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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tomo IV-Parte 2

 

Índice do BlogParte 1Parte 2

seguram as correntes do abuso. Mas, que importa isso, desde que as correntes existam sempre, quer sejam lançadas de cima, quer se elevem de baixo!

Homens, a liberdade vos fugirá, enquanto não achar preparada para recebê-la uma sociedade de irmãos, uma família unida, a que chamareis pátria ou nacionalidade, como quiserdes, no seio da grande família humana, que é a humanidade inteira, tendo por morada o vosso planeta.

A liberdade é o respeito às leis, da parte de uns, a doçura e a justiça da parte dos outros e, da parte de todos, amparo e apoio recíprocos. A liberdade existirá entre vós quando, tanto no terreno físico, como no terreno moral e intelectual, constituirdes uma associação mútua, formando uma cadeia contínua. Esta será então um verdadeiro cordão sanitário, vedando a passagem ao orgulho, à avareza, à inveja, ao ódio, à ambição, à força, à revolta.

A liberdade adeja por cima das vossas cabeças. Sobre vós, porém, não abaterá o vôo, senão quando puder encontrar corações puros que a recebam, mãos puras que a guiem por entre todas as camadas humanas.

V. 37. Sei que sois filhos de Abraão, mas procurais tirar-me a vida, porque a minha palavra não cabe em vós. — 38. Eu digo o que vi junto de meu pai e vós fazeis o que vistes junto de vosso pai. — 39. Responderam-lhe eles: Nosso pai é Abraão. Disse-lhes Jesus: Se sois filhos de Abraão, fazei obras de Abraão. — 40. Agora, porém, procurais tirar-me a vida, a mim que vos tenho dito a verdade que aprendi de Deus. Isso Abraão nunca fez. — 41. Fazeis as obras de vosso pai. Responderam eles: Nós não somos bastardos; um pai temos, que é Deus. — 42. Disse-lhes Jesus: Se Deus fosse vosso pai, vós me amaríeis, pois eu de Deus sai e vim; porque, não vim de mim mesmo, ele foi que me enviou. — 43. Porque não compreendeis a minha linguagem? É porque não podeis ouvir a minha palavra. — 44. Sois filhos do diabo e quereis cumprir os desejos de vosso pai. Ele 319

foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque não há nele verdade. Quando diz mentira, fala do que lhe é próprio, porquanto é mentiroso e pai da mentira. — 45. Entretanto, em mim, que vos digo a verdade, não credes.

Também destas palavras deveis compreender, segundo o espírito, o sentido. Se bem que figuradas, eram apropriadas, pela forma da linguagem, àqueles a quem se dirigiam, ao estado da inteligência deles, a seus preconceitos, a suas idéias, fruto das interpretações dadas às tradições. Eram também apropriadas ao fim que Jesus tinha em vista alcançar.

De um lado, a letra; do outro, o espírito. Jesus tudo dispunha, como sabeis, em todas as circunstâncias, do ponto de vista da atualidade e do porvir, objetivando os tempos, então futuros, da revelação do Espírito da Verdade, sob o império do espírito.

"Quereis tirar-me a vida", disse. E insiste nisso, repetindo essas palavras que, para o entendimento dos Judeus, equivaliam a estas outras: "Sou homem, mortal como vós", a fim de contrabalançar sempre a crença na divindade que lhe havia de ser atribuída dentro das trevas da letra. Essa divindade, como já vos mostramos, teve a sua razão de ser, mas tinha que ser combatida a seu tempo e, sob as radiações luminosas do espírito, tem que desaparecer, que se apagar diante da nova revelação.

Eu digo o que vi junto de meu pai.

"Tendo descido das esferas elevadas, estando sempre em relação com o Senhor, prego a moral pura, que só ela pode elevar os homens aos pés do Eterno e que, naquelas esferas, é praticada pelos Espíritos puros, pelos Espíritos superiores e pelos bons Espíritos”. 320

Fazeis o que VISTES junto de vosso pai.

Jesus alude à origem do Espírito e à rota que este toma quando lhe é dado escolher seu caminho. Enveredando por um caminho falso, incorre na encarnação.

Esta expressão — "vosso pai" — de que se serve com referência aos Judeus é, aqui, figurada, como estas outras: "Sois filhos do diabo." Nessa frase, o diabo, pai deles, apenas personifica simbolicamente o mal que, originando-se do orgulho, da inveja, da presunção, produziu a revolta e determinou a queda do Espírito, o fez falir, o constituiu filho do pecado, quando, sendo livre de preferir esta àquela senda, por vontade e impulso próprios, tomou o mau caminho, provindo de sua própria disposição a simpatia que sentiu pelos Espíritos inferiores e que o levou a cair. E isso se dá por maneira tal que só depois da queda se estabelecem relações similares entre aqueles Espíritos e o que faliu.

Assim é que os homens a quem Jesus se dirigia eram "filhos do diabo". Eram filhos do pecado por serem filhos da revolta, por terem falido, porque, encarnados, sofrendo o castigo, conseqüência inevitável do desvio espiritual, ainda faliam.

FAZEIS o que VISTES junto de vosso pai. Falistes e continuais a falir.

"Fazeis as obras de vosso pai."

Persistis no mal, pois que más continuam a ser as vossas obras.

Sois filhos do diabo e quereis cumprir os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o principio e não permaneceu na verdade, porque não há nele verdade. Quando diz mentira, fala do que lhe é próprio, porquanto é mentiroso e pai da mentira. 321

39 Ver ns. 55-56 e seguintes do 1º tomo.

Aos Judeus, segundo o seu modo de entender, estas palavras: Ele foi homicida desde o princípio, referentes àquele a quem Jesus aludia, dizendo: "vosso pai", o "diabo", evocavam a lembrança do fato emblemático do assassínio de Abel praticado por seu irmão Caim. Dizemos — "fato emblemático", porque são emblemáticas as figuras de Caim e de Abel, como o são as de Adão e Eva, umas e outras entendendo com a origem do Espírito, com a sua queda e as conseqüências desta, o que tudo já explicamos. 39

A posteridade de Caim representa, figuradamente, a série de Espíritos culpados, de Espíritos que faliram e sofrem a encarnação nos mundos materiais de provação e expiação. A figura emblemática de Caim representa o Espírito que se tornou culpado logo na sua origem, desviando-se da senda que lhe estava indicada. Tal Espírito foi homicida de si mesmo, visto que por suas próprias mãos se votou à morte espiritual, condenando-se à encarnação. Foi homicida de seu irmão, desde que este, por vontade e impulso próprios, enveredou pelo mau caminho e com ele firmou relações de afinidade. Conquanto essas relações se tenham estabelecido por efeito da simpatia que ele inspirou a seu irmão, simpatia oriunda das disposições deste último; conquanto o homicídio do segundo seja obra da sua vontade livre, nem por isso o primeiro deixou de ser assassino, uma vez que contribuiu, pelas suas sugestões e influências, para que ele também se condenasse à morte espiritual.

A verdade, a que Jesus se referia, segundo o texto que apreciamos, é o bem, é a pureza que o Espírito conserva ao longo do caminho do progresso que o eleva na hierarquia espírita, conduzindo-o à perfeição e, pela perfeição, a Deus, que é a verdade absoluta. 322

Mentira é tudo o que decorre do mal: falsidades, erros, falsas doutrinas, quer se traduzam por palavras, quer por atos.

Em espírito e verdade, o sentido das palavras do Mestre é este: "Vós, Espíritos falidos, sois filhos do pecado, filhos da revolta, e quereis, cedendo às inspirações do mal que vos fez falir, pôr em execução vossos pensamentos, vossas intenções culposas, derramando o sangue do justo."

O Espírito se tornou culpado, em sua origem, desviando-se da senda que lhe cumpria trilhar. Foi homicida de si mesmo porque se votou à morte espiritual, condenando-se à encarnação. Foi homicida daqueles de seus irmãos que se embrenharam pelo mau caminho e com ele estabeleceram relações de afinidade; que desse modo se votaram à morte espiritual, condenando-se à encarnação. Foi homicida destes últimos porque, pelas suas sugestões e sua influência, os arrastou à senda do mal. Faliu, não conservando em si a pureza que o Espírito deve guardar na senda do progresso. Quando de sua boca sai tudo o que deriva do mal: falsidades, erros, falsas doutrinas, externa o que, por vontade e impulso próprios, vai haurir na impureza de que se encheu, porquanto é órgão e autor de tudo o que tem origem no mal: falsidades, erros, falsas doutrinas.

Procurais tirar-me a vida, diz Jesus aos Judeus, porque a minha palavra não cabe em vós. — Porque não compreendeis a minha linguagem? — É porque não podeis ouvir a minha palavra.

Aqueles a quem assim falava o Mestre, adstritos, pela opacidade dos fluidos de seus perispíritos, a permanecerem nas regiões inferiores, se compraziam no meio iníquo em que se encontravam e procediam constantemente como Espíritos impuros e atrasados. 323

Se Deus fosse vosso pai, vós me amaríeis, pois eu de Deus procedo e vim. Porque, não vim de mim mesmo, ele foi que me enviou.

Se eles fossem espiritualmente mais elevados e, assim, verdadeiramente filhos de Deus, teriam de fato amado a Jesus, porquanto maior afinidade haveria entre os fluidos deste e os deles e, conseguintemente, relação e atração. Jesus procedera de Deus e era de Deus o enviado entre os homens, por ser perfeita e imaculada a sua pureza.

Entretanto, em mim que vos digo a verdade, não credes.

Ouvindo-me pregar a moral pura, que só ela pode levar os homens aos pés do Eterno; vendo-me apontar-vos o caminho da purificação e do progresso, que vos há de conduzir à perfeição, não dais crédito à minha palavra, nem à minha missão. 324

CAPÍTULO VIII Vv. 46-59

Continuação e fim da prédica de Jesus aos Judeus

V. 46. Quem de vós me argüirá de pecado? Se vos digo a verdade, porque não me credes? — 47. Aquele que é de Deus ouve as palavras de Deus. Por isso é que não as ouvis, é porque não sois de Deus. — 48. Responderam-lhe então os Judeus: Não temos nós razão de dizer que és Samaritano e tens demônio? — 49. Replicou-lhes Jesus: Não tenho demônio; apenas honro a meu pai, ao passo que vós a mim me desonrais. — 50. Não busco a minha glória; alguém há, porém, que a busca e me fará justiça. — 51. Em verdade, em verdade vos digo: Aquele, que guardar a minha palavra, jamais morrerá. — 52. Disseram-lhe os Judeus: Agora temos a certeza de que estás possesso do demônio. Abraão morreu e também os profetas e tu dizes: Aquele, que guardar a minha palavra, nunca provará a morte. — 53. És, porventura, maior do que nosso pai Abraão, que morreu, e do que os profetas, que também morreram? Quem pretendes tu ser? — 54. Jesus lhes respondeu: Se eu a mim mesmo me glorifico, minha glória nada é; quem, porém, me glorifica é meu pai, aquele que dizeis ser vosso Deus; — 55, se bem não o conheçais. Eu, entretanto, o conheço e, se dissesse que o não conheço, seria, como vós, mentiroso. Conheço-o e guardo a sua palavra. — 56. Vosso pai Abraão desejou ardentemente ver o meu dia; viu-o e exultou. — 57. Objetaram-lhe os Judeus: Ainda não tens cinqüenta anos e viste a Abraão! — 58. Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Antes que Abraão fosse, eu sou. — 59. Então pegaram os Judeus de pedras para lhe atirarem, mas Jesus se encobriu e saiu do templo.

N. 29. Claramente compreensíveis são estes versículos. 325

Como já temos dito, eram Espíritos impuros e atrasados os daqueles homens a quem Jesus falava, de modo que suas palavras eles as tomavam sempre ao pé da letra, incapazes que eram, por efeito da impureza e da orgulhosa ignorância que os caracterizavam, de as compreender segundo o espírito, em verdade. Chamavam-lhe samaritano, injuriosa e desprezivelmente, vazando nessa expressão todo o ódio de que tinham cheios no mais alto grau os corações. Diziam-no possesso do demônio, pretendendo dessa forma acusar de estar submetido às piores influências, de ser órgão do erro e da mentira aquele que era Espírito puro e perfeito, que era o enviado de Deus, seu órgão direto entre os homens, o divino modelo.

Chamaremos a vossa atenção tão-somente para aquelas das palavras de Jesus que exigem explicações, a fim de que os homens lhes compreendam o sentido exato, despojado da letra o espírito.

"Em verdade, em verdade vos digo: Aquele, que guardar a minha palavra, jamais morrerá."

Para o Espírito que se acha em via de depuração, a estagnação, o permanecer estacionário é a morte. O progresso é a vida.

"Aquele que guardar a minha palavra", isto é: que praticar, sem nunca se afastar dela, a moral pura que prego aos homens, esse "jamais morrerá". Seu Espírito jamais ficará estacionário. Progredirá constantemente, avançará sempre para a perfeição, purificando-se cada vez mais. Viverá, portanto, sem nunca parar na sua marcha ascensional.

O pensamento de Jesus é de ordem inteiramente espiritual. Ele não se referia à vida do corpo, mas à do Espírito.

És, porventura, maior do que nosso pai Abraão, 326

que morreu, e do que os profetas, que também morreram? Quem pretendes tu ser?

A essa interpelação Jesus dá, como sempre, uma resposta velada pela letra e que não podia, nem devia, ser compreendida pela geração da época, nem pelas que a esta imediatamente se sucederiam, porquanto a resposta, segundo o espírito, em espírito e verdade, só a nova revelação havia de dá-Ia nos tempos atuais, quando os homens se tornaram capazes de apreendê-la.

"Se eu a mim mesmo me glorifico, minha glória nada é; quem, porém, me glorifica é meu pai, aquele que dizeis ser vosso Deus, se bem não o conheçais. Eu, entretanto, o conheço e, se dissesse que o não conheço, seria, como vós, mentiroso. Conheço-o e guardo a sua palavra."

Dizendo isso, Jesus dá aos homens um exemplo e uma lição de humildade, mostrando não lhes caber o atribuírem-se a si mesmos um valor pessoal, qualquer superioridade sobre seus irmãos; ensinando que, assim como de Deus lhes vem o ser, também de Deus é que lhes vêm o valor, a elevação.

Declarando conhecer a Deus, afirma, sob o véu da letra, ser um puro Espírito, porquanto, conhecer a Deus é conhecer-lhe a essência, estar próximo do foco da onipotência e de toda a vida, o que só aos puros Espíritos é dado.

Quando disse — "Eu guardo a sua palavra" — afirmou estar, ele que falava aos homens, em relação direta com o pai, recebendo-lhe as inspirações e mantendo-se-lhe fiel às vontades, no cumprimento da sua missão.

"Vosso pai Abraão desejou ardentemente ver o meu dia; viu-o e exultou." 327

Jesus alude aqui à sua missão terrena, ao seu aparecimento na Terra, aludindo à alegria que causou ao Espírito de Abraão o advento do Messias. Esperado pelos homens, esse advento foi visto com grande júbilo por todos os Espíritos que trabalhavam então e ainda trabalham, sob a direção do vosso protetor, do vosso governador, pelo desenvolvimento e pelo progresso do vosso planeta e da humanidade que o habita.

Os Judeus, que sempre tomavam ao pé da letra o que o Mestre dizia, imaginando que este se reportava ao dia do seu nascimento, que supunham houvesse ocorrido por encarnação humana, como o deles, lhe observaram: "Ainda não tens cinqüenta anos e viste a Abraão!" Ao que Jesus responde:

"Em verdade, em verdade vos digo: Antes que Abraão fosse, EU SOU."

Sempre sob o véu da letra, o Mestre, por essas palavras, proclama: que não sofrera a encarnação humana, própria do vosso planeta, que, sob o invólucro que revestira para se tornar visível aos olhares humanos, era sempre Espírito independente e livre, Espírito de criação anterior à do de Abraão; que o era naquele momento, como era quando Abraão, Espírito, fora criado e ainda como era quando este viu o seu aparecimento na Terra, na qualidade de Messias.

Antes que Abraão fosse, eu sou. Minha natureza é extra-humana, minha existência entre vós nada tem de comum com a da humanidade a que pertenceis. 328

CAPÍTULO IX Vv. 1-12

Cego de nascença. — Sua cura operada por Jesus

V. 1. E ao passar viu Jesus um homem, que era cego de nascença. — 2. Seus discípulos lhe perguntaram: Mestre, que pecado cometeu este homem ou cometeram seus pais, para que nascesse cego? — 3. Respondeu-lhes Jesus: Nem ele pecou, nem pecaram seus pais; isto assim é para que nele se manifestem as obras do poder de Deus. — 4. É necessário que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; vem depois a noite e durante ela ninguém pode fazer obras. — 5. Enquanto eu estou no mundo, sou a luz do mundo. — 6. Dito isso, cuspiu no chão, fez lodo com o cuspo e untou com esse lodo os olhos do cego; — 7, e lhe disse: Vai e lava-te na piscina de Siloé (que significa: Enviado). O homem foi, lavou-se e voltou enxergando. — 8. Então, seus vizinhos e os que o tinham visto antes a pedir esmolas perguntavam: Este não é o que se sentava e mendigava? Uns diziam: É ele mesmo. — 9. Outros, porém, diziam: Não; é outro que com ele se parece. Ele, entretanto, dizia: Sou eu mesmo. — 10. Perguntaram-lhe então: Como foi que se te abriram os olhos? — 11. Respondeu: Aquele homem que se chama Jesus fez lodo, ungiu-me os olhos e me disse: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo. — 12. Perguntaram-lhe: Onde está ele? Respondeu: Não sei.

N. 30. Sabeis, pois o temos dito muitas vezes, que, quando Jesus teve que desempenhar a sua missão na Terra, um grupo se formou de Espíritos, que tomaram a si a tarefa de auxiliá-lo, ou de servir de instrumento à execução da obra que aquela missão visava realizar.

O cego de nascença pertencia a esse grupo de Espíritos que encarnaram em torno do Mestre. Submetendo-se à prova, que pedira, da cegueira, pôs termo à série das que lhe cumpria suportar. 329

Atentai na pergunta que os discípulos fazem a Jesus: "Que pecado cometeu este homem, ou cometeram seus pais, para que nascesse cego ?"

Ora, para que um pecado daquele homem fosse causa da sua cegueira de nascença, preciso era que, ao verificar-se o seu nascimento, ele houvesse pecado como homem, isto é, que tivesse tido uma existência anterior, em a qual houvesse cometido o pecado determinante da cegueira. Isso necessariamente supunha a anterioridade, a preexistência da alma e, por conseguinte, a reencarnação. Sendo assim, nenhum cabimento havia para qualquer alternativa. Desde então, o pecado dos pais não mais podia ser a causa daquela cegueira de nascença.

E de que modo um pecado dos pais pudera ser causa de tal cegueira? Só um pecado cometido por eles antes do nascimento do filho. Mas, concebe-se que uma criatura nasça cega por efeito de pecado que seus pais hajam cometido? Concebe-se que alguém sofra as conseqüências de falta em que outrem incorreu e que de tal falta resulte para esse alguém o nascer cego?

Não era isso o que tinham em mente os discípulos. Entretanto, formulando aquela pergunta da maneira por que o fizeram, inconscientemente preparavam a inteligência que a nova revelação, explicando-as segundo o espírito, viria dar às seguintes palavras, veladas pela letra, com que Jesus lhes respondeu: "Isto assim é, para que nele se manifestem as obras do poder de Deus."

Como encarnados, os discípulos eram, não o esqueçais, pouco adiantados. Enclausurados na carne, seus Espíritos se achavam comprimidos pela matéria. Não se aventuravam a nenhuma das considerações que acabamos de expender. Nenhuma delas lhes podia acudir às inteligências, nem passar pelas idéias. Essas considerações mostram mesmo que a questão foi proposta por 330

Espíritos que, por se acharem, como encarnados, num estado de infância, não lhe mediam o alcance.

Eles não cogitavam senão de um pecado cometido por aquele que nascera cego, ou por seus pais. De sorte que o que tinham em mente perguntar era o seguinte: "Será isto a conseqüência de um pecado cometido por este homem, portanto, desde o instante de seu nascimento, ou por seus pais?" "A causa de este homem haver nascido cego terá sido algum pecado cometido por ele, ou por seus pais?"

Jesus respondeu enquadrando a sua resposta no sentido das próprias palavras dos discípulos. Assim é que disse: "Nem ele pecou, nem pecaram seus pais", o que equivale a ter dito: "Não, ele não expia faltas que haja cometido na sua atual encarnação e ainda menos falta em que seu pai ou sua mãe tenham incorrido."

"É preciso que as obras do poder de Deus se manifestem nele." Preciso é que a expiação imposta ao Espírito culpado siga o seu curso. Este homem não sofre castigo por faltas do presente. Tampouco paga por outrem. Paga dívida contraída pelo seu próprio Espírito. Sua cegueira de nascença representa a expiação, que ele buscou, de faltas anteriores à sua encarnação atual. É assim que as obras do poder de Deus se manifestam nele. A cura da cegueira indica que a sua expiação terminou. Dessa forma ele serve ao cumprimento da missão do enviado de Deus.

Aquele homem, acima o dissemos, era um Espírito devotado que, encarnado em tais condições, para servir à execução da obra do Mestre, concluía suas provas.

"É necessário que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Vem depois a noite e durante ela ninguém pode fazer obras. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo." 331

É mister que eu faça, enquanto durar a minha missão terrena e desempenhando-a, todas as obras que Deus me encarregou de executar. Sou a luz que alumiará os homens, enquanto me achar entre eles. Aproxima-se o momento em que a minha missão terminará. Ninguém poderá impedir que ela tenha fim.

Quanto ao cego de nascença, chegara o momento terminal da sua prova. Jesus, como bem o compreendeis, para curá-lo, atuou fluidicamente sobre os órgãos da visão, exercendo, por ato da sua vontade, uma ação magnética. No 2° tomo, págs. 152-155 e no 3°, págs. 230-231, já explicamos fatos de cura da cegueira. Cabem aqui as explicações que demos então. Reportai-vos a elas.

Deveis igualmente compreender que Jesus nenhuma necessidade tinha de passar lodo nos olhos do cego a fim de lhe operar a cura. Esta se verificou por efeito da ação magnética. Ele fez aquilo apenas para dizer em seguida: Vai lavar-te na piscina de Siloé. As águas dessa piscina passavam por virtuosas. Jesus mandou que o cego curado se fosse lavar naquelas águas para mais divulgar o fato da cura, visto que era muito freqüentada a piscina de Siloé. 332

40 Fórmula de que usavam os Judeus, sempre que de alguém queriam o juramento de dizer a verdade.

CAPÍTULO IX Vv. 13-34

O cego é levado à presença dos fariseus. — Interrogatório a que o submetem e a que também respondem seu pai e sua mãe. — Sua expulsão depois de injuriado

V. 13. Levaram então aos fariseus o que fora cego. — 14. Ora, era um sábado o dia em que Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos. — 15. Os fariseus também lhe perguntaram de que modo recobrara a vista. O homem respondeu: Ele me pôs lodo sobre os olhos, eu me lavei e vejo. — 16. Ouvindo isso, alguns fariseus disseram: Este homem não é enviado de Deus, pois que não guarda o sábado. Outros, porém, disseram: Como poderia um homem pecador fazer prodígios tais? Havia, assim, dissensão entre eles. — 17. Perguntaram então ao cego: E tu, que dizes desse homem que te abriu os olhos? Que é um profeta, respondeu. — 18. Mas os Judeus não acreditaram que ele fora cego e tivesse recuperado a vista, enquanto não fizeram vir à sua presença os pais dele, — 19, e os interrogaram assim: É este o vosso filho, de quem dizeis que nasceu cego? Como é que agora ele vê? — 20. Os pais do homem responderam: Sabemos que este é nosso filho e que nasceu cego. — 21. Como é que agora vê não o sabemos e igualmente não sabemos quem foi que lhe abriu os olhos. Interrogai-o; já tem idade; que fale por si mesmo. — 22. Seus pais assim falaram, porque tinham medo dos Judeus, visto que estes já haviam resolvido que fosse expulso da Sinagoga quem quer que confessasse ser Jesus o Cristo. — 23. Por isso foi que disseram: Ele já tem idade; interrogai-o. — 24. Chamaram então pela segunda vez o homem que fora cego e lhe disseram: Rende glória a Deus 40: sabemos que esse homem é um 333

pecador. — 25. Ele lhes respondeu: Se é um pecador, não sei; uma só coisa sei e é que era eu cego e agora vejo. — 26. Perguntaram-lhe: Que te fez ele? Como te abriu os olhos? — 27. Respondeu-lhes: Já vo-lo disse e o ouvistes; porque quereis ouvi-lo de novo? Porventura quereis tornar-vos seus discípulos? — 28. Sobre isto o carregaram de injúrias e lhe disseram: Discípulo dele sejas tu, que nós somos discípulos de Moisés. — 29. Sabemos que Deus falou a Moisés, mas este não sabemos donde é ele. — 30. O homem replicou: É espantoso que não saibais donde ele é e que me tenha aberto os olhos. — 31. Sabemos que Deus não ouve a pecadores, mas se alguém o honra e faz a vontade, a esse ele ouve. — 32. Desde que o mundo existe, jamais se ouviu dizer que alguém abrisse os olhos a um cego de nascença. — 33. Se este homem não fosse enviado de Deus, nada poderia fazer do que tem feito. — 34. Retrucaram-lhe: Tu, que és todo pecado desde que nasceste, pretendes dar-nos lições?! E o lançaram fora.

N. 31. Estes versículos não precisam de comentários. Confrontai esses fatos com os que ocorrem presentemente. 334

CAPÍTULO IX Vv. 35-41

O cego que fora curado, sendo encontrado por Jesus, crê nele. — Palavras que Jesus lhe dirige. — Palavras dos fariseus a Jesus. — Resposta de Jesus

V. 35. Jesus ouviu dizer que o haviam expulsado e, encontrando-o, lhe perguntou: Crês no filho de Deus? — 36. Ele respondeu: Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia? — 37. Disse-lhe Jesus. Até já o viste; é ele mesmo quem te fala. — 38. Disse ele então: Creio, Senhor. E, prostrando-se, o adorou. — 39. Acrescentou Jesus: Vim a este mundo para exercer um juízo, a fim de que os que não vêem vejam e os que vêem se façam cegos. — 40. Ouvindo isto, alguns dos fariseus que com ele estavam lhe perguntaram: Porventura também nós somos cegos? — 41. Jesus lhes respondeu: Se fosseis cegos, não teríeis culpa. Mas, vós mesmos agora dizeis: Nós vemos. Sendo assim, em vós permanece o vosso pecado.

N. 32. Nenhuma explicação se faz necessária para a inteligência destes versículos, segundo o espírito, salvo com relação às palavras que Jesus dirigiu ao que se curara da cegueira, quando se prosternou diante dele, e com relação à resposta que deu aos fariseus.

Jesus viera exercer um juízo, no sentido de ter vindo esclarecer os homens acerca do caminho que devem seguir e pregar-lhes a moral pura que é o código que lhes cabe consultar, para se absolverem ou condenarem, no foro íntimo de suas consciências, mediante exame sério e completo de seus pensamentos, palavras e atos.

"A fim de que, disse Jesus, os que não vêem vejam e os que vêem se façam cegos." 335

Estas palavras guardam um sentido todo espiritual. Referem-se à cegueira moral, não à cegueira física, material e, segundo o pensamento do Mestre, se aplicam a todos os tempos, pois que cumpre ao homem esforçar-se por adquirir a vista espiritual, procurando compreender e pôr em prática a moral pura que ele trouxe ao mundo, seus ensinos e exemplos.

Elas tinham, antes de tudo, uma aplicação especial aos que eram testemunhas da sua missão terrena e também têm uma especial aplicação aos que, na época atual, são testemunhas da nova revelação, da revelação do "Espírito da Verdade", por ele predita e prometida, da revelação da revelação, que agora vos é dada.

Quanto àqueles que assistiam à sua missão terrena, o ato que Jesus praticara, restituindo a vista corporal ao cego de nascença, simbolizava o ato que viera realizar desempenhando a sua missão e praticando todas as obras que praticou, destinadas a causar impressão em homens materiais, a fim de lhes restituir a vista espiritual, de os curar da cegueira moral, por meio da doutrina que pregava, de seus ensinamentos e exemplos.

Dizendo: "a fim de que os que não vêem vejam", aludia a todos os que se achavam privados da vista material, aos quais ele a restituía, e que, recobrando-a, lhe reconheciam a missão, percebiam a luz espiritual que lhes vinha clarear a inteligência e o coração. Aludia igualmente aos que, conquanto gozassem da vista corporal, estavam atacados de cegueira moral, mas que, presenciando os fatos por ele operados, admitindo-os, lhe reconheciam a missão e divisavam a luz espiritual que os vinha curar da cegueira de que padeciam.

Dizendo: "a fim de que os que vêem se façam cegos", aludia aos que, vendo os fatos que ele produzia, não os queriam admitir, nem lhe reco- 336

nheciam a missão. Esses se afastavam da luz e mergulhavam nas trevas por nada saberem distinguir na luz.

Aos fariseus que lhe perguntaram: "Porventura também nós somos cegos? responde: Se fosseis cegos não teríeis culpa. Segundo o espírito, Jesus, por essa forma, exprime um duplo pensamento, aludindo à situação do cego de nascença que ele curara e que, Espírito devotado, terminava suas provas com o ver o fim da expiação que escolhera, para servir à execução da obra do Mestre, e com o lhe reconhecer a missão.

"Se fosseis cegos" também, isto é, se vos achásseis na situação deste homem, "não ferieis culpa".

Mas, agora dizeis: Nós vemos, Sendo assim, "em vós permanece o vosso pecado". Estas palavras são a conseqüência e a aplicação das que acabara de pronunciar: "Os que vêem se façam cegos."

Mas, agora, dizeis que vedes: Dizeis que tendes a vista corporal. Dispondo dessa vista, observais as obras que eu faço, porém não as admitis, nem reconheceis a minha missão. Daí vem que em vós permanecem as vossas faltas, os vossos vícios, as vossas más paixões, que são frutos da vossa cegueira moral e vos fazem culpados.

Os fariseus, no seu foro íntimo, reconheciam a missão de Jesus; entretanto, não queriam admiti-la, porque ligavam mais importância aos bens da terra do que aos, para eles, hipotéticos bens do céu. Não tendes que vos admirar do seu proceder e de seus atos com relação a Jesus. A história dos Judeus não vos relata de que modo eram tratados os profetas, quando afrontavam os poderosos?

Quanto à aplicação das palavras que estamos apreciando à nova revelação e aos homens que a testemunham, ocorre perguntar-vos: Não achais que as condições atuais sejam idênticas 337

às da época em que Jesus desempenhou a sua missão? Os Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, não encontram o mesmo acolhimento que teve Jesus? A predição, por este feita, do advento da revelação atual não é recebida como o foi a do advento do Messias, do Cristo? Não há também os que, testemunhas das manifestações espíritas, físicas e inteligentes, reconhecem a missão dos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, e o advento da era nova predita e prometida pelo Mestre, os que percebem, assim, a luz espírita, que vem clarear as inteligências e os corações?

Não há os que, testemunhas de tais manifestações, não reconhecem, entretanto, aquela missão e o advento da era nova, se afastam da luz e mergulham nas trevas, por nada também saberem distinguir na luz?

Não tendes entre vós os novos fariseus, que falam e procedem com referência à nova revelação e aos que a aceitam e propagam pela palavra e pelo exemplo, como falavam e procediam os fariseus de outrora, com referência a Jesus e aos que lhe reconheciam a missão? Não os vedes procurando voluntariamente mergulhar nas trevas, para salvaguardarem seus mesquinhos interesses materiais?

A eles se aplica a resposta de Jesus aos daquela época. 338

CAPÍTULO X Vv. 1-10

Parábola da porta do aprisco das ovelhas. — Jesus é a porta

V. 1. Em verdade, em verdade, vos digo: O que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é roubador e ladrão. — 2. O que, porém, entra pela porta, esse é pastor das ovelhas. — 3. A este o porteiro abre e as ovelhas lhe ouvem a voz; chama as suas ovelhas pelos seus nomes e as tira para fora. — 4. E, tendo feito sair as ovelhas que lhe pertencem, vai adiante delas e elas o seguem, porque lhe conhecem a voz. — 5. A um estranho não seguem, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos. — 6. Esta parábola lhes propôs Jesus. Mas eles não entenderam o de que ele lhes falava. — 7. Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. — 8. Todos quantos têm vindo são roubadores e ladrões; as ovelhas não os ouviram. — 9. Eu sou a porta. Aquele, que entrar por mim, será salvo; entrará, sairá e achará pastagens. — 10. O ladrão não vem senão para furtar, matar e perder. Eu, porém, vim para que as ovelhas tenham vida e a tenham em abundância.

N. 33. Jesus é a porta do aprisco. É ele quem abre e ilumina a inteligência e conduz o Espírito à morada do pai: à perfeição.

Os que não têm seguido as veredas por ele abertas; os que, pelo contrário, têm desviado os homens, impelindo-os ao ódio, ao orgulho, à vingança, à cupidez, hão sido "ladrões e roubadores", visto que não penetraram no coração humano pela única porta que dá acesso ao pastor: o amor e a renúncia. 339

Jesus, por meio dessa parábola e da explicação que dela oferece, velada pela letra, se dirigiu àquela época e ao futuro. Usando de uma linguagem apropriada ao momento, às inteligências dos que o ouviam e que precisavam ser fortemente abalados, chamava a atenção de todos para os falsos pastores de então e a das gerações que se sucederiam para os falsos pastores que se diriam seus representantes, seus discípulos. Indicava os sinais para se reconhecerem esses falsos pastores, dos quais todos devem fugir, e os dos pastores verdadeiros, os únicos que devem ser escutados e seguidos. Proclamava a sua autoridade plena e completa sobre o planeta e a humanidade terrenos, a salvação dos homens pela prática da sua moral, a grandeza e o objetivo da sua missão terrena.

V. 1. O que não entra pela porta no aprisco, mas sobe por outra parte, é roubador e ladrão.

Aquele que toma o encargo de instruir os homens e que, em vez de lhes ensinar, pela palavra e pelo exemplo, a moral pura que Jesus personifica e pregou, os desvia dos caminhos simples e retos da justiça, do amor, e da caridade, é ladrão e roubador das almas, é um falso pastor.

V. 2. O que, porém, entra pela porta, esse é pastor das ovelhas.

O que ensina e pratica aquela moral é verdadeiro pastor.

V. 3. A este o porteiro abre e as ovelhas lhe ouvem a voz; chama as suas ovelhas pelos seus nomes.

A esse abre o Senhor a inteligência e dá luz. Seus ensinos penetram no coração dos homens, 340

que logo o conhecem e se tornam dóceis aos seus chamamentos.

E as tira para fora.

Tira-as do caminho traçado pelos falsos pastores; tira-as do redil em que as meteram e que é antes uma masmorra trevosa. Havia nessas palavras uma alusão ao que se dera com a lei de Moisés, ao que se daria com o Cristianismo e ao que ocorreria, quer antes da revelação atual, quer ao tempo dela, para que os homens fossem reconduzidos à prática da moral que ele ensinava.

V. 4. E, tendo feito sair as ovelhas que lhe pertencem, vai adiante delas e elas o seguem, porque lhe conhecem a voz.

Compreende-se. Os que caminham nas pegadas do verdadeiro pastor, praticando a moral que estes lhes ensina pela palavra e pelos exemplos de humildade, de caridade, de amor e de renúncia de si mesmo, moral que é a de Jesus, os que efetivamente reconhecem que acharam o caminho santo do Salvador, esses não mais se deixam transviar, seguem com entusiasmo o pastor.

V. 5. A um estranho não seguem, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.

Esforços inúteis serão os dos que quiserem levar consigo as ovelhas que hajam escutado a voz do bom pastor. Aqueles, cujas almas tenham sido tocadas por essa harmonia divina, não se deixarão mais seduzir pelos sons discordantes das vozes humanas que procurem desencaminhá-los.

V. 7. Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. 341

Não podem os homens progredir, purificar-se e atingir a perfeição, senão praticando a moral do Mestre, seguindo o caminho que ele traçou com os seus ensinamentos e exemplos. Não podem alcançar essa meta, senão por intermédio dele, que abre e ilumina a inteligência por todos os meios que a providência de Deus lhe confiou e que ele emprega, ele que é o protetor e o governador do vosso planeta, de acordo com as faculdades e necessidades de cada criatura, de cada época, de cada era.

V. 8. Todos quantos têm vindo são roubadores e ladrões; as ovelhas não os ouviram.

Há aqui uma figura. O Mestre alude às diversas missões humanas que, mais ou menos maculadas pela fraqueza inerente à natureza do homem, não tiveram a força e o valor da missão divina que ele desempenhou.

Dizendo: "Todos os que têm vindo são roubadores e ladrões", Jesus se serviu, repetimos, de uma linguagem figurada. Tendo, só ele, autoridade plena e completa, estabeleceu o valor especial dessa autoridade, valendo-se de uma imagem bastante forte para produzir sensação entre homens que o repeliam em nome dos profetas e que se recusavam a admitir que nele se houvesse verificado o advento do Messias esperado.

"As ovelhas não os escutaram."

Não é fato que os homens se têm afastado dos princípios que os diversos enviados lhes incutiram? Escutaram-nos no momento, mas pouco a pouco se foram afastando.

Jesus foi repelido por muitos, mas foi acolhido por alguns cujo número de dia para dia aumentou e que agora se multiplicará ao infinito, pois que chegaram os tempos em que os homens "lhe escutarão a voz" e em que, pela depuração 342

e transformação do planeta e da humanidade terrenos, não haverá mais na Terra, como ele o predisse, "senão um só rebanho e um só pastor."

V. 9. Eu sou a porta. Aquele que entrar por mim será salvo.

Aquele que praticar a minha moral, que, portanto, caminhar nas minhas sendas, progredirá, se purificará e seguirá uma marcha ascensional que conduz o Espírito à perfeição.

Entrará, sairá e achará pastagens.

Entrará na vida humana, dela sairá e, em todas as condições, achará o pão, não o que alimenta o corpo, mas o que eleva a alma.

V. 10. O ladrão não vem senão para furtar, matar e perder.

Sim; deveis notar que todas as missões precedentes causaram derramamento de sangue, enquanto que Jesus sempre pregou a paz, a união, a fraternidade.

Se em seu nome se tem derramado sangue, ah! que esse sangue caia sobre a memória dos que, dizendo-se seus discípulos, não passavam de lobos vorazes!

Orai pelos que ainda não expiaram a sua cegueira sanguinária.

"Eu, porém, vim, para que as ovelhas tenham vida e a tenham em abundância."

Desempenhando a sua missão terrena, Jesus veio mostrar aos homens as sendas e os meios de regeneração, constituídos pela sua moral pura, que é, para a alma, o pão de vida, proporcionando-lhe abundante alimento, que a engrandece, fortifica, depura e eleva. 343

CAPÍTULO X Vv. 11-21

Jesus é o bom pastor. — São suas ovelhas todos os que praticam a sua moral pura. — Sua missão consiste em levar todos os homens a praticá-la, a fim de que não haja mais do que um rebanho e um só pastor. — Ele tem o poder de deixar a vida e de a retomar; ninguém lha tira, nem lha pode tirar

N. 34. Grande importância têm estes versículos, do ponto de vista da natureza extra-humana de Jesus; do de sua morte no Gólgota, morte que os homens consideraram real, mas que foi apenas aparente; do das condições e do modo por que se deu o seu aparecimento entre os homens; do de seu reaparecimento chamado "ressurreição"; do de suas aparições sucessivas às mulheres e aos discípulos e do de seu desaparecimento definitivo, elevando-se às nuvens, na época dita da "Ascensão". Também grande importância apresentam do ponto de vista da sua missão e dos resultados desta, dada a sua qualidade de protetor e governador do planeta terreno, de encarregado do vosso desenvolvimento e progresso e de vos conduzir à perfeição.

Separai-os e vos daremos sobre cada um as explicações especiais que comportam, segundo o espírito.

V. 11. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas. — 12. O mercenário, porém, e o que não é pastor, aos quais as ovelhas não pertencem, vendo vir o lobo, abandonam as ovelhas e fogem; e o lobo as arrebata e dispersa o rebanho. — 13. O mercenário foge porque é mercenário e lhe não importam as ovelhas. 344

Estas palavras figuradas se referiam àquela época e ao futuro, aos vossos dias. Os que tomaram a si apascentar o rebanho do bom pastor, não se sentindo com forças para combaterem os vícios que os assaltavam, a estes se entregaram e lhes abandonaram as ovelhas, de cuja guarda se haviam incumbido. O bom pastor, porém, o pastor das almas vela pelo seu rebanho e constantemente o ronda, concitando à vigilância, pela palavra e pelo gesto, os guardas fiéis com os quais sabe poder contar e que o ajudam a reunir e trazer para o centro as que denotam tendência a desgarrar.

Para o bom pastor não há interesse pessoal, nem fadiga.

Dizendo: "Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá a própria vida pelas suas ovelhas", Jesus preparava os que o ouviam, os homens da época e as gerações futuras, para atenderem à alusão que ele ia fazer ao sacrifício do Gólgota e às suas conseqüências.

V. 14. Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem. — 15. Assim como meu Pai me conhece, assim eu conheço a meu Pai e dou a vida pelas minhas ovelhas. — 16. Tenho ainda outras ovelhas, que não são deste aprisco. Também estas cumpre que eu as traga; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor.

Aludia Jesus à sua missão terrena, aos frutos que ela há de dar; à sua missão espiritual como protetor e governador do planeta terrestre e aos resultados que há de produzir, resultados que prediz aos homens.

Suas "ovelhas" são todos os Espíritos que, encarnados ou errantes, pertencem à Terra.

As que o conhecem são os que praticam a moral pura por ele pregada e lhe reconhecem a missão. 345

As que não pertencem a este aprisco, mas que a ele serão trazidas e lhe escutarão a voz, são os que ainda não praticam a sua moral, ou que, praticando-a, não lhe reconhecem ainda a missão, sem, contudo, se mostrarem rebeldes ao progresso. São os que virão a praticar a sua moral e a lhe reconhecer a missão, depurando-se continuamente no cadinho do tempo e da reencarnação, percebendo, por esse meio, cada vez melhor, a luz e a verdade que ele trouxe aos homens e que a nova revelação vem fazer brilhar com vivo fulgor.

Ao proferir aquelas palavras, Jesus envolvia no seu pensamento a humanidade inteira, de quem é ele o bom pastor, todas as gerações de Espíritos que, em via de purificação, tinham encarnado na Terra antes da sua missão, estavam encarnadas quando a desempenhava e nela ainda haviam de encarnar e que, dóceis à sua voz de Messias, às dos Espíritos em missão, encarnados e errantes, órgãos do Espírito da Verdade, hão de chegar, de progresso em progresso, de purificação em purificação, à perfeição moral humana. Então é que, sob o império da lei de amor, não haverá mais que um único rebanho e um só pastor. Então é que Jesus, vosso protetor e governador, virá, como soberano, visível para as criaturas purificadas, em todo o seu fulgor espírita, ao vosso planeta igualmente purificado. É então que ele, o Espírito da Verdade, como complemento e sanção da verdade, virá mostrá-la, sem véu, ao mundo; virá para conduzi-las todas à vida dos puros Espíritos, a tomarem lugar entre os ministros diretos de Deus, entre os seus agentes ativos e devotados, entre os que se consagram à obra do progresso universal, da vida e da harmonia universais, uma vez que, pela pureza que adquiriram, lhes cabe, numa atividade incessante, progredir eternamente em ciência universal, haurindo esse progresso na fonte infinita de todo o poder, de 346

todo o amor, de toda a justiça, de toda a ciência, de toda a verdade.

V. 17. Por isso o Pai me ama, porque deixo a minha vida para a retomar. — 18. Ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo; tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar. Este mandamento recebi de meu Pai.

Estas palavras, a que se não tem dado muita atenção, a que se não tem ligado grande importância, confirmam o que havemos dito sobre a natureza e a origem de Jesus.

"Por isso, disse ele, o Pai me ama, porque deixo minha vida para a retomar. — 18. Ninguém ma tira."

"Pela consumação do sacrifício do Gólgota e pelo que se lhe há de seguir por efeito da minha missão espiritual é que meu pai tem confiança em mim.

"É desse modo que eu deixo, para retomá-la, a vida que os homens consideram humana. É desse modo que deixo a vida, humana no entender dos homens, para retomar a vida toda espiritual que me é própria."

"Ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo."

Jesus, mesmo que fora um homem carnal como vós outros, teria recebido da mão dos homens a morte. Voluntariamente, sem dúvida, ele se houvera oferecido como vítima. Mas, em tal caso, teria com efeito perdido a vida pela ação dos algozes.

Sendo, porém, fluídica a sua encarnação, de natureza perispirítica, embora opaco e tangível o corpo que revestira, ele deixava espontaneamente a vida que tomara. Deixava-a por si mesmo. Ninguém lha tirava, ninguém lha podia tirar. Só a poderiam os homens tirar, se pudessem ti- 347

rá-la a um Espírito que, fluidicamente encarnado em mundo superior, houvesse assimilado seu envoltório fluídico às regiões terrenas, para na Terra aparecer visível e tangível. Igualmente, ele retomava, à vontade, a vida toda espiritual que lhe era própria, deixando o invólucro fluídico que havia tomado, com a aparência do corpo humano, do mesmo modo que um Espírito, fluidicamente encarnado em um mundo superior, retomaria a vida espiritual que lhe é própria, abandonando o envoltório fluídico que houvesse assimilado ao meio terreno para, visível e tangível, aparecer na Terra.

Assim, fazendo uma alusão, velada pela letra, à natureza que lhe era peculiar, Jesus, por aquelas palavras, afirmava ser de natureza extra-humana, de natureza fluídica, perispiritual, o seu invólucro corporal, aparentemente humano. E, sendo assim, só era passível de uma morte aparente, mas os homens consideraram real a sua morte, porque, como condição e meio de progredirem, mister se fazia que acreditassem ser o Mestre um homem igual a eles, mortal como eles e que por eles efetivamente morrera às mãos dos seus algozes.

Era mister que tal sucedesse, como era que, mais tarde, acreditassem, conforme acreditaram, que Jesus fora Deus milagrosamente encarnado, fora um homem-deus, que por eles morrera às mãos de seus algozes, crença que se originou da dupla revelação da lei antiga, da revelação que o anjo fizera a Maria, quando essa revelação se divulgou, da vida pura e sem mácula do Mestre, dos atos e acontecimentos verificados durante a sua missão terrena, de suas palavras e bem assim das interpretações humanas a que esses atos, acontecimentos e palavras deram lugar.

"Tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar." 348

"Tenho o poder de deixar a vida que tomei, tida por humana pelos homens, para voltar à vida toda espiritual que me é própria, como protetor e governador do planeta terrestre, e de a retomar para reaparecer entre eles, conforme o exija a minha missão terrena. Tenho o poder de deixar a vida que os homens consideram humana, quando se consumar o sacrifício do Gólgota; e tenho o poder de a retomar para ressuscitar, isto é, para reaparecer no mundo e para me afastar da Terra às vistas de todos, quando estiver terminada a minha missão terrena, a fim de retomar definitivamente a vida toda espiritual que me é própria e continuar a minha missão de protetor e governador deste planeta."

"É este um mandamento que recebi de meu Pai."

"Tudo isto corresponde à vontade divina, que permitiu me manifestasse eu aos homens, prescrevendo a execução da minha obra, para o progresso deles."

V. 19. Estas palavras suscitaram nova discussão entre os Judeus. — 20. Muitos deles diziam: Está possesso do demônio; perdeu o juízo; porque o escutais? — 21. Outros, porém, diziam: Estas não são palavras de quem está possesso do demônio; pode acaso o demônio abrir os olhos aos cegos?

Eram as mesmas discussões que se travam sempre que uma verdade, tida como nova pelos que se julgam possuidores de toda a ciência, assume o direito de cidade no seio da humanidade terrena, sem que tenha antes feito visar seus passaportes pelas autoridades científicas.

Pequeno é sempre o número dos que, desde o primeiro momento, se colocam, como simples curiosos, do lado da novidade, a que depois se 349

apegam de todo o coração, impelidos pelo sentimento e pela consciência.

Esses serão sempre considerados pobres de espírito, ignorantes, loucos, até que a verdade, tendo-se imposto, seja forçosamente reconhecida e admitida como tal pelas corporações doutas, que, então, passam a fulminar com o seu desprezo os que, não obstante, persistam em não acreditar no que elas afinal consentem em admitir. 350

CAPÍTULO X Vv. 22-42

Jesus, acusado de querer passar por ser Deus, protesta, sob o véu da letra, e, também sob o véu da letra, lembrando aos Judeus o Salmo LXXXI, vv. 1 e 6, se proclama filho de Deus, deus como eles, tendo tido, como essência espiritual, a mesma origem que todos. — Proclama ao mesmo tempo, mas ainda veladamente, sua autoridade, sua missão terrena e sua missão espiritual

V. 22. Celebrava-se então em Jerusalém a festa da Dedicação; e era inverno. — 23. E Jesus perambulava pelo templo, no pórtico de Salomão. — 24. Rodearam-no os Judeus e lhe perguntaram: Até quando nos terás tu o espírito em suspenso? Se és o Cristo, dize-o claramente. — 25. Respondeu-lhes Jesus: "Eu vos falo e não me credes; as obras que faço em nome de meu Pai, essas dão testemunho de mim. — 26. Mas não me credes, porque não sois das minhas ovelhas. — 27. Minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. — 28. E lhes dou a vida eterna e elas nunca perecerão e ninguém as arrebatará de minhas mãos. — 29. O que meu Pai me deu é maior do que todas as coisas e ninguém o pode arrebatar da mão de meu Pai. — 30. Meu Pai e eu somos um." — 31. Então os Judeus pegaram de pedras para o apedrejarem. — 32. Disse-lhes Jesus: "Tenho-vos mostrado muitas obras boas feitas pelo poder de meu Pai; por qual dessas obras me quereis apedrejar?" — 33. Os Judeus lhe responderam: Não te apedrejaremos por causa de qualquer boa obra, mas por causa da tua blasfêmia, porque, sendo homem, tu te fazes Deus. — 34. Jesus lhes retrucou: Não está escrito na vossa lei: "Eu disse que sois deuses"? — 35. Ora, se ela chama deuses àqueles a quem a palavra de Deus é dirigida (e a Escritura não pode falhar) — 36, como é que dizeis àquele que o Pai santificou e enviou ao mundo: Tu blasfe- 351

mas, porque digo que sou filho de Deus? — 37. Se não faço as obras de meu Pai, não me creiais. — 38. Mas, se as faço, quando não queirais crer em mim, crede nas minhas obras, a fim de que conheçais e creiais que o Pai está em mim e eu no Pai. — 39. Tentaram então os Judeus prendê-lo, mas ele se lhes escapou das mãos. — 40. E foi de novo para além Jordão, para o lugar onde João estivera a principio batizando. E lá ficou. — 41. Muitos vieram ter com ele e diziam: João, na verdade, não fez milagre algum, — 42, mas tudo quanto disse deste era verdadeiro. E muitos creram nele.

N. 35. Acompanhai com atenção todos os atos e todas as palavras de Jesus e vereis como ele tudo dispõe para que a sua missão siga o seu curso e se complete; como tudo dispõe, tendo em vista aquela época e o futuro e também tendo em vista a revelação atual que, por ele predita e prometida, há de encontrar sua base, seus elementos e seus meios, assim como a sua sanção prévia, em a narração evangélica da sua missão terrena.

Pelas explicações que já vos temos dado, podeis compreender, segundo o espírito, o sentido destes versículos. Assim, limitar-nos-emos a chamar a vossa atenção para aquelas das palavras do Mestre que exigem explicações especiais, a fim de serem compreendidas no seu sentido exato e preciso, em espírito e verdade.

(Vv. 24-28.) As palavras constantes nestes versículos não devem ser separadas destas outras, também por ele proferidas, e que já vos explicamos.

Eu sou o bom pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas me conhecem. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste aprisco. Também estas cumpre que eu as traga. Elas ouvirão a minha voz e não haverá mais que um só rebanho e um só pastor. 352

As palavras do Mestre se encadeiam todas e formam um conjunto harmônico.

Os Judeus, a quem ele se dirigia, não eram suas ovelhas, porque, Espíritos impuros e atrasados, não praticavam os princípios de justiça, de amor e de caridade que lhes tinham sido prescritos por intermédio de Moisés e dos profetas.

Não eram suas ovelhas, porque, repelindo-o, repudiavam a moral pura que ele pregava, não apenas, de modo egoístico, para a nacionalidade deles, mas para todos os homens, Judeus e Gentios. Não o eram, porque recusavam aceitar seus ensinamentos e exemplos, sua missão e, assim, não lhe ouviam a voz, nem o seguiam.

Não eram do aprisco do bom pastor, mas haviam de ser todos por ele levados a esse aprisco, visto que todos de futuro viriam a praticar a moral pura que ele personifica, a lhe reconhecer a missão e, dessa maneira, a ver cumpridas, no que lhes dizia respeito, estas palavras: "As minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Dou-lhes a vida eterna; elas nunca perecerão e ninguém as arrebatará da minha mão."

É o que havia e há de suceder na Terra, assim com relação aos Judeus, como a todos os outros homens, que tiverem sido, forem e se tornarem dóceis e perseverantes no caminho do progresso e da purificação, que os farão perceber, cada vez melhor, a luz e a verdade.

(Vv. 29-30.) O que Deus deu a Jesus é maior do que todas as coisas e ninguém o pode arrebatar da mão de Deus, pois que se trata do poder que este lhe conferiu relativamente à Terra, quando o instituiu protetor e governador desse planeta, depois de lhe ter dado o de o constituir. Trata-se da superioridade que ele tem sobre todos.

"Meu Pai e eu, disse Jesus, somos um." Pelas explicações que já recebestes a este respeito, estais em condições de compreender, segundo o espírito, 353

o sentido dessas palavras. Há unidade, entendida esta no sentido da afinidade que existe entre Jesus e o Criador e que permite àquele estar diretamente em relação fluídica com este. Há unidade de pensamento.

(Vv. 31-36.) Os Judeus acusam a Jesus de fazer-se Deus, por haver dito: Eu e o Pai somos um. Não podendo compreender e não compreendendo, no verdadeiro sentido, as palavras que o Mestre lhes dirigia, os Judeus as tomavam sempre ao pé da letra.

A resposta que Jesus lhes deu, entendida segundo o espírito, em verdade, exclui a divindade que eles o acusavam de se atribuir. Proclama, ao mesmo tempo, ser também ele, como os que o acusavam, uma criatura de Deus, afirmando que, como eles, tirara o ser, do pai, do Criador incriado, que é o único Deus; que tivera, como eles, o mesmo início, o mesmo ponto de partida, a mesma origem divina comum a todos, na qualidade de princípio espiritual, mas que era superior a todos os da Terra pela sua pureza, pelo seu poder, pela natureza da sua missão.

Quando os Judeus lhe dizem:

Não te apedrejamos por causa de qualquer boa obra, mas por causa da tua blasfêmia, porque, sendo homem, tu te fazes Deus.

Jesus responde:

Não está escrito na vossa lei: "Eu disse: sois deuses"? Ora, se ela chama deuses àqueles a quem a palavra de Deus é dirigida (e a Escritura não pode falhar), como é que dizeis àquele que o pai santificou e enviou ao mundo: "Tu blasfemas", porque digo que sou filho de Deus?

Tendo-se em vista o entendimento dos Judeus e a acusação que haviam feito, essa resposta, em que a letra se opõe à letra, era peremptória, 354

apropriada, pelos seus termos, à inteligência deles, de molde a detê-los na atitude acusatória que assumiram e a desviar a acusação formulada. Além disso, encerrava, sob o véu da letra, a base, os elementos e os meios de ser explicada, em espírito e verdade, como o é, pela revelação atual, que, só ela, havia de dar, em nome do Espírito da Verdade, essa explicação, quando os homens se tivessem tornado capazes de recebê-la.

Estas palavras, de que usa a Escritura, quando fala daqueles a quem a palavra de Deus é dirigida, e que Jesus recordou: "Eu disse: Sois deuses", tinham por objeto exalçar os homens a seus próprios olhos, fazendo-lhes perceber os laços que os prendem à divindade.

Sois deuses, no sentido de que, formados, espiritualmente, do princípio vital que de Deus emana, a ele vos achais ligados pela infinidade da vossa existência, desde que fostes criados. Participais, portanto, da divindade, do ponto de vista de que, uma vez criados, vos tornastes eternos como o vosso criador. Mas, da prerrogativa de estardes em relação fluídica direta com Deus, de serdes, pelo pensamento, uno com ele, não podeis gozar, enquanto a vossa perfeição não vos houver feito dignos disso.

Sois deuses, no sentido de que a essência espiritual tem por domínio a eternidade, pois que emana de Deus, tira dele o ser, isto é, tira o princípio de inteligência e o princípio fluídico que constituirão o Espírito livre, consciente e responsável, destinado a ser conduzido a formar uma individualidade eterna, indo do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, porquanto, se fosse possível a sua eternização no mal, já ele não seria mais divindade. Eis porque aqueles a quem Deus dirige especialmente a sua palavra são chamados deuses. É que esses, mais do que outros, se acham em via de adquirir aquela perfeição necessária. 355

É assim que Jesus se apresenta aos homens como participante da divindade. Ele o é, do mesmo modo que toda e qualquer essência espiritual, e goza da prerrogativa de que se tornou digno, por efeito da perfeição que suas obras lhe granjearam, a de estar em relação fluídica direta com Deus, de ser com ele uno pelo pensamento.

A lei, a Escritura (S. LXXXI, v. 6), depois destas palavras: "Eu disse: Sois deuses", acrescenta: "e todos sois filhos do Altíssimo."

Jesus, porém, se limitou a dizer aos Judeus: "Não está escrito na vossa lei: "Eu disse: Sois deuses ?"

Deveis compreender a razão por que não citou as palavras restantes: "E todos sois filhos do Altíssimo."

Além de não ser oportuna, dado o que ele objetivava alcançar, a citação dessas outras palavras o arrastaria a uma nova discussão com homens que não podiam compreender, segundo o espírito, o sentido do que diz a Escritura e a aplicação que ele lhe daria, defendendo-se da acusação de que era alvo.

"Sim, sois deuses e todos sois filhos do Altíssimo." Participais da divindade, por isso que, conforme acabamos de explicar, saístes de Deus e estais todos, como suas criaturas, destinados a voltar a ele, constituindo individualidades eternas, pela perfeição que houverdes merecido. Sois filhos culpados, filhos pródigos que regressarão à casa paterna onde, no limiar, o pai de família, com os braços abertos, espera por todos vós.

Podeis agora apreender, em espírito e verdade, o sentido e o alcance da resposta de Jesus. São estes:

"Não está escrito na vossa lei que todos os espíritos tiram de Deus o ser; que todos são dele; que participam assim da divindade; que todos são criaturas suas e hão de, constituindo individualidades eternas, voltar a ele, mediante 356

a perfeição que hajam merecido, por ouvirem a palavra que ele lhes dirige? — Sendo assim e não podendo a Escritura falhar, como é que dizeis que blasfemo, eu a quem Deus santificou, porque mereci pelas minhas obras a perfeição, e a quem ele fez seu enviado à Terra para vos dirigir a sua palavra, porque disse que sou filho de Deus, qual de fato sou pela pureza e poder que dele me vêm, visto que sou unia criatura unida ao seu Criador pela afinidade que me permite estar com ele em relação fluídica direta, ser uno com ele pelo pensamento?"

V. 37. Se não faço as obras de meu Pai, não me creiais. — 38. Mas, se as faço, quando não queirais crer em mim, credes nas minhas obras, a fim de que conheçais e creiais que o Pai está em mim e eu no Pai.

Dirigindo-se aos Judeus, Jesus proferia essas palavras não só para aquela época, mas também para o futuro e especialmente para a época da revelação, que ele predisse e prometeu, do Espírito da Verdade, da revelação atual, e ainda para os tempos que a esta se seguirão.

Ó homens, que não quereis crer na missão de Jesus, que ainda nele não credes, quem quer que sejais, crede nas suas obras, isto é, praticai a moral pura que ele pregou pelos seus ensinos e exemplos, a fim de chegardes a conhecer o lugar que ele ocupa junto de Deus e suas relações com o pai; a conhecer e a crer que, pela sua pureza, ele está em relação direta com o Criador, que é uno com este pelo pensamento; que foi seu enviado celeste, o Messias que, prometido, desceu ao meio dos homens; que é o Espírito protetor e governador do vosso planeta, a cuja formação presidiu.

Chegareis assim a conhecer e a crer, porquanto progredireis e vos depurareis e, progre- 357

dindo e purificando-vos, ireis percebendo gradualmente a luz e a verdade.

V. 39. Tentaram então os Judeus prendê-lo, mas ele se lhes escapou das mãos: Exivit de manibus eorum.

Este fato vem confirmar a natureza extra-humana de Jesus e a põe em evidência.

Escapou das mãos dos Judeus, que já o tinham querido apedrejar, que se achavam tomados de furor e o cercavam, visto que estavam reunidos em torno dele.

Já tivemos ocasião de vos falar deste fato.

Jesus se lhes escapou das mãos, vós o sabeis, fazendo desaparecer a tangibilidade do seu corpo fluídico. 358

CAPÍTULO XI Vv. 1-45

Lázaro "morto", segundo as vistas humanas e, no entender dos homens, "ressuscitado"

V. 1. Estava então enfermo um homem chamado Lázaro, que era da aldeia de Betânia, onde residiam Maria e Marta, suas irmãs. — 2. Maria era a que derramara bálsamo sobre o Senhor e lhe enxugara os pés com seus cabelos. Lázaro, o que estava enfermo, era seu irmão. — 3. Suas irmãs mandaram dizer a Jesus: Senhor, eis que se acha enfermo aquele a quem amas. — 4. Ouvindo isso, disse Jesus: Esta enfermidade não vai até à morte. Ela é apenas para glória de Deus, para que o filho de Deus seja por ela glorificado. — 5. Ora, Jesus amava a Marta, a Maria, sua irmã, e a Lázaro. — 6. Tendo, entretanto, ouvido que este estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde se achava. — 7. Depois, passado esse tempo, disse a seus discípulos: Tornemos para a Judéia. — 8. Disseram-lhe os discípulos: Mestre, ainda agora queriam os Judeus apedrejar-te e voltas para lá? — 9. Respondeu Jesus: Não são doze as horas do dia? Aquele que anda de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo. — 10. Mas, o que anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz. — 11. Falou-lhes assim e em seguida disse: Nosso amigo Lázaro dorme; mas vou DESPERTÁ-LO DO SONO. — 12. Observaram-lhe os discípulos: Senhor, se ele dorme, será curado. — 13. Jesus falara da morte; eles, porém, julgaram que falara do sono ordinário. — 14. Disse-lhes então Jesus abertamente: Lázaro está morto; — 15, e eu folgo, por vossa causa, de não me haver achado lá, a fim de que creiais. Mas vamos ter com ele. — 16. Disse então Tomé, chamado Dídimo, aos outros discípulos: Vamos também nós, para morrermos com ele. — 17. Jesus, pois, foi e achou que havia já quatro dias que Lázaro estava no sepulcro. — 18. Betânia distava de Jerusalém cerca de quinze estádios; — 19, de modo que muitos Judeus tinham vindo ter com Marta e Maria para as consolarem da 359

morte de seu irmão. — 20. Marta, entretanto, assim ouviu dizer que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro, ficando Maria em casa. — 21. Disse então Marta a Jesus: Senhor, se houveras estado aqui, meu irmão não estaria morto. — 22. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus te concederá. — 23. Respondeu-lhe Jesus: Teu irmão ressuscitará. — 24. Disse-lhe Marta: Bem sei que ele ressuscitará na ressurreição que haverá no último dia. — 25. Replicou-lhe Jesus: "Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que em mim crê, ainda que tenha morrido, viverá. — 26. E todo aquele que vive e crê em mim jamais morrerá. Crês isto?" — 27. Ela respondeu: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, Filho de Deus vivo, que vieste a este mundo. — 28. E, tendo dito isso, foi-se e falou em voz baixa a Maria, sua irmã, dizendo-lhe: O Mestre está ai e te chama. — 29. Maria, tanto que isso ouviu, levantou-se logo e foi ter com ele. — 30. Porque, Jesus ainda não havia entrado na aldeia; permanecia no lugar onde Marta o tinha encontrado. — 31. Entretanto, os Judeus que estavam com Maria em sua casa e a consolavam, ao verem-na levantar-se tão apressada e sair, foram-lhe ao encalço, dizendo: Ela vai ao sepulcro para lá chorar. — 32. Maria, porém, quando chegou onde estava Jesus, assim que o viu, se lhe lançou aos pés, exclamando: Senhor, se estivesses aqui, não teria morrido meu irmão. — 33. Vendo Jesus que ela chorava e que os Judeus que com ela tinham vindo também choravam, fremiu em seu Espírito e se turbou. — 34. E perguntou: Onde o pusestes? Responderam-lhe: Senhor, vem e vê. — 35. E Jesus chorou. — 36. Disseram então os Judeus: Vejam como ele o amava. — 37. Alguns, porém, disseram: — Não podia ele, que abriu os olhos ao cego de nascença, fazer que este outro não morresse ? — 38. Jesus fremiu de novo dentro de si mesmo e veio ao sepulcro, que era uma gruta, em cima da qual tinha sido posta uma pedra. — 39. Disse-lhes ai Jesus: Tirai a pedra. Respondeu-lhe Marta, irmã do que morrera: Senhor, já cheira mal, pois que já há quatro dias que está aí. — 40. Respondeu-lhe Jesus: Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus? — 41. Tiraram, pois, a pedra. Então, elevando os olhos para o alto, Jesus disse: "Pai, eu te rendo graças por me teres ouvido. — 42. Eu bem 360

sabia que sempre me ouves, mas falei assim por causa do povo que me cerca, para que creiam que tu me enviaste." — 43. Tendo dito isto, bradou com voz forte: Lázaro, sai para fora! — 44. No mesmo instante saiu o que estivera morto, trazendo os pés e as mãos ligados com ataduras e o rosto envolto num lenço. Disse Jesus: Desatai-o e deixai-o ir. — 45. Então, muitos dentre os Judeus que tinham vindo visitar Maria e Marta e que presenciaram o que fez Jesus, creram nele.

N. 36. Tendo acreditado na morte real do filho da viúva de Naim e na da filha de Jairo, na "ressurreição" de ambos, tomada essa palavra no sentido que lhe davam — o da reentrada do Espírito num cadáver, o da sua volta para se unir à podridão, os homens tinham que acreditar também na morte real e na "ressurreição" de Lázaro, ao verem-no sair da gruta que lhe servia de sepulcro e onde estivera depositado durante quatro dias.

Lázaro, porém, não estava morto, como não o estavam nem o filho da viúva de Naim, nem a filha de Jairo. Foi a mesma, nos três casos, a causa determinante daquele estado de morte aparente, que os homens consideraram de morte real. Lázaro estava "morto" para todos, menos para Jesus. Para este a enfermidade de Lázaro não ia até à morte. Ele apenas dormia, como a filha de Jairo. Jesus não tinha mais do que despertá-lo.

O da "ressurreição" de Lázaro, dadas as circunstâncias que o rodearam, estava destinado a ser, dentre os atos praticados por Jesus durante a sua missão terrena, um dos mais consideráveis para os homens, pela razão de que esse fato os faria reconhecer que ele era o Messias, o Cristo, o enviado de Deus, faria que sua missão fosse aceita e produzisse os frutos que devia produzir, não só naquela época, como também no futuro, para as gerações que se seguiriam à de então e ainda na época da revelação do Espírito da Verdade, por ele predita e prometida, da revelação atual. 361

Pelas suas palavras, Jesus tudo dispõe de maneira a atender às necessidades daquele momento e a preparar o futuro, estabelecendo ao mesmo tempo a base, os elementos e os meios apropriados à atual revelação. Tudo dispõe por forma a que as opiniões dos homens de então e as interpretações humanas que em seguida surgiriam seguissem livremente o seu curso até que, na época determinada pelo Senhor, a revelação atual viesse explicar, segundo o espírito e em verdade, aos homens, já nessa ocasião capazes de as compreenderem, as palavras por ele proferidas, bem como a natureza e o caráter do ato que praticou com relação a Lázaro, o estado real deste, e viesse também mostrar o lugar que ele Jesus ocupa, relativamente a Deus e ao planeta terreno, visto que esse ato, tido por "milagroso", foi um dos que serviram de fundamento para a divindade que se lhe atribuiu.

Marta e Maria criam, como todos, que Lázaro se achava morto, A prova é que cada uma delas disse, por sua vez, a Jesus: "Senhor, se houveras estado aqui, meu irmão não teria morrido." A prova é igualmente que os Judeus que lá se encontravam tinham ido para as consolar da morte de Lázaro e choravam com elas. A prova é ainda que entre si diziam: "Vejam como o amava", e — "não podia ele, que abriu os olhos ao cego de nascença, fazer que estoutro não morresse?"

A seu turno, o Evangelista, narrando o fato, mostra haver partilhado, como toda a gente, daquela maneira humana de apreciar o caso, daquela humana interpretação que lhe foi feita, tanto que, tal qual o fizera ao tratar do filho da viúva de Naim e da filha de Jairo, as reproduz, fazendo se refletissem na sua narração, quando diz: "Marta, irmã do que morrera"; — "no mesmo instante saiu o que estivera morto, trazendo os pés e as mãos ligados com ataduras."

Os discípulos, que iam assistir ao ato, esses 362

também tinham que crer naquilo em que todos acreditavam. Segui, com atenção, a narração evangélica e vereis, de um lado, a letra, de outro, e espírito. Vereis o que é dos homens, resultado de suas opiniões, apreciações e interpretações, e o que é de Jesus, o que está nas suas palavras veladas pela letra. Vereis que, para os homens, Lázaro se acha morto, realmente morto e "ressuscita", no sentido que davam ao vocábulo "ressurreição", de acordo com seus preconceitos e tradições; ao passo que, para Jesus, Lázaro está morto apenas na aparência, simplesmente dorme, ele o vai despertar e desperta. Vereis que Jesus, declarando ser aquele um dos atos mais consideráveis da sua missão terrena, junta a esse ato, que ele veladamente pratica, ensinamentos também velados para os homens da época e que, para as gerações que haviam de suceder-se, velados se conservariam, até aos dias de hoje, pois que só hoje, quando já vos encontrais em condições de compreendê-la, pode ser dada a explicação, segundo o espírito e em verdade.

Ao ouvir dos enviados de Marta e Maria que Lázaro se acha enfermo, diz Jesus: "Essa enfermidade não é mortal, não vai até à morte." Logo, Lázaro não tem que morrer. Assim, muito embora os homens venham a crer e creiam efetivamente que Lázaro morreu daquela doença, ele na realidade não terá morrido. Sua morte será real para os homens, no entender destes, mas, para Jesus, será apenas aparente. Precisamente porque assim deve ser e assim vai ser; precisamente porque os homens vão acreditar, como acreditaram, que Lázaro está realmente morto e que ressuscita pela ação poderosa de Jesus e pela volta do Espírito a um cadáver enterrado desde quatro dias, é que o Mestre, depois de ter dito: "Essa enfermidade não é mortal, não vai até à morte", acrescenta: "Ela é apenas para glória de Deus, para que o filho de Deus seja por ela glorificado." Quer isto dizer: 363

Ela se manifesta unicamente a fim de que, mediante o ato que vou executar, seja posto em evidência, diante dos homens, o poder de Deus, cujo instrumento eu sou; a fim de que, para sua glória, nos corações dos homens se desenvolva a fé que nele devem depositar; a fim de que estes creiam que sou o Messias, isto é, o Cristo, enviado de Deus; a fim de que a missão que de Deus recebi seja reconhecida pelos homens e produza frutos; e a fim de que, assim, eu seja glorificado por esse ato.

Jesus, diz o Evangelho, amava a Marta, a Maria, sua irmã, e a Lázaro. Tendo ouvido dizer que este estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde se achava.

Para os que só vêem a letra, para os que tudo humanizam na missão de Jesus, isto deve parecer estranho. Pois quê! "Jesus amava a Marta, a Maria, sua irmã, e a Lázaro", sabe que este se acha doente e, podendo curá-lo, em vez de ir imediatamente, a toda pressa, para junto do enfermo, fica ainda dois dias no lugar onde se encontrava!

Jesus amava e ama a todos os homens, porquanto ele é, conforme o disse, "o bom pastor". Amava a Marta, a Maria, sua irmã, e a Lázaro, é exato; mas, amava-os principalmente a título de ensino e de exemplo, para mostrar aos homens que os que caminham pelas sendas do Senhor onipotente se aproximam dele e com ele estabelecem, assim como com o seu celeste enviado, essas relações que no seio da humanidade se consideram relações especiais, oriundas da amizade.

Lázaro, conforme sabeis, era um dos Espíritos devotados que haviam encarnado para trazer o seu concurso ao desempenho da missão terrena do Mestre, do mesmo modo que Marta e Maria eram Espíritos que tinham encarnado para o assistirem e auxiliarem. Jesus permaneceu ainda dois dias lá onde se achava, para que o fato que ele 364

ia produzir se verificasse nas condições previstas, todas de molde a mais impressionar os homens.

Depois de, por esse motivo e com esse fim, ter passado ainda dois dias no lugar onde lhe fora comunicada a enfermidade de Lázaro, Jesus diz a seus discípulos: "Voltemos para a Judéia."

Eles, que não percebiam as fases, as condições e o objetivo da missão de Jesus, como não compreendiam o motivo oculto que o induzira a demorar a sua partida, lhe disseram:

Mestre, ainda agora queriam os Judeus apedrejar-te e já falas em voltar para o meio deles!

Jesus, sempre velando o seu pensamento com a letra, responde:

Não são doze as horas do dia? Aquele que anda de dia não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, o que anda de noite tropeça, porque lhe falta a luz.

De conformidade com o seu pensamento, estas palavras figuradas tinham, segundo o espírito, um duplo sentido: exprimiam o que lhe dizia respeito pessoalmente e encerravam um ensinamento para os homens. Significavam, sob o primeiro aspecto:

"A minha missão não está determinada? Cada um dos atos que a ela se prendem não tem que ser praticado? Obrando, como importa que o faça, para que ela se cumpra, não me afasto do caminho, porque tenho a me esclarecer e guiar neste mundo a vontade de Deus, que é a minha luz. Se, porém, eu atendesse ao que dizeis, colocar-me-ia fora da minha missão e me afastaria do caminho, porque não mais teria a me guiar a vontade de Deus, que é a luz sem a qual nada posso fazer para executar a minha obra."

Como ensino dado aos homens, queriam dizer: "Para todo e qualquer Espírito encarnado, seja em prova, seja em expiação, seja em missão, 365

não tem a vida humana seus limites e não é preciso que o homem, durante ela, suporte as suas provas, ou desempenhe a sua missão? Aquele que, no correr da vida humana, pratica os atos que correspondem às provas que escolheu, ou à missão que lhe foi confiada, tem a assistência dos bons Espíritos que o Senhor lhe envia e é guiado, consciente ou inconscientemente, pela influência deles. Mas, o que se afasta da linha das suas provas ou da sua missão cai, porque caminha nas trevas que lhe obscurecem a consciência, por efeito das influências más que o transviam."

Depois de haver, "dessa maneira", falado a seus discípulos, diz Jesus: "Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo, do sono."

Quando ele isso dizia, Lázaro, para os homens, estava morto e seu corpo já se achava depositado na gruta que lhe servia de sepulcro.

De acordo com esta idéia, com esta opinião dos homens, Jesus formulou a resposta que deu à pergunta dos discípulos, visto que estes iam partilhar daquela opinião, relativamente a Lázaro, como já o haviam feito com relação ao filho da viúva de Naim e à filha de Jairo.

Observaram-lhe os discípulos: "Senhor, se ele dorme, será curado." Jesus responde: "Lázaro está morto e eu folgo, por vossa causa, de não me haver achado lá, a fim de que creiais."

Veladamente, Jesus lhes exprimiu, dessa forma, o pensamento que, em seu nome, vos vimos tornar patente, despojando da letra o espírito, e que é o seguinte:

"Lázaro está morto, mas para vós, como para os outros homens. Está-o para todos, menos para mim. Para mim, ele dorme, exatamente como a filha de Jairo, que acreditastes achar-se morta. Dorme, eu o acabo de dizer. Vou despertá-lo e não ressuscitá-lo, no sentido que dais a esta palavra, porquanto ele não está realmente morto. Não está morto, pois que, conforme eu já disse, 366

essa enfermidade, por efeito da qual crêem os homens que ele morreu, não é mortal, não vai até à morte."

Tanto era esse o pensamento de Jesus que, logo depois de ter dito: "Lázaro está morto", acrescenta: "e eu folgo, por vossa causa, de não me haver achado lá, a fim de que creiais." "Folgo por vossa causa, de não me haver achado lá e foi para lá me não achar que demorei dois dias, visto ser necessário abalar os homens. Assim, quando chegarmos a Betânia, e ao túmulo, vós, como os outros homens, estareis todos crentes de que Lázaro morreu. Possuídos dessa crença, tomareis por uma ressurreição a volta da alma de Lázaro ao seu corpo, que todos consideram um cadáver sepultado há quatro dias, e acreditareis que sou o Messias, isto é, o Cristo, o enviado de Deus; acreditareis na minha missão terrena e, portanto, na que haveis de desempenhar."

Dando tal resposta a esta observação: "Senhor, se ele dorme, curar-se-á", teve Jesus por fim dizer e disse, claramente (segundo o espírito), a seus discípulos, aquilo em que eles iam crer, como toda a gente.

"Eu, João, o evangelista, quando disse: Jesus falara da sua morte (da de Lázaro); eles, porém, julgaram que falara do sono ordinário, exprimi, como cumpria que acontecesse, sob a influência espírita, sob a inspiração mediúnica, sem que destas, entretanto, tivesse consciência, o pensamento que os homens atribuíram a Jesus e a suas palavras, a interpretação humana que deram àquele pensamento e àquelas palavras.

Na condição de encarnados, os apóstolos, eu inclusive, os discípulos e as pessoas do povo, incapazes que éramos de encontrar a explicação da natureza e do caráter daquele ato, que ninguém podia compreender, senão como um milagre e que como milagre foi tido, todos acreditamos na morte real de Lázaro e numa ressurreição, 367

do mesmo modo que havíamos crido e críamos em morte real e em ressurreição, tanto no caso o filho da viúva de Naim, quanto no da filha de Jairo.

E essa crença humana, que Jesus não devia evitar se formasse, porque era então necessária, visto servir àquele momento sem prejudicar o futuro, porquanto o Mestre bem-amado tudo dispusera e salvaguardara, reclamavam-na o estado das inteligências, as aspirações e as necessidades de então e do porvir até aos vossos dias em que se abre a era da nova revelação. Tinha que concorrer para a obra, de modo considerável, contribuindo para que a missão de Jesus fosse aceita e desse frutos de acordo com as condições e as exigências do progresso da humanidade.

Sim, à observação dos discípulos: Senhor, se ele dorme, será curado, Jesus respondeu: Lázaro está morto e eu folgo, por vossa causa, de me não haver achado lá, a fim de que creiais. Mas essa resposta, como todas as palavras do Mestre, se destinava a ser interpretada ou segundo a letra, ou segundo o espírito e em verdade, conforme acabamos de fazê-lo.

Se Jesus houvesse manifestado aos discípulos todo o seu pensamento que, patenteando a harmonia das suas palavras, afastava toda a aparente contradição entre elas existente; se houvesse dito: Lázaro está morto para os homens, para mim não o está, pois já vos declarei que a sua enfermidade não é mortal, não vai até à morte; para mim, ele dorme e vou despertá-lo, como acabei de declarar; dizendo-vos — Lázaro está morto — apenas exprimo a opinião, a apreciação dos homens, o que eles crêem, o que vós mesmos ides crer, e folgo por vossa causa, a fim de que creais na minha missão e, conseguintemente, na vossa e a desempenheis — teria tido que explicar também, pois que os discípulos não deixariam 368

de lhe dirigir essa interpelação, porque e como, para os homens, para eles, Lázaro estava morto e não o estava para ele Jesus."

Ora, não era possível, nem convinha que isso se desse. Jesus não podia, nem devia revelar os segredos espíritas a homens que ainda não estavam aptos a conhecê-los e a fazer deles bom uso. Falou-lhes, portanto, a única linguagem que lhes era e seria dado compreender durante séculos e que, entregue às interpretações humanas, serviria àqueles tempos, sem prejuízo para o futuro, que ele, ao contrário, preparou, conduzindo-os, pelos esforços e lutas do pensamento e com o auxílio do progresso dos Espíritos e da ciência, até à época da nova revelação que, por efeito dos estudos e das observações realizados sobre o magnetismo humano e o sonambulismo e iniciando-vos na ciência espírita e nos segredos de além-túmulo vos tornou aptos a receber, pela revelação especial que vos trazemos em nome dele, nosso Mestre, a explicação, em espírito e verdade, das palavras que pronunciou e dos atos que obrou no curso da sua missão terrena.

Sim, Lázaro estava morto para os homens. Só não o estava para Jesus, porquanto ninguém mais, senão ele, ou os a quem ele o houvesse dado, dispunha do poder necessário a deter o Espírito de Lázaro, prestes a desferir o vôo para as regiões etéreas.

A Ciência já tem, como sabeis, comprovado muitas vezes os efeitos de um estado prolongado de catalepsia. Durante ele, o Espírito se afasta do corpo e, se o momento do seu regresso se retarda, o laço que o conserva preso ao cárcere de carne acaba por se quebrar e o corpo se torna materialmente morto, há morte real, o Espírito retoma a sua vida primitiva, a vida espírita.

Lázaro se achava em estado de catalepsia completa desde muitos dias. O laço fluídico do perispírito, que lhe prendia o Espírito ao corpo, 369

cada vez mais se dilatava e enfraquecia, em conseqüência de já o não fortalecer a vitalidade da matéria. Jesus aguarda esse limite extremo para mais fortemente impressionar os homens, facultando-lhes apreciar a ação poderosa da sua vontade.

Lázaro, para eles, para todos, estava morto, menos para Jesus, porque o laço que lhe prendia o Espírito ao corpo, se bem existisse ainda, já era tão fraco que só a ação do Mestre podia reconduzi-lo à prisão, restituindo-lhe a vida material.

Submisso e devotado, como o do filho da viúva de Naim e o da filha de Jairo, o Espírito de Lázaro estava pronto a voltar ao corpo, mas este, abandonado como fora, necessitava da ação poderosa da vontade do Mestre, da atuação do seu poder magnético, para instantaneamente recobrar, como recobrou, graças aos fluidos que o penetraram, a força e a vitalidade que se achavam quase extintas.

Os que se agarram à letra não hesitarão talvez em dizer que negar a morte real de Lázaro, como as do filho da viúva de Naim e da filha de Jairo, negar-lhe a "ressurreição", qual eles a entendem, no sentido que dão a esta palavra, mas que Jesus nunca lhe deu, é acusar de trapaçaria e de mentira o Mestre, é acusá-lo de haver enganado os apóstolos, os discípulos, a multidão e, com estes, os evangelistas e todos os que, acreditando-lhe na palavra, creram ter havido, naqueles três casos, morte real e "ressurreição", entendendo-se por isto a volta do Espírito a um cadáver, a uma podridão.

Não houve trapaça, nem mentira. Quem ousaria manchar o nome de Jesus com semelhantes vocábulos?

Houve erro da parte dos homens, erro devido à falta de compreensão, por eles, do pensamento do Mestre, oculto sob as suas palavras, devido à incompreensão da natureza e do caráter do ato 370

que praticou, do estado real de Lázaro, idêntico aos do filho da viúva de Naim e da filha de Jairo.

Acreditaram na morte real de Lázaro, em virtude da interpretação que deram à resposta de Jesus aos discípulos: Lázaro está morto e folgo, por vossa causa, de não me haver achado lá, a fim de que creiais", tomando essas palavras ao pé da letra e isolando-as das que proferira e das que acabava de pronunciar naquele mesmo instante.

Não perceberam que, para serem devidamente entendidas, as palavras do Mestre têm que ser apreendidas em seu conjunto, por maneira a se conciliarem numa perfeita harmonia e não a se contradizerem.

Não perceberam que, dizendo: "Esta enfermidade não é mortal, não vai até à morte; nosso amigo Lázaro dorme, mas vou despertá-lo", Jesus, tendo em vista a inteligência dos homens, estabelecia uma limitação à resposta que deu aos discípulos, quando lhe fizeram esta observação: "Senhor, se ele dorme, se curará."

Foi como se dissera: "Lázaro, para os homens, está morto e morto vai ser considerado por vós. Para mim, porém, sua enfermidade não é mortal, não vai até à morte. Para mim, ele não tem que morrer, não morrerá desta enfermidade. Os homens o julgam morto, mas ele não o está. Apenas dorme e vou despertá-lo e não ressuscitar, no sentido que os homens emprestam e vós mesmos emprestais a essa palavra."

Não compreenderam que, com o dizer: "Lázaro está morto", Jesus quis exprimir e exprimiu o pensamento, a opinião, a apreciação dos homens e não o seu próprio pensamento, que já externara e acabava, naquele momento, de externar, em sentido contrário.

Não compreenderam o motivo e o fim daquela resposta aos discípulos e das palavras que serviriam para torná-la compreensível em espírito e verdade, tendo-se em consideração as necessidades da 371

época, o estado das inteligências, as aspirações, os preconceitos e as tradições dos tempos de então e tendo-se em consideração também os meios e condições apropriados ao progresso das gerações futuras. O motivo e o fim que ditaram a Jesus aquela resposta se encontram no fato de que lhe cumpria atender àquele momento e preparar o futuro, fazendo que sua missão terrena fosse aceita e frutificasse, e no de que lhe cumpria dispor tudo por forma que, chegados os tempos da revelação, que ele predisse e prometeu, do Espírito da Verdade, da revelação atual, o conjunto de suas palavras oferecesse a base, os elementos e os meios para a interpretação, em espírito e verdade, da natureza e do caráter do ato que praticou com Lázaro e do estado real deste.

Para crerem na morte real de Lázaro, os homens se apegaram à resposta de Jesus aos discípulos e, desprezando o conjunto de suas palavras, as puseram em contradição consigo mesmas. Essa a razão de ser falsa, mas de uma falsidade necessária, a interpretação humana de tais palavras, como falsa foi, de comprovada falsidade, a interpretação da resposta que o Mestre deu ao que lhe perguntaram os discípulos, quando lhes acabava de explicar o fim do mundo e os sinais da sua aproximação.

Perguntaram-lhe nessa ocasião os discípulos: Dize-nos: "quando sucederá isso e quais serão os sinais do teu advento e do fim do mundo?"

Jesus respondeu: "Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se tenham cumprido." (Mateus, XXIV, vv. 3, 33 e 34.)

Não era oportuno nem conveniente que Jesus revelasse o sentido oculto de suas palavras na resposta que deu aos discípulos relativamente ao estado de Lázaro e a esta observação por eles formulada: "Senhor, se ele dorme, curar-se-á", como não o era que revelasse o das que proferiu acerca do "fim do mundo". Deixadas às interpre- 372

tações humanas, essas palavras estavam destinadas a ser entendidas, primeiro, segundo a letra, para depois o serem segundo o espírito, quando a revelação que ele predisse e prometeu as viesse explicar em espírito e verdade.

Os discípulos não tinham que saber mais do que aquilo que, como encarnados, podiam suportar e do que, do ponto de vista da missão que lhes cabia desempenhar, importava que conhecessem, compreendessem e ensinassem aos homens da época. Os evangelistas, como os apóstolos, possuíam a fé simples. Instrumentos dóceis do Senhor, não procuravam ir além do ponto a que eram levados, temendo transviar-se. Médiuns historiadores inspirados, só disseram, sob a influência espírita, sob a inspiração mediúnica, das quais não tinham consciência, o que deviam dizer, empregando, como o fazem os vossos médiuns, as palavras de que dispunham para relatar os fatos. Debaixo daquela influência e daquela inspiração, cada um reproduziu, dentro do quadro que lhe fora traçado, as manifestações espíritas, os fatos, as palavras proferidas por Jesus, as que os homens lhe atribuíam, os atos por ele praticados, o que diziam e faziam os homens, suas opiniões, apreciações e interpretações relativas à personalidade do Mestre, a suas palavras e a seus atos.

Para explicar, segundo o espírito e em verdade, que o sentido oculto das palavras: "Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se tenham cumprido", era, como sabeis, este: "Desta geração de Espíritos agora encarnados, aos quais me dirijo, muitos haverá que viverão de novo sobre a Terra nos tempos preditos do fim do mundo", expressão esta que, como também o sabeis, tinha igualmente um sentido oculto que só a nova revelação tornaria compreensível em espírito e verdade — fora mister revelar aos homens os segredos espíritas, os segredos de além-túmulo. Mas, isso não era pos- 373

sível, porque eles não estavam aptos a receber essa revelação, visto serem incapazes de suportá-la e de fazerem dela bom uso. Fora mister pôr-lhes diante dos olhos a lei natural e imutável do renascimento, da reencarnação, em seus princípios e conseqüências, o que então teria sido prematuro, inoportuno, contrário às condições e aos meios próprios ao progresso da humanidade ainda durante longos séculos.

Do mesmo modo, conforme já o temos dito e repetimos, para explicar, segundo o espírito e em verdade, o sentido oculto destas palavras: "Lázaro está morto e eu folgo, por vossa causa, de não me haver achado lá, a fim de que creiais", em resposta a esta observação dos discípulos: "Senhor, se ele dorme, curar-se-á", resposta essa dada por Jesus em virtude do que antes dissera: "Esta enfermidade não é mortal, não vai até à morte" e do que acabava de dizer: "Nosso amigo Lázaro dorme e eu vou despertá-lo" — fora preciso que o Mestre lhes explicasse a natureza e o caráter do ato que ia praticar e o estado real de Lázaro. Mas, para isto, fora necessário que lhes revelasse uma série de mistérios, que eles não estavam aptos a compreender, que tinham de ignorar, mistérios que deviam permanecer tais, conforme também já o dissemos e repetimos, por longos séculos ainda, até que, em virtude dos progressos da ciência, dos estudos e observações sobre o magnetismo humano e o sonambulismo, precursores da ciência espírita, os Espíritos se houvessem tornado, no cadinho do tempo e da reencarnação, capazes de receber e suportar a luz e a revelação espíritas e de receber, graças a essa luz e a essa revelação, a revelação atual.

Aprendam os que se aferram à letra a conhecer os vastos horizontes do presente e do futuro que os olhares de Jesus descortinavam, horizontes que eram sempre abrangidos pelos pensamentos que lhe ditavam as palavras e os atos. 374

Compreendam que a letra mata e que é o espírito o que vivifica.

Compreendam que Jesus, desempenhando a sua missão terrena, dava aos homens da época o que eles podiam suportar, velando-lhes pela letra o que não estavam aptos a apreender segundo o espírito; que tudo dispunha, tendo em vista as condições em que deveria efetivar-se o progresso da humanidade naquela ocasião e no futuro, de modo que cada época, cada era tivesse o que com ela fosse compatível; que tudo dispunha, tendo em vista o tempo da revelação progressiva, que ele predisse e prometeu, do Espírito da Verdade.

Ao chegar a Betânia, Marta lhe saiu ao encontro. Cumpre vos expliquemos, segundo o espírito e em verdade, o sentido das palavras que o Mestre e Marta trocaram no colóquio que então tiveram.

"Senhor, diz ela, se houveras estado aqui, meu irmão não estaria morto."

Marta crê que seu irmão está morto e tem que ficar nessa crença, pelo mesmo motivo e com o mesmo fim que determinavam a necessidade de partilharem dela os discípulos e toda a gente.

Jesus lhe responde: "Teu irmão ressuscitará."

Estas palavras — "ressuscitar" e "ressurreição" — ele sempre as empregou figuradamente, num sentido oculto aos homens e em acepções diversas, conforme aos lugares, aos casos, às circunstâncias; conforme se tratava de uma morte aparente, ou de dar um ensino. Nunca, porém, as empregou, já o temos dito e repetimos, no sentido que os homens lhes atribuíam, de acordo com o estado de suas inteligências, com as suas impressões, tradições e preconceitos, no da volta do Espírito a um cadáver, a uma podridão, depois de ocorrida a morte real.

"Teu irmão ressuscitará, do mesmo modo que ressuscita, para volver à vida corporal e de relação (já ele o havia dito a seus discípulos), "todo 375

aquele que, como Lázaro, se acha atacado de uma enfermidade que não é mortal, que não vai até à morte; todo aquele que, estando apenas a dormir, pode despertar." Teu irmão "ressuscitará" no entender dos homens, que o crêem morto, de acordo com o sentido que emprestam ao termo "ressurreição". Também aos teus olhos ele "ressuscitará", porquanto, como os demais, tu igualmente o acreditas morto.

Ao espírito de Marta a resposta de Jesus se apresentou com um duplo sentido, podendo entender-se que ele se referia à "ressurreição atual de um morto", ou à "ressurreição futura", no último dia.

Daí vem que ela hesita e que, não ousando esperar a "ressurreição" atual de Lázaro, que, a seus olhos, está morto, diz: "Bem sei que ele ressuscitará na ressurreição que haverá no último dia."

O sentido que, em sua mente, Marta atribuía a estas palavras era idêntico ao que lhes davam as crenças populares dos Hebreus e ao que elas têm, de acordo com a idéia do juízo final, do ponto de vista católico, que se originou daquelas crenças populares. Segundo estas, só era admitida, como ressurreição dos mortos, a ressurreição completa: do corpo e da alma e, ao que geralmente se pensava, semelhante ressurreição não se poderia verificar "senão no fim dos tempos predeterminados para duração do planeta."

Era essa idéia que Jesus sem cessar combatia, lembrando aos Judeus que só a alma existe aos olhos de Deus; que a alma é que é a criatura inteligente e responsável, não passando o corpo de sepulcro onde ela se encerra temporariamente. Notai ainda que, muitas vezes, Jesus também fala alegoricamente da morte espiritual, aludindo às encarnações materiais, que eclipsam toda lembrança para o Espírito que as sofre. 376

Acabamos de dizer que as palavras de Marta, as quais implicavam a crença na imortalidade da alma, na sua sobrevivência ao corpo, se baseavam nas idéias populares dos Hebreus. Como sabeis, pois que o lembramos ao comentar os três primeiros Evangelhos, a crença na imortalidade da alma não era geral entre os Judeus. Apenas certo número deles a admitia, uns como hipótese, outros como matéria de fé, outros ainda por tolerância com as superstições populares. Tal crença se espalhara, sobretudo, a partir da época dos Macabeus, que a fizeram reviver e a sustentavam. Mas, não constituía ponto de fé.

Tendo dito Marta: "Sei que ele ressuscitará na ressurreição que haverá no último dia", Jesus lhe responde: "Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que em mim crê, ainda que tenha morrido, viverá." E acrescentou: "E todo aquele que vive e crê em mim jamais morrerá. Crês isto?"

Duplo sentido apresentavam as palavras: um, segundo a letra; outro, segundo o espírito.

Tomando-as ao pé da letra, Marta compreendeu que Jesus aludia à ressurreição atual daquele que, "morto", seria restituído à vida e aludia também ao poder que, para ela, ele se atribuía a si mesmo, de operar uma tal ressurreição". Eis porque, respondendo a esta pergunta do Mestre: "Crês isto?" disse: "Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, filho do Deus vivo, que vieste a este mundo."

Aqui tendes, segundo o espírito, em espírito e em verdade, o sentido daquelas palavras figuradas, que só haviam de ser explicadas e compreendidas, nos dias de hoje, pela revelação atual: Jesus é "a ressurreição e a vida", porque somente pela prática da moral que ele pregou e da qual seus ensinos e exemplos o fazem a personificação, é que o Espírito chega a se libertar da morte espiritual, assim na erraticidade, como na condição de encarnado.

Aqui tendes agora o que deveis entender por morte espiritual para o Espírito errante: O Espí- 377

rito, quando se separa do corpo, volta à vida clarividente que tinha antes de a este se unir. Se, aos olhos de Deus, viveu na Terra como homem de bem, essa clarividência se amplia cada vez mais, suas faculdades se desenvolvem e pode dar-se, tais sejam seus méritos, que ele se veja dispensado de voltar ao vosso planeta, à Terra do esquecimento. Se, pelo contrário, cada vez mais se atolou no mal, sofrerá ainda, após a morte material, a morte espiritual, isto é, sentirá em trevas a inteligência, não lhe sendo permitido recobrar nem a memória do passado, nem a clarividência do futuro, enquanto não adquira melhores sentimentos.

Assim, na encarnação material, que tira ao Espírito que a sofre a faculdade da lembrança, há para ele morte espiritual e morte espiritual também há para ele se, ao separar-se do seu corpo de carne, imerge nas trevas da inteligência e fica impossibilitado de recobrar tanto a memória do passado, quanto a clarividência do futuro, até que nutra melhores sentimentos.

Aquele que crê em Jesus, isto é, que pratica a moral que ele pregou e da qual todo homem tem no coração o sentimento instintivo; aquele que crê em Jesus viverá, ainda que para os homens esteja morto. Não sofrerá a morte espiritual, pois que seu Espírito, após a do corpo material, volverá à vida clarividente que tinha antes de encarnar e essa clarividência cada vez se ampliará mais, com o se lhe desenvolverem as faculdades.

Todo aquele que vive e crê em Jesus, isto é, que pratica, sem dela se afastar durante a vida, a moral que ele pregou, não morrerá nunca, viverá eternamente. Quer dizer: não tornará a experimentar a morte espiritual, porquanto seu Espírito, uma vez que se separe definitivamente do corpo de carne, retomará a vida clarividente de antes da encarnação, recobrando a lembrança do passado e a visão do futuro. Não mergulhará nas trevas da inteligência e essa visão se dilatará cada vez mais, de- 378

senvolvendo-se-lhe as faculdades. Ele se achará assim dispensado de voltar ao planeta terreno, Terra de esquecimento, e liberto das encarnações materiais que obumbram a memória dos Espíritos que as sofrem.

Mas, repetimos ainda uma vez, por isso que nunca será demais insistir neste ponto capital, que Jesus, dizendo: "Aquele que em mim crê" — "aquele que vive e crê em mim", não tinha em mente ferir de "morte" os que se não houvessem grupado em torno da sua bandeira, tomando o título de "cristão".

Tal sentença fora uma monstruosidade na boca do Mestre, que era o tipo de todas as caridades. Aquelas palavras se subordinam sempre à lei natural de amor, de fraternidade, de respeito ao Senhor, lei que toda criatura traz escrita em seu coração e que se traduz em atos correspondentes à inteligência do homem e ao meio em que nasceu.

É "cristão", quaisquer que sejam as suas crenças, qualquer que seja o culto externo que pratique, todo aquele que ama os seus semelhantes, que procura fazer-lhes o maior bem possível, que envida esforços por progredir e auxiliar o progresso de seus irmãos.

Esse é "cristão" segundo o Cristo, é "ovelha do bom pastor".

O Cristianismo, propriamente dito, tal como em geral o ensinam, é um recinto acanhado, ah! muito acanhado, para que possa conter mais do que uma fração mínima da humanidade. Tão acanhado ele é, que bem se poderia dizer estar o universo inteiro condenado, se só fossem salvos os chamados "cristãos".

O Cristianismo de Jesus é o Belo e o Bem por toda parte onde exista, onde seja praticado com desinteresse e por amor da humanidade.

Maria, avisada por sua irmã, foi ter com o Mestre no mesmo lugar em que esta o encontrara. Os Judeus que, em casa dela, lhe faziam compa- 379

nhia a seguiram. E ela, ao aproximar-se de Jesus, disse: "Se estivesses aqui, não teria morrido meu irmão."

Maria e os Judeus que a acompanharam acreditavam que Lázaro morrera e por isso choravam. Diz o texto evangélico que, vendo as lágrimas que derramavam, Jesus "fremiu em seu Espírito e se turbou"; que, em seguida, inquiriu: "Onde o pusestes?"; que lhe responderam: "Senhor, vem e vê"; que, então, ele chorou. Neste ponto a narração evangélica refletiu e reproduziu, como necessariamente havia de suceder, o que entre si disseram os Judeus. Jesus, modelo de doçura e de amor, dava aos homens uma prova da sua ternura e da simpatia que lhe inspiravam os sofrimentos humanos.

Não acrediteis que com a ruptura dos laços que vos prendem à carne se quebrem todos os da simpatia. Não vedes que os bons Espíritos que vos cercam se afligem com as vossas dores e rejubilam com as vossas alegrias, dentro dos limites do que é puro? Quão mais não se apiedará de vós aquele que, por assim dizer, vos choca com o seu amor, a fim de vos fazer divisar a luz brilhante da pureza?

Jesus deixou ver aos que o cercavam a parte que tomava na dor que os afligia, para dar aos homens uma prova palpável da sua ternura.

Ele bem sabia onde fora posto Lázaro. Mas, naquela circunstância, como sempre, era mister que, tendo em vista sua missão e as conseqüências que esta devia produzir, favorecesse a crença em a natureza humana que lhe atribuíam, do mesmo modo que preciso era deixasse que todos cressem na morte de Lázaro.

Foi ao sepulcro e quando disse, diante de todo o povo que o rodeava: "Tirai a pedra", Marta lhe observou: "Senhor, já cheira mal, pois há quatro dias que está ai."

Ela se achava certa de que Lázaro morrera. Não tendo ido à gruta que servia de sepulcro ao irmão, a opinião que manifestava nascia de uma 380

presunção natural em face do tempo decorrido desde o momento em que se dera a morte aparente, mas por ela considerada real, de Lázaro. Tanto assim que pudera dizer: "há quatro dias que está aí."

Atacado de uma enfermidade pútrida, Lázaro, antes mesmo que seu corpo fosse depositado na gruta, já exalava um odor de putrefação, que naturalmente se conservara, uma vez que o corpo permanecera no mesmo estado até ao momento em que Jesus exerceu sobre ele a sua ação.

Não cheirava mal, no sentido em que Marta o dizia, isto é, não tinha o odor pútrido que se desprende de um cadáver.

Não tendo havido morte real, não havia a decomposição que lhe é conseqüente. Como, porém, Lázaro, pela natureza da sua enfermidade, já cheirava mal, antes mesmo que para Marta e Maria houvesse morrido, antes mesmo que lhe depositassem o corpo na gruta, aquela sua irmã, imaginando qual fosse o estado deste, atenta a época em que ocorrera a morte, que para ela era real, deduziu naturalmente que já devia haver bastante pronunciado odor de cadáver. Daí o dizer: "Ele já cheira mal, pois há quatro dias está aí."

Jesus lhe respondeu: "Não te disse eu que, se creres, verás a glória de Deus?"

Como conseqüência das palavras que ouvira do Mestre, quando antes lhe havia ido ao encontro, palavras que ela tomou ao pé da letra, para Marta, isto que Jesus lhe acabava de dizer significava, também segundo a letra: "Não te disse eu que, se creres na minha missão e no poder que recebi de Deus, como seu enviado, verás "ressurgir", pela ação desse poder, teu irmão que está morto?"

"Segundo o espírito, porém, e em verdade”, o pensamento de Jesus, velado pela letra daquelas palavras dirigidas a Marta e que importa não sejam separadas das que dirigiu a seus discípulos antes de partir para Betânia, era este: Conforme declarei a meus discípulos, Lázaro dorme, mas vou 381

despertá-lo. Sua enfermidade não é mortal, não vai até à morte, Ela é apenas para glória de Deus, para que seu filho seja por ela glorificado. Ela é apenas para que, diante dos homens e mediante o ato que vou praticar, seja posto em evidência o poder de Deus, de quem eu sou instrumento. Ela é apenas para glória de Deus, para que, desenvolvendo nos corações humanos a fé nele, os homens, que crêem estar Lázaro morto e vão crer que eu o ressuscitei, conforme entendem a ressurreição, também creiam que sou o Messias, isto é, o Cristo e reconheçam a minha missão e esta dê frutos. Verás, assim, a glória de Deus, isto é: verás o ato que vou praticar e verás que, por efeito desse ato, os homens que, como tu, crêem estar Lázaro morto, crê-lo-ão, como tu, ressuscitado e, como tu, terão fé em Deus e acreditarão, como tu o acreditas, que sou o Cristo, o filho do Deus vivo, que vim a este mundo."

Tirada que foi a pedra, Jesus sancionou o sentido, segundo o espírito, do que dissera a seus discípulos e proclamou ao mesmo tempo o motivo e o fim do ato que ia executar. Volvendo o olhar para o alto disse: "Meu pai, eu te rendo graças por me teres ouvido, por se ir realizar este ato da minha missão. Eu bem sabia que sempre me ouves, que a minha missão se há de cumprir, em todos os seus pontos, tal como tu ma deste; mas, falei assim por causa do povo que me cerca, para que todos creiam que tu me enviaste."

Disse depois, em tom enérgico: "Lázaro, sai para fora." No mesmo instante Lázaro saiu, trazendo os pés e as mãos ligados por ataduras e o rosto envolto num lenço. Ordenou então Jesus aos que o cercavam: "Desatai-o e deixai-o ir."

A morte de Lázaro, considerada real pelos homens, como a do filho da viúva de Naim e a da filha de Jairo, fora apenas aparente.

Certamente, sem a intervenção de Jesus, ela se houvera tornado completa, em conseqüência do 382

esgotamento da força vital no corpo, por efeito da enfermidade. Porém, até ao momento em que Jesus interveio, o Espírito não abandonara totalmente o invólucro material; achava-se ligado a este por um fio tenuíssimo, que se poderia comparar a uma tira finíssima de borracha esticada até ao ponto de estar quase a rebentar. Jesus chamou o Espírito e este voltou para a sua prisão, cheio de alegria, porque dessa forma servia à grande obra que o Cristo empreendera. Ao mesmo tempo que chamava o prisioneiro, o Mestre reparou o cárcere onde aquele ia meter-se de novo. Houve, portanto, ação magnética sobre o corpo, para lhe restabelecer a saúde e, debaixo da influência magnética, ação espiritual sobre o Espírito de Lázaro para, pelo encurtamento do cordão fluídico, reconduzi-lo ao envoltório de carne.

Explicando os fatos ocorridos com o filho da viúva de Naim e com a filha de Jairo, dissemos e aqui repetimos: Deus jamais força o Espírito a se unir à podridão. Sua vontade imutável jamais derroga as leis naturais que a sua sabedoria estabeleceu desde toda a eternidade. O Espírito que, em conseqüência de morte real, abandonou inteiramente o corpo, que se tornou assim um cadáver, por se haver dele separado o Espírito com o seu perispírito, não mais pode volver à vida corporal, senão por meio da reencarnação. 383

CAPÍTULO XI Vv. 46-57

Informados do que acabava de passar-se com relação a Lázaro, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reúnem em conselho, com o fim de descobrirem maneira de dar morte a Jesus. — Palavras de Califás

V. 46. Alguns deles, porém, foram ter com os fariseus e lhes referiram o que fizera Jesus. — 47. Então os pontífices e os fariseus se reuniram em conselho e diziam: Que faremos nós, visto que este homem opera muitos milagres? — 48. Se o deixamos continuar, todos crerão nele e virão os Romanos e nos tirarão o nosso lugar e a nossa nação. — 49. Mas, um deles, chamado Caifás, que era pontífice naquele ano, lhes disse: Nada sabeis — 50, nem considerais que mais vos convém morra um só homem pelo povo do que perecer toda a nação. — 51. Ora, ele não disse isto de si mesmo; como era pontífice naquele ano, profetizou que Jesus havia de morrer pela nação dos Judeus; — 52, e não só por essa nação, mas também para reunir e unificar os filhos de Deus que estavam dispersos. — 53. E desde aquele dia não pensaram senão em encontrar meio de lhe darem a morte. — 54. De sorte que Jesus não mais se apresentava em público entre os Judeus e se retirou para uma terra vizinha do deserto, para uma cidade chamada Efrém e aí ficou com seus discípulos. — 55. Estando, porém, próxima a Páscoa dos Judeus, muitos daquela região subiram a Jerusalém antes da Páscoa, para se purificarem. — 56. E procuravam a Jesus, dizendo uns aos outros no templo: Que pensais de não ter ele vindo neste dia de festa? — 57. Mas, os pontífices e os fariseus haviam dado ordem que, se alguns soubessem onde ele estava, o denunciassem para que fosse preso.

N. 37. Estes versículos são perfeitamente compreensíveis. 384

Só temos que vos chamar a atenção para os temores manifestados pelos sumos sacerdotes e pelos fariseus, para as palavras de Caifás e ainda para as reflexões, para o comentário que o evangelista expende a propósito dessas palavras.

Ao ver dos Judeus, se Jesus continuasse a sua obra, acabaria reunindo sob o seu estandarte todo o povo de Israel e libertando-o da dominação romana. Essa a opinião corrente. Ora, entendendo, como os Judeus de mais elevada categoria, que a nação seria incapaz de levar a efeito a sua libertação, Caifás propôs que se sacrificasse aquele pretenso libertador, para salvar o resto do povo, que corria o risco de ser esmagado pelas legiões romanas.

Assim foi que, tendo em vista os interesses materiais e de ocasião da nação judia, ele profetizou, sobre a missão de Jesus e sobre as conseqüências que ela havia de produzir, dizendo: "Não considerais que mais vos convém morra um só homem pelo povo, do que perecer toda a nação."

Ora, observa João, ele não dizia isto de si mesmo. Caifás, com efeito, não pronunciou essas palavras de si mesmo; fê-lo por inspiração, sem que desta tivesse consciência. Estava na situação de muitas pessoas que julgam falar sempre por impulso próprio, mas que de fato receberam a inspiração e a esta ficam sujeitas. Para Caifás, Jesus devia morrer, a fim de que a nação se salvasse, a fim de que sua morte, do ponto de vista em que ele, Caifás, se colocara, obstasse a que o povo corresse para a sua própria perda, revoltando-se contra a dominação romana.

Segundo o espírito que presidira à inspiração, aquelas palavras de Caifás tinham um sentido profético e um alcance que João, debaixo da influência espírita e da inspiração mediúnica, mas sem ter delas consciência, põe em relevo, fazendo ressaltar que se aplicam à missão do Cristo relativa ao gênero humano. 385

CAPÍTULO XII Vv. 1-11

Maria perfuma os pés de Jesus. — Murmuração de Judas. — Os Judeus deliberam dar morte a Lázaro

V. 1. Seis dias antes da Páscoa, veio Jesus a Betânia, onde morrera Lázaro, a quem ele ressuscitara. — 2. Deram-lhe aí uma ceia; Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com ele. — 3. Então, Maria, tomando de uma libra de perfume de nardo puro, muito precioso, ungiu os pés de Jesus e lhos enxugou com seus cabelos; e a casa se encheu do cheiro do perfume. — 4. Então, um dos discípulos, Judas Iscariotes, o que o havia de entregar, observou: — 5. Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários e se não deu esta soma aos pobres? — 6. Isto disse ele, não porque se preocupasse com os pobres, mas porque era ladrão e, sendo o portador da bolsa, era quem trazia o que nela se deitava. — 7. Jesus lhe respondeu: Deixai-a, que ela guardou isto para o dia da minha sepultura. — 8. Pobres sempre os tereis convosco, enquanto que a mim não me tereis sempre. — 9. Grande multidão de Judeus logo soube que ele ali estava e lá foram, não só por sua causa, senão também para verem a Lázaro, que ele ressuscitara dentre os mortos. — 10. Por isso, os príncipes dos sacerdotes assentaram matar igualmente a Lázaro. — 11. Pois muitos Judeus, por causa deste, se afastavam deles e criam em Jesus.

N. 38. Já vos demos, em o n. 283, págs. 384-387, do 3º tomo, as explicações necessárias sobre o ato de Maria, o perfume, o embalsamamento, as palavras de Judas e as de Jesus (vv. 1-9). Reportai-vos a essas explicações.

Quanto ao que se vos diz de Lázaro, que, no entender dos homens, "morrera" e "ressuscitara", e à ceia em que, também ao ver dos homens, Jesus 386

tomara parte, já recebestes igualmente todas as explicações.

Perguntareis o que foi feito de Lázaro, dada a intenção que os príncipes dos sacerdotes haviam manifestado de fazê-lo morrer. Como a maioria dos que acompanhavam a Jesus, ele se conservou afastado, enquanto teve que recear da cólera imediata dos inimigos encarniçados do Mestre.

Há quem tenha dito que, por ocasião do sacrifício do Gólgota, todos os doentes que Jesus curara em tão grande número e todos os que lhe seguiam desapareceram.

Nada há nisso que vos deva causar espanto. Sendo de ínfima condição na sua maioria, que teriam podido fazer em favor de Jesus? Se houvessem feito uma demonstração qualquer, teriam aumentado o ódio de que ele era objeto. Seguiram, pois, as peripécias daquele drama sublime, mas sem procurarem opor-se ao seu desdobramento, sem provocarem complicações desastrosas.

Esse não era o papel que lhes cabia desempenhar. Uma vez, porém, consumado o sacrifício, quando a doutrina do Mestre começou a formar escola, ei-los que vieram grupar-se em torno dos discípulos e constituir o núcleo dos primeiros cristãos.

Quanto à história deles, que necessidade havia de que fosse transmitida à posteridade? Ela se confundiu e perdeu com a de todos os primeiros apóstolos da fé, que viviam para e por Deus. 387

CAPÍTULO XII Vv. 12-19

Entrada de Jesus em Jerusalém

V. 12. No dia seguinte, grande multidão de povo, que viera à festa, tendo ouvido dizer que Jesus ia a Jerusalém, — 13, tomou ramos de palmas e saiu ao seu encontro, clamando: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, como rei de Israel! — 14. Jesus, tendo achado um jumentinho, montou nele, conforme está escrito: — 15. "Não temas, filha de Sião, eis que aí vem o teu rei montado num filho de jumenta.".—16. Os discípulos a princípio não deram atenção a isso; mas, quando Jesus entrou na sua glória, então se lembraram de que essas coisas estavam escritas a seu respeito e que o que com ele tinham feito era o cumprimento delas. — 17. E o grande número dos que se achavam com ele quando chamou a Lázaro do sepulcro e o ressuscitou dos mortos dava testemunho dele. — 18. Foi isso também o que fez que o povo lhe viesse ao encontro: é que ouviram dizer que ele operara esse milagre. — 19. Disseram então os fariseus entre si: Vedes que nada aproveitamos. Eis que todo o mundo o segue.

N. 39. A narrativa de João é um resumo dos fatos que seus irmãos em Deus, os três outros evangelistas, haviam relatado com minúcias, relativamente à entrada de Jesus em Jerusalém. Reportai-vos ao que a esse respeito já vos dissemos (3° tomo, págs. 235-241).

Uma única observação nos cabe aqui fazer, a propósito destas palavras do v. 16: "Mas, quando Jesus entrou na sua glória." As vossas traduções teriam dito melhor: "Voltou à sua glória."

Estas palavras significam: "Quando Jesus volveu à natureza espiritual que lhe era própria." 388

CAPÍTULO XII Vv. 20-26

Alguns Gentios querem ver a Jesus. — Palavras suas nessa ocasião

Separai estes versículos, obedecendo à ordem dos pensamentos, a fim de vos darmos sobre eles explicações distintas e especiais.

V. 20. Ora, entre os que tinham vindo para adorar no dia da festa se achavam alguns Gentios, — 21, os quais se dirigiram a Filipe, que era de Betsaida, na Galiléia, e lhe fizeram este pedido: Senhor, quiséramos ver a Jesus. — 22. Filipe foi dizê-lo a André e os dois o disseram a Jesus.

N. 40. Os Gentios, de quem aqui se fala como tendo vindo para adorar no dia da festa, eram estrangeiros recém-convertidos ao Judaísmo. Chamavam-lhes Gentios por serem ainda tidos como infiéis, idólatras. Mesmo passados séculos, os convertidos eram considerados abaixo dos legítimos filhos de Israel, que não percebiam haver mais mérito em fazer a escolha do bem, do que em adotá-lo inconscientemente.

Atendamos previamente a uma objeção que se pode formular, alegando que o Espírito, antes de encarnar, escolhe o meio onde deva viver, as crenças e os cultos a que deva submeter-se, sempre tendo em vista fazê-los progredir, progredindo ele próprio.

Assim é, com efeito. Mas, aquele que, por provação, procurou encarnar num meio mau, diverso do em que deveria viver, submetido a uma ordem de crenças e cultos diferentes dos de que devia partilhar, tem o mérito da iniciativa, desde que logre emancipar-se de tal meio, dessas crenças e cultos, quando a carne lhe obscurece a visão espiritual, ao 389

passo que aquele que se colocou em um meio adiantado e que voluntariamente permanece no statu-quo, esse não cumpre seus deveres e falta às suas obrigações.

Buscai sempre o que possa desenvolver e engrandecer a vossa inteligência. Entrai com ousadia em todas as sendas que diante de vós se abram, mas entrai como viajor prudente, sondando o terreno ao vosso derredor, orientando-vos de modo a não perderdes jamais de vista a estrela polar — Deus, meta que deveis atingir.

O progresso é proporcionado sempre ao grau da inteligência. Deus não exige que o Caledônio tenha seus Vicente de Paulo, mas exige dele que não exagere os sentimentos brutais que o animam, que não seja feroz pelo prazer de o ser. Tudo é proporcionado, repetimos. As obrigações da humanidade estão sempre em relação com as faculdades humanas.

O selvagem que poupa a vida a um inimigo faz tanto quanto o homem civilizado que sacrifica vida e fortuna para salvar um irmão. Relativamente à sua condição, o sacrifício do primeiro é tão grande, senão maior que o do segundo, e o progresso guarda proporção com o sacrifício.

V. 23. Jesus lhes respondeu: chegada a hora em que o filho do homem será glorificado. — 24. Em verdade, em verdade vos digo que, se o grão de trigo, que cai na terra, não morre, fica só; mas, se morre, produz muito fruto.

Jesus, com isso, aludia ao sacrifício do Gólgota, cujo momento vinha próximo e aos frutos que daria, por efeito da sua missão terrena, congregando todos os homens, então e de futuro, e principalmente nos tempos da era nova que agora se inicia, Judeus e Gentios, sob a bandeira que tem por exergo — Amor e Caridade — mediante a prática da moral pura que ele pregou e que, pelos seus ensinamentos e exemplos, personificou. 390

Aludia à necessidade da sua morte aparente, mas que os homens considerariam real, como meio e condição de progresso da humanidade terrena, que tinha de ser, pelo reinado da letra, preparada e conduzida à nova revelação, que é a aurora do advento do espírito.

Nada existe, no Universo, sem uma causa primária. A semente produz o fruto, mas, para isso, tem que sofrer as transformações necessárias.

Igualmente, o sacrifício de Jesus não podia dar frutos senão depois que se houvesse consumado.

Então e até aos tempos da revelação atual, que teria sido o exemplo da sua vida, para o homem, se o sacrifício o não completasse?

Que força teriam tido suas palavras, suas exortações à renúncia, ao amor, ao devotamento, se ele não houvesse dado o exemplo dessas virtudes que viera impor aos homens?

Se não houvera sofrido, todos teriam dito: "Que lhe custava fazer o bem, ser puro e virtuoso? Não era, por natureza, um privilegiado? Não era, por sua essência, superior a todos os demais ?"

A revelação da sua origem não poderá servir de pretexto para que se lhe neguem o sacrifício e os méritos, embora alguns ousem dizer: "Ele não pode ter sofrido como os homens, pois que não era da mesma natureza destes. Sua passagem pela Terra, suas privações, suas dores, sua morte não são mais do que uma fantasmagoria insultuosa para a humanidade, que ele convida a lhe seguir as pegadas, quando sabe que a matéria humana está condenada à sensibilidade exterior, o que não se dava com a sua, e que o homem está adstrito a uma vida que doloroso lhe é deixar, tanto mais quanto, além do sofrimento, há, ainda, a incerteza da sorte futura, incerteza que, para ele, não existia, sofrimento que não era possível experimentar." 391

Jesus não pode ter sofrido! Que sabeis a esse respeito, ó homens, que não compreendeis nem admitis senão o que afeta a vossa matéria, que tendes por insignificantes os sofrimentos morais, não obstante alguns de vós os terem rudemente suportado, e que não percebeis até que ponto excedem aos sofrimentos físicos!

O vós, que recusais valor ao sacrifício de Jesus, por não se achar ele revestido de um corpo de carne, perecível como os vossos, abri os vossos próprios corações e perscrutai, com sinceridade, o fundo de vossas almas. Que preferiríeis: suportar a tortura do corpo, ou suportar o desespero de testemunhar a ingratidão, a negrura d'alma, o crime, naqueles a quem mais amor tendes do que a vós mesmos?

Vós todos, que não vos encontrais dominados pelo egoísmo, pais, mães, filhos, criaturas humanitárias que considerais todos os homens como vossos irmãos bem-amados, quais não são os vossos sofrimentos quando vedes aqueles a quem fizestes objeto do vosso mais terno amor vos repelirem com desprezo e vos atirarem pedras?

Jesus não pode ter sofrido como os outros homens, porque não era da natureza destes!

Não, a sua natureza não era idêntica à dos outros homens e por isso ele não sofreu da maneira por que sofrem os habitantes materiais do vosso planeta inferior. Entretanto, por serem de outra ordem, seus sofrimentos não terão sido superiores aos da humanidade terrena?

Seu corpo fluídico, de natureza perispirítica, tangível e visível para os homens, não era suscetível de experimentar a dor material, porque, efetivamente, as sensações que recebia nenhuma relação tinham com a impressão dolorosa que causam a amputação de um membro, a contusão numa parte qualquer do corpo humano. Era, porém, suscetível de receber impressões exteriores que repercutiam no moral com violência, para vós, inaudita. Eis 392

por que vos dizemos que Jesus, vítima voluntária do amor que consagra aos seus protegidos — os homens da Terra, se bem não sofresse do ponto de vista carnal, sofreu violentamente.

Para o avaliardes, esforçai-vos por perceber as sensações que certas naturezas de escol experimentam quando as punge uma dor moral, a profundeza do golpe que recebem quando lhes chega uma notícia má, as torturas por que as fazem passar a ingratidão, a maldade, quando elas vêem os que são objeto da sua mais terna afeição alvo da perseguição ou da calúnia.

Não prefeririam essas almas sensíveis uma dor material ao contínuo sofrimento moral que as despedaça? E, levado a certo ponto, esse sofrimento moral que atinge as proporções materiais do sofrimento do corpo, não as ultrapassa até? Não lhe altera os órgãos, ao ponto de causar a sua decomposição? Não vedes muitas vezes a intranqüilidade, a aflição, a consumição lhes acarretarem a morte, no sentido de que produzem nos seus organismos estragos a que elas não podem resistir? E ainda vos recusareis a reconhecer que certos sofrimentos morais são verdadeiramente intoleráveis?

Quais não seriam os sentimentos de Jesus para convosco? Quais não terão sido a sua mágoa, a sua tristeza, vendo-vos tão ingratos, tão covardes, tão culpados? Ele sofria e ainda sofre. O sacrifício a que se votou dura ainda e durará até que haja reunido todas as suas ovelhas sob as dobras do seu manto protetor.

Não digais: "Para que serve um sacrifício imaginário?" Seu sacrifício foi real e tanto mais real, quanto só o espírito é capaz de sentir sofrimento.

Os sofrimentos morais de Jesus estão em relação com a carência de esforços da vossa parte, para corresponder aos seus.

A sua solicitude por todos vós não data do momento em que ele surgiu entre os Judeus, mas do instante em que o globo terráqueo, desagregando-se 393

do turbilhão ardente onde se achava integrado, se constituiu morada para essências espirituais destinadas a percorrer as fases do seu desenvolvimento, solidário e em correlação com o da matéria. Trabalhando sem descanso desde ali, pelo progresso dos princípios espirituais, então em sua origem, ele os fez progredir até ao ponto de se individualizarem, tendo conduzido ao mesmo tempo o planeta à condição de uma terra primitiva, apropriada ao aparecimento do homem e preparada para a encarnação humana de Espíritos falidos, cujo grau de culpabilidade lhes impunha essa provação rude, mas necessária. Desde então, tem sempre, sem cessar, impulsionado, sobre toda a superfície do planeta terreno, o progresso em todos os reinos da natureza. Desde então, mediante a encarnação, entre os homens, de Espíritos sempre superiores às massas humanas e incumbidos de dar-lhes o impulso, tem ele feito, a todos os que lhe estão confiados, apelos instantes, e que cada vez mais se repetirão, ao arrependimento e ao progresso. Sua solicitude foi sempre máxima, e sempre a mesma e tal se conservará, enquanto não houverdes atingido as regiões superiores a que deveis aspirar.

Como se pode dizer: "A matéria humana está adstrita a uma vida que lhe é tanto mais doloroso deixar quanto, além do sofrimento, ainda há, para ela, a incerteza da sorte futura, incerteza que para Jesus não existia, sofrimento que lhe não era possível experimentar?"

Pretendeis, então, ó homens, rebaixar Jesus ao vosso nível, ao nível da vossa inferioridade moral, que ainda vos não permitiu compreender que o corpo não é, para o Espírito, mais do que uma veste temporária, o instrumento de suas provas, de suas expiações, de seu progresso? que a morte, para o Espírito, é apenas uma libertação, porquanto lhe restitui a liberdade, tal como é restituída ao prisioneiro para quem se abrem as portas do cárcere 394

onde fora metido? que a morte é ao mesmo tempo o começo, a fonte, o meio de um novo progresso?

Não; para Jesus, puro Espírito, sempre Espírito sob o invólucro fluídico, de natureza perispirítica, que tomara e que fizera tangível para ser percebido dos homens, nenhuma incerteza havia quanto à sorte futura. Ele tinha a consciência exata da sua origem, a certeza do futuro. Nenhum desfalecimento sentiu no momento do sacrifício do Gólgota. Conhecia de antemão os resultados que conseguiria e seus caridosos esforços visavam mais as gerações futuras do que as da época. Não sofreu os terrores e as aflições que assaltam o homem, sobretudo o homem material, quando vê aproximar-se a morte, para tirar-lhe a vida da matéria, que lhe fora grato a todo transe conservar. Disse ele que ninguém lhe tirava a vida no Calvário; que de si mesmo a deixava, que tinha o poder de a deixar e de a retomar, em cumprimento da missão terrestre que Deus lhe confiara, porquanto descera ao meio dos homens para lhes ensinar a viver e a morrer com o objetivo do progresso do Espírito. Deste ponto de vista foi que ele tudo obrou.

A passagem de Jesus pela Terra teria sido uma fantasmagoria insultante para a humanidade!

Reflitam os que se vejam tentados a usar de semelhante linguagem e elevem-se pelo pensamento acima do nível inferior em que ainda se encontram suas inteligências, enfaixadas pela matéria que, obscurecendo-as, as transvia, e compreenderão os vastos desígnios da Providência com relação à humanidade e ao planeta terrenos. Compreenderão a sabedoria infinita do Senhor, presidindo ao progresso dos homens, dando a cada época, a cada era o que lhe é possível comportar, conduzindo as gerações humanas, em sua marcha ascensional, conforme o exijam as necessidades e faculdades de cada época, de cada era, de acordo com o uso que do livre-arbítrio façam os homens, de acordo com suas oscilações, seus desfalecimentos e suas resistências mesmas. 395

Compreenderão que as revelações, sendo sucessivas e sempre progressivas, são apropriadas, assim como as missões e os acontecimentos culminantes nelas, às necessidades dos tempos, ao estado das inteligências, às aspirações da época; que cada uma dessas revelações produz seus frutos, por meio da encarnação de Espíritos, superiores relativamente às massas humanas e encarregados de as impelir; que as coisas se passam de tal modo que cada revelação prepara a que se lhe há de seguir e é explicada pela que se lhe segue.

Compreenderão que cada uma das que se têm verificado, entregue às interpretações humanas sob o império da letra, tinha que preparar e preparou o advento da que Jesus predisse e prometeu, a do Espírito da Verdade, a atual, que vem explicar segundo o espírito, em espírito e verdade, as que a precederam. Assim, a era nova que diante de vós se abre vai ter seus primeiros anos messiânicos pela encarnação de Espíritos em missão, superiores às massas humanas, incumbidos de as impulsionar, preparando os caminhos para o segundo advento de Jesus, por ele predito e prometido, de Jesus que é, por si só, o Espírito da Verdade, visto trazer consigo o complemento e a sanção da verdade.

Ó homens, consultai a História da vossa humanidade e observai o meio em que surgiu cada uma das revelações que lhe hão sido dadas. Observai a marcha que seguiu a revelação feita por intermédio de Moisés e dos profetas de Israel, seu desenvolvimento e suas fases. Atentai no advento do Messias, do Cristo, vede como ele foi previsto e preparado por Moisés e pelos profetas; atentai na maneira e nas condições em que se verificou o aparecimento do mesmo Messias; notai que apareceu sob duplo aspecto: com uma natureza e uma origem humanas e com uma natureza e uma origem "milagrosas", extra-humanas, tendo produzido essa duplicidade de aspectos o véu da letra com que aquele aparecimento foi anunciado. Observai a marcha 396

dos acontecimentos e as interpretações humanas a que eles, as profecias e a revelação moisaica deram lugar, até à aparição de Jesus na Terra. Apreciai a revelação que o anjo fez a Maria e a José e que, ligando-se à que a precedeu, antecede e anuncia aquela aparição. Notai que essa revelação se conservou secreta durante a missão terrena de Jesus e até que chegasse o momento oportuno de ser divulgada, de espalhar-se no seio das massas populares, a fim de produzir os devidos frutos, desenvolvendo-se e percorrendo as suas diferentes fases, até ao presente, sujeita aos esforços e lutas do pensamento e das interpretações humanas. Observai o meio em que Jesus apareceu para cumprir a sua missão terrena, apreciai-lhe as palavras, os atos, a marcha dos acontecimentos e das interpretações humanas a que estes e aquelas palavras e atos deram origem, mesmo enquanto durou a sua missão e depois até aos dias de hoje. Atentai no advento, predito e preparado, do "Espírito da Verdade". Atentai em tudo isso e compreendereis que o que sucedeu tinha que suceder, como condição e meio indispensáveis ao progresso da humanidade e compreendereis que soou a hora da revelação atual.

Jesus não podia desempenhar, como Espírito, a sua missão entre Espíritos desencarnados do vosso planeta, para, em seguida, fazê-los baixar a este, purificados e em plena via de progresso. O Espírito que faliu, não o esqueçais, tem que seguir o seu caminho ligado ao corpo terrestre. É uma das condições do seu progresso. Conseguintemente, os meios que se lhe proporcionam para realizar esse progresso são de natureza a só poderem ser por ele utilizados na condição de encarnado. O Espírito, é certo, progride fora do corpo material, em estado de liberdade; mas, esse progresso é apenas o resultado do impulso que ele imprimiu a si mesmo para progredir durante a encarnação. É essa uma lei a que não pode esquivar-se, desde o momento em que se condenou a encarnar até o em que deixar de 397

sentir o peso dessa sentença, que é obra sua, pois não passa de uma conseqüência de seus atos.

Eis porque Jesus tanta oposição encontrou. É que o Espírito, tendo o seu livre-arbítrio, livremente recebe, conforme o grau do seu desenvolvimento moral, as boas ou as más influências. Eis porque a missão de Jesus teve que ser cumprida na Terra. Eis porque, repetimos, ele encontrou tanta oposição. Esta oposição estava prevista, era conhecida previamente, mas nem por isso o foi menos. Eis ainda porque a sua missão não se acha concluída e só terminará com a consumação dos séculos.

Aos homens materiais daquela época era necessário, primeiramente, o aspecto humano da revelação e dos sofrimentos materiais, únicos que eles podiam compreender, únicos que para eles tinham valor. Depois então o aspecto "milagroso" da revelação velada pela letra e destinada, por efeito das interpretações dadas às palavras e aos atos do Mestre antes do sacrifício do Gólgota, dadas a este sacrifício e às palavras e atos por ele ditas e praticados desde que reapareceu no mundo até que, pela chamada Ascensão, voltou às regiões etéreas, a levá-los a ver no enviado celeste um Deus, um homem-Deus, sujeito como eles à morte e que experimentara a morte material, os sofrimentos materiais.

Assim compreendidos, o sacrifício do Gólgota, a missão terrena de Jesus tinham que servir para aquela época e que preparar o futuro, preparar o progresso material e, desse modo, preparar as inteligências para compreenderem os sofrimentos morais, para receberem a nova revelação, que vem, dissipando as trevas da letra com a luz do espírito, explicar, em espírito e verdade, o modo por que se verificou e as condições a que obedeceu a aparição de Jesus na Terra, sua origem e sua natureza espirituais, sua posição espírita com relação a Deus e ao planeta terrestre, sua missão terrena, suas palavras e atos, a grandeza e o objetivo dessa missão; revelação que vem mostrar a categoria que ele ocupa 398

como protetor e governador da Terra, a cuja formação presidiu, encarregado do seu desenvolvimento e do seu progresso, assim como dos da humanidade que o habita e de conduzi-la à perfeição.

V. 25. Aquele que ama a sua vida perdê-la-á e o que aborrece a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna.

Amar a vida é tudo sacrificar ao bem-estar presente, às satisfações da sensualidade, ao orgulho, ao egoísmo. Isso equivale a perder a vida espiritual, por importar, para o que assim procede, em permanecer sujeito à encarnação material.

Aborrecer é uma expressão que, na vossa linguagem, tem uma força, um vigor de que carece o termo que lhe corresponde no idioma hebraico e que neste passo foi empregado, significando apenas não fazer da vida objeto de culto, não sacrificar o que a honra, o respeito e o amor a Deus concitam o homem a ter em conta. O que Jesus quis dizer, servindo-se daquele vocábulo, foi que cumpre ao homem conservar a sua vida espiritual, para caminhar nas sendas que conduzem à perfeição.

V. 26. Aquele que me quiser servir, siga-me; e, onde eu estiver, aí estará também aquele que me serve. Aquele que me serve, a esse meu pai honrará.

Não precisais de explicações. Servir a Jesus é obedecer à lei de amor. Todo aquele que a segue é digno de ser um filho de Deus. 399

CAPÍTULO XII Vv. 27-36

Continuação das palavras de Jesus

N. 41. Dividi, para que vos demos explicações especiais.

V. 27. Agora minha alma está turbada. E que direi? Pai, livra-me desta hora. Mas, foi para esta hora que vim. — 28. Pai, glorifica o teu nome. Veio então uma voz do céu, dizendo: Já o glorifiquei e ainda o glorificarei. — 29. O povo, que ali estava e ouvira aquela voz, dizia ter sido um trovão. Outros diziam: Foi um anjo que falou. — 30. Jesus respondeu: Não foi por mim, mas por vós outros que esta voz se fez ouvir.

(V. 27.) Jesus dava assim aos homens um exemplo de submissão aos decretos da Providência. Essas suas palavras foram ditas com o mesmo objetivo destas outras, que explicamos comentando os três primeiros Evangelhos: "Se é possível, pai, afaste-se de meus lábios este cálice; mas que se faça, não como eu queira, e sim como tu quiseres."

O Cristo preparava os que o ouviam para os acontecimentos que se iam dar, a fim de que, quando lhes voltassem à memória, suas palavras dessem frutos de fé. Ele se dirige ao pai celestial sempre com o fim de atrair o Espírito do homem para o seu Criador e de lhe ensinar em que fonte deve a criatura humana haurir força e fé, em quem deve depositar confiança para obter o prêmio de seus esforços.

A voz que se fez ouvir, efeito produzido, de acordo com a vontade divina, pelos Espíritos que cercavam a Jesus, prontos sempre a secundá-lo, teve por fim provar, de modo positivo, que ele era 400

realmente um enviado celeste e que, todas as vezes que o homem eleva com confiança o Espírito para Deus, a potência divina o sustenta e fortifica.

Estas palavras: "Já o glorifiquei e ainda o glorificarei", significam que Deus, pelas manifestações que já permitira, com o fito de impressionar os homens, os forçou a lhe renderem homenagem ao nome e ao poder e os forçará a isso, sempre que dele se afastarem.

"Não foi por minha causa, disse Jesus, mas por causa de vós outros, que esta voz se fez ouvir." Com efeito, Jesus não precisava de manifestações perceptíveis aos homens, para estar certo de que a sua voz chegara ao pai celestial. O que se fazia preciso, sim, era abalar materialmente homens materiais.

V. 31. Agora vai o mundo ser julgado; agora o príncipe do mundo vai ser lançado fora.

Linguagem figurada. Sendo a manifestação messiânica a maior de quantas até então se dera e de quantas se dariam até ao advento, predito e prometido, do Espírito da Verdade, era também a que mais positivo efeito havia de produzir. Foi ela que desdobrou a lei de amor como um manto destinado a envolver e abrigar o mundo inteiro. É, conseguintemente, por aquela missão, que se contém toda na lei de amor, que o mundo será julgado, que tudo o que é mal há de ser, por contrário a essa lei, lançado fora, como de fato o será, completamente, na época da purificação do planeta e da humanidade terrenos, pelo afastamento dos Espíritos que então ainda se conservem culpados, rebeldes, endurecidos, obstinados no mal, os quais irão para planetas inferiores.

Dissemos acima que a manifestação messiânica era a que produziria mais positivo efeito, porque a manifestação do "Espírito da Verdade", realizada pelos Espíritos do Senhor, errantes e encarnados em missão, é a continuação e o desenvolvimento, ao 401

mesmo tempo que a confirmação, dada sob a direção de Jesus, da obra que ele executou, desempenhando a sua missão terrena e é também preparatória do segundo advento do vosso protetor e governador, que, ele próprio, é o Espírito da Verdade, por ser complemento e sanção da verdade.

V. 32. E eu, quando for levantado da terra, tudo atrairei a mim. — 33. Isto ele dizia para indicar de que morte havia de morrer.

Efetivamente, Jesus fazia alusão ao sacrifício do Gólgota, ao dizer: "Quando eu for levantado da terra." Referia-se, porém, principalmente à sua "ressurreição" e ao que se lhe seguiria até à sua chamada "ascensão", inclusive, isto é, até à sua volta às regiões etéreas.

Tudo atrairei a mim. Deveis compreender que, uma vez tendo "ressuscitado" e "subido ao céu", seus preceitos cada vez mais se disseminariam. Dizendo isso, não tinha em vista apenas os acontecimentos que iam ocorrer: sua "morte", sua "ressurreição", sua "ascensão". Tinha também em mente o progresso incessante que os homens fariam, tendendo sempre para a fraternidade e para a unidade.

V. 34. Respondeu-lhe o povo: Temos aprendido da Lei que o Cristo permanecerá para sempre. Como é então que dizes que o filho do homem há de ser levantado da terra? Quem é o filho do homem? — 35. Jesus respondeu: Ainda por um pouco de tempo a luz está convosco; andai, enquanto tendes luz, para que vos não surpreendam as trevas. Aquele que caminha em trevas não sabe para onde vai. — 36. Enquanto tendes a luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz. Dito isso, Jesus se retirou e ocultou deles.

Quase nada compreendendo do que dizia respeito à imortalidade da alma, os homens imaginavam que o Messias que lhes fora prometido teria uma infindável existência terrena e material. 402

Fora possível que Jesus lhes respondesse explicando a imortalidade da alma, seus desenvolvimentos e progressos? Tê-lo-iam compreendido? Teriam aquelas inteligências, ainda obscurecidas, suportado tais revelações, acerca da natureza espiritual, melhor do que uma criancinha suportaria definições algébricas?

Jesus se contenta com lhes dizer: "Eu sou a luz", porque, na realidade, lhes trazia a luz e não o incêndio. Abria-lhes a vista, porém não para lançá-los nas trevas, como sucede após um deslumbramento. Contemplai o Sol e, quando dele desviardes os olhos, tudo será negro em torno de vós. O mesmo se dá com a vossa inteligência. Ë preciso que a luz celeste vos seja mostrada através de um vidro opaco, que lhe suavize os raios, sem o que vossas vistas muito fracas não a poderiam suportar. Crescei, desenvolvei-vos e podereis, pairando às maiores alturas da espiritualidade, fitar com límpido olhar os esplendores que lá brilham.

Os Judeus disseram a Jesus: "Temos aprendido da lei que o Cristo permanecerá para sempre." Entre as massas populares, tudo o que os rabinos ensinavam era considerado como fazendo parte da lei. A crença popular expressa por aquelas palavras, que os Judeus dirigiram a Jesus, era fruto dos comentários que os doutores faziam sobre os livros antigos, sobre o que se continha no Antigo Testamento. 403

CAPÍTULO XII Vv. 37-43

Incredulidade dos Judeus. — Fé que alguns tinham, mas que o respeito humano, o temor de serem expulsos da sinagoga abafavam. — Esses preferiam a glória dos homens à glória de Deus

V. 37. Mas, embora tivesse feito tantos milagres na presença deles, nele não criam, — 38, a fim de que se cumprisse esta palavra do profeta Isaias: "Senhor, quem acreditou no que de nós ouviu? E a quem foi revelado o braço do Senhor?" — 39. Não podiam crer porque, como disse ainda Isaías: — 40. "Cegou-lhes os olhos e lhes endureceu o coração, para que não vejam com os olhos e não entendam no coração e se convertam e eu os cure." — 41. Isto disse Isaías quando viu a sua glória e dele falou. — 42. Entretanto, muitos dos próprios senadores creram nele; mas, por causa dos fariseus, não o confessavam publicamente, temendo ser expulsos da sinagoga. — 43. É que amaram mais à glória dos homens do que à glória de Deus.

N. 42. Já explicamos (n. 164, págs. 319-324 e 326-330 do 2° tomo) as palavras do v. 39. Reportai-vos a essas explicações.

O que se passou com Jesus ao tempo da sua missão terrena foi exatamente o que se passa hoje relativamente à nova revelação, à revelação do "Espírito da Verdade", por ele predita e prometida. Observai a incredulidade dos homens da época atual. Não os vedes negando crédito a esta revelação e aos que são seus órgãos, exatamente como os Judeus o negavam a Jesus e à sua missão?

Não vedes, entre os que crêem na nova revelação, muitos que não ousam proclamar publicamente a sua fé espírita, que não ousam confessá-la, por 404

causa dos fariseus de agora, para não serem expulsos de "suas sinagogas?" Também esses não prezam mais a glória dos homens do que a glória de Deus?

As palavras de Isaías ainda hoje se cumprem, pois que ainda há Espíritos impuros e atrasados, Espíritos ignorantes e, sobretudo, orgulhosos, que, como os Judeus, os sacerdotes, os fariseus e os doutores da lei, presos às suas ambições, aos seus interesses humanos, a seus prejuízos e às suas humanas tradições, ou a seus vícios e paixões, rejeitam a revelação do Espírito da Verdade e repelem os que lhes servem de órgãos, quando não se açaimam contra essa revelação e esses seus órgãos, do mesmo modo que os Judeus, os sacerdotes, os fariseus e os doutores da lei repeliram a Jesus e a sua missão, se açaimaram contra ele, contra a sua doutrina, contra a sua missão.

Mas, com o tempo, com a expiação e a reencarnação, o progresso se fará e a luz poderá então brilhar para os que, segundo a palavra do profeta Isaías, ainda não podem "ver com os olhos e compreender com o coração", isto é, para aqueles que, atacados de cegueira moral, ainda têm a inteligência muito obscurecida pela matéria e suas influências. 405

CAPÍTULO XII Vv. 44-50

A moral que Jesus pregou não é sua, mas de Deus. — Jesus, que é a luz, veio para salvar o mundo. — O homem se julga a si mesmo, e sua consciência é quem pronuncia a sentença

V. 44. Ora, Jesus exclamou: O que em mim crê não é em mim que crê, mas naquele que me enviou. — 45. E o que me vê a mim vê aquele que me enviou. — 46. Eu, que sou a luz, vim ao mundo para que os que em mim crêem não fiquem nas trevas. — 47. Se alguém ouve as minhas palavras e não as guarda, eu não o julgo; pois que não vim para julgar o mundo, mas para o salvar. — 48. Aquele que me despreza e não recebe as minhas palavras tem por juiz a palavra mesma que hei pregado; será ela que o julgará no último dia. — 49. Porque, não é por mim mesmo que tenho falado; meu Pai, que me enviou, é quem me prescreveu, por seu mandamento, o que devo dizer e como hei de falar. — 50. E eu sei que seu mandamento é a vida eterna. Portanto, o que digo, digo-o conforme meu pai mo ordenou.

N. 43. Nas explicações que já recebestes, tendes os elementos e os meios para a interpretação e a compreensão destas palavras de Jesus.

Aquele, que pratica a moral que ele pregou e que a personifica pelos seus ensinos e exemplos, não pratica a moral que seja dele, mas a que, por seu intermédio, vem do próprio Deus.

Quando diz: "O que me vê a mim vê aquele que me enviou" não fala do seu corpo que, para os homens, era material, fala do ser espiritual que, pelas suas inspirações, estava em conformidade de pensamento com aquele que o enviara. Nunca materializeis segundo a letra; procurai sempre o espírito. 406

Jesus veio para salvar o mundo, porquanto, conforme afirmação sua, ele é a "luz", pela moral que pregou. Todos os que a praticam progridem e se depuram, avançam no caminho que os libertará das trevas da encarnação material, das da inteligência e da expiação após a morte.

Jesus não veio para julgar o mundo, mas para o salvar, pois que veio para ensinar aos homens como devem viver e morrer, tendo em vista o progresso do Espírito. Veio para regenerar a humanidade, ensinando e exemplificando-lhe todas as virtudes; traçando para todos os homens, quaisquer que sejam, Judeus ou Gentios, a estrada que, abstração feita de todos os cultos exteriores, os conduzirá à fraternidade e, por esta, à unidade; obedecendo à lei de amor; praticando, portanto, a justiça e a caridade.

Já explicamos o sentido destas palavras: "Meu pai a ninguém julga." — "Eu não julgo a ninguém" O homem é julgado por si mesmo, pelos seus atos. "No último dia" do seu corpo, o julgamento que a sua consciência profere, mas que ele quase nunca quer ouvir, se lhe tornará claro e preciso. E, para a consciência do homem, o critério desse julgamento oferece-o a moral pura que Jesus pregou e na qual, como ele próprio o disse, estão toda a lei e os profetas. 407

CAPÍTULO XIII Vv. 1-17

Jesus lava os pés a seus apóstolos. — Palavras que lhes dirige

N. 44. Dividi o texto, para que vos demos, de modo especial, as explicações necessárias sobre os versículos que não foram objeto de comentários, quando tratamos dos três primeiros Evangelhos.

V. 1. Antes da festa da Páscoa, sabendo que chegara a hora de passar deste mundo ao pai, Jesus, como havia amado os seus que estavam no mundo, assim os amou até ao fim. — 2. Acabada a ceia, tendo o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, o desígnio de o entregar, — 3, Jesus, que sabia que o pai lhe colocara nas mãos todas as coisas, que saíra de Deus e que para Deus voltava, — 4, levantou-se da mesa, depôs as suas vestes e, tomando de uma toalha, com ela se cingiu. — 5. Em seguida, deitou água numa bacia e começou a lavar os pés a seus discípulos e a enxugá-los na toalha com que se cingira.

Certo não cometeis o erro, tão espalhado entre os que se dizem "cristãos", ortodoxos ou não, de acreditar que Judas estava "possesso do diabo", quando resolveu trair a Jesus.

Sabeis o que se deve entender por "diabo", "demônio", "satanás": a má influência, a inspiração má. O homem, porém, pode ser dirigido pelo seu próprio Espírito, desempenhando este o papel de "diabo" ou "demônio". Ninguém, entretanto, que reflita pode deduzir daí que Deus predestine criaturas suas a ser presas de potências contrárias, mais fortes do que elas, a fim de que essas criaturas sirvam de instrumentos passivos à execução de seus desígnios. Não. Deus criou o Espírito, independente, 408

livre e responsável pelos seus atos, que são obra exclusivamente sua, ou efeito das más influências que ele atrai pelos seus instintos, sentimentos, pendores, influências que lhe é dado tanto aceitar como repelir, no uso do seu livre-arbítrio.

Conhecendo a sua origem superior, quis Jesus, praticando o ato simbólico de lavar os pés a seus apóstolos, dar aos homens, aos quais chama seus irmãos, o exemplo da humildade e da renúncia. Foi para isso que, assemelhando-se a um escravo, desempenhou aquela função, privativa dos escravos.

Ah! como estão longe daquele que deu tão grandioso exemplo os que hoje praticam a ablução simbólica de que ele se serviu para dá-lo!

São, porventura, os que assim pretendem imitá-lo, servos dos humildes e dos pequeninos? E, quando preenchem a formalidade vã em que transformaram aquele ato, lembram-se os que a praticam da vida humilde do que disse: "Meu reino não é deste mundo; as raposas têm suas tocas e as aves do céu seus ninhos, mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça?" Haverá, no que fazem, mais do que simples paródia, uma vez que ocupam um dos reinos da Terra e habitam suntuosos palácios?

Nesta parte da sua narrativa evangélica, referindo o exemplo de humildade e renúncia, que de tal forma deu Jesus aos homens, João, para lhe fazer ressaltar a importância e o objetivo, reproduziu em resumo, debaixo da influência espírita, da inspiração mediúnica, mas sem ter consciência de uma e outra, as palavras ditas pelo Precursor e pelo próprio Jesus, sobre a sua natureza, a sua origem e a sua missão.

"Jesus, que sabia que o pai lhe colocara nas mãos todas as coisas, que saíra de Deus e que para Deus voltava."

Sim, Jesus tinha consciência exata da sua origem, de sua natureza, de seus poderes. Sabia ser o Espírito protetor e governador do planeta terreno, 409

incumbido do vosso desenvolvimento, do vosso progresso e de vos levar à perfeição. Sabia ser um Espírito criado, que se conservara puro em toda a via do progresso, que se tornara puro Espírito, de pureza perfeita e imaculada. Assim era que saíra de Deus. Ia retomar a natureza espiritual que lhe era própria, ia, assim, voltar para Deus.

Com o ato emblemático do lava-pés, ele, o divino modelo, quis mostrar aos homens, todos seus irmãos, pois que tiveram todos a mesma origem que ele, saídos todos, portanto, de Deus, de quem depois se afastaram pela queda no pecado, o caminho que abrira e percorrera no meio deles e pelo qual lhes cumpre avançar, sem descanso nem parada, para se reerguerem e, purificando-se, voltarem a Deus pela perfeição adquirida. Esse caminho é o da humildade e da renúncia: da humildade, traduzindo-se esta pela do Espírito, aliada à simplicidade do coração; da renúncia, expressa pela suplantação do orgulho e do egoísmo, assim como de todos os vícios e paixões que transviam e degradam a humanidade e que são com acerto denominados "pecados capitais"; expressa também pela prática da lei de amor e, conseguintemente, da justiça e da caridade, da abnegação e do devotamento, sem restrição alguma.

V. 6. Dirigiu-se, pois, a Simão Pedro, que lhe disse: "Que, Senhor, tu me lavares os pés!" — 7. Ao que Jesus respondeu: Não sabes agora o que faço, sabê-lo-ás depois.

A oposição de Pedro ao ato de humildade de Jesus era efeito natural do respeito que consagrava ao Mestre. Jesus, porém, insistindo, lhe fez compreender em que condições deve colocar-se aquele que queira apascentar o rebanho do Senhor. A conseqüência foi que Pedro, cedendo, embora inconscientemente ainda, a um impulso de devotamento e de renúncia, se prontificou a ser purificado da cabeça aos pés. 410

Respondendo-lhe: "Não sabes agora o que faço, mas sabê-lo-ás depois", Jesus deixa entrever a posição que teriam de ocupar Pedro e os que pretendessem ser "os sucessores" deste apóstolo. Fazia alusão à luz que a sua "morte" e a sua "ressurreição", segundo o modo de ver dos homens, lançariam sobre as suas palavras.

Os que se arvoraram em sucessores de Pedro sê-lo-iam de fato, se lhe seguissem as pegadas e cumprissem as obrigações que daí lhes resultassem.

Todo aquele que proceder como Pedro poderá dizer-se e é, indubitavelmente, seu sucessor.

Sucessores de Pedro serão todos os que, achando-se em condições quaisquer de ensinar, de pregar, de servir aos homens, o fizerem com o coração e por meio do exemplo, com humildade, com renúncia, com amor.

Desçam de seus tronos os que usam oficialmente desse título; vão, humildes e brandos, pobres e dedicados, levar a consolação, a coragem e a fé a toda a parte; lavem os pés a seus discípulos, não com pompa diante da multidão a se persignar devotamente, mas a todas as horas do dia, edificando-os ocultamente com as suas virtudes; dêem o exemplo do que pregam, do que Jesus pregou; não lhe desnaturem as palavras de infinito amor, mudando-as em palavras de ódio e de vingança; preguem a paz em vez de semearem a discórdia; façam esmolas em vez de receberem para si, como paga de suas preces, o óbolo destinado aos pobres; e poderão apelidar-se de sucessores de Pedro, de pastores do rebanho de Jesus, rebanho que é toda a humanidade.

V. 8. Disse-lhe Pedro: Jamais me lavarás os pés. Jesus lhe respondeu: Se eu te não lavar, não terás parte comigo. — 9. Disse então Simão Pedro: Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça.

Respeitando o Mestre tanto quanto o amava, Pedro se afligiu ao vê-lo pretender executar um 411

ato tão servil. Jesus, porém, insistiu, para que ele, vendo-o a praticá-lo, compreendesse quão necessária é a humildade ao homem. Pedro ainda não compreendia o objetivo oculto daquele ato e das palavras de Jesus. No primeiro momento, julgou tratar-se de uma purificação por ablução, necessária para torná-lo igual ao Mestre. Eis porque pediu que este o lavasse todo.

Mas, o que Jesus tinha em mente ao proferir estas palavras, que se dirigiam à humanidade inteira, naquela época e no futuro: Se eu te não lavar, não terás parte comigo, era que, se o homem não se submeter à lei purificadora que ele lhe trouxe, não atingirá o fim a que se propõe.

Não esqueçais que, de um lado, a ninguém é preciso que se intitule de "cristão" para ser discípulo de Jesus e obedecer à lei de amor; e, de outro lado, que, entre os Judeus, a ablução era um meio de purificação levado a tais extremos que eles nunca tomavam uma refeição, sem que previamente lavassem as mãos, a fim de não conspurcarem os alimentos, caso, por inadvertência, houvessem tocado em alguma coisa impura.

V. 10. Disse-lhe Jesus: aquele que já foi lavado não precisa senão de lavar os pés; está puro quanto ao mais. Vós estais puros, mas não todos. — 11. É que sabia qual o que o havia de trair. Por isso foi que disse: Não estais todos puros.

São figuradas essas palavras de Jesus; deveis compreendê-lo pelo que acabamos de dizer acerca dos vv. 3, 4 e 5. A lavagem dos pés simbolizava também a maneira por que os discípulos deviam percorrer o novo caminho em que iam entrar, depois de lhes haver o Mestre limpado os pés de todas as sujidades de que o caminho velho os cobrira.

Quanto a Judas, esse não estava disposto, no momento, a uma purificação qualquer. Bem e de ver-se que, para Jesus, aquele ato exterior nenhum valor tinha em si mesmo, como ato material; que 412

sua significação e seu alcance eram inteiramente emblemáticos, pois que, purificando os outros após-tolos, ele só não purificava a Judas.

Sabia Jesus que este o havia de trair, pois sabia, conforme o explicamos ao comentarmos os três primeiros Evangelhos, que tomara uma tarefa superior às suas forças, que, portanto, faliria. O Mestre lia-lhe o pensamento.

V. 12. Depois de lhes ter lavado os pés retomou suas vestes e, sentando-se de novo à. mesa, lhes disse: Sabeis o que acabo de fazer? — 13. Vós me chamais Mestre e Senhor e tendes razão, pois que o sou. — 14. Ora, se, sendo vosso Senhor e vosso Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. — 15. Porque, eu vos dei o exemplo, a fim de que o que vos fiz o façais também.

Ao mesmo tempo que afirmava, sob o véu da letra, sua posição e seus poderes com relação ao planeta e à humanidade terrenos, Jesus, dirigindo a seus discípulos essas palavras figuradas, dava aos homens um ensino, como já o explicamos, e um exemplo de humildade e de renúncia, ensino e exemplo que, se forem praticados pelos que lhe queiram caminhar nas pegadas, serão meio de progresso e de depuração para todos os de boa-vontade.

V. 16. Em verdade, em verdade vos digo. O servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que aquele que o enviou. — 17. Desde que sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis se as praticardes.

"O servo não é maior do que o seu Senhor." Todos os Espíritos são iguais diante do Senhor. Só a virtude estabelece entre eles hierarquia. Para o Senhor, não existem as condições sociais.

"Nem o enviado é maior do que aquele que o enviou." Jesus faz desse modo uma alusão às idéias que germinavam sobre a divindade que lhe havia de ser atribuída. Os homens, propensos sempre à exal- 413

tação, teriam sido levados a colocá-lo acima de Deus; dispostos a constituí-lo Soberano dos céus. Sua figura teria apagado a do Criador! E, afinal, não a apagou? Regra geral, não o afastou do pensamento dos homens? O culto principal, as orações, dirigindo-se à "Trindade", não se dirigem especial e nominalmente a Jesus? Não vedes, em vossos dias, Maria ser objeto de um culto, de uma adoração mesmo, que lançam na sombra o Cristo e aquele que é desde toda a eternidade: Deus, uno, único, indivisível?

Jesus, que jamais se disse Deus, que, ao contrário, sempre proclamou ser o pai o único Deus verdadeiro, teve aqui em vista condenar de antemão a exageração humana que o colocaria acima de Deus.

"Desde que sabeis estas coisas, disse ele, bem-aventurados sereis, se as praticardes." Desde que compreendais a igualdade entre os homens de boa-vontade e o lugar que deveis dar ao Mestre, sereis bem-aventurados, porquanto praticareis com sinceridade a fraternidade e o amor universal.

O pensamento, que ditou a Jesus essas palavras, por ele dirigidas a seus discípulos, se estende a todas as épocas.

NOTA DA EDITORA — A páscoa era a maior festa dos judeus, recomendada por Moisés e celebrada pela primeira vez quando deixaram o Egito.

A palavra páscoa significa passagem, ou seja, a passagem dos judeus pelo Mar Vermelho e do anjo que matou os primogênitos do Egito e poupou os Hebreus, cujas casas estavam assinaladas com o sangue do cordeiro. Páscoa é, pois, para os Judeus, a comemoração da passagem de Israel do cativeiro para a liberdade. — W. 414

CAPÍTULO XIII Vv. 18-30

Jesus prediz a traição de Judas

V. 18. Não digo isto de todos vós: Sei quem são os que escolhi; mas, é preciso que se cumpra esta palavra das Escrituras: Aquele que comigo come o pão, contra mim levantará o pé. — 19. Digo-vos isto desde já, antes que aconteça, a fim de que, quando acontecer, reconheçais quem eu sou. — 20. Em verdade, em verdade vos digo: Quem quer que receba aquele que eu houver enviado, a mim me recebe; e quem me recebe a mim recebe aquele que me enviou. — 21. Tendo dito essas coisas, Jesus se turbou em seu Espírito e falou abertamente, dizendo: Em verdade, em verdade vos digo: um dentre vós me trairá. — 22. Os discípulos se entreolharam, sem saberem de quem ele falava. -23. A um deles, porém, a quem Jesus amava e que estava reclinado sobre o peito de Jesus, — 24, Simão Pedro fez sinal para que perguntasse qual era o de quem falava. — 25. Esse discípulo, que repousava sobre o peito de Jesus, perguntou: Senhor, quem é esse? — 26. Jesus lhe respondeu: É aquele a quem eu der o pão molhado e, tendo molhado o pão, o deu a Judas Iscoriotes, filho de Simão. — 27. E assim que este tomou do pedaço de pão, Satanás entrou nele e Jesus lhe disse: O que fazes, faze-o logo. — 28. Nenhum dos que estavam à mesa compreendeu porque dissera ele isso. — 29. Alguns pensavam que, por ser Judas quem tinha a bolsa, Jesus quisera dizer-lhe: Compra-nos o que é necessário para a festa, ou que lhe dava ordem de distribuir alguma coisa com os pobres. — 30. Judas, tendo recebido o pedaço de pão, saiu imediatamente. Era já noite.

N. 45. Já explicamos, comentando os três primeiros Evangelhos, o fato da traição de Judas. A narrativa de João explica e completa as outras.

Dizendo: "Sei quem são os que escolhi", Jesus alude aos onze discípulos fiéis, os quais, capazes de 415

empreender e levar a termo a missão que haviam solicitado, foram escolhidos no sentido de que, animados pelos seus guias a pedi-la, a tinham obtido, tendo sido assim aceitos por Jesus.

Predizendo a traição de Judas, teve Jesus em vista chamar a atenção dos apóstolos, a fim de que, quando o fato ocorresse, ficassem impressionados e reconhecessem, por essa faculdade extra-humana da presciência do futuro, que ele era realmente o enviado de Deus.

Logo em seguida, o Mestre os prepara a compreender, quando se achassem no desempenho de suas missões e ele se houvesse afastado definitivamente da Terra, que, como seus enviados, seriam, por isso mesmo, enviados do Senhor e que aquele que recebesse os ensinos que iam espalhar receberia os dele Jesus, do mesmo modo que os que recebem seus ensinamentos recebem os do Senhor. É assim que diz:

Em verdade, em verdade vos digo: Quem quer que receba aquele que eu houver enviado a mim me recebe; e quem me recebe a mim recebe aquele que me enviou.

Mas, assim falando, Jesus se referia igualmente a todas as épocas e a todos os Espíritos que por ele seriam enviados em missão entre os homens, para dar impulso ao progresso, ativá-lo e desenvolvê-lo. Essas palavras se aplicam especialmente aos apóstolos da revelação, predita e prometida, do Espírito da verdade, da nova revelação, incumbidos de explicar e desenvolver, em espírito e verdade, as suas palavras e os atos que praticou durante a sua missão terrena, de explicar e desenvolver os princípios e as conseqüências desta mesma missão, de preparar e executar a obra da regeneração humana.

Estas palavras figuradas, referentes a Judas: "Satanás entrou nele", significam, bem o compreendeis, que o pensamento da traição, em gérmen no 416

Espírito de Judas, se tornou uma resolução, que se ia traduzir em ato.

Os discípulos, diz a narração evangélica, não comprenderam porque Jesus dissera a Judas: "O que fazes, faze-o logo." Eles, com efeito, se entregaram, conforme também diz o texto, a suposições. Não podiam imaginar que Jesus mandara que Judas o fosse trair. Admitiam a possibilidade de Judas praticar um ato de tal natureza, mas não naquele momento.

Os acontecimentos tinham de cumprir-se e, assim, Judas obedeceu às influências que lhe dominavam o pensamento. As palavras de Jesus significavam: "Põe em execução o que projetas." 417

CAPÍTULO XIII Vv. 31-38

Jesus alude ao sacrifício que se vai consumar no Gólgota. — Os discípulos do Cristo devem amar-se uns aos outros. — Por esse sinal é que serão reconhecidos. — Predição da negação de Pedro

N. 46. Dividi o texto. Dar-vos-emos explicações especiais.

V. 31. Depois de haver ele saído, disse Jesus: Agora, o filho do homem é glorificado e Deus é glorificado nele. — 32. Se Deus é glorificado nele, Deus o glorificará também em si mesmo e o glorificará sem demora.

Estas palavras se referem ao sacrifício que se ia consumar e aos efeitos, aos resultados que produziria no momento e no futuro, em bem do progresso e da regeneração da humanidade. A elevação da criatura à glória eterna é a única maneira de ela glorificar e honrar a Deus e o seu celeste enviado.

V. 33. Meus filhinhos, por pouco tempo mais estarei convosco. Buscar-me-eis, mas, assim como disse aos Judeus que eles não podiam vir aonde vou, o mesmo vos digo agora.

Jesus, neste passo, alude ao seu desaparecimento do sepulcro, após o sacrifício do Gólgota, à sua volta à natureza espiritual que lhe era própria, à época da chamada ascensão, à missão que seus discípulos tinham de desempenhar na Terra, quando a dele estivesse terminada. 418

V. 34. Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei, para que vos amásseis mutuamente. — 35. Nisto é que todos reconhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.

Estas palavras não precisam de comentários.

Eram dirigidas especialmente aos discípulos; mas, segundo o pensamento que as ditou, se aplicam a todos os tempos, porquanto, muitas vezes já o temos dito, a missão do Mestre começou com a formação do vosso planeta, tornou-se manifesta pelo seu aparecimento entre os homens, continua e não terminará enquanto ele não vos houver levado à perfeição, ou seja, à categoria dos puros Espíritos e, pois, aos pés do Pai.

Todo aquele que pratica a moral pura que ele pregou é seu discípulo, visto que pratica a fraternidade e o amor universal.

Amai-vos, portanto, ó homens, uns aos outros. Pelo amor que uns aos outros vos consagrardes é que todos reconhecerão que sois discípulos de Jesus.

Apóstolos da nova revelação, dai aos vossos irmãos o exemplo da prática da lei de amor, amando-vos uns aos outros.

V. 36. Simão Pedro lhe pergunta: Senhor, para onde vais? Jesus lhe responde: Aonde vou não me podeis seguir agora; mas seguir-me-eis depois.

Os apóstolos, na condição de encarnados, eram como crianças; mas eram, conforme o temos dito, Espíritos adiantados.

Dizendo a Pedro: "Não me podeis agora seguir aonde vou", Jesus dá prova da inferioridade do vosso planeta. Deixa, porém, luzir a esperança do progresso, que faculta a todos os de boa-vontade o se elevarem.

Acrescentando: "Mas, seguir-me-eis depois", alude à elevação do Espírito de Pedro, bem como à 419

dos outros apóstolos que o rodeavam, elevação que, depois de terem eles cumprido a missão que lhes cabia desempenhar, lhes permitiria ascender às regiões superiores, para seguirem a Jesus, isto é, para continuarem a avançar pela senda do progresso, debaixo da sua direção.

V. 37. Pedro inquire: Porque não te posso seguir agora? Darei a vida por ti. — 38. Replicou-lhe Jesus: Darás por mim a vida? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo, antes que me tenhas negado três vezes.

Pedro não compreendera a resposta de Jesus. Preocupava-o apenas o perigo que o Mestre poderia correr, separando-se deles. Por isso é que disse: Darei por ti a vida; ao que Jesus respondeu, predizendo que Pedro o negaria.

Já explicamos, comentando os três primeiros Evangelhos, essa predição da negação de Pedro. 420

CAPÍTULO XIV Vv. 1-12

Muitas moradas na casa do pai. — Jesus vai preparar o lugar para seus discípulos. Quando voltar, os atrairá a si, a fim de que estejam onde ele estiver. — Ele é o caminho, a verdade, a vida. — Ninguém vai ao pai senão por ele. — Suas relações com o pai. — Aquele que nele crê fará as obras que ele faz e fará outras ainda maiores

N. 47. Estes versículos reclamam explicações especiais; precisam ser explicados distinta e separadamente.

V. 1. Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim.

Jesus tranqüiliza a Pedro e aos outros apóstolos. Lembra-lhes a fé em Deus e os exorta também a terem fé na sua missão e, portanto, no que lhes vai dizer, isto é:

V. 2. Há muitas moradas na casa de meu pai. Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito, porquanto vou preparar-vos o lugar.

Desta forma Jesus afirma positivamente a habitabilidade que, para os Espíritos que vegetam no vosso planeta, oferecem os mundos disseminados pelo espaço e afirma a hierarquia ascensional desses mundos.

A casa do pai é o Universo, a imensidade, o infinito.

As diversas moradas que nela há são todos os mundos, indistintamente, os quais constituem habitações apropriadas às diversas ordens de Espíritos, pois que a hierarquia ascensional dos mundos corresponde à dos Espíritos que os habitam. 421

No comentário feito aos três primeiros Evangelhos e notadamente no que dissemos acerca da origem do Espírito e da genealogia espiritual de Jesus (ns. 55, 56 e seguintes do 1° tomo) fizemos entrever as inúmeras moradas existentes na casa do pai.

O Espírito muda de morada à medida que progride. Deixa a em que estava para ir habitar outra mais adequada ao grau do seu progresso e ao desenvolvimento de suas faculdades, assim como às necessidades do adiantamento e às condições em que este deva operar-se.

Tão impossível nos é dar-vos notícia exata e completa de todos os mundos, quanto o descrever-vos minuciosamente o infinito.

O que podeis saber e compreender e o que nos é possível e permitido explicar-vos é o seguinte:

Como não ignorais, a essência espiritual, para ir do seu ponto de origem ao período preparatório do estado espiritual de inteligência independente, livre e responsável, investida de razão e livre-arbítrio, tem que passar, conforme vos explicamos tratando da origem do Espírito, pelas fases sucessivas e progressivas da materialização nos reinos mineral e vegetal e da encarnação no reino animal. Tem que passar depois por aquele período preparatório. Transposto esse período e uma vez de posse do livre-arbítrio, ela se acha na condição de Espírito formado, mas em estado de simplicidade, de ignorância, de inocência, cumprindo-lhe passar pela fase da infância e da instrução e ser, pelos seus guias, colocada em situação de se servir do livre-arbítrio. Então, no gozo da sua independência e da sua liberdade, que de uma e outra decorrem, escolhe o Espírito o caminho que prefere tomar. Se se conserva puro no do progresso, dócil a seus guias, seguindo constantemente a estrada simples e reta que lhe é indicada, chega à perfeição, tendo progredido no estado fluídico. Torna-se assim puro Espírito, Espírito que não faliu, de pureza perfeita e imaculada, 422

tal como Jesus, protetor e governador do vosso planeta.

Se, ao contrário, se afasta da estrada simples e reta que lhe é indicada, está falido. (E já dissemos, tratando da origem do Espírito, que este pode falir, ou no início da sua existência livre e independente, ou depois de haver atingido um grau mais ou menos elevado de desenvolvimento e de progresso.) É então submetido à encarnação humana em condições apropriadas ao grau da sua culpabilidade, às suas faculdades e às necessidades da reparação e do progresso. Também o Espírito que faliu chega à perfeição. Depois de se haver depurado completamente, também se torna puro Espírito. Como seus irmãos, os Espíritos de pureza imaculada, ele, que teve em sua origem o mesmo ponto de partida que estes, chega à mesma finalidade que eles, embora por diferentes caminhos, tendo sido dado a cada um de acordo com suas obras.

Para que tudo venha assim do infinitamente pequeno ao infinitamente grande é que há as seguintes categorias de mundos:

Mundos primitivos, saídos dos fluidos incandescentes, mundos onde se elaboram as essências espirituais que ali são depositadas; onde, quando o globo tem entrado no período material, elas se desenvolvem e progridem, passando, progressiva e sucessivamente, pela materialização nos reinos mineral e vegetal e, depois, pela encarnação no reino animal. Em chegando a época propícia ao aparecimento neles do homem, pela encarnação de Espíritos que faliram em condições que exijam a encarnação humana primitiva, esses mundos se tornam, para tais Espíritos, para as humanidades que eles compõem, mundos de provações e de expiações, os quais, todavia, como os Espíritos que os vão habitar, prosseguem na sua marcha ascensional, sempre em correlação com as de seus habitantes.

Mundos ad-hoc, onde a essência espiritual, após transpor os reinos mineral, vegetal e animal, é 423

preparada para o estado espiritual, para o estado de espírito formado, de inteligência independente, livre e responsável.

Mundos fluídicos, destinados a habitação de Espíritos que, desde o estado de infância e de instrução, nunca faliram e que, conservando-se sempre puros na senda do progresso, progridem no estado fluídico. Seguindo também marcha progressiva e hierarquicamente ascensional, há, em todos os graus da escala, mundos dessa categoria, apropriados e correspondendo aos estados de desenvolvimento e de progresso dos Espíritos que os habitam, estados que vão desde o de infância e instrução até o de puro Espírito. Eles se tornam moradas de puros Espíritos, quando hão chegado, de maneira progressiva, ao estado fluídico puro.

Diversos mundos destinados a habitação de Espíritos falidos e, como tais, sujeitos à encarnação humana. Esses mundos também são apropriados ao estado de desenvolvimento e de progresso dos Espíritos que os habitam. Assim é que são: materiais, mais ou menos inferiores, mais ou menos superiores uns com relação aos outros; mais ou menos materiais, mais ou menos fluídicos. Servindo, para a encarnação dos Espíritos que faliram, para seu desenvolvimento e progresso, também têm que, através dos tempos, dos séculos, das eternidades, tomar lugar entre os mundos celestes ou divinos, dos quais só os puros Espíritos podem aproximar-se.

Mundos de provações e expiações, uns inferiores aos outros, uns aos outros superiores, havendo-os de todas as gradações ao longo da respectiva escala, desde os apropriados ao aparecimento do homem, à encarnação primitiva, até os que servem de habitação a Espíritos prestes a entrar no período de regeneração.

Mundos regeneradores, destinados a preparar os Espíritos, que faliram e que ainda têm o que expiar, para saírem progressivamente do período da materialidade. São mundos de transição, on- 424

de domina a justiça, onde os Espíritos continuam e acabam a sua depuração, tornando-se capazes de só praticar o bem e incapazes da prática do mal. Também nessa categoria de mundos, há-os em todos os graus da escala, inferiores uns aos outros, uns aos outros superiores.

Mundos felizes, onde, regenerado, depurado de todos os maus pendores, o Espírito só tem que progredir no bem, sem mais ter que lutar contra o mal. Esses mundos, como os Espíritos que os habitam, se acham no princípio do período de semifluidez. Aí começa a desmaterialização do corpo.

Nos diversos mundos regeneradores, preparatórios e intermediários entre os de expiação e os felizes, o corpo se liberta progressivamente de uma parte da matéria putrescível, se torna pouco a pouco mais leve, sem contudo ficar de todo livre da decomposição da matéria. Quanto mais o corpo se aperfeiçoa, em conseqüência do adiantamento do Espírito, tanto mais volatizáveis se fazem, por ocasião da morte, as matérias e se isentam da decomposição animal. Isto, porém, envolve questões de fisiologia, estranhas ao quadro que se vos traçou.

Na categoria dos mundos felizes, também os há inferiores e superiores uns aos outros, em todos os graus da respectiva escala ascensional e progressiva, através da qual eles vão passando por estados cada vez mais fluídicos, de conformidade com os Espíritos que os habitam, até chegarem à condição de mundos celestes ou divinos.

Mundos celestes ou divinos, os que atingiram o estado fluídico puro e aos quais só os puros Espíritos podem ter acesso.

V. 3. E depois que me tenha ido e vos haja preparado o lugar, voltarei e vos chamarei a mim, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também.

Os discípulos fiéis de Jesus ainda não haviam terminado a missão que lhes cabia desempenhar na Terra. Não tinham mais que sofrer provas expia- 425

tórias e sim apenas que cumprir missões. Dizemos — provas expiatórias, porque, para o Espírito que ainda não tomou lugar, pela sua perfeição, entre os puros Espíritos, há prova nas missões de que se encarregue.

Segundo o espírito despojado da letra, essas palavras do Mestre significam: "Depois que eu me tiver afastado definitivamente da Terra, concluída a minha missão terrena; quando vós, tendo terminado a vossa entre os homens, houverdes, sob a minha direção, desempenhado a vossa missão espiritual, continuado o vosso desenvolvimento e o vosso progresso; quando houverdes, nos tempos determinados, cumprido a nova missão que vos está destinada no seio da humanidade; quando eu vos tiver, desse modo, disposto o lugar, voltarei, conforme tenho predito. Preparados, pela perfeição que tereis alcançado e pela pureza perfeita que tereis adquirido, chamar-vos-ei a mim, a fim de que, onde eu estiver, estejais comigo, como puros Espíritos."

Deveis compreender que, na época do segundo advento de Jesus, os Espíritos então encarnados, ou, por melhor dizer, incorporados no vosso planeta, estarão quase a atingir a perfeição. Os discípulos, que muito antes de vós entraram na senda do progresso, que nesta se mantiveram e que por ela terão avançado sempre, estarão prestes, nessa época, a tornarem-se puros Espíritos.

Referindo-se ao seu segundo advento, pelas palavras que constam dos versículos acima, dirigidas aos discípulos, Jesus alude à época em que a fé, escoimada de todo erro, terá purificado de toda falta o homem. Estais no início dessa era, que é a do advento do Espírito, porém, longe vos achais ainda de haver dado um passo nesse sentido.

V. 4. Para onde vou vós o sabeis e sabeis o caminho. — 5. Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como podemos saber o caminho? — 426

6. Respondeu-lhes Jesus: Eu sou o caminho, a verdade, a vida. Ninguém vem ao pai senão por mim.

Jesus é o caminho, a verdade, a vida, porquanto ele é o emblema da lei de amor.

É o caminho: — pela moral que pregou e que personificou pelos seus ensinamentos e exemplos, pois que ensinou os homens a viver e a morrer, tendo por objetivo o progresso do Espírito. Todo aquele, que pratica a sua moral, progride e se depura.

É a verdade, porque é órgão direto de Deus e preposto por este ao encargo de transmiti-la aos homens, de modo progressivo e sucessivamente, na medida do que possam receber.

A verdade é relativa aos tempos e às necessidades das épocas. É una, porém mais ou menos encoberta, não se desenvolvendo aos olhares humanos senão à medida que o homem a pode suportar e compreender. Quanto mais o Espírito se eleva, tanto mais se lhe rasgam à vista os véus da verdade. A verdade é o conhecimento de todo princípio que, assim na ordem física, como na ordem moral e na intelectual, conduz a humanidade ao seu aperfeiçoamento, à fraternidade, ao amor universal, mediante sinceras aspirações ao espiritualismo, ou, se quiserdes, à espiritualidade. A idéia é a mesma; mas, para o vosso entendimento humano, o espiritualismo conduz ao espiritismo e o espiritismo tem que conduzir à espiritualidade.

Dar aos homens o conhecimento da verdade, que ele personifica, constitui a tarefa que Jesus começou a executar desde o aparecimento do homem no vosso planeta; em que prosseguiu, sem interrupção, para o vosso desenvolvimento e progresso, primeiro, por intermédio dos Espíritos em missão, depois, por intermédio de Moisés e dos profetas entre os Hebreus e dos Espíritos em missão entre os outros povos, missionários todos esses que prepararam o seu aparecimento na Terra. Essa tam- 427

bém a tarefa que veio pessoalmente executar, desempenhando a sua missão terrena, manifestando-se entre os homens no meio humano de antemão preparado e escolhido. Essa a tarefa que continuou a executar por intermédio dos Espíritos em missão, até aos vossos dias, que vêem abrir-se a era nova do Cristianismo do Cristo, a era espírita; tarefa cuja execução ele vai continuar, através dessa era nova, por intermédio de messias ou enviados, de Espíritos em missão, órgãos do Espírito da Verdade, até ao dia do seu segundo advento, no qual, sendo ele próprio Espírito da Verdade, como complemento e sanção da verdade, virá, mas dessa vez em todo o seu fulgor espírita, ao vosso planeta depurado, mostrar a verdade sem véu às criaturas, igualmente depuradas.

Jesus é a vida, porque, progredindo e purificando-se mediante a prática da moral que ele pregou e que personifica pelos seus ensinamentos e exemplos, o Espírito, separando-se do corpo material, se encontra liberto da morte espiritual, representada pelas trevas da inteligência, liberto da expiação. Chega assim, finalmente, a libertar-se da encarnação material, que apaga toda lembrança e que é, pois, para o Espírito, morte espiritual.

Ninguém vem ao pai senão por mim. Jesus, vosso protetor e governador, é o único encarregado do vosso desenvolvimento e do vosso progresso, de vos conduzir à perfeição. E, a não ser adquirindo a perfeição, ninguém pode vir, nem vem, ao pai.

V. 7. Se me tivésseis conhecido a mim, também teríeis conhecido a meu pai; mas breve o conhecereis e já o tendes visto.

São figuradas estas palavras. Os discípulos jamais tinham visto o pai — materialmente. Tinham-no visto espiritualmente, vendo em Jesus a perfeição que a ele conduz.

Se tivésseis conhecido a perfeição que leva ao pai e que está em mim personificada, também te- 428

ríeis conhecido espiritualmente a meu pai. Breve, porém, assim o conhecereis. E já o tendes visto espiritualmente, vendo-me a mim que sou a perfeição que a ele conduz.

V. 8. Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos teu pai e isso nos basta. — 9. Respondeu-lhe Jesus: Há tanto tempo que estou convosco e ainda me não conheceis? Filipe, aquele que me vê também vê a meu pai. Como é então que dizes: Mostra-nos teu pai.

Jesus insiste no mesmo pensamento, referindo-se sempre à perfeição. Dava àquelas inteligências pouco desenvolvidas um exemplo que pudessem apreender. Deveis lembrar-vos de que, conquanto Espíritos adiantados, os apóstolos sofriam os entraves da matéria de que se haviam revestido.

Para eles e para os homens da época, como para as gerações que se sucederiam até à revelação do Espírito da Verdade, que o Mestre predissera e prometera, só a letra convinha. Eles não tinham que sobre si tomar senão o que, desempenhando suas missões, lhes cumpria dar aos outros homens, ainda incapazes de compreenderem segundo o espírito. A letra é que estava reservado preparar o advento do espírito.

Aquele que me vê a mim, que sou a perfeição que conduz ao pai, também vê espiritualmente a meu pai.

V. 10. Não credes que estou em meu pai e que meu pai está em mim? O que vos digo não o digo de mim mesmo. É meu pai, que mora em mim, quem faz, ele próprio, as obras que eu faço. — 11. Não credes que estou em meu pai e que meu pai está em mim? Crede-o ao menos por causa das obras que faço.

Jesus apropria sempre a sua linguagem às inteligências dos homens da época e tudo dispõe tendo em vista as condições e os meios necessários à realização do progresso da humanidade, naquele 429

momento e no futuro. Sempre, de um lado, a letra e, do outro, o espírito velado pela letra. E ele disse: "É o espírito que vivifica; minhas palavras são espírito e vida."

Mantendo-se sempre, pela sua pureza, em relação com Deus, nele está sempre a inspiração divina, à qual seus atos correspondem continuamente.

"Não credes que estou em comunicação direta com meu pai, recebendo dele a inspiração, e que meu pai está em comunicação direta comigo e me inspira? O que vos digo não o digo de mim mesmo: é pela inspiração divina que falo. Meu pai, que está sempre em comunicação direta comigo, é quem faz, mediante a inspiração que me dá, as obras que eu faço.

Não credes que estou em comunicação direta com meu pai, recebendo dele a inspiração e que meu pai está em comunicação direta comigo e me inspira? Crede-o, ao menos, por causa das obras que faço."

V. 12. Em verdade vos digo: Aquele que crê em mim fará as obras que eu faço e fará ainda maiores, porque vou para meu pai.

Aquele, que tem fé, obra em conseqüência desta e suas obras são todas ascensionais. Aquele que crê firmemente em Jesus, isto é, que segue zelosamente o caminho, que ele traçou, do amor e da verdade, se tornará puro como ele e fará atos semelhantes aos seus, tanto mais que, voltando à esfera que lhe era própria, Jesus deveria ter mais liberdade de ação para inspirar e guiar os seus verdadeiros e sinceros imitadores. Não vos temos dito já: por muito longe que vos acheis de Jesus, não esperais alcançar a meta?

Jesus não praticou, entre os homens, senão as obras que eles pudessem compreender, proporcionadas às suas inteligências. Dizendo — "que eles pudessem compreender" — não temos em mente que 430

pudessem inteirar-se das causas. Falando desse modo, queremos significar que podiam apenas apreender os resultados, interpretando-os do ponto de vista em que se achavam colocados.

O mesmo se dará com os atos que chegareis a realizar, quando o vosso aperfeiçoamento haja atingido um ponto que os torne possíveis. Tendo a inteligência humana progredido, para que as vossas obras possam tocá-la, cumpre sejam obras de ordem superior.

Não peçais explicações a este respeito. Sois presentemente incapazes de compreender isso. Semelhante questão seria prematura neste momento. Deveis evitar tocar no futuro.

Notai como Jesus apropria sempre e vela sua linguagem, de maneira a preparar ao mesmo tempo, segundo a letra, a transição que tinha de ser aparelhada e efetivada e, segundo o espírito que vivifica, os caminhos e os meios próprios à revelação futura do Espírito da Verdade, da revelação da revelação. 431

CAPÍTULO XIV Vv. 13-24

Jesus promete a seus discípulos que lhes será concedido o que pedirem ao pai, a fim de que o pai seja glorificado no filho. — Promete conceder-lhes o que eles lhe pedirem em seu nome. — Prescreve-lhes que guardem seus mandamentos. — Promete-lhes o Consolador, que é o Espírito Santo, o Espírito da Verdade. — Declara que todos os que guardarem seus mandamentos, sua palavra, tê-lo-ão e ao pai consigo

N. 48. Dividi, para que as explicações sejam dadas de acordo com as diversas ordens de idéias que estes versículos encerram.

V. 13. E tudo que pedirdes a meu pai, em meu nome, eu o farei, a fim de que o pai seja glorificado no filho. — 14. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.

Já tendes a explicação do pensamento que ditou estas palavras, no que dissemos, ao comentarmos os três primeiros Evangelhos, relativamente a estas outras: "Pedi e se vos dará." (Mateus, VII, v. 7.) "O que quer que peçais com fé em vossas preces vós o obtereis." (Mateus, XXI, v. 22; Marcos, XI, v. 24.)

Jesus, aqui, dá mais um testemunho, diante dos seus apóstolos, da força, e do poder da fé. Ele não diz aos homens em que momento suas súplicas serão atendidas, porquanto o seu pensamento não tem a limitá-lo a duração do tempo. Os meios e condições segundo as quais a súplica deverá ser atendida ficam subordinados sempre aos esforços 432

do livre-arbítrio do encarnado para receber e secundar a impulsão que lhe é dada, assim como às suas faculdades e às necessidades do seu adiantamento.

O que glorifica o pai é o progresso que os homens realizam e ao qual Jesus preside como protetor e governador do vosso planeta. É assim que "o pai é glorificado no filho."

As palavras que então ele dirigiu a seus apóstolos se estendem a todos os tempos. Aplicavam-se aos que, naquela época, como no futuro, caminhassem pela senda que ele traçou, praticando a sua moral, os quais todos, somente por isso, seriam seus discípulos.

Igualmente, com Jesus e por Jesus, dizemos nós aos apóstolos da nova era e a todos os homens: Tudo que pedirdes ao pai em nome de Jesus, sob o impulso, pois, de um pensamento puro e santo, objetivando o vosso progresso pessoal e o progresso coletivo da humanidade, Jesus o fará, a fim de que o pai seja glorificado no filho, pelo progredir dos homens.

Do mesmo modo, se pedirdes a Jesus alguma coisa em seu nome, movidos por um pensamento santo e puro, com o objetivo do vosso progresso pessoal e do progresso coletivo dos vossos irmãos, ele o fará.

V. 15. Se me amais, guardai os meus mandamentos, — 16, e eu pedirei a meu pai e ele vos dará um outro consolador que fique eternamente convosco: — 17, o espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê e não o conhece. Vós, porém, o conhecereis, porque ficará convosco e estará em vós.

São figuradas estas palavras. O Espírito da Verdade, que Deus dá aos homens, é a verdade sempre relativa à inteligência dos que a recebem e cujo conhecimento lhes é revelado pelos Espíritos errantes em missão e pelos encarnados que, também em missão, recebem a inspiração divina por intermédio dos Espíritos superiores que os assistem e 433

guiam. Deste ponto de vista, o Espírito da Verdade foi sempre dado por Deus aos homens, porquanto a revelação é permanente e progressiva e a verdade sempre foi revelada na medida da compreensão que dela os homens podiam ter. Assim o é, em vossos dias, nos quais começa a nova era, e sê-lo-á futuramente, até à época em que o Mestre voltará para mostrá-la sem véu.

Para os apóstolos, como encarnados, o Espírito da Verdade, que Deus lhes havia de enviar, era o conhecimento da verdade correspondente às necessidades da missão que eles iam desempenhar e nas condições que o seu desempenho o reclamava, isto é, o conhecimento da missão de Jesus e da sua autoridade, conhecimento que, debaixo da inspiração divina, eles teriam, pela assistência, pela inspiração dos Espíritos do Senhor encarregados de os inspirar e guiar; conhecimento que lhes incumbia transmitir aos homens da época e que, pelas narrações evangélicas, chegaria às gerações futuras.

O Espírito da Verdade ficaria eternamente neles, porque, Espíritos devotados e adiantados, cumprida que fosse na Terra a missão que lhes coubera, eles teriam e têm que avançar, eternamente e cada vez mais, no conhecimento da verdade, com a assistência e a inspiração dos Espíritos que lhes são superiores. Ficaria eternamente com eles o Espírito da Verdade porque, como sabeis, se é certo que, para os Espíritos, há igualdade na pureza, não menos certo é que, pelo que toca à ciência universal, há sempre entre eles hierarquia, visto que o Espírito criado jamais poderá igualar a Deus.

O mundo não podia receber e conhecer esse Espírito da Verdade, que Deus daria aos apóstolos, porque, impuros, ou materiais e atrasados, os homens não eram capazes nem dignos de receber, como os apóstolos, o conhecimento da verdade sob a inspiração divina, de ter a assistência e a inspiração dos Espíritos superiores, que haviam de Assis- 434

tir e guiar os discípulos, chamados por Jesus para espalharem a boa nova.

V. 18. Não vos deixarei órfãos: virei a vós. — 19. Ainda, um pouco de tempo e o mundo não mais me verá; vós, porém, me vereis, porque eu viverei e vós vivereis também. — 20. Nesse dia, conhecereis que estou em meu pai e vós em mim e eu em vós.

Palavras igualmente figuradas e todas de sentido espiritual são estas de Jesus a seus apóstolos. Adverte-os primeiramente de que não lhes faltará a inspiração superior e de que ele lhes virá espiritualmente, enviando-lhes os Espíritos superiores com o encargo de os assistir e guiar.

Depois, alude à época, já então próxima, em que voltaria para a imensidade, época a partir da qual deixaria de ser materialmente visível aos olhos carnais, para só ser visível espiritualmente, aos olhos do Espírito, isto é, pelo pensamento e pela fé. Alude, pois, à vida espiritual e às relações espirituais que ela estabelece entre os Espíritos e os homens.

Assim era que o mundo, isto é, os homens impuros, ou materiais e atrasados, que só vêem com a vista corporal, que só vêem materialmente com os olhos do corpo, não mais o veriam; que seus discípulos o veriam espiritualmente, vendo, pelo pensamento e pela fé, a perfeição que ele na Terra personificara. Assim era que, para os apóstolos, ele viveria espiritualmente e que também eles viveriam a vida espiritual que lhes permitiria vê-lo pelo pensamento e pela fé. Assim era que conheceriam que ele está em comunicação com o pai, que é por este inspirado, bem como que eles, os discípulos, estavam em comunicação com ele Jesus; que ele os inspirava, por intermédio dos Espíritos superiores e que, reciprocamente, estava em comunicação com eles, inspirando-os e guiando-os.

Quando mesmo não mais o sentiam, os discípulos confiavam nele, confiança que teve a confir- 435

má-la a manifestação espírita doa Espíritos superiores que os haviam de assistir, inspirar e guiar, produzida sob a forma de "línguas de fogo".

V. 21. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama. Ora, aquele que me ama será amado por meu pai e eu o amarei também e a ele me manifestarei. — 22. Perguntou-lhe Judas, não o Iscariotes: Senhor, qual a causa por que te manifestarás a nós e não ao mundo? — 23. Respondeu-lhe Jesus: Aquele que me amar guardará a minha palavra e meu pai o amará e viremos a ele e faremos nele morada. — 24. Aquele que me não ama não guarda a minha palavra. Ora, a palavra que tendes ouvido não é minha, mas de meu pai, que me enviou.

O que por essa forma disse Jesus tem alcance muito maior do que o que lhe dão os homens e não atinge unicamente o reduzido número dos que se dizem "cristãos", mas todos os que — abstração feita de cultos externos — praticam a moral do Cristo e assim atraem para si a sua proteção e, conseguintemente, a de Deus.

Deus e Jesus amam a todos os homens, porquanto Deus tem em si o amor universal, infinito, e Jesus, que participa desse amor, é, para o vosso planeta, a personificação e o emblema da lei de amor, que ensinou e praticou, em toda a extensão, durante a sua missão terrena. Mas, nem todos os homens amam a Deus e a Jesus, pois que a única maneira de os amar, neste mundo, de se lhes dar prova de amor, consiste em obedecer aos mandamentos de Deus, todos enfeixados na moral pura que o Cristo, seu órgão, seu enviado, pregou, estendendo-os e aplicando-os à humanidade inteira e declarando serem eles toda a lei e os profetas.

Deus e Jesus amam a todos os homens no sentido de que os abrangem a todos no seu amor, de que querem o progresso de todos e estão prontos a auxiliar esse progresso. Não os amam, porém, no 436

sentido de que só lhes dispensam sua proteção, quando eles a atraem, esforçando-se por seguir aquela moral, por obedecer àqueles mandamentos.

Deus e Jesus vêm aos que guardam essa moral, esses mandamentos, aos que os praticam. E "nesses fazem morada", no sentido de que lhes enviam, pelos bons Espíritos, incumbidos de a transmitirem, a inspiração de Jesus, que é, a seu turno, inspirado pelo Senhor. E essa inspiração, quando se mostram perseverantes, permanece neles, sugerindo-lhes o pensamento e o desejo do que é verdadeiro, justo e bom e, portanto, do belo e do bem, auxiliando-lhes o progresso, o adiantamento moral e intelectual.

É pela inspiração, que assim lhes vem, que Jesus se manifesta aos homens de boa-vontade.

O homem tem o seu livre-arbítrio, a liberdade de seus pensamentos e atos, como a responsabilidade de uns e outros. Os que não guardam os mandamentos que o Cristo deu e se embrenham pelas sendas do orgulho, ou do egoísmo, dos vícios, ou das paixões que transviam ou degradam a vossa humanidade, atraem a si as más inspirações, as más influências e, desse modo, afastam a inspiração divina. A eles, portanto, Deus e Jesus não vêm. 437

CAPÍTULO XIV Vv. 25-31

O Consolador, que é o Espírito Santo, ensina todas as coisas. — Jesus dá sua paz a seus discípulos. — Seu pai é maior do que ele

N. 49. Dividi o trecho, segundo a ordem das idéias.

V. 25. Tenho-vos dito estas coisas, estando ainda convosco. — 26. Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar tudo o que vos tenho dito.

Jesus anuncia aos discípulos o amparo que lhes trarão os Espíritos do Senhor, incumbidos de secundá-los na missão terrena que vão desempenhar.

O Mestre não promete que os Espíritos do Senhor lhes vêm trazer o conhecimento da ciência universal, mas apenas que lhes virão ensinar todas as coisas correspondentes às necessidades da época. Quem de outra forma compreendesse essas palavras suas estaria no direito de lhes negar valor, fundado em que não tiveram confirmação, porquanto longe ficaram os apóstolos de conhecer todas as coisas, tomadas estas expressões em sentido geral e absoluto, quer quanto à ciência, quer quanto à verdade na ordem das revelações. De fato, o espírito lhes era velado e eles caminhavam, como tinha que ser, do mesmo modo que a geração que os escutava, imersos nas trevas da letra, do mistério e do milagre.

Compreendidas de acordo com o pensamento que as ditou, entendidas segundo o espírito que vivifica, aquelas palavras significam o seguinte: "Mas, os Espíritos superiores, os bons Espíritos, 438

que Deus enviará em meu nome, para vos inspirar e guiar, ensinar-vos-ão, por inspiração, todas as coisas que correspondam às necessidades da época presente, ao desempenho da vossa missão e, também pela inspiração, vos farão lembrar de tudo o que vos tenho dito."

Em todas as palavras de Jesus achareis sempre a aplicação que têm ao presente e a promessa que encerram para o futuro.

Também vós tendes aprendido e aprendereis ainda por muito tempo, na medida do que vos seja necessário, até que estejais em estado de conhecer todas as coisas, assim na ordem física, como na ordem moral e intelectual, intelectual sobretudo, em relação à eternidade.

V. 27. A paz vos deixo; a minha paz vos dou. Não vo-la dou, como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se encha de sobressalto. — 28. Tendes ouvido o que eu vos disse: Vou-me e volto a vós. Se me amásseis, rejubilaríeis com o ir-me eu para meu pai, porque meu pai é maior do que eu.

Dando a sua paz a seus discípulos, Jesus lhes dava a consciência do dever cumprido, a força da fé, a ventura da esperança.

Para os discípulos e para todos os homens, ele estava, como estes, sujeito à morte. Daí vem que, dizendo: "Se me amásseis, rejubilaríeis com o ir-me eu para meu pai, porque meu pai é maior do que eu", lhes faz sentir que o verdadeiro amor não deve inspirar o egoísmo; que o homem, ao invés de lamentar a perda de um ente amado, deveria rejubilar e agradecer a Deus a libertação desse ente. Porque a morte liberta o Espírito da sua prisão terrena, mas não constitui uma barreira que o separe dos que ele na Terra deixou. o termo de suas provações e, portanto, o começo de seu progresso. Ora, o amor verdadeiro não está na união, que ela desfaz, dos corpos, mas na das almas, união esta que a 439

morte não atinge, que subsiste integral e é indestrutível.

Notai como, em todas as circunstâncias graves, Jesus assinala a sua inferioridade com relação ao Criador. Estas palavras: "Meu pai é maior do que eu" deveriam ter prendido a atenção dos que o fizeram, é preciso dizê-lo, participar materialmente de Deus.

Se ele fosse uma fração da essência mesma de Deus (falamos do ponto de vista "cristão" propriamente dito, adotado por efeito das interpretações humanas, que fizeram de Jesus uma parte da substância do pai, potencialmente igual a este), seria igual ao pai e não teria dito: "O pai é maior do que eu."

V. 29. E vo-lo digo agora, antes que aconteça, a fim de que, quando suceder, firme crença tenhais em mim. — 30. Não mais vos falarei, porque o príncipe do mundo vai vir, se bem nada haja em mim que lhe pertença, — 31, mas para que o mundo conheça que amo a meu pai e que faço o que meu pai me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

Dizendo a seus discípulos (v. 28); "Tendes ouvido o que eu vos disse: Vou-me e volto a vós; vou para meu pai", Jesus lhes lembra o que dissera, aludindo ao que os homens considerariam sua "morte", aludindo à sua "ressurreição", ao seu reaparecimento entre eles, à sua volta para a imensidade, na época dita da ascensão. Pelas palavras constantes do v. 29, chama-lhes a atenção para a predição que fizera desses acontecimentos, a fim de que, quando se verificassem, quando, pois, a predição se cumprisse, eles tivessem fé inabalável na sua missão e desempenhassem a que lhes pertencia.

As palavras: "O príncipe do mundo vai vir, se bem nada haja em mim que lhe pertença", são figuradas. Referem-se às angústias e incertezas que se apoderam do homem à aproximação da morte; que do homem se apoderariam, ao soar a hora de 440

um sacrifício tal como o do Gólgota. A tais angústias e incertezas ele é inacessível, mas, para os homens, que o consideravam homem e, portanto, sujeito à morte humana, vai sofrê-las, "a fim de que o mundo conheça que ama o pai e que faz o que o pai lhe ordenou", isto é, a fim de que o mundo conheça, que ele tem confiança em Deus, que lhe obedece com respeito e amor, que cumpre a missão que Deus lhe confiou; a fim, igualmente, de que a sua missão seja aceita, produza frutos no momento e no futuro, primeiramente segundo a letra, depois segundo o espírito, nos tempos da revelação, por ele predita e prometida, do Espírito da Verdade. 441

CAPÍTULO XV Vv. 1-11

Parábola da videira e das varas

V. 1. Eu sou a verdadeira videira e meu pai é o vinhateiro. — 2. Ele cortará todas as varas que não derem fruto em mim e mondará todas as que dão fruto, para que dêem mais. — 3. Já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. — 4. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Assim como a vara não pode dar fruto de si mesma, se não permanecer ligada à videira, o mesmo vos sucederá, se não permanecerdes em mim. — 5. Eu sou a videira e vós as varas. Aquele que permanece em mim e em quem eu permaneço dá muito fruto. Porque, sem mim nada podeis fazer. — 6. Aquele que não permanecer em mim será lançado fora como a vara inútil, secará e o enfeixarão e meterão no fogo para ser queimado. — 7. Se permanecerdes em mim e as minhas palavras em vós permanecerem, tudo o que quiserdes pedireis e vos será concedido. — 8. A glória de meu pai está em que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos. — 9. Como meu pai me amou, eu vos amei. Permanecei no meu amor. — 10. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu, que guardei os mandamentos de meu pai, permaneço no seu amor. — 11. Tenho-vos dito estas coisas para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena e perfeita.

N. 50. Usando dessa linguagem figurada, apropriada às inteligências dos homens da época, pela letra, e destinada a ser explicada e compreendida segundo o espírito, Jesus proclama a superior ação dirigente do Criador sobre a vossa humanidade, por seu intermédio, como Espírito fundador, protetor e governador do vosso desenvolvimento e progresso. Explica os modos e meios de realização desse desenvolvimento e desse progresso, as únicas condições mediante as quais podem um e outro ser 442

obtidos e a expiação de que se tornam passíveis os que se afastam do caminho que ele traçou. Mostra a seus discípulos o laço de amor que a ele os une, o meio de cumprirem fielmente a missão de que estavam incumbidos, meio que consiste na observância dos mandamentos que lhes deu.

(V. 1.) Estas palavras: "Eu sou a verdadeira videira e meu pai é o vinhateiro" encerram mais um testemunho da sua natureza inferior com relação ao pai.

(V. 2.) "O pai corta todas as varas que não dão fruto em Jesus e monda todas as que dão fruto, para que dêem mais." Quer isto dizer: aqueles que, violando o duplo mandamento de Deus, que Jesus declarou conter toda a lei e os profetas e cuja observância implica a do Decálogo e a obrigação, para cada um, de proceder com os outros como quereria que os outros com ele procedessem, se desviam das sendas traçadas pelo Mestre e se comprazem no mal, são deixados neste, por virtude da inviolabilidade do livre-arbítrio, mas com a responsabilidade que decorre da posse e do uso desse dom. Submetidos seus maus atos ao fogo da expiação, nada mais produzem senão cinzas, como a vara inútil queimada. Os que de tal maneira se conduzem são relegados em "condições inferiores". O Senhor olha benevolamente para os que tomam as sendas que o Mestre traçou, para aqueles cujas obras são boas. Dá-lhes a faculdade de mais ainda se melhorarem, por meio de provas e missões, a fim de que produzam frutos cada vez mais abundantes.

(V. 3.) Os discípulos já estavam limpos por efeito da palavra que Jesus lhes anunciara. Estavam preparados para cumprir fielmente a missão que traziam. Já o dissemos: os discípulos, ainda que em graus diversos de adiantamento, eram Espíritos adiantados, cujas inteligências e faculdades se achavam entorpecidas pelo invólucro material. As prédicas de Jesus lhes auxiliaram o desenvolvimento das faculdades. O desejo ardente de obede- 443

cerem ao Mestre, o amor sem limites que lhe consagravam os impeliam a avançar cada vez mais pela senda do progresso. A inspiração dos Espíritos do Senhor, que os viriam assistir e guiar, ajudá-los-ia e sustentaria na tarefa que tinham de executar.

(V. 4.) "Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Assim como a vara não pode dar fruto de si mesma, se não permanecer ligada à videira, o mesmo vos sucederá, se não permanecerdes em mim." Estas palavras figuradas, dirigidas aos apóstolos, se referem a todos os tempos e se aplicam, segundo o pensamento do Mestre, a todos os homens. Nenhum pode dar bons frutos, fazer boas obras, desde que se separa da videira, que Jesus personifica e que é o amor e a verdade.

(Vv. 5-6.) Jesus é a cepa da videira e todos os homens, como o eram os discípulos, são as varas. Ele a todos protege e governa e é o único encarregado do desenvolvimento e do progresso de todos. O que permanece nele e em quem ele permanece produz muitos frutos. Quer dizer: aquele que segue, com perseverança e sem se desviar, a moral que ele pregou, esse progride e se depura, avança com rapidez, moral e intelectualmente, e, ajudado pela inspiração divina, que ele lhe transmite hierarquicamente por intermédio dos Espíritos superiores e dos bons Espíritos, produz muitos frutos em suas provas ou missões.

"Aquele que não permanecer em Jesus, será lançado fora como vara inútil, secará e o enfeixarão e meterão no fogo para ser queimado": Aquele, que não segue a moral que Jesus pregou e deixa de praticá-la, se engolfa no mal e, falindo em provas, ficará estacionário, como todo Espírito culpado. Quando soar a hora, a expiação o atingirá. Queimá-lo-á o fogo do remorso, que lhe fará nascer no íntimo o desejo de reparar e progredir, com o auxílio de novas provas, nas condições inferiores em que tiver caído.

(Vv. 7-8-9-10-11.) As palavras, que destes ver- 444

sículos constam, também dirigidas por Jesus a seus discípulos, as exortações e promessas que contêm se aplicam igualmente a todos os que, de futuro, viriam a tornar-se seus discípulos, caminhando na senda, que ele traçou, do amor e da verdade. E essas palavras não precisam de comentários. Elas se resumem assim: força e poder da fé, progresso incessante pela prática contínua da lei de amor, alegria por efeito da paz do coração, da pureza e serenidade da consciência, satisfação do dever cumprido, progresso pessoal e coletivo, obtido com o auxílio das provas e das missões.

Está compreendido que os que permanecem em Jesus, isto é, que permanecem na estrada que ele abriu, não podem pedir senão o que é justo e bom e para lhe ser concedido no tempo e nas condições que só Deus estabelece e determina. Do mesmo modo, compreendido está que Jesus não diz aqui, como jamais o disse, em que momento o pedido será satisfeito. 445

CAPÍTULO XV Vv. 12-17

Amarem-se uns aos outros. — Os servos, os amigos de Jesus. — Sua missão

V. 12. O mandamento que vos dou é que vos ameis uns aos outros, como eu vos tenho amado. — 13. Ninguém pode ter maior amor do que o de dar a vida pelos seus amigos. — 14. Sois meus amigos, se fazeis o que vos mando. — 15. Já vos não chamarei de servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Chamei-vos meus amigos, porque vos tenho feito saber tudo o que aprendi de meu pai. — 16. Não fostes vós que me escolhestes, eu é que vos escolhi para que vades e deis frutos e o vosso fruto perdure sempre e meu pai vos dê tudo o que lhe pedirdes em meu nome. — 17. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros.

N. 51. Estas palavras, dirigidas aos discípulos, têm, como sempre, uma aplicação geral. Aplicam-se a todos os homens de boa-vontade, daquela época e do futuro, pois que tudo quanto o Mestre disse constitui um ensino para a humanidade.

(Vv, 12-13.) Jesus manda que seus discípulos se amem uns aos outros como ele os amou, isto é: que pratiquem a lei de amor entre si e com relação a todos os homens, conforme ele a praticou em toda a sua extensão.

Formulando esse mandamento, faz um apelo à fraternidade universal, mediante a reciprocidade e a solidariedade no amor.

Dá aos homens o maior de todos os ensinamentos que os Evangelhos encerram, no que diz respeito ao amor universal em o vosso planeta. Efetivamente, o amor puro e abnegado não é a fonte de todas as virtudes, a base do dever, o alvo de todas as aspirações? Aquele que ama a Deus outra coisa não pode fazer que não seja esforçar-se 446

por cumprir, com infatigável zelo, os mandamentos que dele recebeu. Tem que amar a seus irmãos com a abnegação, o devotamento e a caridade incessante com que o amou aquele que se fez "homem" para ensinar aos homens o amor. Tem que estender esse sentimento a todos os seres da criação, porque todos são obra do Pai, todos concorrem para sua glória, todos são um hino vivo em sua honra.

(Vv. 14-15.) É amigo de Jesus todo aquele que, como os discípulos, pratica a moral que ele pregou, caminha cumprindo suas provas, suas missões, pela senda que ele indicou. Esse é seu amigo, pois que corresponde aos esforços que pelo seu desenvolvimento e progresso ele fez, e prova, dessa maneira, que lhe tem amor. Esse estabelece assim uma relação, uma atração fluídicas que o depuram e que, fazendo-o progredir, o elevam e aproximam cada vez mais do Mestre amado.

O servo pode ser considerado como o discípulo sujeito à lei material, sofrendo-a, sem inteligência e sem satisfação, qual jugo que lhe é necessário suportar, sem que o possa alijar de si.

Os a quem Jesus chama amigos são os que, servindo-se, como os discípulos, da razão, para desenvolverem o coração, sentem que neste lhes crescem o amor e o zelo, à medida que melhor compreendem as intenções e a paternal bondade do soberano a cuja lei amorosamente obedecem.

"Chamei-vos de meus amigos, diz Jesus, porque vos tenho feito saber tudo o que aprendi de meu pai."

Relativamente aos apóstolos, Jesus lhes ensinou tudo o que ele tinha por missão ensinar naquele momento. Os apóstolos estavam aptos a apreciar, até certo limite, as vistas providenciais do pai, a compreender o objetivo da vida humana e a lei que a rege. Jesus lhes fizera saber, sob o véu da letra, o que ele tinha a missão de lhes ensinar e nas condições apropriadas a que desempenhassem o mandato 447

que lhes era deferido e a que este desse os frutos que devia dar.

Relativamente aos tempos vindouros, Jesus, além dos ensinos ministrados sob o véu da letra aos apóstolos, põe os elementos básicos dos que haviam de seguir-se àqueles, segundo o espírito. Faz que no solo germinem as raízes destinadas a dar nascimento a um sólido tronco, do qual brotassem galhos carregados de frutos. Em outros termos: assentou as bases da ciência que neste momento desenvolveis e que, crescendo sempre, vos dará, cada vez mais, direito ao título de amigos do eleito, pondo-vos, cada vez melhor, em condições de compreender a causa de todas as coisas, o objetivo e os segredos da vontade divina.

(V. 16.) Certo, não foram os apóstolos que escolheram a Jesus, que lhe conferiram a missão terrena que ele desempenhou. Certo, não foram os Espíritos colocados neste ínfimo planeta que escolheram aquele que, por devotamento, por amor, aceitou o encargo de conduzi-lo. Ao contrário, foi ele, filho, pela sua pureza, do Deus vivo, que espontaneamente tomou sobre si o pesado fardo de tirar do caos ou da imensidade fluídica os elementos constitutivos do vosso planeta, de lhes dar direção e, de algum modo, a vida, de prover ao progresso da inteligência e da matéria. Foi ele quem tomou o da missão terrena que desempenhou, quem prepôs, visando o progresso pessoal deles e o progresso coletivo da humanidade, os discípulos à missão que desempenharam, cujos frutos jamais hão de perecer e se conservarão imperecíveis, como ponto de partida para os novos progressos que a falange inumerável dos Espíritos em missão, também prepostos do Mestre, têm, desde o tempo dos apóstolos, preparado e realizado até aos vossos dias e continuarão a preparar e realizar daqui por diante.

Foi ele, filho, pela sua pureza, do Deus vivo, que prepôs os discípulos, como prepõe todos os homens de boa-vontade, a fim de que o pai lhes dê, 448

nas provas, nas missões, tudo que pedirem em nome dele.

Tudo que o homem pede ao pai, invocando o pensamento sublime do filho, lhe será concedido, porquanto o homem que compreender a força de tal pedido nada pode desejar que seja contrário ao bem geral. Nada pedirá com propósitos egoístas, nem tendo em vista a satisfação de aspirações pessoais. A felicidade de todos os homens, seus irmãos, o progresso de todas as criaturas, o desenvolvimento do amor a Deus e da caridade, eis o que lhe inspirará as preces; eis o a que o Senhor atende sempre, não como o pai de família que dá ao filho um brinquedo que este quebrará no mesmo instante, porque não lhe conhece a fragilidade, mas como o pai previdente que diz a seu filho: "O que pedes é bom e justo. Será feito como desejas, quando chegar o momento oportuno." E, como o homem sabe que tem a eternidade diante de si, como sabe ser preciso, não só que progrida, mas que progridam e se elevem todos os que o cercam, desde a mônade invisível até o gênio encarnado, espera com confiança, certo de que tudo o que pede lhe será concedido, porque tudo o que pede é bom e justo.

(V. 17.) Jesus reitera o mandamento pouco antes dado a seus discípulos — o de se amarem uns aos outros. Para os discípulos, a prática do amor era, como é para todos os homens, a fonte e o meio de todo progresso, de toda elevação, a única maneira de alcançarem êxito nas provas e nas missões, o único caminho por onde a humanidade pode e tem que passar, na sua marcha ascendente para mundos superiores. 449

CAPÍTULO XV Vv. 18-27

Jesus prediz a seus discípulos o ódio e as perseguições que lhes acarretará o desempenho da missão de que se acham incumbidos. Prediz-lhes o futuro advento do Espírito da Verdade e sua vinda para eles

N. 52. Separai os versículos, para que cada um tenha a sua explicação especial.

V. 18. Se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim primeiro do que a vós.

Facilmente compreensíveis vos devem ser estas palavras. Os Espíritos inferiores então encarnados, não obedecendo à lei de amor que existe naturalmente no coração do homem, odiavam aquele que é todo amor.

Não tomeis a palavra em sua acepção literal, no sentido que lhe dão os vossos costumes e linguagem. Não se trata de um sentimento de ódio pessoal contra Jesus. O vocábulo aqui significa falta de atração para ele e, por conseguinte, de submissão às inspirações que ele e os bons Espíritos prepostos jamais deixaram de transmitir aos homens, de acordo com o respectivo desenvolvimento e categoria.

V. 19. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria ao que seria seu; mas, porque não sois do mundo e eu vos escolhi do seio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia.

Os apóstolos e a maior parte dos primeiros discípulos eram, como temos explicado, Espíritos já adiantados, que aceitaram aquela encarnação, 450

com o propósito de secundarem o Mestre, de trabalharem pelo adiantamento próprio, facilitando o de seus irmãos. Tinham naturalmente que suscitar contra si os mesmos sentimentos que contra o Mestre se houvessem manifestado, sentimentos que haviam de contra eles externar-se, como sucedera relativamente àquele, pela violência, pelas perseguições físicas e até, para a maioria deles, pelo suplício. Nada disso, entretanto, motivado pelas suas personalidades, mas pela doutrina, pela palavra que lhes incumbia espalhar.

Vede que não há nenhuma idéia de predestinação nisto que Jesus diz: "Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que seria seu; mas, porque não sois do mundo e vos escolhi do seio do mundo, por isso é que o mundo vos odeia". Efetivamente, ao fazerdes as reflexões a que dão lugar estas palavras, que parecem anunciar uma espécie de predestinação, não esqueçais que todo Espírito elevado, superior, que, baixando à Terra em missão, se reveste de carne corruptível, de novo se torna falível. "Escolhido, por essa forma, do seio do mundo, ele pode, em conseqüência dessa falibilidade, ser, até certo ponto", do mundo e o mundo pode amá-lo como a um que lhe pertence. Ele se torna de novo falível, não como um Espírito inferior, mas relativamente à sua natureza. Não olvideis que a carne é instrumento ingrato, que precisa ser vigiado com perseverança.

Não se segue do que vimos de dizer que um Espírito superior, que aceita uma missão na Terra e não a desempenha inteiramente sem fraqueza, possa retrogradar, não. Mas, menos do que devera ser, fica sendo o seu progresso, por efeito daquele ato de devotamento. Corresponderá ao maior ou menor esforço que ele haja empregado contra os desfalecimentos inerentes à humanidade terrena.

V. 20. Lembrai-vos do que eu vos disse: "O servo não é maior do que o seu senhor." Se me perseguiram 451

a mim, também a vós perseguirão; se guardaram a minha palavra, também a vossa guardarão. — 21. Mas, todos esses maus tratos eles vos darão por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou.

Jesus repete o que anteriormente dissera (capítulo XIII, v. 16): "O servo não é maior do que o seu Senhor." Em o n. 44, pág. 412 deste tomo, já demos o sentido e a explicação dessas palavras.

Nesse passo, segundo a letra, significavam que, não sendo mais do que ele, que era o Senhor, os discípulos não podiam escapar à perseguição, uma vez que ele próprio fora perseguido.

Elas nenhuma aplicação têm, consideradas do ponto de vista vulgar. Do ponto de vista espírita, porém, amplo sentido encerram.

Do ponto de vista católico, ou de qualquer outro cisma cristão, a alma, criada para um que na Terra será servo, pode ser igual, aos olhos de Deus, à alma criada para um que será na Terra senhor. Mas, então, razão não há para que sejam diferentes os seus destinos. Assim como o servo pode falir no cumprimento da sua tarefa, também o senhor pode abusar da sua força e do seu poder. Se ambos cumprirem seus destinos, o senhor terá sido sempre mais favorecido do que o servo, o que implica uma preferência, uma desigualdade.

Não venha a Igreja dizer que, depois da morte, o servo será mais recompensado do que o senhor. Sendo iguais os merecimentos, não há cabida para tal. Aquele que, como senhor, fez todo o bem que podia, desempenhou a sua tarefa, do mesmo modo que desempenhou a sua o servo, desde que cumpriu com zelo, devotamento e resignação todos os seus deveres. Porque será este mais recompensado do que o outro? Com que direito receberia mais do que o seu senhor? Foi ele quem escolheu a posição ínfima de servo? Com que fundamento o senhor lhe ficaria abaixo? Foi ele quem pediu a posição de mando? Responda a isso a Igreja. 452

Como vedes, por qualquer lado que encareis a questão, se puserdes de parte a reencarnação — remuneradora do passado, agente de progresso para o futuro — caireis inevitavelmente no arbitrário, com relação aos destinos, e fareis de Deus, que é a justiça perfeita, um poder caprichoso, reinando a seu bel-prazer.

Do ponto de vista espírita, aquele que é servo "hoje" foi senhor "ontem" e o será "amanhã". Da mesma forma, aquele que é "hoje" senhor foi servo "ontem" e o será "amanhã". Há, pois, igualdade completa em face da lei de reencarnação, que é, repetimos, remuneração do passado, agente de progresso para o futuro. Não há nem favor, nem sorte, na desigualdade entre os homens. Essa desigualdade deriva unicamente do modo por que os Espíritos cumprem a obrigação de "proceder bem".

Que este pensamento penetre fundo no coração humano e o senhor será o amigo, o amparo, o sustentáculo do servo e o servo será a consolação, o irmão dedicado de seu senhor. Desse modo, sem se subverter a ordem social, nem derramar o sangue humano para, pela violência, conseguir-se a realização das doces promessas de liberdade, fraternidade e igualdade feitas por Jesus, ver-se-á reinar na Terra a unidade, a liberdade sem limites, a fraternidade sem restrições, o amor universal.

"Se me perseguiram a mim, diz Jesus, também a vós vos perseguirão; se guardaram as minhas palavras, também guardarão as vossas. Mas todos esses maus tratos eles vos darão por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou."

O nome de Jesus, como sabeis, apresenta ao Espírito e simboliza a lei que ele pregou. Ora, os que já haviam realizado um certo progresso tinham ou o conhecimento, anteriormente adquirido, ou a intuição da lei de amor que as palavras do Mestre fizeram que despertasse nas inteligências e nos corações. 453

Os que estavam ainda muito atrasados e se compraziam no orgulho e no mal recusavam admitir essa lei, repeliam tudo o que lhes parecia vir da pessoa de Jesus, por não compreenderem que Deus é a fonte originária donde dimana todo bem.

Entre vós, presentemente, não se dá o mesmo? Não tendes ainda aí, nas igrejas e seitas ortodoxas, egoístas e intolerantes, os "filhos de Abraão", a se dizerem únicos herdeiros do reino de Deus, não vendo, entretanto, no Pai senão um Deus vingativo, cioso e exclusivista no seu amor?

Os homens não conheciam e poucos ainda conhecem aquele que enviou o seu Messias ao mundo para regenerar a humanidade. Dai vem que Jesus absorveu e personifica, para a maioria dos homens, nesse meio que chamais — "a cristandade", o Deus senhor e criador dos universos, no infinito e na eternidade. Daí, o culto especial consagrado a Jesus, o terem-no feito partícipe da divindade. Meio foi este de se conciliarem as crenças hebraicas com as dos Gentios. Conservou-se a divinização do Messias e do "Espírito Santo" que, sabeis, é o conjunto dos Espíritos do Senhor, encarregados de transmitir aos homens a inspiração divina. Foram-lhes assim oferecidas três divindades distintas em uma, na mesma personalidade: uma — indivisível, eterna e infinita, da qual duas partes se destacam, para tomarem forma e se circunscreverem no finito, voltando depois a se absorverem, a se misturarem, a se perderem na unidade indivisível.

V. 22. Se eu não tivesse vindo e não lhes houvesse falado, eles não teriam o pecado que têm; mas agora não têm desculpa do seu pecado.

Mal compreendidas, estas palavras envolvem a idéia de predestinação para a criatura, porquanto Deus, onisciente, ao enviar o seu Messias aos homens, havia de saber que uma inumerável porção deles não o admitiria e, nessas condições, lhes teria 454

condenado as almas — segundo a doutrina católica — aos suplícios de um inferno eterno. Oh! inconseqüência humana!

Os Espíritos encarnados naquela época, como todos os que revestem um invólucro material, tinham que trabalhar pelo seu adiantamento. Prometidos lhes estavam os meios de o conseguirem.

A eles, pois, competia saber servir-se desses meios, quando fosse tempo.

Assim é que a todos estava facultado ouvirem aquela voz a lhes prometer paz, desde que aprendessem a fazer obras de paz. Eles, porém, esquecendo suas resoluções espíritas, ou atendo-se aos seus maus pendores, taparam os ouvidos e fecharam os corações.

Se o Cristo não houvesse descido até eles, como fora anunciado, o julgamento seria outro, visto que os encarnados não teriam tido os mesmos meios para se adiantarem. Mas, tendo-se feito ouvir a voz do Alto, os que voluntariamente taparam os ouvidos se tornaram culpados, repelindo o "ramo de oliveira" que se lhes estendia e, por isso, se condenaram, eles próprios, a permanecer por muito tempo ainda no lodaçal do vício. E isto que dizemos não se aplica unicamente ao reduzido número de almas que se gruparam em torno de Jesus durante a sua missão, mas a todos os que não querem ver nem ouvir o que lhes é pregado e mostrado com o objetivo da sua melhoria moral. Tampouco se aplicam as nossas palavras unicamente aos que repelem a lei de Jesus no vosso continente (sabeis que, de acordo com o pensamento do Mestre, por essa lei deveis entender a lei de amor), porém a todos os que hão sido postos em condições de se melhorarem e que não o têm querido. Todos esses atraem sobre si a condenação, rejeitando a graça.

Ainda uma explicação, pois que, para os ouvidos humanos, se fazem precisos sons claros e inconfundíveis. Não damos o nome de graça ao favor que, segundo dizem, o pai concede a um de seus filhos, 455

com preterição de outro, por efeito exclusivo da sua vontade. Chamamos graça aos meios dados ao homem para progredir, a luz que, sob qualquer forma e seja qual for o nome com que a designem, lhe é enviada e que ele tem a liberdade de aceitar ou de rejeitar, no uso da sua vontade pessoal.

V. 23. Aquele que me odeia também odeia a meu pai. — 24. Se eu não houvesse feito, entre eles, obras quais ainda nenhum outro fez, não teriam o pecado que têm. Mas agora eles as viram e me odiaram a mim e a meu pai, — 25, a fim de que se cumpra esta palavra que está escrita na lei deles: Odiaram-me sem nenhum motivo.

A propósito do v. 18, explicamos o sentido do termo "odiar", com relação a Jesus. A mesma acepção tem esse vocábulo, quando empregado relativamente ao pai.

Comentando o v. 20, também acabamos de explicar o sentido destas palavras, que Jesus intencionalmente repete, debaixo de novo aspecto: "Não teriam o pecado que têm, se eu não houvesse feito, entre eles, obras quais ainda nenhum outro fez."

Odiar a Deus e o seu enviado é recusar-se a obedecer à lei de Deus, à lei de amor que Jesus pregou, por conseguinte, conservar-se indefinidamente afastado do pai, conservando-se afastado do seu enviado, uma vez que só o sentimento do amor pode levar o homem a aproximar-se deste.

Não é odiar ou aborrecer o pai negar-se a criatura a se elevar para ele? O amor não é a alavanca que impele o homem a se unir, num arroubo de reconhecimento e de alegria, ao dispensador de todos os bens?

O Espírito posto em condições de progredir e que a isso se recusa acorrenta-se, por efeito dessa recusa, à inferioridade. Não vades supor que uma espécie de força fluídica o impeça de elevar-se. São os próprios fluidos do Espírito inferior que o retêm nas esferas que lhe correspondem, enquanto o de- 456

sejo de progredir não purifica aqueles fluidos. Porque o Espírito tem o seu livre-arbítrio, sua inteligência independente. É senhor, portanto, de ficar estacionário, ou de avançar. É ele quem, por seus pendores, instintos e sentimentos, estabelece para si as relações similares a que, conforme a natureza da atração fluídica espiritual que provocar, se torna acessível, acorrentando-se, repetimos, à inferioridade, ou elevando-se. É ele quem, por seus atos e conforme o uso que faz do seu livre-arbítrio, determina a aplicação, ou da lei imutável de estagnação, da lei imutável do sofrimento expiatório, ou da lei imutável do progresso, lei inevitável através dos tempos e dos séculos, como é a da perfectibilidade sob o império da Providência divina, cujos modos e meios de ação a revelação espírita já vos desvendou até certo ponto, relativamente à humanidade terrena.

Eles me odiaram a mim e a meu pai, diz Jesus, a fim de que se cumpra esta palavra que está escrita na lei deles: Odiaram-me sem nenhum motivo.

Efetivamente, nada se origina do que chamais — o acaso. Existe sempre uma causa, uma razão de ser para todas as coisas. O acaso é a vossa ignorância da razão de ser, da causa do fato que observais.

O estado e as condições de progresso do povo hebreu, quando, sob a inspiração divina, mas sem ter consciência dessa inspiração, o profeta proferiu aquela palavra, davam a ver o que seria esse povo, por ocasião do aparecimento do Messias e o que havia de acontecer. Para Deus, bem o sabeis, não há, como para vós ínfimas criaturas, passado, presente e futuro. Tudo está constante e instantaneamente patente às suas vistas, na eternidade.

“Odiaram-me sem nenhum motivo." Isto é fácil de compreender-se. Pode a criatura ter uma causa, um motivo para se conservar afastada do Senhor? Aqueles que assistiram ao aparecimento de Jesus na Terra e ao desempenho da sua missão tinham 457

qualquer causa ou motivo para permanecerem afastados dele?

V. 26. Mas, quando o Consolador, o Espírito da Verdade, que procede do pai e que eu vos enviarei da parte de meu pai, vier, dará testemunho de mim. — 27. E também vós dareis testemunho, porque estais desde o principio comigo.

Estas palavras de Jesus, segundo o pensamento que as ditou, isto é, segundo o espírito que vivifica, compreendem, do ponto de vista do desenvolvimento dos apóstolos e da missão que tinham de desempenhar, a época em que foram pronunciadas e também o futuro, objetivando os tempos então vindouros da era nova que se abre diante de vós e a época para que vos encaminhais.

O Espírito da Verdade, que procede do pai, é a luz, a ciência, a verdade que os Espíritos, assim errantes como encarnados, trazem aos homens, aqueles por meio da inspiração ou da ação mediúnicas, os outros por meio da palavra.

Relativamente aos apóstolos, o Espírito da Verdade que Jesus lhes enviaria eram os Espíritos do Senhor que os haviam de assistir, inspirar e guiar, de lhes desenvolver as faculdades pessoais e de, exercendo sobre eles ação mediúnica, supri-los do que lhes faltasse, tanto do ponto de vista espiritual, como do da ação magnética.

Assim, com esse auxílio e esse concurso, é que eles haviam de dar testemunho de Jesus, isto é, da sua doutrina, das palavras que proferira e dos atos que praticara durante a sua missão terrena, dos fatos e sucessos dominantes dessa missão.

E Jesus lhes disse: "Também vós dareis testemunho de mim, porque estais comigo desde o princípio." Tendo encarnado para secundá-lo na Sua missão, os apóstolos estavam com ele desde o princípio desta.

Com relação ao futuro, deveis entender por esse Espírito da Verdade, cujo advento Jesus anuncia, 458

os Espíritos do Senhor, quer errantes, quer encarnados, novos mensageiros seus, que vos tinham de ser enviados ao tempo da era nova que se inicia e que o serão, na época para que vos encaminhais, a fim de acabarem de espalhar sobre o mundo as claridades celestes.

E os novos mensageiros encarnados virão, pela palavra, dar testemunho dele, espalhando a caridade e o amor pelo exemplo e, progressivamente, a luz, a ciência, a verdade, que procedem do Senhor onipotente e que o Mestre personifica para o vosso planeta. E, pois que as personifica, ele as virá completar e sancionar, mostrando a verdade sem véu, quando a pureza dos vossos corações e o desenvolvimento das vossas inteligências vos houverem tornado capazes e dignos de a receber, compreender e guardar.

Os Espíritos do Senhor, seus mensageiros, quer na erraticidade, quer encarnados, trazem ao homem o conhecimento da verdade compatível com a sua inteligência. E a consciência do homem recebe esse conhecimento, ou se fecha, repelindo-o. O que recebe o Espírito da Verdade é aquele cuja consciência, esclarecida pelos mensageiros do Senhor, compreende as coisas que até então lhe estavam ocultas. 459

CAPÍTULO XVI Vv. 1-15

Continuação das predições de Jesus quanto às perseguições de que serão vítimas seus discípulos e quanto ao futuro advento do Espírito da Verdade e à sua missão

N. 53. Pois que as palavras de Jesus abrangem, conforme ao seu pensamento, a época em que foram ditas e o futuro, com relação a essa época, temos que vos dar sobre elas explicações especiais.

V. 1. Eu vos tenho dito estas coisas, a fim de que não vos escandalizeis.

Quer isso dizer: A fim de que, estando prevenidos da sorte que todo missionário deve esperar entre Espíritos atrasados, a aceiteis como uma conseqüência inevitável.

Essas palavras, dirigidas por Jesus a seus discípulos, encerravam também uma advertência para todos os que, como apóstolos, então e de futuro, desempenhassem a missão de espalhar a verdade em meio atrasado e refratário. Elas se aplicam igualmente, nos vossos dias e nos tempos vindouros, aos apóstolos da nova revelação, os quais devem todos aceitar a sorte que os espera, nos meios em que houverem de executar a sua tarefa, de acordo com o estado de progresso e civilização dos Espíritos a quem se dirigirem.

V. 2. Eles vos expulsarão das sinagogas e vem o tempo em que aquele que vos der a morte acreditará fazer coisa agradável a Deus. — 3. Tratar-vos-ão assim porque não conhecem a meu pai, nem me conhecem a mim. — 4. Ora, tenho-vos dito estas coisas, a fim de que, quando vier o tempo, vos lembreis de que eu as disse. 460

O pensamento de Jesus, ao falar desse modo, abrangia todos os que, em todas as épocas, como seus discípulos, hão pregado, pregam e pregarão a verdade, combatendo os abusos e os vícios.

Os que hão praticado a intolerância, o fanatismo, a perseguição dos discípulos e lhes deram a morte, acreditando que faziam coisa agradável a Deus, assim procederam porque não conheciam o pai, que é o Deus de amor, que é o amor universal, infinito, e porque não conheciam a Jesus, que era o enviado do Senhor, o emblema da lei de amor, nem a grandeza e o objetivo da sua missão, que era a regeneração da humanidade, pela justiça, pelo amor e pela caridade, conseguintemente pela fraternidade entre todos os homens.

Os que, desde o tempo em que os apóstolos desempenharam a sua missão até os vossos dias, têm praticado a intolerância, o fanatismo, a perseguição; têm vertido o sangue humano, acreditaram sempre estar praticando atos agradáveis a Deus e assim procederam porque também não conheciam a Deus nem a Jesus. Desconheceram a um e a outro e os ultrajaram, calcando aos pés a lei de amor, que implica a liberdade do Senhor, isto é, a liberdade da razão, a da consciência, o livre exame e, portanto, a tolerância e a caridade.

Oh! homens, não repilais a luz e a verdade que vos traz a nova revelação, trazendo-vos o conhecimento do pai e de Jesus. Quando os conhecerdes, não praticareis mais a perseguição, nem moral, nem física. Não mais derramareis o sangue humano. Seguireis, impelidos pelo "Espírito da Verdade", a senda do progresso, com essa liberdade que Deus outorgou ao homem, como apanágio do seu livre-arbítrio, da sua razão, da consciência, e da qual sabereis servir-vos praticando a tolerância e a caridade.

N. 5. Não vo-las disse desde o principio, porque estava convosco; agora, porém, vou para aquele que me enviou e nenhum de vós me pergunta para onde 461

vou. — 6. Mas, porque vos disse essas coisas, encheu-se-vos de tristeza o coração. — 7. Entretanto, digo-vos a verdade. Convém que me vá, pois, se não me for, o Consolador não vos virá. Se, no entanto, me for, eu vo-lo enviarei.

Durante a missão de Jesus, importava que os apóstolos e os outros discípulos se conservassem na incerteza, quanto à natureza dessa missão e às suas conseqüências. Somente depois de consumado o sacrifício do Gólgota, tinha ela que lhes ser revelada.

Os Espíritos do Senhor, seus mensageiros, eram, como sabeis, o Consolador que Jesus lhes enviaria a inspirá-los e guiá-los no desempenho da missão que lhes cabia. Esse Consolador era, para a época, uma personificação do Espírito da Verdade e os apóstolos também o haviam de ser, visto que igualmente eram mensageiros do Senhor, missionários encarnados para espalharem pelos homens a luz, a ciência, a verdade correspondente às inteligências e às necessidades de então.

Mas, o Consolador, que é o Espírito Santo, o Espírito da Verdade, não tinha sua personificação e sua missão limitadas pelas dos Apóstolos. No futuro, teria, como teve naquela época e o tivera no passado, de executar a sua tarefa por meio dos Espíritos do Senhor, quer errantes, quer encarnados, seus novos mensageiros, missionários enviados em auxílio do progresso da humanidade, para ajudá-la a caminhar e avançar pela senda da verdade.

V. 8. E, quando ele vier, convencerá o mundo quanto ao pecado, quanto à justiça e quanto ao juízo. — 9. Quanto ao pecado, porque não creram em mim; — 10, quanto à justiça, porque vou a meu pai e não mais me vereis; — 11, quanto ao juízo, porque o príncipe do mundo já está julgado.

Os Espíritos encarnados naquela parte do globo onde Jesus desempenhou a sua missão, onde fez ouvir a sua palavra e praticou os atos que conheceis, 462

tinham — com prova — de receber ou repelir a luz que lhes era por ele trazida. Ora, os que a repeliam faltavam aos seus compromissos e mais profundamente se enterravam no mal.

O mesmo se dá com relação a todas as épocas do vosso planeta. Os Espíritos encarnados, assim antes como depois da missão de Jesus, tiveram por prova, do mesmo modo que os que viviam ao tempo daquela missão, receber ou repelir a luz que lhes era trazida. Os que a repeliram faltaram aos seus compromissos. É também o que ocorre com os Espíritos encarnados que, nos dias de hoje, repelem a que se lhes oferece e com os que, de futuro, repelirem a que lhes for trazida. Mas, não esqueçais, muito é pedido àquele a quem muito foi dado e a responsabilidade do Espírito está sempre na razão dos meios postos a seu alcance para se instruir.

Jesus, ao dirigir a seus discípulos as palavras acima, estendia seu pensamento aos tempos que iam seguir-se e, sobretudo, aos tempos, então futuros, da nova revelação. E aquelas palavras se aplicam a todos os que, durante a sua missão terrena, repeliram a luz que ele trazia aos homens, a todos os que depois, até aos vossos dias, a repeliram e a todos os que a repelirem na época atual e nas épocas vindouras da era nova que se abre diante de vós.

"O Espírito da Verdade, disse o Mestre, convencerá o mundo quanto ao pecado, porque não creram em mim." Quer dizer: quanto à transgressão da lei divina por parte dos que, não lhe dando crédito à missão, não aceitaram nem seguiram a moral que ele pregou e, dessa forma, faltaram aos seus compromissos e se enterraram mais profundamente no mal.

Os homens foram chamados a reconhecer, muitos reconheceram e todos reconhecerão que quem quer que não segue a moral que Jesus pregou transgride a lei divina e, com o deixar de praticá-la, se torna culpado e passível de "julgamento". É essa a missão do "Espírito da Verdade", do Consolador, 463

missão que, começada pela dos apóstolos, vai continuar, para que o mundo seja convencido.

"Convencerá o mundo, quanto à justiça, porque vou para meu pai e não mais me vereis." Convencidos, quanto à justiça, são os que, tocados pelas provas esplendorosas da missão de Jesus, se rendem à evidência e crêem, submetendo-se à lei de amor universal que ele pregou.

Estas palavras: "porque vou para meu pai e não mais me vereis", dirigidas a seus discípulos, como sendo a base, o elemento e o meio de o "Espírito da Verdade" convencer o mundo, se referem ao sacrifício do Gólgota e à ressurreição, à sua volta para a imensidade na época da chamada ascensão, depois de suas aparições às mulheres e aos discípulos. Provas foram essas que esclareceram a maior parte dos incrédulos de então e que a revelação atual vem pôr em evidência, pela explicação que delas dá, em espírito e verdade, explicação que a revelação e a ciência espíritas apóiam, com todas as forças do raciocínio, nos Evangelhos.

O Espírito da Verdade convencerá o mundo, quanto à justiça, isto é: quanto à fé na missão divina de Jesus e na lei de amor universal que ele pregou, porque ele consumou o sacrifício do Gólgota, "ressuscitou", reapareceu e, depois das aparições às mulheres e aos discípulos, desapareceu das vistas humanas, desde que voltou para a imensidade na época dita da ascensão.

Os homens eram chamados a reconhecer a missão divina de Jesus e a se submeter à lei de amor universal que ele pregou. Muitos reconheceram essa missão e todos a reconhecerão. Muitos se submeteram àquela lei e todos se lhe submeterão. É isso também missão do Espírito da Verdade, do Consolador, missão que começou pela dos apóstolos e vai continuar, para que o mundo seja convencido.

"Convencerá o mundo quanto ao julgamento, porque o príncipe do mundo já está julgado." O juízo é a retribuição de acordo com as obras. O 464

homem o provoca pelos seus pensamentos e pendores e o recebe, por efeito de suas palavras e atos, conformemente às leis imutáveis e eternas da justiça divina, que a sua consciência aplica após a morte. Essas leis, para os pendores viciosos, contrários à lei divina, bem como para os atos culposos, são as leis imutáveis, inevitáveis do sofrimento, da expiação, da reencarnação, meio único de reparação, de purificação e de progresso, caminho único para a perfeição.

Estas outras palavras que Jesus dirige a seus discípulos, como constituindo a base, o elemento e o meio, para o "Espírito da Verdade", de convencer o mundo: "porque o príncipe do mundo já está julgado", são um conjunto de expressões figuradas, designativas dos pendores viciosos contrários à lei divina, e se referem aos atos culposos que, no passado, sofreram o "julgamento". Desde o princípio, isto é, desde o aparecimento do homem na Terra, não têm os atos culposos recebido a retribuição que lhes era devida? E os maus sentimentos, que germinam e se desenvolvem nos vossos corações, não têm, desde o princípio, sofrido o julgamento? É assim que o príncipe do mundo já está julgado. As palavras de Jesus abrangem todas as épocas, pois que se aplicam à natureza falível, ao mal sob todas as suas formas.

O "juízo" não se verificou já para cada um de vós, desde a primeira encarnação humana até os dias atuais? Não se verificará ainda para os Espíritos culpados? Não se verificará, na época da depuração do vosso planeta, para os Espíritos culpados, rebeldes, voluntariamente cegos, que, então, serão afastados da Terra e mandados para planetas inferiores?

O "Espírito da Verdade" convencerá o mundo quanto ao juízo: quanto à retribuição de acordo com as obras, quanto à retribuição que é devida e feita aos pendores viciosos, contrários à lei divina, aos atos culposos, pois que os maus pendores, con- 465

trários à lei divina, já receberam a retribuição que lhes era devida e os atos culposos já sofrem o "julgamento".

Os homens foram chamados a reconhecer essa retribuição, esse julgamento. Muitos o reconheceram e todos o reconhecerão. É essa ainda a missão do Espírito da Verdade, do Paracleto, a qual, começada pela dos apóstolos, vai continuar, para que o mundo seja convencido. E o mundo será convencido, porquanto, pela revelação e pela ciência espíritas, pela revelação atual, ele traz aos homens, despindo da letra o espírito, o conhecimento e a inteligência do que é, em verdade, o "juízo".

V. 12. Muitas coisas tinha ainda para vos dizer; porém, não as podeis compreender agora.

O progresso é lei da natureza. Assim a matéria, como a inteligência, tudo tem que progredir. As vestes próprias do adulto embaraçariam os membros da criança, impedindo-lhe a cada passo o caminhar, e suas quedas se sucederiam continuamente.

Como seus contemporâneos, os apóstolos, conquanto mais desenvolvidos espiriticamente do que eles, eram, em conseqüência da encarnação humana, criancinhas que necessitavam de ser ajudadas no seu caminhar, que precisavam avançar a passos curtos, que não podiam ser impelidas para a frente numa carreira rápida que não suportariam.

A ciência que lhes foi dada estava em relação com as necessidades da época. Para eles, o "Espírito Santo" se manifestou, no Pentecostes, e lhes deu os conhecimentos de que tinham necessidade. Mas, os tempos se sucederam, o desenvolvimento intelectual se operou, a princípio com lentidão, depois, acelerando-se, começou a avançar com energia. O "Espírito da Verdade" se revelou de tempos a tempos, para mostrar, de longe, a luz que há de guiar a humanidade nas suas pesquisas e não vem distante o momento em que, pondo-se ao alcance de 466

todos, abrirá os olhos dos mais cegos e fará que sua voz penetre nas mais surdas consciências.

V. 13. Quando esse Espírito da Verdade vier, ensinar-vos-á toda a verdade, porquanto não falará de si mesmo; mas dirá tudo o que houver escutado e vos anunciará as coisas que hão de vir.

"Ensinar-vos-á toda a verdade." Já o temos dito: a verdade há sido sempre revelada aos homens, na medida do que o homem podia compreender. Os Espíritos do Senhor, seus mensageiros, os missionários, assim errantes como encarnados, desde todos os tempos trouxeram aos homens a luz, a ciência, a verdade que estavam em relação com as necessidades de cada época.

Aqui, porém, Jesus alude à era nova em que entrais e à época em que o homem, guiado pelos Espíritos superiores, receberá os ensinos do Senhor em toda a sua extensão, compreendendo a fonte donde promana essa graça especial e o objetivo com que é concedida. Mas, para aí chegar, tem o homem ainda que aprender por largo tempo, tem que progredir e que se purificar.

"O Espírito da Verdade vos ensinará toda a verdade." Sim, pois que a sua tarefa consiste em mostrar, progressiva e sucessivamente, à humanidade a luz que há de guiá-la nas suas pesquisas e ajudá-la a avançar, ainda e sempre e cada vez mais, com energia, pela senda do progresso moral, físico e intelectual.

"Ele não falará de si mesmo; mas dirá o que houver escutado." Pelo que respeita aos Espíritos do Senhor, seus mensageiros, seus missionários na erraticidade, eles dirão o que, do Senhor provindo, lhes for hierarquicamente comunicado para que transmitam aos homens.

Pelo que respeita aos Espíritos do Senhor, seus mensageiros, seus missionários encarnados, esses não falarão por si mesmos. Fá-lo-ão sob a inspiração divina; dirão o que houverem recebido por ins- 467

piração ou por meio da audição, o que, portanto, houverem escutado.

"Anunciará as coisas que hão de vir." Quanto ao presente, isto é, quanto aos tempos atuais, em que começais a entrar na era nova que se abre para a humanidade, e quanto ao futuro, a significação dessas palavras é quase idêntica, se bem que de maior alcance com relação ao futuro. Trata-se de anunciar as coisas que hão de vir, não como o fazem os ledores da "buena-dicha", mas tornando claras as partes da revelação messiânica deixadas na obscuridade do véu da letra. Trata-se de instruir os homens acerca de seus destinos; acerca do que podem e devem esperar; acerca da ciência do mundo e da criatura, que é o conhecimento das leis de Deus, na ordem física e na ordem moral; acerca do conhecimento, segundo essas leis, da origem do mundo e da criatura e do fim que uma e outro têm que atingir; acerca do conhecimento das obrigações cuja observância conduz a esse fim, que é a realização da perfeição e da pureza, pela do progresso, assim da matéria como da inteligência.

A missão do Espírito da Verdade está começada, porquanto essas coisas, cujo anúncio fora predito, principiaram a ser anunciadas. Os Espíritos do Senhor já começaram a descer para o meio de vós. Missionários, errantes e encarnados, começaram, mediante a luz e a ciência espíritas que vos são reveladas, a espalhar a claridade sobre as partes da revelação messiânica deixadas na obscuridade, sob o véu da letra. Começaram a instruir os homens sobre os seus destinos, sobre o que podem e devem esperar, sobre o conhecimento do mundo e da criatura. Começaram a dar-vos a verdade, relativamente ao que dela podeis compreender, guiando a humanidade em suas pesquisas e ajudando-a no seu adiantamento.

Essa missão do Espírito da Verdade vai continuar, pois que, conforme já o dissemos, a vossa geração não passará sem que veja decorrer os seus 468

primeiros anos messiânicos. Tendes que ser conduzidos e chegar a essa época em que o homem guiado pelos Espíritos superiores, receberá em toda a sua extensão os ensinos que lhe virão dar os mensageiros do Senhor, precursores do advento de Jesus, Espírito da Verdade, visto que complemento e sanção da verdade, que ele mostrará sem véu.

V. 14. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. — 15. Tudo o que meu pai tem é meu. Eis porque vos digo que ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará.

Jesus se exprime desse modo relativamente ao planeta e à humanidade terrenos. Como vosso protetor e governador, como único encarregado do vosso desenvolvimento e do vosso progresso, ele confere, aos que sob a sua direção trabalham por esse desenvolvimento e esse progresso, as missões que lhes caibam desempenhar, quer como Espíritos errantes, quer como encarnados, e determina a natureza e o termo de cada missão, sob a inspiração do Senhor onipotente, com quem se acha, constantemente, em relação direta.

É assim que tudo o que é do pai é de Jesus e que o Espírito da Verdade recebe do que é dele e vo-lo anuncia.

O Espírito da Verdade glorifica a Jesus e o glorificará cada vez mais. A missão dos Espíritos que recebem de Jesus uma delegação não consiste em vos fazer compreender a lei de Deus e os meios de cumpri-la? A glória de Jesus em que consiste, senão no vosso progresso e no desenvolvimento deste pelo praticardes a moral que ele pregou e que o Espírito da Verdade vem e virá incitar-vos a seguir, explicando-a em espírito e verdade, e pelo acelerardes a vossa marcha progressiva, tornando-a cada vez mais rápida na senda da caridade e do amor, da luz, da ciência, senda na qual o "Espírito da Verdade" vem e virá ajudar-vos a avançar? 469

CAPÍTULO XVI Vv. 16-22

Jesus promete a seus discípulos a alegria após a tristeza

V. 16. Ainda um pouco de tempo e não mais me vereis; ainda um pouco de tempo e me vereis, porque vou para meu pai. — 17. Ouvindo isso, disseram seus discípulos uns para os outros: Que quer ele dizer com isto: Ainda um pouco de tempo e não mais me vereis; ainda um pouco de tempo e me vereis, porque vou para meu pai? — 18. Diziam, então: Que significa o que ele diz: Ainda um pouco de tempo? Não sabemos o que quer dizer. — 19. Conhecendo Jesus que eles o queriam interrogar acerca das suas palavras, disse-lhes: Perguntais uns aos outros que é o que vos quis significar quando disse: Ainda um pouco de tempo e não mais me vereis; ainda um pouco de tempo e me vereis. — 20. Em verdade, em verdade vos digo: Chorareis e gemereis e o mundo rejubilará; estareis tristes, mas a vossa tristeza se mudará em alegria. — 21. A mulher, quando dá à luz, se acha em aflição, porque é chegada a sua hora; mas, depois de haver dado à luz um filho, não mais se lembra dos sofrimentos passados, tal a sua alegria por haver dado um homem ao mundo. — 22. Assim é também que vós outros estais cheios de tristeza; eu, porém, vos tornarei a ver, o vosso coração se alegrará e a vossa alegria ninguém vo-la tirará.

N. 54. Como deveis perceber, dizendo: "Ainda um pouco de tempo e não mais me vereis; ainda um pouco de tempo e me vereis, porque vou para meu pai", Jesus alude à sua morte aparente, à sua reaparição entre os discípulos e ao seu regresso à condição espiritual que lhe era própria, na imensidade, junto do pai, na época chamada da ascensão.

Não são explícitas as palavras com que respondeu à questão que lhe dirigiram alguns dos dis- 470

cípulos. É que queria que só depois do seu sacrifício fossem elas compreendidas e que lhes fizessem viva impressão no espírito quando, ocorridos os fatos, as recordassem. 471

CAPÍTULO XVI Vv. 23-33

Promessas de Jesus a seus discípulos. — Predições que lhes faz. — Atesta, sob o véu da letra, sua origem e sua posição espírita. — Declara que venceu o mundo

V. 23. E nesse dia nada mais me perguntareis. Em verdade, em verdade vos digo: Se alguma coisa pedirdes a meu pai em meu nome, ele vo-la dará. — 24. Até agora nada pedistes em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja plena e perfeita. — 25. Tenho-vos dito estas coisas por parábolas. Vem a hora em que não mais vos falarei por parábolas, em que claramente vos falarei de meu pai. — 26. Nesse dia, pedireis em meu nome; e não vos digo que rogarei por vós a meu pai; — 27, pois meu pai vos ama, porque me amastes e crestes que saí de Deus. — 28. Sai de meu pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e volto para meu pai. — 29. Disseram-lhe seus discípulos: "Eis que agora falas claramente e não usas de nenhuma parábola. — 30. Neste momento vemos bem que tudo sabes e que não precisas que ninguém te interrogue. Por isto cremos que saíste de Deus." — 31. Respondeu-lhes Jesus: Credes agora. — 32. Vem o tempo, e já veio, em que sereis dispersos cada um para seu lado e me deixareis só. Eu, porém, não estarei só, porque meu pai estará comigo. — 33. Disse-vos estas coisas, a fim de que acheis a paz em mim. Muitas aflições tereis que sofrer no mundo; mas, tende confiança, eu venci o mundo.

N. 55. Perfeitamente compreensíveis são estes versículos. As explicações que já recebestes vos dão a inteligência deles segundo o espírito.

(Vv. 23-24.) Com o fim de certificá-los do poder de que a fé os faria dispor, Jesus repete mais uma vez estas palavras, cujo sentido já vos fizemos conhecer: "Pedi em meu nome a meu pai alguma coisa e ele vo-la concederá; pedi e recebereis." 472

(Vv. 25-26.) Dizendo o que consta destes versículos, Jesus aludia à época em que os apóstolos se teriam despojado da carne e ao progresso que os aguardava após a desencarnação, época em que deixariam de receber ensinos mais ou menos velados, como os que lhes ele havia dado até então, para recebê-los proporcionados ao grau de elevação que houvessem alcançado, época em que colheriam os frutos do progresso que o feliz desempenho da missão que tomaram sobre si lhes granjearia.

Voltando à natureza espiritual que lhes era própria, receberiam a inspiração divina, dentro da ordem hierárquica, e progrediriam sob a influência e a direção do Mestre.

Assim entendidas em espírito e verdade e traduzindo o seu pensamento integral, essas palavras de Jesus se aplicam a todo Espírito que tenha, como os discípulos, cumprido dignamente suas obrigações terrenas, o qual também, ao voltar para o espaço, colherá os frutos do seu progresso, aproximando-se cada vez mais dele, para mais diretamente receber os seus ensinos.

(Vv. 27-28.) Os discípulos gozavam da proteção do Senhor, porque haviam escutado a palavra de Jesus e a tinham guardado para espalhá-la na Terra pela palavra e pelo exemplo; porque tinham crido na sua missão divina e na sua origem celeste, muito embora não se dessem conta exata dessa origem.

Dizendo: "Saí de Deus; saí de meu pai e vim ao mundo; agora deixo o mundo e volto para meu pai", Jesus, sob o véu da letra, dá testemunho da sua elevação espírita, da sua natureza e da sua origem extra-humanas; da natureza extra-humana de que se revestira nas regiões etéreas para desempenhar sua missão terrena. Dando testemunho dessa missão, ele lhe anuncia o termo e o seu regresso àquelas regiões donde descera, sua volta, portanto, na época chamada da ascensão, à natureza espiritual que lhe era própria e que o põe constantemente em comunicação direta com o pai. 473

(Vv. 29-30-31.) Aqui, há, como sempre, em as palavras de Jesus, no que se refere à sua origem, à sua natureza, à sua posição e às suas relações com Deus e com o vosso planeta, de um lado a letra, de outro o espírito.

Foi a letra, apropriada à inteligência deles e a suas faculdades como encarnados, às necessidades daquela época e dos tempos que se seguiriam até aos vossos dias, em que a nova revelação se tornou necessária e vos é trazida, de acordo com as vontades do Senhor, que levou os discípulos a proferirem, num tom afirmativo, as palavras que a narração evangélica menciona. Eles não podiam ter noção exata da origem do Mestre. Criam-no saído de Deus, embora sem nenhuma idéia assentada acerca da divindade que lhe viria a ser atribuída. Só mais tarde se fixaram sobre isso, como sendo o que melhor explicava o poder e a virtude do Mestre, uma vez que ignoravam o sentido das suas palavras, verdadeiro segundo o espírito e oculto segundo a letra.

(Vv. 32-33.) A seus discípulos prediz Jesus que, quando da sua prisão, da sua condenação e do seu sacrifício, eles se dispersariam. Prediz-lhes igualmente as perseguições, as dores físicas e morais que os esperavam no cumprimento da missão que iam desempenhar.

"Mas, tende confiança, diz-lhes, eu venci o mundo." Desempenhando a sua missão, Jesus venceu o mundo, porquanto estabeleceu as bases, os elementos e os meios da regeneração humana, que predisse e prometeu seria realizada pelo "Espírito da Verdade", sob a sua impulsão e direção, segundo as vontades do Senhor, e por ele próprio, voltando ao vosso planeta, quando depurado, para conduzir as criaturas, igualmente depuradas, à perfeição. 474

CAPÍTULO XVII Vv. 1-26

Palavras que Jesus dirige ao pai — diante de seus discípulos — do ponto de vista da unidade e da indivisibilidade de Deus, da natureza e da importância da missão que lhe foi confiada com relação ao nosso planeta e à sua humanidade; do ponto de vista da missão dos discípulos e dos progressos futuros que os aguardam após o cumprimento fiel dessa missão e que aguardam a todos os que lhes caminharem nas pegadas

V. 1. Assim falou Jesus. Depois, levantou os olhos ao céu e disse: Meu pai, é chegada a hora; glorifica a teu filho, para que teu filho te glorifique a ti, — 2, assim como lhe deste poder sobre todos os homens a fim de que ele dê a vida eterna aos que lhe deste. — 3. Ora, a vida eterna consiste em te conhecer a ti, que és o único Deus verdadeiro, e a Jesus-Cristo, que tu enviaste. — 4. Eu te glorifiquei na terra; acabei a obra de que me encarregaste. — 5. Agora, tu, meu pai, glorifica-me a mim em ti mesmo, com aquela glória que tive em ti, antes que o mundo fosse. — 6. Fiz o teu nome conhecido dos homens que me deste separando-os do mundo. Eles eram teus e tu mos deste; e eles guardaram a tua palavra. — 7. Sabem agora que tudo o que me deste vem de ti, — 8, porque lhes dei as palavras que me deste e eles as receberam e reconheceram que verdadeiramente eu sai de ti e creram que tu me enviaste. — 9. É por eles que rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus. — 10. Tudo o que é meu é teu e tudo o que é teu é meu e eu sou glorificado com eles. — 11. Já não sou mais do mundo; eles, porém, ainda estão no mundo; e eu volto a ti. Pai santo, conserva em teu nome aqueles que me deste, a fim de que sejam um como nós. — 12. Quando estava com eles, eu os conservava em teu nome. Guardei os que me deste e ne- 475

nhum se perdeu; nenhum se perdeu, a não ser o que era filho da perdição, a fim de que a Escritura se cumprisse. — 13. Mas, agora, venho a ti e digo estas coisas estando ainda no mundo, para que eles tenham em si a plenitude do meu júbilo. — 14. Dei-lhes a tua palavra e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como eu também não sou do mundo. — 15. Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. — 16. Eles não são do mundo, como eu mesmo não sou do mundo. — 17. Santifica-os na verdade. A tua palavra é a verdade. — 18. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. — 19. E por eles eu me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. — 20. Não rogo por eles somente; rogo igualmente por aqueles que hão de crer em mim pela palavra deles, — 21, a fim de que todos sejam um, como tu, meu pai, és em mim e eu em ti; a fim de que sejam do mesmo modo um em nós; a fim de que o mundo creia que tu me enviaste. — 22. Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um. — 23. Estou neles e tu estás em mim, para que sejam consumados na unidade e o mundo conheça que me enviaste e que os tens amado como me amaste a mim. — 24. Meu pai, quero que lá onde estou estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a glória que me deste, porque me amaste antes da criação do mundo. — 25. Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci e estes conheceram que tu me enviaste. — 26. Fiz-lhes conhecer o teu nome e ainda farei que o conheçam, para que o amor com que me tens amado esteja neles e eu mesmo neles esteja.

N. 56. Estas palavras, que Jesus pronunciou em voz alta, foram ditas com o objetivo de tocar a imaginação dos que o escutavam, pois tinham que se lhes gravar na memória, a fim de que, mediante a inspiração que as faria lembradas com exatidão, servissem para o cumprimento da missão dos apóstolos e de seus imitadores, naquela época e no futuro, fossem transmitidas às gerações vindouras, através dos séculos de séculos, e constituíssem um ensinamento para os homens.

Elas são da mais alta importância, do ponto de 476

vista da nova revelação, que as vem explicar em espírito e em verdade.

(Vv. 1-2-3.) Jesus declara chegada a hora do sacrifício que tem de cumprir-se para o progresso dos homens, cuja direção ele aceitou desde a origem do mundo, a fim de lhes dar a vida eterna, isto é, a vida dos puros Espíritos. Pede a Deus que permita se cumpra esse sacrifício, que é uma das fases da missão terrena de que ele se encarregou, para impelir os homens ao arrependimento e ao progresso universal.

Dá, mais uma vez, testemunho da unidade individual do pai, dizendo: "Tu, que és o único Deus verdadeiro", e repele, assim, de antemão, a divindade que os homens lhe haviam de atribuir e atribuíram.

Dá também, mais uma vez, testemunho da sua missão relativamente ao vosso planeta e à humanidade terrena, dizendo que "poder lhe foi conferido pelo pai sobre todos os homens, para que ele desse a vida eterna aos que o pai lhe dera", isto é, a todos os Espíritos que, como seus fiéis discípulos, forem e vierem a ser de boa-vontade na escolha de suas provas, de suas missões e no cumprimento dessas provas, dessas missões quando encarnados. E acrescenta: "Ora, a vida eterna consiste em te conhecer a ti — que és o único Deus verdadeiro, e em conhecer a Jesus-Cristo, que tu enviaste."

Ter a vida eterna, que consiste em conhecer ao pai, é compreender a essência de Deus; é, pela perfeição alcançada, pela pureza perfeita, que só elas permitem que a criatura se aproxime de Deus, estar em comunicação direta com ele, iniciando-se, assim, cada vez mais, no objetivo e nos segredos da vontade divina; é, vivendo a vida eterna dos puros Espíritos, progredir eternamente em ciência universal, na atividade incessante das obras e das missões.

Mas, para que o Espírito tenha, dessa forma, a vida eterna, que consiste em conhecer ao pai, necessário também se faz que previamente conheça a 477

Jesus-Cristo, que o pai enviou. Quer dizer: necessário é que conheça a essência, a origem, a natureza de Jesus, sua missão referente ao planeta e à humanidade terrenos e os frutos que ela havia e há de produzir por si mesma e pelo cumprimento das promessas e predições que contém. É necessário ainda que adquira a pureza e a perfeição, sem as quais não poderá aproximar-se de Jesus; estar, por efeito dessa pureza e dessa perfeição adquiridas, em relação direta com ele e ser por ele conduzido à vida dos puros Espíritos, porquanto ele é o único encarregado, no tocante ao vosso planeta, do desenvolvimento e do progresso dos homens e de os levar à perfeição, de lhes dar a vida eterna, que consiste em conhecê-lo e em conhecer ao pai.

(Vv. 4-5.) Jesus declara que chegara ao termo a sua missão pública de ensinar aos homens. Ele glorificou a Deus na terra, traçando para a humanidade as sendas do progresso, da purificação e da regeneração, que hão de conduzir os homens ao pai.

Dizendo: "Agora, tu meu pai, glorifica-me a mim em ti mesmo, com aquela glória que tive em ti antes que o mundo fosse", alude ao sacrifício do Gólgota, que vai consumar-se como coroamento e sanção da sua missão pública entre os homens, e à maneira por que esse sacrifício se consumará. Alude à sua morte, que os homens considerariam real, pois que isso constituía condição e meio indispensáveis ao progresso deles, de conformidade com o que o exigiam os tempos e o estado das inteligências, mas que não podia ser e não seria senão aparente, visto que no Gólgota ele era o que já era antes que o mundo fosse, isto é, antes da formação do vosso planeta: Espírito de pureza perfeita e imaculada, sempre Espírito, debaixo de um envoltório fluídico de natureza perispirítica, em estado de tangibilidade.

Não percais de vista as palavras que anteriormente dissera e cuja explicação já recebestes: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma tira; sou eu que a deixo por mim mesmo; tenho o poder de a dei- 478

xar e tenho o poder de a retomar; é este o mandamento que recebi de meu pai." (Cap. X, vv. 17-18.)

(Vv. 6-7-8.) Jesus comprova que deu a seus discípulos, assim como a todos os homens que se conservaram fiéis, o conhecimento de Deus, na medida correspondente às necessidades da época. Comprova que seus discípulos e todos os que se conservaram fiéis, porque haviam sido dóceis aos conselhos de seus guias na escolha de suas provas, de suas missões, e estavam purificados bastante para bem as desempenharem, lhe escutaram a palavra e seguiram a moral que ele pregou e os ensinos que Deus o encarregara de transmitir aos homens, reconheceram a sua qualidade de enviado do pai, sua elevação espírita e sua missão, embora, como já temos dito, sem se darem conta exata dessa missão.

(Vv. 9-10-11.) Os discípulos tinham ainda rudes provas a suportar. (Não falamos, bem o sabeis, de provas, do ponto de vista da expiação.) É para fortalecê-los que Jesus profere as palavras constantes destes versículos e cujo sentido, segundo o espírito, podeis penetrar, mediante as explicações já dadas sobre textos análogos.

A palavra "prece" pode e tem que ser considerada de diversos pontos de vista. Ao ouvido do homem, ela ressoa como a promessa de um amparo, de uma atração, de proteção divina.

Do ponto de vista espiritual, a prece é uma emanação dos mais puros fluídos, por meio da qual amparo e força recebem, mesmo a seu mau grado, aqueles a favor de quem é ela feita. É uma magnetização moral, que se opera a distância e da qual muito dificilmente vos podeis inteirar. Compreensível, entretanto, deve ser essa expressão — "magnetização moral" — para os que hão estudado e admitem a ação dos fluidos magnéticos. Que ação exerce o magnetizador que, por efeito da sua simples vontade, emite fluidos que envolvem um paciente e lhe dão força ou o condenam à inércia, lhe rasgam novos horizontes ou o mergulham em trevas, lhe 479

abrandam as dores, ou fazem que experimente sofrimentos fictícios?

Pois bem! A prece é, de um ponto de vista mais alto, o mesmo princípio em ação.

A alma, por efeito da sua vontade e do seu amor a elevar-se ao trono do Eterno, emite fluidos sutis que envolvem aquele ou aqueles em favor de quem a prece é dirigida ao Senhor. E esses fluidos têm a propriedade de fortificar a alma sofredora, de esclarecê-la, de a instruir. Sua ação, porém, é mais forte sobre a alma desprendida do que sobre o Espírito encarnado. A este a matéria torna difícil experimentar os benéficos efeitos da prece, os quais, entretanto, não ficam perdidos. Uma vez desencarnado, o Espírito aproveita sempre do socorro que lhe foi insuficiente durante a encarnação.

Dizendo, com referência a seus discípulos: "a fim de que sejam um como nós", Jesus lhes faz compreender que entre eles deve haver comunhão de pensamento, como entre ele e o pai, a fim de que sejam entre si um pelo pensamento, como ele e o pai são um, também pelo pensamento.

(V. 12.) Diz Jesus, falando de Judas, a quem designa pelo apelido de — filho da perdição: "Nenhum deles se perdeu, a não ser o que era filho da perdição, a fim de que a Escritura se cumprisse." Lembrai-vos do que já dissemos a este respeito. Sabido era de antemão que Judas não teria forças para resistir à prova que pedira. Fora disso prevenido por Seus guias, mas o orgulho o levara a persistir. Permitiu-se-lhe então tentar a prova. Eis como ele era "um filho da perdição, a fim de que a Escritura se cumprisse".

(V. 13.) Antes que se consumasse o sacrifício do Gólgota, Jesus insiste ainda uma vez na predição, que já fizera, da traição de Judas, para que, lembrando-se do que lhes ele dissera, os discípulos fiéis achassem nas suas palavras mais uma garantia acerca da missão que desempenhara e um apoio nas vicissitudes em que se iam encontrar. 480

(Vv. 14-15-16.) Os apóstolos "não eram do mundo", por serem, pelos seus sentimentos, Espíritos mais elevados do que os outros então encarnados, os quais, mais atrasados do que eles, os "odiavam", não por causa de suas personalidades, mas por causa da palavra de Deus que eles haviam recebido do Mestre, do Mestre que, também e com muito mais forte razão, não era do mundo, porquanto era Espírito de pureza perfeita e imaculada, a desempenhar uma missão superior, e que, atentos os frutos que esta havia de produzir, se dirigia mais às gerações futuras e sobretudo ao tempo da era nova que se abre diante de vós, do que aos homens daquela época.

(V. 17.) Ele pede a Deus que os santifique, isto é, que os faça progredir na verdade, adquirindo o conhecimento da que lhes compete espalhar. "Tua palavra, diz Jesus dirigindo-se ao pai, é a verdade." A palavra de Deus, a que os seus mensageiros, quer como Espíritos errantes, quer como encarnados, transmitem à humanidade, sempre deu, dá e dará ao homem, de acordo com as épocas, a verdade que ele deva conhecer, até que o Mestre volte ao vosso planeta, conforme predisse e prometeu, para mostrar a verdade sem véu.

(Vv. 18-19.) Assim como recebera uma missão a desempenhar na Terra, Jesus permitira que os Espíritos fiéis igualmente baixassem em missão a esse planeta, correspondendo esta ao grau de adiantamento de cada um. E o progresso, a santificação era, para todos, relativa às suas missões e ao modo por que as desempenhavam. Dizemos — para todos, porque, como sabeis, pelo que já dissemos, o Espírito por mais adiantado que seja, tem eternamente o que adquirir em ciência universal, sem que jamais possa igualar a Deus. E o progresso, mesmo para os puros Espíritos, qualquer que seja a superioridade a que hajam chegado em ciência universal, é o prêmio, a recompensa das obras e missões mediante as quais tenham, na imensidade, assim com referência à matéria, como com relação à inteligência, feito pro- 481

gredir seus irmãos, errantes e encarnados, em todos os graus, tanto na ordem material, quanto na ordem fluídica e na espiritual.

(V. 20.) Dizendo: Não rogo por eles somente, mas também pelos que hão de crer em mim pela palavra deles", Jesus faz saber ao mundo que o que acabava de dizer e o que ainda diria, relativamente a seus apóstolos, se aplica a todos os que, ouvindo-lhes a palavra, os ensinamentos, crerem na sua missão, aceitarem e seguirem a moral que ele pregou e se tornarem desse modo seus imitadores e, conseguintemente, imitadores de seus discípulos; a todos os que, de futuro, pregarem o bem, tanto pelo exemplo, quanto pela palavra.

Jesus promete a todos os homens de boa-vontade, como a seus apóstolos, e relativamente a cada época, a verdade que devam conhecer e bem assim o progresso, a depuração, pelas provas e missões fielmente cumpridas.

(V. 21.) "A fim de que todos, unindo-se pelo amor e pela abnegação, sejam um pelo pensamento, como, pelo pensamento, Deus é um com ele, Jesus; a fim de que, do mesmo modo, sejam um em Deus e nele, pela purificação, que aproxima cada vez mais a criatura do seu criador, pela inspiração divina, que Jesus recebe diretamente do pai e transmite, hierarquicamente, até eles, a fim de que o mundo creia que o Cristo foi o enviado de Deus e creia, pois, na sua missão."

(V. 22.) "Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um." Isto dizendo, alude Jesus ao conhecimento, por ele dado a seus discípulos, da sua origem e da sua missão, da unidade de pensamento que existe entre o pai e ele. Alude também à influência que esse conhecimento há de exercer nas relações dos discípulos entre si.

Sabeis que ele muitas vezes lhes falou do poder que exerce sobre o planeta terreno, da proximidade, em que se acha, do Senhor onipotente, de suas relações com este. 482

Deu aos discípulos o conhecimento da sua origem e da sua missão, a fim de que eles fossem um pelo pensamento, como o pai e ele são um do mesmo modo.

(V. 23.) Dizendo: "Estou neles e tu estás em mim, a fim de que sejam consumados na unidade e que o mundo conheça que tu me enviaste e que os tens amado como me amaste a mim", o pensamento que Jesus exprime é o de que, inspirado e guiado pelo Senhor onipotente, ele inspira e guia seus discípulos e todos os homens que, como estes, forem de boa-vontade, no cumprimento de suas provas, ou missões, e na senda do progresso, a fim de que, unidos pela comunhão de pensamento, em amor e em dedicação entre si e aos seus irmãos, cheguem todos ao mesmo grau de purificação, pois a unidade dos Espíritos é a igualdade na pureza; e a fim também de que o mundo reconheça que ele foi o enviado do pai e reconheça cada vez melhor a sua missão e que a graça divina, que sobre ele se derramou, se estendeu igualmente aos discípulos, isto é: que o Senhor onipotente os ajudou no desempenho de suas tarefas e lhes concedeu, para que progredissem, os meios compatíveis com o grau de purificação que já haviam alcançado. Assim é que Deus os amou, como amou a Jesus.

O termo amar, tratando-se do Criador, se entende do ponto de vista da purificação do Espírito e em relação ao grau de pureza já por este atingido. A graça divina se estende, igualmente, sobre todos os Espíritos que chegaram ao mesmo ponto, quanto à sua libertação da matéria e das influências desta.

V. 24. Meu pai, quero que lá onde estou estejam comigo aqueles que me deste, para que contemplem a glória que me deste, porque me amaste antes da criação do mundo.

Não esqueçais que esta prece, como dissemos no começo, Jesus a fez em voz alta. O desejo que expressou com essas palavras significa que quer 483

sustentar os Espíritos devotados, os discípulos e os que, como estes, caminhando perseverantemente pela senda que ele traçou com a sua moral, seus ensinos e seus exemplos de amor, de humildade, de desinteresse e de caridade, buscam a luz, a ciência e a verdade, a fim de encaminharem os homens para o arrependimento e para o progresso universal. Significa que os quer sustentar, a fim de que, cumprida a tarefa, possam, pelas provas e missões, subir de progresso em progresso até ele.

Aos Espíritos, em chegando às regiões donde Jesus preside ao progresso do planeta e da humanidade terrenos, será dado contemplarem a sua glória. E todos se esforçarão cada vez mais por imitá-lo e por se unir no seu amor e no seu devotamento.

O Espírito protetor de um planeta é, como sabeis, anterior à sua criação e ao tempo desta já se acha investido na confiança do Criador.

Essa missão ele a obtém como recompensa dos progressos que realizou em ciência universal e como incentivo para novos progressos nesse campo.

Dizendo: "A glória que me deste, porque me amaste antes da criação do mundo", Jesus alude à missão, que Deus lhe confiara, de protetor do vosso planeta, às fases dessa missão, aos frutos que há de dar, mediante o progresso tanto da matéria como da inteligência, desde o instante em que ele presidiu à formação do mesmo planeta, fazendo-o sair dos fluidos incandescentes, até os dias da sua depuração, da sua transformação completa e da sua ascensão às regiões fluídicas puras.

Tal, em espírito e verdade, a glória que Deus deu a Jesus, deferindo-lhe a missão de fundador, protetor e governador do planeta terreno, porque depositava nele confiança, já antes de criar os materiais, os elementos constitutivos desse globo. Deus nele confiava porque, sendo um Espírito de pureza perfeita e imaculada, era, por efeito dos conhecimentos que já adquirira, dos progressos que realizara em ciência universal, capaz de desempenhar 484

aquela missão, que constituía para ele, como para todo Espírito protetor de planeta, conforme o temos dito, uma recompensa, um incitamento.

Concluindo, devemos chamar a vossa atenção para estas palavras do Mestre, constantes do v. 24: "que lá onde estou estejam comigo aqueles que me deste..."

Ele não diz: "lá para onde vou", mas, sim: "lá onde estou", atestando assim, mais uma vez, sua natureza extra-humana, que lhe permite, sendo sempre Espírito debaixo daquele invólucro fluídico, de natureza perispirítica, em estado de tangibilidade, ser habitante livre das regiões etéreas, onde tem o trono da sua glória de protetor do planeta terráqueo, e não habitante da Terra, como o homem, que a esta se conserva preso pela encarnação humana material.

V. 25. Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci e estes conheceram que tu me enviaste.

Jesus, por esta forma, comprova: que os homens não compreenderam a Deus em sua essência, nem compreenderam o objetivo e os desígnios secretos da sua providência, através da missão que lhe confiou; que ele conheceu a Deus, compreendendo-lhe a essência, o objetivo e os desígnios da sua vontade, por estar em relação direta com ele; e que seus discípulos compreenderam ser ele o enviado de Deus e lhe reconheceram a missão.

V. 26. Fiz-lhes conhecer o teu nome e ainda farei que o conheçam, para que o amor com que me tens amado esteja neles e eu mesmo neles esteja.

Servindo-se destas palavras, Jesus declara que o conhecimento de Deus, por ele dado a seus discípulos, aos homens, não estava completo, pois promete que os fará conhecê-lo ainda mais.

Sim, Jesus deu a seus apóstolos e aos homens o conhecimento de Deus, mas incompleto. Esse co- 485

nhecimento ele o vai ampliando cada vez mais, à medida que os homens se depuram e progridem, a fim de que cheguem progressivamente à perfeição que ele conquistou pelas suas obras e, assim, a estar com ele em relação direta, quando se houverem purificado bastante para até a ele subirem. 486

CAPÍTULO XVIII Vv. 1-14

Jesus vai, com seus discípulos, para o jardim situado além da ribeira do Cedron. — Sua prisão. — Circunstâncias relativas a essa prisão. — Palavras que ele dirige aos que acabavam de deitar-lhe a mão. — Palavras que dirige a Pedro, quando este, servindo-se da sua espada, fere a Malco na orelha direita. — Jesus é preso e conduzido a Anás e daí a Caifás

V. 1. Tendo dito essas coisas, Jesus foi, com seus discípulos, para além da ribeira do Cedron, onde havia um horto, no qual entraram ele e seus discípulos. — 2. Judas, que o traía, conhecia também esse lugar, porque Jesus lá fora muitas vezes com seus discípulos. — 3. Judas, pois, tendo tomado consigo uma coorte de quadrilheiros que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus puseram à sua disposição, ali veio com lanternas, archotes e armas. — 4. Mas Jesus, que sabia de tudo o que havia de acontecer, saiu-lhes ao encontro e lhes disse: A quem buscais? — 5. Responderam: A Jesus de Nazaré. Jesus lhes disse: Sou eu. Ora, Judas, que o traía, estava também com eles. — 6. Apenas Jesus lhes disse: Sou eu, eles recuaram e caíram por terra. — 7. Perguntou-lhes segunda vez: A quem buscais? Responderam: A Jesus de Nazaré. — 8. Jesus lhes replicou: Já vos disse que sou eu. Se, pois, a mim é que buscais, deixai ir estes. — 9. A fim de que se cumprisse esta palavra que por ele fora dita: "Não perdi nenhum dos que me deste." — 10. Então, Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu um servo do pontífice e lhe cortou a orelha direita. Esse homem se chamava Malco. — 11. Jesus disse a Pedro: Mete a tua espada na bainha. Não tenho que beber o cálice que meu pai me deu? — 12. Então, os soldados, com o tribuno que os comandava e os quadrilheiros prenderam a Jesus e o amarraram. — 13. Levaram-no primeiramente a Anás, porque era sogro de Caifás, que era o pontífice naquele ano. — 14. Caifás era o que havia dito, 487

como conselho aos Judeus, que mais convinha morresse um só homem por todo o povo.

N. 57. Nos comentários feitos aos três primeiros Evangelhos (págs. 424-429, do 3° tomo) já vos foram dadas as explicações necessárias sobre estes fatos. Reportai-vos a essas explicações. 488

CAPÍTULO XVIII Vv. 15-27

Pedro em casa de Caifás. — Jesus é interrogado pelo pontífice. — Resposta que lhe dá. — Recebe uma bofetada. — Palavras que dirige ao que o esbofeteou. — Negação de Pedro

V. 15. Entretanto, Simão Pedro seguiu a Jesus, assim como um outro discípulo que, sendo conhecido do pontífice, entrou com Jesus no pátio da casa do mesmo pontífice. — 16. Pedro, porém, ficou do lado de fora, à porta. Então, o outro discípulo que era conhecido do pontífice saiu e falou à porteira e esta fez que Pedro entrasse. — 17. Essa criada, que era a porteira, perguntou a Pedro: Não és tu também dos discípulos deste homem? Ele respondeu: Não sou. — 18. Os servos e os quadrilheiros que prenderam a Jesus estavam junto do lume a se aquecerem, porque fazia frio. Com eles estava também Pedro, de pé, a se aquecer. — 19. Entretanto, o pontífice interrogou a Jesus acerca de seus discípulos e da sua doutrina. — 20. Jesus lhe respondeu: Falei publicamente a todo mundo; sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem todos os Judeus. Nada disse às ocultas. — 21. Porque, pois, me interrogas? Interroga os que me ouviram, para saberes o que lhes disse. Eles aí estão os que sabem o que lhes ensinei. — 22. Como ele dissesse isto, um dos oficiais ali presentes lhe deu uma bofetada, dizendo: É assim que respondes ao pontífice? — 23. Jesus lhe respondeu: Se falei mal, dize em que foi; mas, se falei bem, porque me bates? — 24. Anás o enviara manietado ao pontífice Caifás. — 25. Enquanto isso, Simão Pedro, de pé junto do lume, se aquecia. Disseram-lhe então alguns: Não és também dos seus discípulos? Ele negou, dizendo: Não sou. — 26. Então, um dos servos do pontífice, parente daquele a quem Pedro cortara a orelha, lhe disse: Não te vi eu no horto com ele? — 27. Pedro ainda uma vez negou e logo cantou o galo. 489

N. 58. A narrativa de João se explica e completa pelas dos três outros evangelistas. Nenhuma importância têm as divergências que se notam nas particularidades. Já recebestes a explicação destes fatos nos comentários sobre os três primeiros Evangelhos (39 tomo, págs. 430-433).

Temos que chamar a vossa atenção apenas para a resposta de Jesus ao oficial que o esbofeteou. Essa resposta, calma e digna, é um ensinamento que, como todos os que o Mestre lhes deu acerca do perdão das injúrias, das ofensas, dos mais fundos ultrajes, os homens precisam não perder de vista.

A todas as relações que mantenham entre si devem presidir sempre a razão, a ponderação, a reflexão, que conduzem à prática da justiça e da caridade. 490

CAPÍTULO XVIII Vv. 28-40

Jesus é levado da casa de Caifás à presença de Pilatos. — Seu reino não é deste mundo. — Seu reino não é agora deste mundo. — Ele é rei e por isto é que não veio ao mundo senão para dar testemunho da verdade. — Pilatos quer livrá-lo, mas os Judeus se opõem e preferem a libertação de Barrabás

V. 28. Levaram então Jesus da casa de Caifás ao pretório. Era manhã. E eles não entraram no pretório para não se macularem e poderem comer a páscoa. — 29. Pilatos veio fora ao encontro deles e lhes disse: De que crime acusais este homem? — 30. Responderam-lhe: Se ele não fosse um malfeitor, não to entregaríamos. — 31. Disse-lhes Pilatos: tomai-o vós mesmos e julgai-o segundo a vossa lei. Os Judeus, porém, lhe responderam: Não nos é a nós permitido dar a morte a ninguém. — 32. Para que se cumprisse o que Jesus havia dito quando designara de que morte havia de morrer. — 33. Pilatos, pois, entrou novamente para o pretório, fez vir à sua presença Jesus e lhe perguntou: És o rei dos Judeus? — 34. Respondeu-lhe Jesus: Dizes isto de ti mesmo, ou outros to disseram de mim? — 35. Replicou-lhe Pilatos: Sou porventura judeu? Os de tua nação e os príncipes dos sacerdotes te entregaram às minhas mãos. Que fizeste? — 36. Respondeu-lhe Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se deste mundo fosse o meu reino, certo os meus servidores combateriam para que eu não caísse nas mãos dos Judeus. Mas o meu reino não é agora deste mundo. — 37. Disse-lhe Pilatos: Então, és rei? Retrucou-lhe Jesus: Tu o dizes, sou rei. É por isso que nasci e vim a este mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que pertence à verdade escuta a minha voz. — 38. Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isso, saiu e foi ter outra vez com os Judeus e lhes disse: Não acho neste homem crime algum. — 39. É, porém, costume entre vós que se vos solte um criminoso pela festa da pás- 491

coa. Quereis que vos solte o rei dos Judeus? — 40. Então se puseram todos novamente a clamar: Não este, sim Barrabás. Ora, Barrabás era um ladrão.

N. 59. A narrativa de João, neste ponto, como em todos, não deve ser separada das dos três outros evangelistas, por isso que elas se explicam e completam mutuamente, quanto às particularidades. O fundo, com relação aos fatos, é, em todas, o mesmo. Cada narrador, como sabeis, escreveu dentro do quadro que lhe fora traçado pela inspiração mediúnica, mas conservando a independência própria da natureza que lhe era peculiar.

Não temos que vos dar senão algumas explicações especiais, visto que, quanto ao mais, estes versículos são perfeitamente compreensíveis.

Dizendo: "O meu reino não é deste mundo", põe Jesus em relevo a natureza espiritual da sua missão, inteiramente estranha a interesses materiais, a aspirações materiais.

Dizendo: "Agora, porém, o meu reino não é deste mundo", afirma, com o servir-se do vocábulo "agora", que dia virá em que o seu reino será deste mundo. Isso se dará quando, regenerados pela verdade, os homens houverem abandonado os atalhos que os extraviam e fazem voltar incessantemente ao mesmo ponto e houverem tomado com decisão a estrada do progresso, tendo a iluminá-la o facho da verdade sustentado pela fé.

Depois de ouvir de Jesus as palavras a que acabamos de nos referir, Pilatos lhe observa: "Então, és rei?" Ao que responde ele: "Tu o dizes, sou rei; e é por isso que nasci e vim a este mundo, para dar testemunho da verdade. Todo aquele que pertence à verdade, escuta a minha voz." Apresentando, com essa resposta, testemunho da sua realeza, Jesus confirma a autoridade que já dissera ter recebido de seu pai, antes que a Terra fosse criada. Refere-se, pois, desse modo, à sua autoridade de protetor e governador do vosso planeta. 492

"É por isso", quer dizer: porque é rei, rei do vosso planeta, na qualidade de seu protetor e governador, que ele aparecera na Terra, que viera ao mundo, para dar testemunho da verdade, testemunhando a autoridade que recebera do pai, antes que a Terra fosse criada; sancionando com a sua palavra o que, ao longo do passado até então, era obra de verdade; ministrando aos homens, pelo desempenho de sua missão, a verdade correspondente àquela época e ao futuro e destinada, conforme às suas promessas, a se patentear aos olhares do homem, à proporção que este se fosse mostrando capaz de a suportar e compreender; a se patentear sobretudo na era, que para vós se abre, do "Espírito da Verdade", época por ele predita e prometida.

"Todo aquele que pertence à verdade escuta a minha voz." E Pilatos lhe pergunta: "Que é a verdade?"

Reportai-vos às explicações por nós dadas (n. 47, vv. 4-5-6), a propósito destas palavras: "Eu sou o caminho, a verdade, a vida"; e às que demos (n. 48, v. 15; n. 49, vv. 25-26; n. 52, v. 26; n. 53, vv. 8, 11, 12 e 13), relativamente à missão do Espírito da Verdade, no passado e nos tempos atuais e futuros da nova era. Fazei-o e encontrareis a resposta à pergunta de Pilatos, sobre a qual Jesus guardou silêncio. Essa resposta o homem não era então capaz de a suportar e compreender. Só nos dias de hoje tinha que ser dada.

Pertence à verdade aquele que sabe que a verdade é relativa aos tempos e às necessidades das épocas; que é una, porém, mais ou menos encoberta, para só se ir mostrando na medida do que o homem possa suportar e compreender. Pertence à verdade aquele que sabe que, quanto mais o Espírito se eleva, tanto mais os véus da verdade se rasgam às suas vistas. Pertence à verdade aquele que sabe que esta é o conhecimento de todos os princípios, de ordem física, moral e intelectual, que conduzem a humanidade ao seu aperfeiçoamento, à 493

fraternidade, ao amor universal; que a levam a desprender-se da matéria; que desenvolvem nela sinceras aspirações ao espiritualismo, à espiritualidade. Pertence à verdade aquele que consagra seus cuidados, suas faculdades e seus esforços à aquisição, à propagação daquilo que, por essa forma, sabe ser a verdade.

Todo aquele que pertence assim à verdade escuta a voz de Jesus, pois que Jesus é "a verdade". Sua voz sempre se fez ouvir, em todas as épocas, antes da sua missão terrena, desde a origem dos tempos, pelos Espíritos do Senhor, seus mensageiros, pelos Espíritos em missão, sempre superiores aos meios humanos onde surgiram, dando a verdade correspondente às necessidades de cada época. Aquela voz se fez ouvir por ocasião da sua missão terrena, quando ele veio pessoalmente dar testemunho da verdade. Fez-se ouvir depois, quando esta foi ensinada e propagada pelos apóstolos e discípulos e mais tarde por esses Espíritos em missão a quem chamais homens de escol pela inteligência e pelo coração; gênios benfeitores da humanidade, assim no que respeita à ordem física, como no tocante à ordem moral e à ordem intelectual.

Aquela voz vai fazer-se ouvida ainda por intermédio do "Espírito da Verdade" que, nos tempos atuais e futuros da era nova que se inicia, vem ensinar e ensinará progressivamente toda a verdade, à proporção que a puderdes ir compreendendo. E, nos tempos preditos, quando para isso os messias ou enviados vos tiverem preparado, quando vos houverdes tornado capazes de recebê-la, ele virá mostrá-la sem véu. 494

CAPÍTULO XIX Vv. 1-7

Flagelação. — Coroa de espinhos. — Eis o homem. — Pedido de crucificação por parte dos Judeus

V. 1. Pilatos tomou então de Jesus e o mandou açoitar. — 2. E os soldados, tendo tecido uma coroa de espinhos, lha puseram na cabeça e o vestiram com um manto escarlate. — 3. E lhe vinham dizer: Eu te saúdo, rei dos Judeus; e lhe davam bofetadas. — 4. Pilatos mais uma vez saiu do pretório e disse aos Judeus: Eis que vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum. — 5. Saiu, pois, Jesus, trazendo uma coroa de espinhos e um manto escarlate. E Pilatos lhes disse: Eis aqui o homem. — 6. Mas, ao vê-lo, os príncipes dos sacerdotes e a sua gente se puseram a clamar: Crucificai-o! crucificai-o! Disse-lhes Pilatos: Tomai-o vós mesmos e crucificai-o, pois que nenhum crime acho nele. — 7. Responderam-lhe os Judeus: Temos uma lei e, segundo a nossa lei, ele deve morrer, porque se fez filho de Deus.

N. 60. Estes versículos não precisam de comentários. Temos que vos fazer notar apenas que, de acordo com a lei hebraica, o blasfemo incorria na pena de morte por lapidação. Os Judeus acusavam a Jesus de blasfemo, tomando ao pé da letra estas palavras por ele ditas, referindo-se a si mesmo — filho de Deus, palavras cujo sentido já muitas vezes explicamos, de conformidade com o pensamento daquele que as proferiu. Este sentido delas, porém, só pela nova revelação tinha que ser dado, quando fossem reveladas a origem e a natureza do Mestre e a sua posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta. 495

CAPÍTULO XIX Vv. 8-15

Silêncio de Jesus em face da pergunta que Pilatos lhe dirige. — Todo poder vem do Alto. — Os Judeus persistem em pedir a sua crucificação

V. 8. Quando ouviu essas palavras, Pilatos temeu ainda mais. — 9. E, entrando de novo no pretório, perguntou a Jesus: Donde és? Jesus, porém, não lhe deu resposta. — 10. Disse-lhe então Pilatos: Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te mandar pregar numa cruz e que tenho poder para te soltar? — 11. Respondeu-lhe Jesus: Nenhum poder terias sobre mim, se te não fosse dado do Alto. Por isso é que aquele que a ti me entregou se tornou culpado de um pecado maior. — 12. Dali por diante, procurava Pilatos um meio de soltá-lo. Mas os Judeus clamavam: Se soltas esse homem, não és amigo de César, pois todo aquele que se faz rei se declara contra César. — 13. Ouvindo essas palavras, Pilatos trouxe Jesus para fora do pretório e se sentou em seu tribunal, no lugar chamado em grego Litóstrotos e em hebraico Gabata. — 14. Era o dia da preparação da Páscoa, quase à hora sexta. Disse ele aos Judeus: Eis ai o vosso rei. — 15. Eles, porém, clamavam: Tira-o, tira-o do mundo. Crucifica-o. Pilatos lhes disse: Pois hei de crucificar o vosso rei? Responderam os príncipes dos sacerdotes: Não temos outro rei senão César.

N. 61. Também estes versículos não precisam de comentários. A narrativa de João, como já o temos dito, não deve ser insulada das outras três, porquanto elas se explicam e completam mutuamente.

Chamamos apenas a vossa atenção para esta resposta de Jesus a Pilatos:

Nenhum poder terias sobre mim, se te não fosse dado do Alto. Por isso é que aquele que a ti me entregou se tornou culpado de um pecado maior. 496

Jesus se refere à posição de Pilatos e à de Judas.

Judas tinha querido, como sabeis, desempenhar uma missão em que veio a falir, ao passo que Pilatos encarnara na ignorância dos acontecimentos que iam ocorrer, em condições, portanto, de seguir as suas tendências, sem haver assumido compromissos. A pedido seu, feito antes de encarnar, fora-lhe concedido ocupar uma posição importante. Tinha aquele fim a encarnação que escolhera.

Certamente que sobre Jesus ele nenhum poder teria tido, se o que naquele momento sucedia não estivesse dentro das condições a que tinha de obedecer a missão do Mestre.

O poder lhe havia sido dado do Alto, porque pelo Senhor é que lhe fora concedida a posição importante que ele ocupava e em virtude da qual o Mestre se achava em suas mãos. E Jesus estava em suas mãos, porque, tendo chegado a hora do sacrifício do Gólgota, para que esse sacrifício se consumasse, ele fora voluntariamente para o horto onde sabia que seria preso, onde cumpria que se deixasse prender, testemunhando o seu poder, antes que a prisão se houvesse efetuado, com o fazer que os guardas caíssem por terra.

NOTA DA EDITORA — Sobre os acontecimentos, recomendamos a leitura das obras — Há Dois Mil Anos e 50 Anos Depois, recebidas mediunicamente por Francisco Cândido Xavier. — W. 497

CAPÍTULO XIX Vv. 16-22

Jesus é entregue aos Judeus. — É conduzido ao Calvário. — Crucificação. — Inscrição feita por Pilatos e colocada no alto da cruz

V. 16. Então Pilatos lhes entregou Jesus para ser crucificado. Eles, pois, o tomaram e levaram. — 17. E, carregando a sua cruz, veio ele ao lugar que se chama Calvário e em hebreu Gólgota; — 18, onde o crucificaram e com ele dois mais, um de um lado, outro de outro lado, e no meio Jesus. — 19. Pilatos fez também uma inscrição, que mandou colocar no alto da cruz e na qual estavam escritas estas palavras: Jesus Nazareno, rei dos Judeus. — 20. Muitos Judeus leram esta inscrição, porquanto o lugar onde Jesus fora crucificado era próximo da cidade e a inscrição estava escrita em hebreu, em grego e em latim. — 21. Os príncipes dos sacerdotes disseram então a Pilatos: Não ponhas — rei dos Judeus, mas — que se disse rei dos Judeus. — 22. Pilatos lhes respondeu: O que escrevi, está escrito.

N. 62. Já explicamos, comentando os três primeiros Evangelhos, a significação destes fatos, com relação aos quais também não deveis isolar a narrativa de João das de Mateus, Marcos e Lucas, que todas se explicam e completam mutuamente.

Recusando modificar a inscrição, que compusera por inspiração, se bem que desta não tivesse consciência, Pilatos obedecia a um sentimento de orgulho, que lhe não consentia retroceder do que decidira. 498

CAPÍTULO XIX Vv. 23-27

As vestes. — A túnica. — A Virgem e João ao pé da cruz. — Palavras de Jesus a Maria e a João

V. 23. Os soldados, tendo-o crucificado, tomaram de suas vestes e as dividiram em quatro partes, uma para cada soldado. Tomaram também da túnica, mas, como não tivesse costura e fosse tecida de alto a baixo, — 24, disseram entre si: Não a rasguemos: deitemos sorte para ver quem a terá; a fim de que se cumprisse esta palavra da Escritura: Repartiram entre si as minhas vestes; deitaram sorte sobre a minha túnica. E, efetivamente, os soldados assim fizeram. — 25. Entretanto, estavam junto à cruz a mãe de Jesus e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cleofas, e Maria Madalena. — 26. Jesus, vendo sua mãe e ao lado dela o discípulo a quem ele amava, disse a sua mãe: Mulher, eis ai teu filho. — 27. Depois, disse ao discípulo: Eis ai tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a tomou ao seu cuidado.

N. 63. Nenhuma importância tem o fato relativo à túnica, que, segundo o uso, era feita de um tecido de fabricação humana. A singularidade notada nela, pelos que entre si repartiram as vestes de Jesus, proveio de uma influência magneto-espírita, que os impediu de ver as costuras da fazenda, supondo-a inconsútil.

A narração evangélica diz porque isso se deu. Foi "para que se cumprisse a palavra da Escritura."

O ato de Jesus recomendando João a Maria: "Mulher, eis ai teu filho" e recomendando Maria a João: "Eis ai tua mãe", foi um último testemunho palpável da sua solicitude pelos encarnados e uma homenagem aos sentimentos que devem animar os filhos com relação aos pais; que devem ligar, por meio da adoção, os membros da grande família humana. 499

CAPÍTULO XIX Vv. 28-37

Palavras de Jesus. — Jesus morre, no entender dos homens. — Ossos não quebrados. — Lado aberto

V. 28. Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava cumprido, disse, a fim de que se cumprisse uma outra palavra da Escritura: Tenho sede. — 29. Como estivesse ali um vaso cheio de vinagre, os soldados ensoparam no vinagre uma esponja, ataram-na a um hissopo e lha chegaram à boca. — 30. Jesus, tendo tomado o vinagre, disse: Tudo está consumado; e, deixando pender a cabeça, rendeu o Espírito. — 31. Os Judeus, para que os corpos não ficassem na cruz em dia de sábado, pois que estavam na véspera desse dia, na preparação para o sábado, que era dia de grande solenidade, pediram a Pilatos que lhes mandasse quebrar as pernas e tirá-los de lá. — 32. Vieram pois soldados que quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado. — 33. Depois, tendo vindo fazer o mesmo a Jesus, como vissem que já estava morto; não lhe quebraram as pernas. — 34. Um dos soldados, porém, lhe abriu o lado com uma lança e logo dali saíram sangue e água. — 35. E aquele que o viu dá disso testemunho e o seu testemunho é verdadeiro. E ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis, — 36, porquanto estas coisas foram feitas para que se cumprisse esta palavra da Escritura: Não lhe quebrareis osso algum. — 37. E também diz a Escritura noutro lugar: Verão o que traspassaram.

N. 64. Para que uma palavra da Escritura se cumprisse, Jesus diz: "Tenho sede." Aquele, a quem fora ordenado que quebrasse as pernas aos crucificados, não quebrou as de Jesus e um dos soldados lhe abriu o lado com uma lança. Também tais coisas se deram, declara a narração evangélica, para que se cumprisse estas outras palavras da Escri- 500

tura: "Não lhe quebrareis osso algum; verão o que traspassaram."

Tudo se encadeia nas revelações sucessivas e progressivas, nos acontecimentos, bem como nos progressos da humanidade. A Escritura é um laço que liga sempre o passado, o presente e o futuro, quanto ao ensino progressivo e gradual da verdade, sempre relativa aos tempos e às necessidades de cada época e dada sempre na medida do que o homem pode suportar e compreender, debaixo do véu que a cobre e que se vai rasgando à proporção que o Espírito se eleva.

Já dissemos, comentando os três primeiros Evangelhos: Jesus não bebeu o vinagre. E, a esse respeito, demos todas as explicações necessárias.

Convindo que os homens acreditassem ser realmente humana a natureza que lhe atribuíam e sendo, sobretudo, necessário que essa crença se mantivesse após o seu reaparecimento, cumpria que seus atos e palavras, por ocasião do sacrifício do Gólgota, fossem de molde a justificar essa crença, como foram antes da consumação desse sacrifício e depois de verificado o fato que se chamou a sua "ressurreição". Convinha que tal se desse, porque aquela crença constituía uma condição e um meio de aceitação e de êxito da sua missão terrena, uma garantia dos frutos que ela havia de produzir naquele momento e no futuro. Constituía condição e meio transitórios, mas previamente necessários, de efetuar-se, sob o império e o véu da letra, a capa do mistério e o prestígio do milagre, o progresso da humanidade, que, até aos tempos atuais da era nova, mais não poderia suportar nem compreender e que só nos dias de hoje, ainda, então, muito distantes, estaria apta a receber, pela nova revelação a explicação, em espírito e verdade, do que Jesus disse e fez.

Quanto às últimas palavras que ele pronunciou do alto da Cruz, também já as revelamos nos comentários sobre os três primeiros Evangelhos 501

(págs. 459-465 do 39 tomo). Nada mais temos que acrescentar.

Dentre os soldados que receberam o encargo de quebrar os ossos dos supliciados, o que tomou a si essa tarefa e a executou era um admirador de Jesus, mas que, por temor, ocultava seus sentimentos. Não quis, portanto, praticar com o corpo do Mestre, que ele acreditava estar bem morto, um ato que os Romanos, como outros povos da antiguidade, consideravam infamante. Quando mesmo, porém, aquele soldado não se houvesse abstido, por impulso próprio, de levar a efeito, no corpo de Jesus, a missão de que fora incumbido, teria sido desviado da prática do ato infamante, por meio da influência magneto-espírita, que lhe inspiraria o pensamento e a resolução de o não executar, por inútil, em um corpo que, a seus olhos, já era cadáver.

Um dos soldados, diz a narração evangélica, varou o lado do corpo de Jesus com uma lança e logo dali saíram sangue e água. Do ponto de vista em que vos mostramos Jesus, fazendo-vos a revelação, em espírito e verdade, da sua origem e da sua natureza extra-humana, da sua posição espírita com relação a Deus e ao planeta terreno, esse fato nada tem de espantoso. Jesus que, no entender dos homens, estava morto, deixara na cruz o seu corpo fluídico em estado de tangibilidade e com todas as aparências da morte humana, conservando reunidos, pela ação da sua potente vontade, os elementos que o constituíam. Aquele sangue e aquela água que lhe saíram do lado, logo após o lançaço, foram um efeito fluídico, idêntico, na aparência, para os olhares dos homens, ao efeito material que o golpe produziria num corpo humano.

Estas palavras da Escritura: Verão o que traspassaram, têm uma acepção geral. O pensamento que encerram é todo de ordem espiritual.

Os homens teriam de vê-lo, pelo pensamento, a ele, a vítima voluntária do Gólgota.

Os discípulos, após a sua "ressurreição", teriam 502

de vê-lo e de haurir, nas suas aparições e nas marcas daquele sacrifício, a confirmação da fé que possuíam e a força necessária para espalhá-la, não obstante as perseguições e mesmo diante do suplício extremo.

Essas palavras da Escritura eram também palavras ditas para ser compreendidas no futuro pelos soldados que haviam sido os instrumentos do sacrifício, bem como por todos os que a ele assistiram, ou o provocaram e fizeram que se consumasse. Todos, com efeito, são chamados a assistir ao segundo advento de Jesus, nos tempos por ele preditos. Mas, então, tantas encarnações terão passado sobre esses fatos, que a dolorosa lembrança deles se lhes terá atenuado pela reparação.

Não creiais que os que condenaram a Jesus sejam tidos por mais culpados do que os que condenaram Sócrates a beber cicuta ou que lapidaram os primeiros mártires. O crime é proporcional à inteligência daquele que o comete. Se, entre os fariseus, os principais Judeus e os príncipes dos sacerdotes houve muitos que condenaram o Justo conscientemente, para servir a baixos interesses humanos, também houve muitos que, Espíritos atrasados, acompanharam a corrente por ignorância.

Entre os que vivem e ainda discutem sob o domínio da letra e consideram a Jesus como tendo estado sujeito à morte, do mesmo modo que os homens do nosso planeta, revestido, como estes, de um envoltório humano material, muitos há que, incapazes de compreender e explicar a reaparição do mesmo Jesus chamada "ressurreição", pretenderam que ele não estava morto no Gólgota e que a prova disso é o fato de lhe haverem saído sangue e água do lado atingido pelo lançaço.

Nada disto tem objeto nem valor, diante da nova revelação referente à origem e à natureza de Jesus. E a explicação que vimos de dar é a única digna de prender a atenção dos homens. 503

Aos que tal pretendem, e colocando-vos no seu ponto de vista, podeis fazer notar que Jesus acabava de exalar o último suspiro e que o golpe de lança foi na região do corpo que, pela sua mesma posição e pelo gênero da morte que se dera, conserva mais calor e, conseguintemente, vida animal. Nada, pois, de surpreendente haveria em que o sangue, mesmo que fosse sangue humano, estivesse ainda suficientemente líquido para se apresentar nos bordos da ferida, separando-se das partes aquosas que contém e que dele se dissociam ao dar-se a coagulação.

A que resultado poderia semelhante opinião conduzir, perguntamos, colocados sempre no ponto de vista dos que a sustentam?

Pretenderão que o corpo do Mestre tenha sido depositado, cheio de vida, no sepulcro e que, havendo os esforços de alguns homens conseguido facilmente remover a pedra que fechava a entrada da gruta, ele haja podido sair de dentro desta?

Mas, por quem, em que momento, obedecendo a que intuitos, a que interesses, por que motivo e com que fim teria sido praticada essa fraude, da qual Jesus necessariamente seria cúmplice?

Como é que tais homens, que ninguém diz quais foram, houveram podido, durante a execução do trabalho de remover a pedra, de retirar o corpo, de chamá-lo à vida, escapar à vigilância ativa que ocultamente exerceram, no Gólgota e, depois, em torno do sepulcro, os príncipes dos sacerdotes, os maiorais dos Judeus, os fariseus, todos sabedores de que a ressurreição predita, anunciada, devia dar-se ao terceiro dia, ressurreição que consideravam impossível de verificar-se, senão como fruto de uma impostura, de uma fraude, mediante a subtração do corpo por mãos humanas?

Como teriam podido escapar àquela vigilância oculta, que havia de exercer-se até ao momento em que, passado o sábado, pudessem os sacerdotes 504

chumbar a pedra e pôr de guarda ao corpo, no sepulcro assim selado, os soldados romanos?

Porventura, esses, que, destruindo a auréola que brilhava em torno de Jesus, nem por isso deixam de reconhecer nele um homem superior pela sua inteligência e, sobretudo, pela pureza de seus sentimentos, admitem que, de um lado, houvesse ele, como homem, podido renunciar à propaganda que empreendera e, de outro, fazer-se cúmplice de uma felonia?

Acresce que, a um homem como vós outros, a um homem do povo, sem educação, sujeito às fraquezas da humanidade, aos preconceitos do seu tempo, seria necessário, não só um grande discernimento, um extraordinário conhecimento dos homens, mas também a ciência, a presciência do futuro, para prever a influência que o seu desaparecimento exerceria sobre a credulidade dos homens da época e, daí, sobre a moral das gerações porvindouras.

Dado que houvessem podido remover a pedra, como teriam logrado os que praticassem a subtração do corpo, desde que o tivessem reanimado, preservar a Jesus dos ataques da malevolência?

Fora preciso que ele depositasse uma grandíssima confiança nos que, em tal caso, seriam seus cúmplices na fraude, para estar certo de que não haveria entre eles um segundo Judas, não obstante a avultada recompensa que qualquer deles seguramente podia esperar dos príncipes dos sacerdotes, dos Judeus mais eminentes e dos fariseus, se afirmasse e provasse que mãos humanas tinham subtraído o corpo. Porque, a ninguém é licito admitir que a semelhante felonia se prestassem homens puros e virtuosos, do mesmo modo que não o é aceitar pudesse Jesus, que, pelas suas palavras e pelos seus exemplos de pureza e de virtude, mostrou ser o modelo divino, encerrar com uma fraude a sua missão superior, a sua vida sem mácula!

Já vos mostramos, porém, comentando os três primeiros Evangelhos (págs. 473-476 e 493-504 do 505

3º tomo), que o corpo estava na gruta quando os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, com os soldados romanos destacados para montarem guarda ao sepulcro, foram selar, chumbando-a, a pedra que lhe fechava a entrada; — que o desaparecimento do corpo, por efeito de uma "ressurreição", em espírito e verdade e de acordo com as leis da natureza, não é possível nem explicável, senão conformemente à revelação que vos foi e é agora enviada por Deus e que vos temos feito em nome e da parte do Mestre, sobre a sua origem e a sua natureza estranhas à humanidade do vosso planeta, sobre a natureza do corpo que ele tomou, sobre a constituição desse corpo e as condições em que se formou, a fim de ele aparecer na Terra e estar entre os homens, corpo que, repetimo-lo mais uma vez, com a aparência de um corpo humano, era fluídico, de natureza perispirítica, tornado tangível, para ser percebido pelos homens, de maneira tal que houvesse, da parte destes, ilusão completa, como devia acontecer, e sabeis já porque e com que fim. Era um corpo compatível, harmônico com a natureza espiritual de Jesus, formado segundo as leis que presidem à formação dos corpos nos mundos superiores, mas apropriadas essas leis ao vosso planeta, aos fluidos nele ambientes e que servem para a formação dos seres humanos. Era, pois, um corpo também relativamente de harmonia com esse planeta.

Aqueles que rejeitam a revelação e os fatos evangélicos, a luz e a ciência espíritas, a nova revelação, que vem explicar e tornar compreensíveis, em espírito e verdade, as palavras e os atos do Mestre, sua origem e natureza espirituais, a natureza do corpo que ele tomou, ele, puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada, para desempenhar entre os homens a sua missão superior de Messias, fundador, protetor e governador da Terra e da humanidade terrena; — àqueles que procuram demolir, destruir, sem poderem substituir o que destruam, repetimos o que já tivemos ocasião de dizer: 506

"Pobres cegos! Tínheis uma luz imperfeita que vos preparava para uma viva claridade. Trabalhais por apagá-la e mergulhais nas trevas!

"Pobres cegos! Amontoais as pedras que arrancais desse edifício que o perpassar do tempo abalou e que se tornou insuficiente, pois que a letra agora mata e soou a hora do espírito que vivifica, e não vos apercebeis de que, descurando de lhes dar o emprego que elas devem ter em a nova edificação, construís para vós mesmos um túmulo, onde profundas trevas vos envolverão!

"Tratai de repelir essa demência que vos ganha e descerrai os olhos. Julgando-vos iludidos pelo passado, negais o futuro e despedaçais o presente. Que quereis então?" 507

CAPÍTULO XIX Vv. 38-42

O corpo de Jesus é depositado no sepulcro

V. 38. Depois disto, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus, mas às ocultas, por temor dos Judeus, pediu a Pilatos que lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. Tendo-lhe Pilatos concedido, ele veio e tirou o corpo de Jesus. — 39. Nicodemos, aquele que da primeira vez fora ter com Jesus durante a noite, veio também trazendo cerca de cem libras de uma composição de mirra e áloes. — 40. Tomaram, pois, o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com aromas, segundo a maneira de sepultar os mortos em uso entre os Judeus. — 41. Ora, havia no lugar em que Jesus fora crucificado um horto e nesse horto um sepulcro novo, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. — 42. Aí, como fosse o dia da preparação do sábado dos Judeus e o sepulcro estivesse perto, depositaram a Jesus.

N. 65. Estes fatos não exigem comentário algum.

A narrativa que deles faz João e as dos três outros evangelistas se explicam e completam reciprocamente. João não se refere ao dono do sepulcro, porque isso nenhuma importância tinha e já fora dito quem era ele. O sepulcro, como dissemos anteriormente, pertencia a José de Arimatéia. Não vos detenhais em particularidades pueris. 508

CAPÍTULO XX Vv. 1-18

Madalena vai ao sepulcro e comunica o que viu a Pedro e João e estes também vão lá. — Aparição dos anjos e de Jesus a Madalena

V. 1. No primeiro dia da semana, Maria Madalena veio ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra havia sido tirada do sepulcro. — 2. Correu então e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava e lhes disse: Tiraram do sepulcro o Senhor e não sabemos onde o puseram. — 3. Pedro saiu logo e o outro discípulo também e foram ao sepulcro. — 4. Corriam juntos os dois, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. — 5. E, tendo-se abaixado, viu os lençóis que estavam no chão, mas não entrou. — 6. Chegou depois Simão Pedro que o seguia e entrou no sepulcro. Viu os lençóis que lá estavam, — 7, e o sudário que haviam posto sobre a cabeça de Jesus, o qual, porém, não estava junto com os lençóis e sim dobrado em um lugar à parte. — 8. Então o outro discípulo, que havia chegado primeiro, entrou também no sepulcro, viu e acreditou; — 9, pois que não sabiam ainda o que a Escritura ensina, que ele havia de ressuscitar dentre os mortos. — 10. E os dois discípulos voltaram em seguida para casa. — 11. Maria, porém, se conservou do lado de fora, perto do sepulcro, chorando. E como, a chorar, se abaixasse para olhar dentro do sepulcro, — 12, viu dois anjos vestidos de branco, sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o outro aos pés. — 13. Eles lhe perguntaram: Mulher, porque choras? Ela respondeu: Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram. — 14. Tendo dito isso, voltou-se para trás e viu a Jesus de pé, mas sem saber que era ele. — 15. Perguntou-lhe então Jesus: Mulher, porque choras? a quem procuras? Ela, julgando que fosse o jardineiro, lhe disse: Senhor, se foste tu que o tiraste, dize-me onde o puseste e eu o levarei. — 16. Jesus lhe disse: Maria! Ela, voltando-se, lhe disse: Raboni, que quer dizer — Mestre. — 17. Disse-lhe Jesus: Não me toques, pois 509

que ainda não subi a meu pai; mas vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte que subo para meu pai e vosso pai, para meu Deus e vosso Deus. — 18. Maria Madalena veio então comunicar aos discípulos que vira o Senhor e que ele lhe havia dito estas coisas.

N. 66. Sobre estes versículos já demos todas as explicações necessárias, ao comentarmos os três primeiros Evangelhos, coordenando a narração de João com as de Mateus, Marcos e Lucas. Reportai-vos a essas explicações. (Págs. 477-492 do 3° tomo.) 510

CAPÍTULO XX Vv. 19-23

Aparição de Jesus aos apóstolos

V. 19. Pela tarde, porém, daquele mesmo dia, que era o primeiro da semana, estando fechadas as portas do lugar onde se achavam reunidos os discípulos, de medo dos Judeus, veio Jesus e se pôs no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco. — 20. Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos muito se alegraram vendo o Senhor. — 21. E ele lhes disse segunda vez: A paz seja convosco; assim como meu pai me enviou, também eu vos envio. — 22. Ditas essas palavras, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo. — 23. Perdoados serão os pecados àqueles a quem os perdoardes e retidos àqueles a quem os retiverdes.

N. 67. Pelo que respeita à aparição de Jesus no meio de seus discípulos, estando, por medo dos Judeus, fechadas as portas do aposento onde se achavam reunidos e pelo que toca às provas que lhes deu para convencê-los da sua "ressurreição", já recebestes, nos comentários sobre os três primeiros Evangelhos (págs. 510-514 do 3° tomo), as explicações necessárias.

Por estas palavras: "Assim como meu pai me enviou, também eu vos envio", Jesus exprime o seguinte pensamento: "Deus me encarregara de uma missão e eu a cumpri. Dei-vos uma: ide cumpri-la."

"Tendo pronunciado essas palavras, soprou sobre eles e lhes disse: "Recebei o Espírito Santo." Humanamente lhes deu um sinal visível da sua influência. Em realidade, comunicou-lhes a inspiração, outorgando-lhes o amparo e o concurso invisíveis dos Espíritos superiores que haviam de assisti-los em sua missão. Assim é que receberam o "Espírito Santo". 511

Depois de ter soprado sobre eles e de lhes dizer: "Recebei o Espírito Santo", foi que lhes prometeu, conforme vos explicamos comentando os três primeiros Evangelhos, enviar-lhes o "dom do pai", isto é, a manifestação espírita dos Espíritos superiores incumbidos de assisti-los na sua missão, sob a forma visível de línguas de fogo.

Quanto ao sentido, em espírito e verdade, destas palavras: "Perdoados serão os pecados àqueles a quem os perdoardes e retidos àqueles a quem os retiverdes", já vos foi dado, com todas as explicações necessárias, quando comentamos os três outros Evangelhos (págs. 166-170, 428-441 e 443 do 2º tomo). Dissemos e aqui repetimos: essas palavras se dirigiam especialmente e taxativamente aos discípulos. Animados de um zelo esclarecido, assistidos e inspirados pelos Espíritos do Senhor, eles tinham, eles, o poder de ligar e de desligar, de remitir ou reter os pecados, no sentido de que se achavam em condições de julgar da pureza ou da culpabilidade dos que lhes pediam seus conselhos. Justo, portanto, era o juízo que formavam. Nunca, porém, nenhum deles se arrogou o direito de julgar sem apelação, de absolver ou de condenar. 512

CAPÍTULO XX Vv. 24-31

Aparição de Jesus a Tomé e aos outros discípulos. — Tomé vê e crê

V. 24. Tomé, um dos doze apóstolos, chamado Dídimo, não estava com eles quando Jesus veio. — 25. Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Ele, porém, lhes disse: Se eu não vir em suas mãos a marca dos cravos que as atravessaram e não meter o meu dedo nos buracos dos cravos e minha mão na chaga do seu lado, não o crerei. — 26. Oito dias depois, achando-se de novo os discípulos no mesmo lugar e Tomé com eles, veio Jesus, estando fechadas as portas, pôs-se no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco. — 27. Disse em seguida a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega aqui a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas fiel. — 28. Respondeu Tomé: Meu Senhor e meu Deus! — 29. Disse-lhe Jesus: Tu creste, Tomé, porque me viste; bem-aventurados os que não viram e creram. — 30. Na presença de seus discípulos fez ainda Jesus muitos outros milagres, que não estão escritos neste livro. — 31. Estes, porém, são escritos, a fim de que creiais que Jesus é o Cristo, o filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.

N. 68. Do mesmo modo que os outros discípulos, Tomé não conhecia a tangibilidade, sua existência, sua causa e seus efeitos.

Só se convenceu, vendo o Mestre aparecer no meio deles, em o lugar onde se encontravam reunidos a portas fechadas, e dar-lhe as provas que ele reclamara para acreditar que seus irmãos em Deus o tinham visto, para crer na sua "ressurreição".

Nestas palavras de Tomé: "Meu Senhor e meu Deus" há redundância, pleonasmo. A mesma significação têm ambas as expressões. Exprimem o res- 513

41 Ver n. 1. Evangelho de João.

peito, a admiração de que se viu presa diante do Mestre "ressuscitado". Seu pensamento se dirigiu a Deus, que só ele podia, ter operado tal "milagre".

Desde essa época germinou no Espírito de todos os discípulos, como no de Tomé e dos outros apóstolos, a idéia da divindade de Jesus. Não podendo explicar, pelos meios conhecidos, os fatos extraordinários, para eles "miraculosos", que às suas vistas se produziam, os homens foram levados a atribuir a Jesus um poder que só atribuíam a Deus, a lhe atribuir, conseguintemente, a divindade.

Reportai-vos ao que dissemos 41 sobre essa divindade que foi atribuída ao Mestre, de quem a revelação atual vos faz conhecer, em espírito e verdade, a origem e a natureza espirituais e extra-humanas e a posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta, explicando-vos todos os fatos chamados "milagres".

Estas palavras de Jesus: "Tu creste, Tomé, porque me viste; bem-aventurados os que não viram e creram", se aplicavam aos homens daquela época que, sem as exigências formuladas pela incredulidade daquele apóstolo e sem terem presenciado a aparição do Mestre, haviam crido na sua "ressurreição", por efeito unicamente das suas palavras e de Seus atos e do testemunho dos que o viram "ressuscitado".

Elas objetivavam fazer que os homens de então e as gerações futuras compreendessem que deviam prestar fé ao testemunho dos apóstolos, quando afirmassem a realidade da "ressurreição", fé que cumpria fosse cega até que os olhos se tornassem capazes de suportar a luz que a nova revelação faria brilhar.

Elas encerram um ensinamento, sobretudo para a era nova que começa e em que a fé e a ciência têm que se apoiar uma, na outra, esclarecendo a razão os caminhos. 514

A fé, esclarecida, sólida, forte, durável, se obtém, não só pelo que podem perceber, materialmente os olhos do corpo, mas também pelo que percebam os olhos do Espírito, com o auxílio do estudo e do exame aprofundados e suficientes, feitos do duplo ponto de vista teórico e experimental; com o auxílio do Espiritismo, que é, quanto à sua existência como uma das leis da natureza, a comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal e que, na ordem das coisas providenciais, divinas, é o modo e o meio pelos quais Deus transmite aos homens a ciência espírita, os segredos de além-túmulo, a luz e a verdade, fazendo-lhes revelações sucessivas e progressivas, como as fez no passado e fará no futuro. Esse estudo e esse exame, porém, têm que ser praticados com amor e respeito ao Criador, sem idéias preconcebidas, com humildade, desinteresse, moralidade, sem outro móvel que não seja o amor à humanidade, o desejo ardente do progresso pessoal e coletivo.

Vimos de dizer que a fé e a ciência têm que se apoiar uma na outra. A ciência, inseparável da fé, não se reduz à ciência humana, aplicada unicamente à matéria e aos fluídos, do ponto de vista do progresso material. Abrange a indagação da verdade, na ordem física, na ordem moral e na intelectual, do ponto de vista do progresso espiritual. Abrange, portanto, a inteligência, em espírito e em verdade, das palavras, dos atos do Mestre e de suas promessas, na revelação messiânica, que os apóstolos e os evangelistas tiveram por missão espalhar e transmitiram aos homens. Porque, aí estão o princípio e a fonte de toda depuração, pela prática da moral que ele pregou, de todo progresso para os homens. Aí estão os meios de eles se elevarem e de, em conseqüência, verem rasgar-se pouco a pouco os véus que ainda cobrem a verdade.

A ciência, inseparável da fé, abrange o estudo e o conhecimento das leis naturais que regem o mundo visível e o mundo invisível, bem como as 515

relações entre um e outro; a instrução, que os homens precisam adquirir, acerca de seus destinos, do que podem e devem esperar. Abrange o estudo e o conhecimento das leis físicas e morais a que estão sujeitos o mundo e a criatura, que entendem com suas origens, com as fases de seus desenvolvimentos, com o fim que lhes é assinado e com as obrigações que têm de ser cumpridas para chegar-se a esse fim. Abrange o estudo e o conhecimento da ciência magnética e da ciência espírita, destinadas a conduzir e fazer que os homens avancem pelas sendas do progresso e da verdade, esclarecidos, conforme o predisse e prometeu o Mestre, nos tempos da era nova que começa, pela luz que o Espírito da Verdade lhes mostrará, tendo em suas mãos o facho da verdade e guiando-os em suas pesquisas, por intermédio dos mensageiros do Senhor, encarnados em missão, para desenvolver as crenças, ativar o progresso, realizar descobertas novas, de ordem espiritual, material e fluídica.

Far-vos-emos notar, ao concluir, que João declara não ter ele relatado tudo em a sua narração evangélica, aludindo assim às dos três outros evangelistas; mas, que o que escreveu foi para firmar a fé dos homens na missão de Jesus, como sendo o Cristo, o Messias predito e prometido, como sendo o filho de Deus, vós o sabeis, pela sua pureza e pelo seu saber, e para que os homens, caminhando pela estrada que ele traçou com a sua moral, seus ensinos e exemplos, cheguem, pela depuração e pelo progresso, à vida permanente que só a perfeição lhes pode dar, libertando-os da matéria e de suas influências. 516

CAPÍTULO XXI Vv. 1-25

Aparição de Jesus à margem do mar de Tiberíades. — Pesca chamada "milagrosa". — Amor de Pedro a Jesus. — Jesus lhe confia suas ovelhas e lhe prediz seu martírio, abstendo-se de dizer o que será feito de João

V. 1. Jesus tornou a mostrar-se depois a seus discípulos às bordas do mar de Tiberíades. Mostrou-se deste modo: — 2. Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos estavam reunidos. — 3. Simão Pedro disse: Vou pescar. Disseram-lhe os outros: Vamos também contigo. Partiram, pois, e entraram numa barca, mas naquela noite nada apanharam. — 4. Ao amanhecer, Jesus apareceu na praia, sem que seus discípulos conhecessem que era ele. Disse-lhes então Jesus: — 5. Filhos, tendes alguma coisa para comer? Responderam-lhe eles: Não. — 6. Disse-lhes Jesus: Lançai a rede do lado direito da barca e achareis. Eles a lançaram imediatamente e quase a não podiam retirar, tão carregada estava de peixes. — 7. Então o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: É o Senhor. E Simão Pedro, tendo ouvido que era o Senhor, vestiu a túnica (pois que estava nu) e atirou-se ao mar. — 8. Os outros discípulos vieram na barca; e, como não se achavam distantes da terra mais do que uns duzentos côvados, puxaram a rede cheia de peixes. — 9. Logo que saltaram em terra, acharam brasas acesas, peixe em cima delas e pão. — 10. Disse-lhes Jesus: Trazei alguns desses peixes que acabastes de apanhar. — 11. Então Simão Pedro subiu à barca e arrastou para terra a rede cheia de cento e cinqüenta e três peixes grandes. E, embora fossem tantos, a rede não se rompeu. — 12. Jesus lhes disse: Vinde, jantai. E nenhum dos que se puseram a comer ousava perguntar-lhe: Quem és tu? pois sabiam que era o Senhor. — 13. Veio então Jesus, tomou do pão e lhes deu e fez o mesmo com o peixe. — 14. Essa foi a terceira vez que Jesus apareceu a seus discípulos, após haver 517

ressurgido dentre os mortos. — 15. Depois de terem jantado, disse Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, tu me amas mais do que os outros? Pedro lhe respondeu: Sim, Senhor, sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta os meus cordeiros. — 16. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro respondeu: Sim, Senhor, sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta os meus cordeiros. — 17. Perguntou-lhe terceira vez: Simão, filho de João, tu me amas? Pedro, tocado por lhe perguntar ele terceira vez: tu me amas? respondeu: Senhor, tu sabes todas as coisas; sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as minhas ovelhas. — 18. Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e ias aonde querias, mas quando fores velho, estenderás as mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres. — 19. Ora, ele disse isto para indicar por que morte havia Pedro de glorificar a Deus. E, depois de ter assim falado, disse-lhe: Segue-me. — 20. Pedro, voltando-se, viu que o seguia o discípulo a quem Jesus amava e que, durante a ceia, estivera recostado sobre o seu peito e lhe perguntara: Senhor, quem é o que te trairá? — 21. Pedro, pois, tendo-o visto, perguntou a Jesus: E este, Senhor, que será feito dele? — 22. Jesus respondeu: Se quero que ele fique até que eu venha, que te importa? Segue-me tu. — 23. Correu, logo, a este propósito, entre os irmãos, o rumor de que aquele discípulo não morreria. Jesus, entretanto, não dissera: Ele não morrerá; mas: Se quero que ele fique até que eu venha, que te importa? — 24. Esse mesmo discípulo é o que dá testemunho destas coisas e que escreveu isto; e sabemos que é verdadeiro o seu testemunho. — 25. Muitas outras coisas, porém, fez Jesus, as quais, se fossem referidas uma por uma, creio que o mundo todo não poderia conter os livros que se escrevessem.

N. 69. Os fatos constantes deste capítulo, como tudo o que forma a sua narrativa evangélica, são relatados pelo apóstolo João. Simplesmente, em vez de escrevê-lo de seu punho, ele o ditou a um de seus discípulos. Por erro dos tradutores é que no v. 24 a palavra ditado foi substituída pela palavra escrito. O texto original rezava o seguinte: "Esse mesmo discípulo é o que dá testemunho destas coi- 518

sas e que ditou isto; e sabemos que é verdadeiro o seu testemunho."

Os fatos referidos neste capítulo o apóstolo João os contou a seus discípulos, quando a sua avançada idade já lhe não permitia escrever. E um desses discípulos escreveu o que ele ditou. Assim é que, com razão, tais fatos foram colocados em continuação da sua narrativa evangélica e como fazendo parte desta.

Conforme aí se vos diz, a aparição de Jesus aos discípulos à margem do mar de Tiberíades foi a terceira. Nos comentários aos três primeiros Evangelhos (págs. 516-517 do 3° tomo) explicamos em que circunstâncias ela se deu.

A presença de Jesus "ressuscitado" impressionava vivamente os discípulos e as aparições, tanto a estes como às mulheres, tinham que, em seu conjunto, servir àquele momento e ao futuro, até aos vossos dias; tinham que preparar a base, os elementos e os meios necessários à revelação vindoura, predita e prometida, do Espírito da Verdade.

Em face do que veladamente o Mestre dissera acerca, da sua origem e da sua natureza, acerca, do poder que tinha de deixar a vida e de a retomar à sua, vontade, sem que ninguém lha tirasse, deixando-a ele por si mesmo, e acerca do fato de haver o seu corpo desaparecido do sepulcro, aquelas aparições tinham que servir para que, pela revelação atual, fossem explicadas, em espírito e verdade, o que os homens chamaram a "sua morte", a "sua ressurreição" e, conseguintemente, o modo por que se deu o seu aparecimento na Terra e, assim, a sua origem e a sua natureza extra-humanas.

Por isso mesmo Jesus ainda se manifestou a seus discípulos sob uma aparência humana que lhes não permitiu a princípio conhecer que era ele.

Uma vez lançada a rede, conforme lhes fora prescrito, ao ver que quase já não mais a podiam retirar, tão carregada estava de peixes, João, não podendo atribuir esse fato "miraculoso" senão a 519

Jesus, disse a Pedro: "É o Senhor." Esse pensamento, expresso por João, dominou o Espírito dos discípulos quando foi retirada a rede cheia de cento e cinqüenta e três peixes e Jesus lhes disse: "Vinde e jantai." Diante daquela pesca "milagrosa", ficaram convencidos de que quem ali estava era o Mestre, mas, perturbados, não ousavam perguntar: Quem és tu ?

Só no momento em que tomou do pão e do peixe e os distribuiu com eles foi que Jesus se lhes apresentou com a figura que lhes era familiar e que eles o reconheceram, ouvindo, depois de terem jantado, aquela voz que tanto conheciam, quando o Mestre falou a Pedro.

Sabeis como se operou essa manifestação, que exclui a "ressurreição" com um corpo material humano, qual os vossos.

As explicações, que recebestes nos comentários aos três primeiros Evangelhos, relativas às aparições aos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús e a Maria Madalena, bastam. A ciência espírita fornece a explicação desse fenômeno de aparições produzido por Jesus com o corpo fluídico, de natureza perispirítica, apto a longa tangibilidade, que ele tomara para cumprir a sua missão terrena, corpo esse de harmonia com a sua natureza espiritual e em relativa harmonia com o vosso planeta.

Quanto à pesca tida por "milagrosa" pelos discípulos, explica-se naturalmente, como a primeira em que tomaram parte Pedro e André, seu irmão, Tiago e João, filhos de Zebedeu. A esse respeito já tivestes as explicações necessárias no 1° tomo, n. 71, págs. 382-386.

Dizendo a Pedro o que consta dos vv. 15, 16 e 17, Jesus determinou a parte que cabia a esse apóstolo nos trabalhos de guiar os primeiros passos do Cristianismo. Dirigiu-se, porém, a Pedro especialmente e não aos que deram, à sua missão apostólica o caráter de um governo sucessivamente transmissível. 520

Reportai-vos ao que vos dissemos (págs. 433-438 do 2º tomo) acerca do verdadeiro sentido destas palavras de Jesus a Pedro: "Tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha igreja. Tudo o que ligares na Terra será ligado no céu e tudo o que desligares na Terra será desligado no céu."

Jesus prediz a Pedro (vv. 18-19) seu martírio e o gênero de morte que o espera, proferindo estas palavras veladas: "Segue-me". Pedro tinha de seguir a Jesus, pois tinha que ser crucificado.

Quanto à resposta que lhe deu o Mestre (vv. 20-23) e que, tomada em sentido material e ao pé da letra, fez supor — ingenuidade dos tempos — que João não morreria até que o Mestre voltasse, na época predita do "fim do mundo", o que ela dava a entender é que cada um tem bastante com que se ocupar, vigiando seus próprios atos e preparando, enquanto pode, o seu fim, sem cuidar de perscrutar o futuro, para saber qual será o destino deste ou daquele. Tais o sentido e o fim destas palavras, intencionalmente evasivas e veladas: "Se quero que ele fique até que eu venha, que te importa? Segue-me tu", com que Jesus respondeu a esta pergunta de Pedro: E este (referindo-se a João), Senhor, que será feito dele?

A sorte futura de cada um dos apóstolos tinha que lhes permanecer oculta. Daí o cunho evasivo dessa resposta, cujo objetivo, segundo o espírito que vivifica, era, sob o véu da letra, predizer a Pedro qual a que o esperava e deixar ao mesmo tempo um ensino para os homens.

Era também uma lição dada àquele apóstolo.

Não vejais nestas ultimas palavras (v. 25): "Muitas outras coisas, porém, fez Jesus, as quais, se fossem referidas uma por uma, creio que o mundo todo não poderia conter os livros que se escrevessem", mais do que uma expressão exagerada, de que se serviu João, falando a seus discípulos, para lhes fazer compreender, mediante uma figura de linguagem, a grandeza das obras de Jesus. 521

OS MANDAMENTOS Explicados em espírito e verdade

DECÁLOGO

Deus, como sabeis, não se comunica diretamente com os homens.

Segundo, porém, a maneira de ver dos Hebreus, era o próprio Deus, sempre Deus, quem falava a Moisés. Era preciso que fosse assim.

Espírito elevado, com relação ao povo hebreu, que ele dirigia; médium, em certas circunstâncias, vidente, audiente, ou inspirado, e também de efeitos físicos, conforme aos casos e às necessidades da sua missão, Moisés se viu obrigado, para dar força e valor aos mandamentos que impunha aos Hebreus, para Ihes gravar na memória e nos corações as ordenações e os estatutos que lhes eram indispensáveis naquela época, a cercar-se de todo mistério e de pompas que os impressionassem; a empregar fórmulas capazes de lhes infundir respeito.

Guiado por Espíritos que lhe eram superiores, previa alguns fatos que haviam de dar-se, descobria capacidades, que a multidão desconhecia, isto é, compreendia a ação espiritual sobre o homem e as faculdades materiais necessárias ao desenvolvimento dessa ação. Como sabeis, para que o médium possa operar, é preciso que se ache em determinadas condições fluídicas. Ele tinha a impressão dessas condições e antevia o papel que, aos olhos dos Hebreus, elas desempenhariam, verificando-se, primeiro, nele próprio, depois em outros. Mas, se dissera aos Hebreus: Moisés vos anuncia; Moisés vos concita; Moisés vos ensina, teria sido apupado, teria provocado o riso.

Do mesmo modo, para fortemente impressionar e abalar homens que ainda por longo tempo tinham de ser conduzidos pelo temor e pelo terror, para impor o respeito à lei que lhes era dada, foi 522

que no Sinai se produziu aquela formidável manifestação, que precedeu, acompanhou e se seguiu à promulgação do Decálogo e que o cercou de tanto mistério e de tão grande pompa. Dessa manifestação podeis inteirar-vos pelo que sabeis relativamente a efeitos semelhantes produzidos em todos os tempos e ainda agora.

Assim como as outras manifestações físicas de ordem material e de ordem inteligente, relatadas no Antigo Testamento, tudo o que a respeito da de que vimos tratando vos é aí referido foi obra dos Espíritos prepostos à produção de tal efeito.

Esses Espíritos provocaram ruídos mediante o choque de fluidos inflamáveis e desse modo fizeram que a multidão reunida no sopé do monte visse a aparência de um fogo ardente, do qual se desprendia um vapor inflamado, e produziram, como consta do Êxodo, XIX, vv. 16 a 19 e XX, v. 18, os efeitos físicos que ali se diz terem sido — trovões, relâmpagos e uma caliginosa e densa nuvem que cobriu o monte, elevando-se-lhe do alto como se de uma fornalha. Manejando fluidos sônicos, causaram o efeito físico "do som de trombeta, que aumentava pouco a pouco e se tornava mais forte e mais agudo".

A proibição aos Hebreus de transporem a barreira foi motivada pelo perigo, que alguns poderiam ocasionar, do rompimento das colunas de fluidos que se entrechocavam no monte, fato que daria lugar a acidentes semelhantes aos que resultam da passagem do raio.

Estas palavras ditas a Moisés (Êxodo, XX, v. 19): "Fala-nos tu mesmo e nós te escutaremos; mas que não nos fale Deus, para que não morramos", aludem ao ribombo "dos trovões", que a multidão tomava pela voz do próprio Deus.

Empregando e combinando fluidos tornados opacos, os Espíritos prepostos produziram — "aquela obscuridade" em que (segundo a expressão bíblica, Êxodo, XX, v. 22) Deus estava, isto é, em 523

que estava o Espírito superior, seu enviado, e em que Moisés, após a promulgação do Decálogo, foi receber desse enviado as instruções particulares, as ordenações, os estatutos, indispensáveis aos Hebreus naquela época.

As primeiras tábuas da lei, as quais Deus, com a sua presciência, sabia que seriam quebradas, escreveu-as o próprio Moisés, como médium mecânico e audiente, sob a influência espírita. Elas foram, pois, obra de Deus, por intermédio do Espírito superior enviado, Espírito que, invisível para Moisés, lhe fez ouvir as palavras dos Mandamentos, ao mesmo tempo que fazia com que ele os escrevesse mecanicamente, sob a impressão de que provinham do próprio Deus.

As segundas tábuas Moisés as escreveu também mecanicamente, debaixo da inspiração do Espírito superior enviado. Tão inconsciente, porém, ele se conservou dessa inspiração, que acreditou tê-las escrito "de memória e trazido aos Hebreus, gravadas e tais como se recordava que eram". Se, entretanto, houvera dito ao povo: "Lembrei-me das palavras gravadas nas primeiras tábuas e as reproduzi", teria feito que duvidassem da procedência delas e que desprezassem a lei. Para que tal não acontecesse foi que, inspirado pelos Espíritos superiores que o assistiam na sua missão, apresentou, crente de ser essa a realidade, as segundas tábuas como escritas, semelhantemente às primeiras, "pelo dedo de Deus” conforme à expressão bíblica. Moisés, no Sinai, acreditava estar em comunicação direta com o Senhor.

Lede com atenção, na linguagem oriental e apropriada aos tempos, aos povos, ao estado das inteligências e ao fim que se tinha em vista alcançar, a narrativa do que se refere à promulgação do Decálogo, ao que ocorreu às vistas do povo hebreu relativamente à preparação e ao fato dessa promulgação, ao que ocorreu para serem dadas a Moisés as instruções particulares que ele recebeu e 524

42 Êxodo, cap. XIX a XXVI e XXVIII a XXXI.

43 Êxodo, cap. XXXII.

44 Êxodo, cap. XXXIII e XXXIV.

45 Êxodo,cap. II a XIX.

46 Êxodo,cap. XXXV a XL.

àquele povo, por seu intermédio, as ordenações e estatutos que lhe eram então indispensáveis42; lede a narrativa do que se passou quando Moisés, tendo recebido as duas tábuas da lei, desceu do Sinai, avisado, pelo Espírito superior, dos atos de idolatria que se praticavam no acampamento43; do que se deu em seguida, desde o momento em que ele atirou ao chão e quebrou as primeiras tábuas na falda do monte, até o em que deste desceu segunda vez trazendo as novas tábuas44; e, se atentardes no que se acha dito acerca dos acontecimentos que precederam, prepararam e efetivaram a promulgação do Decálogo e acerca do que sucedeu para que Moisés entrasse no desempenho público da sua missão45 e do que se seguiu46, compreendereis a necessidade que havia, de acordo com a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, de conduzir-se pelo terror aquele povo atrasado, indócil, sempre pronto a esquecer e desconhecer o seu Deus, a se subtrair à direção do seu enviado, profundamente imbuído dos prejuízos, das idéias politeístas, de tendências para a idolatria e no seio do qual se tinham que preparar o advento do Messias, os elementos e os meios apropriados ao desempenho da sua missão terrena e ao da missão dos apóstolos. Compreendereis a necessidade que havia de serem os Hebreus, segundo a sua maneira de entender, postos, por intermédio daquele que os chefiava, em contacto com o seu Deus, sob as mãos do próprio Deus, do "Eterno", único eterno, "Senhor acima de todos os deuses, do Deus forte e cioso, que exerce vingança contra os que lhe desconhecem a lei, que pune a iniqüidade dos pais nos filhos na terceira e quarta gerações dos que o odeiam, que usa de misericórdia 525

na sucessão de mil gerações para com os que o amam e guardam seus mandamentos, seus preceitos."

Dar-vos-emos, dentro em pouco, ao explicarmos o segundo Mandamento do Decálogo, o verdadeiro sentido destas últimas palavras que, tomadas à letra, seriam uma enormidade e que, segundo o espírito, em espírito e verdade, são a expressão sublime da justiça, e da bondade de Deus.

Há um fato sobre o qual não devemos guardar silêncio e que, para os que lhe não sabem compreender nem explicar a necessidade, o motivo e o fim, conformemente à presciência e à sabedoria do Senhor, constitui uma monstruosidade. Esse fato, de que, mais tarde, sob o império da branda e pura lei de amor e caridade que o Cristo veio trazer aos homens, a ignorância, o fanatismo, a vertigem do poder e a ambição fizeram uma arma e um exemplo, é o do massacre que Moisés ordenou fosse feito, em nome do Senhor, dentro do acampamento hebreu, nas circunstâncias referidas no Êxodo, capítulo XXXII.

"Moisés, diz-se ali, vendo então que o povo ficara inteiramente nu (pois que Aarão o despojara por aquela abominação vergonhosa e o pusera todo nu no meio dos seus inimigos), parou à porta do acampamento e disse: Junte-se a mim todo aquele que for do Senhor. E, tendo-se reunido ao seu derredor todos os filhos de Levi, disse-lhes ele: Eis o que diz o Senhor, o Deus de Israel: Ponha cada homem na cintura sua espada; passai e repassai através do campo, de uma porta à outra, e que cada um mate seu irmão, seu amigo e aquele que lhe for mais chegado. — Os filhos de Levi fizeram o que Moisés ordenara e houve cerca de três mil homens mortos esse dia. — Então Moisés lhes disse: Tendes, cada um de vós, consagrado vossas mãos ao Senhor, mesmo matando vosso filho e vosso irmão, a fim de que a bênção de Deus vos seja dada." (Êxodo, cap. XXXII, vv. 25-29.)

Quando da encarnação daquela geração de homens, maior talvez do que na época atual era a 526

mistura dos Espíritos que revestiam o corpo carnal. A maioria deles tomara por missão manter na Terra e popularizar a idéia da unidade de Deus. Mas, sentindo-se demasiado fracos para perseverar, muitos haviam pedido que o curso da existência lhes fosse detido, caso faltassem aos seus compromissos.

Vimos de dizer: "Sentindo-se demasiado fracos para perseverar." Sabeis, com efeito, que o Espírito, sobretudo o Espírito inferior, conserva por mais ou menos tempo, na erraticidade, os preconceitos, as opiniões, as idéias, os pendores, as tendências da sua precedente encarnação. De sorte que, quando se prepara para outras provas, tem que temer e teme que, em a nova existência terrestre, voltem a dominá-lo esses preconceitos, opiniões, tendências e pendores, contra os quais lhe cumpre lutar como encarnado.

Assim é que freqüentemente vedes entre vós mancebos, até crianças, que, apresentando indícios de más paixões, mostrando-se viciosos, mesmo em centros de depuração, vêm a ter cortado o fio de suas existências, a fim de que possam, por meio de reflexões e estudos feitos na erraticidade, adquirir a força que ainda lhes faltava. São Espíritos que pediram lhes fosse detido o curso da vida terrena, caso faltassem a seus compromissos.

Essa categoria de Espíritos é menos culpada. Peca mais por fraqueza do que por vontade. E a morte prematura, que eles pediram nessas circunstâncias, lhes auxilia o desenvolvimento, o progresso.

Entre os encarnados da geração a que nos estamos referindo, havia também uma categoria de Espíritos que tinham de expiar assassínios por eles cometidos (nessa época grosseira se praticavam tantos!) e que pediram aquela expiação para conseguirem, pela aplicação da lei de talião, depurar-se, reparar e progredir.

Os que tombaram mortos aos golpes dos levitas tiveram uma sorte prevista e por eles pedida, porquanto uns pertenciam à categoria dos que ha- 527

viam tomado por missão manter na Terra e popularizar a idéia da unidade de Deus e rogado que o curso da existência terrena lhes fosse detido, caso faltassem aos seus compromissos; pertencendo os outros à dos que, tendo de expiar assassínios por eles cometidos anteriormente, pediram aquela expiação e a sofreram.

Foi assim e nenhum golpe se perdeu, porque, em circunstâncias tais, como deveis compreender, os Espíritos protetores, prepostos a vigiar as provas e expiações de cada um, para que elas se cumprissem, impelindo os culpados ou dirigindo as espadas dos que acutilavam, faziam que aqueles recebessem o golpe que os prostraria. Deu-se ali o que se dá com a bala que deve ferir a este ou àquele e que segue a sua trajetória, mesmo quando toda a probabilidade era de que se perdesse.

Dissemos que os Espíritos prepostos a vigiar as provas e expiações de cada um, a fim de que elas se cumprissem, impeliam os culpados ou dirigiam as espadas dos que acutilavam, no sentido de que aqueles Espíritos, para que as provas e expiações se verificassem, atuavam sobre o culpado e sobre o que empunhava a espada: sobre um pela ação do magnetismo espiritual, sobre o outro por meio da inspiração e da ação fluídica. Aqui é que, considerando a Providência divina e a ação, sobre o homem, dos Espíritos prepostos, a obrarem debaixo da direção da presciência e da sabedoria infinitas de Deus, podeis dizer: "O homem se agita e Deus o conduz."

Nada é sem motivo e sem objetivo. O que o homem muitas vezes encara como ato de uma vontade arbitrária, nunca é senão a conseqüência do passado, ou a preparação do futuro.

Assim, o massacre que Moisés ordenou em nome do Senhor teve por motivo e por fim: de um lado, deter o curso da existência terrena de alguns Espíritos, conformemente ao que eles pediram, nos termos e nas condições das provas escolhidas por uns e das expiações solicitadas por outros, provas 528

e expiações pelas quais todos tinham que passar, e não apenas fazer arbitrariamente vítimas perdidas, porquanto os que pereceram, repetimos, tiveram sorte prevista e pedida; de outro lado, impor, pelo terror, pelo medo, àqueles homens atrasados, indóceis, inclinados à idolatria, à revolta, sempre prontos a esquecer e desconhecer o seu Deus, a se subtrair à direção do enviado deste, absoluta submissão à vontade, aos mandamentos e preceitos divinos; fazer-lhes compreender a necessidade dessa submissão; forçá-los a caminhar, dóceis à voz de seu chefe, pelas sendas que lhes estavam traçadas e a desempenhar a tarefa providencial que lhes fora confiada na marcha do progresso da humanidade.

Moisés era, pois, um instrumento humano que, sob as inspirações dos Espíritos do Senhor que o assistiam na sua missão, obrava para que fosse detido o curso de provas que haviam falhado e se cumprissem determinadas expiações, fazendo que os que caíam aos golpes dos levitas sofressem a sorte por eles mesmos prevista e pedida. E, também, procedendo dessa maneira, preparava o futuro. Cada época, tem seus costumes e necessidades.

Não julgueis, portanto, do vosso ponto de vista e de acordo com os tempos em que viveis. Reportai-vos, com relação aos Hebreus, aos tempos, aos homens, aos preconceitos, às crenças, às condições que era indispensável se verificassem para que se executasse a obra que se tinha de executar naquela época e no futuro.

Desde aqueles tempos bárbaros e em outros nos quais a civilização e a inteligência já estavam muito mais apuradas, não há visto, pelo que toca a coisas de ordem humana, sempre que uma revolta explodiu, a dizimação de homens, para que, num exército, fosse mantida a disciplina, a submissão aos chefes incumbidos de comandá-lo?

Pelo que respeita às coisas de ordem religiosa, 529

não se hão feito freqüentemente, muito freqüentemente mesmo, massacres em nome de Deus?

Para terdes disso alguns dos numerosos exemplos que a história da vossa humanidade colheu, lembrai-vos das guerras religiosas, dos autos-de-fé espanhóis e por fim da carnificina do dia de São Bartolomeu.

Não são sempre os ministros do culto, por efeito da ignorância, do fanatismo, do abuso do poder, da ambição, impelindo os homens a se matarem reciprocamente, nas guerras religiosas, a fim de consagrarem eles suas mãos ao Senhor e atraírem as bênçãos de Deus? matando eles próprios, nos autos-de-fé espanhóis, em honra do seu Deus e para obterem suas graças?

E quais foram os instigadores do massacre de São Bartolomeu? Os sacerdotes, os servidores de Deus! Qual foi aí, como nas guerras religiosas, o móvel? A ambição, porém, não mais a de se engrandecerem aos olhos de Deus, e sim a de conservarem o poder.

Recordando estas fases da história do passado, estes massacres e guerras religiosas, não abrimos exceção a favor dos padres protestantes, que também excitaram seus rebanhos contra os católicos e igualmente mataram.

Uns, como os levitas de Moisés, matavam para provar que eram filhos de Deus! Aos outros, estes, como os protestantes, matavam para conquistar o poder; aqueles, como os católicos, para evitar que o poder lhes fosse arrebatado.

E então não havia, como ao tempo dos Hebreus, um enviado de Deus, qual Moisés junto do Sinai, falando em nome do Senhor e dizendo a seus levitas: "Eis o que diz o Senhor, o Deus de Israel"; e dizendo, depois de concluída a obra: "Consagrastes vossas mãos ao Senhor, mesmo matando cada um seu filho e seu irmão, a fim de que a bênção de Deus vos seja dada." Não; a necessidade, o motivo e o fim a que obedecera o ato de Moisés não exis- 530

47 Ver o que está dito, acerca do instante da morte, na explicação do quinto mandamento.

tiam mais. Esses massacres, essas guerras religiosas, esses autos-de-fé, esse S. Bartolomeu foram obra humana da ignorância, do fanatismo, do abuso de poder, da ambição, que fizeram, do fato ocorrido ao pé do Sinai, por ordem de Moisés e pelo braço armado dos levitas, uma arma e um exemplo.

E porque esses massacres, essas guerras religiosas, esses autos-de-fé, esse S. Bartolomeu? Porque os homens da Igreja não quiseram compreender que a sua missão não consiste em fazer parar os que lhes estão confiados e obrigá-los a olhar para trás; mas, ao contrário, em impeli-los para diante, pela senda do progresso.

Se, por um lado, instigadores culpados de semelhantes carnificinas tiveram que sofrer longa e dolorosa expiação, por outro lado, os que nelas pereceram, bem como os que tombaram aos golpes dos levitas no campo israelita, não foram vítimas perdidas, porquanto, como já o temos dito e repetimos, nada ocorre que não seja conseqüência do passado e preparação do futuro, sob a influência e a ação dos Espíritos prepostos a vigiar pelas provas e expiações de cada um. Os que pereceram tiveram a sorte por eles prevista e pedida. Deus, mesmo com relação ao instante da morte de suas criaturas, nada espera do que, na ignorância em que vos achais assim das causas como dos fenômenos, chamais o acaso. 47

Vamos agora explicar-vos, em espírito e verdade, o Decálogo. Vamos dar-vos uma explicação, não relativa e restrita aos Hebreus, aos "Cristãos", mas geral, passível de aplicar-se a todos os povos e a todas as épocas. Podeis começar.

"Então fez Deus que se ouvissem estas palavras: "Eu sou o Eterno, o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito e da casa da servidão." 531

48 Conforme vos foi relatado e revelado no comentário sobre os Evangelhos, o Espírito que revestiu as três personalidades terrenas conhecidas pelos nomes de Moisés, Elias e João, filho de Zacarias e Isabel, e desempenhou as três missões correspondentes a essas personalidades, é o mesmo.

Deus, criador de tudo o que é, tirou do nada o Espírito (daqui a pouco explicaremos o sentido que deveis atribuir a essa palavra tomada à linguagem humana), para lhe dar o ser, o pensamento, a personalidade. Foi por sua vontade onipotente que o homem saiu das faixas da matéria, para ensaiar seus primeiros passos na senda espiritual. Foi ele ainda, o Senhor, quem lhe mostrou o caminho que o leva para fora da escravidão do pecado e da matéria, iluminando-o com o facho da verdade.

Povos da Terra, levantai os olhos! "A coluna luminosa", que vos há de guiar para fora da escravidão, que vos há de conduzir à pátria da liberdade, se move à vossa frente. O Espírito da Verdade acendeu o farol para o qual devem os vossos olhares voltar-se. Caminhai, caminhai sem descanso, pois tendes que chegar à "terra prometida” onde "correm o leite e o mel" da palavra de paz e de amor a Deus.

MOISÉS, ELIAS, JOÃO48, MATEUS, MARCOS, LUCAS, JOÃO assistidos pelos Apóstolos.

Falando do Espírito, dissemos que Deus o tirara do "nada", para lhe dar o ser, o pensamento e a personalidade. O nada, na acepção humana em que empregais esse termo, não existe, é uma coisa sem sentido, do ponto de viSta correlativo de Deus e da criação.

O nada, para o Espírito, é, espiritualmente, a inconsciência do ser. Assim, o princípio espiritual 532

contido nos minerais e nos vegetais está no nada, com relação ao seu ser.

O nada da matéria propriamente dita é a volatização dos princípios materiais que devem aglomerar-se para constituir, quer os planetas, quer os corpos. É assim que foi explicado haver Deus feito sair do nada, do caos, o mundo. Foi porque ele constituiu em um corpo as moléculas esparsas na imensidade.

*

PRIMEIRO MANDAMENTO

Não terás outros deuses diante da minha face.

Jeová é o Deus só e único, o Criador incriado, aquele que é, aquele de quem, por quem e em quem tudo é. Não desvie o homem do seu Criador o pensamento, para pô-lo na criatura e lhe render culto e homenagem devidas tão-somente ao Senhor, não porque ele seja um Deus cioso, mas porque o homem é um Espírito fraco, que facilmente se afasta do caminho e penosamente a este volve.

*

SEGUNDO MANDAMENTO

Não farás imagens esculpidas das coisas que estão em cima, nos céus, nem embaixo, sobre a terra, nem nas águas, sob a terra. — Não te prostrarás diante delas; não as adorarás, nem as servirás, porquanto eu sou o Eterno teu Deus, o Deus forte e cioso que puno a iniqüidade dos pais nos filhos na terceira e na quarta gerações dos que me odeiam e que uso de misericórdia, na sucessão de mil gerações, com os que me amam e guardam meus mandamentos.

A unidade de Deus, sendo o princípio fundamental da fé, teve que ser salvaguardada pelos teólogos. As nossas palavras remontam até à origem da crença. Todos os que se achavam à frente do culto a possuíam firme, embora entre o povo espalhassem outra. 533

A idéia da unidade de Deus se perpetuou em todas as idades, no seio de todos os povos, ainda que sem o caráter de generalidade. Quer dizer, conquanto não fosse geral, era partilhada pelos espíritos intelectualmente mais adiantados, se bem menos virtuosos, que governavam os povos, quer como sacerdotes, quer como filósofos ou sábios.

A proibição de fazerem imitações das coisas criadas não implica, para os homens, a obrigação de se privarem de tais reproduções. Proibiu-se-lhes apenas que se prostrassem diante delas e as servissem, a fim de que a unidade do princípio criador fosse sempre mantida. Mas, os homens, materiais por natureza, tinham necessidade de representações materiais, para alimentar sua fé. Daí a adoração, o culto prestado ao que, desde a origem, não passava de representações sem importância, isto é, de simulacros colocados nos templos como ornatos. Transportai-vos ao templo de Salomão e, nos quatro cantos do altar, vereis anjos de asas espalmadas, outros voltados para o Oriente, para o Ocidente, et cætera. A representação artística e simbólica, não em interdita. Era-o apenas o culto votado a essas representações.

Moisés, naquela ocasião, lembrou aos Hebreus o poder de Deus, de quem era ele o representante, apresentando-o como "forte e cioso", isto é, sem admitir a partilha de seus direitos e com o poder de os fazer respeitar, não, porém, ferindo o inocente para punir o culpado até à terceira e à quarta gerações, nem concedendo graça aos culpados, através de mil gerações, por favor a um justo que houvesse servido de tronco a essa posteridade. Fraqueza da inteligência humana!

Essa punição, como essa misericórdia, verdadeiras monstruosidades se entendidas segundo a letra, são, segundo o espírito, a, expressão sublime da justiça e, ao mesmo tempo, da bondade infinita de Deus. A explicação e a justificativa de compreender-se aquela sentença desse duplo ponto de vista, 534

achá-las-eis no princípio da reencarnação, que mostra o castigo a cair sempre, de gerações em gerações, sobre o Espírito culpado e a misericórdia sempre a descer, também de gerações em gerações, sobre o Espírito que se depura e progride para o bem.

Os Espíritos geralmente se agregam, formando categorias de seres similares. Ora, compreende-se que esposos culpados atraiam para o seu lar Espíritos pouco adiantados, dispostos a seguir os caminhos que eles trilham; do mesmo modo que os que observam as leis do Senhor e cuja posteridade há de ser cada vez mais virtuosa atraiam, de geração em geração, Espíritos cada vez mais adiantados.

Vimos de dizer: "Compreende-se que esposos culpados atraiam para o seu lar Espíritos pouco adiantados dispostos a seguir os caminhos que eles trilham." Efetivamente, isso é bem compreensível. Antes de tudo, sabeis haver Espíritos que, pouco desejosos de progredir, procuram os laços de simpatia, seja esta oriunda do bem, seja do mal, que já os prenderam; e outros que, embora impulsados pelo desejo de progredir, escolhem meios cujas influências perniciosas não podem vencer. Repetimos, não obstante já isto vos ter sido dito muitas vezes, que, sobretudo neste último caso, o Espírito é prevenido dos perigos que correrá, encarnado, e da queda, quase inevitável, que daí lhe resultará. Se persiste, é por sua livre vontade.

Compreendei, de conformidade com esses princípios, a progressão do castigo e da misericórdia. O castigo se verifica na terceira e na quarta gerações, porque, pouco a pouco, o Espírito se depura ou por efeito da encarnação de outros no meio que ele tem preferido, ou por efeito das provações pelas quais passa aí repetidamente. Desde que um começo de melhora se faz sentir nele, o Espírito entra na senda do progresso, atrai a si companheiros também mais adiantados e, através de mil gerações e mesmo mais, se vai mostrando cada vez melhor, até atingir, por fim, a perfeição. 535

TERCEIRO MANDAMENTO

Não tomarás em vão o nome do Eterno, do Senhor teu Deus; porquanto o Eterno, o Senhor, não terá por inocente aquele que em vão houver tomado o seu nome.

Este mandamento tem sido, em geral, afastado do seu objetivo. Ele se liga aos dois primeiros, dos quais é corolário.

Não devendo perder de vista a unidade de Deus, não devendo prosternar-se diante de nenhuma imagem para adorá-la, também não devia o homem dar o título de Deus, nem atribuir seu poder, a nenhuma criatura, a nenhuma imitação. Por extensão, não deve tampouco usar mal do nome do Senhor, desde que esse nome lhe desperta um pensamento sério. Igualmente, se não ainda mais, com referência ao Criador de todas as coisas é que se entende a recomendação de Jesus aos homens para que de nenhuma forma jurassem: nem pelo céu, porque é o trono de Deus; "nem pela terra, porque lhe serve de escabelo para os pés."

Cuidai, pois, de suprimir da vossa linguagem esses juramentos feitos "diante de Deus, à face do céu", ou mediante qualquer outra expressão exagerada, que todas quase sempre ocultam, mesmo àquele que as emprega, a pouca confiança que nelas ele próprio deposita. Esforçai-vos por encaminhar Sempre o vosso pensamento para o Senhor, quando o seu nome invocardes. Constitui um abuso fazê-lo em circunstâncias triviais ou culposas.

A invocação do nome de Deus, feita com o coração cheio de sinceridade, atrai, não o próprio Deus à vossa presença, porquanto muito longe ainda está o planeta, terreno do ponto que há de alcançar para que isso se dê, mas o amparo dos Espíritos superiores, dos bons Espíritos que o pai de família investiu no governo de seus filhos e que lhes transmitem suas vontades, até que, pela purificação e pelo progresso, a inteligência se lhes ache bastante 536

desenvolvida para não mais necessitarem de intermediários.

*

QUARTO MANDAMENTO

Lembra-te do dia de sábado para o santificares. Trabalharás seis dias e farás a tua obra, mas o sétimo dia é o dia do descanso, consagrado ao Eterno, ao Senhor teu Deus. Não farás obra alguma nesse dia, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu servo, nem tua serva, nem teu gado, nem teu hóspede, o estrangeiro que estiver dentro dos muros de tuas cidades.

Este mandamento, a que foi dado o cunho religioso, é uma lei inteiramente civil e de utilidade humanitária, que teve de ser imposta aos Hebreus, a fim de domar neles o pendor para o abuso do poder.

A do trabalho é uma lei necessária à humanidade. É pelo trabalho que ela progride, que adquire ou repara. Mas o repouso não é menos indispensável, assim ao corpo, como ao Espírito.

Dizer aos homens: Daí ao vosso corpo tempo de refazer suas forças, dai ao vosso Espírito ensejo de se libertar dos cuidados da matéria, a fim de que possa elevar-se para o seu Criador e afastar-se da Terra que o retém cativo, a fim de se alcandorar, por meio da esperança e da meditação, às esferas elevadas que o aguardam, não teria bastado. E ainda agora seria bastante?

Havia, nesse mandamento, um sentimento profundo de filantropia, que os homens não souberam apreciar. Os povos antigos, dados todos aos abusos da força, tinham, todos eles, escravos encarregados dos mais rudes trabalhos. Não se fazia mister assegurar a estes um repouso necessário, tornando isso uma obrigação para seus senhores? Os animais, votados ao desprezo, porque tidos como carentes de alma, de inteligência, considerados como coisas, como incapazes mesmo da sensação de dor, teriam 537

sido, sem esse mandamento, levados, pelo excesso de trabalho, a extrema fadiga, as raças se teriam esgotado e as mais úteis ao homem desapareceriam da superfície da terra, por efeito da degenerescência.

Quanto ao estrangeiro que, considerado hóspede, devia ser respeitado, se o mandamento o não atingisse, provavelmente se teria visto oprimido, no dia de sábado, por todos os trabalhos de que cumpria se abstivessem os fiéis. E violada estaria a hospitalidade, lei santa que os antigos geralmente respeitavam.

Notai que em todos os cultos se vos depara essa salvaguarda da saúde pelo repouso.

Hoje, ó bem-amados, nós vos dizemos: Trabalhai, trabalhai, com coragem e zelo, porém, não ultrapasseis nunca os limites das vossas forças. Guardai e fazei guardar o sábado, não por puerilidade, mas porque a razão vos diz que necessitais de descanso um dia ou outro. Tomai-o quando dele sentirdes séria necessidade. Sobretudo, jamais sobrecarregueis de trabalho os vossos inferiores e respeitai o repouso do gado.

Os Hebreus levavam tão longe a observância do sábado, que a própria terra repousava, não no sétimo dia, mas no sétimo ano. Este método, que parecerá infantil aos modernos agricultores, tinha, no entanto, sua razão de ser. Sendo menos numerosos os homens, menores as necessidades, possível era dar-se à terra o luxo de um repouso que lhe permitia readquirir forças naturalmente, sem o recurso a artifícios, cujo abuso gera muitas das enfermidades de que padeceis, sem lhes descobrirdes as verdadeiras causas. Os rebanhos encontravam pastagens nas terras que repousavam e a presença deles ali bastava para restituir ao solo os sais necessários à reprodução dos vegetais. Isto, porém, sai do quadro dos nossos trabalhos.

Terminando, nós vos dizemos, como Jesus e com Jesus: "O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado." Nunca esqueçais estas 538

49 Ver: Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, reunidos e harmonizados, 1º tomo, n. 82, págs. 428-431 e tomo, n. 155, págs. 259-263.

palavras do Mestre e ponde-as em prática tais quais vos foram explicadas, em espírito e verdade, no comentário sobre os Evangelhos. 49

Em seguida a este Mandamento se lê: "Porquanto, o Eterno, o Senhor, fez, em seis dias, os céus, a terra e o mar e tudo o que está neles e descansou no sétimo dia. Eis porque o Eterno, o Senhor, abençoou o dia do repouso e o santificou.

Há nestas palavras um comentário acrescentado à lei por Moisés, a fim de lhe dar mais força e valor aos olhos dos homens. Elas resumem as explicações que ele deu ao povo, para que este compreendesse a necessidade do descanso que se lhe prescrevia. Tão necessário era este, que Deus o impusera a si mesmo.

Falando a homens pouco adiantados, Moisés usava da linguagem que lhes era possível compreender. E ele próprio, conquanto versado nas ciências e mistérios egípcios, não possuía, como encarnado, os conhecimentos que depois o trabalho dos séculos desenvolveu.

Pode conciliar-se o que Moisés, por essas palavras, disse de Deus e da Criação com o que atualmente se conhece e está assente, tanto pela ciência humana, quanto pela revelação e pela ciência espíritas?

É inútil tentá-lo. Moisés, interpretando, como o fez, o mandamento do descanso e dando-lhe origem tão augusta, não teve outra intenção além da de gravar mais profundamente, no coração dos Hebreus, o respeito àquela lei.

A criação ele a dividiu em seis épocas e não dias e o fez, não por efeito de pesquisas científicas, mas sempre com o mesmo objetivo. O Mandamento que, reclamado pelas necessidades humanas; im- 539

punha o repouso septenário, protegia os fracos. E Moisés obrigou os fortes a se lhe submeterem.

É então impossível toda explicação entre os sábios e os padres, com o fim de conciliarem o texto relativo às seis épocas com os dados atuais da ciência humana?

Impossível, com efeito, pois que a própria ciência não tem sobre isso a última palavra.

Os cataclismos que hão ocasionado as transformações do vosso planeta ainda a Ciência os não pode calcular, tanto mais quando, tendo sido parciais, muitas vezes fizeram passar de uma parte para outra os elementos de produção. Ainda não chegastes ao termo deles. Muitos, parciais a princípio, depois gerais, virão a produzir-se, derrocando o estado atual, para destruir o princípio material e levar o planeta terreno ao ponto de partida, isto é, ao estado fluídico, mas em que os fluidos se acharão expurgados de todas as moléculas materiais.

*

QUINTO MANDAMENTO

Honra a teu pai e a tua mãe.

Compreenda os Mandamentos do Senhor, em toda a sua grandeza, aquele que quiser obedecer-lhes. Honra a teu pai e a tua mãe: Estes são os chefes que o Senhor te dá, os guias encarnados que prepôs à tua guarda. Mas, os que se encarregam da tua educação, que te desenvolvem a inteligência, que vigiam a tua adolescência, não são também teu pai e tua mãe — espirituais? E, por vezes, não fazem mais do que o pai e a mãe segundo a carne, que esquecem seus sagrados deveres e deixam o filho, que o Senhor lhes confiou, entregue a seus maus pendores, quando não chegam até a fazê-lo ceder às inclinações más que neles predominam, dando-lhe o exemplo do orgulho ou do egoísmo, da luxú- 540

ria, dos vícios e paixões inferiores que degradam a humanidade e levam o Espírito à perdição, fazendo-o falir em suas provas?

O chefe de Estado, o juiz que governa com sabedoria, que faz justiça a todos, que dispensa sua solicitude até ao mais ínfimo de seus administrados, não é um pai a quem deves honrar, pois governa uma grande família?

E, falando assim, as nossas palavras se estendem a todo aquele que, como superior, qualquer que seja a sua condição, cumpre santamente suas obrigações para com os que lhe estão subordinados. A lei do respeito e do amor deve abranger todas as classes, todas as condições. É a cadeia que liga uns aos outros todos os membros da família universal.

A fim de que teus dias sejam prolongados na terra que o Eterno, o Senhor teu Deus, te dará.

Estas palavras, aditadas à lei, constituem um acréscimo feito por Moisés ao quinto Mandamento, tendo ainda por fim forçar à obediência e ao respeito à lei homens dominados unicamente pelo egoísmo e pelo instinto do presente.

Bem viver e viver longo tempo constituía para tais homens a primeira e única preocupação. Pelo ponto sensível era, pois, que importava prendê-los. E Moisés bem o percebeu.

Mas, tomai, ó filhos amados, a palavra — terra em acepção simbólica e compreendereis como a vossa vida poderá prolongar-se em a morada que reservada vos está, no sentido de que mais cedo a ela podereis chegar, cumprindo melhor os vossos deveres. Como sabeis, a morada reservada aos homens que o merecem são as esferas superiores, que eles atingem à medida que se elevam e a que tanto mais cedo chegarão quanto mais esforços fizerem por se aperfeiçoar.

Homem, honra a teu pai e a tua mãe e teus dias serão prolongados na terra que o Senhor teu Deus 541

te dará. Mas, compreende-o bem, essa terra não é o solo que pisam teus pés.

As dificuldades que surgiram na interpretação dos Mandamentos nasceram de não terem querido ou não terem sabido os interpretadores distinguir do princípio exarado na lei as adições feitas à lei, separar o que veio de Deus do que veio do homem, sob a inspiração divina, por intermédio dos Espíritos superiores, com um objetivo transitório e humano. O que, na lei, vem de Deus é imutável; o que veio por aquela inspiração divina, foi um meio de que Moisés se serviu para, atendendo ao momento, segundo a letra, e preparando o futuro, segundo o espírito, auxiliar o progresso humano, de conformidade com as necessidades da época.

Na Terra em que habitais, enquanto a ocupardes pela encarnação, vossos dias não podem ser prolongados.

No O Livro dos Espíritos se lê, com relação à morte, o seguinte: "De fatal, no verdadeiro sentido da palavra, não há senão o instante da morte. Em chegando esse momento, ou por um meio ou por outro, não vos podeis subtrair a ele." — Depois, como resposta a esta pergunta: "Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, não morreremos se a hora não for chegada?" se lê: "Não, não perecerás e tens disso milhares de exemplos; mas, tendo chegado a hora de partires, nada pode obstar à tua partida." — Diante dessas palavras e destas que acabais de proferir mediunicamente: "Na Terra em que habitais, enquanto, a ocupardes pela encarnação, vossos dias não podem ser prolongados" — em que sentido, em que condições e segundo que regras se deve entender que o instante da morte é fatal? Deve-se entendê-lo de modo absoluto e no sentido de que o homem nada pode conseguir, para abreviar sua existência, pelo uso e abuso do seu livre-arbítrio, por seus atos, pela maneira por que se utiliza da sua existência, deixando de cumprir as obrigações que lhe são impostas para que o corpo lhe dure até ao termo de suas provações? 542

O Livro dos Espíritos era a base da revelação, porém não a revelação toda. Se nessa obra se houvesse entrado em todos os pormenores, mais terríveis teriam sido as tempestades que ela levantou, mais numerosos os antagonistas, mais penosa a luta. Foi preciso, primeiramente, desentulhar o caminho e mostrar a luz que cintilava por entre as abertas do silvedo. Pouco a pouco, o horizonte foi sendo alargado e ainda o será mais.

Sob certos pontos de vista, como esse que ali se adotou, mas sem que se houvesse entrado em todos os desenvolvimentos, a morte é determinada. Credes, porém, fracas e finitas criaturas, que aquele que se move no infinito e abrange com o seu olhar as plêiades inumeráveis de estrelas, de mundos que ele projetou no espaço, mede o tempo com os vossos compassos? Tudo é detido em sua marcha, tudo tem determinada a sua duração, ao simples olhar daquele que é o infinito. Mas, a barreira que se ergue diante de vós não é determinada como o interpretais.

A duração da vida se regula pelo princípio que liga o Espírito ao corpo. O cordão fluídico de que se vos tem falado é a mola que põe em movimento o mecanismo corporal. Determinada é a duração dessa mola, mas dentro de uma amplitude que não podeis compreender e que não se mede pelos minutos da vossa pêndula. Extensão mais ou menos longa que é dada, de acordo com a maneira por que dela fizerdes uso. É como um pedaço de borracha que se pode esticar até certo ponto, conforme a maior ou menor força, a maior ou menor destreza que se empregue.

Conquanto seja difícil fazer-vos compreender esta apreciação, vamos dar-vos o sentido e o alcance do que acabamos de dizer.

A duração do homem tem um limite natural, determinado, no curso regular da existência, pelas leis imutáveis da natureza, pela ação e aplicação dessas leis, de conformidade com os meios e os cli- 543

mas, por isso que os fluidos que servem para a formação e o entretenimento dos seres humanos estão em relação com os climas sobre que eles atuam. E a matéria está em relação adequada com eles, porquanto, segundo a lei de harmonia universal, tudo é determinado. Aí, nesse limite natural, é que está o momento irrevogável do fim humano, fim contra o qual o livre-arbítrio do homem nada pode, no sentido de prolongar além dele a duração do corpo.

Eis qual é, na verdadeira significação da palavra, o instante fatal da morte. Neste sentido é que os dias da criatura humana não podem ser prolongados. Eles não podem ir além daquele limite natural. Mas, o livre-arbítrio do homem pode, seja por meio de suas resoluções espíritas, isto é, pelas determinações que toma, como Espírito, antes de encarnar, seja pelo uso que faz da sua existência como encarnado, interromper o curso desta em determinado tempo, entre o instante do seu nascimento e aquele natural limite, que é a hora fatal do fim humano.

O livre-arbítrio do Espírito o coloca em condições de marcar, antes da encarnação, a duração aproximada do corpo que lhe servirá de envoltório, tomando ele o encargo de cumprir as obrigações necessárias a fazê-lo durar até ao termo de suas provas. Uma vez encarnado, como ignore quanto tempo durarão estas, deve empregar todos os esforços para se pôr em estado de levá-las a cabo.

Neste caso, tendo, pelas suas resoluções espíritas, marcado a terminação da prova, portanto a duração de sua existência terrena, o Espírito se acha impedido de atingir o termo geral desta — o seu limite natural. O corpo, então, sob a vigilância e a direção dos Espíritos prepostos à tarefa de velar pelo cumprimento das provas, se forma em condições de durar o tempo predeterminado, cabendo, porém, repetimo-lo, ao Espírito encarnado cumprir todas as obrigações de que dependa a duração dele até ao fim das provas a que serve de instrumento. 544

Cumpridas que sejam todas essas obrigações, o instante da morte é irrevogável, porém não fatal, no verdadeiro sentido desta palavra, visto ser o resultado do uso que do seu livre-arbítrio fez o Espírito antes de encarnar.

O homem, todavia, pode, pelo exercício desse mesmo livre-arbítrio, pelo abuso que dele faça, pela maneira por que conduza a sua existência, deter o curso desta antes do tempo marcado pelas suas resoluções espíritas, pelas determinações que tomou, como Espírito, antes de encarnar.

Assim é que o doente usa do livre-arbítrio, tanto quanto cuida do seu corpo para torná-lo capaz de levar a cabo as provas que seu Espírito escolheu, como quando apressa a sua morte, quer descuidando-se dele, o que muito se aproxima do suicídio, quer praticando abusos ou excessos, desde que esse descuido, esses abusos e excessos constituam infração das obrigações que lhe cabia cumprir para fazê-lo durar até ao fim das provas que escolhera.

O tempo não é, pois, limitado segundo o vosso ponto de vista, se bem o seja com relação ao infinito e às leis que regem o Universo.

Sim, o instante da morte é fatal, no verdadeiro sentido da palavra, porque a vida corpórea não pode ultrapassar certo limite.

Não, o instante da morte não é fatal, relativamente à duração da vossa existência restrita, porque o limite natural, no curso regular da vida terrena, só raramente é atingido, pela razão de que as vossas resoluções espíritas, ou os vossos atos, uns e outras conseqüências do vosso livre-arbítrio, impedem que o atinjais.

Quando, para o homem, é chegada a hora de partir, nada pode eximi-lo da partida. E isto se verifica, desde que essa hora chegue, ou porque o limite natural tenha sido alcançado, ou por efeito de suas resoluções espíritas, ou em conseqüência de atos seus, que, dada a maneira por que haja conduzido a sua existência, constituíram infração das 545

50 Ver: Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, n. 119, págs. 106-113 do 2º tomo.

obrigações que ele tinha necessidade de cumprir, para fazer que seu corpo durasse até ao termo das provas que buscara.

Dentro dessa latitude que vos é concedida, podeis mover-vos e usar do vosso livre-arbítrio que, a não ser assim, não passaria de uma palavra oca e infalivelmente traria a todo aquele que raciocina a idéia de fatalismo, de predestinação, de escravidão moral.

Há, porém, uma distinção a estabelecer-se quanto à duração da vossa existência, restringida, com relação ao limite natural, pelas vossas resoluções espíritas, ou por atos vossos que, conformemente ao emprego que dais à vida corporal, constituem infração das obrigações que tendes necessidade de cumprir, para que o vosso corpo dure até à terminação das provas que escolhestes.

De acordo com o que já vos dissemos, para o homem que cumpriu, que cumpre todas as obrigações cuja observância é necessária para que seu corpo dure até ao termo de suas provas, e que, pelas suas resoluções espíritas, determinou uma duração restrita para a sua existência, o instante da morte é e permanece irrevogável. Nesse caso, qualquer que seja o perigo que o ameace, ele não perecerá se a hora não houver chegado. Qualquer que seja a situação em que se encontre, os meios apropriados a salvá-lo lhe serão preparados e colocados ao alcance pelos Espíritos prepostos ao encargo de vigiar o cumprimento das provas, das expiações. Se, ao contrário, a hora chegou, ele morrerá, perecerá. Disso tendes, como se vos disse, milhares de exemplos. De fato, quantas e quantas vezes, no mesmo lugar, uns perecem, outros se salvam!

Já recebestes sobre isto explicações nos comentários aos três primeiros Evangelhos50, quanto aos casos de naufrágio, de incêndio, de desmoro- 546

namentos subterrâneos, de quedas. Não temos que voltar a esse ponto.

No caso de assassínio, o assassino não é instrumento cego da Providência quando, em determinado tempo, põe termo à prova de um que se destinara a essa expiação. Assim procedendo, usou do seu livre-arbítrio. O assassínio é a conseqüência do livre-arbítrio de um e da escolha das provas, das expiações, feita pelo outro que, aplicando a si mesmo a lei de talião, buscou morrer, ou de morte violenta, mas sem determinar em que época, nem de que gênero seria a morte, ou, então, de uma forma precisa, perecendo assassinado.

No primeiro caso, se o assassino usa do seu livre-arbítrio para domar suas paixões e perdoa ao que ia ser uma vitima, outra circunstância a este se apresentará, que porá fim às suas provas. Estas se cumprirão assim conforme às resoluções que seu Espírito tomou antes de encarnar.

No segundo caso, se o assassino procede da mesma forma, os acontecimentos da vida aproximarão o encarnado, que deva sofrer a expiação de morrer assassinado, de outro encarnado em quem os maus pendores predominam, para que se dê o que haja de dar-se.

O assassino e a vitima, uma vez encarnados, não mais se lembram da escolha que fizeram — um, da prova de que terá de sair vencedor ou vencido e que constitui, para ele, a luta contra uma tendência de que lhe cumpre triunfar; — o outro, da expiação por que deve passar, como meio de reparação e de depuração. Assim, não é por impulso próprio que a vítima se encaminha para o matadouro. Entretanto, algumas vezes, ela prepara, inconscientemente, o caminho que a conduzirá lá, ou é para lá guiada pelos Espíritos prepostos a vigiar o cumprimento das provas, das expiações.

Compreendei bem o sentido destas últimas palavras. Os guias não dirigem os atos do assassino; dirigem o Espírito daquele que deve sofrer a expia- 547

ção, dirigem os acontecimentos que o conduzirão ao caminho, seja da prova, seja da expiação. Não deduzais daí que à vítima o Espírito seu protetor dê por inspiração, no momento em que ela desperta, a lembrança da resolução que seu Espírito haja tomado enquanto esteve desprendido, durante o sono, a de se colocar no rumo dos sucessos que tenham de levá-la ao cumprimento da expiação escolhida; não. Isso seria um suplício moral infligido ao encarnado e a Providência é piedosa para com seus filhos. Mas, conforme já vos foi explicado no comentário aos três primeiros Evangelhos (n. 119, págs. 106-113, do 2º tomo), o encarnado, ao despertar, conserva uma impressão vaga, que se torna a determinante da sua vontade, de seus atos.

Se a hora fixada pelas resoluções espíritas, quanto à época da morte, não soou e permanece irrevogável, por estar aquele que se acha submetido à expiação cumprindo todas as obrigações de que há de resultar a duração de seu carpo até ao fim de suas provas, os Espíritos prepostos a velar pelo cumprimento destas, das expiações, preparam e põem ao alcance dele os meios próprios a subtraí-lo ao assassínio. Ele se salvará, qualquer que seja o perigo que o ameace.

No caso em que, praticando, pelo uso que faz da sua existência, atos que constituam infração das obrigações que lhe era necessário cumprir para que o corpo lhe durasse até ao fim de suas provas, infração, portanto, de suas resoluções espíritas, o homem detém o curso dessas provas, ele apressa o instante de sua morte. Soa-lhe então a hora de partir, porque, usando e abusando do seu livre-arbítrio, pôs fim à duração de seu corpo, com o fazer que entrassem em ação os meios pelos quais esse fim chega. É que, procedendo daquela forma, ele atraiu fluidos cuja ação, de conformidade com as leis naturais e imutáveis que os regem, prepara e executa a destruição do corpo, a rutura do laço que a este liga o Espírito, desse cordão fluídico que 548

é a mola, o instrumento e o meio de que depende a vida. E, ao mesmo tempo que atraía aqueles fluidos, ele repelia os apropriados à conservação do corpo até ao termo das provas por que devia passar.

O homem que se deixa arrastar ao suicídio usa do seu livre-arbítrio, quer quando atenta, de qualquer modo, contra a vida, quer quando afasta a arma que dirigira contra si mesmo, ou renuncia ao projeto de matar-se e ao gênero de morte que escolhera. Se, porém, a hora que ele, ao tomar as suas resoluções espíritas, fixou para morrer é e se conserva irrevogável, por haverem sido, de sua parte, cumpridas todas as obrigações que lhe importava cumprir para que seu corpo durasse até ao termo de suas provas, os Espíritos prepostos a velar pelo cumprimento destas prepararão e lhe porão ao alcance os meios adequados a se subtrair à morte. O suicídio abortará, ele será salvo.

Não concluais daí que o homem possa seguir impunemente o seu pendor para o suicídio e a ele ceder, atentando contra a própria vida, porquanto, de um lado, o suicídio é crime perante Deus e, de outro, o homem não sabe se chegou ou não a hora da sua partida.

A duração da vida é limitada, mas o livre-arbítrio do homem pode fazê-lo sucumbir ao mau pensamento de interromper ele mesmo o curso da sua existência, ou levá-lo a dominar esse arrastamento culposo.

Aquele que se suicidou, como o que morreu assassinado ou de qualquer outra forma, morreria sempre, mas de maneira diversa, de modo natural, desde que houvesse chegado para ele a hora de partir, quer por haver atingido o limite natural marcado para fim da vida humana que segue o seu curso, regular, quer por haverem suas provas atingido o termo que ele lhes fixou ao tomar suas resoluções espíritas, quer, finalmente, por ter, pelos seus atos, infringido as obrigações que precisava 549

cumprir, a fim de fazer que seu corpo durasse até ao termo daquelas provas.

Cedendo ao arrastamento que lhe cumpria combater, o gênero de morte a que sucumbiu resultou de sua escolha, mas ele partiu porque chegara a hora de partir. Se houvesse combatido os pendores que o impeliam a matar-se, teria saído vencedor da prova, não se veria condenado a recomeçar nas mesmas condições.

O sentimento que induz o homem a se suicidar não lhe nasce no íntimo instantaneamente. É um gérmen que se desenvolve, como que devido a uma tendência constitutiva de uma prova de que ele precisa triunfar. Se, em lugar de combater essa tendência, o homem se lhe entrega, morre culpado, faliu. Se, em vez de se lhe entregar, investe contra a idéia de destruir a existência que o Senhor lhe concedeu, a hora da libertação, quando soar, o encontrará isento da mancha de uma ação má e da dos maus pensamentos que a houveram causado.

Combatendo as tendências que o propeliam para a destruição de si mesmo, evitando a série de acontecimentos que poderiam levá-lo a um tal ato de desespero, o suicida teria podido evitar o crime. O homem pode evitá-lo, pois que pode, pela força da sua vontade, repelir as tentações. Aquele que escolheu, como prova, resistir à tendência ao suicídio, pode sair vencedor da luta. A bondade de Deus lhe faculta os meios; cabe-lhe alcançar a vitória, porquanto, nas provas em que o homem, para purificar seu Espírito no cadinho da reencarnação, é chamado a vencer suas tendências, Deus lhe deixa a liberdade de escolher entre o bem e o mal. Assim, há sempre luta e possibilidades de triunfo ou de derrota.

Quer sucumba na prova do suicídio, quer triunfe dela, morre sempre no tempo preciso, isto é, quando chega para ele a hora de partir, de uma das maneiras que acabamos de assinalar. Mas Deus, conhecendo todas as coisas, por efeito da sua sabe- 550

doria infinita e da sua presciência, vê se o homem vencerá ou sucumbirá. Se tiver que sair vencedor, o Senhor, por intermédio dos Espíritos prepostos a velar pela execução das provas, prepara circunstâncias que lhe acarretem um fim natural. Se houver de sucumbir na prova, o Senhor deixa que, na inviolabilidade do seu livre-arbítrio, o homem consuma a obra criminosa, dando à sua existência o fim que ele próprio preparou e que constituirá um ato culposo da sua vontade.

Eis tudo o que temos para vos dizer sobre o instante da morte, o qual se fosse, como falsamente alguns o consideram, fatal, de modo absoluto e em todos os casos, seria um atentado ao livre-arbítrio do homem e envolveria, inevitavelmente, a idéia de fatalismo.

*

SEXTO MANDAMENTO

Não matarás.

Não corte aquele que nada pode criar o fio da existência das criaturas do Senhor. Não deixe o homem que em seu coração se desenvolva o instinto da destruição, pois não sabe que responsabilidade assume.

Este Mandamento, muito vago em seu enunciado, tem um alcance maior do que supondes e ultrapassa de muito os limites do vosso ser. Em cada uma das fases do seu passado, a humanidade o interpretou segundo as suas necessidades. Em cada uma das fases do seu futuro o interpretará de maneira a lhe ampliar a inteligência e aplicação.

Nos tempos primitivos, o "não matarás" significava, para os Hebreus: "Não derramarás, sem motivo, o sangue de teu irmão". Mas, a pena de morte vigorava para o menor delito e o sangue das vítimas oferecidas em holocausto corria incessantemente sobre o altar e tão pouco poupados eram os escravos, quanto os animais.

Mais tarde, a pena de morte se tornou menos 551

51 Ver: O Livro dos Espíritos, págs. 334-345, sobre a Lei de destruição.

aplicada. Só o era àquele cujo crime se tinha por bem comprovado. Os próprios animais passaram a ser, em parte, menos sacrificados, quando nada, nas cerimônias do culto. Porém, as vinganças, as guerras, a crueldade continuaram, como continuam, a derramar sangue por todos os lados.

Hoje, os que hão escutado a nossa voz, mesmo os que não a têm compreendido ou a consideram mentirosa, se levantam contra a aplicação da pena de morte ao criminoso, anelam pelo momento em que não mais homens se alinhem diante de homens, para descarregar uns sobre os outros seus mortíferos projetis e alguns — os que nos atendem — poupam a vida de todas essas criaturas fracas que o Senhor lhes pôs no caminho, a fim de desenvolver em seus corações a caridade e fazer-lhes compreender a solidariedade universal. Mas, o sangue ainda corre nos matadouros e, aos magotes, caem, sob os golpes dos cutelos assassinos, as vítimas necessárias à alimentação humana.

Mais tarde, o sangue deixará de ser derramado na Terra. Mais tarde, o homem não matará. Amará e protegerá o fraco, quer seja este um homem também, quer um animal confiado à sua guarda. Compreenderá a lei de amor e saberá elevar-se acima das necessidades da carne, necessidades a que ainda precisa satisfazer, porquanto correspondem à organização atual da máquina, mas que diminuirão gradualmente, à medida que o Espírito crescer na sabedoria e em ciência, porque, de par com este crescimento, também gradativamente se modificará o organismo humano. O progresso físico marcha e se desenvolve concomitantemente com o progresso moral e intelectual, com os quais guarda relação.51

Neste momento, a abolição da pena de morte é reclamada na França, está proposta nas assembléias legislativas da Itália e da Bélgica. 552

São esforços generosos; são promissores começos. Ainda não chegou, porém, o momento de abolir-se a pena de morte. É preciso que se depure o moral das classes inferiores, inferiores não do ponto de vista das condições sociais, mas do adiantamento moral, intelectual dos Espíritos. Enquanto não chega esse esperado momento, a vós, homens, a vós espíritas, sobretudo cabe, pelos vossos ensinos e exemplos, apressar-lhe o advento possível e oportuno.

*

SÊTIMO MANDAMENTO

Não cometerás adultério.

A natureza material do homem o impele para a lubricidade. Nada lhe refreia os desejos, desde que se entregue aos instintos animais. E sabeis que estes instintos, principalmente, dominavam naquelas afastadas épocas. Não vedes que ainda agora eles arrastam muitos de vossos irmãos a vergonhosos transviamentos?

Os laços que prendem um ao outro o homem e a mulher e que os induzem a perpetuar a espécie têm uma origem nobre e pura, de onde a materialidade da encarnação os desviou, mas à qual é preciso que voltem.

A proibição de cometer adultério devia bastar para conter os excessos. Mas, ainda aí a interpretação obedeceu às necessidades da época: o homem e a mulher casados, se cometiam adultério, eram punidos, ela com a pena de morte, ele com a pecha de infame.

Este Mandamento, segundo o espírito, se estende a toda quebra da união pura. Compreende todos os arrastamentos carnais, sejam quais forem, que impilam o macho para a fêmea e que rebaixam a humanidade até ao nível dos instintos do bruto. 553

52 Ver, com efeito, o que foi desenvolvidamente dito sobre a origem do Espírito (origem da alma), sobre a do homem e da mulher na Terra e sobre os mundos primitivos. (Ns. 56 e seguintes, tomo 19, Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, reunidos.)

Não vos dizemos: "Deus criou um homem de uma mulher, a fim de provar que uma só existência deviam eles ter." Esse era o lado moral, o fim moral que, sob o véu da letra, Moisés adotara, colocando-se no ponto de vista dos Hebreus, e que permaneceram os mesmos para as gerações então futuras. Já vos demos explicações a respeito dessa figura emblemática da criação e acerca da própria criação52. Dir-vos-emos, não obstante, o seguinte: os Espíritos se grupam por atração de simpatia. Cada Espírito escolhe o companheiro, ou a companheira, com quem passe o tempo de sua provação. Tal a regra, cuja única, exceção se encontra no caso do celibato como provação.

Os Espíritos encarnam, nascem, geralmente em condições que lhes permitam reunir-se. Os que são reciprocamente simpáticos se acham destinados à união. Mas, as disposições materiais de um ou de outro, como encarnados, podem quebrar acidentalmente a harmonia e lhes retardar a união, quer nos limites da encarnação presente, quer até uma outra encarnação. Assim é que um Espírito se vê repelido, desprezado, ou abandonado por outro que lhe é simpático, que o chama, isto é, para o qual ele se sente atraído, porém que se deixou seduzir, ou pelos arrastamentos carnais, ou pelo orgulho, pela ambição, pelo amor do ouro.

Quando Espíritos simpáticos um ao outro chegam a unir-se na Terra, de conformidade com a escolha por eles reciprocamente feita antes de encarnarem, nada mais haverá que os separe, que rompa os laços dessa união, desde que ela se realizou por efeito de idêntica, tendências para o bem. Esses não precisam mais que um mandamento lhes diga: "Não 554

cometereis adultério". Porém, se, uma vez encarnados, descuidando-se dos compromissos assumidos no estado espírita, compromissos cuja lembrança perderam, se bem que um secreto instinto do coração os advirta deles, e dos quais a influência da matéria os afasta, os Espíritos, homens e mulheres, não procuram, na união conjugal, mais do que uma passageira satisfação material, mais do que uma combinação matemática ou social, um negócio de interesse ou de orgulho, os compromissos terrenos quebram os laços de simpatia. Em tal caso, uma afeição pura não enche os corações e os Espíritos buscam compensações na variedade e no mau proceder. A esses o mandamento diz: "Não fornicarás, "não cometerás adultério, porquanto, se a ti mesmo te impuseste carregar uma pesada cadeia, tens que sofrer as conseqüências; tens que, pelo respeito que deves a esse compromisso irrefletido, atenuar a falta que praticaste contraindo-o; tens que vencer os teus instintos sensuais; tens que dominar a carne e fazer que nasça. a simpatia que deverá reinar — entre o teu Espírito e o da companheira que inconsideradamente escolheste — quando começar o dia da liberdade pela volta de ambos à vida espírita."

Algumas vezes, a união é imposta ao encarnado pela influência e autoridade dos pais, movidos pelo interesse ou pelo orgulho. Tal união constitui, para o que a sofre, uma provação por ele escolhida e que será temporária, ou durará todo o tempo da sua existência terrena. No primeiro caso, terá por efeito apenas retardar, no curso da sua encarnação atual, a união simpática que ele escolhera antes desta. No segundo, o efeito será adiar essa união para uma encarnação posterior.

E tanto para esse, como para o que se uniu fugindo às suas provas, o Mandamento emprega a mesma linguagem de que usa para com o que, livre e voluntária, mas irrefletidamente, assumiu 555

um compromisso, desviando-se do caminho que devia seguir.

Algumas vezes também, certos Espíritos, desejosos de vencer a antipatia que experimentam um pelo outro, embora nem sempre seja recíproca, escolhem, como provação, unir-se humanamente. Ainda a esses o Mandamento diz: "Não cometereis adultério." E Jesus, com a sua voz meiga, repete: "Não separe o homem o que Deus uniu"

Concluindo as nossas observações sobre este ponto, repetimos: Os Espíritos se destinam à união. Antes de encarnarem, escolhem os que lhes sejam companheiros, a fim de juntos passarem o tempo da provação, auxiliando-se mutuamente, ressalvada a possibilidade de uns ou outros fugirem ao cumprimento de suas resoluções espíritas. Mas, quer isto se dê, quer não, a escolha, seja conforme ou contrária a essas resoluções espíritas, não é fruto do que chamais — o acaso e sim o resultado da direção impressa às provas. Dessa direção depende ser o Espírito desviado de sua rota, ou livre e voluntariamente, ou porque sofra a imposição de uma vontade.

Feita a escolha e dado que um dos Espíritos ou ambos se afastem do caminho que deviam seguir, pode acontecer, ou que venham a encontrar-se, ao cabo de certo tempo, na encarnação presente, ou que fiquem momentaneamente separados, até uma nova encarnação, na qual os reconduzirão um ao outro as mesmas simpatias, ou então, se o caso resultar de antipatia, a intenção de, por prova, viverem unidos. A escolha reiteradamente feita acabará por torná-los capazes de levarem a cabo a prova.

O celibato também é, para uns, prova; para outros, desvio. Os que, por prova, se destinam ao celibato, não escolheram companheira para a vida, ou, pelo menos (dizemo-lo, a fim de não deixar margem para falsas interpretações), não determinaram que se verificasse sua união terrena com outro Espírito. 556

53 Ver: Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, reunidos e postos em concordância, 39 tomo, páginas 180-188.

Para explicarmos todos os casos em que o celibato constitui um transviamento, teríamos que entrar em muitos pormenores. Bastará, pois, vos façamos notar que há celibatários — por egoísmo, por lubricidade, por indiferença, por avareza, por quietismo, doutrina que, assente numa falsa idéia da espiritualidade, faz consistir a perfeição cristã na inação da alma e em a criatura negligenciar das obras exteriores. Há ainda o celibato por voto decorrente da condição imposta a todo aquele, homem e mulher, que se propõe entrar para as ordens monásticas e religiosas. Conforme vos foi relatado no comentário sobre os três primeiros Evangelhos, a imposição desse compromisso nasceu de uma falsa interpretação e de uma aplicação falsa destas palavras de Jesus: "Há os que se fizeram eunucos pelo reino dos céus; aquele que puder compreender isto, que o compreenda"53, palavras que a Igreja não soube nem pôde compreender. O que, a esse respeito, ocorreu, sob o império e o véu da letra, na era cristã, postos de parte os desvios e abusos, teve a sua razão de ser, mas tem que cessar e cessará na era nova do Cristianismo do Cristo, na era espírita, sob o império do espírito.

*

OITAVO MANDAMENTO

Não furtarás.

O egoísmo e a inveja são inimigos ocultos que todo homem traz dentro de si. São dois sentimentos que o levam a apoderar-se de tudo o que lhe possa convir, quer moralmente, quer fisicamente. São dois sentimentos que o excitam a empregar a astúcia ou a força para conseguir o que deseja. 557

Impor-lhe o respeito à propriedade de outrem, qualquer que ela seja, é forçá-lo a domar esses princípios de todo mal, conduzindo-o à obediência à lei do trabalho, da justiça, do amor e da caridade que, banindo-lhe do coração o egoísmo e a inveja, lhe excluem do pensamento e dos atos a preguiça, a ignorância, a miséria, os transbordamentos, os desvios, os excessos do Espírito e da carne e, portanto, o instinto ou a vontade do roubo de qualquer natureza, tanto do ponto de vista das pessoas, como do das propriedades de ordem material, moral e intelectual. Tal o objetivo deste Mandamento.

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NONO MANDAMENTO

Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

Não é o que entra no homem o que o macula, disse Jesus, porque o que entra no homem vai aos intestinos e daí para o lugar secreto. O que macula o homem são as palavras que lhe sobem do coração aos lábios.

A verdade, em toda a sua simplicidade, deve inspirar as palavras daquele que teme a Deus e procura caminhar nas sendas por ele traçadas.

Este Mandamento, apropriado a uma época em que, pelo testemunho de um só homem, um outro homem podia, em certos casos, ser condenado à morte, se estende, avolumando-se de princípios, a todos os séculos e clareia os que se aproximam.

Vimos de dizer que ele era apropriado a uma época em que, pelo testemunho de um só homem, podia outro ser condenado à morte. Ainda nos dias de hoje as causas subsistem, porém, porque a justiça dos homens progrediu, como todas as coisas, mais raros são os fatos dessa natureza. Na época de que falamos, quando este Mandamento apareceu, no período da era hebraica, bastava que um homem acusasse a outro de blasfemo, ou de um pecado, 558

para que esse outro fosse lapidado. E esses costumes, essas tradições hebraicas, por longos séculos e sob diversos aspectos e de pontos de vista diferentes, com relação à era cristã, deixaram traços que ainda se notam nas vossas legislações humanas: civis, políticas e religiosas.

Não dar falso testemunho é, em toda ocasião, em todo lugar e em todos os casos, render homenagem à verdade; é desfraldar sem vexame, nem vacilações, o estandarte da verdade; é não temer altear o facho de luz que aclara; é destruir o alqueire que a cobre, para fazê-la brilhar aos olhos de todos.

Não pronunciar falso testemunho é marchar sempre de acordo com a consciência.

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DECIMO MANDAMENTO

Não cobiçarás a casa de teu próximo; não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que seja de teu próximo.

Este Mandamento se prende, dando-lhe maior amplitude, ao que diz: "Não furtarás." Ele ensina ao homem que não lhe basta abster-se de uma ação má; que lhe cumpre ter-se em guarda contra o mau pensamento, pois, para Deus, o pensamento, em muitas circunstâncias, vale tanto quanto o ato. Efetivamente, aquele que concebe um mau desígnio, mas que não o pode executar, seja por temor das leis, seja porque uma série de acontecimentos o impeça, não é tão culpado como o que o executa? Faltou-lhe a ocasião, eis tudo.

Branqueai e limpai os sepulcros dos vossos corações; purificai os vossos pensamentos; que nenhum destes seja de ordem a vos fazer corar diante dos vossos irmãos, pois o que não ousareis confessar a homens falíveis como vós está exposto às 559

vistas do supremo Juiz, que lê no mais recôndito da vossa alma.

Nada cobiceis; não premediteis nenhum mal; não vos entregueis a nenhum mau pensamento, por isso que aquele que sonda os corações e as entranhas julga, assim os sentimentos, como os atos.

Que sobre vós derrame o Senhor as suas bênçãos.

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MOISÉS.

AMOR DE DEUS E DO PRÓXIMO

"Amarás ao Eterno teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças." (Deuteronômio, cap. VI, vv. 4-5.)

"Amarás ao teu próximo como a ti mesmo." (Levítico, cap. XIX, v. 18. — Mateus, cap. XXII, vv. 30-40. — Marcos, cap. XII, vv. 28-31. — Lucas, cap. X, vv. 25-28 e 29-37.)

"E estes mandamentos que hoje te prescrevo estarão em teu coração; tu os inculcarás a teus filhos e deles falarás quando estiveres em tua casa, quando te puseres a caminho, quando te deitares e quando te levantares; e os atarás como um sinal em tuas mãos e estarão como testeiras entre teus olhos; escrevê-los-á também nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. — Ouve, pois, ó Israel e cuida de guardá-los, a fim de que sejas feliz e muito te multipliques na terra onde manam leite e mel, como o disse o Eterno, o Deus de teus pais." (Deuteronômio, cap. VI, vv. 6-7-8-9 e v. 3.)

"Toda a lei e os profetas se acham contidos nestes dois mandamentos." (MATEUS, cap. XXII, v. 40.)

Amar a Deus é render homenagem ao princípio do amor, à causa da vida.

Criatura ínfima, que pode o homem, que pode o Espírito que anima essa forma grosseira fazer como testemunho de reconhecimento ao Senhor onipotente por todos os tesouros que lhe pôs nas mãos, a fim de que deles se utilize incessantemente? Amar, porquanto o amor inspira a submissão, a gratidão e o respeito; amar, porquanto o amor é o 560

único laço que liga a criatura ao Criador. E esse amor deve manifestar-se de todos os modos, visto que representa a criação inteira.

Para amar a Deus, deve o homem limpar seu coração, seu Espírito, seu corpo de todas as nódoas, pois o amor induz à aproximação e o que quer que seja impuro não pode aproximar-se de Deus.

Dissemos que o homem deve limpar seu coração, seu Espírito e seu corpo de todas as nódoas. Deve limpar o corpo, como o coração e o Espírito, porque o corpo é o instrumento com que este cumpre suas provas e realiza, encarnando, sua marcha ascensional pela senda do progresso moral, intelectual e físico. Deve limpar seu coração, seu Espírito e seu corpo, para, por meio do progresso moral e intelectual, obter a depuração do coração e do Espírito e, por meio desta, conseguir o progresso físico e, em conseqüência, o do envoltório corporal, isentando-o da liga impura da matéria, com o desprender-se dela cada vez mais, no curso das vidas sucessivas e progressivas e através da hierarquia ascensional dos mundos.

Para amar a Deus, deve o homem trabalhar continuamente por elevar sua inteligência, por desenvolvê-la, por alargar seus conhecimentos, por dilatar sua ciência, porquanto a ignorância não pode aproximar-se da onisciência e tudo o que é amor tende a unir-se.

Amar a Deus é fundir-se na humanidade, é absorver-se no amor fraternal, por isso que todo homem — como todas as criaturas do Senhor — provém do mesmo princípio, tende ao mesmo fim, é uma parte do ser dividido ao infinito, para o efeito de elevar-se do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, na individualidade e na imortalidade. Homens, não vos equivoqueis quanto ao sentido e ao alcance destas últimas palavras: "é uma parte do ser dividido ao infinito, para o efeito de elevar-se do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, na individualidade e na imortalidade." 561

Mal compreendidas, elas dariam lugar a falsas interpretações, do ponto de vista das idéias panteístas, idéias errôneas e falsas. Para bem lhes compreenderdes o sentido e o alcance, reportai-vos ao que já vos foi explicado no comentário do Evangelho de João (n. 11, v. 24, deste tomo) sobre Deus e, nos comentários sobre os três primeiros Evangelhos (ns. 56 e seguintes, 1º tomo), sobre a origem da essência espiritual, do Espírito (a origem da alma), suas fases, seus fins e seus destinos, sobre a origem dos mundos, de todas as criações de ordem espiritual, fluídica e material.

O que nesses lugares foi explicado vos mostra que Deus, o Criador incriado, é pessoal e distinto da criação, da criatura, como a causa é pessoal e distinta do efeito que ela gera, que ela produz; como o infinito, o incriado é pessoal e distinto do finito, do criado; como a eternidade é pessoal e distinta do tempo, da duração que ela gera, que ela produz relativamente à criação, à criatura.

O que então foi explicado vos mostra que Deus, o Criador incriado, é pessoal e distinto da criação, das criaturas, que são dele, por ele e nele e não ele, que são, pois, nesse sentido, uma parte do ser dividido ao infinito, para o efeito de elevar-se do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, na individualidade e na imortalidade.

O que em tais pontos foi explicado vos mostra que Deus, Criador incriado, inteligência, pensamento, fluido, habita (no dizer do apóstolo Paulo) uma luz inacessível e possui, ele só, a imortalidade; que o fluido universal, que dele parte e o toca, é, por suas quintessências e mediante todas as combinações, modificações e transformações por que ele o faz passar, o instrumento e o meio de que se serve para realizar, no infinito e na eternidade, pela ação da sua vontade onipotente, todas as criações, espirituais, fluídicas e materiais; a criação de todos os mundos, de todos os seres em todos os rei- 562

nos da natureza; a criação de tudo o que se move, vive, é.

O que assim foi explicado vos mostra o Espírito, na origem de sua formação, como essência espiritual, saindo do todo universal, isto é, do conjunto dos fluidos espalhados no espaço e que são a fonte de tudo o que existe, quer no estado espiritual, quer no estado fluídico, quer no estado material; como essência espiritual formada da quintessência desses fluidos, pela vontade do Senhor onipotente, só e única essência de vida no infinito e na eternidade. É ele quem anima essa quintessência dos fluidos para lhe dar o ser, para, mediante uma combinação sutil, cuja essência somente nas irradiações divinas se encontra, fazer dela essências espirituais, os princípios primitivos do Espírito em gérmen e destinados à sua formação. Neste sentido é que as essências espirituais são partes do ser dividido ao infinito, para, efeito de se elevarem do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, individualizadas e imortalizadas.

O que nos pontos indicados acima foi explicado vos mostra a grande lei, cuja ação se exerce por intermédio dos fluidos magnéticos que nos envolvem, como se formáramos um único ser, a fim de nos ajudar a subir para Deus pela conjugação de nossas forças, a grande lei da atração magnética ligando, no universo infinito, todos os mundos, unindo todos os Espíritos encarnados ou não, todas as criaturas oriundas de Deus, criador incriado, imutável, eterno, infinito, como o todo universal de que fazemos parte e que se acha submetido ao seu mando. Tudo e todos têm dele, por ele e nele o ser e se acham presos pelos laços da unidade e da solidariedade.

A humanidade inteira deve, portanto, considerar-se uma individualidade única, um imenso corpo que, em cada indivíduo, tem um membro ligado ao todo. Tudo, portanto, deve tender para a harmonia 563

humana, aguardando o momento de poder elevar-se à harmonia celeste.

Assim, amar ao próximo como a si mesmo é uma conseqüência do amor de Deus. E é neste sentido e do ponto de vista desta unidade e desta solidariedade, humanas, universais em Deus, que, segundo o espírito e em verdade, depois de haver lembrado o mandamento do amor a Deus e de haver dito: "Este é o primeiro e o maior dos mandamentos", Jesus, recordando o do amor ao próximo como a si mesmo, disse: "Eis o segundo, semelhante ao primeiro."

.Os dois Mandamentos, segundo a letra e para os Hebreus, objetivavam a nacionalidade deles. Porém, segundo o espírito oculto pela, letra, Israel era, simbolicamente, a personificação da humanidade toda. E Jesus, dizendo: "Toda a lei e os profetas se contêm nestes dois mandamentos", proclamou serem eles, para todos os homens, Judeus e Gentios, o único meio de salvação, isto é, de depuração, de progresso. Proclamou-os o caminho único para a perfeição e, portanto, para a vida eterna, para a vida dos puros Espíritos, onde tudo são delícias, claridade, ventura, atividade e perseverança no estudo, para um avanço contínuo e cada vez maior em ciência universal, no infinito e na eternidade; onde tudo é amor e devotamento, para o progresso universal, na vida e na harmonia universais.

Homens, praticai, com sinceridade e zelo, sem afrouxamento, sem cessar, estes dois Mandamentos, nunca, fazendo aos outros, nem por palavras, nem por atos, o que não quereríeis que vos fizessem, fazendo, ao contrário, do ponto de vista do bem e do belo, do que é justo, bom e verdadeiro, assim na ordem material, como na ordem moral e intelectual, tudo o que desejaríeis que vos fizessem, porquanto Jesus também disse: "Aí estão toda a lei e os profetas". E, conforme ele igualmente o proclamou, a cada um há de ser e será dado de acordo com as suas obras 564

e cada um será julgado pelas suas obras no tribunal da própria consciência, sede do Tribunal de Deus.

Preparai assim, praticando, com sinceridade, humildade e desinteresse, a justiça, o amor e a caridade, o advento da fraternidade humana que, só ela, pode estabelecer e fazer reinar, estabelecerá e fará reinar na Terra a liberdade para todos e a igualdade entre todos, diante de Deus e diante dos homens, sob o império da lei de reciprocidade e de solidariedade.

Compreendendo e praticando todos, desse modo, em espírito e verdade, o direito e o dever, dos pontos de vista social, familiar e individual, preparai o advento do reino de Deus na Terra, sob o império e a ação da lei de amor e de unidade.

MOISÉS, MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOÃO. assistidos pelos Apóstolos. FIM DO QUARTO E ÚLTIMO TOMO

NOTA DA EDITORA — Na presente obra, os dez mandamentos não foram divididos e estudados na ordem universalmente adotada. O Autor preferiu seguir a Bíblia, segundo observamos em Êxodo, 20:2 a 17 e Deuteronômio, 5-6 a 21. Isso, porém, em nada alterou o estudo, mesmo porque Jesus simplificou todo o Decálogo, conforme se verifica em Mateus, cap. XXII, 37-40. — W