como fundador, protetor e governador do planeta terreno.
Nele, o filho do homem, imprimiu Deus o seu selo, porquanto ele, por sua natureza, é a imagem da substância de Deus. Traz o selo divino porque, sob aquela aparente corporeidade humana, ele é, ao mesmo tempo, inteligência, pensamento e fluido, o que quer dizer — um puro Espírito, revestido de um corpo fluídico tangível, para ser visível aos homens.
Pois que descera do céu, era, como já o temos explicado, o homem celeste, revestido de um corpo celeste, isto é, de um corpo, por sua natureza, fluídico.
Dá a vida ao mundo.
Como enviado, Jesus, pelo desempenho da sua missão terrena, deu vida ao mundo, por isso que estabeleceu as bases, os elementos e os meios da regeneração humana. Continua a dar vida ao mundo, visto que, concluída a sua missão terrena, prosseguiu e prossegue, do alto dos esplendores celestes, nessa obra de regeneração que a revelação nova do Espírito da Verdade vem impulsionar e executar, na era que diante de vós se abre.
Como fundador do planeta terrestre, deu vida ao mundo e, como seu protetor e governador, continua a dar-lha, visto que, depois de haver presidido à formação desse planeta, dirigiu e dirige o seu desenvolvimento e o seu progresso.
DESCI do céu, NÃO para fazer a minha vontade, MAS a daquele que me enviou. 279
Por essas palavras, Jesus declara a sua dependência e a sua inferioridade com relação a Deus e declara nada fazer senão de acordo com as inspirações que recebe diretamente de Deus, de acordo com a sua vontade.
(Vv. 28 e 29.) O que os homens devem fazer "para obrarem as obras de Deus" é amar a Deus acima de tudo e amar o próximo como a si mesmos. Obra de Deus é crer em Jesus, é caminhar nas suas sendas e aquele que pelas sendas de Jesus caminha pratica esse duplo amor.
(Vv. 32, 33, 34 e 35.) O verdadeiro pão do céu, que o pai dá aos homens, o "pão de Deus", o "pão de vida", que Jesus personifica, é a sua moral, é a doutrina que ele pregou e exemplificou, doutrina que, disse-o, não é sua, mas daquele que o enviou.
São também suas estas proposições: "O espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida."
Aquele que vai a Jesus, que nele crê, isto é, que se esforça por andar nas suas trilhas, por pôr em prática sua moral, seus ensinos, seus exemplos, jamais terá fome, jamais terá sede das coisas da matéria. Saberá dominá-las pelo Espírito e fará delas instrumento e meio de caridade, de amor, de progresso pessoal e de progresso coletivo, assim de ordem material, como de ordem moral e intelectual.
Mas, disse Jesus aos Judeus, vós me haveis visto e não credes.
Haveis visto as minhas obras e não credes na minha missão, na minha palavra.
Vv. 39 e 40. A vontade de meu pai, que me enviou, é que eu não perca nenhum dos que ele me há dado; que, ao contrário, os ressuscite a todos no último dia. — A vontade de meu pai, que me enviou, 280
é que todo aquele que vê o filho e nele crê tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.
Por estas palavras: "que eu os ressuscite a todos no último dia —, e eu o ressuscitarei no último dia", Jesus se refere ao termo das encarnações materiais. Submetido à encarnação material, não está "morto" o Espírito, do ponto de vista da vida espírita? Os esforços empregados para levá-lo à perfeição não o levarão à ressurreição no último dia, isto é, quando haja alcançado um grau de pureza que o livrará do contacto do corpo material?
Ao proferir aquelas palavras, Jesus num só pensamento envolvia o presente, a época em que falava, e o futuro; referia-se aos que o escutavam e às gerações vindouras.
Consideradas com relação àquela época, significam que, de conformidade com a vontade do pai, ele não perderia nenhum dos que o pai lhe dera, isto é: com olhar vigilante acompanharia, ajudando-os a avançar, todos os que haviam pedido para agrupar-se ao seu derredor, como discípulos, durante a sua missão terrena; todos os que, dóceis às advertências, aos conselhos de seus guias, haviam pedido, por devotamento, uma missão, uma tarefa qualquer que, estando na medida de suas forças, lhes seria possível desempenhar; todos os que, tendo-lhe escutado a voz, o seguissem, ele os ressuscitaria, libertando-os da encarnação material, desde que houvessem atingido o necessário grau de purificação.
Consideradas com relação ao futuro, tais palavras significam que todos quantos, sejam eles quais forem, vêem a Jesus nas obras que o personificam e nele crêem, pondo em prática sua moral, seus ensinos e exemplos, terão a vida eterna, isto é, chegarão, de progresso em progresso, de ascensão em ascensão, à perfeição, à vida dos 281
puros Espíritos, que é a vida eterna do Espírito. E Jesus os ressuscitará no último dia: — libertá-los-á da encarnação material, desde que tenham alcançado o necessário grau de purificação.
(V. 37.) Jesus não lança fora os que venham a ele. Quer dizer: não expulsa para mundos inferiores os que enveredam pelo caminho da prática da sua moral. Não expulsará para esses mundos, na época da depuração do vosso planeta, da separação do joio e do trigo, os que então já tiverem entrado e caminharem pela via do progresso.
Contudo, os Espíritos culpados e endurecidos que, nessa época, forem expulsos do planeta terreno, não serão "réprobos". Tendo sido "chamados", como os outros, eles, nesse momento, não serão escolhidos, mas estão destinados a sê-lo. Com o exílio para mundos inferiores, abre-se-lhes a estrada da expiação, da reparação e do progresso, pela qual também chegarão a "ressurgir no último dia" e a alcançar "a vida eterna". 282
CAPÍTULO VI Vv. 41-51
Murmurações dos Judeus contra o que Jesus acabava de dizer. — Palavras veladas de Jesus. — Nenhum homem jamais viu a Deus, exceto aquele que nasceu de Deus. — Ninguém pode vir a Jesus, se não for atraído pelo pai que o enviou. — O que nele crê tem a vida eterna. — Ele é o pão que desceu do céu. — Ele é o pão vivo que desceu cio céu
V. 41. Os Judeus se puseram a murmurar dele por haver dito: Eu sou o pão vivo, que desci do céu. — 42. E diziam: Este não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como é então que ele diz: Desci do céu? — 43. Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós. — 44. Ninguém pode vir a mim, se meu pai, que me enviou, o não atrair; e eu o ressuscitarei no último dia. — 45. Escrito está nos profetas: Serão todos ensinados por Deus. Todos aqueles, que do pai têm ouvido a voz e aprendido dele, vêm a mim. — 46. Não é que alguém tenha visto o pai, pois só aquele que nasceu de Deus tem visto o pai. — 47 Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que crê em mim tem a vida eterna. — 48. Eu sou o pão de vida. — 49. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. — 50. Aqui está, porém, o pão que desceu do céu, a fim de que todo o que dele comer não morra. — 51. Eu sou o pão vivo que desci do céu.
N. 21. Aqui se vos deparam um exemplo e uma aplicação do que já dissemos: que mesmo aqueles que presenciaram a aparição de Jesus na Terra e o desempenho de sua missão não podiam e não deviam compreender uma e outra coisa; que só nos dias de hoje a nova revelação as havia de 283
explicar segundo o espírito, pois que a cada época não pode ser e não é dado senão o que ela comporte; que, durante a sua missão terrena, Jesus tinha que ser e foi considerado pelos homens como um homem igual aos outros, como filho de José e de Maria.
Estas palavras: "Sou o pão vivo que desci do céu" chocaram os Judeus, muito embora não as compreendessem. Vislumbraram nelas confusamente a afirmação de uma origem celeste, extra-humana. Daí o murmurarem e dizerem: "Este não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos?"
Era mister que Jesus se abstivesse de responder a essa interrogação, porquanto a revelação, intencionalmente velada, que o anjo ou Espírito enviado fizera a Maria e a José, tinha, como sabeis, que se conservar secreta, enquanto durasse a missão terrena do Mestre, e tinha que ficar incompreendida, mesmo depois de divulgada. À futura revelação do Espírito da Verdade estava reservado responder, nos tempos atuais, segundo o espírito que vivifica, a tal pergunta, explicando aquela revelação quando os homens houvessem entrado nos caminhos por onde chegariam à condição de a suportar e compreender.
Jesus não responde à observação dos Judeus; limita-se a lhes dizer: "Não murmureis entre vós."
Diante das murmurações que suas palavras ocasionaram, repete o que acabara de dizer, fortalecendo suas afirmações com o lhes dar aspectos novos que, também, serviam para aquele momento e para o futuro e estabeleciam as bases, os elementos e os meios convenientes à nova revelação.
As palavras que Jesus acabara de dizer e repete são estas do v. 44: "E eu o ressuscitarei no último dia" e mais as dos vv. 47, 48, 49, 50 e 51. 284
As explicações que já demos em o n. 20 vos colocam em condições de compreendê-las.
Cingimo-nos, pois, a chamar vossa atenção para estas do v. 49:
Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram.
Os Espíritos encarnados, que comeram o maná no deserto, eram atrasados, ignorantes e materiais. Precisando ainda purificar-se no cadinho da reencarnação material, foram lançados nele.
Aqui está, porém, o pão que desceu do céu, a fim de que todo o que dele comer não morra.
"Aqui está, porém, a moral que eu personifico, que tem de regenerar os homens e que lhes trago eu que entre vós apareci vindo das regiões celestiais, a fim de que todos os que a pratiquem e sigam meus passos cheguem a libertar-se da encarnação material, alcancem a perfeição e, por conseguinte, não morram."
V. 44. Ninguém pode vir a mim, se meu pai, que me enviou, o não atrair.
Segundo o espírito, estas palavras foram ditas para assinalar a. ação dos Espíritos junto dos homens e lhes fazer compreender que só os encarnados que atendem às inspirações dos bons Espíritos, que lhes são dóceis, podem ir a Jesus, enveredar pelas suas sendas e caminhar para ele, empregando esforços sérios e contínuos por praticar sua moral, seus ensinos e exemplos.
Não imagineis que Deus seja um centro espiritual e fluídico que atraia a si diretamente qualquer Espírito. Se assim fora, todos os Espíritos teriam que ser igualmente atraídos e não é o que se dá. O Senhor nenhuma determinada ação 285
atrativa exerce senão sobre os Espíritos que se purificaram bastante para poderem senti-la e a ela se submeterem. Somente sobre os Espíritos purificados essa ação é direta. Sobre os demais, sobre os encarnados, é indireta, exercendo-se por intermédio dos Espíritos superiores ou dos bons Espíritos, conforme ao grau de elevação daqueles.
Sobre o homem, a ação atrativa de Deus não se pode fazer sentir, senão em se tratando de um Espírito que já tenha alcançado um grau de purificação que lhe permita assimilar, de certo modo, alguns dos eflúvios divinos. Quanto aos Espíritos inferiores, esses, sem dúvida alguma, lá chegarão a seu tempo pela intervenção dos bons Espíritos que os guiam e impelem para diante. Mas, as palavras de Jesus, naquele momento, se dirigiam aos que o cercavam, sem o que, houvera dito: "não poderá vir a mim", em vez de: "não pode". Isso claramente indica que se referia aos graus de adiantamento dos Espíritos encarnados que o rodeavam. Da diversidade desses graus é que se originava o fato de uns o seguirem e de outros o perseguirem.
Disse ele: "Se meu pai o não atrair." Não sendo oportuno revelar a escala espírita, não tinha meio de fazer derivar a ação atrativa, senão do seu ponto originário — o pai, Deus. Demais, falando assim, se exprimia de maneira, a ser compreendido e, principalmente, atendido pelos Judeus, visto que, para estes, segundo suas idéias, seus preconceitos e tradições, Deus se entretinha diretamente com os homens, se comunicava diretamente com eles, exercia, portanto, sobre eles uma ação direta.
V. 45. Escrito está nos profetas: Serão todos ensinados de Deus. Todos aqueles que do pai têm ouvido a voz e aprendido dele vêm a mim. 286
Segundo o espírito que vivifica, o sentido destas palavras do Mestre é idêntico ao das do v. 44 e decorre do que acabamos de dizer sobre estas.
O Espírito em via de progredir e de purificar-se experimenta de modo mais direto a impulsão que lhe dão os bons Espíritos, mais diretamente recebe a inspiração, que tem no Senhor a sua fonte de origem. Acha-se, portanto, disposto a escutar aquele que o Senhor enviou.
Está escrito nos profetas: Serão todos ensinados de Deus. Sê-lo-ão pelo órgão de seus enviados, de seus missionários, encarnados e erráticos, e pela inspiração dos bons Espíritos. Assim, todos os que agasalharam essa inspiração, que é "a voz do pai" a se fazer ouvir no íntimo de cada um; todos os que dele receberam o ensino por intermédio de seus missionários, de seus enviados, todos esses estão dispostos a escutar e seguir a Jesus.
V. 46. Não é que alguém tenha visto o pai, pois só aquele que nasceu de Deus tem visto o pai.
Segundo o espírito, oculto pelo véu da letra, estas palavras de Jesus tiveram por fim fazer sentir que o homem de então, o Espírito que então sofria a encarnação material, como o homem de hoje, como qualquer encarnado na Terra, não podia e não pode estar em relação direta com Deus; que ele, Jesus, puro Espírito, é o único, em face do vosso planeta e da humanidade terrena, que está em relação direta com o pai, que deste recebe a inspiração.
Ao dizer, falando de si: "Aquele que nasceu de Deus", bem como ao dizer "que desci do céu", Jesus reafirma sua origem extra-humana. 287
CAPÍTULO VI Vv. 52-59
A moral que Jesus personifica é figuradamente o pão vivo, sua carne e seu sangue. — Aquele que a pratica tem a vida eterna, isto é, chega à perfeição
V. 52. Aquele que comer deste pão viverá eternamente; e o pão que eu darei é a minha carne, que tenho de dar pela vida do mundo. — 53. Os Judeus disputavam entre si, dizendo: Como pode ele dar a sua carne para ser comida? — 54. Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. — 55. O que come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. — 56. Porque, minha carne é verdadeiramente uma comida e meu sangue verdadeiramente uma bebida. — 57. Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e eu nele. — 58. Assim como o pai, que me enviou, vive e eu vivo por meu pai, assim aquele que me come também viverá por mim. — 59. Aqui está o pão que desceu do céu; não é como o maná que vossos pais comeram, os quais, não obstante, morreram. Aquele que come este pão viverá eternamente.
N. 22. Não vos apegueis à letra, como fizeram os chefes da Igreja. Aqui, como em quase todos os pontos dos Evangelhos, a letra das palavras de Jesus é um envoltório que cobre o espírito.
Todas as que constam destes versículos são figuradas. São de ordem espiritual todos os pensamentos a que elas servem de vestidura. Jesus alude à moral que ele viera ensinar. Essa a sua carne, esse o seu sangue, porquanto ele era a pureza mesma praticando em toda a sua extensão o preceito de amor que descera a pregar. 288
Ora, os que se nutrem desse amor, figuradamente se alimentam da carne e do sangue daquele que é todo amor. Esse alimento não perece, nem o que dele usa, pois que, ao contrário, o fortifica e fará viver eternamente na glória do Senhor.
É incrível que homens sensatos, instruídos, tenham errado ao ponto de assimilarem a essência espiritual do Cristo salvador a um alimento sujeito em parte às macerações do estômago e suscetível de ser carreado pela digestão! Pobre humanidade!
Acerca do dogma humano da presença real, material, da transubstanciação, já recebestes todas as explicações necessárias. Não tendes mais do que vos reportardes a elas (3º tomo, ns. 286 e 287, págs. 396-404).
Os que o proclamaram teriam evitado tão grosseiro erro, oriundo da letra, e teriam compreendido, segundo o espírito que vivifica, em espírito e verdade, as palavras de Jesus, se houvessem meditado proveitosamente sobre as seguintes, que o Mestre dirigiu a seus discípulos por ocasião da Ceia: "Fazei isto em minha memória" e sobre as que daqui a pouco apreciaremos, também dirigidas aos discípulos, em conseqüência dos murmúrios que no meio deles se levantaram, motivados precisamente pelas que estamos considerando neste momento. Essas outras palavras são: "O espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida."
Sim, só come o pão vivo, só come a carne e bebe o sangue de Jesus, consubstanciados na moral que ele veio pregar pelos seus ensinos e exemplos, aquele que a pratica, aquele, pois, que pratica a fraternidade humana. Só esse tem a vida eterna, porque avança pela senda do progresso, certo de que, perseverando, chegará à per- 289
feição, à vida dos puros Espíritos. E Jesus "o ressuscitará no último dia": libertá-lo-á das encarnações materiais, no dia em que houver alcançado um grau de purificação que o isente do contacto do corpo material. A moral de Jesus é verdadeiramente um alimento e é verdadeiramente uma bebida para o Espírito que, praticando-a, se nutre de amor, se dessedenta na fonte das verdades eternas e, assim, progride e se purifica.
Sim, só aquele que pratica a moral que Jesus veio pregar fica em Jesus e Jesus fica nele. O princípio de amor os une e coloca sob o pálio de um mesmo pensamento. Assim como Deus, que enviou Jesus à Terra em missão, tem toda existência em si desde toda a eternidade e assim como Jesus, essência pura, vive pelo pai, por se achar em relação direta com a essência divina, também aquele que pratica a moral de Jesus viverá por ele, visto que som ele se achará em relação direta, quando houver alcançado o necessário grau de purificação. Viverá eternamente: chegará à perfeição, à vida dos puros Espíritos.
Se o homem não praticar a moral de Jesus, não terá em si a vida. Quer dizer: não progredirá, não se purificará, permanecerá estacionário, porquanto a vida, para o Espírito, é o progresso, a purificação. Continuará sujeito à encarnação material expiatória. 290
CAPÍTULO Vl Vv. 60-72
Murmurações e deserção de alguns dos discípulos de Jesus, motivadas pelo que ele acabava de dizer. — Palavras de Jesus a Pedro. — Resposta de Pedro. — Palavras de Jesus referentes a Judas lscariotes
V. 60. Estas coisas disse-as Jesus ensinando na sinagoga de Cafarnaum. — 61. Muitos de seus discípulos, ouvindo-as, disseram: É duro este discurso, quem o pode ouvir? — 62. Conhecendo, porém, Jesus, em si mesmo, que seus discípulos murmuravam do que ele dissera, perguntou-lhes: Isto vos escandaliza? — 63. Que será então se virdes o filho do homem subir para onde estava antes. — 64. O espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são espírito e vida. — 65. Mas, alguns há, dentre vós, que não crêem. Porque, desde o princípio, Jesus sabia quais os que não criam e qual o que o trairia. — 66. Continuou, pois: É por isso que vos tenho dito que ninguém pode vir a mim, se lhe não for concedido por meu pai. — 67. Desde então muitos de seus discípulos voltaram atrás e deixaram de o acompanhar. — 68. A vista do que, perguntou Jesus aos doze: E vós, não quereis também retirar-vos? — 69. Respondeu Simão Pedro: Senhor, para quem havemos de ir? Tu tens as palavras da vida eterna. — 70. Nós cremos e conhecemos que és o Cristo filho de Deus. 71. Replicou-lhes Jesus: Não vos escolhi em número de doze? Entretanto, um de vós é um demônio. — 72. Isto dizia ele de Judas Iscariotes, filho de Simão, pois esse era o que o havia de trair, se bem fosse um dos doze.
N. 23. Alguns dos que ouviam a prédica de Jesus fizeram o que mais tarde fez a Igreja: tomaram-lhe as palavras ao pé da letra.
Com relação ao que ele disse a respeito de 291
Judas, já vos explicamos, nos comentários aos três primeiros Evangelhos (3° tomo, n. 284, páginas 389-394), que as palavras do Mestre, referentes a esse discípulo, de nenhum modo significavam ter sido ele objeto de uma predestinação, nem de uma condenação prévia. Proferindo-as, Jesus apenas mostrou que previa o desfalecimento daquele que tomara sobre os ombros tarefa superior às suas forças.
A expressão "demônio", de que usou Jesus, não tem a significação que lhe emprestou a Igreja, interpretando-a mal. Ele a empregou no sentido de "Espírito mau". Assim o qualificou por saber que Judas era um Espírito orgulhoso, que se encarregara de tarefa superior às suas forças, por ambição e não impelido pelo sentimento puro e desinteressado do devotamento. Já se vos tem dito várias vezes que o orgulho e o desejo de chegar depressa, a ambição, enfim, eram os sentimentos que o moviam.
Como sabeis, esse "demônio" é hoje um Espírito purificado, que se tornou um dos discípulos fiéis de Jesus, um de seus dedicados auxiliares na obra da regeneração humana.
Que será, então, se virdes o filho do homem SUBIR para onde ESTAVA antes?
Fazendo essa observação a seus discípulos, por estarem murmurando do que acabava ele de dizer, Jesus alude ao fato, então vindouro, da. sua chamada "ascensão", atrai para esse fato a atenção dos discípulos e sobretudo dos apóstolos e mais uma vez afirma serem extra-humanas a sua natureza e sua origem. Não tendo sofrido a encarnação humana, ele habitava as regiões etéreas e para lá voltaria, terminada a sua missão. Já mostramos, comentando os três primeiros Evangelhos, ser absolutamente inadmissível a suposição de haver Jesus sofrido encarnação material 292
qual a sofreis, de haver sofrido morte real, humana, de haver feito aparições e depois ascendido ao espaço como qualquer Espírito que, por efeito da morte, abandonou seu corpo reduzido ao estado de cadáver.
Insistimos nisso. Para admitir-se que tal tenha sido a realidade, preciso é se admita igualmente que os discípulos de Jesus fossem velhacos ou bastante insensatos, ao ponto de sacrificarem suas vidas pelos devaneios de um que sabiam ser impostor. Sim, Jesus não podia ser para seus discípulos senão um impostor, desde que estes se tivessem visto obrigados a fazer que o corpo do Mestre desaparecesse, a fim de acreditarem, sem dúvida eles mesmos, na veracidade do que ele lhes dissera. Semelhante aberração se compreende? A fé viva, ardente, dos apóstolos não se explica muito mais racionalmente pelo fato de se ter realizado a "ressurreição" que lhes fora prometida?
Perde-se nas trevas da profundeza aquele que se abalança a sondar demais. Aquele que não se decide a passar da superfície, esse se agarra às asperezas do terreno e nelas rasga as carnes.
Os homens só não compreendem, só não querem admitir a encarnação fluídica de Jesus, única que poderia tolerar um Espírito da natureza do seu, por se acharem demasiadamente presos à matéria. Que esperem um pouco e, desenvolvendo-se-lhes a inteligência, poderão estudar mais seriamente e, sobretudo, com mais segurança. Compreenderão, então, a razão de ser e a necessidade desse fato, que agora lhes parece impossível e inútil, e se humilharão, percebendo claramente, de um lado, a ignorância orgulhosa em que se achavam imersos e, de outro, a bondade extrema do Senhor.
O espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo SÃO espírito e vida. 293
Facilmente compreensível vos devem ser o sentido, em espírito e verdade, destas palavras, o objeto que tiveram e o fim com que as pronunciou Jesus.
Foram ditas com o objetivo de fazer compreendessem os homens que não deviam tomar e entender segundo a letra, mas segundo o espírito, as que ele acabava de proferir num sentido figurado e exprimindo pensamentos todos de ordem espiritual. Isso, porém, o espírito humano não havia de perceber e explicar, senão mediante a nova revelação.
O espírito é que vivifica, por ser a causa, a fonte da vida, da inteligência humana. A carne de nada serve, porque, em si mesma, não passa de matéria inerte; porque não é, para o Espírito no estado de encarnação humana, mais do que o meio material de que se serve para as manifestações da vida, da inteligência. As palavras de Jesus são espírito e vida, porque provêm de uma essência espiritual perfeita, não obumbrada pela carne material e perecível.
Resta-nos explicar estas outras palavras do Mestre:
V. 65. Mas, alguns há, dentre vós, que não crêem. — Eis porque vos tenho dito que ninguém pode vir a mim, se lhe não for concedido por meu pai. É que (disse o evangelista, debaixo da influência espírita, da inspiração mediúnica) Jesus sabia, desde o princípio, quais os que não criam e qual o que o trairia.
Em pedindo o Espírito uma missão qualquer, Deus lha concede, embora preveja os resultados que daí advirão. Ora, a missão concedida aos apóstolos tinha que dar frutos de amor e de fé. A de Judas e as de tantos outros, que se acercaram de Jesus como discípulos, haviam de dar maus frutos ou de permanecer estéreis, porque os Espíritos que as tomaram, só o tendo feito pelo 294
desejo de chegarem mais depressa, ou por orgulho, não conseguiriam realizar o seu intento.
A onisciência do Senhor lhe patenteia previamente todos os resultados, mas o Espírito goza sempre do livre-arbítrio, quer depois de encarnar, quer antes. Conforme já tivemos ocasião de dizer, ao Espírito são sempre mostrados todos os êxitos, bons e maus, com que pode contar nas provas que solicita. Seus guias o previnem mesmo das conseqüências que elas terão. Fica-lhe a ele o decidir tentá-las ou não.
Em relação direta com Deus, participando, sob esse aspecto, da onisciência divina, Jesus tinha a presciência dos acontecimentos, sabia desde o princípio, isto é, desde que os Espíritos pediam as missões ou provas que desejavam, quais os que produziriam frutos de amor e de fé, por terem solicitado encargos cujo desempenho suas forças comportavam, quais, portanto, os "a quem o pai concedera ir a ele". Eram os que haviam pedido e obtido missões e provas de acordo com as advertências, com os conselhos de seus guias. Do mesmo modo sabia quais os "a quem o pai não concedera ir a ele", isto é, os que, tendo pedido e obtido, contrariamente aos avisos e conselhos de seus guias, missão ou prova acima de suas capacidades, movidos pelo desejo de chegar mais depressa ou por orgulho e fiando-se demasiado em suas próprias forças, não alcançariam a meta.
Segundo o que acabamos de dizer é que se explicam: a deserção de muitos dos discípulos que o acompanhavam, a presciência que o Mestre tinha dessa deserção, da traição futura de Judas, da fidelidade dos outros apóstolos e do desempenho que dariam às suas missões, por maneira que produzissem os frutos que deviam produzir. 295
CAPÍTULO VII Vv. 1-9
Incredulidade dos parentes de Jesus. — Seu tempo ainda não chegara
V. 1. Depois disso, andava Jesus pela Galiléia, pois não queria andar pela Judéia, porque os Judeus procuravam matá-lo. — 2. Mas, como estivesse próxima a festa dos Judeus, chamada dos Tabernáculos, — 3, seus irmãos lhe disseram: Sai daqui e vai para a Judéia, a fim de que teus discípulos também vejam as obras que fazes. — 4. Porque, ninguém obra em segredo quando quer ser conhecido em público. Já que fazes estas coisas, manifesta-as ao mundo. — 5. Isto diziam seus irmãos porque não criam nele. — 6. Disse-lhes então Jesus: Ainda não é chegado o meu tempo; o vosso, porém, está sempre pronto. — 7. O mundo não vos poderia odiar, mas a mim me odeia, pois que dele dou testemunho, de que são más suas obras. — 8. Subi vós outros a essa festa; eu a ela ainda não vou, porque o meu tempo ainda não está cumprido. — 9. Tendo dito isto ficou na Galiléia.
N. 24. Estes versículos se compreendem perfeitamente.
No 2º tomo, págs. 311-315, explicamos quais eram os parentes de Jesus apelidados de seus irmãos.
Diz o evangelista que estes não criam nele. Os parentes de Jesus eram desses Espíritos que, materializados pelo invólucro de carne, precisam tocar e ver para crer, mas que, ainda assim, nem sempre se reportam ao que seus próprios sentidos testificam. Pertenciam à categoria dos que se haviam reunido em torno de Jesus para servirem à obra que este viera executar, porém que adormeceram na matéria. 296
Dizendo-lhes: "Meu tempo ainda não é chegado; — eu a ela (à festa) ainda não vou, porque o meu tempo ainda não está cumprido", Jesus alude à época em que pregaria e obraria abertamente, de modo a se verificarem os acontecimentos que haviam de ocorrer. 297
CAPÍTULO VII Vv. 10-53
Jesus vai secretamente à festa dos Tabernáculos. Lá ensina publicamente. — Palavras suas e dos Judeus acerca da sua origem e da sua missão. — Ninguém lhe põe a mão, porque ainda não chegara a sua hora. — Tentativa infrutífera dos príncipes dos sacerdotes para conseguirem fosse Jesus preso pelos archeiros que eles mandaram ao templo para esse fim. — Palavras dos Fariseus aos archeiros. — Nicodemos toma a defesa de Jesus
N. 25. As explicações aqui têm que ser dadas segundo a ordem das idéias e dos fatos. Dividamos, pois, o trecho.
V. 10. Porém, depois de terem seus irmãos subido para a festa, subiu ele também, não publicamente, mas como se quisera ocultar-se. — 11. Os Judeus, procurando-o na festa, inquiriam: Onde está ele? — 12. Muitos eram os murmúrios que corriam entre o povo a seu respeito. Diziam uns: Ele é bom. Outros, porém, diziam: Não; antes engana o povo. — 13. Ninguém, todavia, ousava falar dele abertamente, por medo dos Judeus. — 14. Ora, indo a festa já em meio, Jesus subiu ao templo e se pôs a ensinar.
Deveis compreender com que fim procedeu Jesus daquele modo. Subir a Jerusalém com todos os que para lá se dirigiam fora despertar, antecipadamente, a atenção pública e dispor os escribas, os fariseus e os príncipes da Igreja a se prepararem para afrontá-lo.
Esperou, pois, que todos se achassem reunidos no templo para lá surgir e lançar seus en- 298
sinos à turba influenciada por impressões diversas, oriundas dos murmúrios que a sua notada ausência provocara.
V. 15. Maravilhados, diziam os Judeus: Como sabe este homem as letras sagradas, sem as ter estudado? — 16. Jesus lhes respondeu: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. — 17. Aquele que se dispuser a fazer a vontade de Deus reconhecerá se a minha doutrina é dele, ou se falo por mim mesmo. — 18. O que fala por si mesmo busca sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça. — 19. Não vos deu Moisés a lei? Entretanto, nenhum de vós cumpre a lei.
O espanto dos Judeus ao ouvirem os ensinos de Jesus e isto que disseram: "Como sabe este homem as letras sagradas (as Escrituras) sem as ter estudado?" devem prender-vos a atenção.
Os Judeus, efetivamente estavam muito bem certos de que Jesus não estudara. Como era então que sabia as Escrituras?
Que Espírito, sofrendo a encarnação material humana, pôde jamais, ou pode, saber as Escrituras, sem que as tenha estudado?
A resposta de Jesus, evasiva segundo a letra, resolve a questão, desde que seja entendida segundo o espírito: "A minha doutrina (a doutrina que prego) não é minha, mas daquele que me enviou." Atesta, dessa forma, que sabe tudo o que dizem as Escrituras, sem as ter estudado; que sabe tudo o que ensina, por estar em relação direta com aquele que o enviou; que a sua ciência e, por conseguinte, sua natureza e sua origem são extra-humanas, não lhe vêm dos homens.
Concita os Judeus a refletirem sobre o que diz e ensina, reportando-se ao que o homem deve fazer, segundo a lei que Moisés lhes outorgou, para obrar de acordo com a vontade de Deus 299
cumprindo essa lei. Concita-os a que, comparando, reconheçam que a sua doutrina é de origem divina; que ele é o órgão direto do Senhor; que não busca a vaidade das glórias humanas, mas a glória daquele que o enviou; que suas palavras são palavras de justiça, de amor e de verdade; que ele é delas a personificação mesma.
Moisés, diz o Mestre, vos deu a lei e, entretanto, nenhum de vós a cumpre. A lei estava no Decálogo, no amor a Deus acima de todas as coisas, no amor ao próximo como a si mesmo, proclamados no Levítico e no Deuteronômio. E nenhum dos que o ouviam cumpria a lei.
V. 20. Porque procurais matar-me? — Respondeu o povo: Estás possesso do demônio; quem é que procura matar-te? — 21. Replicou Jesus: Porque fiz uma obra em dia de sábado, todos vos mostrais admirados. — 22. No entanto, por vos haver Moisés dado a lei da circuncisão (muito embora esta não venha de Moisés, mas dos patriarcas), mesmo no sábado circuncidais, em obediência a essa lei. — 23. Ora, se, para não ser violada a lei de Moisés, pratica um homem a circuncisão em dia de sábado, porque vos indignais contra mim por haver, em dia de sábado, tornado inteiramente são um homem?! — 24. Não julgueis pela aparência, julgai segundo a reta justiça.
Do ponto de vista do ensino que, proferindo-as, dava Jesus sobre o sábado e o modo de santificar-se esse dia, já vos foi explicado o objetivo dessas palavras. (Ns. 155-156, págs. 259-263, 2° tomo.)
A cura a que o Mestre alude é a do paralítico, realizada em dia de sábado, cura que também já vos explicamos. (N. 157, págs. 265-267, 2° tomo.)
A circuncisão era um uso seguido pelos patriarcas, mas voluntariamente, como medida de precaução. Moisés a tornou obrigatória, fazendo de sua prática uma lei religiosa. 300
"Não julgueis, diz Jesus aos Judeus, pela aparência, julgai segundo a reta justiça". Na acusação, que lhe lançavam, de ter violado o sábado, porque praticara uma boa obra, havia apenas aparência de respeito à lei. Para os Judeus havia aparência de violação, porque houvera ato e todo ato era proibido no sábado. Mas, a justiça reta forçosamente reconheceria não haver dia algum interdito à prática do bem e que, se algum houvesse, não poderia ser o dia consagrado ao Senhor.
Acusar um homem de violar o sábado, quando nesse dia pratica uma boa obra, não é observar a lei.
De um ponto de vista mais geral, aquelas palavras, segundo o pensamento de Jesus, encerravam o seguinte ensinamento aos homens:
"Não vos deixeis transviar pela letra; rejeitai todas as interpretações literais, que o espírito condena, conformemente à justiça.
"Sede sempre justos com os vossos irmãos, rejubilando-vos sempre, cheio o coração de sinceridade, com as boas obras que eles pratiquem e desprendei-vos de todo formalismo, de todo espírito de seita que vos possam entibiar na prática da justiça, e da caridade para com todos, ou que sejam obstáculo ao cumprimento da lei de amor, lei que, pela fraternidade, há de levar os homens à unidade.
V. 25. Então, alguns, que eram de Jerusalém, começaram a dizer: Este não é o que eles procuram matar? — 26. Eis, porém, que fala publicamente sem que lhe digam coisa alguma. Dar-se-á que os senadores hajam reconhecido que verdadeiramente ele é o Cristo? — 27. Mas, nós sabemos donde este é; ao passo que, quando vier o Cristo, ninguém saberá donde ele é.
Tendes aqui mais um testemunho da origem de Jesus e do erro em que caíram os Judeus, atri- 301
38 Estas palavras foram mediunicamente ditadas em dezembro de 1864.
buindo uma missão humana ao Messias que esperavam. Efetivamente, contavam eles que o Messias sairia da descendência de David. Logo, não deveriam esperar que surgisse no meio deles, humanamente, sem que se soubesse donde vinha. Entretanto, assim era.
Por efeito das interpretações humanas a que dera lugar, a predição relativa ao Messias tivera como conseqüência, como resultado, a crença expressa nesta frase: "Quando o Cristo vier, ninguém saberá donde ele é." A contradição que assim se patenteia não existiria, desde que houvessem aplicado essa dedução à origem espiritual extra-humana, de Jesus, como de fato se aplica inteiramente.
V. 28. Jesus, todavia, continuava a ensinar no templo, em alta voz dizendo: Vós outros me conheceis e sabeis donde eu sou; não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou e que vós não conheceis é verdadeiro. — 29. Eu o conheço porque dele nasci e ele me enviou.
Os Judeus conheciam a Jesus do ponto de vista da aparência humana. Todos sabiam qual a sua residência material. Ignoravam, porém, que nada tendo de material a sua missão, imaterial era o seu princípio. Era imaterial relativamente aos homens, porque à sua encarnação nenhuma aplicação tiveram as leis de reprodução no planeta terreno. Este fato, contudo, não estava ao alcance dos homens daquela época e mesmo dos vossos contemporâneos será mal compreendido. 38
Pela sua natureza espiritual, só Jesus, entre os homens, podia conhecer aquele que o enviara. "Eu, disse ele, o conheço, porque dele nasci e porque ele me enviou."
Desse modo aludia à sua natureza extra-hu- 302
mana, à sua essência espiritual de enviado, as quais lhe permitiram ter, durante todo o curso da sua missão terrena, consciência exata da sua posição espírita, do conhecimento, que possuía, de Deus e da relação direta em que com este se achava e acha.
V. 30. Procuravam, pois, prendê-lo; mas, ninguém lhe deitou a mão, porque ainda não chegara a sua hora.
Não chegara ainda a hora do sacrifício. Por meio de ação magnética e por ato da sua vontade, Jesus atua sobre os que o cercam, afastando deles a idéia de o prenderem. Se já houvera chegado a hora, não se teria subtraído à perseguição dos que lhe queriam dar a morte.
Conheceis a ação da vontade do magnetizador humano sobre o homem. Deveis avaliar perfeitamente qual fosse a de Jesus, que possuía no máximo grau o poder magnético.
V. 31. Mas, muitos do povo creram nele e diziam: Quando vier, o Cristo fará mais milagres do que este faz? — 32. Ouvindo os fariseus o que a respeito dele murmurava a turba, juntamente com os príncipes dos sacerdotes mandaram quadrilheiros para o prenderem. — 33. Jesus lhes disse: Ainda por um pouco de tempo estou convosco; depois vou para aquele que me enviou. — 34. Procurar-me-eis e não me achareis e onde eu estou não podeis vir. — 35. Os Judeus então inquiriam uns aos outros: Para onde irá ele que o não poderemos achar? Irá para o meio dos Gentios que se encontram dispersos por todo o mundo? Irá instruir os Gentios? — 36. Que significa isso que nos acaba de dizer: Procurar-me-eis e não me achareis e não podeis vir onde estou?
Algumas das vossas traduções dizem: "não podeis vir onde eu estiver."
O texto original reza: "onde estou". Proferindo essas palavras, que só seriam compreendidas ao tempo da nova revelação, quando, em 303
espírito e verdade, fossem explicadas a sua origem e a sua natureza extra-humana, Jesus afirmava, sob o véu da letra, serem extra-humanas a natureza e a origem de seu corpo, que era, como sabeis, fluídico, perispirítico e tangível para ser percebido pelos olhares humanos. Revestido desse corpo, estava fora da humanidade, era sempre Espírito e, como Espírito, se achava sempre nas regiões etéreas.
Dizendo: "Não podeis vir onde estou", referia-se à encarnação humana dos Judeus, encarnação que os retinha na Terra, pois que eram da Terra. Essa encarnação, que Jesus não sofria, os impedia de acompanhá-lo às regiões etéreas onde, pela sua origem e natureza extra-humanas, se achava ele que, por isso, era do céu, tendo a faculdade de para lá voltar, quando lhe aprazia, tornando-se invisível aos olhares dos homens.
Referia-se também à sua volta definitiva para essas regiões etéreas quando, na época chamada da Ascensão, retomasse a natureza espiritual que lhe era própria. Nesse sentido, sim, seu pensamento pode ser assim traduzido: "Não podeis vir onde eu estarei." Este é um dos aspectos que apresenta o duplo sentido daquelas suas palavras.
Espíritos materiais, eles não compreenderam que, dizendo: "estou ainda convosco por um pouco de tempo; depois volto para meu pai", Jesus aludia ao que, para os homens, seria a sua morte, aludia, à sua "ressurreição" e ao seu regresso, na época da chamada Ascensão, à natureza espiritual que lhe era própria, afastando-se definitivamente da Terra.
V. 37. No último e maior dia da festa, Jesus, de pé, clamava: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. — 38. Do íntimo daquele que em mim crê manarão, como dizem as Escrituras, rios d'água viva. — 39. Isto disse ele referindo-se ao espírito que ha- 304
viam de receber os que nele cressem; pois o Espírito Santo ainda não fora dado, porque Jesus ainda não fora glorificado.
Era sempre figurada a linguagem do Mestre e todos de ordem espiritual seus pensamentos. Por meio de imagens materiais, atraía a atenção dos que o ouviam.
Como narrador, João assinala a interpretação que, de maneira especial, se devia dar às palavras de Jesus, indicando o pensamento que o Mestre assim expressara relativamente aos homens daquela época, para os quais apelava. Referia-se aos que, caminhando-lhe nas pegadas e fazendo frutificar a sua missão terrena, receberiam, de modo patente, como se deu com os apóstolos, ou de modo oculto, como sucedeu aos discípulos que a estes se juntaram, o "Espírito Santo", isto é, a assistência, o auxílio, o concurso dos Espíritos superiores, dos bons Espíritos.
Mas, aquelas palavras, em toda a extensão do pensamento do Mestre, alcançavam todos os tempos e todos os homens. Segundo o espírito que vivifica, exprimem o seguinte:
"Aquele que tiver sede de progresso e de purificação venha à fonte que eu personifico pela moral que tenho pregado e beba, a largos tragos, o amor e a caridade, água viva, pura e fresca que dessedenta a alma e dá a vida eterna.
"Aquele que seguir a moral que eu personifico pelos meus ensinamentos e exemplos, que caminhar pela estrada que tracei, produzirá, tendo no coração a sinceridade, boas obras em abundância, trabalhará com perseverança e ardor pelo seu progresso pessoal e pelo progresso coletivo de seus irmãos e será assistido, inspirado, auxiliado e sustentado, consciente ou inconscientemente, pelos bons Espíritos."
V. 40. Dentre o povo, então, alguns, tendo ouvido aquelas palavras, diziam: Este homem é realmente 305
um profeta. — 41. Outros diziam: Ë o Cristo. Outros, porém, diziam: Pois quê! da Galiléia é que há de vir o Cristo? — 42. Não diz a Escritura que o Cristo virá da raça de David e da cidadezinha de Belém, donde era David? — 43. Assim é que se produziu entre o povo dissensão a respeito dele. — 44. Alguns queriam prendê-lo, mas nenhum lhe pôs a mão. — 45. Voltaram então os quadrilheiros aos príncipes dos sacerdotes e aos fariseus e estes lhes perguntaram: Porque não o trouxestes? — 46. Responderam os quadrilheiros: Nunca nenhum homem falou como esse homem. — 47. Replicaram os fariseus: Dar-se-á que também vós estejais iludidos? — 48. Porventura algum dos senadores ou dos fariseus creu nele? — 49. Porque, quanto a essa populaça que não conhece a lei, isso é gente amaldiçoada por Deus.
As dissensões que, a propósito de Jesus, se produziram entre os Judeus, dividindo-os, mostram que a revelação feita pelo anjo a Maria e a José se conservara secreta, como era preciso que acontecesse, pelos motivos que já vos temos aduzido. Mostram também que o fato de ter sido em Belém que Jesus aparecera na Terra era ignorado da maioria dos Judeus, ou fora esquecido. Tudo tinha que concorrer para a realização da obra.
Quanto ao fato de haverem alguns querido prendê-lo, sem que, entretanto, alguém lhe pusesse a mão, e ao de regressarem os quadrilheiros sem o levarem preso, se explicam pelo que dissemos acerca do v. 30.
A linguagem de que usaram os fariseus falando aos quadrilheiros é a de que se servem sempre os chefes de seitas por ocasião do advento de uma revelação nova. Não é a de que se servem os fariseus dos tempos atuais?
V. 50. Nicodemos, que era do número deles, o mesmo que fora ter de noite com Jesus, interpelou-os assim: — 51. Porventura a nossa lei autoriza que se condene um homem sem primeiro o ouvir e inqui- 306
rir do que faz? — 52. Responderam-lhe os outros: Acaso és tu também Galileu? Examina atentamente as Escrituras e vê que da Galiléia não surge profeta! — 53. E cada um voltou para sua casa.
Os fariseus partilhavam da ignorância dos Judeus, relativamente ao lugar onde se dera o aparecimento de Jesus.
As justas palavras de Nicodemos foram de natureza a não ficarem perdidas, do ponto de vista do vosso progresso social, assim como do ponto de vista do sagrado direito de defesa e de julgamento, no tocante à humanidade terrena. Elas concorreram para fazer ressaltar, aos olhos dos homens, a grande e sublime personalidade de Jesus.
NOTA — No original grego não consta a expressão — Espírito Santo, no versículo 39, mas apenas — Espírito. — W. 307
CAPÍTULO VIII Vv. 1-11
A mulher adúltera
V. 1. Quanto a Jesus, foi para o monte das Oliveiras. — 2. Mas, ao romper do dia, voltou ao templo e todo o povo veio ter com ele que, sentando-se, entrou a ensiná-lo. — 3. Então os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma mulher, que fora apanhada em adultério, e a puseram no meio de toda a gente. — 4. E disseram a Jesus: Mestre, esta mulher acaba de ser apanhada em adultério; — 5, e Moisés, na lei, mandou que as adúlteras sejam apedrejadas; tu, que dizes? — 6. Diziam-lhe isso, experimentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, porém, abaixando-se, pôs-se a escrever no chão com o dedo. — 7. Como insistissem na pergunta, ele se levantou e lhes disse: Seja o primeiro a lhe atirar pedra aquele de vós que estiver sem pecado. — 8. E, tornando a abaixar-se, continuou a escrever na terra. — 9. Os que o interrogavam, ao lhe ouvirem a resposta, se foram retirando um a um, a começar pelos mais velhos, acabando por ficarem sós Jesus e a mulher, esta no lugar onde a tinham colocado. — 10. Jesus se ergueu e lhe perguntou: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? — 11. Respondeu ela: Não, Senhor. Disse-lhe então Jesus: Nem eu tampouco te condenarei. Vai e daqui por diante não peques mais.
N. 26. A estas palavras dos fariseus: "Mestre, esta mulher acaba de ser apanhada em adultério e Moisés, na lei, mandou que as adúlteras sejam apedrejadas: tu, que dizes?", Jesus, sem responder, se abaixa e põe-se a escrever no chão com o dedo. Como insistissem na pergunta, ele se levanta e diz: "Seja o primeiro a lhe atirar pedra aquele dentre vós que estiver sem pecado." Em se- 308
guida, abaixa-se de novo e continua a escrever no chão.
Assim, pois, Jesus se abaixou duas vezes. Fê-lo para dar tempo, aos que o cercavam, de refletirem, evitando que a sua presença os intimidasse ou levasse a tomar uma resolução sem a plena consciência do que faziam.
Estamos pelo Mestre encarregados de vos dizer o que foi que escreveu no chão, das duas vezes que se abaixou. As palavras que então traçou encerram e resumem todo o ensinamento que objetivou dar aos homens.
Da primeira vez, respondendo à pergunta que lhe dirigiram, escreveu: "Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam."
Da segunda, depois de lhes haver dito: "Seja o primeiro a lhe atirar pedra aquele dentre vós que estiver sem pecado", escreveu: "Quando quiseres julgar teu irmão, volve o olhar para dentro de ti mesmo, sonda o teu coração e interroga a tua consciência."
Sim, o homem, que inspeciona o seu intimo, que sonda o seu coração e interroga a sua consciência, não atira pedra contra seu irmão, porque se reconhece pecador como este e sente que lhe cumpre perdoar para ser perdoado. Abstém-se de fazer aos outros o que não quereria que lhe fizessem.
O que Jesus disse à adúltera vale, para os homens, por uma lição e um exemplo de misericórdia e de perdão, que eles devem reciprocamente praticar. Adverte-os também de que todos devem esforçar-se por não recair nas faltas já cometidas. 309
CAPÍTULO VIII Vv. 12-24
Prédica de Jesus aos Judeus. — Palavras que só pela nova revelação haviam de ser compreendidas segundo o espírito, em espírito e verdade
N. 27. Também aqui as explicações vos têm que ser dadas de maneira especial, obedecendo à ordem dos pensamentos. Dividamos, pois, o trecho.
V. 12. Tomando de novo a palavra, disse-lhes Jesus: Sou a luz do mundo; aquele que me segue não caminha nas trevas; ao contrário, terá a luz da vida. — 13. Disseram-lhe então os fariseus: Tu és quem de ti mesmo dá testemunho; assim sendo, teu testemunho não é verdadeiro. — 14. Jesus respondeu: Se bem seja eu quem de mim mesmo dá testemunho, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei donde vim e para onde vou, ao passo que vós não sabeis donde venho nem para onde vou. — 15. Vós julgais segundo a carne, eu a ninguém julgo.
Jesus era e é realmente a luz que ilumina os homens. Até hoje ninguém se inteirou, com exatidão, de sua origem; ninguém podia segui-lo aonde ele ia. Só ele conhecia o lugar donde descera ao seio da humanidade. Só ele podia dar testemunho exato da sua origem. Só ele tinha dela ciência.
"Vós julgais segundo a carne, disse ao povo e aos fariseus. Não sabeis donde vim nem para onde vou”. Em espírito, quer isto dizer: "Vós me atribuís natureza e origem humanas, quais as vossas. É que não conheceis a minha natureza extra-humana, a minha origem espiritual e a minha missão." 310
"Se bem seja eu quem de mim mesmo dá testemunho, o meu testemunho é verdadeiro, porque sei donde venho e para onde vou”. Eu, que vos falo, sei quais são a minha natureza, a minha origem e a minha missão, por isso que, sob este invólucro que me faz visível a vós, conservo a liberdade e a independência do Espírito”.
Quanto a estas palavras: "Eu a ninguém julgo", já as explicamos.
Dizendo: "julgais segundo a carne", Jesus aludia à humana sentença de condenação que dentro em pouco seria contra ele proferida.
V. 16. E, se eu julgasse, o meu juízo seria verdadeiro, porque não estou só; comigo está o pai que me enviou.
Assim falando, afirma estar sempre em relação direta com Deus, que é a verdade absoluta, mesmo quando se achava diante dos homens, no desempenho da sua missão terrena.
V. 17. Está escrito na vossa lei que verdadeiro é o testemunho de duas pessoas. — 18. Ora, eu dou testemunho de mim mesmo e meu pai, que me enviou, também dá testemunho de mim.
Jesus dava testemunho, não de atos humanos, mas de sua natureza estranha à humanidade e de sua origem espiritual. Ora, tido por todos como homem, dava testemunho de que seu Espírito procedia de uma fonte mais pura do que a de qualquer outro e que o Senhor também dava disso testemunho pelos atos que a vontade do Espírito podia praticar.
V. 19. Eles então lhe perguntaram: Onde está teu pai? Ao que Jesus respondeu: Não me conheceis a mim, nem a meu pai; se me conhecesseis, também conheceríeis a meu pai. 311
Se os homens houvessem compreendido a origem de Jesus, se tivessem sido capazes de perceber a hierarquia espírita, certamente teriam compreendido a relação existente entre o soberano criador e o Espírito enviado em missão para reconduzir ao caminho da salvação, à senda do progresso, os que se haviam transviado. Tal o sentido das palavras do Mestre.
Mesmo hoje, quando a nova revelação começa a irradiar pelo mundo, longe estais ainda de conhecer o pai, no sentido de que não sabeis defini-lo. Mas, grande diferença há entre — definir e conhecer.
V. 20. Isso disse Jesus ensinando no templo, junto do gazofilácio. E ninguém o prendeu, porque ainda não chegara a sua hora.
Não vislumbreis o que quer que seja de fatal nessas palavras.
Domina o espírito dos principais Judeus a idéia de prenderem a Jesus. Como, porém, ainda não houvesse soado o momento do sacrifício, eles, segundo já o explicamos, eram, por influência espírita ou magnética, conforme as circunstâncias, desviados do seu intento e impedidos de pô-lo em execução. Sabeis que a ação magnética de Jesus podia influir sobre as massas de povo. Com mais forte razão, portanto, sobre alguns homens que se encarniçavam contra ele. Sabeis igualmente que os Espíritos elevados que o cercavam traduziam em ato, não as suas ordens, porém um sentimento mais pronto do que o pensamento, sentimento esse de que nem a inteligência, nem as palavras humanas podem dar idéia. A ação magnética do pensamento se exercia de Espírito a Espírito.
V. 21. Disse-lhes Jesus de novo: Eu me vou, vós me procurareis e morrereis no vosso pecado. Para 312
onde vou não podeis ir. — 22. Diziam então os Judeus: Dar-se-á que se suicide, pois diz: Não podeis vir onde vou?
Exprimindo-se desse modo, Jesus se dirigia a Espíritos que ele sabia muito atrasados e que, portanto, não tentariam sequer aproximar-se das esferas elevadas para onde o atraía a sua natureza.
Certo disso, quando dizia aquelas coisas, tinha em mente, vós o compreendeis, que nenhum Espírito podia alçar-se ao nível em que ele se achava. Outra, porém, era a idéia dos Judeus. Para estes, o suicídio, destruindo violenta e voluntariamente o corpo, despojava de suas prerrogativas o Espírito e o mergulhava no inexistente nada. Ora, sendo assim, os que ouviam o Mestre não longe estariam de querer imitá-lo, caso tivera a intenção de se aniquilar. Expressando-nos deste modo, nós nos colocamos no ponto de vista deles.
A crença, corrente entre os Judeus, de que o suicídio destruía o corpo e também a alma, tinha origem na sua história e sobretudo nas suas tradições, que os rabinos eruditos conhecem em grande parte. Não derivava de um princípio formalmente estabelecido; era resultado de deduções.
V. 23. Disse-lhes também: Vós sois daqui de baixo; eu sou do alto. Sois deste mundo; EU NÃO SOU deste mundo.
Sob o véu da letra, mas expressamente, Jesus, aqui, declara que a sua natureza e a sua origem estão fora da humanidade e torna patente o caráter espiritual da sua presença e da sua missão na Terra.
V. 24. Por isso eu vos disse que morrereis nos vossos pecados. Se, com efeito, não crerdes no que digo que sou, morrereis no vosso pecado. 313
Segundo o espírito, em espírito e verdade, eis o que isto quer dizer: "Se não crerdes que sou um enviado de Deus, que desci ao mundo, vindo das esferas superiores, para vos ensinar o caminho da vida; se não abandonardes as veredas lamacentas por onde enveredastes e não tomardes a senda luminosa que vos abro, ficareis estacionários nas trevas, não fareis nenhum progresso, que é o meio único de vos elevardes para Deus." 314
CAPÍTULO VIII Vv. 25-45
Continuação da prédica de Jesus aos Judeus
N. 28. Ainda aqui dividamos o trecho, para que as explicações sejam dadas distinta e especialmente sobre cada ponto.
V. 25. Perguntaram-lhe pois: Quem és tu então? Jesus lhes respondeu: O principio, eu que vos falo.
Assim respondendo, proclamou, sob o véu da letra, sua posição espírita de fundador, protetor e governador do planeta terreno, como sendo aquele de quem procede e depende, sob o influxo superior da vontade divina e sob a ação das leis imutáveis que de toda a eternidade Deus estabeleceu, tudo o que na Terra é, em todos os reinos da natureza.
V. 26. Muitas coisas tenho que dizer de vós e que condenar em vós; mas aquele que me enviou é verdadeiro e eu só digo no mundo o que dele aprendi.
Jesus baixara ao meio dos homens para desempenhar uma missão de paz e de amor a que bem poucos quiseram associar-se. Como enviado do Senhor, recebia as impulsões divinas e obrava debaixo dessa influência suprema.
Declarando: "E só digo no mundo o que dele aprendi", teve em mente afirmar a sua inferioridade com relação a Deus e fazer sentir que de Deus recebia diretamente a impulsão, a influência, como enviado.
V. 27. E não compreenderam que ele dizia ser Deus seu pai. — 28. Disse-lhes em seguida Jesus: 315
Quando houverdes levantado o filho do homem, então conhecereis quem sou e que nada faço de mim mesmo, que só digo no mundo o que aprendi de meu pai.
Por essa forma quis tornar mais preciso e definido, sempre, porém, sob o véu da letra, o que acabara de dizer sem que os Judeus o houvessem compreendido, porque não podiam e não deviam compreendê-lo segundo o espírito.
O próprio João, fazendo-o debaixo da influência espírita, da inspiração mediúnica, das quais, entretanto, não tinha consciência, escrevia palavras cujo alcance e cujo sentido exato não percebia, palavras que só haviam de ser compreendidas nos tempos atuais, quando explicadas pela nova revelação, em espírito e em verdade.
Estas palavras "quando houverdes levantado o filho do homem, então conhecereis quem sou", foram ditas com um duplo sentido. No sentido positivo, referiam-se ao suplício que lhe seria infligido. No sentido profético, referiam-se à revelação atual, que vem mostrar aos homens, qual ele é, aquele que os homens, desprezando-lhe os conselhos e preceitos, têm erroneamente adorado. Essa revelação, patenteando o lugar que ele ocupa, eleva Jesus no espírito do homem, sem que a impossibilidade dos dados corra um véu entre o mesmo homem e o seu libertador.
"Quando houverdes levantado o filho do homem". Quando, diante de todos, me houverdes erguido, pregado à cruz, no cimo do Calvário; quando houverdes reconhecido que sou do Alto e não deste mundo; quando, por efeito das vossas interpretações humanas, de mim houverdes feito um homem e um Deus, um Deus milagrosamente encarnado, um homem Deus; quando aceitando a revelação por mim predita e prometida, do Espírito da Verdade, que vos será dada assim vos tenhais tornado capazes de a suportar, me houverdes restituído o lugar que devo ocupar, então 316
conhecereis, em espírito e verdade, quem eu sou e conhecereis que nada faço senão pela vontade de Deus, de quem sou apenas instrumento e ministro, mas também órgão direto junto dos homens, aos quais só digo o que dele aprendi, pois que dele me vem a perfeição, que adquiri pelas minhas obras, e a presciência do futuro."
V. 29. E aquele que me enviou está comigo, não me deixou só, porque faço sempre o que é do seu agrado.
Estando, durante a sua missão terrena, pela pureza da sua essência espiritual e pela sua natureza extra-humana, em relação direta com aquele que o enviara, Jesus, Espírito puro, que nunca desmerecera, está sempre em relação com o princípio superior a que, na vossa linguagem, dais o nome de Deus.
V. 30. Ouvindo-lhe dizer essas coisas, muitos creram nele. — 31. Disse então Jesus aos Judeus que nele creram: Se permanecerdes na minha palavra sereis verdadeiramente meus discípulos. — 32. E conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres.
Efetivamente, aquele que toma a senda do Cristo, mas para logo à entrada, não pode dizer-se seu discípulo. Tal só pode ser aquele que o segue tão de perto quanto possível. Só aquele que perseverar conhecerá a verdade e pela verdade será libertado. Quer isto dizer: saberá que pelo trabalho, pela justiça, pelo amor e pela caridade é que pode progredir, depurar-se e avançar progressivamente para o conhecimento das verdades eternas; achará no progresso e na purificação a liberdade, ou, seja — o poder de atuar no físico e no moral, de maneira a libertar-se da escravidão do pecado, porquanto, para o homem, na prática da vida humana, a verdade é o bem: tudo o que é verdadeiro, justo e bom. O erro é o mal, isto é: tudo o que 317
afasta o homem da humildade, do desinteresse, da abnegação, do devotamento, do desejo de progredir pessoalmente e de concorrer para o progresso coletivo de seus irmãos. Numa palavra: é tudo o que o afasta da justiça, do amor e da caridade, do espírito de solidariedade e de fraternidade, únicas bases reais e duráveis da igualdade e da liberdade, para todos, perante Deus e perante os homens, e que, libertando progressivamente o Espírito do sepulcro da carne, lhe prepara o acesso aos mundos superiores.
V. 33. Responderam-lhe eles: Somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém. Como, pois, dizes: Sereis livres? — 34. Jesus lhes retrucou: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado. — 35. Ora, o escravo não fica para sempre na casa, o filho, porém, nela fica para sempre. — 36. Assim, pois, se o filho vos libertar, sereis VERDADEIRAMENTE livres.
Deveis compreender, segundo o espírito, o sentido destas palavras. O escravo não fica para sempre na casa, porque, não havendo concluído a tarefa, tem que retomar seus instrumentos para continuá-la até que a termine.
Aquele que Jesus liberta, esse caminhou pelas sendas do Senhor. Conquistou a liberdade e concedido lhe é o direito de gozá-la. Não torna mais a descer à Terra da escravidão.
Homens, não vades pensar, tomando esta figura ao pé da letra, que o vosso planeta esteja destinado a servir indefinidamente de morada a senhores e escravos, a poderosos e humildes, não.
O reino da liberdade, da liberdade humana chegará. Mas, é necessário que o prepareis.
Liberdade! Esta palavra vos causa atordoamento e a vossa inteligência obscura não lhe compreende o sentido.
Liberdade! Esta palavra, para vós, significa transferência de poder, substituição das mãos que 318