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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo-Ernesto Bozzano

 

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Ernesto Bozzano

Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo

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Afresco de Giotto na Basílica superior de São Francisco em Assis que retrata a confirmação das estigmas de São Francisco depois de morto

Conteúdo resumido

Ernesto Bozzano dedicou uma vasta pesquisa no estudo sobre a mediunidade de efeitos físicos - Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo (A parapirogenia) em casos ocorridos em determinadas épocas da humanidade e também dentro da literatura clássica espírita. A parapirogenia é um fenômeno aonde ocorre a combustão espontânea, ou seja, a queima inexplicável de objetos ou pessoas.

Marcas e impressões supranormais de mãos de fogo

Em 1905, o Professor Charles Richet publicou, nos Annales des Sciences Psychiques, um artigo intitulado "Fenômenos metapsíquicos de outrora", no qual traduziu do latim uma crônica do ano de 1654, relativa aos "milagres" operados por um espírito que se manifestou a uma moça chamada Regina Fischerin, residente em Presburg, na Hungria. Entre os milagres em referência, registraram-se a impressão inflamada de uma mão do espírito, que ficou gravada num tecido, e outras impressões do mesmo gênero, em forma de cruz, traçadas na mão da vidente. Uma fototipia dessas impressões foi reproduzida no artigo em questão.

Em 1908 e 1910, o Sr. Francesco Zingaropoli, advogado em Nápoles, publicou, por sua vez, na Luce e Ombra, dois longos estudos sobre o mesmo assunto, e, depois de citar o caso relatado pelo Sr. Richet, acrescentou doze outros casos semelhantes, todos tirados de crônicas antigas. Ele tratou igualmente das impressões de mãos de fogo gravadas, em roupas brancas e outras vestes e nos corpos dos percipientes, por fantasmas de defuntos.

Na maior parte dos casos, essas manifestações eram acompanhadas de diálogos com os espíritos, assim como de fenômenos supranormais diversos, em grande parte semelhantes aos que se produzem em nossos dias.

Infelizmente, porém, a insuficiência da documentação dessas narrações antigas leva-me a não grupá-las em uma classificação científica, ainda que o Sr. Zingaropoli tenha razão em notar que as relações de circunstâncias existentes entre essas diversas manifestações contribuam, de modo elevado, em favor de sua autenticidade. Sem dúvida, mas, se essa prova indireta é incontestável e eficaz, não basta para compensar a insuficiência da documentação testemunhal.

É preciso reconhecer que, mesmo para as pessoas ao corrente dos métodos de investigação, não poderiam ser apresentados confusamente alguns episódios bem documentados e outros revestindo uma aparência de contos fantásticos ou de lendas místicas, sem que produzissem no espírito dos leitores um efeito desastroso, de natureza a neutralizar e acabar com o valor probatório de alguns episódios bem documentados. Em resumo, importa salientar que, numa classificação científica, devem-se eliminar inexoravelmente elementos que apresentem lacunas ou defeitos, sem o que seria inútil submeter os fatos aos processos de análise comparada.

De qualquer forma, observarei sempre a respeito dos fatos em questão que, mesmo que se quisesse relegar para as "lendas místicas" quase todos os casos que as compõem (o que não constituiria uma decisão racional), eles não deixariam, entretanto, de apresentar certo interesse introdutivo. Com efeito, assim como fez notar o Prof. Richet "ninguém teria pensado em imitar ou inventar manifestações supranormais de uma ordem muitas vezes estranha e inesperada, se manifestações autênticas da mesma natureza não tivesse ocorridos antes".

Ora, como tudo contribui para demonstrar que o mesmo deve acontecer em nosso caso, pareceu-me oportuno colecionar, analisar e comparar alguns episódios desta categoria, buscando e examinando sua autenticidade e origem.

Folheando com cuidado minhas classificações, encontrei vários casos dessa natureza; a maior parte, porém, é infelizmente tirada também de crônicas antigas, insuficientemente documentadas. Achei alguns, todavia, que se recomendam pelo nome autorizado das pessoas que os recolheram; observei, além disto, entre eles, dois pequenos incidentes que se renovaram mediunicamente em nossos dias, nos quais mãos de fantasmas provocaram a queimadura e a inflamação da parte do corpo das pessoas em que tocaram. Só se trata de pequenos incidentes, repito-o, mas que são de natureza incontestável; por conseqüência, se os considerarmos conjuntamente com alguns outros fenômenos da mesma espécie, que estão bem documentados e que inclui neste trabalho, parece-me que eles autorizam a concluir que os casos das impressões supranormais de mãos de fogo constituem manifestações autenticas mediúnicas.

Não se poderia, certamente, explicar o fenômeno supondo que as impressões de mãos de fogo provam a presença de espíritos que ardem nas chamas do Purgatório ou do Inferno, conclusões que satisfaziam completamente os teólogos dos séculos passados.

É, pois, útil procurar verificar em que consiste a natureza provável desse fenômeno tão estranho e perturbador.

*

CASO I - Começo por mencionar os fatos, apresentando antes um resumo do caso narrado pelo Prof. Richet, assim como dois outros bem documentados, citados pelo Dr. Zingaropoli.

A crônica latina traduzida pelo Prof. Richet foi pela primeira vez publicada em 1654, por ordem de Monsenhor Jorge Lippai, Arcebispo de Sttigont. Ela está guardada no "Venerável Capítulo" de Pest.

A narrativa diz que vivia em Presburg um alemão chamado João Klemens, que se convertera à religião luterana, mas que, mais tarde, quando já velho, voltara ao catolicismo, tendo falecido aos 60 anos.

Vivera de modo pouco louvável e, depois de morto, aparecera a várias pessoas, mas a crônica em referência se ocupa mais especialmente de suas manifestações a uma moça de Hallstad, Áustria, chamada Regina Fischerin, de 19 anos, católica fervorosa e de costumes irrepreensíveis.

Passo por cima das manifestações que nada têm com o assunto de que nos ocupamos aqui: fenômenos luminosos, transportes e deslocamentos de objetos, "voz direta" que conversou com os padres teólogos que acorreram ao local e alguns dentre eles reconheceram, como verdadeira, a voz do defunto.

Notarei, também, que sobressai da narração que, numa circunstância em que se produziam os mais interessantes fenômenos de transportes de objetos sem contato, sob uma direção evidentemente inteligente, "Regina ficava sem conhecimento e como inanimada, durante duas horas", ao passo que noutro trecho diz que "Regina, manifestamente esgotada por todas essas provas, adormecia profundamente".

Estas duas preciosas passagens demonstram que a vidente era médium e que caía em transe no momento em que se produziam os fenômenos físicos, o que serve para demonstrar a autenticidade dos fatos relatados.

Com efeito, as observações relativas aos casos desta categoria, quando narradas por pessoas que ignoram a significação e o interesse delas, constituem a melhor garantia da autenticidade, todas as vezes que se trata de relatos dos quais não se pôde controlar a veracidade por métodos diretos.

Passo agora a citar os episódios que nos interessam.

Em dado ponto, o narrador nota que o espírito se mostrava irritado e violento, batia portas e arrastava cadeiras ao tempo que Regina perdia o uso da fala e ficava desmaiada por algum tempo. Foi então que o pai aconselhou a filha a procurar agarrar o espírito para imobilizá-lo. A filha obedecia, mas nada retinha em seus braços: foi assim que ela se apercebeu de que se tratava de uma sombra vã.

A crônica continua assim:

"Temendo, então, ser vítima de uma ilusão, ela disse ao espírito que, se ele fosse um espírito bom, a tocasse com o dedo. Ele a tocou no braço direito, o que sentiu com logo. Subitamente, apareceu no lugar tocado uma bolha com a dor que produz uma queimadura e os criados a viram. Depois, a fim de verificar se não se tratava da obra de um espírito mau, Regina pediu-lhe, como prova de que era um espírito bom, que fizesse o sinal da cruz. "Eis, disse ele, o que me pedes." Na mesma ocasião, sobre a sua roupa, mostra uma cruz de chamas e queima, profundamente, a mão de Regina, deixando impressa nela uma cruz que todos puderam ver. A moça, porém, desejando provas mais amplas, pede ainda outro sinal. Mostra-lhe cartas que o Bispo de Smirna escrevera e assinara, e nas quais perguntava diversas coisas que a moça ignorava. O espírito respondeu que não sabia ler cartas; iria, entretanto, dar satisfação; então segurando as cartas com seus três primeiros dedos, sua mão sendo, sem dúvida, uma mão de chamas, atravessou-as, como se fossem postas ao contato de uma chama.

Recordou, a seguir, com dor, o crime que cometera, dizendo que o dinheiro produzido pelo crime existia ainda (o que se verificou, em seguida, ser verdade), que uma parte servira para encargos domésticos e que a outra devia servir para outros fins.

Regina, porém, continuou a pedir-lhe outras provas, apesar da cruz na mão ser já uma prova muito apreciável. Isto, todavia, não bastou à Regina que, para ficar certa da presença de um espírito bom, lhe pediu que fizesse o mesmo sinal em uma moeda. O espírito obedeceu, tomou a moeda, jogou-a no chão e arrancando das mãos da moça um pano, atirou-o sobre ela; depois, segurando-lhe uma das mãos, com força e, queimando-a profundamente, como dantes, nela imprimiu o desenho de uma tríplice cruz. "Eis outro sinal", disse ele, e isto fez com tanta força que a chama atingiu o coração da moça e foi tocar na parede que estava defronte.

Regina tombou desmaiada. Sua irmã viu e ouviu tudo isto, e mais tarde os criados puderam ver, com seus próprios olhos, as queimaduras produzidas no pano e na moeda. E muitas pessoas puderam ver e tocar as marcas no pano, o dinheiro, assim como as cartas queimadas.

O fato é extraordinário; primeiro porque uma cruz e uma impressão de mão direita ficaram marcadas, em seguida porque a marca de fogo não ultrapassou seus traços, embora, no pano que arde, o fogo tenha tendência para estender-se.

Finalmente, a mão direita, que ficou marcada, representa exatamente a mão direita de Klemens, como se fosse sua mão material. Com efeito, quando vivo, uma parte do dedo indicador fora cortada por um cirurgião, devido a uma enfermidade que se chama "Vermes", o que se verificou na marca supranormal produzida."

A narração desses fatos é antes confusa e em parte insuficiente; mas não se poderia pretender de um narrador de há três séculos a precisão científica nem a clareza literária que se exigiria em uma narração moderna dos fenômenos metapsíquicos.

Assim, por exemplo, o fenômeno mais importante, o da mão em brasa que ficou gravada na fazenda, é nela relatado de modo imperfeito.

Felizmente, essa impressão de mão foi conservada até nós e testemunha a autenticidade do fenômeno e da perfeita conformação da impressão obtida com a prova de identificação constituída pela falta da falangeta do dedo da mão direita.

O Prof. Charles Richet analisa o caso com uma prudência extrema, distinguindo os fenômenos que teriam sido produzidos pela intervenção consciente de Regina daqueles em que sua intervenção parecia muito duvidosa ou inadmissível. Notarei, todavia, que, em sua análise das circunstâncias favoráveis à autenticidade supranormal dos fatos, Richet não considerou que Regina caía em transe no momento em que eram produzidos os mais importantes fenômenos físicos; também se esqueceu da "voz direta" que foi reconhecida por alguns padres como sendo a do falecido João Klemens.

A propósito dos fenômenos que estudamos aqui, escreve o Prof. Richet:

"Os fenômenos relativos à impressão da mão de fogo no pano e do estigma em forma de cruz na mão são de explicação um pouco delicada. Certamente que não é impossível reproduzir-se marcas de fogo em cartas, mas numa fazenda, fazer a impressão de uma mão (semelhante ou não à mão do defunto Klemens) é coisa um pouco mais difícil e seria uma fraude habilíssima, se tivesse havido fraude, imprimir num pano de linho a marca de uma mão que queima o tecido é outra coisa. Não se pode contestar, creio, que a marca foi feita."

Tudo bem considerado, o professor Richet termina dizendo que os fatos estão provados e que a narração é verdadeira. Quanto à interpretação de alguns desses fatos, escreve:

"Há também as bolhas e a marca de uma cruz na mão de Regina. Não acreditamos a que se trate de fenômenos simulados ou falsificados, porque sabemos, de fonte limpa, que os estigmas podem aparecer nos histéricos, com formas determinadas, sob a influência de uma emoção moral ou de um delírio religioso. São fatos cientificamente estabelecidos, provando apenas a influência das emoções cerebrais sobre a circulação e o tropismo da pela."

Esta interpretação poderia ser admitida para a bolha no braço e para cruz na mão, mas como servir ela para o mesmo fenômeno capital da mão de fogo que ficou gravada no pano? Aqui, a tese dos estigmas por auto-sugestão não tem lugar.

E, se assim é, se esta hipótese não pode explicar o conjunto dos fatos, não deverá ser admitida para a bolha no braço e a cruz na mão, tanto mais que, nas circunstâncias em apreço, a vidente não pensava de modo algum na possibilidade de produzir esses fenômenos, e não podia, pois, auto-sugestionar-se graças a uma "emoção moral intensa" nesse sentido.

Reservo-me para discutir mais amplamente o assunto nas conclusões que tirar dos fatos, buscando a origem provável de cada um.

*

CASO II - Este outro caso, que extraio da monografia do Sr. Zingaropoli, da qual fiz alusão (Luce e Ombra, 1910, págs. 46-47) refere-se a impressões de mãos de fogo que estão guardadas ainda no convento das religiosas de Santa Clara, de Todi, na Úmbria.

Escreve o Sr. Zingaropoli:

"O Padre V. Jouet, Missionário Apostólico, fundou em Roma (Lungo-Tevere Pratt 12) um museu de coisas de além-túmulo. Apresenta aos seus visitantes preciosos objetos e documentos relativos a diferentes manifestações de mortos. Possui centenas de gravuras de épocas diversas, quadros e livros antigos. A parte, porém, mais curiosa da coleção em questão consiste nas fotografias de impressões de mãos de fogo, coleção que, diz ele, aumenta cada dia. Várias dessas figuras, acompanhadas de artigos destinados a ilustrá-las, são reproduzidas na revista mensal "O purgatório visitado pela caridade dos fiéis".

O número de abril de 1908, pág. 114, trata das famosas impressões de mãos de fogo que estão guardadas no convento da Santa Clara, de Todi. A protagonista do memorável fato foi Clara Teresa Fornari, nascida em Roma, a 25 de junho de 1637, abadessa do convento de Santa Clara, de Todi, morta em 1744, com cheiro de santidade. O processo de beatificação se acha em andamento; ela já é "venerável".

Cedo agora a palavra ao Padre Jouet, que expõe as impressões de sua visita a esse convento: "Sexta feira, 17 de julho de 1901, tivemos a consolação de parar em Todi, província de Perúgia, no convento das irmãs clarissas, onde se santificou, há cerca de dois séculos, a venerável Clara Isabel Fornari, cujos numerosos milagres lhe valeram processo de beatificação e canonização junto à Santa Congregação de Roma. Com uma carta de recomendação de Sua Eminência, o Cardeal José Vives y Tuto, a Monsenhor Rudolfi Bispo de Todi, pudemos ver, com nossos próprios olhos e segurar com nossas próprias mãos, entre outras relíquias e outras lembranças preciosas, os traços ainda distintos e intactos que deixaram, em objetos e roupas da venerável Clara Isabel Fornari, as mãos de fogo do falecido Reverendo Padre Panzini, abade clivetano de Mântua, alguns minutos antes de ser liberto do Purgatório.

A reverenda Madre Clara Isabel Patrizi, atual abadessa do convento, depois de ter admirado algumas fotografias reproduzidas em nossa revista, permitiu-nos amavelmente fotografar, pela primeira vez, depois de 170 anos de existência, esses documentos de tão alto interesse para o nosso "Museu de além-túmulo" e para nossa associação pia.

A tábua de madeira, na qual o defunto deixou a marca de fogo de sua mão esquerda e traçou, com o polegar da mão direita, uma cruz de fogo, servia à venerável irmã Clara Isabel para a preparação das imagens em cera do Menino Jesus. A folha de papel, com a impressão de fogo da mão esquerda do morto, está encerrada entre duas placas de cristal. Fotografamo-la dos dois lados. A manga da túnica assim como a manga da camisa com a marca em fogo da mão direta foram fotografadas de um só lado.

O relatório, abaixo reproduzido, todo escrito pelo confessor Padre Isidoro Gazale, abade do Santíssimo Crucifixo, bem no dia do próprio acontecimento, foi transcrito das duas páginas do registro em que são narrados os "milagres" da venerável.

Fotografamos, numa chapa única, esta cópia que está presentemente guardada no convento de Todi."

Assinado: V. Jouet, Missionário Apostólico, cônego honorário de Marselha.

RELATÓRIO

A Irmã Clara Isabel Fornari recebera de mim, Padre Isidoro Gazale, abade do Santíssimo Crucifixo, seu confessor ordinário, ordem de se oferecer pela alma do falecido Padre Panzini, abade de Mântua. Tinha ela, nestes últimos dias, suportado grandes abandonos e outros grandes sofrimentos que o Senhor lhe enviara para aliviar e libertar essa alma que sofria atrozmente no Purgatório. Nessa mesma manhã, quando essa mesma irmã padecia outros sofrimentos, obteve do Senhor enviar essa alma ao Paraiso, no momento justo em que se celebrava para ela a Santa Missa. Disse à Irmã Clara Isabel que desejaria que alguns dos meus amigos falecidos, que ela havia visto subir para o Céu, me dessem um sinal, assim como acontecera ao Padre Pio Crivello, seu antigo diretor de consciência. Com efeito, o irmão desse eclesiástico deixara na Irmã Clara Isabel o sinal de sua mão ao ir para o Paraíso. Desejava que algo de semelhante se produzisse comigo para melhor autenticar os fatos. E Deus permitiu que a alma do meu amigo me trouxesse o consolo almejado porque ele apareceu à Irmã, Clara Isabel quando eu celebrava a Missa e muito exortou-a a sofrer, agradecendo-lhe as promessas generosas que ela fizera em sua intenção e a mim mesmo pela celebração dos Santos Sacrifícios. Essa alma assegurou à Irmã Clara Isabel que lhe guardaria eterno reconhecimento porque, graças à sua intervenção, o Senhor lhe abreviara as penas do Purgatório. Isto dizendo, colocou a mão sobre a mesinha que a Irmã Clara Isabel tinha diante de si, para confecção das imagens do Menino Jesus em cera e imprimiu nessa mesinha o sinal da Cruz, assim como as almas do Purgatório tem o costume de fazer ao passo que as almas condenadas não o fazem nunca.

De qualquer modo, a cruz e a mão ficaram gravadas na mesinha. A aparição segurou, em seguida, Irmã Clara Isabel pelo braço e com a outra mão uma folha de papel.

Foi assim que a verdadeira mão do Abade Panzini ficou impressa no braço, na camisa, na túnica e numa folha de papel.

A mão me parece bem a do abade; aqueles que o conheceram como eu são da mesma opinião. Não se poderia desejá-la mais semelhante, pois é evidente que essa impressão só poderia ter sido produzida por ele próprio. Jamais se viu uma reprodução tão semelhante ao original. Depois disto haver feito, deixando esses sinais, essa alma evolou-se para enviar a essa religiosa mil bênçãos do belo Paraíso. Depois que a Irmã Clara Isabel tudo relatou, ordenei-a destacar a manga da sua túnica, assim como a manga da sua camisa e de mas entregar, bem como a folha de papel e a mesinha. Isto ela fez, não guardando senão para si a ferida que lhe ficou no braço em conseqüência da queimadura produzida pela mão do espírito e sua cicatriz só desapareceu quando a religiosa terminou os padecimentos, aos quais se sujeitaria para livrar essa alma do Purgatório. Guardei os objetos em referência como atestado da veracidade dos fatos e das sublimes graças concedidas e agradeço cada vez mais ao Senhor a misericórdia que teve por nós, graças a essa criatura que lhe foi agradável.

Atesto por este documento, escrito do próprio punho, que tudo isto é verdade, do que dou fé.

Todi, 1º de novembro de 1732.

Assinado: Padre Isidoro Gazele Confessor.

Notarei, primeiramente, que o caso, cuja narração acabo de transcrever, deve ser considerado como documento de modo satisfatório, considerando-se que o relatório foi redigido pelo próprio padre confessor da venerável Madre Abadessa, que foi a percipiente protagonista.

Acrescentemos que ele escreveu seu relatório no próprio dia em que se produziram os fenômenos. Outra circunstância que se faz mister considerar: as personalidades da percipiente e do narrador são, moralmente, insuspeitáveis, o que leva racionalmente a admitir-se sua boa-fé absoluta. Enfim, a existência das impressões, ainda guardadas no convento onde foram obtidas, atesta, de modo decisivo, que se trata de um caso de alucinação coletiva.

Nesse relatório, encontram-se frases de molde a demonstrar que a venerável Clara Isabel Fornari era realmente dotada de faculdades mediúnicas. O redator escreve, com efeito, que a Madre Abadessa "tinha nestes últimos dias padecido grandes abandonos e outros grandes sofrimentos que o Senhor lhe ordenara suportar para aliviar e livrar essa alma que sofria atrozmente no Purgatório. Pouco mais adiante, ele ajunta que "submetendo-se a outros sofrimentos, ela obteve do Senhor enviar a alma ao Paraíso". Ora, compreende-se facilmente que os abandonos que o narrador menciona correspondem a uma sucessão de estado de "transe" e que os grandes sofrimentos eram crises de gemidos, esses acessos convulsivos que precedem e seguem de ordinário o sono mediúnico. Todas estas circunstâncias servem para confirmar a autenticidade supranormal dos fatos. Quanto às impressões de fogo que se obtiveram, foram, nesse caso, excepcionalmente numerosas. Registraram-se, com efeito, as impressões de uma mão esquerda e uma cruz numa mesinha de madeira, a impressão de uma outra mão esquerda numa folha de papel, a impressão de uma mão direita numa das mangas da túnica e da camisa da venerável Madre Abadessa, enfim, a impressão ou mais precisamente a bolha que ficou gravada no braço da religiosa, em conseqüência do contato da mão do fantasma. Este último incidente é inteiramente análogo ao de que tratei no caso anterior, no qual o espírito do defunto, tendo tocado com o dedo o braço da percipiente, uma bolha aí apareceu logo, como se fosse uma queimadura, e a percipiente sentiu-lhe a dor, uma espécie de cozedura de carne, como se se tratasse realmente de um contato de coisa ardente.

*

CASOS III e IV - É chegado o momento de citar dois pequenos incidentes semelhantes ao que acabo de narrar e que se produziram mediunicamente mais recentemente conforme disse na introdução deste estudo.

O primeiro se produziu no decurso das famosas experiências do Rev. William Stainton Moses. Eis como a Sra. Speer dele fala em data de 18 de abril de 1873:

"Nosso círculo recomeçou suas sessões depois de uma interrupção de três semanas. Obtiveram-se os fenômenos físicos habituais, mas, em seguida, manifestou-se o espírito de uma pessoa falecida há pouco, que o médium conhecera muito antes. Anunciou sua presença com golpes muito fortes e sua influência logo apareceu a todos repulsivo. O médium via o espírito sentado no tamborete de harmônio, olhando-o em atitude zombeteira. Fez com que se visse que se tratava de um espírito muito atrasado; quis infelizmente tocar a mão do médium e esse se queixou de uma queimadura de carne no lugar em que o espírito tocara. Com efeito, uma bolha de uma cor vermelha formara-se nesse lugar." (Light 1892, pág. 627).

O segundo dos incidentes aconteceu em Leipzig, na casa do engenheiro Paul Horra, tendo sido registrado no numero de julho do Die Uebersinnliche Welt.

Foi numa sessão com o famoso médium de transportes Heinrich Melzer, de Dresden, que fora encerrado num saco guarnecido de mangas e de uma abertura onde introduziu a cabeça.

As mangas eram fixas e seladas. Obtiveram-se numerosos transportes, entre os quais duas plantas inteiras, com os vasos onde tinham sido plantadas. Os ramos e os botões foram achados intactos, ainda que uma das plantas fosse de uma espécie extremamente delicada. Foram depositadas nas mãos de dois experimentadores, um dos quais sentiu, ao mesmo tempo, a dor de uma queimadura no dedo polegar. Acendeu-se a luz e viu-se que, nesse lugar, se formara a marca de uma queimadura com uma bolha.

Tais são os dois incidentes que se produziram mediunicamente. Compreende-se facilmente que constituem uma confirmação eficaz dos casos análogos que se produziram há séculos. Ora, esta confirmação reveste-se de um valor teórico notável.

Com efeito, os quatro modestos incidentes que acabo de narrar, se autênticos, bastam por si sós para demonstrar a existência real dos fenômenos das impressões de mãos de fogo. Por outro lado, os dois casos de natureza mediúnica servem, também, para eliminar a hipótese dos estigmas por auto-sugestão, considerando-se que é necessário excluir deles toda forma de crise emotiva nos percipientes, que não esperavam, de modo algum, o que se ia produzir.

Demais, estando esses experimentadores familiarizados, de há muito, com os fenômenos mediúnicos, assistiam às manifestações com perfeita serenidade de espírito.

Voltando ao caso em questão, vou resumir os fatos, observando que nos encontramos em face de cinco impressões de fogo feitas em roupas e objetos e uma gravada na pele da percipiente. É; pois, evidente, que a hipótese dos estigmas por auto-sugestão não é admissível, considerando-se que só serviria para explicar, até certo ponto, um único episódio nos seis casos que se produziram.

Ainda uma observação: Como pudemos ver, o espírito comunicante afirmava estar no Purgatório, ou melhor, julgava ali estar. Ele disse à percipiente que "o Senhor, por intermédio dela, lhe abreviara o tempo que deveria passar no Purgatório".

Em numerosos casos extraídos de crônicas antigas, essas afirmações concordam entre si e o Sr. Zingaropoli comenta suas concordâncias, tendendo para as mesmas considerações que constituiriam mais tarde o fundamento teórico de minha obra "A crise da morte".

Com efeito, escreve ele:

"Todas essas almas pecaram e temem merecer de Deus um justo castigo; para todas, o fato de crerem encontrar-se em punição lhes faz experimentar as dores da expiação, tal como lhes foi ensinado na Terra."

Isto efetivamente acontece e a análise comparada que escrevi a respeito, na obra que acabo de citar, faz também sobressair que o poder criador do pensamento torna transitoriamente reais e espirituais ou etericamente objetivas as condições do meio espiritual imaginado.

O Sr. Vicenzo Cavalli, citado pelo Sr. Zingaropoli, desde então manifestara também a mesma idéia, nos seguintes termos: "Na segunda vida, sabemos que crer é sentir e sentir equivale a ser, por causa do grande poder da imaginação:'

Essas intuições dos Srs. Zingaropoli e Cavalli são notáveis para a época em que foram feitas, considerando que só mais tarde cheguei às mesmas conclusões, pelos processos da análise comparada e da convergência das provas aplicadas a grande número de fatos.

Nestas condições e voltando às afirmações dos espíritos que se comunicam, apresso-me a notar que, ainda que os teólogos concordem em suas interpretações sobre as impressões das mãos de fogo, explicadas pela lenda do fogo e das chamas do Purgatório e do Inferno, nenhum dos espíritos comunicantes jamais disse, de qualquer modo, encontrar-se no meio de fogo e de chamas.

Eles afirmam unicamente estar num plano espiritual de expiação, que chamam de Purgatório, conforme lhes foi ensinado.

*

CASO V - Ocaso de que vou ocupar-me, muito bem documentado, foi igualmente tirado da monografia do advogado Zingaropoli (Luce e Ombra, 1910, págs. 614-7). Produziu-se em uma época relativamente recente.

O Dr. Zingaropoli reproduziu, na íntegra, as passagens mais emocionantes da narração assinada pela Madre Abadessa e as Irmãs decanas do Convento das Terciárias Franciscanas de Santana de Foligno, província de Perúgia, a qual foi confirmada por outras testemunhas, como adiante se verá.

A morta que se manifestou chamava-se Irmã Teresa Margarida Giesta. Nasceu em Bástia, Córsega, a 15 de março de 1797 e era filha de um rico negociante. Levada à contemplação, renunciara à facilidade da vida profana e vestira o hábito religioso a 24 de outubro de 1836, no Convento das Terciárias Franciscanas de Foligno, onde desencarnou a 4 de novembro de 1853. Vou ceder agora a palavra à Madre Abadessa Maria Vitória Constância Vichi:

"No dia 5 solenes exéquias foram realizadas e a 6, como se devia inumá-la, pensou-se a princípio em colocá-la num lugar especial; mas se decidiu, em seguida, fazer-lhe um caixão de tábuas, coisa que não se fizera ainda, e enterrá-la no túmulo comum das religiosas. Enquanto se esperava, o confessor da comunidade, Padre Lourenço, de Solero, perto de Alexandria, no Piemonte, após ter escrito algumas indicações sobre a defunta, colocou o escrito num frasco de vidro que depositou ao lado do corpo, no esquife, e pronunciou as seguintes palavras, na presença das outras religiosas: "Nada quero dizer sobre os dons com que ela foi favorecida por Deus, porque, se ela quiser alguma coisa, far-se-á ouvir."

O caixão foi fechado e descido ao túmulo.

Três dias apenas haviam transcorrido após o falecimento, quando uma voz lúgubre e lastimosa começou, de quando em quando, a fazer-se ouvir no quarto em que a Irmã Teresa morrera ou nas peças ao lado deste, mas não se deu nenhuma importância ao fato, pensando-se que se tratava de uma alteração da fantasia de religiosas tímidas e crédulas.

No dia 16 do mesmo mês de novembro, às 10 horas da manhã, a Irmã do coro, Ana Feliciana Menghini, de Montefalco, mais corajosa do que suas companheiras, que fora à grande sala de roupas brancas para cumprir alguma ordem que lhe deram, quando subia a escada, ouviu um gemido abafado e creu reconhecer, nesse som, a voz da defunta companheira de trabalho, Irmã Teresa Margarida. Todavia, armou-se de coragem, pensando: "Trata-se, talvez, de um gato fechado num dos armários da parede." Abriu então um desses armários, mas nada encontrou. O queixume se fez ouvir de novo. A Irmã abriu outro armário, e nada, porém, tendo encontrado, fechou-o assim como ao primeiro, quando um terceiro gemido se fez escutar. Abriu ainda outro armário sem nada descobrir. Então, a religiosa, espantada, exclamou: "Jesus, Maria! Que é que há?"

Havia, apenas, acabado de pronunciar estas palavras, quando a voz lúgubre da defunta, com um suspiro penoso, exclamou; "Meu Deus, como eu sofro!"

Isto ouvindo, a Irmã Ana Feliciana tremeu e empalideceu, reconhecendo claramente a voz da morta, Irmã Teresa Margarida. Retomando, porém, a coragem, perguntou: "Por quê?" E a defunta respondeu: "Pela pobreza". "Como, replicou a outra, você era assim tão pobre?" - Não é por mim, retorquiu a morta, é pelas religiosas! Se basta um, por que dois ou três? Agora, preste a atenção - Com estas palavras, o quarto encheu-se de densa fumaça e a sombra da defunta se dirigiu de um dos armários para a escada, continuando a falar, mas sem que Ana Feliciana, sempre tomada de espanto, pudesse compreender o que dizia. Chegando à porta, a defunta disse em alta voz: "É uma misericórdia, aqui não mais voltarei e em sinal disto..." - Nesse momento, deu na porta uma pancada bem clara e logo a fumaça se dissipou e o grande quarto tornou-se claro."

Tem lugar, em seguida, a descrição da agitação que produziu no convento a notícia do que acontecera, depois do que a narrativa continua assim:

"As monjas correram todas para o aposento da Abadessa e em torno da Irmã Menghini se comprimiram para ouvir de sua própria boca a narração do que se produzira. Ela lhes contou o que sucedera e as religiosas, sabendo que a defunta houvera dito: Em sinal disto.... e que dera uma pancada na porta, exclamaram logo: "Ela deve então ter deixado algum sinal!". A Irmã Menghini respondeu: "Nada sei a respeito. Estava muito aterrorizada para pensar em examinar a porta." Então, as Irmãs em conjunto foram examinar a porta e acharam nela gravada a mão da Irmã Teresa Margarida, de modo mais perfeito do que teria feito o artista mais competente, por meio de uma mão de ferro em brasa."

O relatório continua narrando um sonho que teve nessa noite a Irmã Ana Feliciana. A defunta apareceu-lhe para agradecer às companheiras o efeito benéfico de suas preces. E acrescentou: "Pensas em apagar da porta a impressão de minha mão. Jamais o conseguirás, mesmo com o auxílio de outras pessoas. Trata-se de uma misericórdia de Deus, de um aviso, e sem isto nunca seria eu acreditada: "

Tendo sabido do que se passara, o arcediago de Foligno, no dia 23 do mesmo mês, fez redigir uma ata do fato. Abriu-se então o túmulo, aplicou-se a própria mão da morta a impressão que deixara na porta e as testemunhas que fizeram vir, atestaram que a mão se adaptava perfeitamente na impressão.

A impressão foi em seguida coberta com um véu que a ocultava e a porta, tirada dos gonzos, foi guardada num lugar reservado. Mais tarde, sempre por ordem do arcebispado, levantou-se o véu e permitiu-se a todos os pedintes vê-la claramente. Depois, para maior precaução, fez-se uma cornija de cristal com fechadura e a impressão da mão ficou assim bem guardada.

O relatório está assinado pela Madre Abadessa, Irmã Vitória Vichi, pelas Irmãs decanas Maria Eleta Bertoccini, Ana Teresa Giovagnoni, Maria Conceta Folcri, Ana Feliciana Menghini, Maria Madalena Minelli e pela Irmã vigária Maria Angelina Torelli.

Seguem-se outros testemunhos datados de 2 de julho de 1870: são os do Padre Vicente Amoressi, da Ordem dos Pregadores, e do Padre Joaquim Priore Medori, pró-vigário Geral. Enfim, o Padre José Sensi, guardião dos Menores Observadores de São Bartholomeu, certifica o que segue, com data de 4 de abril de 1871: O relatório da abadessa de Santana está conforme os testemunhos recolhidos por ela, que podem ser considerados como não duvidosos, levando-se em conta as circunstâncias precedentes, posteriores e concomitantes dos tempos, lugares e pessoas, segundo as regras da sã moral católica e da exatidão crítica.

Como se vê, o caso está confirmado por testemunhos irrecusáveis, tendo sido escrito logo após os acontecimentos e deu lugar a um inquérito imediato, ordenado pelas autoridades eclesiásticas, no qual se encontra o detalhe muito notável do túmulo aberto para se fazer a confrontação da impressão da porta com a mão da morta. É preciso notar que ainda esta vez não se trata de um fato com a antigüidade de alguns séculos, mas de um que se passou em 1859, isto é, em uma época relativamente recente.

Na magnífica fototipia da impressão, publicada pela Luce e Ombra, a mão aparece nitidamente gravada na madeira com o traço característico das falanges extremas de cada dedo, que ficaram profundamente gravadas na madeira queimada pelo contato da mão da morta. Esse detalhe reveste um interesse considerável, do ponto de vista probatório, porque não se poderia obter um resultado semelhante aplicando-se contra o batente da porta uma mão aberta, em ferro em brasa. Em outros termos, teria sido preciso que a suposta mão de ferro fosse feita com as cinco falanges extremas numa posição dobrada; neste caso não se teria podido obter a impressão inteira dos dedos e da mão.

Só digo isto a título de digressão crítica, pois não é possível que existisse, no convento, uma mão de ferro à disposição de mistificadores eventuais e que, demais, essa mão fosse uma reprodução exata da mão da defunta.

Notarei, além disto, que, na produção do fenômeno em questão, mister se faz não só considerar-se o fato de ter a defunta se exprimido em "voz direta" e com um timbre vocal que foi reconhecido, mas também esta outra circunstância: que o fantasma se manifestou no meio de uma nuvem de ectoplasma, que a Irmã tomou por uma "densa fumaça". Nas experiências de materializações mediúnicas tem-se observado que uma nuvenzinha de ectoplasma precede sempre ou quase sempre a manifestação do fantasma objetivo. Ora, como a vidente ignorava inteiramente essas coisas, resulta daí que sua alusão a uma pequena nuvem de "densa fumaça", que precedeu a visão do fantasma da morta, reveste grande valor probatório em favor da realidade supranormal do fenômeno.

Na magnífica fototipia da impressão, publicada pela Luce e Ombra, a mão aparece nitidamente gravada na madeira com o traço característico das falanges extremas de cada dedo, que ficaram profundamente gravadas na madeira queimada pelo contato da mão da morta. Esse detalhe reveste um interesse considerável, do ponto de vista probatório, porque não se poderia obter um resultado semelhante aplicando-se contra o batente da porta uma mão aberta, em ferro em brasa. Em outros termos, teria sido preciso que a suposta mão de ferro fosse feita com as cinco falanges extremas numa posição dobrada; neste caso não se teria podido obter a impressão inteira dos dedos e da mão.

Só digo isto a título de digressão crítica, pois não é possível que existisse, no convento, uma mão de ferro à disposição de mistificadores eventuais e que, demais, essa mão fosse uma reprodução exata da mão da defunta.

Notarei, além disto, que, na produção do fenômeno em questão, mister se faz não só considerar-se o fato de ter a defunta se exprimido em "voz direta" e com um timbre vocal que foi reconhecido, mas também esta outra circunstância que o fantasma se manifestou no meio de uma nuvem de ectoplasma, que a Irmã tomou por uma "densa fumaça". Nas experiências de materializações mediúnicas tem-se observado que uma nuvenzinha de ectoplasma precede sempre ou quase sempre a manifestação do fantasma objetivo. Ora, como a vidente ignorava inteiramente essas coisas, resulta daí que sua alusão a uma pequena nuvem de "densa fumaça", que precedeu a visão do fantasma da morta, reveste grande valor probatório em favor da realidade supranormal do fenômeno.

*

CASO VI - Esse caso, no qual a mão de um fantasma ficou gravada na face da percipiente, é suscetível de ser interpretado pela hipótese dos "estigmas por auto-sugestão emotiva".

O caso foi recolhido e examinado por Frank Podmore, extraindo-o eu dos Proceedings of Society for Psychical Research (vol. X, pág. 304).

A Srta. M. P., em data de 16 de fevereiro de 1890, escreveu nos seguintes termos à direção dessa Sociedade:

"Minha irmã e eu dormíamos no mesmo quarto do último andar da casa, em pequenos leitos que estavam a uma distância de cerca de três pés um do outro. Há três anos (eu tinha então 20 anos e minha irmã 18), acordei em sobressalto com a horrível sensação de que havia alguém no aposento. Fiquei muda por alguns instantes, paralisada pelo terror até que encontrei a força necessária para chamar minha irmã. Esta, num fio de voz que exprimia um terror intenso, perguntou: "Quem está no quarto? Há bom tempo que estou acordada, mas não tive coragem de falar." Nesse momento, uma mão gelada pousou em minha face. Louca de horror, tremendo, chamei desesperadamente por minha irmã, todavia sem dizer uma única palavra do que estava me acontecendo. Um segundo depois, ela exclamou: "Uma mão pousou em cima de mim." Presa de um terror indescritível, ocultamos ambas a cabeça em baixo das cobertas, pedindo socorro com todas as forças dos pulmões.

Nosso irmão acorreu logo e nós lhe dissemos que alguém se introduzira no quarto. Ele rebuscou todos os cantos, todos os móveis, mas inutilmente. Enquanto isto, minha irmã se lastimava de violenta queimadura no rosto. Acendeu-se o gás e vimos então que, num lado do rosto, aparecia um rubor vivo que tinha a forma de uma impressão de mão, com os dedos abertos.

Por duas vezes ainda, em intervalos de cerca de um mês, acordamos, ambas, presas do mesmo sentimento horrível da presença de um ser em nosso quarto: esse sentimento nos paralisou o uso da fala durante certo tempo e certa vez percebemos o ente em questão no espaço que separava os dois leitos."

O Sr. Podmore foi pessoalmente à casa das duas percipientes para interrogá-las a respeito:

Reproduzo de sua narração as seguintes passagens:

"As manifestações se reproduziram quatro vezes, em intervalos de duas ou três semanas. Na primeira manifestação, a Srta. P. nada viu. Na segunda, as duas irmãs tiveram a impressão muito viva de uma presença no quarto: acordaram sobressaltadas, presas de um vivo terror, mas nada perceberam. Na terceira vez, a Srta. P. viu uma forma vaga, uma sombra toda envolta. Finalmente, na quarta vez, foi a Srta. E. P. quem, por sua vez, percebeu a sombra.

As impressões dos dedos no rosto da Srta. P. eram muito nítidas como se achavam no lado sobre o qual não dormira, não era possível atribuí-las à compressão do rosto sobre o travesseiro da cama."

Os membros da "Comissão de recenseamento das alucinações", de cujo Relatório extraio o caso em questão, explicam o incidente da impressão de cada mão na face de uma das percipientes comparando-a a outras impressões que ficaram gravadas no corpo humano, em conseqüência de auto-sugestões emotivas. Pode-se, sem dúvida, admiti-la no caso, considerando-se que a percipiente se achava presa de uma crise de terror, embora se possa opor, no case, outras impressões semelhantes, obtidas simultaneamente em fazendas e outros objetos, como nos casos precedentes.

Não se deveria ainda esquecer a existência dos quatro casos análogos que relatei, nos quais nenhum dos percipientes se encontrava com crises emotivas predisponentes a auto-sugestões dessa espécie e, também, nos quais nenhum dos perceptivos pensava na possibilidade de fenômenos deste gênero. Esta consideração leva a supor que, na realidade, mesmo no caso de que nos ocupamos, a hipótese dos "estigmas" não serve para explicar a verdadeira causa do fenômeno.

Em todo caso, devemos assinalar uma circunstância verdadeiramente embaraçosa, se se afastar a hipótese da autosugestão: é que a primeira percipiente fora, por sua vez, tocada na face pela mesma mão fantástica, sem experimentar nenhuma impressão de queimadura de carne e sem que a mão ficasse gravada no seu rosto. Como explicar que, um momento após, a mesma mão, pousando no rosto da irmã, tenha provocado uma sensação de queimadura, com o fenômeno da impressão de uma mão de fogo na face? Que se acrescente que a primeira percipiente fala de uma mão gelada que pousou no seu rosto, o que explicaria por que a mão fantástica não provocou sensação de queimadura e não deixou impressão, mas se assim é, como devemos considerar o que aconteceu, um momento após, à outra irmã? É, pois, evidente que a hipótese dos "estigmas por auto-sugestão emotiva" retoma seu lugar no caso em questão.

Uma vez declarado isto por um sentimento de justiça científica na pesquisa das causas, repito que eu não acho, entretanto, que não deva buscar nesta explicação a verdadeira causa do fenômeno. É possível, com efeito, que as sensações opostas, que as duas percipientes experimentaram, possam ser explicadas por uma mudança rápida da condensação ectoplásmica da mão do fantasma, que seria produzida em conseqüência do seguimento de uma brusca modificação da tonalidade vibratória de ectoplasma nas duas ocasiões em que a mão em questão pousou nas pessoas das percipientes.

Essa tonalidade vibratória parece ser, em certas circunstâncias, muito mais intensa que a da substância viva ou da matéria inanimada e por conseqüência deve destruir, como o faria o fogo, os tecidos animais e vegetais vivos, o que daria lugar aos fenômenos das "impressões de mãos de fogo".

Aproveito a oportunidade para fazer notar que a hipótese, que me reservo para desenvolver nas conclusões deste estudo, está justamente baseada nesta última circunstância da intensidade vibratória indubitável da substância ectoplásmica e fluídica: é graças a ela que se poderiam explicar os fenômenos das "impressões supranormais de mão de fogo".

*

CASO VII - Resumo a narração de um caso muito conhecido na Inglaterra, ainda que nele se encontrem detalhes de natureza a deixar-nos perplexos por causa das modalidades insólitas com que foi produzido. Mas quem ousaria circunscrever os limites das manifestações supranormais?

O caso em questão foi publicado, pela primeira vez, pelo Sr. T. M. Jarvis, na sua obra Accredited Ghost Stories, (Estórias verídicas de fantasmas), em 1823, tendo a percipiente protagonista falecido pouco tempo antes.

A Sra. Crow, na sua obra The Nightsides of Nature, (Os lados obscuros da natureza), pág. 196 da nova edição, a ele faz referência nos seguintes termos:

"No que concerne ao caso de Lady Beresford, estou em condições de assegurar que a família da morta afirmou sempre a autenticidade dos fatos. Deve-se dizer outro tanto da família de Lady Cobb que, como se sabe, quando Lady Beresford expirou, foi quem cortou do seu pulso a fita que o envolvia, fita que a morta sempre trouxera desde o dia em que Lord Tyrone lhe aparecera, e isto com o fim de ocultar a impressão indelével que lhe deixara no pulso direito o contato da mão do morto."

Tenho a acrescentar que a narração dos fatos foi ditada pela própria Lady Beresford.

Começo resumindo as premissas do caso: Lord Tyrone e Lady Beresford foram íntimos desde tenra idade e educados na mais rígida ortodoxia religiosa. Mais tarde, sentiram influências teológicas de natureza diversa e, em conseqüência disto, concluíram entre si um pacto solene: aquele que morresse primeiro, se Deus o permitisse, deveria aparecer ao que sobrevivesse, para dizer-lhe da confissão religiosa que ao Ser Supremo agradasse mais. Chegada à idade adulta, Lady Beresford casou-se e não teve mais ocasião de encontrar-se com seu amigo de infância.

Ora, certa noite, aconteceu que ela se levantou sobressaltada e percebeu a seu lado Lord Tyrone que a informou ter falecido subitamente, na véspera, às 4 horas. Predisse em seguida acontecimentos na vida futura de Lady Beresford, que se realizaram totalmente.

Lady Beresford faz, assim, sua narrativa:

"Eu lhe disse: Amanhã de manhã, quando me levantar, como poderia ficar convencida de não ter sonhado tudo isto?" - Ele respondeu: "Receberás amanhã, notícia da minha morte. Esta prova não te basta?" - "Não, respondi eu, há sonhos proféticos e eu acabarei por convencer-me de haver tido um sonho dessa natureza. Dá-me uma prova material de tua presença!" - Ele disse: "Tê-la-ás." Então levantou a mão e logo as pesadas cortinas do leito, feitas de veludo vermelho, foram projetadas com força através de um amplo círculo de ferro que fazia parte da abóbada do leito. Logo em seguida observou: "Ficarás amanhã convencida por esta prova, porque nenhum braço humano poderia executar coisa semelhante." - "Sim, disse eu, no estado de vigília não poderia realizar esta prova de força, mas dormindo adquirem-se, às vezes, poderes excepcionais. Continuo a duvidar." - Ele então disse: "Eis um caderno: vou lançar nele minha assinatura. Conheces bem a minha letra." Com efeito pegou num lápis e fez no caderno sua assinatura. Eu ainda observei: "Na estado de vigília não poderia imitar tua assinatura, mas no de sonambulismo a coisa é possível. É o que concluirei sem dúvida amanhã de manhã." - Ele exclamou: "És difícil de convencer! Que prova mais poderia dar-te? Poderia tocar-te, mas um espírito não tocaria uma pessoa viva sem deixar na sua pele uma marca indelével." - "Se se tratasse de uma marca limitada, disse eu, submeter-me-ia de boa vontade a essa prova." - "És uma mulher corajosa, respondeu ele. Estende-me a tua mão." Eu o fiz e ele me apertou o pulso. Sua mão estava gelada, todavia a pele se enrugou no momento, as veias se encheram e os nervos ingurgitaram.''

Desde aquele dia Lady Beresford foi sempre vista com uma fita preta em torno de seu pulso direito, pois o espírito de Lord Tyrone lhe dissera que o sinal deveria ficar oculto aos olhos dos vivos. Quando Lady Beresford expirou, Lady Netty Cobb, sua amiga, cortou de seu pulso a misteriosa fita e verificou a existência de uma impressão de queimadura, que a morta descrevera na sua narrativa.

Tal é o caso realmente notável que aconteceu com Lady Beresford.

Como disse, parece bem autenticado; apenas se encontra o episódio da longa conversa entre o espírito do morto e a percipiente, o que nos deixa um tanto surpresos relativamente à autenticidade de toda a narração, porque, nas manifestações, habituais de fantasmas que falam, observa-se que quase sempre pronunciam apenas algumas frases, nada mais.

De qualquer modo, deve-se admitir que se conhecem alguns episódios raros, muitos bem documentados, nos quais se encontram longas conversas entre os espíritos desencarnados e os percipientes, o que nos leva a refletir antes de resolvermos circunscrever os limites das manifestações supranormais.

*

CASO VIII - O Prof. Vicente Collis, de Chrudim, Tcheco-Eslováquia, escreveu nos seguintes termos à redação da Revue Spirite, de Paris, pág. 320, da coleção de 1926:

"Recentemente um velho número (25 de agosto de 1891) do jornal tcheco Chrudimski Kvaj, diário político-econômico da região de Chrudim, caiu-me sob os olhos e, na rubrica "Tribunais", li o artigo "A alma de uma morta que não tem repouso". Em vista da importância que os fatos citados têm para a ciência psíquica, sua indiscutível autenticidade e, portanto, seu valor documentário e probatório tal que poderia, talvez, decidir a eterna controvérsia sobre a realidade da sobrevivência da alma humana, resolvi enviar-vos a tradução do artigo sobre o caso em questão, visto não ter ele ainda encontrado eco nas revistas espíritas.

A ALMA DE UMA MORTA QUE NÃO TEM REPOUSO

(Ata de uma audiência perante o tribunal de segunda instância de Chrudim.)

Nossos leitores se lembram ainda do misterioso assassinato da chamada Ana Mracek, mulher de João Mracek, proprietário de uma pequena barraca e negociante da linha Noroeste, da estrada de ferro de Vojtechov, subprefeitura de Illinako.

Na tarde do dia 11 de setembro de 1690, a Sra. Mracek partiu de sua barraca, a fim de catar um pouco de palha para suas vacas, e não voltou mais à sua casa. No dia seguinte, pela manhã, seu cadáver foi achado nas moitas que bordejam um ribeiro que corre pelos arredores. Um tiro nas costas a matara. Quem teria atirado? E por quê? eram perguntas que pareciam ficar sem respostas. As suspeitas do crime recaíram sobre o marido da vítima que, após uma detenção de vários meses, foi posto em liberdade por falta de provas. Depois dele, achou-se dever incriminar os concessionários da caça comunal, os proprietários José Zavrel e Miguel Vesely. Esses, por sua vez, foram também postos em liberdade, pois suas famílias e criados testemunharam que, durante toda a noite fatal, os cultivadores não haviam saído de casa. Como não havia outras suspeitas, o processo foi encerrado e, pouco a pouco, o esquecimento se fez sobre o caso, quando, repentinamente, no mês de fevereiro de 1891, um fato novo e completamente inesperado se produziu.

A 21 de fevereiro de 1891, o rendeiro José Kreil compareceu ante o procurador-geral de Chrudim e lhe fez, tremendo de medo, esta imprevista narração:

"Há vários dias, por volta da meia-noite, fui despertado por uma força insólita e irresistível e, abrindo os olhos, percebi a defunta Ana Mracek perto do meu leito, toda vestida de branco. Não tive trabalho em reconhecê-la. Cheio de espanto, meu primeiro pensamento foi o de fugir, mas o fantasma me disse: "Não tenha medo! Foi Lastuvka (apelido do cultivador José Zavrel) quem me matou com um tiro de espingarda e Vesely me arrastou para o estábulo da granja de Lastuvka. Vá à casa do senhor cura e lhe narre o que acabo de lhe contar. Ele se encarregará do resto." Três vezes o fantasma repetiu estas palavras, depois desapareceu. Eu estava inteiramente acordado e senhor absoluto de meus sentidos, portanto não podia tratar-se de um sonho. Olhando o relógio, verifiquei que era meia-noite e meia. No dia anterior, não fui a nenhum botequim e não bebi nem cerveja nem aguardente. Do mesmo modo não me falaram mais do caso, se bem pudesse crer que minha visão fosse a conseqüência de qualquer recordação do fato passado. Sou inteiramente estranho na aldeia de Vojtechov e nada tenho a ver com o assassínio de Ana Mracek, no qual não estou interessado."

Foi nestes termos simples e persuasivos que Kreil contou o estranho episódio noturno. Isto, porém, não devia ser tudo. A aparição se produziu pela segunda, terceira e quarta vez, sempre depois da meia-noite e nas mesmas circunstâncias que na primeira noite. Na última vez, a morta ameaçou Kreil com sua cólera, dizendo que não cessaria de persegui-lo enquanto não cedesse a suas injunções.

O pobre homem não sabia o que fazer. Os cépticos zombavam dele, ninguém acreditava em suas declarações e ele, noite após noite, não podia dormir tranqüilo. Ainda uma outra aparição se verificou na casinha de Kreil. Como anteriormente, o fantasma se achava junto do leito, dizendo como sempre: "Lastuvka me matou com um tiro de espingarda e o outro, Vesely, me arrastou."

O bom homem, cujos dentes batiam e cuja testa estava coberta de suor frio, pôde apenas balbuciar: "Bem, deixa-me uma prova da tua presença; ao menos um sinal visível, a fim de que acreditem em minhas palavras." Ao que o fantasma respondeu: "Para dar uma prova de minha presença não possuo os meios; mas aproxima-te de mim, se desejas um sinal."

Kreil, dócil e sem vontade própria, saltou da cama e acendeu uma vela. Mesmo na claridade, o fantasma continuou visível, de pé, firme, no mesmo lugar, junto da cama. "Ei-la, disse ele, e, levantando o braço, pousou a mão direita sobre o ombro esquerdo do homem. Kreil atônito, desfalecido, olhos fixo em Ana Mracek, a contemplava em todos os detalhes, fisionomia e vestes. Enfim a viu desaparecer pouco a pouco, como que se dissolvendo.

Kreil, no meio do quarto, com a vela acesa na mão, assim pensou: "Não foi alucinação." E, desta vez, tomou resolução. No dia seguinte, foi à casa do cura e, de acordo com o conselho que dele recebera, saiu para contar o fato ao procurador-geral de Chrudim, que dele fez logo uma ata. Em seguida, lido e assinado o depoimento, com grande espanto do magistrado, Kreil entreabriu a camisa e sobre o ombro esquerdo apareceu a marca escura de uma mão com os dedos abertos. Os cinco dedos e mais particularmente o polegar eram visíveis.

Logo após o depoimento do granjeiro Kreil, o marido da morta fez conhecer algumas circunstâncias suspeitas que lançaram novos indícios sobre José Zavrel e Miguel Vesely.

O processo contra os dois cultivadores retomou seu curso e, dessa vez, o resultado foi verdadeiramente surpreendente.

Com os dois incriminados, as famílias Zavrel e Vesely, assim como seus criados, foram incluídos no inquérito judicial como cúmplices dos culpados e por falsos testemunhos, por ocasião do primeiro inquérito.

Segundo as peças do novo processo, os fatos relativos à morte de Etna Mracek foram os seguintes: Na tarde do dia 11 de setembro de 1890 os dois concessionários da casa comunal, Zavrel e Vesely, foram à floresta, em busca de caça. A sorte não lhes foi favorável e voltavam de mãos abanando. Estando o tempo tão escuro que nada distinguia a dois passos, pois chovia muito.

Chegando perto de sua plantação de beterraba e couve, Zavrel divisou uma forma que se levantava e se abaixava no meio do campo. Não reconheceu se se tratava de uma pessoa ou de um animal. Avançando, viu a forma desaparecer para parecer de novo e, logo a seguir, fugir. Zavrel, armado como se achava, partiu em sua perseguição. "Para ou atiro", gritou ele. De repente tropeçou e, pareceu, caiu, e, na queda, a arma detonou. O ser misterioso continuava a fugir.

O caçador a alcançou em algumas pernadas no momento em que ela se embrenhava nas moitas que bordejam o arroio.

Então, estupefato, Zavrel reconheceu Ana Mracek que, durante 16 anos, fora empregada em sua casa, e que, depois do seu casamento com João Mracek, aí vinha, de momento, para ajudar em trabalhos urgentes.

O incidente foi tanto mais penoso para Zavrel porquanto manchas de sangue no pescoço da vítima mostravam que ela fora morta.

Todavia, sem se ocupar da morta, correu ao encontro de Vesely e lhe confessou sua intenção de ir no dia seguinte apresentar-se ao juiz de Chrudim. Vesely, porém, o dissuadiu disto, dizendo que não o denunciaria, que o fato não tinha testemunhas e que, assim, ele não podia ser preso. Depois, sem saberem porque, tal eram o seu espanto e terror, arrastaram o cadáver para o estábulo de Lastuvka, onde ficou até a manhã do dia seguinte.

De madrugada, tendo refletido um pouco e já mais calmo, Lastuvka o tornou a colocar entre as moitas, no lugar em que foi encontrado no dia antes anterior.

Pelas 11 horas da noite, João Mracek, tendo terminado o serviço e voltado à sua casa, não encontrou a mulher e interrogou a filha, que lhe respondeu:

"Mamãe saiu de casa à tarde e não voltou mais. Papai, não há muito ouvi um tiro em qualquer lugar... lá em baixo."

Nada pressentindo de bom, Mracek muniu-se de sua lanterna de chaminé e foi à procura da esposa. Errou por toda parte onde esperava encontrar a sua companheira. Na margem da plantação de Zavrel, encontrou cabeças de beterrabas sobre a erva, e chorou sem encontrar, contudo, o cadáver de Ana, sobre o que foi informar-se na granja de Zavrel.

Por muito tempo bateu à porta que, finalmente, se abriu, mas não o deixaram entrar. Zavrel afirmou nada saber acerca da desaparecida.

"Então ela foi mesmo morta", gemeu Mracek que se pôs de novo à procura do corpo. Durante toda a noite, debaixo de uma chuva torrencial, explorou os arredores, molhado até a medula dos ossos e em estado de desespero. De repente, já no despontar de um dia tristonho, à margem do campo de Zavrel, tantas vezes explorado, percebeu, perto da água e meio coberto pelas moitas, o cadáver de Ana.

Hirta, Ana estava estendida de costas, mas o que o espantou enormemente foi que, a despeito da chuva noturna, tinha ela as vestes secas. No mesmo dia João Mracek foi preso sob a acusação de assassinato da própria mulher.

Depois, Zavrel e Vesely foram acusados; tendo porém, obtido testemunhos unânimes a seu favor, foram beneficiados com um impronunciamento.

A seguir, com a aparição da morta e o depoimento de Kreil, o processo retomou seu curso e Zavrel e Vesely acabaram por confessar.

(Seguem os nomes dos magistrados que constituíram o tribunal, do procurador-geral e dos defensores, assim como a declaração das penas impostas aos culpados.)

O jornal assim conclui:

"Eis o que deve fazer refletir as pessoas que não acreditam na sobrevivência da alma humana e na realidade das comunicações entre mortos e vivos."

Parece-me que o jornalista tem bastante razão em concluir deste modo. Com efeito, nenhuma hipótese naturalista: nem alucinação, nem telepatia, nem criptestesia, nem criptomnésia, nem clarividência no passado e no presente, nem a hipótese do "reservatório cósmico de memórias individuais" poderiam explicar os fatos em seu conjunto, considerando-se que o incidente da impressão de uma mão de fogo bastaria para eliminar todas elas.

Como se pôde ver, o Prof. Vicente Collis conclui no mesmo sentido. Não o digo, entretanto, senão incidentemente, por não querer ocupar-me, neste estudo, de provas de identificação de espíritos.

No que concerne à documentação dos fatos que acabo de expor, acho que o Prof. Collis tem bastante razão em notar: "Em vista da autenticidade indiscutível dos fatos em questão e, portanto, de um valor documentário e probativo tal que ela poderia, talvez, decidir a eterna controvérsia sobre a realidade da sobrevivência da alma humana, resolvi enviar vos a tradução do caso em questão, visto o mesmo não ter ainda encontrado eco nas revistas espíritas."

Eu acrescento que, assim agindo, prestou ele notável serviço à nova "Ciência da Alma", visto que o caso apresentado é, teoricamente, de grande eloqüência em favor da hipótese da sobrevivência. De outra parte, o caso está documentado e demonstrado por um inquérito judicial, pelo depoimento dos acusados, por todos os testemunhos, inclusive do procurador-geral da província de Chrudim que viu, com os próprios olhos, a impressão da mão de fogo no ombro do percipiente protagonista. Todas estas circunstâncias constituem um conjunto de provas importantes e decisivas em favor dos fatos.

Tenho a notar um ponto importante: o percipiente conversou varias vezes com o fantasma da morta, o que confirma, eficazmente, caso de Lady Beresford, no qual se encontra o mesmo e raro detalhe. Raro, dizemos, mas que sempre se produz.

Resta-nos encarar o incidente da impressão de mão de fogo do ponto de vista da hipótese dos estigmas por auto-sugestão emotiva.

No caso em questão, trata-se de uma impressão em fogo que ficou gravada no corpo do percipiente em condições de crise emotiva.

E, como a hipótese auto-sugestiva não poderá ser teoricamente afastada, notarei que o fato de admiti-la equivaleria a pretender analisar isoladamente cada um dos casos de que nos ocupamos, sem considerar os outros, o que seria absolutamente contrário aos métodos de pesquisas científicas.

Além disto, seria pretender dividi-los arbitrariamente em duas categorias, pondo os casos que se produziram no corpo humano na categoria dos fenômenos subjetivos e auto-sugestivos e as que sucederam em tecidos e objetos na classe dos fenômenos que tiveram origem supranormal ou mediúnica, o que constitui outra afirmação contrária aos métodos de pesquisas científicas, segundo os quais deve admitir-se como legítima a hipótese que consiga explicar os fatos em seu conjunto e afastar, como falhas, todas as hipóteses que só em parte os expliquem.

Segue-se daí que se, em nosso caso, os fenômenos das "impressões de queimaduras no corpo humano" foram obtidos ao mesmo tempo que outras impressões idênticas, gravadas em tecidos e outros objetos, todos aqueles que não querem afastar-se dos métodos de pesquisas científicas, métodos que coincidem também com a lógica e o bom-senso, deverão admitir a hipótese que explica a reunião dos fatos supondo sua origem como supranormal ou mediúnica.

Seria preciso admitir apenas algumas exceções a regra geral quando o estado emotivo de um perceptivo sugestionável pudesse determinar um fenômeno rudimentar de estigma. Em suma, esta última possibilidade pode ser considerada como teoricamente admissível em circunstâncias excepcionais, tão excepcionais, na realidade, que não se conhece nenhum caso desse gênero que possa autorizar, com algum fundamento, esta explicação.

*

CASO IX - Vou narrar agora um caso muito conhecido, que se deu nas prisões de Weinsberg, Alemanha, em 1835, e que foi examinado pelo Dr. Justino Kerner, médico das prisões e autor da famosa obra Die Seherin von Prevorst (A vidente de Prevorst). Ele fez aparecer a narração do caso em uma brochura, na qual reproduziu os numerosos interrogatórios a que submeteu os prisioneiros, que introduzia sucessivamente na cela da vidente, a fim de vigiá-la. Essa vidente era uma tal Elisabeth Eslinger, que fora detida por infrações às leis, por ocasião da pesquisa de um tesouro oculto. Era uma grande "sensitiva" ou antes um grande médium, pois já antes da sua prisão tiver a colóquios com o espírito que se manifestou, em seguida, com tanta insistência, no seu cárcere.

De ordem do diretor da prisão, o juiz Mayer, prometeu-se recompensar com a liberdade imediata o prisioneiro que conseguisse levar a vidente a fraudar. Compreende-se, porém, que, na cela de uma prisão, fraudes e artimanhas eram impossíveis, tanto assim que todos tiveram que reconhecer a autenticidade dos fatos.

Além dos testemunhos dos prisioneiros, a brochura contém as narrações de vários sábios e artistas que o Dr. Kerner, a pedido dos magistrados encarregados do inquérito, convidou para passar algumas noites no cárcere da "mulher assombrada por um espírito". Notam-se, entre outros, os nomes dos Drs. Seyffer e Sicherer, do Juiz Heyd, do Barão von Hugel, do Prof. Kapft, do advogado Fraas, do pintor Wagner e do gravador Dettenhoffer.

No caso em apreço houve numerosos incidentes de impressões de mãos de fogo, das quais a última é a mais importante, pois os cinco dedos de uma mão do espírito ficaram gravados no lenço em que Elisabeth Eslinger envolvera a mão antes de estendê-la ao espírito. Além do fenômeno das "impressões", verificaram-se manifestações de todas as espécies, que relato sucintamente aqui, porque não dizem respeito ao assunto de que tratamos.

Extraio os fatos do livro da Sra. Crow: The Nightsides of Nature (Os lados obscuros da Natureza) cap. XIV, que reproduz quase na íntegra o opúsculo do Dr. Kerner.

Quase todas as noites Elisabeth Eslinger, que era uma mulher sã e robusta, com cerca de 38 anos, era visitada em seu cubículo por um espírito que dizia ser um padre católico, que vivera em Wimmenthal e que se achava há muito no mundo espiritual em condições inferiores de existência, em conseqüência de graves faltas que cometera quando vivo na terra. Ele era, evidentemente, obsediado por um "monoteísmo post-mortem" que concordava com o fato de ter sido padre católico, visto que esse "monoteísmo" consistia em pedir à vidente e a todo o mundo que orasse por sua alma.

Manifestava-se entrando pela porta ou pela janela. Quando entrava pela porta, abria-a e fechava-a de modo muito visível, pois que os assistentes percebiam, durante um momento, o interior do corredor que dava para a cela. Quando entrava pela janela, que se achava num lugar alto e era fechada por sólidas barras de ferro, a sacudia violentamente.

Alguns magistrados, querendo certificar-se a que ponto podiam ser sacudidas essas grades, ordenaram a vários homens robustos que o fizessem e verificaram, então, que eram precisos seis homens para sacudi-las fracamente, ao passo que o espírito as sacudia com violência. Quando a entidade se aproximava de uma pessoa, esta sentia, invariavelmente, "golpes de vento gelado" acompanhados de uma espécie de crepitar elétrico e de ruídos análogos a tiros de pistola.

Além disto, o espírito exalava um fedor cadavérico insuportável, que chegou a causar desmaios a alguns dos assistentes.

Sua cabeça estava cercada de uma luminosidade fosforescente, e, ao passo que alguns não a percebiam, outros viam uma sombra vaporosa, de forma humana, distinguindo os sensitivos o aspecto normal do espírito, tal qual o descrevia a vidente.

Quando o fantasma tocava uma pessoa, essa sentia no lugar tocado a sensação de uma queimadura e aí se formava logo uma mancha avermelhada ou uma bolha. Falava com um voz penosa e profunda, que vários assistentes percebiam ao mesmo tempo que a vidente. Todos, indistintamente, ouviam os ruídos diversos que se produziam e sentiam os golpes de vento fresco e o terrível mau cheiro cadavérico que dele exalava. A propósito da objetividade indubitável dos fenômenos, pode-se salientar esta circunstância.

Alguns membros da comissão encarregada do inquérito tiveram a idéia de pôr na cela da vidente um gato pertencente aos guardas da prisão. Logo que o fantasma apareceu, o gato se mostrou terrivelmente impressionado e, em suas tentativas para fugir, se atirou cegamente contra as paredes da prisão. Meteu-se a seguir debaixo das cobertas do leito e não se mexeu mais. Outra experiência se fez, essa porém, com resultadas deploráveis para o pobre felino que, desde então, recusou toda alimentação e não tardou a morrer.

O espírito se manifestou, também, nas casas dos membros da comissão e nas do diretor da prisão e do Dr. Kerner, anunciando-se aos presentes com os seus sinais habituais, consistentes em jatos de ar frio ou crepitação elétrica, em tiros semelhantes aos que são produzidos com uma pistola, tudo acompanhado do terrível fedor cadavérico e dos contatos que deixavam estigmas.

Certo Sr. Dorr, de Heilbronn, zombava dos que ditavam nessas "baixas superstições". O Dr. Kerner pediu, então, à vidente que conseguisse que o espírito fosse à casa desse céptico para o convencer. O espírito lá foi, com efeito, manifestando-se no seu quarto de dormir com seus modos costumeiros. O Sr. Dorr convenceu-se dos fatos e contribuiu com seu próprio testemunho para o inquérito do doutor Kerner. Sua narrativa dos fatos termina com as seguintes palavras: "Quando eu ouvia falar desses fatos, ria-me com todo gosto, o que me colocava bem alto na estima dos espíritos fortes. Penso agora como esses se rirão de mim."

Vou, agora, relatar alguns incidentes típicos de "mãos fogo" que se produziram com Elisabeth Eslinger.

Começo por um fenômeno bastante curioso. Falando da vidente, observa o Dr. Kerner:

"Ela dizia muitas vezes ao espírito que as preces de uma pecadora como ela não podiam servir para libertá-lo do sofrimento; que ele devia, ao contrário, dirigir-se ao Redentor; ele, porém, continuava com suas súplicas. Quando ela, lhe falava assim, ele se entristecia e se chegava para perto dela, de modo tal que sua cabeça ficava muito perto do rosto de Elisabeth. Parecia ter fome de preces. Ela sentia, muitas vezes, que lágrimas do fantasma lhe caíam sobre a face e o pescoço; eram geladas e, entretanto, a pobre mulher experimentava uma sensação de queimadura no lugar em que elas caíam e uma marca azul e vermelha aí se formava."

Tal é o curioso fenômeno que se produziu por várias vezes. Concebe-se que lágrimas realmente liquidas não teriam podido escorrer do corpo fluídico do fantasma, podendo-se, todavia, admitir que a vontade do fantasma as tenha materializado para a circunstância, mas não as consideraremos ainda e suporemos que a sensação das lágrimas, que caíam sobre a pessoa da vidente, era puramente subjetiva.

De qualquer modo não é menos verdade que essas lágrimas deixaram no rosto da vidente uma impressão permanente. Reconheço que esse fenômeno poderia ser interpretado pela hipótese dos "estigmas por auto-sugestão emotiva", mas observo, de novo, que aí se chegaria considerando-o isoladamente e não conjuntamente com os outros fenômenos semelhantes que se produziram com a mesma sensitiva. Com efeito, neste último caso, seria audácia sustentar esta tese em face da produção dos mesmos fatos com os membros da comissão de inquérito, os quais não podiam todos se sugestionar. Enfim, ela não se sustentaria mais se se a considerasse juntamente com o fenômeno da impressão de mão de fogo que ficou gravada num lenço.

O juiz Mayer, diretor da prisão, não quis acreditar que os fatos tivessem origem supranormal e assim é que disse a Elisabeth que, se ela quisesse convencê-lo nesse ponto, pedisse então ao espírito que fosse a sua casa.

O Sr. Mayer continua assim sua narrativa:

"Na noite seguinte ao dia em que disse isto, deitei-me e dormi, não esperando tal visita; fui. porém, despertado cerca da meia-noite por algo que me tocava no cotovelo esquerdo. Senti depois uma dor e, de manhã, quando olhei para essa parte do braço, vi várias manchas azuis. Disse todavia a Elisabeth que isto não bastava e que era preciso dizer ao fantasma para me tocar no outro cotovelo. Isto se deu na noite seguinte, na qual senti o horrível fedor de putrefação. As manchas azuis apareceram. Percebi, também, os jatos de vento frio e os ruídos habituais do fantasma, mas não consegui vislumbrar a sua forma. Minha esposa, ao contrário, viu o fantasma e rezou todo o tempo em que ele permaneceu no nosso quarto."

Como se aproximasse o dia em que Elisabeth Eslinger deveria ser solta, o espírito a exortara com insistência para ir a Wimmenthal, a fim de orar por ele no lugar em que nascera e vivera. Ela partiu para esse lugar, a conselho de pessoas amigas, que acompanharam em sua piedosa peregrinação.

Logo que Elisabeth se ajoelhou ao ar livre e começou orações, os presentes viram o fantasma perto dela, mas nem todos o perceberam com a mesma nitidez, sendo que uma das testemunhas só divisou nesse lugar uma nuvem branca.

Elisabeth Eslinger hesitara par muito tempo, antes de partir para Wimmenthal, como se temesse que alguma desgraça lhe sucedesse; por isto, antes da sua volta, quis orar por seus filhos. Em dado momento, os presentes notaram que não rezava mais, e, aproximando-se dela, encontraram-na desmaiada. Voltando a si, Elisabeth contou que o fantasma, antes de deixá-la definitivamente, lhe pedira para apertar-lhe a mão. Após tê-la enrolado num lenço, ela lhe estendeu. Ao contato da mão do fantasma, uma chamazinha se desprendeu do lenço e aí se encontraram as marcas dos dedos do fantasma, sob a forma de queimadura.

Depois desse incidente, o espírito não reapareceu mais, nem na prisão, nem na casa dos membros da comissão de inquérito.

Este o interessante caso que se produziu, tal como acabo de narrar, e que foi examinado pelo Dr. Kerner, assistido por vários sábios, magistrados e artistas. O fato de ter-se este produzido numa prisão constitui, por si mesmo, uma excelente garantia em favor da autenticidade dos eventos em questão, considerando-se que, nessas condições, uma simulação não se poderia dar sem o auxílio de objetos indispensáveis a uma mistificação tão complicada e prolongada. Se se considerar ainda que as mesmas manifestações se produziram nas casas de quase todas as pessoas que se ocuparam do exame dos fatos, mesmo no quarto de dormir do Dr. Kerner e no do diretor da prisão, não se pode deixar de pensar que a autenticidade dessas manifestações deve ser considerada como demonstrada de um modo cientificamente irrepreensível.

Não me ocuparei dos fenômenos tão diversos que acompanharam a aparição do fantasma, visto isto não entrar no tema deste estudo. Limitar-me-ei a notar que alguns deles são tão interessantes como, por exemplo, o dos "jatos de ar frio" que precediam constantemente à manifestação do espírito, sendo que essa particularidade se produz com a mesma constância, em nossos dias, nas experiências mediúnicas. Esta concordância contribui indiretamente para demonstrar a autenticidade dos fatos. Com efeito, na época em que estes se produziram, o movimento espírita ainda não tinha nascido, por conseqüência, ninguém poderia pensar que manifestações de uma entidade espiritual, assim como fenômenos mediúnicos de natureza física, fossem precedidos de "golpes de ar fresco".

Quanto ao fenômeno estranho e pouco agradável do "fedor cadavérico" que se desprendia do espectro, limito-me a notar que esse fenômeno é um dos mais raros da casuística mediúnica, tão raro que nas minhas classificações apenas encontro registrados três casos.

A Sra. Florence Marryat, em seu livro "There is no death" (Não há morte), descreve um fenômeno semelhante, que sempre se produzia no decurso de uma longa série de experiências feitas com um médium de materializações, mas era apenas quando se materializava certa personalidade mediúnica que tal fedor se desprendia, de modo tal que a própria Sra. Marryat era atacada de náuseas.

É preciso que se concorde que, do ponto de vista probatório, esse detalhe pouco agradável reveste uma importância considerável, porque não se poderia explicá-lo pela fraude. Ao contrário, do ponto de vista teórico, difícil é interpretá-lo. Pode-se supor que, em tais casos, dissociações de substâncias orgânicas se produzissem no corpo do médium, com uma emissão de azoto e outros gases que engendravam o terrível fedor cadavérico. Ficaria, todavia, uma circunstância embaraçosa a explicar, no caso da Sra. Marryat, porque uma única personalidade mediúnica apresentava esse deplorável inconveniente, no meio de uma série de outras personalidades mediúnicas que se materializavam com o mesmo médium. Do ponto de vista espírita, essa circunstância poderia ser explicada admitindo-se as razões que dão a este respeito os "espíritos guias", isto é, que esse traço característico é próprio de uma "entidade espiritual muito inferior". Do ponto de vista anímico, não se poderia compreender porque, numa série de fantasmas materializados com o auxílio do mesmo médium, apenas um tinha a prerrogativa de subtrair azoto e outros gases deletérios do organismo do médium.

Passando às manifestações que constituem o objeto desta monografia, farei observar que, no caso em questão, encontra-se um conjunto de fatos teoricamente interessantes, porque são semelhantes a outros de que tratei antes.

Sobressai, com efeito, da narração, que, quando o espírito tocava uma pessoa, essa sentia ao mesmo tempo uma sensação de queimadura, que era logo seguida de uma marca azulada ou de uma bolha. Trata-se, pois, de uma reunião de fatos que se juntam aos quatro que narrei antes e que agrupei nos comentários do segundo caso citado. Segue-se daí que esse outro grupo de fatos análogos que se produziram no caso de Elisabeth Eslinger serve para confirmar, ulteriormente, os quatro casos que narrei antes desse, entre dois foram em nossa época observados com os médiuns William Stainton Moses e Heinrich Melzer. Tendo sido estes últimos observados experimentalmente, confirmam indiretamente a autenticidade dos outros obtidos espontaneamente, em épocas diferentes. Em outros termos: os incidentes em questão, embora de natureza menos sensacional do que as "impressões de mãos de fogo", poderiam bastar, por si mesmos, para provar a existência real dos fenômenos em questão.

A outra manifestação análoga, na qual o fantasma apertou uma mão protegida por um lenço, deixando na fazenda a impressão em fogo de cinco dedos, é por sua vez interessante, porque ela se deu em plena luz do dia, na presença de várias pessoas que viram o fantasma mais ou menos nitidamente. De outra parte, essa manifestação se reúne, eficazmente, às outras antes citadas, nas quais as impressões ficaram gravadas em tecidos e objetos, o que serve para excluir, definitivamente, a hipótese dos "estigmas por sugestão emotiva", destinada a explicar, em bloco, os fenômenos de mãos de fogo.

Já que o material dos casos recolhidos é abundante, não preciso escolher outros que possam ser considerados como suficientemente documentados. Trata-se, na maior parte, de casos tirados de velhas crônicas, especialmente da hagiografia cristã e, por conseqüência, desprovidos de qualquer testemunho autorizado. Com efeito, durante os séculos passados – séculos de fé e não de ciência - a documentação dos episódios que se relatavam parecia ser aos autores uma superfluidade árida, prejudicial ao fim principal e eficaz da narração.

Infelizmente o fato de dever excluí-los em bloco desta classificação prejudica o estudo desta categoria de fenômenos; porque a autenticidade de alguns dentre eles sobressai nitidamente da concordância dos detalhes secundários.

Trata-se de episódios que teriam considerável valor teórico se se pudesse utilizá-los para a pesquisa das causas, mas, como não se poderia cientificamente fazê-lo, preciso é resignar-se ao inelutável.

De qualquer modo, observo que os 9 casos que acabo de narrar e que são suficientemente documentados, concordam inteiramente entre si, em certas particularidades de manifestação que, considerando-se sua natureza estranha e imprevista, não podiam, certamente, surgir identicamente no espírito de pretensos mistificadores, que ignoravam a existência de manifestações semelhantes. Nestas condições, parecendo-me que são bastantes para demonstrar a existência real dos fenômenos das "impressões de mãos de fogo", vou investigar a origem provável desta categoria de manifestações, ou melhor dito, vou pesquisar a natureza dos elementos psicofísicos que os determinam.

Ora, se se põe de lado a lenda teológica das almas que ardem nas chamas do Purgatório ou do Inferno, só resta uma hipótese rigorosamente possível considerar os fatos, e da qual já falei, isto é, a hipótese "vibratória", que em mais maravilhosa revelação científica, graças á qual assistimos, espantados, aos milagres do "Rádio" e da "Televisão". Se se pensa que o que chamamos "calor" e "frio" constitui um fenômeno único, que difere enormemente para os nossos sentidos, em conseqüência da intensidade maior ou menor com que se produz, mister se faz deduzir daí que, se a tonalidade vibratória dos fluidos, de que se revestem os espíritos dos mortos para se tornarem visíveis e tangíveis, fosse consideravelmente mais intensa do que a inerente à substância viva ou aos tecidos vegetais, deverá inevitavelmente seguir-se que as vibrações muito intensas da substância espiritual, encontrando-se com as relativamente fracas dos tecidos vivos e vegetais, devam destruir estes últimos como o faria o fogo, o que determinaria os fenômenos das "impressões de mãos de fogo".

Com esta explicação, o enigma referente à natureza do elemento psicofísico que determina os fenômenos em questão pode ser considerado como teoricamente resolvido, em perfeita concordância com as últimas generalizações científicas. Ora, notável é que a interpretação dos fatos está inteiramente conforme com o que afirmam as personalidades mediúnicas a respeito das sensações de calor e frio que sentem os vivos ao contato das mãos dos fantasmas.

Vou relatar o que disse uma mensagem mediúnica sobre o assunto; é de data recente e muito notável.

A revista espírita americana The Progressive Thinker, de Chicago, em seu número de 7 de abril de 1923, publicou uma narração das experiências mediúnicas do doutor em medicina George B. Kline, no decurso das quais foi dirigida a uma personalidade mediúnica a seguinte pergunta: "Por que as materializações de fantasmas, com raras exceções, não se produzem nunca em plena luz?" - A explicação dada pela entidade comunicante é de natureza "vibratória" e reveste certo interesse teórico, entretanto não a citarei porque sai do tema de que nos ocupamos e dela me limito a extrair a seguinte passagem, na qual se toca nas sensações de calor e frio, sentidas pelos vivos ao contato dos fantasmas:

"Quando um espírito toca um dos assistentes e esse experimenta uma sensação de frio, isto significa que as moléculas fluídicas que o tornaram substancial, vibram com uma tonalidade muito inferior à das moléculas que constituem o corpo o experimentador. Ao contrário, como sucede na maior parte das vezes, quando ao contato da mão de espírito, o experimentador sente uma impressão de calor causticante, isto significa que as moléculas fluídicas, que constituem essa mão, vibram com uma intensidade extraordinária. Essas variações são invisíveis para os vivos, mas não são imperceptíveis para nós."

Tais são as explicações concordantes das personalidades mediúnicas.

Elas devem ser olhadas como decisivas, não porque venham de entidades espirituais, mas porque suas explicações concordam perfeitamente com as conclusões a que chegou a ciência, estudando a natureza do que os nossos sentidos percebem sob a forma de impressões térmicas chamadas "calor" e "frio".

Resta-nos resolver uma última questão, teoricamente muito importante. Eis de que se trata: Se é verdade - e isto não pode dar lugar à menor dúvida - que o fenômeno das "impressões das mãos de fogo" depende da elevadíssima tonalidade vibratória dos fluidos que se acham no fantasma, então, do ponto de vista naturalista, como considerar a extraordinária intensidade na tonalidade vibratória da substância de que se reveste o fantasma, comparada com a tonalidade vibratória da substância de que se compõem os organismos? É evidente que, se se acolhesse a hipótese naturalista, segundo a qual a substância ectoplásmica, a inteligência e a vontade que caracterizam o fantasma provêm do médium, a tonalidade vibratória da substância de que o fantasma é formado deveria ser idêntica à da substância somática do organismo humano. Como, porém, assim não é, como a tonalidade vibratória no fantasma é muito mais intensa que a do organismo humano, lógico é deduzir-se daí que a origem dessa tonalidade vibratória é estranha ao médium. Nesse caso, ela só pode depender da natureza espiritual da entidade que se manifesta, isto é, de um ser independente do médium. Eis-nos, deste modo, chegados, muito naturalmente, à interpretação espírita dos fenômenos das "impressões de mãos de fogo", interpretação que é a única a fornecer uma solução racional dos fenômenos de que tratamos.

Meditei longamente sobre esta questão, com a intenção de achar uma outra solução, conforme a interpretação naturalista, mas não consegui concebê-la.

Espero, pois, que um dos defensores da origem naturalista de todas as manifestações mediúnicas chegue, com mais sucesso, à solução do problema e que me faça conhecer as suas conclusões.

FIM