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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tomo III- Parte 1

 

Índice do BlogParte 1 - Parte 2 

i i Conteúdo

MATEUS, Cap. XVII, vv. 14-21. — MARCOS, Cap. IX, vv. 14-30. — LUCAS, Cap. IX, vv. 37-43 e Cap. XVII, vv. 5-6.............................................53

Lunático. — Fé onipotente. — Prece e jejum...................................53

MATEUS, Cap. XVII, vv. 22-23. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 31-32. — LUCAS, Cap. IX, vv. 44-45........................................................................70

Predição, feita por Jesus, da sua morte e da sua ressurreição...............................................................................70

MATEUS, Cap. XVII, vv. 24-27.............................................................................75

Jesus paga o tributo.........................................................................75

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 1-5. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 33-41. — LUCAS, Cap. IX, vv. 46-50.............................................................................78

Lição de caridade e de amor, de amparo ao fraco, de fé, confiança, humildade e simplicidade........................................78

LUCAS, Cap. IX, vv. 51-56...................................................................................85

Palavras de Tiago e João. — Resposta de Jesus...........................85

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 6-11. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 42-50. — LUCAS, Cap. XVII, vv. 1-2.........................................................................88

Evitar o escândalo. — É necessário que se dêem escândalos, é impossível que não se dêem. Mas., ai do homem que cause o escândalo...........................................88

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 12-14. — LUCAS, Cap. XV, vv. 1-10...........................98

Ovelha desgarrada. — Dracma perdida...........................................98

LUCAS, Cap. XV, w. 11-32.................................................................................104

Parábola do filho pródigo................................................................104

LUCAS, Cap. XVI, vv. 1-9...................................................................................111

Parábola do mordomo infiel............................................................111

LUCAS, Cap. XVI, vv. 10-12...............................................................................116

Continuação da parábola do mordomo infiel..................................116

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 15-17. — LUCAS, Cap. XVII, vv. 3-4.........................118

Palavras de Jesus destinadas a servir de transição, relativas ao perdão e ao esquecimento das injúrias e das ofensas, os quais, segundo ele o proclamou, devem ser absolutos e sem condição.....................................118

LUCAS, Cap. XVII, vv. 7-10................................................................................125

Cumprimento do dever com humildade e desinteresse, com o sentimento de amor e gratidão ao Criador...................125ii

ii LUCAS, Cap. XVII, vv. 11-19..............................................................................126

Os dez leprosos..............................................................................126

LUCAS, Cap. XVII, vv. 20-24..............................................................................130

O reino de Deus está dentro de nós..............................................130

LUCAS, Cap. XVII, vv. 25-37..............................................................................134

Sinais precursores da segunda vinda de Jesus.............................134

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 18-20..........................................................................144

Poder de ligar e desligar dado por Jesus aos apóstolos. — Sua presença onde duas ou três pessoas se acharem reunidas em seu nome.............................................144

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 21-35..........................................................................159

Perdão das injúrias e ofensas. Parábola dos dez mil talentos....................................................................................159

MATEUS, Cap. XIX, vv. 1-9 — MARCOS, Cap. X, vv. 1-9.................................162

Divórcio. — Casamento..................................................................162

MARCOS, Cap. X, vv. 10-12. — MATEUS, Cap. XIX, vv. 10-12........................174

Resposta de Jesus à pergunta que lhe dirigiram os discípulos acerca das condições do casamento. Os que são eunucos desde o ventre materno e que assim nasceram. — Os que foram feitos eunucos pelos homens. — Os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus.........................................................174

MATEUS, Cap. XIX, vv. 13-15. — MARCOS, Capítulo X, vv. 13-16. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 15-17.......................................................................189

A humildade, fonte de todas as virtudes, de todos os progressos, caminho único que leva à perfeição....................189

LUCAS, Cap. XVIII, vv. 1-8.................................................................................191

Parábola da viúva e do mau juiz....................................................191

LUCAS, Cap. XVIII, vv. 9-14...............................................................................194

Fariseu e publicano........................................................................194

MATEUS, Cap. XIX, vv. 16-26. — MARCOS, Capítulo X, vv. 17-27. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 18-27.......................................................................196

Parábola do mancebo rico..............................................................196

MATEUS, Cap. XIX, vv. 27-30. — MARCOS, Capítulo X, vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 28-30.......................................................................204

Resposta de Jesus a Pedro. — Os doze tronos. — As doze tribos de Israel. — Apostolado. — Amor purificado. — Humildade é perseverança na senda do progresso...........................................................................204

MATEUS, Cap. XX, vv. 1-16...............................................................................211iii iii

Parábola da vinha e dos trabalhadores da primeira e da última hora.........................................................................................211

MATEUS, Cap. XX, vv. 17-19. — MARCOS, Cap. X, vv. 32-34. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 31-34.......................................................................220

Predição do sacrifício do Gólgota..................................................220

MATEUS, Cap. XX, vv. 20-28. — MARCOS, Cap. X, vv. 35-45.........................222

Filhos de Zebedeu. — A humildade e o devotamento para com todos são a fonte e o meio único de toda elevação. — Nunca alimentar no coração a inveja. — Seguir o exemplo de Jesus e fazer esforços por andar nas suas pegadas.........................................................222

LUCAS, Cap. XIX, vv. 1-10.................................................................................227

Conversão de Zaqueu....................................................................227

MATEUS, Cap. XX, vv. 29-34. — MARCOS, Cap. X, vv. 46-52. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 35-43.......................................................................229

Cura dos cegos de Jericó...............................................................229

MATEUS, Cap. XXI, vv. 1-17. — MARCOS, Cap. XI, vv. 1-11 e 15-19. — LUCAS, Cap. XIX, vv. 28-48....................................................................232

Entrada de Jesus em Jerusalém. — Mercadores expulsos do templo. — A casa do Senhor é casa de oração e não, pelo tráfico, um covil de ladrões. Predição da ruína de Jerusalém.............................................232

MATEUS, Cap. XXI, vv. 18-22. — MARCOS, Cap. XI, vv. 12-14 e 20-26..................................................................................................................242

Parábola da figueira que, secou.....................................................242

MATEUS, Cap. XXI, vv. 23-32. — MARCOS, Capítulo XI, vv. 27-33. — LUCAS, Cap. XX, vv. 1-8.........................................................................247

Reposta de Jesus aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciãos do povo. Parábola dos dois filhos........................................................................................247

MATEUS, Cap. XXI, vv. 33-41. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 1-9. — LUCAS, Cap. XX, vv. 9-16............................................................................250

Parábola da vinha e dos vinhateiros..............................................250

MATEUS, Cap. XXI, vv. 42-46. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 10-12, — LUCAS, Cap. XX, vv. 17-19.....................................................................257

Continuação da parábola da vinha e dos vinhateiros. — Jesus, pedra angular...............................................................257

LUCAS, Cap. XIV, vv. 1-6...................................................................................261

Cura de um hidrópico, em dia de sábado, na casa de um dos principais fariseus.............................................................261

LUCAS, Cap. XIV, vv. 7-11.................................................................................263iv

iv Ocupar o último lugar. — Humildade.............................................263

LUCAS, Cap. XIV, vv. 12-15...............................................................................264

Convidar os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. — Desinteresse.......................................................................264

MATEUS, Cap. XXII, vv. 1-14. — LUCAS, Cap. XIV, vv. 16-24.........................267

Parábola das bodas e dos convidados que se escusam...............267

MATEUS, Cap. XXII, vv. 15-22. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 13-17. — LUCAS, Cap. XX, vv. 20-26.....................................................................273

Deus e César..................................................................................273

MATEUS, Cap. XXII, vv. 23-33. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 18-27. — LUCAS, Cap. XX, vv. 27-40.....................................................................279

Saduceus. — Ressurreição. — Imortalidade da alma. — Sua sobrevivência ao corpo. — Sua individualidade após a morte...........................................................................279

MATEUS, Cap. XXII, vv. 34-40. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 28-34. — LUCAS, Cap. X, vv. 25-28.......................................................................284

Amor de Deus e do próximo...........................................................284

LUCAS, Cap. X, vv. 29-37..................................................................................290

Parábola do Samaritano.................................................................290

LUCAS, Cap. X, vv. 38-42..................................................................................293

Jesus em casa de Marta. — Ninguém deve preocupar-se demasiado com as necessidades do corpo. Dever de se aliarem os cuidados do corpo aos que o Espírito reclama. — O alimento espiritual jamais se deteriora............293

MATEUS, Cap. XXII, vv. 41-46. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 35-37. — LUCAS, Cap. XX, vv, 41-44.....................................................................295

O Cristo, Senhor de David..............................................................295

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 1-7. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 38-40. — LUCAS, Cap. XX, vv. 45-47..........................................................................297

Orgulho e hipocrisia dos escribas e dos fariseus. — Ouvi-los, porém não os imitar..........................................................297

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 8-12............................................................................299

Nenhum homem deve desejar ou aceitar o título ou o apelido de mestre. — Deus, único pai. O Cristo, único doutor, único mestre. Os homens, irmãos todos........................................................................................299

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 13-22.....................................................302

Escribas e fariseus hipócritas.........................................................302

MATEUS, Cap. XXIII, vv. 23-39. — LUCAS, Cap. XI, vv. 37-54 e Cap. XIII, vv. 31-35................................................................................................304

Doutores hipócritas que têm o coração viciado e v v

enganam os homens pelos atos exteriores, que os afastam da luz e da verdade...................................................304

MARCOS, Cap. XII, vv. 41-44. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 1-4.............................312

O óbolo da viúva.............................................................................312

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 1-14. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 1-13. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 5-19......................................................................314

Respostas de Jesus à pergunta que lhe fizeram os discípulos acerca do seu advento e do fim do mundo, bem como sobre os sinais prenunciadores de uma e outra coisa. — Guerras. — Sedições. — Pestes. — Fomes. — Falsos profetas. — Afrouxamento da caridade. — Perseguições. — Assistência do Espírito Santo. — Língua e sabedoria dadas por Deus. — Paciência. — Perseverança....................314

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 15-22. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 14-20. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 20-24..............................................................324

Abominação da desolação no lugar santo. — Males extremos. — Cerco de Jerusalém...........................................324

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 23-28. — MARCOS, Cap. XIII, vv. 21-23..................335

Falsos Cristos. — Falsos profetas.................................................335

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 29-31. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 24-27. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 25-28..............................................................340

Predição dos acontecimentos de ordem física e de ordem moral que precederão o advento de Jesus em todo o seu esplendor espiritual e predição desse advento................340

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 32-35. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 29-33..............................................................346

Parábola da figueira. — Predição da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita. — Espíritos haverá que, encarnados ao tempo em que Jesus falava, verão, reencarnados na Terra, as coisas por ele preditas para a depuração e a transformação do planeta e da humanidade terrenos. — A Terra passará, mas as palavras de Jesus não passarão.................346

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 36-39. — MARCOS, Cap. XIII, vv. 32-37. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 34-38.........................................................................350

Desconhecida é a hora em que se darão os acontecimentos preditos para a depuração da Terra e da humanidade terrena. O homem não pode nem deve procurar devassar os segredos do futuro, mas deve estar sempre pronto a comparecer diante do Senhor e a se tornar digno de evitar tudo quanto há vi vi

de suceder, trabalhando desde já, ativa e continuamente, pela sua purificação e pelo seu progresso.............................350

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 40-44. — LUCAS, Cap. XII, vv. 39-40.......................356

O homem deve estar sempre alerta. — Palavras muitas vezes repetidas por Jesus com referência à separação do joio e do trigo....................................................356

MATEUS, Cap. XXIV, vv. 45-51. — LUCAS, Cap. XII, vv. 41-46.......................358

Parábola do servo fiel e prudente e do mau servo........................358

LUCAS, Cap. XII, vv. 47-48................................................................................361

A culpabilidade e a responsabilidade do Espírito são proporcionais aos meios postos a seu alcance para se instruir e à luz que recebeu................................................361

MATEUS, Cap. XXV, vv. 1-13.............................................................................362

Parábola das virgens loucas e das virgens prudentes...................362

LUCAS, Cap. XII, vv. 35-38................................................................................365

Vigiar. — Estar pronta a receber a Jesus por ocasião da sua segunda vinda..................................................................365

MATEUS, Cap. XXV, vv. 14-30. — LUCAS, Cap. XIX, vv. 11-27.......................366

Parábola dos talentos. — Servo inútil. — Parábola dos dez marcos..............................................................................366

MATEUS, Cap. XXV, vv. 31-46...........................................................................374

Depuração pela separação do joio e do trigo, apresentada sob a figura emblemática de um juízo final..........................................................................................374

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 1-13..— MARCOS, Cap. XIV, vv. 1-9........................383

Perfume derramado sobre a cabeça de Jesus..............................383

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 14-19. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 10-16. — LUCAS, Cap. XXII, vv, 1-13...............................................................388

Pacto de traição feito por Judas lscariotes com os príncipes dos sacerdotes. Lugar escolhido para a Páscoa....................................................................................388

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 20-30. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 17-26. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 14-23.............................................................395

Ceia pascal. — Jesus prediz a traição de Judas...........................395

LUCAS, Cap. XXII, vv. 24-30..............................................................................405

Orgulho. — Ambição. — Dominação. — Interditos........................405

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 31-35. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 27-31. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 31-38.............................................................408

Predições de Jesus. — Predição da negação de Pedro................408vii vi

i MATEUS, Cap. XXVI, vv. 36-46. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 32-42. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 39-46........................................................................412

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 47-56. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 43-52. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 47-53........................................................................423

Beijo de Judas. — Um dos que acompanhavam a Jesus corta a orelha de um dos do séqüito do sumo sacerdote e Jesus o cura. — Fuga dos discípulos.................423

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 57-68. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 53-65. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 54-55 e 63-71..........................................................430

Jesus levado à presença do sumo sacerdote. Jesus ultrajado e tido por merecedor de condenação à morte.......................................................................................430

MATEUS, Cap. XXVI, vv. 69-75. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 66-72. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 56-62........................................................................434

Negativa de Pedro..........................................................................434

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 1-10...........................................................................437

Arrependimento e morte de Judas. — Lugar do seu suicídio e da sua sepultura.....................................................437

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 11-26. — MARCOS, Cap. XV, vv. 1-15. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 1-25.........................................................................439

Jesus diante de Pilatos. — Jesus é entregue para ser crucificado...............................................................................439

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 27-30. — MARCOS, Cap. XV, vv. 16-19..................446

Flagelação. — Coroa de espinhos. — Ultrajes. Insultos................446

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 31-32. — MARCOS, Cap. XV, vv. 2Q-21. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 26-31..................................................................448

Jesus conduzido ao lugar do suplício. -- Simão de Cirene o ajuda a carregar a cruz. — Palavras que dirige às mulheres que o lamentavam e pranteavam............................448

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 33-38. — MARCOS, Cap. XV, vv. 22-28. — LUCAS, Cap. XXIII, vv, 32-34 e 38...............................................................451

Crucificação de Jesus e dos dois ladrões. Palavras por ele ditas como ensinamento e exemplo..................................451

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 39-43. — MARCOS, Cap. XV, vv. 29-32. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 35-37.......................................................................454

Blasfêmias. — Zombarias. — Insultos...........................................454

MATEUS, Cap. XXVII, v. 44. — MARCOS, Cap. XV, v. 32. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 39-43.....................................................................................456

Palavras que Jesus dirigiu a um dos dois ladrões, ao que é chamado o bom ladrão........................................................456

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 45-50. — MARCOS, Cap. XV, vv. 33-37. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 44 e 46....................................................................459

viii Morte de Jesus, no entender dos homens.....................................459

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 51-56. — MARCOS, Cap. XV, vv. 38-41. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 45 e. 47-49..............................................................466

Rasga-se o véu do templo. — Tremor de terra.— Aparição dos mortos. — Obscurecimento do Sol. — Palavras do centurião.............................................................466

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 57-61. — MARCOS, Cap. XV, vv. 42-47. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 50-56.......................................................................471

MATEUS, Cap. XXVII, vv. 62-66.........................................................................473

Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus chumbam a pedra que fechava a entrada do sepulcro. Guardas são aí postados.......................................................................473

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 1-15. — MARCOS, Cap. XVI, vv. 1-11. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 1-12........................................................................477

Visita de Maria Madalena e das outras mulheres ao sepulcro. — A pedra que lhe fechava a entrada é encontrada com os selos partidos e derribada. — Aparição dos anjos às mulheres. — Narrativa que os guardas fazem, do que se passara, aos príncipes dos sacerdotes. — Estes subornam os guardas. — Aparição de Jesus a Maria e às outras mulheres. — Narrativa que estas fazem aos discípulos. — Pedro e João, à vista do que elas contam, visitam o sepulcro.............477

MARCOS, Cap. XVI, w. 12-13. — LUCAS, Cap. XXIV, w. 13-35.......................506

Aparição de Jesus aos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús. — Jesus, estando com eles à mesa, lhes desaparece das vistas..........................................506

MARCOS, Cap. XVI, v. 14. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 36-49............................511

Aparição de Jesus aos apóstolos...................................................511

MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 16-20. — MARCOS, Cap. XVI, vv. 15-20. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 50-53..................................................................516

Novas e sucessivas aparições aos discípulos. Volta de Jesus à natureza espiritual que lhe era própria, nas regiões etéreas, volta essa chamada: ascensão — Concordância estabelecida a esse respeito entre as narrações evangélicas, que se explicam e completam umas pelas outras................................................516

viii 53

EVANGELHOS

SEGUNDO MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOÃO

REUNIDOS E HARMONIZADOS

CONTINUAÇÃO

*

"O Espírito é que vivifica; a carne de nada serve; as palavras que vos digo são, espírito e vida." (JOÃO, VI, v. 64.)

“A letra mata e o espírito vivifica." (PAULO, II Epíst. aos Coríntios, cap. III, v. 6.)

MATEUS, Cap. XVII, vv. 14-21. — MARCOS, Cap. IX, vv. 14-30. — LUCAS, Cap. IX, vv. 37-43 e Cap. XVII, vv. 5-6

Lunático. — Fé onipotente. — Prece e jejum

MATEUS: V. 14. Quando voltou para onde estava o povo, chegou-se a ele um homem que, ajoelhando-se a seus pés, lhe disse : — 15. Senhor, tem piedade de meu filho, que é lunático e sofre cruelmente; muitas vezes cai, ora no fogo, ora na água. — 16. Já o apresentei a teus discípulos, mas estes não o puderam curar. — 17. Jesus respondeu: Oh! geração incrédula e perversa, até quando estarei entre vós? até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. — 18. E tendo Jesus ameaçado o demônio, este saiu do menino, que ficou no mesmo instante curado. — 19. Então os discípulos vieram ter com Jesus em particular e lhe perguntaram: Porque não pudemos nós expulsar esse demônio? — 20. Jesus lhes disse: Por causa da vossa 54

nenhuma fé; pois, em verdade vos digo que, se tivésseis a fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis àquela montanha : Passa daqui para ali, e ela passaria; nada vos seria impossível. — 21. Não se expulsam os demônios desta espécie senão por meio da prece e do jejum.

MARCOS: V. 14. Vindo ter com seus discípulos, viu Jesus que grande multidão os cercava e que com eles alguns escribas discutiam. — 15. Logo que deu com Jesus, todo aquele povo, tomado de espanto e temor, correu a saudá-lo. — 16. Ele então lhes perguntou: Que é o que discutíeis? — 17. Um homem do meio da turba respondeu : Mestre, eu te trouxe meu filho que está possesso de um Espírito mudo, — 18, o qual todas as vezes que dele se apodera o atira ao chão e o menino espuma, range os dentes e fica seco; pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas eles não puderam. — 19. Jesus lhes disse: Oh! geração incrédula, até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei? Trazei-me o menino. — 20. Trouxeram-no; e, tanto que viu a Jesus, o Espírito o agitou e atirou por terra, a estorcer-se no chão e a espumar. — 21. Jesus perguntou ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? O pai respondeu: Desde a infância; — 22, e o Espírito o tem muitas vezes lançado ora à água, ora ao fogo, para fazê-lo perecer. Se puderes alguma coisa, tem piedade de nós e socorre-nos. — 23. Jesus lhe disse: Se puderes crer, tudo é possível àquele que crê. — 24. Logo o pai do menino exclamou, banhado em lágrimas: Senhor, eu creio, ajuda a minha pouca fé. — 25. Jesus, vendo o povo acorrer, ameaçou o Espírito impuro, dizendo: Espírito surdo e mudo, eu te ordeno, eu: Sai deste menino e não entres mais nele. — 26. O Espírito, soltando um grito e agitando violentamente o menino, saiu, ficando este como morto, de sorte que muitos diziam: Morreu. — 27. Mas, tomando-lhe Jesus as mãos e erguendo-o, ele se levantou. — 28. Quando Jesus voltou para casa, seus discípulos lhe perguntaram em particular: Porque não pudemos nós expelir aquele demônio? — 29. Jesus respondeu: Os demônios desta casta não podem ser expulsos senão pela prece e pelo jejum. — 30. Dali partindo, atravessaram a Galiléia. Ele não queria que ninguém o soubesse. 55

LUCAS : V. 37. No dia seguinte, quando desciam do monte, grande multidão lhes veio ao encontro; — 38, e eis que, do meio do povo, um homem exclamou: Mestre, eu te suplico, olha para meu filho: é o único que tenho. — 39. Um Espírito se apossa dele e o faz subitamente gritar, atira-o por terra e o agita em violentas convulsões, fazendo-o espumar e só o larga depois de o haver esfarrapado. — 40. Pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas eles não puderam. — 41. Jesus respondeu: Oh! geração infiel e perversa, até quando estarei convosco e vos suportarei? Traze-me aqui teu filho. — 42. Ao aproximar-se o menino, o demônio o atirou por terra e o pôs em grandes convulsões. — 43. Jesus, tendo falado ameaçadoramente ao Espírito impuro, curou o menino e o restituiu ao pai.

XVII: V. 5. E os apóstolos disseram ao Senhor: Aumenta-nos a fé. — 6. O Senhor lhes disse : Se tiverdes a fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Desenraiza-te e transplanta-te para o mar e ela vos obedecerá.

N. 196. Estes versículos encerram uma das mais frisantes provas da missão de Jesus e do seu poder. As palavras: "Eu te ordeno, eu, que saias dele" — passam despercebidas à maioria dos homens e no entanto contêm a mais formal demonstração da superioridade do Cristo.

Do ponto de vista espírita, podeis, bons amigos, para bem compreenderdes o fato que aqui se vos descreve, recorrer a um símile, buscando-o no que ainda hoje ocorre entre vós. Exatamente como o menino que pelo pai foi levado à presença de Jesus, vós outros sois todos surdo-mudos e mesmos cegos. As vossas enfermidades, provocadas por influências más, vos arrastam a todos os perigos, ocasionam todas as vossas quedas. E os discípulos do Mestre se vêem impotentes para vos livrar delas, por não terem a fé bastante forte, por não praticarem bastante o jejum e a prece espirituais. (Dentro em pouco explicaremos o que, segundo Jesus, deveis entender por 56

prece e jejum espirituais.) Encarregados de expulsar para longe de vós os "demônios" que vos subjugam, de vos libertar das paixões, dos vícios, que vos lançam "ao fogo e à água", para que aí encontreis a morte, eles conservam, no fundo de seus corações, o fermento desses mesmos vícios, dessas mesmas paixões, que lhes cumpria combater. O resultado é que, exorcizando apenas com a boca, o "demônio" ri dos esforços que empregam e persiste na subjugação.

Fazei como Jesus, vós todos que quiserdes libertar vossos irmãos da influência dos Espíritos malfazejos que os dominam.

Orai e jejuai. Mas, compreendei bem a força da prece, a ação do jejum. Prece não é a repetição de palavras mais ou menos harmoniosas, mais ou menos sonoras, mais ou menos humildes, ditas com os lábios para que subam ao Senhor.

Oh! não será nas vossas bocas que ela encontrará o necessário ponto de apoio para subir a Deus. Só no fundo de vossos corações reside essa força de impulsão, pela ação da qual a prece espiritual, pensamento puro, surto de amor e de adoração, se evola de um só ímpeto para o trono do eterno. Que importam as palavras! Que importa mesmo o pensamento! O que é preciso é amor, é humildade, são os atos da vossa vida, os quais, reagindo sobre os vossos pensamentos, formem um todo perfeito, digno de aproximar-se da sede da perfeição.

Jejuai, mas espiritualmente. Que importam ao Senhor os alimentos que concorrem para o sustento da vossa matéria! Que lhe importa o momento em que satisfaçais às vossas necessidades materiais ! Em tais casos, é a lei orgânica que se executa; o Espírito nada de comum deve com ela ter. Jejuai pela abstenção de pensamentos culposos, inúteis, frívolos sequer. Jejuai pela sobriedade no satisfazerdes às vossas necessidades materiais. Jejuai pela vossa modéstia, pela regu- 57

laridade de vossos costumes, pela austeridade do vosso proceder. Jejuai, sabendo impor-vos privações que não atentem contra o vosso organismo e que possam espalhar um bálsamo salutar sobre o organismo dos vossos irmãos. Jejuai, tirando, do que julgais servos necessário, um pouco do que vos é supérfluo, para dá-lo ao irmão a quem falta o indispensável ao sustento do corpo: o pão, a roupa, ou o teto. Eis aí, amigos, quais são o jejum e a prece que expelem o "demônio" da pior espécie, os "demônios" que vos tornam surdos, cegos, mudos.

Não temos mais que explicar, à luz da ciência espírita, as causas e os efeitos da subjugação exercida sobre o menino trazido pelo pai à presença de Jesus. Nos ns. 74 do 1° volume e 120 do 2° demos, a este respeito, todas as explicações.

Quanto à falta de poder, nos discípulos, para expulsarem aquele Espírito obsessor, a explicação desse fato se nos depara no que lhes disse Jesus. Nas palavras do Mestre está a explicação clara e precisa das causas que os impediam de afastar o Espírito mau e muito sofredor que atuava sobre o menino.

A fé, alavanca poderosa, capaz, como nenhuma outra, de levantar o mundo, constitui o único meio de que podereis lançar mão para tal fim. Da fé nasce a prece e esta, se, além de fervorosa e perseverante, vem acompanhada, como há pouco dissemos, do jejum espiritual, acaba sempre por tocar o Espírito culpado, por o esclarecer e reencaminhar.

Jesus não precisou recorrer à prece porque, puro Espírito, Espírito perfeito, investido da onipotência sobre os Espíritos impuros, sua vida, aquela vida que os homens supunham humana, decorria piedosamente aos olhos do Senhor e também porque a sua missão era um ato de fé e de amor, uma prece ativa e permanente, que o colocava (mesmo posta de lado a sua superiori- 58

dade espiritual) acima de todos os Espíritos, pela força e pela persuasão.

Tratai de reconhecer bem a força da prece, de conhecer os extraordinários recursos que podeis auferir dela, atraindo a vós os Espíritos protetores da humanidade.

A prece, insistimos em dizê-lo mais uma vez, não é o que supondes : uma reunião de palavras que se repetem todos os dias, com determinado fim. Em tais condições, cedo ou tarde, ela se torna maquinal.

A prece poderosa, a prece de Jesus são os atos da vida sempre praticados com o pensamento em Deus, sempre reportados a Deus; é um arroubo contínuo do pensamento, a todos os instantes, sejam quais forem as ocupações do momento; é uma aspiração incessantemente dirigida ao Criador, guiando a criatura na prática da verdade, da caridade e do amor, em bem do seu progresso intelectual e moral e do progresso de seus irmãos, aspiração que a liberta das condições humanas, fazendo reinar o Espírito sobre tudo que é matéria.

Vamos agora dar-vos algumas explicações especiais.

(Marcos, vv. 14-15.) O povo, atraído pela simpatia, para junto de Jesus, o esperava, desejoso de vê-lo praticar novo "milagre". Os escribas procuravam afastar dali a multidão, lançando a Jesus as mesmas ridículas acusações que hoje vos são atiradas. Em apoio do que diziam para convencê-la, apontavam a tentativa infrutífera, que os discípulos haviam feito, de curar o menino, mostrando-se impotentes para consegui-lo.

Ao chegar Jesus, a massa popular foi presa de forte impressão. Os termos "espanto, temor", usados nas traduções dos Evangelhos, não exprimem, no que respeita à multidão, o que se passou. Percorreu-a esse frêmito que faz pulsar com força as artérias do homem, quando pressente que um fato grave vai ocorrer. Foi essa situação indefi- 59

nível o que, pelos termos "espanto, temor", se procurou exprimir.

Quanto aos escribas, que eram, entre os Hebreus, os sábios, esses pressentiam que Jesus levaria a efeito a libertação do menino. Mas, da parte deles, ao pressentimento se misturava, na realidade, o temor, porque muito os assustava o ascendente cada vez maior do Cristo.

(Mateus, v. 15; Marcos, vv. 17-22.) O pai do menino subjugado disse a Jesus, conforme referem os Evangelistas :

"Senhor, tem piedade de meu filho, que é lunático e sofre cruelmente; muitas vezes cai no fogo e muitas vezes na água. — Senhor, eu te trouxe meu filho, que está possesso de um Espírito mudo — e o Espírito o tem lançado muitas vezes ora no fogo, ora na água, para fazê-lo perecer. Se puderes alguma coisa, tem compaixão de nós e socorre-nos."

O pai do menino dizendo primeiro : "ele é lunático" e depois: "ele está possesso" "de um Espírito mudo", exprimiu sucessivamente as duas impressões, as duas opiniões sob cujo império se achava e, impelido pelo ardente desejo de ver curado o filho, chamava a atenção do Mestre para tudo o que, pensava ele, poderia esclarecer o caso.

Tendes, nos Evangelhos, uma exposição de fatos que, reunidos, formam a narrativa completa.

As palavras ditas pelo pai do menino e pelos discípulos não foram trocadas de improviso. Houve discussão. Guardai bem isto em mente e não procureis ver desmentidos onde só há uma série de palavras, de acontecimentos, que, naturalmente, não foram calcados uns nos outros.

Quando falais demoradamente sobre um assunto, porventura vos conservais sempre dentro de determinadas linhas, empregando sempre as mesmas palavras? A discussão não atravessa diversas 60

fases correspondentes à maneira por que ides encarando os fatos?

Até ao momento em que Jesus chegou, ninguém vira no estado do menino, que fora apresentado aos discípulos para que estes o curassem, senão uma afecção material. Tinham-no por lunático, atribuindo à ação das fases da Lua os efeitos que nele se manifestavam. Na realidade, o menino estava sob a influência de um Espírito obsessor. Entretanto, a suposição de que a influência fosse lunar nada tinha de despropositada, uma vez que, exatamente para dar lugar a essa suposição, para que ninguém suspeitasse das verdadeiras causas do mal, aquele Espírito provocava no menino os acessos em épocas periódicas. Esse obsessor que, como sabeis, exercia a subjugação sobre a sua vítima desde a primeira infância desta, adotou o processo de provocar nela acessos periódicos, por haver percebido o partido que podia tirar, fazendo crer a todos, durante muito tempo, que se tratava de uma afecção material.

O pai do menino, quando o apresentou aos discípulos, esperava uma cura material. Houve então, repetimos, grande discussão. Os do séqüito de Jesus, pelos seus esforços, demonstravam ao homem que a influência dos astros não se fazia sentir na criança, que o que ali havia era "possessão", subjugação dizemos nós. Só depois disso ele se decidiu a pedir aos discípulos que lhe libertassem o filho, dando-o como "possesso de um Espírito mudo", isto é: subjugado por um Espírito que, em virtude da subjugação e da ação fluídica, não lhe permitia o uso da palavra.

Vê-se assim que, apresentando em seguida o menino a Jesus como lunático e ao mesmo tempo como possesso de um Espírito mudo, o homem procedeu, não só sob a influência das suas primeiras e antigas impressões, mas também sob a da discussão havida, que lhe sugeriu a idéia da obsessão, e ainda sob a da verificada impotência 61

dos discípulos para operarem a cura. Ele, pois, obedecia simultaneamente à idéia que primeiro lhe acudira e às impressões e opiniões que a discussão lhe dera. Foi debaixo desta dupla influência que disse a Jesus, considerando o filho como lunático: "Ele cai muitas vezes no fogo e muitas vezes na água"; e que disse a seguir, considerando-o possesso de um Espírito mudo: "e o Espírito o tem muitas vezes lançado, ora ao fogo, ora à água, para fazê-lo perecer". Isto acontecia porque o Espírito obsessor, pela sua ação subjugadora, levava o menino a cometer imprudências.

(LUCAS, v. 39; MARCOS, v. 18.) "Um Espírito se apodera dele e o faz soltar de repente grandes gritos."

Os gritos que o menino soltava de repente eram gritos de pavor. Ele os soltava no momento em que sentia a aproximação do inimigo, o obsessor, que lhe anunciava a sua presença, a sua influência, por meio da ação fluídica que, produzindo a combinação dos perispíritos, dava lugar à subjugação e seus efeitos.

"Ele o atira por terra e o agita em convulsões violentas, fazendo-o espumar. Todas as vezes que se apossa do menino o atira por terra e o menino espuma, range os dentes e fica seco. Só o deixa depois de o haver esfarrapado."

A obsessão, a subjugação produzia no menino uma espécie de epilepsia, por efeito da qual ele ficava inteiriçado, frio, com a pele seca e os músculos tão contraídos, que formavam saliências por todo o corpo.

(Mateus, vv. 16-17; Marcos, vv. 18-19; Lucas, vv. 40-41.) Falando a homens, Jesus empregava termos humanos à altura das suas inteligências e de natureza a impressioná-los fortemente.

A exclamação do Mestre era dirigida aos que não possuíam a fé bastante forte, porquanto, se 62

houvessem depositado mais confiança na sua palavra, teriam tido maior ascendente, teriam sido auxiliados por ele, que lhes daria a ajuda e o concurso dos Espíritos superiores, como já lhes tinha dado. De fato, como sabeis, os discípulos já haviam produzido, dentro de certos limites, fatos chamados "milagrosos", quando foram por Jesus enviados às cidades vizinhas, investidos do poder de curar os enfermos e expulsar os demônios (Mateus, X, v. 8).

Estas palavras dirigidas aos discípulos: "Oh! geração incrédula e infiel", significavam que, não tendo confiança, eles não obedeciam. Não esqueçais que a fé por si só pode fazer "milagres", mas que, em compensação, os que se desviam, os que duvidam são privados de suas faculdades e arrastados a desordens que, algumas vezes, não mais conseguem refrear.

Note-se ainda que tais palavras Jesus não as disse visando unicamente os discípulos. Alcançavam todo o povo, objetivando patentear-lhes o poder e a santidade daquele que, com uma só palavra, ia libertar o menino.

(Marcos, v. 20.) O Espírito obsessor fez sentir a sua influência ao menino e este, pressentindo uma crise, soltou gritos de terror. Jesus deixou que o Espírito obrasse segundo os caprichos do seu livre-arbítrio, até ao momento em que lhe disse: Eu te ordeno, eu, que saias dele e não voltes mais. Isto teve a sua razão de ser. Jesus pudera ter ordenado ao Espírito que se afastasse sem convulsionar o menino, mas então o fato houvera perdido grande parte do seu prestígio aos olhos da multidão. Não esqueçais que Jesus, obrando em benefício da pessoa do menino, também obrava em benefício da massa popular. Tudo era feito com o objetivo do bem geral.

(Marcos, v. 23.) "Se puderes crer, todas as coisas são possíveis àquele que crê". Assim respondeu Jesus a isto que lhe dissera o pai do me- 63

nino : "Se puderes alguma coisa, tem compaixão de nós e socorre-nos". Aqui, notai-o bem, Jesus falou por figura, como, aliás, ordinariamente sucedia. Mas, dentro da figura, encontrareis a verdade. Que prodígios, efetivamente, não pode a fé operar? que é o que não consegue essa alavanca poderosa, essa força motriz, esse calor fecundante?

Sim; àquele que crê, tudo é possível, por isso que em torno dele os Espíritos do Senhor se grupam para assisti-lo. Não haja, porém, equívocos, nem falsas interpretações: a fé precisa ser clarividente, instruída, previdente e sábia. Crer não é aceitar de cabeça baixa todas as absurdidades místicas que certos cérebros doentios engendram. Crer não é, para o espírita especialmente, pedir a assistência dos bons Espíritos para puerilidades ou atos culposos. A fé precisa ser esclarecida, pois que tem que caminhar sempre, com passo firme, pela estrada que conduz a Deus; deve ser forte, pois tem que contar consigo mesma para a obtenção do que seja justo que obtenha; deve ser sábia, pois jamais deverá ultrapassar os limites traçados à vontade e a meta que lhe é proposta.

(Marcos, v. 24.) "Eu creio, Senhor, dizia, banhado em lágrimas, o pai do menino, ajuda a minha pouca fé."

Expansão de simplicidade e de humildade. O pai do menino acreditava que Jesus tinha o poder de lhe atender à súplica, mas, humilde, simples de coração, não se sentia bastante forte na sua fé para merecer tal graça. Esse receio mesmo militava a seu favor.

(Mateus, v. 18; Marcos, vv. 25-26.) O grito estridente que, sob a ação do Espírito obsessor, o menino soltou, foi devido ao sofrimento e ao abalo violento que lhe produziu a separação súbita e brusca dos dois perispíritos, que o obsessor combinara para se verificarem a subjugação e seus efeitos. 64

No momento em que cessou a subjugação, diz a narração evangélica, o menino ficou como morto, de sorte que muitos diziam ter ele morrido.

Os sinais de morte aparente que, para muitos, o menino apresentava, eram devidos à lassidão produzida nele pelo abalo que experimentara e de molde a salientar ainda mais, aos olhos da multidão, o poder de Jesus.

Logo que o Mestre o segurou pelas mãos e o soergueu, ele se levantou. Para obter esse resultado, Jesus lhe restabeleceu a força fluídica, empregando a ação magnética. Como sabeis, esta se produz por ato da vontade de quem atua. Qualquer Espírito bem-intencionado poderia, pois, tê-la exercido.

(Mateus, v. 19; Marcos,. v. 28.) Porque não pudemos nós outros expulsar aquele demônio? Qual a causa de não termos podido expulsá-lo? Esta pergunta, que os discípulos dirigiam a Jesus, vos mostra que eles antes haviam curado doentes, expulsado Espíritos obsessores, livrado a muitos de subjugações. Se não possuíssem já, dentro de certos limites, essa faculdade, se não a houvessem já exercido, não se teriam espantado daquele insucesso, não teriam mesmo em caso algum tentado a prova.

O Mestre os preparava enquanto se achava na companhia deles. Dentro da série e do encadeamento dos fatos, dos acontecimentos, tudo tinha que concorrer e concorria para lhes desenvolver a fé e torná-los aptos ao desempenho da missão que lhes seria confiada, quando Jesus terminasse o da sua na Terra.

Só quando eles entrassem a desempenhá-la ativamente, depois de se terem tornado capazes de cumprir com segurança a tarefa de que foram incumbidos, é que poderiam exercer, como de fato exerceram, o poder de curar os enfermos e de expulsar os maus Espíritos, sem que nenhum insucesso se verificasse, graças à assistência, ao auxílio 65

e ao concurso constantes e ocultos dos Espíritos superiores.

Deu-se com as faculdades dos discípulos o que se dará com as dos médiuns atuais. Conservaram-se limitadas enquanto tinham de girar dentro de um círculo acanhado e de súbito se desenvolveram, logo que o Mestre julgou oportuno o momento.

A mediunidade dos que, entre vós, servem de instrumentos aos Espíritos está apenas em começo. Mas, contrariamente ao que sucedeu na época dos discípulos, os vossos médiuns só entrarão no gozo completo de suas faculdades mediúnicas quando estiver entre os homens o Regenerador, Espírito que desempenhará a missão superior de conduzir a humanidade ao estado de inocência, isto é: ao grau de perfeição a que ela tem de chegar. Até lá, obterão somente fatos isolados, estranhos à ordem comum dos fatos.

Não nos cabe fixar de antemão a época em que tal se verificará. O Senhor disse: vigiai e orai, porquanto desconheceis a hora em que soará retumbante a trombeta, fazendo que de seus túmulos saiam os mortos. Quer dizer: desconheceis a hora em que Deus fará que renasçam materialmente na Terra os Espíritos elevados, incumbidos de dar impulso às virtudes que eles descerão a pregar, praticando-as em toda a sua extensão.

O chefe da Igreja católica, nessa época em que este qualificativo terá a sua verdadeira significação, pois que ela estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo, o chefe da Igreja católica, dizemos, será um dos principais pilares do edifício. Quando o virdes, cheio de humildade, cingido de uma corda e trazendo na mão o cajado do viajante, podereis dizer: "Começam a despontar os rebentos da figueira; vem próximo o estio".

Entendemos por missão superior aquela que objetiva a regeneração da humanidade e que, pelo 66

seu conjunto e pela sua força, se estenderá, dominando a ação de todos os outros missionários. Podeis daí deduzir facilmente que o Espírito que desempenha uma missão superior está acima de todos quantos, como ele, trabalham na realização de uma obra humana.

Debaixo da influência e da direção do Regenerador, caminhará o chefe da Igreja católica, a qual, repetimos, será então católica na legítima acepção deste termo, pois que estará em via de tornar-se universal, como sendo a Igreja do Cristo.

Não há necessidade de que penetreis nos segredos do futuro. Tudo quanto, com relação ao presente, cumpre que conheçais vos é revelado.

(Mateus, v. 20; Lucas, XVII, vv. 5-6.) Reportai-vos às explicações que demos das seguintes palavras que Jesus dirigiu ao pai do menino: Todas as coisas são possíveis àquele que crê. Essas explicações bastam para que sejam interpretadas, em espírito e verdade, estas outras palavras que dirigiu aos discípulos: E nada vos seria impossível.

O que, porém, Jesus disse, disse-o figuradamente. Suas palavras, está claro, não se aplicam ao ato material. Proferindo-as, quis ele ensinar a seus discípulos que, com o auxílio da fé, poderiam fazer, sobre si mesmos, coisas que pareceriam tão impossíveis como serem obedecidos dizendo a uma montanha: Passa daqui para ali, ou a uma árvore: Tira-te daí e lança-te ao mar.

Não penseis que o Mestre, por aquele modo, prevenia os discípulos e os homens dos fatos materiais que uns e outros poderiam produzir. Isso fora antecipar a indagação das causas, que importava se conservassem ainda ocultas.

Não; as palavras do Mestre encerravam um sentido oculto, uma predição velada, mas não um aviso a respeito dos fatos materiais que os discípulos mais tarde conseguiram realizar, como já o tinham algumas vezes conseguido, inconsciente- 67

mente, dentro de certos limites, sem darem por isso. Para a época atual, porém, para o espírita, uma vez que a nova revelação viria pôr a descoberto o sentido daquelas palavras, tinha Jesus em mente, com relação ao futuro, dar um aviso, a fim de que a produção de tais fatos fosse obtida com conhecimento de causa. Para o espírita, pois, essas palavras têm um sentido mais direto, porquanto lhe dão uma idéia do que pode obter com o auxílio da fé; mas, repetimos, da fé clarividente, esclarecida, forte e sábia, com o auxílio dessa poderosa alavanca, dessa força motriz, desse calor fecundante.

As palavras ditas por Jesus e registradas por Lucas foram pronunciadas em lugares e ocasiões diferentes daqueles em que o foram as que constam da narração de Mateus. Mandamos que as reunísseis aqui, para evitarmos repetições escusadas.

Os ensinamentos do Mestre eram, muitas vezes, os mesmos quanto ao fundo, mas amiúde variavam de forma, para estarem, de acordo com os lugares e o auditório.

(MATEUS, v. 21; MARCOS, v. 29.) Esta casta de demônios, disse Jesus aos discípulos, não se pode expulsar, não se expulsa, senão pela prece e pelo jejum.

Quanto mais perversos forem os Espíritos impuros, tanto mais necessidade têm os encarnados de se elevar para os dominar. Um Espírito apenas transviado pode ser e é acessível às advertências, aos conselhos, aos testemunhos de afeição. Mas um grande culpado é sempre empedernido, só à força sede. O que subjugava o menino era dos mais perversos.

Para vencer demônios dessa espécie não podeis empregar senão a força moral que o encarnado só adquire pela elevação moral e pela superioridade. E que é o que mais pode elevar o vosso 68

Espírito do que o jejum e a prece praticados espiritualmente e de coração, tais como, em nome do Mestre, vos explicamos?

Quanto ao jejum, consiste ele em vos absterdes de pensamentos culposos, inúteis, frívolos sequer, dos pensamentos, segundo o disse Jesus, de adultério, de fornicação, de latrocínio, de roubo, de homicídio, de avareza, de felonia, de falso testemunho, de dissolução, de inveja, de ciúme, de maledicência, de orgulho, de egoísmo, de loucura, significando este último termo todos os transbordamentos de paixões que arrastam o Espírito a cair irrefletidamente nos mais abomináveis excessos; em vos absterdes de todas as maldades, por palavras e por atos ; em vos absterdes, finalmente, de qualquer falta, por mínima que pareça. E não é tudo. O jejum espiritual consiste ainda em praticar a sobriedade na satisfação das necessidades materiais, a sinceridade na modéstia, na regularidade dos costumes, na austeridade do proceder; em praticar de todo o coração, pelo pensamento, pela palavra e pelos atos, a humildade, o desinteresse, o perdão e o esquecimento das injúrias e das ofensas, o devotamento, a justiça, o amor e a caridade, para com todos, na ordem material, na ordem moral e na ordem intelectual, no lar doméstico e no seio da grande família humana.

Quanto à prece espiritual, tornamos a dizer: ela não consiste na repetição de palavras mais ou menos harmoniosas, mais ou menos humildes, ditas com os lábios. A prece espiritual é o arrebatamento de amor, de adoração, o pensamento puro que, de um só ímpeto, se transporta ao trono do Eterno e que, por efeito da humildade, pelos atos da vossa vida, reagindo sobre o mesmo pensamento, dele faz um todo perfeito, digno de aproximar-se da sede da perfeição.

N. 197. De que natureza era a falta que dera causa a ficar o filho daquele homem sujeito, desde 69

o seu nascimento para expiá-la, a tão horrível subjugação?

Por abuso de poder moral, numa existência precedente. É fácil de perceber o sentido destas palavras. Não conheceis a influência perniciosa que um Espírito desenvolvido, mas perverso, pode exercer sobre homens de inteligência mais fraca? Não temos, porém, que fazer aqui o histórico da existência daquele Espírito, pois, se o fizéssemos, nos afastaríamos muito do quadro que vos foi traçado.

N. 198. O Espírito obsessor fora vítima desse abuso de poder moral?

Não; mas, pouco importa que o Espírito vítima tenha sido este ou aquele. Entretanto, deveis compreender que o Espírito, fraco, crédulo, que foi vítima do abuso de poder moral, não incorreu por isso em grande culpabilidade e que o papel desempenhado pelo obsessor do menino denotava uma natureza perversa.

São relações que se estabelecem por analogia. A punição atrai para junto do culpado aquele que virá a ser o instrumento dela. Quer isto dizer que os guias do culpado sujeito a uma expiação não se opõem à ação que sobre ele queira exercer outro Espírito para o atormentar. Assim, aquele que se deixa arrastar por seus maus instintos, se aferra ao que escolhe para sua vítima, julgando-.a indefesa. Dizemos — julgando-a, porque, se ele tentasse ultrapassar os limites do sofrimento, moral ou físico, que o paciente tenha de suportar, os Espíritos superiores imediatamente o deteriam. 70

MATEUS, Cap. XVII, vv. 22-23. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 31-32. — LUCAS, Cap. IX, vv. 44-45

Predição, feita por Jesus, da sua morte e da sua ressurreição

MATEUS : V. 22. Quando voltaram para a Galiléia, Jesus lhes disse : O filho do homem será entregue às mãos dos homens, — 23, e estes lhe darão a morte, mas ele ressuscitará ao terceiro dia. Os discípulos ficaram profundamente contristados.

MARCOS : V. 31. Ensinando a seus discípulos, dizia: O filho do homem será entregue às mãos dos homens, que o farão morrer, mas ele ressuscitará ao terceiro dia depois da sua morte. — 32. Os discípulos, porém, não entenderam essas palavras suas e receavam interrogá-lo.

Lucas: V. 44. Todos pasmavam do grande poder de Deus e como se mostrassem admirados do que ele fazia, disse a seus discípulos: Guardai nos vossos corações o que vos vou dizer: O filho do homem há de vir a ser entregue às mãos dos homens. — 45. Mas os discípulos não entendiam essas palavras; tão veladas eram que não as compreendiam; e tinham receio de o interrogar a tal respeito.

N. 199. Estes versículos se explicam por si mesmos. Jesus revelava de antemão os acontecimentos que se iam dar, a fim de tocar mais fundamente o Espírito dos discípulos e de lhes aumentar a fé. Predisse-lhes que habitaria "com os mortos", a fim de tornar mais frisante a "sua ressurreição". Aquelas não eram, de fato, para os discípulos, homens ignorantes mas devotados, palavras cobertas com o véu do luto? O que compreenderam foi que o Mestre se preparava para morrer. A "ressurreição" não era um problema que eles se propusessem a resolver. Considera- 71

vam-na fato tão extraordinário, que não se detiveram um instante sequer procurando compreender como poderia Jesus passar três dias longe deles.

Acabamos de dizer, falando dos discípulos: "homens ignorantes, mas devotados". Notai que não dissemos: — "Espíritos ignorantes". É que, conquanto fossem Espíritos elevados em missão, experimentavam os efeitos da lei da encarnação, suportando a que haviam escolhido.

Podemos, por meio de uma comparação muito vulgar, trivial mesmo, mas que dá uma idéia da pressão da matéria sobre o Espírito, fazer-vos compreender aquela encarnação, do ponto de vista do meio em que os discípulos tiveram que nascer e viver e do ponto de vista do objetivo da missão que, em seguida, lhes cumpria desempenhar.

Observai o que se passa com o molho de feno que é submetido à compressão para torná-lo mais fácil de ser expedido. Seu volume se reduz e seus filamentos, por assim dizer, deixam de existir. Desde, porém, que seja submetido à ação da umidade, readquire a sua liberdade, se distende novamente e retoma o volume primitivo.

Se o Espírito, embora muito desenvolvido, sofre uma encarnação em que tenha de ser ignorante, simples, mesmo idiota, só encontra no corpo em que encarna um instrumento pesado, indócil, incapaz de lhe servir para uma utilização que corresponda ao seu desenvolvimento. É um piano cujas cordas metálicas foram substituídas por cordas de cânhamo. Por mais perfeito que seja o pianista, dele não tirará som algum.

Era absolutamente necessário à obra de Jesus que os instrumentos de que se servia fossem ignorantes e reconhecidos como tais. Mais retumbante viria a ser o subseqüente desenvolvimento de suas faculdades. O som, o pensamento foram simplesmente devidos à substituição das cordas de cânhamo por cordas sonoras. 72

Jesus prometera a seus discípulos que lhes enviaria o "Espírito Santo", isto é : a inspiração do céu, a direção superior. Foi o que se deu quando, debaixo da influência e da ação dos Espíritos superiores, eles sentiram que suas faculdades intelectuais se desenvolviam, que o entorpecimento da matéria cerebral cedia lugar à lucidez e que suas faculdades mediúnicas também se ampliavam, ajudando-os a vencer os obstáculos que a matéria, por mais tênue que se mostre, opõe ao Espírito mais elevado que se tenha revestido de um corpo carnal, como os vossos.

Além do fluido vital que circula nas veias misturado ao sangue, influindo nas suas qualidades e, por conseguinte, na organização humana; além do fluido nervoso, que serve para imprimir elasticidade aos músculos, aos nervos, às articulações, auxiliando o movimento da máquina organizada, existe ainda no homem o fluido espiritual, que serve para o desenvolvimento da inteligência, envolvendo a matéria cerebral que recebe as inspirações e tornando-a mais ou menos flexível, mais ou menos apta a recolher essas impressões e a conservá-las.

Se vos fosse dado ver, observaríeis uma camada luminosa estendida por sobre o cérebro, como uma espécie de verniz sobre um quadro. É nessa camada de fluido que nós executamos o trabalho de vos transmitir os pensamentos, trabalho de que resulta para vós a inspiração e que, indo afetar consecutivamente o fluido vital e o fluido nervoso, produz as mediunidades psicográfica e psicofônica. Vosso cérebro, reservatório e sede de impulsão e de direção dos fluidos espiritual, vital e nervoso, é então, por assim dizer, a pilha galvânica que pomos em movimento e que transmite o abalo a todo o corpo, nas condições que correspondam aos efeitos que se devam produzir.

Damos estas explicações para que compreendais como, sob a influência e a ação dos Espíritos 73

superiores que os assistiam no desempenho de suas missões, as cordas de cânhamo se mudaram, nos apóstolos, em cordas sonoras.

"Os discípulos ficaram profundamente contristados; mas, não entendiam coisa alguma das palavras de Jesus: tão ocultas lhes eram elas que não as compreendiam e receavam interrogá-lo."

Eles não compreenderam senão uma coisa: que corriam o risco de perder o Mestre bem-amado. Já vos dissemos que um véu espesso lhes encobria o sentido dos fatos a que Jesus se referia quando falava da sua "morte", da sua permanência "no túmulo", da sua "ressurreição". Durante a missão terrena que lhes fora confiada e para o cumprimento dessa missão, eles não tinham que penetrar e conhecer, em espírito e verdade, o sentido daquelas alusões do Cristo, pois que só à revelação atual estava reservado desvendá-lo aos homens.

Ficaram profundamente contristados, porque acreditavam, como era mister acreditassem (temo-lo explicado muitas vezes) que Jesus pertencia à humanidade terrena pelo seu invólucro corpóreo; que, portanto, sofreria realmente, fisicamente, as dores, as torturas e o suplício de uma morte real, material, violenta.

As palavras de Jesus tão ocultas lhes eram que eles não as compreendiam. É que não compreendiam a natureza e o objetivo do ato que, sob a aparência da morte, não seria mais do que um exemplo de amor e de sacrifício, exprimindo os sentimentos e a dor de uma mãe que vê seus filhos transviados, rebeldes, cruéis e homicidas, mostrando pela prática do crime desconhecerem o devotamento e o afeto maternais que elevam, consolam e procuram salvar.

Receavam interrogar a Jesus, porque a "ressurreição" quase instantânea, após uma morte que 74

a seus olhos seria real, material, lhes povoava de dúvidas os Espíritos, quanto à possibilidade de tal fato, mesmo como uni milagre. Essas dúvidas é que lhes infundiam o temor de interrogarem o Mestre sobre aquele ponto. 75

MATEUS, Cap. XVII, vv. 24-27

Jesus paga o tributo

V. 24. Tendo eles vindo a Cafarnaum, os que recebiam o tributo das duas dracmas se aproximaram de Pedro e lhe perguntaram: Teu Mestre não paga as duas dracmas? — 25. Ele respondeu: Sim. Ao entrarem em casa, Jesus lhe perguntou: Que te parece, Simão? De quem recebem os reis da terra os tributos ou impostos? De seus filhos ou dos estranhos? — 26. Pedro respondeu : Dos estranhos. Jesus replicou : Então os filhos se acham isentos; — 27, mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar e lança o teu anzol; pega do primeiro peixe que apanhares, abre-lhe a boca, que encontrarás dentro um estáter1; toma-o e vai entregá-lo por mim e por ti.

N. 200. Nestes versículos há um ensinamento de submissão dado aos homens. Eles ensinam que todos devem submeter-se às leis que regem o seu país, por mais rigorosas e injustas que lhes pareçam, até que sejam derrogadas pela ação dessa força moral que se personifica na razão e na discussão ativas, sábias, esclarecidas e perseverantes, força que, com o auxílio do tempo, põe em foco a justiça e a verdade, fontes de toda civilização verdadeira e de todo progresso.

Pedro, antes mesmo de haver falado a Jesus, respondeu — sim, aos que cobravam o tributo, por estar certo de que o Mestre cumpriria as obrigações do cidadão, isto é : do homem pacífico que se submete às leis do seu país ainda que as tenha por injustas e que elas o sejam realmente.

Querendo acentuar a injustiça do tributo que se lhes exigia, perguntou Jesus a Pedro: "De quem cobram os reis da terra os tributos ou impostos?

1 Moeda do valor de quatro dracmas. 76

De seus filhos ou dos estrangeiros?" Respondendo Pedro: "Dos estrangeiros", Jesus lhe observou : "Então os filhos se acham isentos deles".

Os filhos, com relação aos reis da terra, eram os naturais do país.

Ao passo que, para os Romanos, eram filhos os cidadãos de Roma, sendo estrangeiros os povos subjugados, para os Hebreus, ao contrário, no país que aqueles haviam conquistado, estrangeiros eram os conquistadores — o povo romano, representado pelos seus procônsules, e filhos os naturais do país — os povos conquistados. Justo seria, portanto, que, estando nas suas terras, os filhos do país não pagassem tributo.

Mas, ao mesmo tempo, ordena Jesus a Pedro que pague o tributo, a fim de que (palavras suas) não os escandalizemos. É que, sendo Hebreus, os discípulos desejariam encontrar um pretexto para se forrarem às obrigações que lhes impunha o poder estrangeiro. Não esqueçais que os judeus persistiam em querer que o Mestre fosse um chefe temporal. Procedendo daquele modo, Jesus lhes dava um exemplo de humildade e de submissão às leis estabelecidas, embora fossem estas rigorosas, injustas, e do mesmo passo demonstrou o seu poder por "um milagre".

"Vai ao mar, diz ele a Pedro, lança a tua linha, pega do primeiro peixe que apanhares e abre-lhe a boca que encontrarás dentro uma moeda de prata de quatro dracmas; toma-a e vai entregá-la por mim e por ti aos que cobram o tributo."

Acerca deste fato nada mais há que dizer, além do que já sabeis relativamente a todos os que considerais milagrosos. Já tivemos ocasião de dar-vos explicações gerais sobre os efeitos dessa natureza, quando tratamos da pesca tida por miraculosa.

Por ato da sua vontade e auxiliado pelo magnetismo espiritual, o Espírito preposto à realiza- 77

ção do fato com que nos ocupamos, exercendo uma ação magnética, dirigiu para o lugar, onde, no fundo do mar, se achava o estáter, os fluidos que envolviam o peixe. Arrastado este, assim, para aquele lugar pela corrente desses fluidos, o Espírito preposto, acionando outra corrente magnética, fê-lo aspirar a moeda, reconduziu-o à superfície das águas e o encaminhou para o anzol que o tinha de fisgar como fisgou.

Ignorais, porventura, que o fundo do mar encerra muitos tesouros que a cupidez humana ambicionaria, se os conhecesse? Que há de surpreendente em que o peixe, que teria de trazer à superfície do mar a moeda, haja sido, pela ação das correntes magnéticas, impelido para o lugar onde ela se achava e a tenha aspirado, ainda sob a ação de tais correntes, dirigidas estas pelo Espírito que, desse modo, fez do mesmo peixe o portador da dita moeda?

Quando disse a Pedro: Entrega-lhes essa moeda de prata por mim e por ti, Jesus, como se vê, mandou pagar o tributo por si e por Pedro, com exclusão dos demais apóstolos, que certamente já o haviam pago a expensas da caixa comum. 78

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 1-5. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 33-41. — LUCAS, Cap. IX, vv. 46-50

Lição de caridade e de amor, de amparo ao fraco, de fé, confiança, humildade e simplicidade

MATEUS: V. 1. Naquela hora os discípulos se acercaram de Jesus e lhe perguntaram: Quem julgas que é o maior no reino dos céus? — 2. Jesus, chamando um menino, o colocou de pé no meio deles, — 3, e lhes disse: Em verdade vos digo: se não vos converterdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus. — 4. Aquele, pois, que se fizer humilde e pequeno como este menino, esse será o maior no reino dos céus. — 5. Aquele que receber em meu nome um tal menino, a mim me recebe.

MARCOS: V. 33. Vieram a Cafarnaum e, quando chegaram a casa, perguntou-lhes ele: De que vínheis tratando pelo caminho? — 34. Todos se calaram, por isso que tinham vindo a discutir sobre qual deles era o maior. — 35. Jesus então se sentou, chamou os doze apóstolos e lhes disse: Se algum quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos. — 36. Em seguida, tomou de um menino, colocou-o no meio deles e, depois de o beijar, — 37, disse-lhes: Quem receber em meu nome a uma criança como esta a mim me recebe e quem me receber não me recebe a mim, recebe sim àquele que me enviou. — 38. Disse-lhe em seguida João : Mestre, vimos um homem que expulsa os demônios em teu nome, mas que não te segue; nós lho proibimos. — 39. Jesus disse : Não lho proibais, porquanto não há ninguém que, tendo feito em meu nome um milagre, possa depois dizer mal de mim; — 40, visto que quem não é contra vós é por vós; — 41, e quem quer que em meu nome vos dê de beber um copo d'água, por serdes do Cristo, não perderá, eu vo-lo digo em verdade, sua recompensa.

Lucas: V. 46. Veio-lhes então à mente saber qual dentre eles era o maior. — 47. Mas Jesus, vendo 79

o que lhes ia nos corações, tomou de um menino e o colocou perto de si; — 48, e lhes disse: Quem quer que receba em meu nome esta criança me recebe e quem quer que me receba recebe aquele que me enviou; porquanto, aquele que entre vós for o menor esse é o maior. — 49. João, replicando, disse: Mestre, vimos um homem que expulsa os demônios em teu nome e nós lho proibimos, pois que ele não te segue conosco. — 50. Jesus lhe disse: Não lho proibais, porque quem não é contra vós por vós é.

N. 201. Tomadas no seu conjunto, essas palavras de Jesus encerram uma lição de caridade, de amor, de amparo ao fraco, de fé, confiança, humildade e simplicidade. Não disse ele: aquele que queira ser o primeiro seja o último de todos, o servo de todos; aquele que dentre vós for o menor, esse é o maior? Nessas palavras está tudo. Sede como a criança que Jesus tomou nos braços.

Quer isto dizer: se, fracos como sois, tiverdes confiança nele, encontrareis amparo; se fordes simples de coração, achareis nele a chave de toda a ciência. Sede caridosos para com os vossos irmãos e nele se vos deparará o mais admirável tipo da caridade.

Segui o exemplo dado por Jesus. Sede as criancinhas que ele em seus braços carrega. Sede humildes, compenetrados da vossa ignorância e da vossa fraqueza. Sede brandos e submissos, compenetrados de que tudo deveis esperar de quem é mais poderoso do que vós. Sede, sobretudo, confiantes na força dos possantes braços que vos sustêm e elevam à altura do Mestre dos mestres.

Não procureis elevar-vos pelas vossas próprias forças: elas vos trairão. Não acrediteis que valhais mais do que vossos irmãos aos olhos de vosso pai. Não desejeis elevar-vos mais do que eles; procurai, ao contrário, ajudá-los a se elevarem, dando-lhes o melhor dos conselhos: o conselho do exemplo ! 80

(Mateus, v. 1; Marcos, vv. 33-34; Lucas, v. 40.) Foi o ciúme que trouxe ao espírito dos apóstolos a idéia de saber qual dentre eles era o maior, idéia que deu origem à discussão em que se empenharam e que os levou a inquirirem de Jesus: "Quem é o maior no reino dos céus?" depois de terem guardado silêncio, quando o Mestre lhes perguntou: "De que vínheis vós tratando pelo caminho?" Aquela idéia proveio do Espírito encarnado, nasceu da tendência que lhe é natural. Sabeis quão forte é, para o Espírito, a constrição da carne. O mais elevado lhe sofre a influência.

Afigurava-se aos discípulos que Jesus tinha preferência por um deles. Isso provocou entre os outros o ciúme, ciúme até certo ponto desculpável por provir do amor imenso que consagravam ao Mestre.

João não era o mais amado, era antes o que mais amava, o que o impelia a se aproximar constantemente do Mestre, dando lugar a que os outros pensassem que lhe coubera a melhor parte.

Não vos admireis de que aos discípulos tenha Jesus perguntado: "De que vínheis tratando pelo caminho?", quando é certo, como se vos diz, que ele via o que lhes ia nos corações, antes que proferissem qualquer palavra. Lembrai-vos sempre de que os discípulos acreditavam que o Mestre era homem como eles, crença esta em que convinha permanecessem.

(MATEUS, v. 3.) Se vos não converterdes, não entrareis no reino dos céus.

Se vos não converterdes queria dizer: se não abandonardes as idéias e tendências humanas. A carne leva ao orgulho, à ostentação, à ambição. Imitai a simplicidade da criança. Esperai tudo do mestre e não conteis nunca com o vosso mérito próprio.

Não entrareis no reino dos céus : não chegareis à perfeição. 81

(Marcos, v. 35.) O Espírito que busca a preeminência está imbuído de orgulho. Ora, sabeis que o orgulho tem que ser abatido para ser destruído. Ê, pois, intuitivo que aquele que procurar elevar-se acima de seus irmãos, por orgulho, terá que sofrer a correspondente expiação, encarnando em condições ínfimas. Esta a conseqüência inevitável.

(Mateus, v. 4.) A humildade do coração e a simplicidade do Espírito são o princípio e a fonte de todas as virtudes e abrem o caminho que conduz a toda ciência, a todo progresso moral e intelectual.

(Mateus, v. 5; Marcos, v. 37; Lucas, v. 48.) "Aquele que em nome de Jesus recebe a uma criança recebe ao mesmo Jesus, isto é: aquele que se põe ao alcance do fraco e do simples, aquele que com este partilha o que possui, que o faz aproveitar da inteligência, da força, da ciência que lhe foram outorgadas, esse imita o Mestre, que fez outro tanto por todos vós. O que assim procede atrai as bênçãos do Senhor e o Cristo se compraz em lhe estar ao lado.

Quem, recebendo assim a uma criança, recebe a Jesus, recebe também aquele que o enviou. Isto significa: aquele que obedece à lei de amor, que Jesus trouxe à Humanidade, solícito concede amparo, auxílio, proteção ao fraco e o sustenta da maneira que lhe seja possível. O que procede assim obedece à lei do Cristo e o Senhor lê no seu coração. Esse recebe o pai, pois que não cogita dos serviços, dos proveitos que possa auferir do seu procedimento. "A criança", por demasiado fraca, nenhuma retribuição lhe pode oferecer. Ele, pois, se faz credor do seu reconhecimento, por amor do filho, por amor, conseguintemente, do pai que o enviou. Esse, que será o menor aos olhos dos homens, é, perante Deus, o maior pela pureza da intenção, pela integridade da alma, pela integridade da vida. 82

(Marcos, vv. 38-40; Lucas, vv. 49 e 50.) Porque pretender sofrear os impulsos da fé? Porque pretender forçar os homens a caminharem por uma determinada senda que se lhes abriu, quando podem, seguindo a que lhe fica paralela, chegar ao mesmo fim? Já naquela época Jesus condenava a tirania mística que vos diz: Crede como eu, adorai como eu, do contrário sereis condenados às penas eternas.

Compreendei bem o alcance destas benfazejas palavras do Mestre: "Porque o impedistes?" "Aquele que não é contra mim (textual), é por mim."

Sim, filhos bem-amados, aquele que segue os passos do guia divino, que lhe admira as leis, mas que, não se contentando com uma admiração estéril, as pratica, esse é pelo Cristo, é seu irmão. E ele, o irmão mais velho, que entrou no "reino do pai", isto é: que atingiu a perfeição, lá prepara lugares para os que caminham nas suas pegadas.

O Mestre não vos abriu uma única estrada. Onde quer que se possa fazer o bem, aí descobrireis a marca de seus pés. Segui-o sem vos inquietardes com os que vos queiram deter. Expulsai, em seu nome, todos os "demônios" que tentam e assaltam a humanidade. Começai por expeli-los dos vossos corações e fareis "milagres" de fé e de amor, porquanto, obrando em seu nome, estareis com Jesus e Jesus estará convosco. Dele recebemos a incumbência de dizer-vos: Ide, ó bem-amados, a graça do Senhor pousa sobre as vossas cabeças.

Repetindo estas palavras do Mestre: "Aquele que não é contra mim é por mim", dissemos acima serem elas textuais. Com efeito, essas são, textualmente, as palavras que o Mestre pronunciou.

Nada valem os erros cometidos pelos tradutores. Alguns as tomaram num sentido genérico e traduziram: "Aquele que não é contra vós é por vós". Outros as tomaram num sentido particular e traduziram: "Aquele que não é contra nós é por nós". 83

O Espírito encarnado que expulsava os demônios em nome do Mestre, sem pertencer ao número dos que, com os discípulos, o seguiam, era um Espírito em missão. Não vos equivoqueis quanto ao sentido destas palavras. Um Espírito pode estar em missão, sem que por isso seja um Espírito superior.

O que desempenhava a missão a que aludimos era um Espírito esclarecido, a quem os laços da carne não haviam impedido de compreender a missão divina de Jesus. Animado de uma fé viva e ardente, ia, por seu lado, pregando aos homens que seguissem o Mestre de quem apenas ouvira falar. Certo de que, apoiando-se no seu nome, atrairia para si as graças do Senhor, expulsava os Espíritos impuros, sustentado por Espíritos superiores, que lhe secundavam os esforços. Era uma pedra isolada que servia para a construção do edifício, como tantas outras houve, há hoje e haverá no futuro.

(Marcos, v. 41.) "Fazei a caridade pelo amor de Deus".

O amor de Deus é o amor por excelência, o amor universal, razão por que se eleva acima de todas as influências da matéria aquele que faz a caridade em toda a extensão de suas forças e de seus meios, com o coração e o Espírito, na ordem material, na ordem intelectual e na ordem moral, ao primeiro que encontra, conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo.

O que desse modo pratica a fraternidade humana mais e mais se aproxima do tipo divino, caminha cada vez mais perto das pegadas do grande modelo, caminhando conseguintemente para a perfeição, pois que se esforça por em si realizar esta sentença de Jesus: "Sede perfeitos como é perfeito vosso pai que está nos céus".

N. 202. No v. 39 de Marcos, assim como em todos os outros versículos dos Evangelhos, qual a ver- 84

dadeira expressão que corresponda à das traduções latinas virtutem e à das traduções francesas — miracies, tendo-se em vista a definição que ao termo milagre dá a Igreja romana e do sentido que lhe atribui, dizendo ser — uma derrogação das leis na natureza?

Milagre é a única palavra que, na linguagem humana, se pode empregar para exprimir, do vosso ponto de vista, a idéia de um ato que escapa ao âmbito das conhecidas leis da natureza.

A vossa linguagem carece de um termo técnico que sirva para revestir esse pensamento.

A Igreja romana devera definir o "milagre" como sendo um ato que se efetuou pela vontade de Deus, segundo leis verdadeiras e imutáveis da natureza, ainda desconhecidas dos homens, mas existentes desde toda a eternidade, ato esse que ela, e bem assim a ciência humana, será obrigada a reconhecer como realizado sob a ação espírita, por efeito daquela vontade. 85

LUCAS, Cap. IX, vv. 51-56

Palavras de Tiago e João. — Resposta de Jesus.

V. 51. Como se aproximasse o tempo em que havia de ser arrebatado do mundo, ele, de semblante resoluto, se pôs a caminho para ir a Jerusalém. — 52. Enviou adiante alguns mensageiros que de passagem entraram numa aldeia de Samaritanos a fim de lhe prepararem pousada. — 53. Estes, porém, não o receberam por ter ares de quem ia para Jerusalém. — 54. Vendo isso, seus discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor, queres digamos que o fogo desça do céu e os consuma? — 55. Jesus, porém, voltando-se para eles, os repreendeu, dizendo: Não sabeis de que espírito sois? — 56. O filho do homem não veio para perder e sim para salvar os homens. Dirigiram-se a uma outra aldeia.

N. 203. (V. 51.) O tempo que se aproximava, tempo esse em que Jesus tinha de ser arrebatado do mundo, era o momento em que, pouco depois, ele desapareceu das vistas humanas. O termo — ascensão — traduz bem o pensamento, pois que, diante dos discípulos reunidos, ele se elevou nos ares até que deixou de ser visto.

(V. 53.) O fato de se haverem os Samaritanos recusado a recebê-lo nada tem que vos possa espantar. Ignorais porventura que os Samaritanos não partilhavam das idéias dos Judeus propriamente ditos e que, para eles, o templo de Jerusalém não tinha o prestígio que fascinava os Israelitas?

(V. 54.) Foi sob a influência de idéias nacionalistas e sob o império da tradição que João e Tiago, por inspiração própria, pediram a Jesus fizesse descer o fogo do céu para consumir os Samaritanos. Criam eles que a ruína daquela vila e de seus habitantes encheria de espanto a toda gente e, pelo terror que havia de inspirar, aumen- 86

taria o prestígio do Mestre. Cediam a uma impressão retrógrada, em vez de acompanharem a marcha que Jesus lhes imprimia na senda do progresso. Essa a razão por que ele os repreendeu, dizendo-lhes: O filho do homem não veio para perder e sim para salvar as almas.

Como sempre, um exemplo de caridade. Atentai nestas palavras de Tiago e de João, filhos de Zebedeu: Senhor, queres digamos que o fogo desça do céu e os consuma?; atentai, também, na resposta de Jesus: "Ignorais de que espírito sois, porquanto o filho do homem não veio para perder e sim para salvar as almas; e lembrai-vos do apelido que o Mestre, com a presciência que tinha do futuro, dera a Tiago e a João, quando foi da vocação dos doze apóstolos — o apelido de Boanerges, que quer dizer: filhos do trovão.

Apropriada aos tempos e aos homens, a lei de Moisés era dura e cruel.

Ensinamentos mais brandos se tornavam necessários, para abrandar aquelas naturezas violentas, que já os séculos tinham esclarecido. Fazia-se mister uma lei que lhes ensinasse o amor em troca do ódio, o perdão em troca da injúria, o benefício em troca da ofensa.

Jesus não viera abolir a lei, mas completá-la.

A lei de Moisés era como um desses blocos informes que o mestre confia ao desbastador. Os séculos lhe haviam limado as asperezas mais fortes, os ângulos mais agudos.

Veio Jesus e com o seu cinzel pleno de doçura, ainda que vigoroso, lhe deu as formas e poliu os contornos. Por sobre a sua obra passaram os séculos e a matéria amoleceu.

Chegou o momento de concluí-la. O Mestre toma do buril e os traços mais delicados em breve aparecerão. Desses traços feitos no mármore vai nascer o amor divino. No coração de pedra vai penetrar o mesmo amor. E quando a obra estiver 87

acabada, quando o sopro do divino artista lhe houver transfundido a vida, a estátua, animada, por todas as virtudes, mostrará ao mundo que Jesus não veio abolir a lei, mas justificá-la, tornando-a perfeita. 88

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 6-11. — MARCOS, Capítulo IX, vv. 42-50. — LUCAS, Cap. XVII, vv. 1-2

Evitar o escândalo. — É necessário que se dêem escândalos, é impossível que não se dêem. Mas., ai do homem que cause o escândalo

MATEUS: V. 6. Aquele que escandalizar a um destes pequeninos que em mim crêem, melhor fora lhe pendurassem ao pescoço uma mó de moinho e o lançassem ao fundo do mar. — 7. Ai do mundo por causa dos escândalos, pois é necessário que venham escândalos; ai, entretanto, do homem por quem vem o escândalo. — 8. Se vossa mão ou vosso pé vos for motivo de escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós. Mais vos vale entrar na vida coxo ou estropiado do que com duas mãos e dois pés e ser lançado no fogo eterno. — 9. Se vosso olho vos for motivo de escândalo, arrancai-o e atirai-o longe de vós; mais vale entreis na vida com um só olho do que com dois e serdes lançados na geena do fogo. — 10. Tende muito cuidado em não desprezar a um destes pequeninos, pois vos digo que seus anjos, no céu, vêem sempre a face de meu pai que está nos céus. — 11. Porque o filho do homem veio salvar o que estava perdido.

MARCOS: V. 42. Aquele que escandalizar a um destes pequeninos que crêem em mim, mais valera lhe atassem ao pescoço uma mó de moinho e o lançassem ao mar. — 43. Se vossa mão vos é motivo de escândalo, cortai-a; mais vale entreis na vida com uma só mão do que com duas e irdes para a geena do fogo que jamais se extingue, — 44, onde o verme que os rói não morre e o fogo não se apaga. — 45. Se vosso pé vos é motivo de escândalo, cortai-o; mais vale entreis coxos na vida eterna do que com dois pés e serdes precipitados na geena do fogo que jamais se extingue; — 46, onde o verme que os rói não morre e o fogo nunca se apaga. — 47. Se vosso olho vos é motivo de escândalo, arrancai-o; melhor será que entreis no reino de Deus com um só olho do que com dois e serdes precipitados na geena do fogo, — 48, 89

onde o verme que os rói não morre e o fogo jamais se extingue, — 49, pois todos terão que ser salgados com fogo, como toda vitima tem que ser salgada com sal. — 50. O sal é bom, mas, se se tornar insípido, com que temperareis? Tende sal em vós e entre vós guardai a paz.

Lucas: V. 1. Disse Jesus a seus discípulos: É impossível que não venham escândalos; mas ai daquele por quem vêm os escândalos. — 2. A esse melhor fora lhe atassem ao pescoço uma mó de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar a um destes pequeninos.

N. 204. (Mateus, v. 6; Marcos, v. 42; Lucas, v. 2.) Aquele que escandaliza a uma criança, aquele que, pelas palavras e exemplos, arrasta um de seus irmãos, por mais ínfimo que o julgue, a praticar o mal, seja por atos, seja por pensamentos, se torna culpado perante Deus, não só da falta em que, assim procedendo, incorreu, mas também das em que tenha feito incorrer os outros e as expiará.

Destruí em vós todas as raízes do pecado, isto é, tudo o que vos leve a infringir a lei divina; arrancai de vossos seres tudo o que vos possa, de qualquer maneira, induzir ao mal. Tratai de compreender bem o sentido figurado das palavras de Jesus: — destruí nas vossas almas todas as causas do mal, qualquer que seja o sofrimento humano que vos possa isso causar. Mais vale que sofrais durante alguns dias da vossa miserável existência, rompendo com os vícios, do que vos arriscardes a sofrer, por séculos, na vida errante do Espírito culpado. Considerai que o fogo, que devora, não se extingue, e que o verme, que rói, não morre.

Imagens são estas de uma dor ardente, incessante, que consome o Espírito, sem jamais o reduzir a cinzas; de uma tortura de todos os instantes da sua vida na erraticidade, sem que lhe sorria a 90

esperança de ver-lhe o fim. A esperança é gota d'água que cai nas terras áridas, é o maná que o faminto apanha do chão, é o bálsamo que se deita na chaga sangrenta. O culpado não a pode sentir até que o arrependimento lhe haja aberto o coração para aninhá-la.

(Mateus, v. 7; Marcos, v. 42; Lucas, v. 2.) É impossível que, no seio da humanidade, não se encontrem Espíritos menos adiantados, ou mais obstinados no mal do que outros e que não provoquem o escândalo pelos seus atos maus, pelos seus maus conselhos e maus exemplos. Ai deles! melhor fora que, reconhecendo a sua inferioridade moral, não houvessem encarnado em meios muito elevados, em pontos, para eles, muito civilizados do planeta, pois que seus vícios e sua ignorância podem induzir ao mal os que os cercam e causar escândalo, detendo a estes os passos e arrastando-os à queda. Melhor fora que não houvessem encarnado, que tivessem esperado acharem-se mais amadurecidos para uma vida melhor, porquanto terão que sofrer o castigo correspondente ao orgulho que os domina e aos seus maus pendores. Prevenidos, que são, antes de encarnarem, das conseqüências boas ou más da encarnação que pedem, cientificados de que as más preponderarão, dadas as tendências naturais do Espírito, os que se obstinam em reclamá-la aceitam de antemão a solidariedade com a conduta que tiverem. Assinam uma letra que hão de pagar no dia do vencimento.

Aos Espíritos é concedido escolherem livremente os mundos onde queiram encarnar, contanto que não saiam dos limites que lhes traça o grau do desenvolvimento que atingiram. Um Espírito que sai da classe em que lhe compete estar não o faz sem ser prevenido das conseqüências que lhe pode acarretar a sua temeridade. Se essa mudança de classe viesse a ser prejudicial aos outros homens; se, principalmente, obedecesse a um propósito de viciosa maldade, tivesse por 91

único fim causar dano àqueles entre os quais o Espírito viria a viver no mundo, ele seria impedido de sair da sua esfera, isto é : de encarnar fora da categoria daqueles em cujo meio se acharia entre seus iguais no adiantamento, na inteligência, na moralidade.

Assim, essas encarnações de um Espírito entre outros de ordem superior, relativamente à que ele ocupa, se originam de duas causas: do desejo que tem o Espírito de progredir, desejo temerário mas sincero no momento em que escolhe a encarnação; conveniência de ferir, para fazê-los progredir, ou os povos, ou as famílias em cujo seio tais encarnações se verificam. A intromissão desses seres inferiores no meio de outros encarnados serve sempre para castigo, para expiação e, por conseguinte, para o progresso dos que se tornam suas vítimas e, mais ainda talvez, para o progresso dos que lutam contra os maus exemplos, os maus conselhos e triunfam. Serve também para a moralização e o progresso do Espírito inferior que encarnou fora da sua classe. Pela sua convivência, enquanto encarnado, com outros Espíritos de ordem mais elevada, ele cria relações úteis, recebe na sua alma boas sementes, que acabarão por germinar.

Nem sempre, pois, a faculdade do livre-arbítrio é absoluta quanto à escolha das provas. Ela sofre limitações. Ao Espírito que deseje progredir, por mais atrasado que seja, se deixa a escolha dos meios de o conseguir. Apenas é guiado nessa escolha. Mas o Espírito que, apesar de tudo, continua perverso, esse sofre, oportunamente, o castigo e as provas que lhe são infligidas. O que persevera no mal se vê constrangido a esperar que lhe seja permitido reencarnar. Algumas vezes mesmo não o quer, porém sofre à força a encarnação, como meio de se desenvolver e depurar. então, encaminhado para um meio de antemão escolhido para tal efeito, de modo que a encarnação lhe aproveite 92

e concorra ao mesmo tempo para o adiantamento dos que o recebem em seu seio.

Assim, não diz a verdade quem afirma que o Espírito usa sempre do livre-arbítrio quanto à faculdade de encarnar ou não e quanto às provações, quaisquer que sejam na sua perversidade, suas intenções e o fim malfazejo que se proponha atingir pela reencarnação. O exercício livre daquela faculdade, a liberdade na escolha constituem a regra, é o que se dá na maioria dos casos. Mas, há exceções, de harmonia com a natureza dos que a tais exceções dão lugar. Se fora sempre voluntária a encarnação de Espíritos endurecidos no mal, isso acarretaria perturbações nas leis que regem o progresso de todos.

Viveis num meio composto de Espíritos inferiores em a sua generalidade, num meio onde poucos se contam elevados. Entre os primeiros, alguns há muito culpados, que cometem escândalos. Ai deles! Porquanto terão que os expiar.

São uma pedra de toque para os que se acreditam com força bastante a resistir às suas tentações, aos maus exemplos. Estes, por seu turno, se os traiu a confiança que em si mesmos depositavam, se não se mostram suficientemente fortes para resistir, também terão que expiar, não só as faltas cometidas, mas ainda o orgulho que os induziu a procurarem uma prova mais difícil do que deveriam ser as suas.

Necessário é, portanto, que haja escândalos no mundo, pois que é pelo contacto com os vícios que as virtudes se fortalecem e deles triunfam. Mas, ai dos que ocasionarem o escândalo! Ai, também, ainda que menor lhes seja a culpa, dos que se deixam levar até ao escândalo.

Doçura, fé, bons exemplos, tais as armas de que vós outros, espíritas, vos deveis utilizar para propagar a nova revelação. Bom êxito alcançareis, com elas, entre muitos de vossos irmãos. Mas, nem todos se acham ainda amadurecidos. Deveis falar 93

desassombradamente das vossas crenças, assentá-las nas suas bases. Fazei-o, todavia, com brandura e persuasão. Se, porém, encontrardes naturezas obstinadas (e as há muitas), deixai-as. O tempo fará, ou nessa mesma existência, ou em outras, com o auxílio da reencarnação, o que não tiverdes podido conseguir. O futuro é longo: toda a eternidade se contém nele.

(Mateus, vv. 8-9; Marcos, vv. 43-48.) Aquele que vive engolfado nos vícios não entra na vida eterna. Após a morte do corpo, terá uma existência espírita limitada e toda de sofrimento. Dela só sairá, uma vez que se tenha arrependido, para recomeçar, a título de provação e de expiação, uma nova existência terrena.

Contrariamente, aquele que soube despojar-se das causas de faltas a que poderia ser arrastado, esse entra na vida espírita vendo desdobrar-se a seus olhos o futuro que lhe está reservado. Entra, conseguintemente, no reino dos céus, isto é: na senda que conduz à perfeição, pois que a Terra se lhe apaga da vista, desde o momento em que o grau de pureza que haja atingido lhe permita compreender a vida eterna, que é a vida espírita — vida normal do Espírito na imensidade.

Chegado a esse ponto, pode dar-se que lhe cumpra passar por uma nova existência na Terra. Essa, entretanto, não será mais uma existência expiatória. Ser-lhe-á concedida para o desempenho de uma missão, o que representa, para tal Espírito, se ainda não atingiu a perfeição moral, uma prova. Se já alcançou essa perfeição, a nova existência lhe servirá para auxiliar a realização de um progresso científico, para realizá-lo ele próprio, a fim de galgar, em adiantamento intelectual, o grau a que ascendera em adiantamento moral.

O Espírito pode ser muito adiantado sob o ponto de vista moral e muito ter ainda que avançar no tocante aos conhecimentos, embora, por ter chegado desse lado a certa altura, nada mais possa 94

adquirir na Terra. Isto nada importa, porque, primeiramente, o vosso mundo não é o único apropriado às encarnações materiais. Conquanto nunca penseis senão no minúsculo ponto em que habitais, inumeráveis se reconhecerá que são os mundos daquela categoria, desde que se considere serem inúmeras as diferenças, as condições várias e os diversos graus através dos quais, por gradações insensíveis, se vai da matéria compacta ao estado fluídico.

Em segundo lugar, os progressos que o Espírito possa imprimir às ciências, no vosso ou noutros mundos, quando vise um fim humanitário, se decuplicam, para ele, com a sua volta ao estado espírita. O que, na prisão de carne, esboçou, se aperfeiçoa subitamente, desde que a liberdade lhe é restituída. O artista, constrangido num espaço acanhado, modela a estatueta cuja criação ideou, dá-lhe depois, quando vem a encontrar-se livre daquele constrangimento, proporções gigantescas, visto ter ao alcance das mãos todos os materiais necessários e em torno de si o ar, o espaço e grandioso cenário.

(Marcos, v. 49.) O fogo exprime emblematicamente a expiação como meio de purificação e, portanto, de progresso para o Espírito culpado.

O sal, entre os Hebreus, era o emblema da purificação de toda vítima oferecida em oblata ao Senhor.

Jesus, a fim de ser compreendido das inteligências a que se dirigia, compunha a sua linguagem figurada, recorrendo aos costumes ou aos preconceitos e tradições hebraicas para as comparações de que precisasse servir-se, conforme os casos.

Como sabeis, os Espíritos que faliram, os Espíritos culpados, para se despojarem das impurezas morais, têm que sofrer, nos mundos inferiores, com um fim de expiação, de reparação e de progresso por meio de provações, a encarnação, as reencarnações sucessivas, precedida cada uma des- 95

tas, em conseqüência da anterior, da expiação no mundo espírita, por meio de sofrimentos e torturas morais apropriados e proporcionados aos crimes e faltas cometidos.

Uma vez purificados de tudo o que para eles e para seus irmãos constituía "motivo de escândalo", não mais têm que "ser salgados com o fogo", ou que ser precipitados na "geena do fogo", onde o verme que rói não morre e o fogo nunca se extingue. Continuam a avançar pela senda do progresso moral e intelectual, mediante reencarnações sucessivas, porém não mais expiatórias. Reencarnam em mundos cada vez mais elevados, moradas de paz e de felicidade, até que, por se haver nulificado neles a influência da matéria, se tenham tornado puros Espíritos.

(Marcos, v. 50.) Tende valor próprio, mas que o mérito de cada um não se torne fonte de discórdias, pois que o Senhor poderia, pela natureza da encarnação, destruir esse mérito. Ficareis sendo então como o sal que perdeu o sabor, isto é: nulos.

Trate cada um de adquirir valor aos olhos de Deus e dos homens. Se todos os vossos esforços tenderem a esse fim, sereis forçosamente levados a progredir. Mas, não vos orgulheis desse valor, visto que, por grande que o julgueis ou que pareça aos outros homens, pouco sabor tem ele para Deus. Não o façais perder esse pouco sabor, tornando-o insuportável aos que vos rodeiam. Não esqueçais nunca que nada sois diante do Ser supremo e que é somente tendo em vista o seu juízo que deveis aspirar a tornar-vos alguma coisa. Não procureis que os outros o percebam e ainda menos que o admirem. Ao contrário, na humildade do vosso coração, cuidai de aumentá-lo por forma tal que o vosso pai o julgue bastante grande pelo progresso intelectual e sobretudo moral que haja determinado em vossos irmãos e em vós mesmos. 96

(MATEUS, v. 10.) Tende cuidado, dizia Jesus a seus discípulos, em não desprezar a um destes pequeninos, pois vos digo que seus anjos, no céu, vêem sempre a face de meu pai, que está, nos céus.

Não esqueçais que Jesus falava quase sempre por figuras. Apresentava aos discípulos a infância como emblema da pureza e da virtude. Ora, os Espíritos protetores dos homens puros e virtuosos são Espíritos elevados que, pela sua mesma elevação, mais se podem aproximar da luz. O estado de pureza que atingiram lhes permite comunicar com os Espíritos mais elevados, mensageiros dos puros Espíritos, dos Espíritos perfeitos que "vêem" Deus.

Mas, repetimo-lo, Jesus falava em estilo figurado. Os Espíritos que se aproximam do Senhor e o "vêem" são extremamente elevados para descerem até à humanidade. Mais geral e extensa é a missão que desempenham. Projetam sobre os mundos as claridades que irradiam do Senhor e que nós vos transmitimos diminuídas para que as possais suportar.

(MATEUS, v. 11.) "O filho do homem veio salvar o que estava perdido."

Ao pronunciar estas palavras, Jesus compreendia no seu pensamento o passado, a época em que falava e o futuro.

A lei fora dada aos homens para guiá-los, mas os homens abusaram da lei. Não obedeciam mais aos mandamentos, desfiguravam os preceitos e faziam das tradições o fundamento de seus dogmas. Jesus viera salvar os que se haviam extraviado, os que se tinham perdido. Abriu-lhes uma estrada nova em seguimento da de que eles se tinham afastado. Porém, também essa nova estrada ficou atravancada de dogmas, de tradições, de interpretações, escombros do edifício que o Mestre elevara 97

a tão grande altura com extrema simplicidade e clareza, proclamando entre os homens e para a humanidade inteira que toda a lei e os profetas se contêm nestes dois mandamentos: — amor a Deus acima de todas as coisas e amar o próximo como a si mesmo, dos pontos de vista material, moral e intelectual, mandamentos que implicam a observância dos preceitos do Decálogo. Preceituando aos homens a prática desse duplo amor, abstração feita de todos os diversos cultos exteriores, prescrevia-lhes que não adorassem o pai nem no alto do monte, nem em Jerusalém, que se tornassem os adoradores que o pai quer ter, seus adoradores em espírito e em verdade. Por este modo, todos se farão servos e membros da Igreja do Cristo, cujo templo é o vosso planeta e cujos fiéis são os que praticam aquele duplo amor, com simplicidade de coração, humildade de espírito, desinteresse, atividade e devotamento, trabalhando assim, pelo exemplo e pela palavra, para que se cumpra a promessa do Mestre, a de haver um só rebanho conduzido por um só "pastor".

Jesus vem de novo em busca do que estava perdido, salvar o que se perdera. Vem, por meio da nova revelação e por intermédio dos Espíritos do Senhor, reconduzir à estrada, em nome do Espírito da Verdade, o que se havia perdido. Cuidai, desta feita, de não mais vos desviardes, pois que, quanto mais avançais, com mais retidão deveis caminhar. 98

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 12-14. — LUCAS, Cap. XV, vv. 1-10

Ovelha desgarrada. — Dracma perdida

MATEUS: V. 12. Que vos parece? Se um homem tem cem ovelhas e uma delas se desgarra, ele não deixa as outras noventa e nove nos montes para ir procurar a que se desgarrou? — 13. E se acontece que a encontre, em verdade vos digo que essa ovelha lhe dará mais alegria que as outras noventa e nove que não se extraviaram. — 14. Assim, não é da vontade de meu pai que está nos céus que pereça um só que seja destes pequeninos.

LUCAS: V. 1. Os publicanos e os pecadores se aproximaram de Jesus para ouvi-lo. — 2. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este homem recebe os pecadores e come com eles. — 3. Jesus então lhes propôs esta parábola: — 4. Qual dentre vós aquele que, tendo cem ovelhas e perdendo uma, não deixará as outras noventa e nove no deserto, para ir procurar a que se perdeu até achá-la? — 5. E que, encontrando-a, não a carregará nos ombros cheio de alegria? — 6. Esse tal, voltando a casa reúne seus amigos e vizinhos e lhes diz: Congratulai-vos comigo, pois achei a minha ovelha que se perdera. — 7. Eu vos digo que, igualmente, mais alegria haverá no céu por ter um pecador feito penitência do que por causa de noventa e nove justos que não precisam fazer penitência. — 8. Ou, qual a mulher que, tendo dez dracmas e perdendo uma, não acende a sua candeia, não varre a casa e não procura com cuidado a moeda até a encontrar? — 9. Uma vez que a encontre, ela reúne suas amigas e vizinhas e lhes diz: Regozijai-vos comigo, pois encontrei a dracma que havia perdido. — 10. Do mesmo modo, haverá, eu vos digo, grande júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faça penitência.

N. 205. O pensamento que ditou a parábola da ovelha desgarrada é o mesmo do da dracma perdida. Visam o mesmo fim os ensinamentos que 99

resultam de ambas. Somente a da dracma perdida objetivava especialmente os pobres a quem Jesus falava.

Ele viera em socorro dos que fraquejavam, ou que, apavorados com os obstáculos do caminho, retrogradavam. O pai de família cuida com ternura do filho doente e o coração se lhe alvorota de ventura quando o vê restabelecido.

Foi o que fez o filho bem-amado do pai, durante a sua missão terrena. Era o que fazia antes que descesse a desempenhar essa missão, desde que o homem surgiu no vosso planeta, a cuja formação ele presidiu e do qual é o protetor, o governador, o senhor. É o que continuou a fazer depois do desempenho daquela missão e faz ainda agora, por intermédio dos Espíritos do Senhor, dos enviados do pai, dos missionários, encarnados e errantes, que, sob a sua direção, sempre trabalharam e trabalham pelo progresso da humanidade terrena.

Todos os seus cuidados, todo o seu amor se hão concentrado e concentram nas suas "ovelhas". Mas, sobre as que sofrem, sobre as que um mau "pastor" deixou se perdessem, é que mais ativamente se exerce a sua vigilância. Ele as procura, fala para que lhe elas escutem a voz e grande é a sua alegria quando a sua voz amorosa consegue ecoar no coração daquele que se "perdera". Oh! então, o bom pastor corre para a ovelha que respondeu ao seu chamamento e, tomando-a nos braços, a reconduz ao aprisco, para que não mais se aparte do "rebanho".

Compreendei bem o sentido e o alcance destas palavras de Jesus:

"Eu vos digo que igualmente mais alegria haverá no céu por ter um pecador feito penitência, do que por causa de noventa e nove justos que não precisam fazer penitência. — Do mesmo modo haverá, eu vos digo, grande alegria entre os anjos de Deus, por um pecador que faça penitência." 100

Jesus, aludindo à alegria de encontrar a ovelha desgarrada, não procura desviar do bom caminho os "justos". Entendei por "justos", não os que jamais fraquearam, porquanto não há, encarnadas no vosso planeta, criaturas que nunca tenham cometido faltas, mas os que deixaram de fraquear, ou, melhor, os que fazem esforços sérios, constantes e porfiados por não mais fraquejarem.

Muitos há que, não compreendendo o sentido e o alcance dessas palavras do Mestre, lhes imputam o defeito de concorrerem para destruir o amor do bem naqueles que se esforçam por manter-se na senda do bem, com o lhes apresentarem o culpado que se arrepende como mais precioso do que o justo.

Não, elas exprimem tão-somente o carinho de Deus para com todas as criaturas, carinho que lhe faz experimentar frêmitos de alegria sempre que volta ao redil uma ovelha desgarrada.

Estas últimas palavras "carinho que lhe faz experimentar frêmitos de alegria, etc." — são simbólicas. O Senhor, pela sua infalível previdência, sabe sempre que todos vós voltareis ao seu seio, assim como sabe quando voltareis. Conseguintemente, aquela alegria, aqueles frêmitos de alegria devem antes ser atribuídos aos Espíritos encarregados de vos reunir. Vós, que tendes tido algum de vossos filhos gravemente enfermo, não experimentastes, quando o vistes curado, transportes de ventura e de reconhecimento a Deus, transportes a que jamais os outros filhos deram lugar? E todavia não consagrais àquele mais amor do que a seus irmãos.

Dado que ele venha a crescer denotando tendências más, enquanto que os irmãos se conservam no bom caminho, não concentrareis todos os vossos esforços, toda a vossa solicitude nesse filho que poderia transviar-se, perder-se, segundo a maneira de ver do mundo? E, se os vossos esforços forem coroados de êxito, dizei-nos : não experi- 101

mentareis grande alegria? Contudo, não lhe consagrais mais amor do que aos outros. É que as dificuldades vencidas, as vitórias alcançadas aumentam o valor da obra realizada.

Os que dizem que aquelas palavras de Jesus concorrem para destruir o amor do bem nos que se esforçam por manter-se na senda do bem, com o lhes apresentarem o culpado que se arrepende como mais precioso do que o justo, esses não compreendem nem o sentido, nem o alcance de tais palavras.

Não, cada um obtém sempre de conformidade com as suas obras. Mas, a nós, Espíritos encarregados de vos reunir, Espíritos aos quais Jesus dava a designação de "anjos de Deus", a nós que velamos sobre vós, como sobre as ovelhas vela o pastor, que fazemos os maiores esforços por vos arrebanhar sob as vistas do Mestre, a nós nos é permitido o júbilo quando encontramos uma ovelha que se perdera e que conduzimos ao aprisco.

Jesus disse e nós o repetimos: Não é da vontade de meu pai que está nos céus que qualquer destes pequeninos pereça. Nenhuma criatura do Senhor permanecerá afastada dele. Todas, mais cedo ou mais tarde, virão reunir-se a seus pés. Diante de vós se desdobra a eternidade. Trabalhai por conquistar o lugar que vos está reservado na vida eterna. Quanto mais depressa o obtiverdes, tanto mais rapidamente entrareis nessa existência de felicidade, onde tudo é atividade, caridade, amor, ciência e progresso.

Se os "príncipes da Igreja" houvessem querido compreender as palavras de Jesus, não teriam insistido na "eternidade das penas" nem na "queda dos anjos", queda que lhes serviu de base para o dogma da condenação eterna. É um duplo erro, nascido da letra que mata e condenado pelo espírito que vivifica. É um duplo erro que o progresso das inteligências e a consciência moderna já condenaram como uma monstruosidade, uma falsidade, 102

em face da onipotência, da justiça, da bondade e da misericórdia infinita de Deus; de Deus, o supremo ser, o criador do universo, o soberano Senhor, pai de todos e de tudo o que existe; de Deus, cujo amor universal, infinito, abrange todas as suas criaturas ; de Deus, que olha com paternal afeto tanto para o oução, como para o rei da terra. É um duplo erro que a nova revelação vem condenar, em nome de Jesus, por intermédio dos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade.

N. 206. Dizem alguns: Na parábola da ovelha perdida e encontrada, na alegria do pastor que acha de novo a ovelha que ele tomara sob sua guarda e à qual ama, alguma coisa há de comovente; ao passo que a alegria da mulher, que encontra novamente a dracma que havia perdido, é um sentimento todo material, que pouco interesse inspira. Com o primeiro assunto se comporia um quadro encantador, o que não se conseguiria com o segundo.

Os que assim se expressam não compreendem o pensamento de Jesus, nem o fim que ele colimava. Deveriam refletir e procurar compreender, antes de criticar a palavra do Mestre.

Jesus, como já dissemos, falava aos pobres, não o esqueçais. O pensamento principal, dominante, na parábola da dracma perdida, corresponde ao sentimento que domina a classe pobre, para a qual a mais insignificante quantia tem uma grande importância, pelas dificuldades que aos dessa classe se deparam para obtê-la, sendo-lhes preciso ganhá-la penosamente. O sentimento material que, naquela parábola, é apenas o seu instrumento, tem grande interesse, porquanto ele visa tornar compreensível à classe pobre que tudo que estiver perdido, do ponto de vista espiritual, deve ser procurado com ardor igual ao que a anima a procurar uma moeda de pequeno valor e deve cau- 103

sar, quando encontrado, alegria igual à que produz o achar-se a moeda que se perdera.

Assim, o arrependimento por haver desprezado as virtudes e, conseqüentemente, por haver cultivado os vícios, que as substituíram, constitui para o homem o meio e o caminho pelos quais "tornará a encontrar" o que perdeu. Esse arrependimento fará ainda com que ele se sirva do que havia perdido e que de novo encontrou para alimentar sua alma, a fim de que progrida moral e intelectualmente.

Oh! então, para nós, Espíritos do Senhor, "anjos de Deus", na frase do Mestre, grande será a alegria! Quanto temos procurado a dracma perdida! quanto somos felizes por a termos encontrado e podermos dizer aos homens: Filhos, que tanto amamos, ainda temos nas mãos a fonte do alimento que sustenta, não o corpo perecível, mas a alma imortal, temos com que vos alimentar, fortificar, engrandecer, até que estejais bastante fortes para chegardes a Deus.

Falam de quadros e não podem admitir a alegria da mulher que torna a encontrar a parte, que havia perdido, de seus haveres! Olhai a pobre mãe cercada de míseros filhinhos e cujo marido vai regressar do trabalho exausto de fadiga. Como lhe há de ela dizer que uma das dez dracmas, tão penosamente ganhas, esperança e meio de sustento da família, se perdeu? Impossível. A mãe valorosa não se deixa abater pelo desânimo. Procura, procura por fim acha a dracma perdida, instrumento do bem-estar de seu marido e de seus filhinhos. Que alegria poderá ser maior do que a sua? Pois não tem ela de novo com que dar ao marido e aos filhos, durante todos aqueles dias para os quais a moeda ganha assegurará a alimentação, o pão que os sustentará e fortificará? 104

LUCAS, Cap. XV, w. 11-32

Parábola do filho pródigo

V. 11. Disse ainda : Um homem tinha dois filhos. — 12. O mais moço disse ao pai : Meu pai, dá-me a parte que me há de tocar dos teus bens. E o pai repartiu com os dois os seus bens. — 13. Poucos dias depois, o filho mais moço reuniu tudo o que era seu, partiu para um país estranho e muito distante e aí dissipou os seus haveres em desregramentos e deboches. — 14. Quando já havia dissipado tudo, grande fome assolou aquele país e ele começou a passar privações. — 15. Foi então e entrou para o serviço de um dos habitantes do país, o qual o mandou para uma sua fazenda a apascentar os porcos. — 16. Aí, muito gostaria ele de encher a barriga com as landes que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. — 17. Afinal, caindo em si, disse : Quantos jornaleiros há, na casa de meu pai, que têm pão em abundância, enquanto que eu aqui morro de fome! — 18. Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e lhe direi : Meu pai, pequei contra o céu e contra ti. — 19. Não mais sou digno de que me chames teu filho; trata-me como a um dos teus jornaleiros. — 20. E levantando-se, foi ter com o pai. Vinha ele ainda longe quando este o viu e, tomado de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou. — 21. Disse-lhe o filho: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; não sou mais digno de que me chames teu filho. — 22. O pai disse, porém, a seus servos : Trazei-me depressa a melhor das roupas e vesti-a nele; ponde-lhe um anel no dedo e calçado nos pés; — 23, trazei também um novilho gordo e matai-o; comamos e regozijemo-nos; — 24, pois que este meu filho estava morto e ressuscitou; estava perdido e foi achado. E começaram a festejar o acontecimento. — 25. O filho mais velho, que estava no campo, ao aproximar-se de casa, ouviu música e rumor de dança. — 26. Chamou um dos servos e perguntou o que era aquilo. — 27. O servo respondeu: É que teu irmão voltou e teu pai mandou matar um 105

novilho gordo por tê-lo recobrado são e salvo. — 28. O rapaz se indignou e não queria entrar. O pai saiu e se pôs a lhe pedir que entrasse. — 29. Ele, porém, disse: Já lá se vão tantos anos que te sirvo, sem jamais haver transgredido ordem tua e nunca me deste um cabrito para que eu me banqueteasse com meus amigos. — 30. No entanto, ao regressar o teu outro filho, que esbanjou todos os seus bens com meretrizes, logo lhe matas um novilho gordo. — 31. Meu filho, disse o pai, estás sempre comigo e o que é meu é teu; — 32, mas, pelo que respeita a teu irmão, era preciso que nos banqueteássemos e rejubilássemos, porquanto ele estava morto e ressuscitou, estava perdido e foi achado.

N. 207. De há muito o pai de família repartiu entre vós os bens que vos tocavam. Deu a cada um a sua parte. Que fizestes delas? Em vez de lhe testemunhardes o vosso reconhecimento, o vosso amor, esbanjastes os tesouros que ele vos entregou. A parte que vos cabe na herança é a ciência, a virtude, a vida eterna diante do Senhor. Perdestes, dissipastes esses tesouros com as meretrizes e os companheiros de deboches, isto é, nos vícios de toda espécie, em que vos chafurdastes. Depois, a fome se fez sentir, pois que ela é grande no país em que habitais. Compreendestes, então, que precisáveis "viver" e procurais voltar à "casa paterna". Não pareis no caminho, visto que, por mais culpados e miseráveis que sejais, por mais despidos que estejais, o "Pai de família" vos receberá de braços abertos e seus servos se apressarão a festejar o regresso do filho.

N. 208. Que se deve pensar da opinião dos que pretendem que, em face dos vv. 14-18, ao pecador, que é o filho pródigo, o arrependimento e a necessidade de voltar para casa paterna vêm, não do amor do bem, mas do desejo de trocar os tormentos da miséria pela satisfação do bem-estar?

O homem sempre esquece que o corpo oculta a alma e que, nos ensinamentos de Jesus (salvo 106

algumas exceções, aliás de si mesmas claras), o corpo não é senão a figura da alma. Ele usava, com relação ao corpo, de palavras figuradas, que só se devem aplicar à alma.

Sim, depois de haver esbanjado todos os tesouros que tinha em si mesmo, tesouros de força, de ciência, de sabedoria; depois de haver dissipado o seu tempo e a sua inteligência, o filho pródigo sente a fome que o avassala. Faz-se o vácuo no seu íntimo, domina-o invencível tédio e ele se põe ao serviço das más paixões que o esgotam, sem que suas repugnantes escórias o alimentem. Só então, sofrendo os efeitos da miserável condição em que se encontra, pensa, cheio de amargura, em tudo o que perdeu. Só então se lembra do pai, do seu Deus, tão bom, tão terno, único capaz de lhe restituir os tesouros perdidos.

Nesse momento, humilde e arrependido, dirige-se ao Senhor, dizendo: Meu Deus, meu pai, pequei contra ti, julguei-me bastante forte para, dispensando conselhos e proteção, dispor à minha vontade das riquezas que me entregaste; reclamei-as antes de tempo, quando delas ainda me não sabia servir; esgotei-as, meu Deus, e agora eis-me aqui, despojado de tudo, sem mais possuir a inteligência que guia, o amor da ciência, que eleva, a força de lutar, que engrandece.

Tenho fome, devora-me a fome do futuro. Sinto que não me criaste para viver nesta abjeção, as minhas aspirações te buscam., só tu podes reparar as minhas perdas.

Oh! meu pai, abre teus braços paternais para acolher o filho arrependido, restitui à minha alma a força, a inteligência, o amor, a fim de que, compreendendo cada vez mais vivamente as culpas em que incorri para contigo, cada vez mais me esforce pelas reparar.

N. 209. Tendo-se em vista estas palavras de Jesus (Lucas, XIV, vv. 24-35) : "O sal é bom, mas se 107

o sal se torna insípido, com que temperareis? Não servirá mais nem para a terra nem para os adubos, e será, por isso, posto fora; que ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir", quais o sentido e o alcance da parábola do filho pródigo?

Aquele, que persevera no mal, que recusa ouvir qualquer conselho, é como a semente estéril: não presta para ser lançada à terra, porque nada produzirá; não presta para ser lançada na estrumeira, porque, devendo o estrume auxiliar a vegetação da terra, o grão estéril que nele se lance, além de inútil para a germinação das outras sementes, ainda se apropriará de uma parte dos sucos nutritivos, para não dar mais do que uma erva abundante e efêmera, nociva ao resto da plantação, sem nada de proveitoso colher para si mesma.

O homem que se obstina no endurecimento fica incapaz de produzir frutos, isto é, de dar exemplos úteis à moralização de seus semelhantes. Absorve os cuidados e a atenção dos que se lhe consagram, ficando esses cuidados e atenções, que em nada lhe aproveitam, de nenhuma utilidade para outros homens de boa-vontade.

Eis porque essas criaturas serão postas fora, isto é, desterradas para mundos inferiores, como se faz com a semente má, que é lançada ao fogo. Aí, passarão, para elas, eternidades de prantos e de gemidos, pois que eternidades de séculos amontoados são necessárias ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento das terras primitivas, são precisas para que estas atinjam, não o grau de superioridade a que se hão de elevar, mas, apenas o nível em que vos achais.

A conversão de um pecador causa grande alegria aos que o amam e esperam, porém não elimina as conseqüências da ofensa feita. Simplesmente as atenua. 108

De fato, que é a expiação? A conseqüência do mal praticado, o esforço para o reparar.

Qual o Espírito arrependido que não conserva, seja qual for o perdão obtido, lembrança tanto mais amarga de suas faltas, quanto maior se tenha manifestado a bondade do Senhor?

Qual o Espírito que não tentará fazer voluntária e alegremente tudo o que possa por apagar os traços de um passado que o aflige e por merecer os favores de que se sente objeto?

A consciência do homem honesto não lhe brada quando, por um arrastamento qualquer, ele se afasta do caminho que reconhece ser o único honroso? E qual o seu maior desejo, senão o de reparar o mal que causou, apagando-o com o bem? Ora, se isto é o que se dá com alguns de vós outros, que não será em se tratando de Espíritos cujos sentidos alcançaram uma sutileza e um desenvolvimento extremos ?

A justiça do Senhor segue sempre o seu curso no tocante à expiação e à reparação, que constituem, para o Espírito culpado, as sendas da purificação e do progresso. Mas, aquele que volta sobre seus passos consegue atenuar o futuro, não o esqueçais nunca.

N. 210. Quais, na parábola, o objeto e o fim dos versículos 26-32, relativos ao filho mais velho do pai de família?

(Vv. 26-27.) A resposta do servo ao filho mais velho, que o chamara para interrogá-lo, tem por fim mostrar o acolhimento que o Senhor dispensa àquele cujo arrependimento é sincero, as alegrias que lhe proporciona, os socorros espirituais que lhe concede, por efeito desse arrependimento, que o coloca, em condições de avançar, sem mais desfalecimentos nem paradas, pela estrada de que se desviara.

(Vv. 28-29-30.) A réplica do filho mais velho do pai de família, quando este lhe pedia que en- 109

trasse na sala da festa, tem por fim mostrar a tendência do homem para a inveja, para o egoísmo, inveja e egoísmo que o levam a ter ciúmes do que é feito a seus irmãos, considerando-se superior a estes. Aquela resposta põe em destaque esse egoísmo e essa inveja. Não percebendo as graças que cotidianamente lhe são dispensadas, o homem inveja as que julga concedidas aos outros.

Que recompensa lhe deve o Senhor? Não basta lhe conceda participar de suas graças? Notai que a festa celebrada por motivo do regresso do rapaz nenhum compromisso envolve com relação ao futuro, de nenhum trabalho, de nenhuma obrigação o isenta. Festejam-lhe a volta, mas amanhã, amanhã, ele terá que ocupar o seu lugar, que trabalhar e trabalhar com tanto mais zelo e atividade, quanto maior tenha sido o lapso de tempo durante o qual esteve paralisada a obra que lhe cumpre executar.

(Vv. 31-32.) As palavras do pai ao filho mais velho têm por fim mostrar a igualdade de todos perante Deus. O pensamento é idêntico ao da parábola dos trabalhadores da última hora.

O pai de família fizera entre os dois filhos a partilha de seus bens. Cada um recebera parte igual da herança. Mas o que não se afastara de casa viveu sempre em comum com o pai (o que é meu é teu), isto é, aproveitando das graças já outorgadas e recebendo diariamente novas graças. Como, porém, o hábito o tornara indiferente, não as percebe e então sente inveja do que vê fazer-se aos que voltam a colocar-se na mesma categoria em que ele se acha.

"Teu irmão estava MORTO e RESSUSCITOU, diz o pai, estava PERDIDO e foi ACHADO."

O Espírito culpado, que se obstina no mal, está morto, no sentido de que o seu estado é o emblema da morte. A morte, na acepção legítima 110

da palavra, é a cessação de todo movimento; logo, numa, acepção figurada, é a cessação de todo progresso. O arrependimento o ressuscita, pondo-o em estado de retomar a sua marcha ascensional. É assim que ele estava perdido e que foi achado.

NOTAS DA EDITORA — A palavra landes, que se encontra no versículo 16, foi substituída por outros tradutores por — alfarrobas, bolotas, vagens.

A dádiva do anel indicava que o pai não recebia o filho como escravo, visto que naquela época os escravos não podiam usar anéis. 111

LUCAS, Cap. XVI, vv. 1-9

Parábola do mordomo infiel

V. 1. Disse também Jesus a seus discípulos: Havia um homem rico que tinha um mordomo e este perante ele foi acusado de lhe haver dissipado os bens. — 2. Ele o chamou à sua presença e lhe disse: Que é o que ouço dizer de ti? Dá-me conta da tua administração, pois que não poderás mais administrar meus bens. — 3. Disse então o mordomo de si para si : Que hei de fazer, uma vez que meu amo me tira a administração de seus bens? Não sei cultivar a terra e de mendigar tenho vergonha. — 4. Já sei o que farei, a fim de que, quando me houverem tirado a mordomia, encontre pessoas que me recebam em suas casas. — 5. Chamou cada um dos que deviam a seu amo e perguntou ao primeiro: Quanto deves a meu amo? — 6. O devedor respondeu : Cem medidas de óleo. Disse-lhe o mordomo: Toma a tua obrigação, senta-te ali e escreve depressa uma outra de cinqüenta. — 7. Perguntou em seguida a outro devedor: E tu quanto deves? Respondeu esse: Cem alqueires de trigo. Toma, disse ele, o documento que me deste e escreve um de oitenta. — 8. E o amo louvou o mordomo infiel por haver procedido com atilamento; pois os fílhos do século são mais avisados no gerir seus negócios do que os filhos da luz. — 9. E eu vos digo: Empregai as riquezas de iniqüidade em granjear amigos, a fim de que, quando elas vierem a faltar-vos, eles vos recebam nos tabernáculos eternos.

N. 211. A comparação que esta parábola encerra não tem sido compreendida. Jesus o que disse foi: Se o amo louva o administrador infiel que, para garantir o futuro, trata de fazer amigos entre os devedores de seu amo, aumentando-lhe as perdas, que não fará o Senhor por aquele que cuidou de preparar amigos para a vida eterna, empregando as riquezas humanas em praticar o bem, em socorrer seus irmãos, granjeando assim 112

o reconhecimento e a afeição destes? A afeição e o reconhecimento quase que não têm curso, é certo, no seio da humanidade, mas, no mundo dos Espíritos, grandes e vivos são esses sentimentos.

Repetimos : Por esta parábola Jesus não ofereceu um exemplo, como o pretenderam a malevolência e a ignorância dos que se apegam a cada uma das letras de cada versículo. Formulou apenas uma comparação.

N. 212. Em face do que acabais de dizer, quais são, em espírito, o sentido e o alcance do v. 8: E o amo louvou o mordomo infiel por haver procedido com atilamento?

Nessas palavras está o seguimento da comparação. Se o homem pode louvar o seu servidor por se haver mostrado previdente, embora procedendo fraudulentamente e em contrário aos interesses que lhe estavam confiados, quão mais indulgente não se mostrará o Senhor para com aquele que houver empregado, como acabamos de dizer, suas riquezas humanas em fazer o bem, granjeando desse modo amigos reconhecidos, cujas ações de graças subirão qual incenso aos pés do Altíssimo !

Tampouco se devem tomar ao pé da letra as palavras — riquezas de iniqüidade — usadas apenas para mais fortemente ser tocada a inteligência dos homens materiais da época. Aquele termo, expressivo do desprezo, foi empregado para fazer sentir ao homem o pouco apreço que deve dar aos bens terrenos, bens estes que, para a maioria, têm sido, são, ou serão fonte de ações más.

Naquela época, o que sabia tirar partido dos acontecimentos, ainda que praticando uma ação má, era qualificado de hábil, de inteligente, considerando-se, ao contrário, tolo o que se deixava arrastar pela corrente. 113

Não é desgraçadamente dessa maneira que ainda alguns homens do vosso tempo consideram as coisas?

Jesus procurou tornar compreensível, vulgarizar este pensamento que mais uma vez repetimos: Pois que o homem não hesita em aprovar a previdência de um de seus semelhantes, mesmo quando essa previdência se traduz por um ato fraudulento do qual é ele vítima, que não fará o Senhor por aquele de seus filhos que tiver sabido empregar os bens perecíveis e perigosos da Terra na conquista de amigos que lhe advoguem a causa e o ajudem a entrar no refúgio eterno? Mesmo que esse tenha sido culpado, suas boas ações lhe serão contadas e suavizarão a pena reservada aos maus.

Pois os filhos do século são mais avisados no gerir seus negócios do que os filhos da luz.

Fácil é de apreender o sentido dessas palavras: O homem pensa muito mais no seu futuro material do que no seu futuro espiritual.

Mesmo entre os que têm luz e nutrem o desejo de elevar-se, maior é o número dos indiferentes, que deixam fugir as ocasiões de alcançarem as graças do Senhor, do que, entre os mundanos, o número dos que se descuidam de bem encaminhar seus negócios e de assegurar o seu futuro material.

N. 213. QUAIS SÃO, em espírito, o SENTIDO e o ALCANCE do v. 9: Eu vos digo: Empregai as riquezas de iniqüidade em angariar amigos, a fim de que, quando elas vierem a faltar-vos, eles vos recebam nos tabernáculos eternos?

Já o temos dito: Jesus considera "riquezas de iniqüidade" os bens terrenos, tantas vezes causa de males para o homem. Assim sendo, ele vos diz: empregai esse elemento de faltas e de más ações ou de funestas cobiças — em fazer o bem; 114

dessa fonte de males — fazei que emanem o reconhecimento e o amor e nela podereis dessedentar-vos, porquanto, se bem sejam maus os vossos atos e numerosas as vossas faltas, achareis amigos gratos pelo bem que lhes houverdes feito, os quais vos ajudarão a suportar as conseqüências daquelas faltas, vos assistirão nas ocasiões dos desfalecimentos e, sem cessar, implorarão para vós a misericórdia divina.

N. 214. Eis a critica que hão feito dessa parábola do mordomo infiel: "Um homem pretende despedir o seu mordomo, por haver, ao que se diz, esbanjado os bens que lhe tinham sido confiados. Acresce que o mordomo, para se livrar de dificuldades futuras, junta às suas passadas infidelidades a seguinte notável tratantice: Chama os devedores de seu amo e combina com eles restituir-lhes os documentos que haviam firmado, em troca de outros de menor valor. Assim, quem devia 100 passa a dever apenas 50 ou 80 e desse modo o mordomo garante o seu futuro, adquirindo amigos. Ora, o amo foi informado (não se declara como) do procedimento do seu empregado. Que pensais vai ele fazer? Que vai punir o servidor desonesto, ou, pelo menos, despedi-lo? De modo algum; a última maroteira mudou todas as suas intenções. Tal é o apreço em que tem aquilo a que se dá o nome de esperteza, que louva o infiel mordomo por haver procedido com atilamento. Não se nos diz se o conservou; mas, facilmente se depreende que sim. A conclusão se aplica ao emprego dos bens mal adquiridos. Porém, não foi, como vemos, de bens mal adquiridos que o mordomo infiel lançou mão para salvar o seu futuro; mas de bens que lhe não pertenciam; foi tão-somente de bens do seu amo. O ato que praticou é um roubo, nem mais nem menos."

A explicação, do ponto de vista cristão, é esta: que se deve, por meio de esmolas dadas aos pobres, santificar as riquezas mal adquiridas.

A explicação não vale mais do que a crítica. Ê mesmo pior, por isso que a crítica não visa senão julgar pelas palavras e não pelo espírito. O 115

único meio de reparar os desvios da consciência, pelo que respeita ao que se adquire mal, consiste na restituição.

Muito vos há de custar conseguir que as massas aceitem o espírito despojado da letra.

Uns se agarram à letra por ignorância, outros por hostilidade. Não buscar o sentido do pensamento, adstringir-se às palavras, é uma arma segura (assim pelo menos o crêem) para destruir com o ridículo aquilo que são incapazes de compreender. Não é que falte inteligência aos que procedem desse modo pelo prazer de destruir. O que há é que de seus escritos eles excluem a boa-fé, ou então, se boa-fé existe, são o orgulho e a idéia preconcebida, senão a impotência para da. letra tirarem o espírito, o que os transvia nas suas interpretações.

Nada mais temos que dizer, além do que pela terceira vez repetimos: Não há nesta parábola um exemplo a seguir, como o pretenderam a malevolência e a ignorância dos que se apegam a cada uma das letras de cada versículo. Há apenas uma comparação. Compara-se o juízo do homem relativamente a uma ação má, que lhe merece louvores por considerá-la hábil e prudente, com o juízo de Deus acerca dos que se esforçam por fazer o bem, o que milita a favor deles, ainda quando precedentemente tenham cometido faltas.

Atenda-se aos tempos, aos costumes e aos homens, a quem Jesus falava, servindo-se do manto da parábola; não se separe a primeira parte da que vimos estudando da parte que se segue e que vai ser explicada e tudo se tornará compreensível. Tudo será compreendido em espírito e em verdade, desde que se compenetrem das explicações que temos dado e das que vamos dar e também desde que se abstenham de supor, apoiando-se na "letra que mata", que o sublime modelo tenha pensado em legitimar ou sequer aplaudir o roubo, em sancionar ou aprovar a fraude, as más ações. 116

LUCAS, Cap. XVI, vv. 10-12

Continuação da parábola do mordomo infiel

V. 10. Aquele que é fiel nas pequenas coisas sê-lo-á. também nas grandes; aquele que é injusto no pouco também o é no muito. — 11. Ora, pois, se não houverdes sido fiéis no tocante às riquezas de iniqüidade, quem vos confiará as verdadeiras? — 12. Se não fostes fiéis com o alheio, quem vos dará o que é vosso?

N. 215. Este último período da parábola põe a nu o pensamento de Jesus. Tendo-se servido de um termo de comparação que as massas pudessem apreender e compreender, em seguida, desfaz, para os que se dêem ao trabalho de pensar, a aparência, que nas suas palavras pretendam achar, de aprovação ao proceder do servo infiel. Ao contrário disso, ele ataca o que prevarica, não só com os bens celestes, como ainda com os bens materiais, quando diz :

"Aquele que é infiel nas pequenas coisas, também o será nas grandes".

Quer isto dizer: Aquele que deseja caminhar nas veredas do Senhor nunca transija com a sua consciência, nunca considere uma falta qualquer como demasiado leve para lhe merecer atenção, um defeito qualquer como de somenos importância para cuidar de corrigir-se dele, porquanto o que assim fizer pouco a pouco irá escorregando pelo declive. Prevaricador das leis eternas nas pequenas coisas, esse o será, depois, nas grandes.

Vigiai sem cessar sobre vós mesmos, de modo que os vossos atos materiais sejam tão irrepreensíveis quanto os vossos pensamentos.

QUAL A EXPLICAÇÃO especial do v. 11: Se não houverdes sido fiéis no tocante às riquezas de iniqüidade, quem vos confiará as verdadeiras? 117

Os bens do mundo, os bens terrenos, que são as riquezas de iniqüidade, no sentido de que se tornam, muitas vezes, fonte de males para o homem, elementos de faltas e de ações más ou de desregradas cobiças, não constituem um meio de adquirirem os homens os bens eternos? Ora, se deles fizerdes mau uso, atraireis a justiça do castigo, em vez de bênçãos e recompensas.

A vossa vida humana é a chave com que abrireis as portas do santuário. Essa chave, porém, sendo frágil como é, se quebra nas mãos daquele que não a sabe conservar intacta. Terá ele então que esperar se lhe confie uma outra, da qual aprenda a servir-se melhor.

Qual a explicação especial do v. 12: Se não fostes fiéis com o alheio, quem vos dará o que é vosso ?

Os agravos que fizerdes a vossos irmãos, o mal de que fordes causa recairão sobre vós. Assim como o bem pode apagar o mal que o precedeu, também o mal pode deter momentaneamente a eficácia do bem. Dizemos — momentaneamente — porque a infinita misericórdia do Senhor não deixa que se perca nenhuma parcela de bem, por ínfima que seja. O mal muitas vezes prevalece e lhe paralisa os efeitos, mas ao cabo de certo tempo o Senhor a toma em consideração e vo-la leva em conta. Portanto, esperai sempre sem desfalecimento, pois que o mal jamais apaga o bem que foi feito e o bem atenua sempre o mal. 118

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 15-17. — LUCAS, Cap. XVII, vv. 3-4

Palavras de Jesus destinadas a servir de transição, relativas ao perdão e ao esquecimento das injúrias e das ofensas, os quais, segundo ele o proclamou, devem ser absolutos e sem condição

MATEUS: V. 15. Se contra ti pecou o teu irmão, vai e o repreende, mas a sós com ele. Se te atender, tê-lo-ás ganhado. — 16. Se, porém, não te atender, faze-te acompanhar de uma ou duas pessoas, a fim de que tudo seja confirmado pela autoridade de duas ou três testemunhas. — 17. Se também não as atender, comunica-o à Igreja; e, se também à Igreja ele não atender, trata-o como gentio e publicano.

LUCAS: V. 3. Tende cuidado convosco; se contra ti pecou o teu irmão, repreende-o. Se se arrepender, perdoa-lhe. — 4. Se contra ti ele pecar sete vezes no dia e sete vezes no dia te procurar para dizer: Eu me arrependo — perdoa-lhe.

N. 216. (Mateus, vv. 15, 16 e 17.) Se tiverdes de fazer a algum de vossos irmãos qualquer reproche, esforçai-vos por que ele se corrija, dizendo-lhe brandas e persuasivas palavras.

Jesus falando aos Judeus usava de uma linguagem que lhes era adequada. Jamais atacava bruscamente os hábitos desse povo rixento e rancoroso. Tal a razão por que os concitava a recorrer a testemunhas e depois ao julgamento da Igreja nos seus ajustes de contas.

Hoje, porém, o Mestre, por nosso intermédio, vos diz: Apagai a falta do vosso irmão por todos os modos possíveis; esforçai-vos para que ele se reconheça culpado, falando-lhe a sós. Se persistir, se se mostrar insensível às vossas advertências, 119

tomai por testemunhas da sua obstinação os bons Espíritos que velam por todos. Chamai-os em vosso auxílio, para que vos reconduzam à paz e à concórdia.

Evitai tornar público o erro de vosso irmão, submetendo-o ao juízo da Igreja. Antes de tudo: tendes a certeza de estardes perfeitamente limpo da falta que, cometida pelo vosso irmão, vos ofendeu? Tendes a certeza de que jamais a provocastes ou incentivastes; de que jamais, pela vossa impaciência, pela vossa aspereza, pela vossa má-vontade, ostensiva ou oculta, fostes causa de que o vosso irmão cada vez se transviasse mais, em lugar de emendar-se?

Quando lhe falastes, porventura o fizeste com toda a doçura, com toda a delicadeza indispensáveis para que a sua suscetibilidade, o seu orgulho, ou mesmo a sua vergonha não fossem despertados? Empregastes todos os possíveis esforços para que ele não corasse em face de si mesmo?

E, se não procedestes assim, não receais ser, a vosso turno, julgados pelos juízes que fostes procurar para julgar o vosso irmão?

Oh! bem-amados! Escutai o que vos dizemos, a mandado daquele que deu aos homens esse ensinamento: "Progredistes, vossos sentimentos também têm que progredir; perdoai, portanto, com sinceridade, a ofensa recebida, ocultando-a dos estranhos para que o vosso irmão não se vexe e eu, por minha vez, vos perdoarei do mesmo modo por que houverdes perdoado".

N. 217. QUE SENTIDO atribuía Jesus à expressão — Igreja — que se lê no v. 17 de MATEUS?

Tendo-se em vista os tempos hebraicos e referindo-se aos Hebreus, ele, por este termo, designava os homens esclarecidos que tinham as mesmas crenças. 120

Com relação aos tempos evangélicos e aos que se seguiram até aos vossos dias, designava uma assembléia de cristãos.

Com referência a todos os homens, indicava os esclarecidos pelas mesmas crenças.

Nesta frase desse mesmo v. 17: "e se também à Igreja ele não atender, considera-o gentio e publicano", QUE SENTIDO se deve atribuir à expressão: gentio e publicano?

Esses termos foram usados na acepção de homem desprezível, que todos votam ao esquecimento. Eram vingativos aqueles a quem Jesus falava. Portanto, conseguir que eles esquecessem e desprezassem as injúrias, esquecendo e desprezando os que injuriavam, já representava uma conquista imensa.

N. 218. Será ao mesmo tempo cristão e espírita, no interesse de um irmão, sujeitá-lo, com o fito de fazê-lo emendar-se, à prova de ser primeiramente admoestado com brandura e em segredo; de ser depois, se resistir, censurado diante de testemunhas; e de, finalmente, se ainda não atender, ser levado à presença da Igreja, isto é, de uma assembléia de verdadeiros cristãos, de verdadeiros espíritas? Ou será preferível, uma vez que ele nada queira ouvir em segredo, deixá-lo entregue à cegueira, ao orgulho, à cobiça, ao ódio, deixá-lo fora da linha de suas provações, no estado de gentio e de publicano?

Não. Não esqueçais que cada um tem seu fardo a carregar.

Não tenteis tirar publicamente a palha do olho do vosso irmão. Se assim procederdes, em vez de o levardes a emendar-se, vos arriscais a fazer que no fundo do seu coração se gere um ressentimento, que lhe será muito pior do que a ofensa que contra vós haja cometido. E, nesse caso, bem deveis compreendê-lo, seríeis responsá- 121

veis pela tempestade que fizésseis desencadear-se no seu íntimo.

Oh! não vos equivoqueis relativamente às obrigações em que vos achais uns para com os outros. Deveis estender-vos reciprocamente as mãos ; nenhum, porém, deve querer levantar o outro com violência. Sustentai-vos uns aos outros, mas não vos afronteis mutuamente. Assim, pois, evitai sempre tornar públicos os erros de vossos irmãos, para que eles não corem publicamente.

Do contrário, levá-los-eis, antes de tudo, a ocultá-los a si próprios, impelidos pelo instinto humano, e desse modo os fareis embrenhar-se mais a fundo pelo mau caminho.

Uma palavra branda, uma observação amistosa, feita sem testemunhas, quase sempre conseguirá mais do que todas as censuras que lhe dirigirdes, sobretudo se as formulardes publicamente.

Se a vossa tentativa se malograr, que é o que tereis perdido? Foram vãos os vossos esforços, mas não deram resultado contrário ao que desejáveis. Não sereis responsáveis por se haver o vosso irmão obstinado no mal.

Estendei-vos as mãos com brandura, amparai-vos, mas não vos erijais em juízes uns dos outros, não forceis ninguém a comparecer diante do areópago.

Mas, não há, entre os nossos contemporâneos, homens que, entregues a si mesmos, jamais voltarão para a verdade e para o bem e que, no entanto, voltariam, se se lhes aplicasse o processo indicado por Jesus aos Hebreus, segundo os vv. 15, 16, 17?

Não. Com relação a esses, o objetivo não seria alcançado. O tempo e os guias de cada um fazem a sua obra. O julgamento coletivo, esse nada obteria dessas naturezas orgulhosas e vingativas. Ao contrário: iria despertar no fundo dos seus corações uma raiva surda, que os minaria. 122

Suas provas se tornariam mais eficazes? Não é melhor, atento o interesse comum, esperar que a persuasão os ganhe gradualmente do que a impor? Dar-se-á conheçais tão pouco os homens que os julgueis capazes de se submeterem sinceramente ao modo de ver de uma maioria? Não. Os que, forçados pela voz pública, se confessam culpados, amaldiçoam de todo o coração os acusadores e os juízes que os obrigaram a corar de vergonha diante de todos. Resultará daí que as provações se lhes tornem mais proveitosas? — Indulgência, perdão, esquecimento, eis o juízo de Deus.

N.219. QUAIS O SENTIDO e o ALCANCE destas palavras de Jesus (LUCAS, vv. 3 e 4): "Tende cuidado convosco; se contra ti pecou o teu irmão, repreende-o. Se se arrepender, perdoa-lhe. Se contra ti ele pecar sete vezes no dia e sete vezes no dia te procurar para dizer: "Eu me arrependo" — perdoa-lhe"?

Não deveis jamais guardar prevenção contra um irmão vosso. Nunca, cedendo a um rancor que, em certos casos, do ponto de vista humano, pode parecer legítimo, vos arrisqueis a recalcar para o fundo do coração daquele que vos ofendeu o seu sincero arrependimento. Aliás, já se não vos disse que sereis julgados como houverdes julgado, que se vos fará exatamente como houverdes feito aos outros?

Nunca olvideis que, freqüentemente, não sete vezes no dia, mas setenta vezes sete ofendeis à Majestade divina, transgredis suas leis e tentais subtrair-vos à ação destas. Usai, pois, para com os . vossos irmãos, da benevolência de que tanta necessidade tendes e dizei com sinceridade ao Senhor: "Perdoai as minhas ofensas, como perdôo as de meus irmãos".

N.220. Por estas palavras dos vv. 3 e 4 de LUCAS: "Se ele se arrepender", será lícito entender-se que o ofendido, em cujo coração deve o perdão sempre 123

estar, nada tenha que declarar ao ofensor que não se arrependa, isto é, que, no tocante à ofensa, persiste no seu orgulho e na sua cegueira?

Ninguém é obrigado a lançar em rosto ao seu ofensor um perdão com que ele pouco se importa. O que cumpre ao ofendido é tê-lo no coração, pronto a lhe dar expansão, quando o ofensor se mostre arrependido.

N. 221. Que se deve AGORA pensar e fazer destas palavras ditas aos Hebreus: "Não odeies de coração ao teu irmão, mas repreende-o publicamente, a fim de que não fiques em pecado contra ele." (Levítico, 19, v. 17) ?

A revelação e os conselhos eram adequados à época. Na sua brandura, a lei do perdão se revestia de muita dureza, como todas as leis aplicadas ao povo hebreu. Tinha o seu lado caritativo, prescrevendo aos homens que se repreendessem publicamente pelas faltas em que perseverassem depois de admoestados em particular. Obrigando-os a se acautelarem dessa humilhação, ela os tornava mais acessíveis aos esforços dos que se empenhavam por melhorá-los. A disciplina e o temor eram mais duros do que hoje, pela razão de que se tratava de atuar sobre caracteres violentos, atrasados, orgulhosos e vingativos.

Ainda agora vos dizemos: Repreende teu irmão pelas faltas que cometa e que cheguem ao teu conhecimento, porquanto podes esclarecê-lo a respeito de um erro filho da ignorância, podes detê-lo quando ainda se ache no alto de um declive forte, pelo qual, se inconsideradamente nele se aventurar, rolará talvez até ao fundo do abismo. Mas, que teus conselhos sejam fraternos, dados em segredo e, quando possível, de modo indireto, a fim de que não o humilhes e não o impeças, o que pode suceder, de aproveitar do teu conselho, por efeito de revolta do seu orgulho. Sê, pois, cauteloso e brando, 124

corrige os erros, acariciando; nunca o faças, empunhando o látego.

N. 222. Como conciliar as palavras que acabais de ditar mediunicamente com as dos vv. 15, 16 e 17 de MATEUS?

Não vedes que era indispensável um laço para ligar a lei antiga à nova? Poderiam acaso os homens romper de súbito com suas idéias, suas crenças, seus preconceitos, suas tradições? Jesus falou aos daquela época numa linguagem que eles pudessem compreender. Era o plano inclinado por onde escorregariam para esta moral tão doce e sempre tão cheia de perdão. Confrontai o que vos acabamos de dizer e as palavras a que aludis com a parábola da mulher adúltera. Verificai, sondando os vossos corações, se, ao repreenderdes vosso irmão, não merecíeis também ser repreendidos e, neste caso, como sempre, aplicai-vos esta sentença: "Fazei aos outros o que quiserdes que vos façam". 125

LUCAS, Cap. XVII, vv. 7-10

Cumprimento do dever com humildade e desinteresse, com o sentimento de amor e gratidão ao Criador

V. 7. Qual de vós o que, tendo um servo ocupado em lhe lavrar a terra, ou em lhe apascentar os rebanhos, diz a esse servo, ao voltar ele dos campos: Vem sentar-te à mesa? — 8. Não lhe dirá antes: Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me, até que eu tenha comido e bebido; depois comerás e beberás? — 9. E o amo deve porventura agradecimento ao servo por ter feito o que lhe fora ordenado? — 10. Penso que não. Assim, quando houverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis; fizemos o que éramos obrigados a fazer.

N. 223. Quer isto dizer que nada sois em comparação com o Senhor, que tem o direito de tudo exigir de vós, a quem tudo foi dado. Não vos orgulheis, portanto, do que fizerdes tendo em vista agradá-lo. Esforçai-vos por cumprir o vosso dever. Sobretudo, não vos mova a isso unicamente a esperança de uma recompensa. A preocupação do cumprimento do dever, o reconhecimento para com Deus e a esperança de satisfazê-lo, tais os sentimentos únicos que vos devem animar. 126

LUCAS, Cap. XVII, vv. 11-19

Os dez leprosos

V. 11. Ora, sucedeu que, dirigindo-se para Jerusalém, teve Jesus que atravessar a Samaria e a Galiléia. — 12. Ao entrar numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos que pararam ao longe, — 13, e lhe bradaram: Jesus, Mestre, tem piedade de nós. — 14. Assim que os viu, Jesus disse: Ide mostrar-vos aos sacerdotes. E aconteceu que, enquanto iam, ficaram limpos. — 15. Vendo-se curado, um deles retrocedeu, glorificando a Deus em altas vozes. — 16. E se prostrou, rosto em terra, aos pés de Jesus, rendendo-lhe graças. Esse era samaritano. — 17. Perguntou-lhe Jesus: Os dez não ficaram limpos? Onde estão os outros nove? — 18. Então, nenhum mais, senão este estrangeiro, voltou para glorificar a Deus? — 19. E, dirigindo-se ao estrangeiro, disse: Levanta-te, vai, tua fé te salvou.

N. 224. Aí tendes mais um fato que, para ensinamento dos homens, se produziu, tendo Jesus em mente provar que não basta a quem quer que seja haver nascido sob uma lei religiosa qualquer, aceitar, praticar mesmo seus dogmas, para adquirir méritos perante o Senhor.

Qual, daqueles leprosos, o que deu testemunho do seu reconhecimento, rendeu graças a Deus pelo benefício que recebera? Um cismático, que a lei repelia como estrangeiro. Entretanto, sem a lei, mau grado à lei, que ele não aceitava, a fé o salvou.

Não esqueçais nunca este exemplo.

Quer estejais, quer não, submetidos à lei, todos sois filhos do Altíssimo, filhos de Deus e todos lhe deveis o culto do vosso reconhecimento, do vosso amor. A cada nova graça que o Senhor vos conceda, fazei como o Samaritano: em vez de prosseguirdes no caminho para dar cumprimento a uma fórmula vã de culto exterior, retrocedei, 127

vêde o que éreis, o que sois, o que o Senhor vos fez e prostrai-vos a seus pés num ímpeto de reconhecimento e de amor.

Quanto à cura dos leprosos, já vos demos a tal respeito suficientes explicações (n. 109, página 72 do 2° volume). Não temos que voltar ao assunto.

A cura se operou materialmente no momento mesmo em que Jesus pronunciou as palavras: "Ide mostrar-vos aos sacerdotes".

Não vos admireis de que, só algum tempo depois de operada a sua cura material, haja dado por ela o leproso samaritano. Jesus regulara a ação dos fluidos e seus efeitos e foi sob a influência espírita que o Samaritano apreciou a sua própria cura. Impelido então pelo reconhecimento, voltou atrás.

Que pode haver de espantoso em que os leprosos só se tenham inteirado de estarem curados algum tempo depois de efetuada a cura? Alguém vos disse que eles já iam longe? Jesus ainda se achava no local onde a cena se passara. Não podiam, portanto, estar já muito distantes os leprosos, quando o Samaritano deliberou voltar.

Como é, DIZEM, que Jesus, sabendo ser Samaritano o leproso que voltou a lhe render graças, o aconselhou a ir mostrar-se aos sacerdotes? Por um lado, não podia ignorar que esse leproso preferiria fugir-lhes a ir mostrar-se aos sacerdotes e, por outro lado, não ignorava que o ato que lhe recomendava ia de encontro a todas as convicções do Samaritano.

Os que assim falam não compreenderam nem as palavras de Jesus, nem o pensamento que as ditou. Mandando que fossem apresentar-se aos sacerdotes, o Mestre falava a todo o grupo dos leprosos. Aquela recomendação, porém, ele a fez somente aos que, dentre os dez, obedientes à lei de Moisés, como Judeus que eram, tinham que cumprir a formalidade de que se trata. Não falou a cada um dos 128

indivíduos. O Samaritano partiu juntamente com os outros, não para preencher a dita formalidade, mas para voltar a sua casa. Foi então que o reconhecimento se manifestou.

TAMBÉM DIZEM nada haver de censurável no procedimento dos nove leprosos israelitas. Eles, como o Samaritano, tinham igualmente fé em Jesus, tanto que disseram: "Jesus, Mestre, tem piedade de nós". Tomaram ao sério as palavras do Mestre e, obedecendo-lhe, foram mostrar-se aos sacerdotes. Sendo judeus, deram-se pressa, obedientes à ordem de Jesus, em cumprir uma obrigação legal. Pensavam que, para testemunhar obediência e reconhecimento ao seu benfeitor, que consideravam um simples profeta, nada de melhor podiam fazer do que, executando pontualmente a ordem recebida, irem, sem voltar atrás, como o Samaritano, satisfazer às prescrições legais, com o que acreditavam agradecer a Deus.

Tiveram fé, porém, reconhecimento, não. Deveis compreender que Jesus conhecia o sentimento íntimo que ditava o proceder de cada um e de antemão conhecia também o ensinamento que havia de resultar do fato.

PRETENDEU-SE que Jesus se transformou numa espécie de divindade diante da qual o Samaritano se foi prostrar; que, assim, não é o culto de Deus o que se exige, mas o de Jesus.

Há aqui ainda um erro. Se os que assim argumentam houvessem querido lembrar-se de que a cena se desenrolou no Oriente e que lá era costume os inferiores se prosternarem diante dos superiores, teriam compreendido o ato do Samaritano que, reconhecendo embora a ação poderosa de Deus, não se julgou menos devedor de gratidão para com aquele que o Senhor considerara digno de lhe servir de intermediário junto dos homens. Diverso não fora o procedimento dos outros lepro- 129

sos, se o reconhecimento houvesse primeiro ocupado lugar em seus corações.

Com o ser, para os leprosos, um profeta, Jesus, para eles, era apenas um instrumento de que o Senhor se utilizava. A Deus é que se dirigiam as ações de graças e não à personalidade de Jesus. Se um soberano vos mandar por um de seus ministros qualquer favor, o ministro não será como que um laço entre vós e o rei que o enviou? E não é ao ministro que apresentais os vossos agradecimentos para que ele os transmita ao soberano? Atentai no que disse Jesus, quando o Samaritano voltou à sua presença: "Os dez não ficaram limpos? Onde estão os outros nove? Então nenhum mais, senão este estrangeiro, voltou para glorificar a Deus? E o Mestre não disse sempre aos homens que ele era o enviado do pai, que deste é que tudo lhe vinha e que nada podia senão pelo pai?

PRETENDEU-SE também que os homens, em conseqüência de suas falsas interpretações, de fato substituíram o culto de Deus, Criador universal, UNO, único e indivisível, pelo culto de Jesus transformado em divindade.

O fato com que nos vimos ocupando contribuiu para isso e constituiu um dos elos dessa cadeia. Mas estes elos são numerosos. O principal é o titulo de filho de Deus, que Jesus dava a si mesmo, mal interpretado em face destas palavras que foram tomadas ao pé da letra e entendidas segundo a letra: "Meu pai". 130

LUCAS, Cap. XVII, vv. 20-24

O reino de Deus está dentro de nós

V. 20. Como os fariseus lhe perguntassem: Quando vem o reino de Deus? ele respondeu: O reino de Deus não virá de modo a que possa ser notado. — 21. Não se dirá: Ele está aqui ou está ali, porquanto o reino de Deus está dentro de vós. — 22. E disse aos discípulos: Tempo virá em que querereis ver um dos dias do filho do homem e não o vereis. — 23. Dir-vos-ão: Ei-lo aqui, ei-lo ali; não vades, não os sigais; — 24, pois, tal como o relâmpago, que brilha de um lado a outro do céu, assim será o filho do homem no seu dia.

N. 225. (V. 20.) O reino de Deus o homem o traz em si mesmo, pois que é no exercício de suas faculdades que se lhe depara o meio de alcançá-lo, isto é: de atingir a perfeição moral: Não virá de modo a ser notado, por isso que só lentamente, de progresso em progresso, de ascensão em ascensão, pode o homem aproximar o advento daquele reino. a perfeição moral humana o fará vir. Nenhum brusco abalo o trará. Só por um trabalho demorado, penoso, incessante o homem o conquistará.

(V. 21.) O reino de Deus não é um lugar circunscrito, qual o imaginaram os homens. Não é uma habitação feliz, onde logrem penetrar. É a imensidade na virtude. O reino de Deus está em vós, está entre vós, mas não sabeis descobri-lo. O reino de Deus é a união das almas depuradas. Depurai, pois, as vossas, para o possuirdes.

(V. 22.) E Jesus disse a seus discípulos: "Tempo virá em que desejareis ver um dos dias do filho do homem e não o vereis." Estas palavras não eram dirigidas aos discípulos unicamente, mas ao povo que os cercava e, por extensão, às gera- 131

ções então futuras que sentiram e sentem ainda o desejo de ver renovados os atos de Jesus, para crerem depois que virem.

O Mestre dava suas instruções aos que o cercavam e, dentre estes, os discípulos eram sempre os que lhe ficavam mais perto. Daí vem o ter o evangelista usado desta expressão: E disse aos discípulos.

Apreendei bem o sentido daquelas palavras, que foram igualmente pronunciadas para o futuro. Muitas vezes tem já o homem aspirado à liberdade santa, filha do amor e da caridade. Muitas vezes tem procurado em vão fazer que luza ainda um daqueles dias em que Jesus pregava e exemplificava a sua moral. Esse desejo o assalta sempre que ele compreende que o único remédio para os males da humanidade consiste na prática dos dois grandes preceitos do amor e da caridade — prática que implica, dentro da unidade e da solidariedade, a da justiça, do mútuo auxílio sob o ponto de vista do trabalho material, moral e intelectual, assim como a prática da fraternidade.

Aqueles dias, porém, não voltaram. Ainda os esperais, vós outros espíritas, e para eles apelais com todas as vossas forças. Muito, entretanto, tardarão ainda em vir, porque ainda não sois bastante clarividentes, para a luz deles; porque os vossos entendimentos ainda se não desapegaram das influências e dos apetites da matéria, fontes do orgulho, do egoísmo, do sensualismo e da sensualidade, de modo a poderem assimilar a moral do filho do homem. Enfim, ainda não amadurecestes suficientemente para essa era nova em que o filho do homem volverá ao vosso meio e em que vereis renascer o seu dia.

(V. 23.) Dir-vos-ão: "Ei-lo aqui, ei-lo ali; não vades, não os sigais". Estas palavras se aplicavam aos abusos que, no correr dos tempos, viria a sofrer e sofreu a doutrina de Jesus, com o emprego do seu nome e da sua autoridade para se 132

transviarem ou cegarem os fracos e os crédulos. Toda adição feita à lei está fora da lei. Tudo o que se afastou do caminho traçado é transviamento. Tudo o que está fora da lei de amor e de caridade é abuso. É abuso tudo o que esteja fora da lei de fraternidade, de igualdade e de liberdade, pela justiça, pelo amor e pela caridade, fontes de todo direito e de todo dever recíprocos e solidários, a se exercerem e cumprirem sob os auspícios e a prática do perdão, do esquecimento das injúrias e ofensas, do devotamento da liberdade de consciência, da liberdade da razão e de exame.

(V. 24.) Pois, tal como o relâmpago, que brilha de um lado ao outro do céu, assim será o filho do homem no seu dia. O filho do homem personifica, a sua lei, a sua moral. No momento oportuno, essa lei pura, suave, será despojada dos falazes ornamentos com que a cobriram e se mostrará repentinamente aos homens em toda a sua pureza. Sua luz então, como a do relâmpago, brilhará de um extremo a outro do horizonte. Nessa ocasião estará próximo a verificar-se entre vós o predito advento do filho do homem.

Os falazes ornamentos com que cobriram a pura e suave lei de Jesus são os aditamentos de culto externo que lhe fizeram, despojando-a do culto espiritual; são tudo o que tendeu a materializar o que está e não pode deixar de estar submetido à inteligência e ao coração dos homens. A lei de Jesus foi feita para a inteligência e para o coração. À inteligência e ao coração ela se dirige e se dirigirá sempre.

O momento oportuno, de que falamos, em que essa lei pura e suave, despida dos falazes ornamentos com que a cobriam, se mostrará repentinamente aos homens em toda a sua pureza, é a época em que se fará a reforma do pessoal dos cultos. Deus proverá a isso mediante as encarnações necessárias de Espíritos em missão, os quais conduzirão a humanidade a conhecer em 133

espírito e em verdade, o pai, o filho e o Espírito Santo.

Essa reforma determinará o desaparecimento dos diversos cultos externos que dividem e separam os homens e os levará à união num culto único: o da adoração sincera do pai, Deus, uno, indivisível, por meio da prece do coração e não dos lábios somente, da prece espiritual, que tem por fundamento os atos de uma vida íntegra e pura diante do Senhor; por meio do jejum espiritual, pela prática do amor ao mesmo Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Semelhante adoração se expressará ainda pelo amor, pelo respeito e pelo reconhecimento para com o filho — Jesus, protetor e governador do vosso planeta e da humanidade terrena, Jesus por quem sois tudo o que sois.

Expressar-se-á também pela invocação e pelo apoio da sua poderosa proteção; pela invocação feita a Deus e ao seu Cristo para que conceda a suas criaturas o auxílio, o concurso e a proteção do Espírito Santo, dos bons Espíritos. Tal reforma dará cumprimento a estas palavras do Mestre: "Tempo virá em que não será mais no cume do monte nem em Jerusalém que adorareis o pai."

Tornados então os verdadeiros adoradores que o pai reclama, os homens o adorarão em espírito e verdade. E todos esses lugares que designais pelos nomes de — sinagogas, igrejas, mesquitas, templos, se tornarão indistintamente lugares de reunião, de prece, de instrução, onde, impelidos pelos sentimentos da humildade, do amor e da caridade, todos se congregarão em assembléia para, sob a influência e a proteção dos bons Espíritos, elegerem unanimemente o mais digno, o mais esclarecido, o de maior merecimento para a ela presidir.

O Universo é o templo do Senhor. Não antecipemos o futuro. 134

LUCAS, Cap. XVII, vv. 25-37

Sinais precursores da segunda vinda de Jesus

V. 25. Mas é necessário que antes ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. — 26. E, tal como sucedeu ao tempo de Noé, assim sucederá nos dias do filho do homem. — 27. Comiam e bebiam, os homens desposavam as mulheres e as mulheres tomavam marido até ao dia em que Noé entrou na arca; veio então o dilúvio e os fez perecer a todos. — 28. Semelhantemente sucedeu nos dias de Ló: Comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e edificavam. — 29. No dia, porém, em que Ló saiu de Sodoma, choveu do céu fogo e enxofre, que os fez perecer a todos. — 30. Assim será no dia em que o filho do homem aparecer. — 31. Nesse dia, aquele que se achar no eirado e tiver dentro de casa seus haveres não desça para os tirar de lá e do mesmo modo não volte atrás aquele que estiver no campo. — 32. Lembrai-vos da mulher de Ló. — 33. Todo aquele que procurar salvar a vida perdê-la-á, e todo aquele que a perder salvá-la-á. — 34. Digo-vos que nessa noite, de duas pessoas que estiverem no leito, uma será tomada e deixada a outra; — 35, de duas mulheres que juntas estiverem moendo, uma será tomada e deixada a outra; de dois homens que estiverem no mesmo campo um será tomado e o outro deixado. — 36. Perguntaram-lhe então os discípulos: Onde será isso, Senhor? — 37. Respondeu ele: Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias.

N. 226. Por essas palavras, cujo sentido e alcance, segundo o espírito, ficaram intencionalmente velados pela letra, aludia Jesus às condições, meios e fases da purificação e do progresso do vosso planeta e da humanidade terrena e aludia também ao que ocorrerá quando a lei de amor e caridade for praticada na Terra, operando a regeneração da espécie humana.

Como sempre, ao proferir tais palavras, o Mestre apropriou sua linguagem às inteligências 135

e às necessidades da época, de modo, porém, a impressionar os homens de então e as gerações futuras, a preparar o advento da nova revelação, que viria, quando os homens se houvessem tornado capazes de a suportar, explicar e fazer compreensível, em espírito e em verdade, como sucede atualmente, tudo o que ele disse.

As explicações especiais que vos vamos dar deverão levar-vos à compreensão daquelas suas palavras.

(V. 25.) Antes que a lei trazida por Jesus pudesse vigorar, foi preciso que o legislador lhe apusesse o selo do seu amor. Entretanto, repeliu-a a geração que a recebeu, como a de hoje ainda a repele. É que muitos Espíritos, rebeldes ao tempo da missão do Cristo, vivem de novo na Terra, sempre rebeldes.

Alguns apenas, discípulos de Jesus, lhe seguem as pisadas, ainda que de bem longe, e procuram descobrir, no solo conspurcado, as marcas deixadas por seus passos.

Acabamos de dizer: "Foi preciso que ele apusesse à sua lei o selo do seu amor". Jesus, que desceu à Terra para dar aos homens o exemplo do devotamento sem restrições, teve que levar esse devotamento aos seus limites extremos. Qual efetivamente, para vós, o maior de todos os sacrifícios, senão o da vida?

Por sua morte, ele vos ensinou a não ligar exagerada importância à vossa existência, do mesmo modo que, pela sua vida, vos mostrou que não deveis prodigalizá-la inutilmente. É o que significa o cuidado que, para os homens, ele tinha, de salvaguardar a sua, fugindo, todas as vezes que ela correu perigo antes do momento em que, pela "morte", remataria o edifício que seu amor construíra.

Falando nós por esta forma da morte de Jesus, da preservação da sua vida, dos perigos que esta 136

correu, deveis entender que nada disso havia, senão segundo o modo de ver dos homens. Falamos ainda colocados no ponto de vista humano das crenças que existiam durante a sua missão terrena, crenças que teriam de durar por muito tempo depois de cumprida aquela missão e que duram ainda. Referimo-nos às crenças, por parte de uns, numa origem de Jesus, humana, ordinária, como obra de José e de Maria; por parte de outros, numa origem humana, mas miraculosa, divina, do mesmo Jesus, que é então considerado filho de Maria, por obra do Espírito Santo.

A origem do Mestre, extra-humana, mas de maneira alguma milagrosa no sentido dado a esta expressão, origem, ao contrário, natural, de acordo com as leis universais e imutáveis estabelecidas por Deus desde toda a eternidade, vos é agora revelada. Todavia, em face desta revelação que se vos faz daquela origem, preciso é não esqueçais que, conquanto Jesus haja tomado um corpo apenas semelhante ao vosso, mas não da mesma natureza, lhe cumpria deixar que lhe atribuíssem uma origem humana, lhe cumpria preencher, aos olhos dos homens, até ao termo da missão, como ensino e exemplo, as obrigações que a natureza humana e a lei de conservação impõem.

(Vv. 26-27-28-29-30.) Alegorias e alusões feitas por Jesus.

Ao tempo de Noé, os homens bebiam e comiam, desposavam as mulheres e as mulheres tomavam maridos; ao tempo de Ló, comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam.

A negligência do homem o engolfava em seus hábitos cotidianos e o impedia de ver os perigos que se acumulavam sobre a sua cabeça, tanto o absorviam os interesses e cuidados da vida material, tão longe se achava ele do pensamento e do desejo de progredir, tão descuidado do progresso e do futuro de seu Espírito. 137

Desde a vinda de Jesus à Terra, o mundo caminhou sempre, pouco se preocupando com o seu futuro. Caminha ainda pela mesma estrada e nela continuará por muito tempo, até que os homens, compreendendo a inutilidade do seu proceder divorciado da moral do Mestre, cuidem de mudar de rumo.

Quanto ao dilúvio do tempo de Noé, a "Gênese" universalizou fatos de natureza toda parcial. Como sabeis, pois que a ciência humana o comprovou, aquele dilúvio não foi mais do que um desses numerosos cataclismos que hão feito o vosso globo passar do estado dos fluidos incandescentes ao estado atual. Essa passagem se produziu por meio de transformações sucessivas, acordemente com as leis naturais e imutáveis, por efeito da vontade de Deus, sob a ação espírita que preside às revoluções planetárias e à marcha progressiva e ascensional dos mundos, das humanidades, de todas as criaturas do Senhor.

Quanto à destruição de Sodoma, a ciência a explicou. Não temos que entrar em minúcias a esse respeito. Naquela época, havia na Terra um foco mais incandescente do que agora; amiudados terremotos abriam na crosta terrena fendas por onde se escapavam gases inflamados, matérias sulfurosas e betuminosas. Essas matérias, arremessadas aos ares como projetis, pela força de expansão dos gases, iam cair sobre os homens tomados de espanto. A destruição de Sodoma resultou de uma dessas erupções. Houve incêndio e afundamento do solo.

Por estas palavras : "Assim será no dia em que o filho do homem aparecer", Jesus estabeleceu uma comparação. Comparou esse dia com o dilúvio porque, de fato, chegará um momento em que todos os Espíritos materiais, todos os Espíritos carnais serão expulsos do vosso planeta, onde só o Espírito terá que reinar. Efetivamente, no advento do filho do homem, isto é, da lei de amor 138

e de caridade que ele personifica e que, praticada na Terra, determinará a regeneração da espécie humana, os que se houverem conservado estacionários, deslumbrados pela luz que de súbito lhes brilhará aos olhos e devorados pelo fogo do remorso, serão varridos da Terra, sobre a qual, no tempo predeterminado, descerá o ungido do Senhor.

Nesse momento, como já o explicamos, estará completamente terminada a separação do trigo e do joio e os Espíritos que ficarem habitando o vosso planeta terão entrado na fase espírita. Já explicamos também que a separação será feita a seu tempo e anunciamos estar próxima a época em que começará.

Aqui nos referimos somente aos Espíritos que, até essa época final de depuração, tenham tido permissão para reencarnar na Terra, porquanto, já então, muitos outros mais atrasados e rebeldes do que esses terão sido afastados dela.

Sim, os que até ao último momento se mostrarem recalcitrantes e cujo banimento por isso se executará, ficarão deslumbrados pela luz que de súbito lhes brilhará ante os olhos e o fogo dos remorsos os devorará, que lhes será dado compreenderem o que perdem, a fim de que vivo se lhes torne o desejo de reconquistá-lo. De reconquistá-lo, sim, porque todos têm que chegar à perfeição. Deus o quer. Ë a lei imutável do progresso. Os Espíritos errantes, de ordem inferior, dependem, por assim dizer, do planeta em que encarnam. O mesmo, porém, não sucede com os Espíritos totalmente libertos da matéria. Estes gozam da independência e da liberdade de irem, conforme ao grau de sua elevação, de um planeta a outro, de voltarem portanto ao planeta, já então depurado, donde foram expulsos, banidos, por se mostrarem recalcitrantes em conseqüência da sua inferioridade moral.

(Vv. 31-32.) Que as preocupações materiais não dominem o pensamento do homem, desde que 139

haja compreendido que lhe cumpre, sem mais demora, pensar no seu futuro espiritual.

Para avançar no caminho da espiritualidade, preciso é que não olhe para trás, nem lamente os bens materiais que porventura perca. A mulher de Ló, preocupada com os bens materiais que abandonava no lugar do desastre, se demorou e foi vítima.

Segundo a tradição da "Gênese" (cap. XIX, v. 26), ela se "transformou em estátua de sal". Puerilidade de racontos. Foi atingida pelo raio, sem ser atirada ao chão. Caiu depois reduzida a cinzas, o que fez supusessem ter sido transformada numa estátua de sal que se derretera. Ingenuidade das eras primitivas.

As palavras alegóricas dos versículos 31 e 32, que tocaram e impressionaram as inteligências dos que as ouviram e que haviam de tocar as das gerações que se sucederam, Jesus as dirigia igualmente à vossa e às que se seguirão, porquanto estão próximos agora os tempos em que começará a depuração da Terra. Já desponta a aurora do advento do filho do homem, isto é, da lei de amor e de caridade por ele personificada; já essa aurora começa a tingir os horizontes do vosso planeta. Pensai, pois, nas vossas almas. Não vos deixeis absorver pelas preocupações, pelos cuidados, pelas paixões da vida material. Enchei-vos de zelo e de solicitude pelo vosso progresso moral e intelectual e pelo futuro dos vossos Espíritos, pelo progresso moral e intelectual dos vossos irmãos e pelo futuro de seus Espíritos.

(V. 33.) "Todo aquele que procurar salvar a vida perdê-la-á e todo aquele que a perder salva-la-á".

Compreendei bem, em verdade, segundo o espírito envolto e velado pela letra, o pensamento de Jesus, expresso aqui de um duplo ponto de vista.

Aquele que só vive para o presente, aplicando todos os seus esforços em conservar a existência 140

corporal, chegará, por mais que faça, ao termo dela, perdê-la-á portanto. Mas como, ao perdê-la, não haja preenchido as condições necessárias, pois que só cuidou de salvaguardar a matéria e não de salvar a alma, ver-se-á obrigado a recomeçar. Assim aquela vida perdida ele a achará de novo, reabrindo-lhe a estrada que terá de percorrer para alcançar o prêmio.

Aquele que trata de salvar a vida espiritual perderá a vida material, mas tornará a achar, do outro lado do túmulo, a que não tem fim. Perdendo uma, pelo pouco apreço que lhe deu com o cuidar especialmente do progresso da sua alma, ganhará a vida que ambicionava, a reencontrará para lá da morte.

É essa uma regra geral. Assim foi, assim será, em todos os tempos, para todos, de conformidade com a lei imutável da expiação, da reencarnação que, para todo Espírito que faliu, constitui a escada santa que lhe cumpre subir, a fim de se purificar, de se elevar e chegar à perfeição moral que conduz a Deus.

As palavras alegóricas e veladas de Jesus, constantes deste versículo, aludiam aos Espíritos atualmente encarnados, os quais, por se conservarem atrasados, recalcitrantes, rebeldes, na época da depuração do vosso planeta, onde, até então, se lhes terá permitido reencarnar, serão afastados dele e constrangidos à reencarnação em planetas inferiores, onde terão que recomeçar, onde encontrarão de novo, abrindo-lhes a estrada que lhes cumpre percorrer para alcançarem o prêmio, a vida corporal, anteriormente perdida. Também esses, quando se decidirem a salvar a vida espiritual depois de terem perdido a corporal, reencontrarão, para lá da morte, a vida que ambicionavam, a que não tem fim.

(Vv. 34-35.) Nem todos se acharão no mesmo grau de adiantamento, na época da purificação 141

do vosso planeta. Conseguintemente, não poderão todos ser admitidos à mesma existência. Ter-se-á que fazer uma escolha em todas as condições humanas. a isto que Jesus alude, também alegórica e veladamente, referindo-se aos Espíritos a quem se permitirá a reencarnação na Terra, uma vez concluída a separação do joio e do trigo.

(Vv. 36-37.) A esta pergunta dos discípulos: "Onde será isso, Senhor?" dá Jesus a seguinte resposta evasiva: "Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias".

Não devendo os apóstolos e os discípulos compreender, segundo o espírito, o que o Mestre lhes acabava de dizer, efetivamente não compreenderam e tomaram aquela resposta no sentido de que Jesus não queria precisar o lugar.

O Mestre deu caráter evasivo à sua resposta pela mesma razão por que falava usando de figuras emblemáticas, que se podiam aplicar ao presente e ao futuro. Dizia aos homens o que estes podiam suportar e da maneira por que deviam suportar e ainda de modo a que, servindo suas palavras ao presente, preparassem o futuro, até aos tempos em que a nova revelação viria despojar o espírito da letra que intencionalmente o envolvia e velava.

A nova revelação nós vo-la trazemos pela vontade do Senhor onipotente, da parte do Cristo, em nome do Espírito da Verdade.

Eis aqui, posto a nu, o pensamento do Mestre: Ele falava então do vosso planeta, submetido à sua direção. Pela resposta que deu aos discípulos deveis compreender que a superfície do globo terreno tem que testemunhar a renovação que suas palavras veladas visavam anunciar.

Onde quer que esteja o corpo, aí se reunirão as águias significa: que o progresso tem que atingir todos os pontos do vosso planeta, a fim de que também este possa progredir, que por toda parte onde haja na Terra humanidade, haverá pro- 142

gresso e mudança, isto é: transformação física, moral e intelectual. Haverá transformação física com relação aos corpos, que, como o planeta, passarão progressivamente por estados cada vez menos materiais e depois fluídicos. Haverá transformação moral e intelectual com relação aos Espíritos.

Aquelas palavras significam também que, para realizar-se a purificação que há de conduzir àquele progresso e àquela mudança, onde quer que haja faltas haverá o castigo com o fim paternal de melhoramento e de progresso, mediante expiações na erraticidade e reencarnações sucessivas, até que o joio se ache separado do trigo. Significam ainda que, onde quer que a depuração se tenha completado, os Espíritos purificados se reunirão.

O que do vosso planeta dizia Jesus se aplica, como lei geral, natural e imutável, a todos os que, quais a Terra, saíram dos fluidos incandescentes, tendo que seguir igualmente uma marcha progressiva e ascensional. Esses planetas são os que, conforme o explicamos nos ns. 56 e seguintes, servem, uns ao desenvolvimento das essências espirituais primitivas até que, como Espíritos em formação, tenham chegado ao período preparatório da humanização; outros às encarnações dos Espíritos formados que faliram, encarnações estas que se verificam segundo o grau da culpabilidade deles e nas condições que o progresso desses Espíritos exige. Sob este duplo aspecto, tais encarnações serão: ou primitivas, isto é, em planeta ainda virgem do aparecimento do homem, ou em planeta que, após esse aparecimento, adquiriu algum progresso, passou por alguma mudança.

N. 227. Desde o aparecimento do homem na Terra se hão dado numerosas revoluções planetárias parciais e nesses cataclismos raças humanas devem ter desaparecido, fósseis humanos devem jazer enterrados nas camadas geológicas. Entretanto, até ao pré- 143

2 Esta questão foi proposta no mês de Dezembro de 1864.

sente2, mal se descobriram vestígios desses fósseis humanos e assim mesmo, no campo da ciência humana, se discute e contesta o resultado das explorações recentemente feitas.

Esta é uma questão que sai do quadro que vos foi traçado. Nem todos os cataclismos que revolveram o globo em que habitais foram testemunhados pelo homem. Muitos lhe haviam conformado a superfície antes que este aí surgisse. O homem fóssil existe parcialmente. Mas, a natureza do arcabouço humano não sendo tão forte, e longe está de o ser, quanto a dos animais contemporâneos do seu aparecimento na Terra, muito pouco resta dele. As explorações se ampliarão e as descobertas da Ciência crescerão. Porém, a tal respeito, nada mais nos cabe dizer, pois que não estamos para vos fazer, aqui, um curso de História Natural. 144

3 Atos dos Apóstolos, cap. V, vv. 1-10.

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 18-20

Poder de ligar e desligar dado por Jesus aos apóstolos. — Sua presença onde duas ou três pessoas se acharem reunidas em seu nome

V. 18. Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu. — 19. Também vos digo que, se dois dentre vós se reunirem na terra, aquilo que pedirem lhes será concedido por meu pai que está nos céus. — 20. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estarei eu no meio deles.

N. 228. (V. 18.) Já explicamos o que deveis entender pelo poder de ligar e desligar que Jesus declarou terem os seus apóstolos. Reportai-vos ao que dissemos atrás.

Os discípulos de Jesus já eram esclarecidos e ainda o haviam de ser mais quando lhes fosse dada toda a luz, nos limites da missão terrena de cada um. Já de si mesmos elevados, inspirados e guiados pelos Espíritos superiores, eles se achavam em condições de julgar com sabedoria, com acerto, da moralidade, dos sentimentos dos homens. Não sabeis, por exemplo, que Pedro condenou a Ananias?3

É que, advertido misteriosamente, isto é, como médium audiente, pelos Espíritos superiores, da perfídia do mesmo Ananias, Pedro se achou em estado de julgá-lo com segurança.

A perspicácia dos apóstolos, que todos eram médiuns inspirados, audientes, resultava da elevação pessoal deles e dos avisos que recebiam de seus guias espirituais.

Depois de lhes haver declarado: "Em verdade vos digo: tudo o que ligardes na Terra será ligado 145

no céu", Jesus não acrescenta: "Em verdade também vos digo que tudo o que os vossos descendentes, na sucessão dos tempos, ligarem na Terra será igualmente ligado no céu; e tudo o que desligarem na Terra será desligado no céu". O Mestre só se dirige aos apóstolos e não a seus "sucessores" degenerados!

Abstração feita dos cultos externos, entre os sucessores dos Apóstolos (Judeus e Gentios) alguns houve, como entre vós alguns ainda há, que, pela sua santidade e por suas faculdades mediúnicas, com a assistência e o concurso dos bons Espíritos, de seus guias espirituais, podem colocar-se em estado de ligar e de desligar, no verdadeiro sentido destas palavras, que já vos mostramos qual seja. Mas, quão reduzido é o número desses!

(Vv. 19-20.) Ao proferir estas palavras : "Também vos digo que, se dois dentre vós se reunirem na Terra, aquilo que pedirem lhes será concedido por meu pai que está nos céus", Jesus se dirigia a homens piedosos, cujos pensamentos e aspirações buscavam o céu. Assim, pois, falava do ponto de vista das graças celestes e não do das mesquinhas preocupações da vossa humanidade.

Promete aos que se reúnam em seu nome que o que pedirem lhes será concedido por Deus. Já não o tendes verificado muitas vezes por experiência própria?

Mas, para que Deus escute as preces que se lhe dirigem, preciso é que sejam feitas, não com os lábios, e sim com um sentimento profundo e santo; que aquele ou aqueles que pedem o façam com a ardente confiança de que serão ouvidos, de que serão atendidos. É preciso ainda — escusado nos parece lembrá-lo — que santo e justo deve ser o espírito da súplica.

Muitos dirão: "Temos pedido, animados de todos esses sentimentos, e nada obtivemos". Sa- 146

beis porventura se era oportuna a vossa súplica? Sabeis se o que pretendíeis com tanto afã não vos seria de resultados desastrosos? Sabeis se o vosso pai não vos atendeu para a vida eterna, quando lhe pedíeis uma graça temporal?

(V. 20.) Jesus promete estar com aqueles que se reunirem em seu nome. Quando estiverdes dois ou três reunidos, assim como quando fordes mil, o Senhor virá até vós e seu ouvido estará aberto aos vossos rogos.

Mas, para que tal se dê, é indispensável que estejais verdadeiramente reunidos em seu nome, isto é, com o desejo de lhe seguir a lei, animados reciprocamente do amor a Deus acima de tudo e ao próximo como a vós mesmos, esforçando-vos de modo sério e perseverante por proceder com os outros como quereríeis que procedessem convosco, decididos a fazer pelos outros, material, moral e intelectualmente, o que desejaríeis vos fizessem.

Já conheceis a influência atrativa que exercem os fluidos simpáticos. Eles são o laço que aproxima, um do outro, Espíritos, senão da mesma ordem, pelo menos animados dos mesmos sentimentos, dos mesmos gostos, dos mesmos pendores.

Tais fluidos se atraem uns aos outros por analogia de espécie, de natureza, estabelecendo as relações entre os Espíritos. Quando, pois, obedecendo ao mesmo pensamento, concorrendo para uma mesma obra, alguns homens se reúnem, as simpatias que eles atraem se lhes vêm grupar em torno. Assim, às reuniões de homens frívolos e vãos acorrem Espíritos vãos e frívolos.

Se, portanto, intimamente unidos pelo amor a Deus, vos reunis para a obtenção de suas graças, se formais uma cadeia simpática, bastante sólida, aquele para cuja proteção apelais acode ao vosso chamado, no sentido de que seus emissá- 147

rios vos cercam, vos banham nos eflúvios de amor que implorais.

Não deduzais daí seja preciso que vos aglomereis num certo ponto para que as graças do Senhor afluam. Ah! são tão raros os homens animados de bons sentimentos, do verdadeiro sentimento de amor, que, quando se reúnem, ainda que em pequeno número, há sempre entre eles tíbios, indiferentes, ou indignos. O Senhor, porém, sabe contar suas ovelhas e caras lhe são as cabeças fiéis.

N. 229. Em nome da Igreja romana, o texto do v. 20 é entendido sob diversos pontos de vista. Em primeiro lugar, para fazerem de seus concílios uma arma, considerando-os como meio, superior a quaisquer outros, de se obter a verdade, a sã e legítima interpretação das sagradas escrituras, dizem: "Que respeito não devem merecer os concílios nos quais toda a Igreja se acha reunida, na pessoa de seus pastores, para esclarecimento da verdade, reforma dos costumes, estabelecimento da disciplina e interpretação das santas escrituras! — Cegos são os que preferem ou equiparam seus sentimentos aos dessas santas assembléias!"

Nesse instante e quando ia eu prosseguir, fui interrompido. A mão do médium, fluidicamente impelida, escreveu isto, em resposta:

Detende-vos aqui. Jesus disse: "Onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em meu nome, eu aí estarei entre elas".

Jesus sabia quão difícil é reunirem-se os homens em grande número, animados dos mesmos sentimentos e do mesmo espírito.

Não tendes mais do que perguntar à Igreja em que concílio uma só questão religiosa se resolveu por unanimidade, sem discussão, sem controvérsias, muitas vezes acerbas.

Ora, se nos concílios, compostos de "homens de Deus", "infalíveis" em seus julgamentos, os 148

pareceres eram diversos; se membros desses mesmos concílios mantinham suas opiniões contra a maioria triunfante, quais as influências que guiavam os do sacro colégio?

Desde que controvertidas se mostram as opiniões nos concílios, por que meio se há de determinar o que é inspirado pelo "Espírito Santo" e o que o é por "Satanás"?

Dirão: pela sabedoria humana, pela experiência, pelo estudo, pelas tradições.

Respondei-lhes vós: pela razão.

Continuai.

Acrescentam: "Só a Igreja pode ter e tem a verdade; só ela, reunida em concílio, é infalível, pois que só ela é assistida e inspirada pelo Espírito Santo."

Respondei à Igreja: Infalível só Deus o é. Vossos pastores, quer isolados, quer reunidos em concílio, são tão falíveis quanto os outros homens, sujeitos, como estes, às boas influências, que vêm do Espírito-Santo, e às más, que vêm de Satanás. Essas influências eles as atraem conforme à natureza, boa ou má, de seus sentimentos, pensamentos e inclinações.

Se os vossos pastores, quando reunidos em concílio, fossem infalíveis, por terem a assisti-los e inspirá-los, a lhes guiar o juízo o Espírito Santo, haveria entre eles unidades de vistas, suas decisões seriam unânimes e assinaladas todas pelo cunho da caridade, da tolerância e do amor universal.

Não nos objeteis que a infalibilidade está com a maioria dos membros dos vossos concílios. Como o provareis?

Ao contrário, a minoria deles é que tem marchado, como ainda hoje é a minoria dos que compõem a vossa comunidade que marcha nas pegadas do Mestre; que deu e dá, não por palavras, mas pelos pensamentos e pelos atos, exem- 149

plos de doçura, de humildade, de desinteresse, de frugalidade, de temperança, de sobriedade, de castidade, de paciência, de resignação, de caridade e de amor para com todos. Quais, dentre os da maioria dos vossos concílios, os que, imitando os apóstolos e os seus primeiros imitadores, hão exemplificado a abnegação e o devotamento, a tolerância e a fraternidade para com todos os homens igualmente (Judeus e Gentios), abstração feita dos cultos externos, chamando-os todos a si e lhes dizendo do fundo do coração: Não temos senão um pai, que está nos céus, não temos senão um senhor e mestre — o Cristo e todos somos irmãos?

Não era na maioria dos membros dos vossos concílios que se encontravam o orgulho, a ambição, o fanatismo, a intolerância, muitas vezes o egoísmo e não raro a incredulidade?

Quem então os assistia e inspirava, quem lhes presidia às decisões — o Espírito Santo, isto é, os bons Espíritos, os Espíritos de luz e de verdade, ou, ao contrário, Satanás, isto é, os maus "Espíritos, os Espíritos de erro e de mentira?"

Em segundo lugar, hão dito, para afastar da revelação espírita os homens, que só Satanás teve e tem o poder de se comunicar, que só ele se comunica mediunicamente com os deste mundo."

Não vos detenhais com essas puerilidades interesseiras, monstruosas em si mesmas, devidas à ignorância ou à má-fé, e que são desmentidas não só pelas tradições históricas, pelos fatos ocorridos em todos os tempos e entre todos os povos, como também pelas sucessivas revelações que o Senhor vos tem enviado. A lei natural é imutável da atração magnética, assim no domínio espiritual como na esfera material, não existiu sempre, de toda a eternidade?

Não é sob a influência atrativa dos fluidos simpáticos que em todos os tempos se verificaram 150

as relações entre os Espíritos errantes e os encarnados, que estes e aqueles foram e são atraídos uns para os outros, desde que os mesmos sentimentos e pensamentos, os mesmos gostos e inclinações existem nuns e noutros?

Não é em virtude da atração que esses fluidos exercem uns sobre os outros por analogia de espécie, de natureza, que o encarnado, conforme sejam bons ou maus seus sentimentos, pensamentos, gostos e pendores, atrai a si, pela inspiração, as boas, ou más influências ocultas, ou, pelas comunicações mediúnicas, as ostensivas?

A comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, a ação mediúnica, oculta ou ostensiva, consciente ou inconsciente, não existiram sempre? Não foram o instrumento e o caminho de todas as revelações feitas aos homens? Não foram elas que desde a origem dos tempos, desde a mais remota antiguidade até aos dias de hoje, inspiraram aos homens a idéia da sua origem espírita, as da imortalidade da alma e da divindade?

Não são elas que os têm trazido sempre sujeitos às boas e às más influências, conforme às condições morais de cada um; que lhes infundiram as crenças politeístas, preparatórias do advento do monoteísmo; que os levaram a fazer de todas as virtudes, como de todas as paixões e de todos os vícios, Deuses?

Não serviram para preparar entre os "Gentios", com o auxílio de Espíritos encarnados em missão, a crença esclarecida na imortalidade da alma, na unidade divina, no monoteísmo, na reencarnação?

Porque, ao povo hebreu, atrasado e supersticioso, mas destinado a constituir-se o depositário da crença monoteísta, para transmiti-la às gerações futuras, proibiu Moisés que interrogasse os mortos, que lhes pedisse a verdade, senão para preservá-lo de ser, pelos Espíritos inferiores e impuros que o cercavam, desviado da senda por 151

onde lhe cumpria enveredar? E Moisés, bem como, depois dele, os profetas prepostos ao advento da era nova do monoteísmo, não se comunicavam, pela ação mediúnica, tanto oculta quanto ostensiva, com o "Espírito Santo", isto é, com os Espíritos bons, com os Espíritos superiores, que os assistiam, inspiravam e guiavam, em nome do Senhor?

A comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, existente desde todos os tempos, antes mesmo que Moisés viesse desempenhar a sua missão, antes que a Igreja católica instituísse os dogmas da queda dos anjos, do demônio, de Satanás, da condenação eterna, não continuou a verificar-se até aos dias que correm?

Ao longo da marcha dos séculos não se vos deparam marcos que vos dizem: "Parai aqui e encontrareis traços de fatos idênticos aos que vos surpreendem; escavai, procurai e muitos outros descobrireis, que as chamas das fogueiras, os instrumentos de tortura e os cárceres furtaram ao conhecimento dos homens?"

Onde, senão nessa comunicação entre os mundos espiritual e corporal, tem ido a Igreja buscar os elementos de beatificação dos que viveram no seu meio e que a influência mediúnica não fez sair do círculo de seus ensinos dogmáticos, de seus mandamentos humanos? Daquela comunicação entre os mundos visível e invisível não tirou a Inquisição tantas vezes motivo para condenar à morte pelas torturas, ou nas fogueiras, os que a seu ver estavam, por efeito da influência mediúnica, fora do redil da Igreja?

O Espiritismo, lei natural e imutável estabelecida por Deus de toda a eternidade, pelo simples fato da sua existência, real, ou considerado como sendo apenas a comunicação entre o mundo espiritual e o mundo corporal, não é uma revelação nova. Não deveis tomar esta denominação como indicando que se vos há explicado um mistério 152

4 Ver o que a este respeito se diz nas explicações dos Mandamentos.

recém-importado para vos reconduzir, não. Trata-se tão-somente de uma ampliação dada hoje ao que sempre existiu. A liberdade de consciência, de que hoje gozais, permitiu que fatos outrora abafados se pudessem grupar, formando um conjunto que vos atraísse a atenção. Porém, essa amplificação das relações entre as almas livres e as prisioneiras não constitui uma revelação nova. O Espiritismo vos traz uma revelação, não pelo simples fato de existir, repetimos, mas pelas explicações que vos dá, em espírito e verdade, das vossas origens e fins e pelos meios que vos proporciona de chegardes a esses fins.

Negar a ação mediúnica, oculta ou patente, do Espírito Santo, isto é, dos Espíritos bons, dos Espíritos de luz e verdade, sobre os homens; negar a comunicação entre eles e estes; não admitir, como comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, senão a de "Satanás", isto é, dos Espíritos maus, dos Espíritos do erro e da mentira, equivale a rejeitar todo o passado da humanidade terrena, as tradições de todos os fatos que ela registrou, todas as revelações que vos têm sido sucessiva e progressivamente trazidas, o Antigo e o Novo Testamentos, os fatos, que um e outro relatam, de manifestações espíritas, de comunicação dos "anjos", isto é, dos bons Espíritos, dos Espíritos purificados, com os homens.

Como foi, senão por uma manifestação espírita, por uma comunicação do mundo espiritual com o corporal, que Deus enviou a Moisés, no Sinai, as tábuas da lei, o Decálogo? 4

De que modo, senão por meio de uma manifestação espírita, de uma comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal, foi o Messias anunciado a Abraão e depois aos Hebreus pelos profetas de Israel? Que eram estes, senão me- 153

diuns inspirados, audientes, instrumentos inconscientes dos Espíritos do Senhor? De que modo, senão por aquele, Jesus, Espírito, puramente Espírito, perfeito, visualmente encarnado, para os homens, lhes trouxe, desempenhando a sua missão terrena, a boa nova, a lei de amor, a regeneradora doutrina, que não era sua mas daquele que o enviara? De que maneira, senão por uma manifestação espírita, lhes fez ele, proferindo palavras proféticas também veladas, a velada revelação do futuro do vosso planeta e da sua Humanidade? Por que maneira outra lhes prometeu o advento do Consolador, que é o Espírito Santo, do Espírito da Verdade e, conseguintemente, das comunicações dos bons Espíritos, dos Espíritos purificados, com os homens, nos tempos predeterminados pelo Senhor, tempos cujos sinais se produziram outrora, se produzem hoje e se produzirão cada vez mais na Terra?

Negar a ação mediúnica, oculta ou manifesta, do Espírito Santo, ou seja: dos bons Espíritos, dos Espíritos de luz e de verdade, sobre os homens e não admitir, como comunicação do mundo espiritual com o corporal, senão a de "Satanás", ou seja: dos Espíritos maus, dos Espíritos de erro e de mentira, é insultar a justiça, a bondade e a misericórdia infinitas de Deus; é negar a sua sabedoria infinita, a sua providência e a ação desta entre os homens, negando ao mesmo tempo a lei imutável do progresso, que rege o universo inteiro e que vos conduzirá à perfeição, lei essa da qual a do sofrimento, da expiação, constitui uma modalidade de que a vossa humanidade ainda necessita, no período de inferioridade moral em que ainda se acha o vosso planeta.

Em terceiro lugar, dizem: Se os bons Espíritos, órgãos do Espírito da Verdade, podem comunicar-se com os homens, igualmente o podem os maus, mentirosos, hipócritas inteligentes e hábeis, anjos de tre- 154

vas, transformando-se em anjos de luz. Falível de si mesma a razão humana e, portanto, incapaz de, com exatidão, distinguir da mentira e do erro a verdade, nas comunicações mediúnicas, impossível se torna saber se a comunicação do mundo espiritual com o mundo corporal é obra da verdade, ou se, ao contrário, é obra de erro e mentira, uma vez que o homem não tem meios de saber com certeza se o Espírito que se comunica é órgão do Espírito Santo, do Espírito da Verdade, ou de "Satanás".

Esta objeção inquina igualmente de incerteza as decisões dos concílios, que se dizem estar sob a inspiração do Espírito Santo. Como acima vos fizemos notar, desde que não há entre os membros da Igreja, quando reunidos em concílio, unanimidade de sentimentos, de pensamentos, de vontade, de aspirações, há dupla influência: uma boa, a outra má. Quais os que recebem a boa? Tal a questão a resolver.

Para as inspirações da Igreja, como para as dos médiuns, há um critério infalível: a consciência, que exerce a sua ação fiscalizadora por meio da razão, verdadeiro testemunho de Deus entre os homens.

Esquadrinhai a história dos papas, dos concílios e buscai nos julgamentos proferidos os sentimentos de abnegação, de desinteresse, de amor universal que lhes presidiram às decisões. Quando os houverdes encontrado podereis dizer: "Isto emanou verdadeiramente do "Espírito Santo".

Para as comunicações particulares, a pedra de toque é a mesma. Onde quer que se vos deparem o amor e a caridade abatendo o orgulho, a avareza, a ambição, os vícios que disputam a posse da humanidade e a dilaceram, podereis dizer: "Isto provém dos bons Espíritos do Senhor; foi o Espírito Santo quem inspirou os médiuns."

Na ordem espiritual, pelo que concerne às verdades de além-túmulo que vos são espiriticamente reveladas, bem como pelo que toca às verdades 155

que surgem no campo da ciência humana, há também o mesmo critério infalível: a consciência, que exerce a sua ação governativa por meio da razão e que, mediante as contradições, sob a ação do progresso dos tempos e das inteligências, assegura a vitória de todas as verdades e determina a condenação de tudo o que seja erro ou mentira.

Não esqueçais as palavras, já por nós explicadas, que Simeão pronunciou no templo, falando de Jesus, que é a luz do mundo, o caminho, a verdade, a vida, o Cristo de Deus, o Espírito da Verdade, por ser desta a personificação, o complemento e a sanção: "Este menino que aqui vedes vem para ruína e ressurreição de muitos em Israel, para ser alvo das contradições dos homens".

As revelações são sucessivas e progressivas. Cada uma explica e desenvolve a que a precedeu e é explicada e desenvolvida pela que a segue. Cada uma é sempre apropriada ao estado das inteligências e às necessidades da época e vem pela vontade de Deus para, segundo a sua presciência e sabedoria infinitas, conduzir a humanidade pela senda ascensional do progresso.

Assim como, sob o regímen da lei antiga, houve Moisés e os profetas, que eram médiuns, inspirados, audientes, videntes, conforme a natureza e as exigências da missão que lhes cabia na execução da obra progressiva; assim como, para a revelação que o Cristo vos trouxe, houve os apóstolos, os discípulos, que também eram médiuns, inspirados, audientes, ou videntes, conforme as condições e as necessidades da missão que lhes tocara na grande obra de regeneração da humanidade terrena; hoje, igualmente, para a revelação que, em nome do Espírito da Verdade, vos trazem os Espíritos do Senhor, há e haverá cada vez mais, no futuro, médiuns de confiança, fiéis, e missionários encarnados para, com o concurso desses médiuns, receberem mediunicamente e espalharem a luz e a verdade. Dissemos que, 156

no futuro, haverá cada vez mais médiuns, porque, como já tivemos ocasião de vos declarar, Deus nada espera dos efeitos do "acaso". Tudo tem sido, é e será preparado pelas encarnações necessárias.

As verdades espiriticamente reveladas serão alvo das contradições, como sucede com todas as verdades que surgem entre os homens. Mas, das contradições, como sempre acontece no seio da humanidade, é que sairá, com o progresso dos tempos e das inteligências, pela ação contínua do vosso desenvolvimento físico, moral e intelectual, o triunfo para aquelas verdades.

Auxiliando-vos nessa empresa, tereis a ação, ora oculta, ora patente, dos Espíritos purificados que, sob a direção do Mestre, trabalham pelo vosso progresso, mediante inspirações e comunicações mediúnicas, e tereis também os Espíritos que virão encarnar com a missão de defender essas verdades e de vos levar a reconhecê-las como tais. Eles vos levarão a reconhecê-las, pela liberdade do Senhor, que vem a ser: liberdade de consciência, liberdade de razão, liberdade de exame. Efetivamente, como também já tivemos ocasião de dizer, a liberdade do Senhor implica, para vós, o uso livre da razão, a apreciação dos fatos e das coisas, a aplicação da ciência, a marcha progressiva em todos os assuntos, mas tudo isso com inteira simplicidade de coração, com humildade de Espírito, desinteresse e desejo de progredir, tendo por guias únicos o amor de Deus acima de tudo e o amor ao próximo mais do que a si mesmo.

Em quarto lugar, dizem finalmente: "Todos se devem abster de qualquer comunicação com o mundo espiritual, de quaisquer comunicações mediúnicas, atendo-se todos à revelação trazida por Moisés, à revelação trazida pelo próprio Jesus quando desempenhou a sua missão terrena, às interpretações que a Igreja 157

deu a essa dupla revelação e repelindo a revelação espírita."

Porventura a revelação que Moisés trouxe impediu o aparecimento dos numerosos profetas que surgiram em Israel, todos esses Espíritos em missão, médiuns inspirados e guiados pelos Espíritos do Senhor, tendo todos por objetivo reconduzir os Israelitas às crenças puras, libertando-os dos laços com que os tinham presos a tradição e a ambição dos levitas?

A segunda revelação, que aceitastes porque a vistes predita no Antigo Testamento, não vos anunciou, por sua vez, que em si não trazia aos homens a última palavra, pela razão de não se achar a inteligência destes em estado de a compreender? — Há mil e oitocentos anos não se têm erguido profetas, quais os de Israel, anatematizando as heresias introduzidas nos Evangelhos tão brandos e simples de Jesus? Combates não se travaram entre os enviados que pregavam a lei pura e a ela queriam voltar e os que a tinham falseado e queriam mantê-la falseada pelas práticas materiais, pelos dogmas, pelos mandamentos humanos?

E ainda agora não vedes os sinais dos tempos? Na segunda revelação Jesus predisse e prometeu aos homens que, nos tempos do "fim do mundo", do céu cairiam as estrelas e as virtudes do céu se abalariam; que, em seu nome, o pai lhes enviaria o Consolador, que é o Espírito Santo, o qual lhes ensinaria todas as coisas e lhes lembraria quanto ele dissera; que o Espírito da Verdade viria e que, quando viesse, lhes ensinaria toda a verdade, porquanto não falaria por si mesmo e sim diria o que houvesse escutado; que lhes anunciaria as coisas porvindouras e que seria o mesmo Espírito da Verdade quem o glorificaria.

Os tempos preditos chegaram. Os Espíritos do Senhor (virtudes dos céus que se abalaram, 158

estrelas que do céu caem ao mesmo tempo sobre todos os pontos do vosso planeta, consolador que é o Espírito Santo, o Espírito da Verdade) estão vindo preparar e realizar o fim do mundo do erro e da mentira, glorificar a Jesus, recordar-vos tudo o que este disse, explicando, em espírito e verdade, e desenvolvendo os seus ensinamentos, ensinar-vos progressivamente toda a verdade e anunciar-vos as coisas que hão de vir.

A terceira revelação, que assim vos trazem os Espíritos do Senhor, enviados pelo pai em nome de Jesus, vos é feita na medida do que podeis suportar e continuará progressivamente a ser feita, na medida do que vos for sendo possível receber.

Ainda agora, não acrediteis que tendes a revelação integral. Os Espíritos do Senhor vêm preparar o novo advento de Jesus que, quando fordes capazes e dignos de recebê-lo, vos virá mostrar sem véu a verdade, da qual ele é, como Espírito da Verdade, o complemento e a sanção.

NOTA DA EDITORA — Na época em que essa obra foi transmitida, ainda não havia sido criado o dogma da infalibilidade papal. — W. 159

5 Um talento tinha o valor aproximado de dois mil cruzeiros, moeda brasileira, em 1952.

6 Moedas de prata do valor de 20 centavos.

MATEUS, Cap. XVIII, vv. 21-35

Perdão das injúrias e ofensas. Parábola dos dez mil talentos

V. 21. Então, aproximando-se dele, Pedro lhe perguntou: Senhor, perdoarei a meu irmão todas as vezes que pecar contra mim? Fá-lo-ei até sete vezes? — 22. Respondeu Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. — 23. Por isso o reino dos céus se assemelha a um homem rei que quis tomar contas aos seus servos. — 24. Tendo começado o ajuste, apresentou-se-lhe um que lhe devia dez mil talentos5. — 25. Como não tivesse com que os pagar, ordenou seu senhor que fossem vendidos ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía, para pagamento da dívida. — 26. Aquele servo, porém, lançando-se-lhe aos pés, lhe suplicava: Senhor, tem paciência comigo e tudo te pagarei. — 27. O senhor, então, compadecido dele, o mandou embora e lhe perdoou a dívida. — 28. Dali saindo, entretanto, aquele servo encontrou um companheiro que lhe devia cem denários6 e, agarrando-o, lhe dizia, a sufocá-lo: Paga o que me deves. — 29. O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, lhe rogava: Tem paciência comigo e tudo te pagarei. — 30. O outro não quis; foi-se dali e mandou metê-lo no cárcere até que pagasse o que devia. — 31. Vendo os outros servos, seus companheiros, o que se passava, ficaram muito contristados e foram contar ao senhor o que havia ocorrido. — 32. Então o senhor o chamou e lhe disse: Servo mau, eu te perdoei, porque me pediste, toda a tua divida; — 33, não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como tive de ti? — 34. E, irritado, o entregou aos verdugos até que pagasse toda a sua dívida. — 35. Assim também fará convosco meu pai celestial, se cada um de vós não perdoar a seu irmão do intimo do coração. 160

N. 230. Nunca leveis em conta a ofensa, ó bem-amados. Sede sempre prontos a perdoar tantas vezes quantas vos ofenderem. Seja infatigável a vossa indulgência.

Não esqueçais que o Senhor vos julgará do mesmo modo por que houverdes julgado os vossos irmãos. Saldai, pois, todas as suas dívidas, dai-lhes tempo para pagá-las, como o Senhor lhes dá.

Não esqueçais que vós, que haveis recebido ofensas, que sois credores dos vossos irmãos, tendes ofendido a vosso pai e lhe deveis muito mais do que vos devem. Se, portanto, quereis que para convosco use ele de misericórdia, sede misericordiosos. Se quereis que ele esqueça, esquecei. Repeti continuamente, no fundo dos vossos corações, esta sentença tão grande e que constitui a chave de todos os ensinos: "Não façais a outrem o que não desejaríeis que vos fizessem." Lembrai-vos sempre desta outra ainda mais extensa: "Fazei aos outros tudo o que quereríeis que vos fizessem."

Estas palavras encerram o amor fraterno com o máximo de devotamento.

Para fazer ressaltar a necessidade do perdão das ofensas e apontar, sob forma material, intencionalmente veladas, as conseqüências da falta ou da recusa do perdão, Jesus recorreu a uma parábola apropriada aos tempos e às inteligências, capaz de tocar e impressionar as massas populares.

"E o Senhor, irritado, disse ele, entregou o servo mau aos algozes, até que pagasse o que devia". E acrescentou: "assim também meu pai celestial fará convosco, se cada um de vós não perdoar do íntimo dalma a seu irmão".

Se não relevardes aos vossos irmãos suas dívidas, se fizerdes sobre eles cair o peso da vossa cólera, o peso de suas faltas, o Senhor, juiz reto, usará de represálias. A sua indulgência não se estenderá por sobre aquele que não tenha sabido 161

ser indulgente. Sim, a falta ou a recusa de perdão das ofensas é egoísmo, secura de coração, muitas vezes efeito do orgulho, vícios estes que são raízes fortes para o crescimento da carne. Esforçai-vos, pois, por arrancá-los. Eles constituem casos de expiação e de reencarnações e um obstáculo a que o Espírito saia dos mundos inferiores, o que só se dará quando se houver tornado capaz de perdoar sempre, incessantemente, do fundo dalma a seu irmão. 162

MATEUS, Cap. XIX, vv. 1-9 — MARCOS, Cap. X, vv. 1-9

Divórcio. — Casamento

MATEUS: V. 1. Tendo acabado de dizer essas coisas, Jesus deixou a Galiléia e foi para os confins da Judéia, além Jordão. — 2. Grandes multidões o acompanharam e ali curou ele os doentes. — 3. Dele se acercaram os fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: E lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer causa? — 4. Respondeu Jesus: Não tendes lido que aquele que no princípio criou o homem o criou macho e fêmea e disse: — 5. Por isto o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne? — 6. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu. — 7. Replicaram eles: Como é então que Moisés mandou que desse carta de repúdio à mulher e a despedisse? — 8. Respondeu Jesus : Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos permitiu repudiásseis vossas mulheres; mas, no princípio não foi assim. — 9. Eu, porém, vos digo que aquele que repudiar sua mulher, a não ser por motivo de adultério, e casar com outra, comete adultério, assim como aquele que casar com uma mulher repudiada, também comete adultério.

MARCOS: V. 1. Dali partindo, veio Jesus para os confins da Judéia, além Jordão; de novo as multidões se reuniram em torno dele, que recomeçou a ensiná-las, como costumava. — 2. Chegaram então alguns fariseus e para o tentarem lhe perguntaram: E licito a um homem repudiar sua mulher? — 3. Ele, respondendo, perguntou: Que vos prescreveu Moisés? — 4. Responderam-lhe eles: Moisés permitiu despedir a mulher, dando-lhe carta de repúdio. — 5. Jesus lhes replicou: Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos escreveu esse mandamento. — 6. Porém, desde o princípio do mundo, Deus os fez macho e fêmea. — 7. Por essa razão o homem deixará pai e mãe e se ligará à. sua mulher. — 163

8. E serão dois numa só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. — 9. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu.

N. 231. Já vos demos (1° vol., n. 84, página 432) algumas explicações sobre a união do homem e da mulher. Chegou o momento de as completarmos.

Em resposta às duas questões que sucessivamente lhe propuseram os fariseus, Jesus, dando aos homens um ensinamento, se externa, de modo velado, sobre a união do homem e da mulher, do ponto de vista da lei divina e do das leis humanas, das leis civis. Respondendo à primeira pergunta, que lhe dirigiram nestes termos: "É lícito ao homem repudiar sua mulher, por qualquer causa?" diz ele aos fariseus :

"Não tendes lido que aquele que no princípio criou o homem o criou macho e fêmea" e que disse: "Por isto, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão dois numa só carne?"

E acrescentou : "Assim, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu.”

Proferindo essas palavras, Jesus atendia ao presente e preparava o futuro. Só como conseqüência e efeito da depuração moral da humanidade, elas se cumprirão integralmente. Por enquanto, continuam sendo palavras ditas para o futuro. As forças da civilização e do progresso vos têm preparado para essa obra de depuração moral. O progresso se operou penosamente, lentamente, mas operou-se. Aproximam-se os tempos, se bem estejam ainda muito distantes — em que o homem não mais terá que separar o que Deus uniu.

Cada revelação, como sabeis, apropriada sempre ao estado das inteligências e às necessidades da época, tem por objeto e por efeito servir ao presente e preparar o futuro. O véu que cobre 164

7 Gênese, cap. I, v. 27 e cap. II, vv. 17, 21, 22, 23, 24.

cada uma delas tem que ser sucessiva e progressivamente levantado pelas que se lhe seguirem.

Assim, à vossa humanidade foi dado o que ela então podia suportar. Dá-se-lhe atualmente o que suportar ela pode e o que puder ir suportando lhe irá sendo dado, na proporção do desenvolvimento do seu progresso moral e intelectual, até ao dia em que Jesus, vosso protetor, governador e mestre, Espírito da Verdade, como complemento e sanção desta, vo-la vier mostrar sem véu.

A revelação que trazemos vos vem explicar e tornar compreensíveis, em espírito e verdade, o sentido e o alcance das palavras do Cristo.

Já nos ns. 55, 56 e seguintes vos fizemos notar o caráter emblemático da criação segundo a Gênese. A formação do homem e da mulher7, saindo uma e outro das mãos do Criador, como das do oleiro saem as estatuetas de barro, é apenas um emblema representativo da união íntima do macho e da fêmea. Figurou-se que só os dois foram criados, a fim de se não separarem.

Moisés, por intuição e revelações mediúnicas, conhecia a origem da alma. Inspirado e guiado pelos Espíritos superiores, revelou, veladamente, o que sabia da origem humana. Apresentando o homem e a mulher como saídos das mãos do Criador, dava maior importância, quer à obra, quer à queda dos dois e rasgava imensos horizontes ao desejo de coisa melhor. Dizendo que Deus criou à sua imagem o homem e que o criou macho e fêmea, realçava-os a seus próprios olhos', dava-lhes a aspiração do bem, a consciência do que poderiam ser. Ele conhecia, repetimos, a origem da alma, sabia que esta, saída pela vontade de Deus do princípio universal, tem que chegar, progredindo incessantemente, a um estado de pureza que, por assim dizer, a assimila ao Criador. 165

Lembrando as palavras emblemáticas da Gênese e acrescentando: "Assim, já não são dois, mas uma só carne; não separe, pois, o homem o que Deus uniu", mostra Jesus o caráter de indivisibilidade de que, segundo a lei divina, se deve revestir a união do homem e da mulher, para cumprirem os dois, em comum, unidos os corpos e as almas, todos os deveres decorrentes dessa união na peregrinação terrena.

A lei divina não é somente de ordem material, é também de ordem moral. O casamento, sob o ponto de vista da natureza humana, não é mais do que a união de dois corpos para a reprodução. Não se entreguem eles ao deboche, não se maculem, sofram a ação das leis animais da natureza a que pertencem, e a justiça do Senhor não os atingirá.

Mas, ao lado da lei divina de ordem material, que instituiu a união livre dos sexos para cumprimento da de reprodução em todos os reinos da natureza, está a lei divina de ordem moral, isto é, a lei do amor, que vedes a se executar em todos os reinos da natureza, de acordo com a do progresso. No reino animal, observareis aquela lei afirmando-se primeiramente sob a forma da promiscuidade; depois, manifestando em certas espécies os sinais precursores da união intima dos corpos e das almas e, portanto, do cumprimento destas palavras da Gênese, relativas ao homem e à mulher: Serão dois numa só carne.

A união do homem e da mulher virá a ser ao mesmo tempo livre e indissolúvel, de conformidade com o sentido que, em espírito e em verdade, têm aquelas emblemáticas palavras da Gênese, lembradas por Jesus aos fariseus. Tal união virá a ser ao mesmo tempo livre e indissolúvel perante Deus, de acordo com a lei natural, pela união inalterável e solidária dos corpos e das almas. E dará livremente frutos de justiça e de castidade, sob a ação da lei do amor, praticando os dois que assim 166

se unirem, ambos criaturas independentes, livres e responsáveis, todos os deveres que lhes impõem, tanto o estado conjugal, quanto a paternidade e a maternidade com relação aos Espíritos que encarnarem como seus filhos, para se submeterem a novas provas.

A esta outra pergunta dos fariseus:

"Como é então que Moisés mandou que desse carta de repúdio à mulher e a despedisse?"

Jesus respondeu:

"Por causa da dureza de vossos corações é que Moisés vos permitiu repudiásseis vossas mulheres; mas no principio não era assim."

A princípio, a carta de divórcio só podia ser dada à mulher estéril, por ser a esterilidade considerada uma deformidade oculta.

Em tempos mais remotos, quando a ambição, o desejo de acumular riquezas ainda não escravizavam o homem, pouco lhe importava que a sua companheira fosse ou não estéril. Ele satisfazia às exigências da animalidade e nada mais buscava.

Quando se lhe fez sentir a necessidade de formar sociedade, quando os povos pastores surgiram, ou, pelo menos, quando se desenvolveram, a multiplicidade dos filhos se tornou uma riqueza. A partir de então é que a mulher estéril começou a ser perseguida, mesmo eliminada.

À vista dos abusos a que dava lugar esse anseio pelo aumento das populações, Moisés autorizou o divórcio, se bem que nessa época não existissem mais os motivos que faziam outrora desejada a multiplicidade dos filhos. É que o homem, orgulhoso de tudo, entrara a considerar como mérito seu, pessoal, o lhe dever a vida maior ou menor número de entes humanos. A mulher es- 167

téril passou, pois, a ser vítima de todos os maus tratos.

Cumprindo, porém, evitar a dissolução legal dos costumes, praticada abusivamente à sombra da carta de divórcio, porquanto cada homem se acreditava no direito de tomar e abandonar uma mulher logo que houvesse saciado a sua luxúria, Jesus pronunciou estas palavras que, como todas as que proferiu, tinham que produzir frutos no futuro:

Eu, porém, vos digo que aquele que repudiar sua mulher, a não ser por motivo de adultério, e casar com outra comete adultério, assim como também comete adultério aquele que casar com uma mulher repudiada."

Ainda agora, entre vós outros, homens civilizados, mas não depurados, a carta de divórcio, se fosse dada arbitrariamente, ao capricho do homem, não constituiria um pretexto para a libertinagem, uma fonte de dissolução legal dos costumes?

Dizendo que se não separasse o que Deus unira, o Cristo cortou cerce o abuso do século em que desceu à Terra e pôs óbice à corrupção dos séculos que se seguiriam. Mas, ele não condenou dois Espíritos antipáticos a se desencaminharem reciprocamente.

De acordo com a lei divina, não deveis constranger fisicamente dois Espíritos antipáticos a se acotovelarem diariamente. Mas, também não se deve aproveitar dessa faculdade como pretexto para o desregramento. Isto em nada contraria as palavras de Jesus. Ele disse: "Não separeis o que Deus uniu". Porém, não disse: Forçai a viver em comum os que não se podem aproximar sem se excitarem mutuamente à prática de faltas, transgredindo a lei de caridade.

O divórcio não pode existir e não existe perante o Senhor, senão quando um Espírito, pelos 168

seus exemplos ou palavras, impele ao mal um outro com quem antipatize, porque então, na ordem moral, há adultério. Os corpos do homem e da mulher nada valem aos olhos do Senhor, no sentido de que Deus, ao formar o homem e a mulher, cogitou do espírito e não do corpo, mero instrumento, para aquele, das suas provações terrenas, na senda da reparação e do progresso. O Espírito, portanto, é que o homem e a mulher devem preservar de máculas. Sendo um ou outra adúltero, não induz o Espírito que lhe está unido a cometer falta idêntica e isso quer o primeiro seja adúltero, isto é, violador da lei de Deus, de corpo, por entregar-se aos abusos da carne, quer o seja de espírito, por transgredir, com seus exemplos e palavras, a lei de justiça, de amor e de caridade? Não será melhor separar os galhos da árvore do que deixar que esta dê maus frutos?

Notai que entre vós o casamento perde todo o caráter sagrado que deve ter e não passa, na maioria dos casos, da execução de um contrato comercial, no cumprimento de cujas obrigações as duas partes contratantes se mostram mais ou menos escrupulosas.

Ele está submetido a legislações humanas, a leis civis, derivadas da missão terrena de Jesus, como das que Moisés deu ao povo hebreu. Mutáveis, por natureza, como tudo o que, na ordem moral e intelectual, emana da vossa humanidade essencialmente perfectível, essas leis variam de conformidade com os tempos, com os lugares e com o progresso das inteligências. Têm por objeto reprimir, corrigir os abusos e fazer-vos avançar. Essa obra progressiva, mau grado às oscilações, ou às resistências reacionárias, se executa, sob os auspícios das sucessivas revelações, pela impulsão, oculta ou patente, consciente ou inconsciente, que lhe dão os Espíritos do Senhor, providência de Deus entre vós, e os Espíritos encarnados em missão. 169

Até aos vossos dias se hão sucedido as leis civis sobre o divórcio e o casamento, emanadas da renovação social de 1789, que foi um dos mais gloriosos passos da humanidade na estrada do progresso. Elas sofreram as inevitáveis variações devidas sempre à luta incessante entre as influências progressistas e as influências reacionárias, mas a lei do progresso é imutável, como tudo o que vem de Deus.

A lei sobre o casamento precisa ser, depois de profunda meditação, refeita nos moldes da lei natural perante Deus. Mas, para isso, cumpre que as paixões e a cupidez do homem tenham cedido lugar a sentimentos mais elevados. Cumpre que a missão do homem e da mulher seja compreendida no que tem de santo e de grande aos olhos do Senhor. Cumpre que homem e mulher compreendam os deveres imensos que assumem, quando aceitam a responsabilidade do casamento, deveres sagrados aos quais não lhes é permitido esquivar-se, deveres cuja satisfação Deus protege com o seu amor, porque eles consagram as leis da natureza.

A sociedade, porém, está ainda muito submetida aos preconceitos, aos abusos, aos vícios, para que semelhante reforma se possa realizar. Entretanto, cada dia traz o seu grão de areia, que se sobrepõe ao precedente. E esses grãos de areia acabarão por formar uma muralha impenetrável aos vícios da humanidade. Esperai, pois, que o progresso se opere, não vos arrisqueis, com o apressá-lo demasiado, a destruir o bem adquirido.

Homens, tornai-vos o que deveis ser — filhos do Senhor. Suas bênçãos então descerão sobre vós e não mais tereis que separar o que Deus uniu.

Sim, a união do homem e da mulher tem que ser e será o que, em nome do Senhor, Moisés veladamente anunciou, declarando: "Serão dois numa só carne", palavras estas que o Cristo sancionou, dizendo: "Assim, já não são dois, mas uma só 170

carne; não separe, pois, o homem o que Deus uniu."

Como conseqüência e resultado da vossa depuração moral e sob a influência espírita, o casamento tem que ser e será uma escolha livre, aceita livremente diante de Deus e que livremente se manterá até à morte de um dos cônjuges, Será um acordo e um apoio mútuos, que nada poderá romper. Será um concurso nas provações e a firme vontade de, mesmo depois de interrompido na Terra, conservá-lo na erraticidade e nessa vida, para vós futura, na qual, como o disse Jesus, não há "marido e mulher", porquanto a união contraída na Terra constituirá um laço forte a unir, na eternidade, os que o formaram por uma simpatia para sempre inalterável.

Durante largo tempo, a bênção religiosa foi o único ato de consagração do casamento e ainda o será. Nas épocas anteriores à vinda de Moisés, nessas épocas remotas, os pais e os esposos invocavam a bênção do Senhor. Nos tempos hebraicos, que se seguiram àquela vinda, até ao aparecimento de Jesus na Terra, já se tendo estabelecido um formalismo patriarcal, a bênção religiosa tomou um caráter mais ostensivo. Fazia-se mister convidar os parentes e os amigos. Começou aí o orgulho do brilhantismo das núpcias.

Após o advento do Cristo, a bênção nupcial, nos primeiros tempos do Cristianismo, naquela época da revivescência da fé, revestiu caráter mais religioso. O sacerdote implorava para os jovens nubentes a bênção do Pai de todas as criaturas. Mas, pouco a pouco, esse uso degenerou em hábito. O sentimento da fé viva, que reunia na Igreja todos os que se interessavam pelos noivos, com o fim de, juntando suas preces, torná-las mais poderosas, cedeu lugar à sede do fausto, ao orgulho do luxo e da ostentação, corruptor de todos os sentimentos da humanidade.

As núpcias se tornaram ensejo para festas, 171

para exposição de riquezas. Ninguém mais se preocupava com a simpatia dos assistentes, com o fervor das preces que dirigiriam ao protetor do fraco. Passou-se a escolher os convivas dentre os felizes. A bênção do sacerdote se tornou mera formalidade.

No período, em que ides entrar, se bem se ache ele ainda muito distante, o homem será levado a invocar, no silêncio da natureza e na sinceridade da consciência, para si e para a sua companheira, as bênçãos do Senhor, pedindo com humildade a graça de suportarem corajosamente as provas, a força de se elevarem moralmente, mais do que materialmente, a si e aos filhos que lhes incumbirá encaminhar na vida. Mas, para isso, nada de fausto, nada de ruído; apenas as preces dos pais, dos amigos escolhidos, o silêncio e a sombra, a pureza do coração e a esperança em Deus.

A união do homem e da mulher será então, perante Deus, de conformidade com a lei natural, ao mesmo tempo a união livre de dois corpos para a reprodução e a união indissolúvel de dois Espíritos pelo laço divino da lei do amor.

Oh! homens orgulhosos dos vossos costumes, da vossa sociedade, quão velha e horrenda ela é! quão pouco tem os méritos que lhe supondes! Múmia coberta de relíquias douradas e que oculta sua podridão e suas vergonhas sob farrapos de rendas e seda!

Todavia, ainda por muito tempo será assim, pois que só gradual e progressivamente a humanidade será levada ao nível de depuração moral em que o Espírito, purificado, não precisará mais de freios, porquanto buscará espiriticamente a companheira que lhe convenha e, guiado pelo amor e pela caridade, não mais se desfará dela como de um objeto que se torne sem serventia.

Qual dentre vós não cederia à tentação da luxúria? Qual dentre vós se mostraria bastante forte 172

8 (1) Ver adiante o n. 233 relativo aos vv. 10, 11e 12 de MATEUS.

sobre si mesmo para não abandonar a mãe de seus filhos por um capricho de ocasião? Qual dentre vós, mulheres tão orgulhosas das vossas virtudes, a que se achará isenta do desejo de uma mudança?

A ignorância e a seqüestração, de um lado, e, de outro, o excesso de liberdade e a desmoralização, tais os fundamentos das vossas torpezas. 8

Compreendeis agora que se faz mister passem sobre vós muitos séculos para polir todos esses calhaus que resvalaram na lama e para fazer sair deles o diamante que há de brilhar ao sol?

N. 232. Qual deveria ser a regra de conduta dos espíritas a quem fosse recusada a bênção religiosa de acordo com o culto externo da seita no seio da qual a reencarnação os tivesse feito nascer?

Que necessidade tendes dos homens para a invocação da bênção religiosa, que eles vos recusam? Rendei homenagem ao Criador, implorai a sua bênção e esta descerá sobre vós. Estais cercados de levitas — os bons Espíritos, os mensageiros divinos, sempre prontos a vo-la dar em nome do Senhor.

Já vos dissemos : De conformidade com a lei natural e abstração feita de qualquer formalismo religioso, o casamento, aos olhos de Deus, consiste no acordo livre, livremente aceito e, até à morte de um dos cônjuges, mantido pela união dos dois corpos para a reprodução e pela das almas para a execução da lei de amor e de caridade e cumprimento de todos os deveres que aquela união lhes impõe reciprocamente e com respeito aos filhos, que ambos terão de encaminhar na vida.

Importa, porém, não esquecer que o fruto, seja qual for, só é bom quando maduro. Ora, com- 173

quanto vosso Pai não julgue os atos humanos como vós os julgais, evitai o escândalo. Conformai-vos, tanto quanto seja humanamente possível, com as leis que vos regem, assim no que concerne à bênção religiosa, como com relação ao casamento na ordem civil. Ficai certos de que essas leis se modificarão quando as vossas naturezas se houverem modificado. Pretender hoje pôr em prática a lei, aos olhos de Deus, natural, pela união ao mesmo tempo livre e indissolúvel, antes que a depuração moral da humanidade haja preparado e implantado o regímen dessa união, fora querer comer as uvas apenas terminada a floração da parreira. Esperai pela maturação.

Se a intolerância e a cegueira levarem os homens a vos recusar a bênção religiosa que eles ministram, mostrai-lhes que, descendo sobre vós a bênção que implorastes ao Criador e que vos foi dada, em seu nome, pelos levitas que vos cercam — os bons Espíritos, os mensageiros divinos, e praticando vós o casamento segundo a lei natural perante Deus, em vós se cumpriram estas palavras de Jesus : "Já não são dois, mas uma só carne; não separe, pois, o homem o que Deus uniu."

Se fordes obrigados a dá-lo, depois de fazerdes o que seja humanamente possível por evitar o escândalo, esse exemplo ficará sendo uma baliza plantada para orientar a marcha da humanidade na estrada do futuro, que há de ver cumpridas as palavras, que vos vimos de explicar em espírito e em verdade, proferidas pelo Mestre. 174

MARCOS, Cap. X, vv. 10-12. — MATEUS, Cap. XIX, vv. 10-12

Resposta de Jesus à pergunta que lhe dirigiram os discípulos acerca das condições do casamento. Os que são eunucos desde o ventre materno e que assim nasceram. — Os que foram feitos eunucos pelos homens. — Os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus.

MARCOS: V. 10. Em casa, os discípulos o interrogaram de novo a esse respeito. — 11. Disse-lhes ele: Se um homem deixa sua mulher e casa com outra comete adultério por causa da primeira. — 12. E se uma mulher deixa o marido e casa com outro também comete adultério.

MATEUS: V. 10. Disseram-lhe então os discípulos: Se tal é a condição do homem com relação à. esposa, não convém casar. — 11. Jesus lhes disse: Nem todos compreendem esta palavra, mas sim aqueles a quem isso é dado. — 12. Porque, há os que do ventre materno nasceram eunucos; há os que foram feitos eunucos pelos homens e outros há que a si mesmo se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Entenda-o quem puder entender.

N. 233. O que Jesus dissera aos fariseus acerca do que deve ser a união do homem e da mulher segundo a lei divina chamara a atenção dos discípulos, de sorte que, uma vez a sós com o Mestre, o interrogaram de novo a esse respeito. Jesus então, ratificando o que anteriormente havia dito, respondeu: "Se um homem deixa sua mulher e casa com outra comete adultério por causa da primeira; assim como, se uma mulher deixa o marido e casa com outro, também comete adultério."

Jesus, assim falando, tinha em mente aludir à época de progresso e de depuração moral em 175

que, modificadas as vossas leis como conseqüência da modificação das vossas naturezas, a união do homem e da mulher será ao mesmo tempo livre e indissolúvel, segundo a lei natural, à face de Deus, porque será a reunião de dois corpos para a reprodução e a ligação de duas almas pelo laço divino da lei do amor. Nessa época, o homem que abandonar a mulher e esposar outra será declarado adúltero, isto é, infrator da lei natural perante Deus, pela violação do acordo livre, livremente aceito, para ser mantido livremente até à morte de um dos dois.

Tendo esse sentido e esse alcance, as palavras do Mestre não podiam ser compreendidas pelos discípulos. Só o haviam de ser, em espírito e em verdade, pelas gerações futuras, nos tempos preditos da nova revelação. É o que se evidencia da observação que os discípulos fizeram : "Se tal é a condição do homem com relação à esposa, não convém casar."

Não vos admireis de que hajam dito isso. Encarnados, eles se achavam sob a influência dos preconceitos hebraicos. Encarando o casamento apenas do ponto de vista das satisfações sensuais, consideravam um embaraço a obrigação de conservar a mulher que tivessem escolhido, houvesse o que houvesse.

Aquela observação serviu para mostrar que muitos acreditam falar sempre por si mesmos e, no entanto, falam pela inspiração que recebem.

Os discípulos acreditavam falar por inspiração própria. Entretanto, haviam recebido a inspiração e a ela obedeciam, tanto mais facilmente quanto era conforme às idéias que lhes advinham dos preconceitos sob cuja influência se achavam. Foram induzidos a externar essa ponderação, porque suas palavras abririam ensejo a que Jesus desse, como deu, um novo ensinamento que, entregue veladamente às interpretações humanas, serviria àquela época e, por efeito da ação do tempo, 176

do progresso das inteligências e dos esforços e lutas do pensamento, preparariam o futuro. Esse ensinamento, que se destinava a ser explicado e desenvolvido pela revelação atual, quando fossem chegados os tempos, tinha por objetivo indicar aos homens, fazendo-lhes compreender os motivos de incapacidade ou de abstenção do casamento, a maneira por que hão de proceder para praticar, de acordo com a lei divina, a união simultaneamente livre e indissolúvel do homem e da mulher.

"Nem todos, disse Jesus aos discípulos, compreendem esta palavra, mas sim aqueles a quem "isso é dado. Porque, há os que do ventre materno nasceram eunucos, há os que foram feitos "eunucos pelos homens e há outros que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos "céus. Entenda-o quem puder entender."

Aqui tendes, em espírito e em verdade, o sentido dessas palavras. Jesus, por nosso intermédio, vo-lo revela.

Como sabeis, o Espírito, quando reveste o corpo de carne, já tem feito a escolha de suas provações. Bem deveis, portanto, compreender (e a esse respeito já vos demos explicações nos números 2 e 3 do 1º volume) que, antes de começar uma nova existência terrena, ele está destinado à vida de família ou à esterilidade. Os arrastamentos da carne também são muitas vezes uma prova de que lhe cumpre esforçar-se por sair vitorioso. Não é dado, pois, a todos enveredar pelo casamento.

"Há eunucos que o são desde o ventre materno e que assim nasceram."

Espíritos há, conforme acabamos de dizer, que, ao fazerem a escolha de suas provações, se impõem, como uma delas, a resistência às tentações da carne. Há outros que, ao contrário, se 177

sujeitam, por provação, aos desejos veementes da carne e tomam um corpo incapaz de corresponder às exigências do Espírito. Dizemos às exigências do Espírito — porque, como não ignorais, o Espírito "material" concorre para as sensações carnais e muitas vezes a imprudência do Espírito é que arrasta o corpo a abusos perniciosos. Não tendes o exemplo de Espíritos errantes perseguidos sem cessar pela concupiscência que, não podendo ser satisfeita, constitui para eles uma tortura?

Pode dar-se que na encarnação que se seguir essas tendências subsistam. O Espírito sofre então o castigo corporal da impossibilidade de ceder a tais inclinações.

Por "espírito material" entendei aquele cujos pendores são todos para a matéria e que lhe sentem a influência mesmo quando dela desprendidos, isto porque o perispírito corresponde sempre ao desenvolvimento espiritual. O de um Espírito pouco adiantado, sujeito, conseguintemente, às atrações da matéria, é muito espesso e bastante aproximado, embora o não vejais, das matérias que compõem os vossos corpos. Assim, o Espírito desencarnado nessas condições pode perfeitamente ser considerado material, no sentido de que seus gostos, pendores e constituição perispirítica muito próximos estão da matéria.

Compreendem, portanto, aqueles que do ventre materno saíram eunucos, aqueles cuja natureza os mantém por essa forma excluídos das exigências da carne, a causa e o objetivo de tal provação, que eles próprios escolheram. Não lhes assiste o direito de, visando quaisquer interesses pessoais, condenar a viver sob o seu jugo uma mulher, qual pássaro privado da liberdade. A natureza humana e suas necessidades constituem um meio que o homem tem para progredir e do qual lhe cumpre tirar proveito. Tudo pode servir para o progresso humano, contanto que este seja bem dirigido. 178

Esses Espíritos, que como eunucos encarnam, faliram gravemente em existências anteriores, cedendo aos mais culposos transviamentos da carne, esquecidos do que deve ser a união animal segundo a lei divina, olvidados dos deveres da vida de família. Esforçando-se por triunfar da prova, eles, na causa determinante da impotência que lhes é infligida, têm que haurir a inteligência e a força necessárias para vencerem essas tendências, esses desejos da carne, para fazerem de tal impotência, que de outra forma seria uma tortura, meio de depuração moral, de progresso. Assim, pela predominância do Espírito sobre a matéria e por uma vida de castidade, irão preparando-se para se tornarem capazes do casamento e da vida de família, segundo a lei natural aos olhos de Deus, noutra existência.

Haverá nessa prova alguma coisa de molde a vos surpreender? Não vejais no curso dos acontecimentos humanos senão fatos destinados a apagar faltas passadas e a vos manter em guarda contra fatos futuros.

"Outros há que os homens fizeram eunucos."

A castração era de uso corrente na época em que Jesus falava aos homens, uso esse que se conservou por muito tempo depois e que ainda se observa em certos países. Alguns sofrem essa operação para adquirirem belas vozes, ou para se tornarem guardas a quem se possam confiar sem temor as mulheres de um harém. Outros são castrados por vingança. Incluí, entre os que os homens fizeram eunucos, aqueles que se tornaram impotentes por efeito de precoces desregramentos devidos aos conselhos e aos exemplos maléficos, ou ainda aos abusos praticados pelo homem com a criança. Uma educação perniciosa, o vício a que o menino é arrastado, ou por si mesmo ou pela ação malévola do homem, também conduzem àquela 179

funesta conseqüência. Vergonhas da humanidade, que se refletem sobre a vida inteira, enervando e neutralizando as forças geradoras. Não conheceis homens desses? Não são eles os eunucos da vossa civilização?

Que tão bárbaros costumes, tão odiosos atos, todas essas vergonhas da humanidade desapareçam do vosso planeta! Aqueles que os homens fizeram eunucos pela violência, pelo crime, não devem ver nesse fato senão uma expiação destinada a apagar faltas do passado e, como conseqüência de tal expiação, uma prova a suportarem. Aqueles que os homens tornaram os eunucos da civilização, esses que reconheçam terem falido gravemente nas suas provas.

Abstenham-se do casamento uns e outros, bem como os que nasceram eunucos, e tirem da causa da impotência a que se vêem condenados a inteligência e a força necessárias para vencerem as tendências, os desejos da carne, para fazerem de tal impotência, que de outra forma seria uma tortura, meio de depuração moral, de progresso, meio de se prepararem, pela predominância do Espírito sobre a matéria e por uma vida de castidade, para se tornarem, noutra existência, capazes do casamento e da vida de família, segundo a lei natural aos olhos de Deus.

"Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus."

Só devem procurar constituir família os que se sintam bastante fortes para aceitarem, de acordo com a lei divina, as condições da união animal. Não cogite de constituí-la aquele que se sinta leviano e inconstante, que não reconheça em si inclinação para a vida de família, que, numa palavra, não se sinta suficientemente forte para resistir às tentações da carne, aos desfalecimentos da humanidade. Não cogite do casamento esse, 180

porque arrastará na sua queda a companheira a quem se haja unido e os filhos que lhe tenham nascido.

Dos sofrimentos e mesmo das faltas que aquela e estes viessem a cometer em virtude dos exemplos recebidos, terá ele que dar conta. Está visto que aqui nos referimos tanto à mulher como ao homem. Faça-se eunuco, renunciando aos seus desejos, aquele que se achar em tais condições.

Só se fizeram eunucos por causa do reino dos céus os que, não se sentindo com forças para cumprir os deveres que lhes impõem o casamento, a família, renunciaram e renunciam a uma e outro, preferindo combater seus desejos a arrastar outras criaturas à devassidão. Eis porque nem o homem, nem a mulher devem realizar tão sério ato, senão quando se reconheçam com forças para levá-lo a bom termo, seja estéril ou fecundo o casamento. Aquele que, estéril num ponto, é fecundo noutro, vem a falir nas suas provas, propagando o espírito de libertinagem e pregando a revolta contra as provações. Grande é a responsabilidade dos que atraem a si Espíritos culpados, para os erguer e encaminhar, para os fazer progredir. Mas também grande é a ventura dos que bem compreenderam o seu encargo no casamento e na família. A estes, tendo reconduzido ao aprisco ovelhas desgarradas, o pastor considera bons servidores.

"Entenda-o, disse Jesus, quem puder entender!"

Jesus assim se exprimiu porque, de um lado, não deviam suas palavras ser tomadas unicamente no sentido próprio, mas também num sentido figurado, sentido este em que poderiam ser bem ou mal compreendidas; de outro lado, ele não queria que, desenvolvendo o seu pensamento, seu discurso tomasse uma forma precisa. Os tempos, os preconceitos, os costumes e o estado das inte- 181

ligências da época exigiam que aquelas palavras fossem veladas, a fim de que pudessem, repetimo-lo, servir ao presente e preparar o futuro. Tudo, até mesmo os abusos que se deram e que hoje vos assinalamos, tem a sua razão de ser, no encadeamento dos sucessos humanos, das interpretações humanas, como condição e meio do progresso moral e intelectual.

Nem todos compreenderam as palavras do Mestre. Houve quem tomasse no seu sentido próprio estas: "Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus." Como Orígenes que, julgando-se a isso autorizado, se fez eunuco, para colocar-se ao abrigo da calúnia, quando, encarregado de instruir os fiéis de Alexandria, os homens e as mulheres acorriam em multidão à sua escola, alguns outros quiseram mutilar-se ou ser mutilados, visando com isso responder ou forrar-se a falsas acusações de imoralidade. Outros, impelidos por uma fanatismo cego, foram levados a mutilar-se com o fim de porem termo aos ímpetos da natureza.

Também houve os que tomaram em sentido figurado aquelas palavras e as interpretaram erroneamente, vendo no estado de continência voluntária e perpétua o meio, por excelência, de ganha-rem o reino dos céus. Dessa interpretação errônea se originaram os votos de celibato dos padres e de todas as ordens religiosas e monásticas dos dois sexos.

Tudo tem a sua razão de ser, repetimos mais uma vez, até mesmo os abusos que hoje assinalamos.

As associações religiosas foram a salvaguarda dos primeiros tempos. No seio delas se refugiavam os fracos, os perseguidos; as ciências e as artes se desenvolviam ao abrigo das violências dos homens e dos poderosos. Eram asilos abertos a tudo quanto a brutalidade houvesse destruído. Desde, porém, que foram desaparecendo as causas 182

que as fizeram surgir, elas deveram ter sido modificadas.

Não condenamos as associações de homens ou de mulheres que, não se sentindo com a energia necessária para viverem no turbilhão do mundo, buscam, no silêncio do retiro, a sombra e a calma indispensáveis ao cultivo e ao desenvolvimento das faculdades úteis a todos e cuja expansão o rumor da vida mundana não permite. Mas, preciso é que essas comunidades se constituam pela comunidade de sentimentos, de gostos, de desinteresse, de generosidade, que sejam estufas onde as plantas delicadas encontrem a temperatura propícia a se desenvolverem, de modo a poderem espalhar pelo mundo os frutos maduros e saborosos que produzam num meio favorável. Preciso é que a liberdade seja grande, que nenhuma cadeia os traga forçadamente presos, que o mesmo desejo de progredir os ligue e que todos quantos, desenvolvidos no silêncio, se sentirem bastante fortes para voltarem à vida de família, tenham a liberdade de fazê-lo, quando bem lhes pareça. Queremos a liberdade de espírito e de ação, sempre usada em proveito de todos e posta ao serviço do progresso de todos.

Contai entre os fanáticos ou os egoístas os que se seqüestram para fugir às leis naturais e que, esquivando-se aos encargos da família, caem, à sombra do claustro e sob a capa da piedade, em desregramentos piores do que quantos, na sua torrente, arrastam os desgraçados que se acham imersos nos vícios das vossas sociedades. Dizemos piores, porque esses tais não têm escusa admissível, uma vez que, na maioria dos casos, a preguiça, o egoísmo, ou outro qualquer sentimento pessoal são o que os impele a semelhante gênero de vida, improdutivo para si próprios e para todos. Membros inúteis da grande família humana, ramos mortos que prejudicam a saúde da árvore, secando a seiva dos galhos vivos que 183

os cercam, eles não trabalham "para o reino dos céus" e o sacrifício a que se votam, infrutífero para todos, se lhes torna uma causa de condenação.

N. 234. Interpretando as palavras de Jesus (MATEUS, vv. 10, 11, 12), especialmente estas: "Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus", muitos se têm delas valido para dizerem e ensinarem — "que o estado de continência voluntária e perpétua, tomado para agradar a Deus, é um dom do próprio Deus e constitui a única virgindade que ele se compromete a recompensar; — e que Jesus aprovou os votos, implícitos ou explícitos, de celibato e os aconselhou", sendo isso o que levou a Igreja a fazer do celibato uma condição obrigatória para os padres e os membros das ordens monásticas e religiosas de ambos os sexos.

O ponto de partida era bom; falsa, porém, a aplicação. Pela inteligência, que vos demos, das palavras de Jesus, para que as entendais em espírito e verdade, deveis perceber que a Igreja não as compreendeu e lhes deu falsa aplicação.

Sim, o celibato voluntário é agradável ao Senhor, quando promana de um sentimento puro e desinteressado. Desde que não se sintam fortes para cumprir dignamente, com a abnegação e o desinteresse necessários, os deveres que a constituição da família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus, o homem e a mulher, abstendo-se de a constituírem, qualquer que seja o sacrifício material, carnal, que isso lhes custe. Quer um, quer outro, porém, deve ter e conservar sempre a liberdade de se encaminhar para o matrimônio, para a vida de família, logo que se sinta com força bastante para cumprir, segundo a lei divina, as obrigações que daí decorrem. Em se verificando tal condição, enveredar por aquele caminho representa ao mesmo tempo uma necessidade e um dever, pois que será a consagração das leis da natureza. 184

Repetimos: o homem e a mulher que não sentirem em si a força de cumprir dignamente, com a abnegação e o desinteresse precisos, os deveres que a família impõe, fazem bem, aos olhos de Deus, em se absterem de a constituir, qualquer que seja o sacrifício material, carnal, que isso lhes custe. Mas, que essa abstenção não venha a subtrair da grande família humana um número considerável dos seus membros; que não se torne uma coroa que cause orgulho, sob a influência deletéria, ou do misticismo, ou da preguiça, ou do fanatismo, ou da ambição, ou do egoísmo. Para que serviria em tal caso? Para alimentar no coração o orgulho, o desvario e para fortalecer uma confiança ilusória.

Não disse Moisés que Deus fizera ouvir estas palavras : "Não é bom que o homem esteja só"? Não, não é bom que o homem esteja só, porque, em contraposição a um que saiba dominar a carne, mil outros sucumbirão na sombra sob o seu jugo e se tornarão hipócritas.

Homens, sois solidários uns com os outros, devei-vos auxílio e amparo mútuos. Não desmancheis, pois, a obra de Deus. À obra, indolentes, à obra! Tendes o dever de trabalhar para o empreendimento geral; estais na obrigação de trazer a vossa gota dágua para o rio que corre sem cessar.

A Igreja se extraviou, interpretando as palavras de Jesus no sentido de fazer do celibato perpétuo, por voto explícito, uma obrigação imposta ao padre e aos membros das ordens religiosas e monásticas dos dois sexos; de prescrever, por voto implícito, ao homem ou à mulher que se sentem fortes bastantes para o casamento, para a vida de família, que se furtem às leis naturais, que se seqüestrem, como meio de ganhar o reino dos céus.

Jesus prometia recompensa à virgindade, mas a virgindade que, constantemente livre de querer é oriunda de um sentimento puro e desinteres- 185

sado, no sentido que vos acabamos de revelar, das suas palavras, se mostre ativa e produtiva. Jamais ele prometeu recompensa alguma à preguiça, à indolência.

Entre vós, alguns conquistaram a palma do triunfo. Quantos outros, porém, a viram cair a seus pés, reduzida a pó, justo no momento em que supunham poder arrebatá-la!

Assim, condenais, em nome de Jesus, o celibato que a Igreja impôs, como condição e regra, ao padre, a título de ensinamento da lei evangélica que o divino modelo resumiu nestes dois mandamentos, que declarou encerrarem, para todos os homens (Judeus e Gentios) toda a lei e os profetas: amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo?

Sim, três vezes sim. Já o temos dito: os padres devem poder, como os outros homens, buscar o casamento, a vida de família, uma vez que se sintam fortes bastante para lhe cumprirem as obrigações perante Deus, de acordo com a lei natural. Devem dar o exemplo de todas as virtudes que pregam.

Ora, quais são os frutos do celibato perpétuo, desde que seja imposto, obrigatório? Para muitos — a hipocrisia nas dissoluções ocultas que os arrastamentos da carne produzem e que a faculdade de casar, de constituir família, teria evitado, mediante a união conformemente à lei divina. Não raro, os frutos de tal celibato são a ignomínia e a condenação que a justiça humana inflige, quando a luz da publicidade e das provas se projeta sobre essas devassidões.

Como praticam eles as leis da família? Na maioria dos casos, afastados de seus lares, com os corações fechados às afeições tão doces do interior, levam uma vida factícia, que só desenvolve e alimenta o egoísmo, o orgulho e lhes estiola as faculdades da alma. 186

Servidores inúteis, criam para si uma tarefa inútil. Não compreendendo a lei, fazem a lei.

Guias cegos, eles conduzem seus guiados pelas trevas em que caminham. Falamos aqui dos que são padres, como outros são escritores, sapateiros, músicos, ou o que quer que seja, e para os quais o sacerdócio é um meio de saírem da esfera rasteira em que deveriam viver, um estrado para galgarem o primeiro degrau da escada tão perigosa das honrarias e da fortuna.

Longe de nós o pensamento de acusar o pastor humilde que apascenta suas ovelhas no campo da verdade e com a sinceridade no coração, seja qual for a sua ignorância, seja qual for o caminho falso por onde se tenha embrenhado. A intenção, quando pura, purifica os atos. Para esses, a coroa será tecida com as flores que os orgulhosos acreditavam por si mesmos colher.

Combatam com valor e permaneçam no campo de batalha os que se sintam fortes contra a carne, mas fracos ante as obrigações da família, porquanto, se se retirarem da luta, como poderão ser vitoriosos?

Cada um deve experimentar-se a si mesmo e jamais enveredar por um caminho, qualquer que este seja, senão com o firme e consciente propósito de ir até ao fim.

Que se deve pensar das ordens religiosas que praticam a hospitalidade, a caridade, e às quais o celibato também é imposto?

A cada um, de acordo com as suas obras. A obra é conseqüência do pensamento. O egoísmo não pode produzir senão frutos mirrados.

Essas ordens terão que se sumir ou se modificar em conseqüência do advento da era nova, por efeito da sua influência e da sua atividade, pela conquista da liberdade sob as irradiações da luz que a revelação espírita atual vem projetar, explicando e amplian- 187

do, em espírito e verdade, o pensamento de Jesus, oculto nestas palavras: "Há os que se fizeram eunucos por causa do reino dos céus"?

Sumir-se, não; modificar-se, sim. Porque, ao contrário, vereis as associações de caridade se constituírem e se multiplicarem ao infinito. Mas, então, elas seguirão a rota simples e generosa que devem seguir, trabalhando pelo bem geral, na liberdade do Senhor, sob os auspícios e a ação das leis de liberdade, de solidariedade e fraternidade humanas, e não pelo bem de cada individualidade, o que afinal é usura mística, reprovada pelo Criador.

N. 235. PRETENDEU-SE que os versículos 10, 11, 12, de MATEUS eram uma interpolação, praticada por algum Gnóstico ou Maniqueu, que se aproveitou de uma palavra relativa ao casamento para introduzir, no texto evangélico, um pretenso testemunho em favor das opiniões da sua seita acerca do celibato ou mesmo da castração. ACRESCENTOU-SE: que o ardoroso misticismo desses sectários e também dos cristãos, cujas idéias se aproximavam das deles, não recuava sequer ante esta última e terrível conseqüência; que a história de Origens é por demais conhecida para que seja preciso recordá-la; que Justino, em sua primeira Apologia (XXIX), cita o exemplo análogo de um mancebo de Alexandria que, para responder às acusações de imoralidade que lhe faziam, quis submeter-se à mutilação, sendo, porém, impedido de levar a efeito esse propósito, graças ã oposição do magistrado romano; E QUE a algum místico dessa espécie se deve atribuir a intercalação dos vv. 10, 11 e I2 no Evangelho de Mateus.

Semelhantes interpretações só se podem atribuir à orgulhosa ignorância dos materialistas ou à dos homens que não sabem compreender o pensamento do Cristo, por incapazes de levantar o véu da letra que intencionalmente, como convinha, cobriu o espírito. 0 orgulho, o desejo de criar 188

novidades sempre arrastam o homem. Desprovido de sentimentos puros, únicos que lhe podem dar luz, ele envereda pelo caminho tenebroso. Todavia, como já vos temos dito, todos os desmentidos opostos às verdades recebidas também atingem os erros e as falsidades aceitas e, assim, sempre servem. Quando soar a hora, a verdade se erguerá pura e vitoriosa, deixando o solo a seus pés juncado de erros e falsidades que, em torno dela, desmoronarão. Não temais, pois, os ataques de todos esses livres pensadores, cuja liberdade consiste em tudo destruir irrefletidamente, em destruir o que são incapazes de substituir. Eles semeiam e vós colhereis.

A resposta de Jesus aos discípulos vos foi por nós, em seu nome, explicada e desenvolvida, em espírito e verdade. O que estava secreto está agora conhecido, o que estava oculto está agora descoberto. 189

MATEUS, Cap. XIX, vv. 13-15. — MARCOS, Capítulo X, vv. 13-16. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 15-17

A humildade, fonte de todas as virtudes, de todos os progressos, caminho único que leva à perfeição

MATEUS: V. 13. Apresentaram-lhe então algumas crianças para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Como os discípulos as repelissem com palavras rudes, — 14, Jesus lhes disse: Deixai as crianças; não as impeçais de vir a mim, porquanto dos que se lhes assemelham é que é o reino dos céus. — 15. E, depois de lhes impor as mãos, dali se afastou.

MARCOS : V. 13. E lhe apresentavam crianças para que as tocasse. Os discípulos, porém, repeliam com palavras rudes os que as apresentavam. — 14. Vendo isso, Jesus se indignou e lhes disse: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porquanto o reino dos céus é dos que forem tais como eles. — 15. Em verdade vos digo que aquele que não receber, como a uma criança, o reino de Deus, nele não entrará. — 16. E, abraçando as crianças e lhes impondo as mãos, as abençoava.

LUCAS: V. 15. Alguns também lhe traziam crianças para que as tocasse. Vendo isso, os discípulos os repeliam com rudeza. — 16. Jesus, porém, as chamou para junto de si e disse: Deixai vir a mim as crianças, não o impeçais, porquanto o reino de Deus é dos que forem como as crianças. — 17. Em verdade vos digo que aquele que não receber, como a uma criança, o reino de Deus, nele não entrará.

N. 236. Já vos demos (n. 201, 3° vol.) explicações suficientes a este respeito. Jesus repetia essas palavras a fim de que se gravassem na memória dos discípulos. Era sempre o mesmo pensamento, expresso em termos diferentes, em oca- 190

siões e lugares diversos. A simplicidade de coração e a humildade de espírito são, ao mesmo tempo, a base, a fonte, o meio e o caminho de se alcançarem as virtudes, a depuração, o progresso, que levam à pureza, à perfeição. 191

LUCAS, Cap. XVIII, vv. 1-8

Parábola da viúva e do mau juiz

LUCAS: V. 1. Disse-lhes também esta parábola, a fim de mostrar que é preciso orar sempre e não se cansar de o fazer: — 2. Havia, em certa cidade, um juiz que não temia a Deus, nem se importava com os homens. — 3. Havia também, na mesma cidade, uma viúva que freqüentemente o procurava, dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. — 4. Ele por muito tempo não a quis atender; mas, por fim, disse de si para si: Se bem que eu não temo a Deus e não considero os homens; — 5, todavia, pois que esta viúva me importuna, far-lhe-ei justiça, para que afinal não me venha a fazer qualquer afronta. — 6. Ouvi, acrescentou o Senhor, o que disse esse mau juiz. — 7. Como deixará Deus de fazer justiça a seus eleitos, que para ele apelam dia e noite, como suportará que indefinidamente os oprimam? — 8. Em verdade vos digo que cedo lhes fará justiça. Supondes, porém, que, quando o filho do homem vier, achará na terra fé?

N. 237. Apresenta-se-vos como exemplo um homem sem princípios, sem fé, e que cede unicamente à importunação da viúva para lhe fazer justiça. Notai que se diz apenas justiça. Com mais forte razão deveis esperar que o Senhor atenda às vossas súplicas perseverantes e fervorosas, uma vez que justas sejam.

O Espírito não está sujeito às limitações do tempo, só o corpo suporta os instantes da sua duração. Não vos preocupe, portanto, a demora com que sejam deferidos os vossos rogos. Nenhuma só das vossas palavras se perde. Lá onde o tempo não tem limites se vos depararão os efeitos delas.

(V. 7.) Cada um obterá conforme as suas obras, quando for chegado o tempo. Dando-se a 192

cada um de acordo com as suas obras, a cada um justiça é feita: ao justo, a recompensa; ao culpado, o castigo. Graças à revelação espírita, já conheceis, em espírito e verdade, o sentido e o alcance destas palavras: — recompensa e castigo.

(V.8.) A justiça do Senhor se executa incessantemente. Cuidem os que lhe quiserem sentir os doces efeitos de se colocar entre os escolhidos, o que, aqui, significa — os que seguem as pegadas do Mestre.

O filho do homem foi e é, entre vós, a personificação da sua doutrina moral. O Cristo aludia à nova era, predita, do Espiritismo, do advento do espírito, era que se abre diante de vós e que tem por fim preparar a vinda do mesmo Cristo, em todo o seu fulgor espírita, como soberano visível para as criaturas depuradas e existentes na Terra, também depurada. Aludia a essa era nova que, pela revelação espírita, vem restabelecer a lei tal como dele emanou.

Estas palavras : "Supondes, porém, que, quando o filho do homem vier, encontrará fé na Terra?" significam que, quando a lei pura, personificada pelo filho do homem, for trazida pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, não haverá uma fé geral. Podeis julgá-lo por vós mesmos: O filho do homem volta a restabelecer entre vós o seu reino; encontra ele na Terra fé?

Tem-se pretendido que "nenhuma ligação existe entre essas palavras: "Supondes, porém, que, quando o filho do homem vier, encontrará fé na Terra?" E AS QUE AS PRECEDEM : "Em verdade vos digo que cedo lhes fará justiça."

Os que assim pensam não refletem que, ao contrário, aquelas palavras se ligam diretamente à justiça que será feita aos escolhidos, isto é: aos que, tendo fé, fé verdadeira, traduzida em obras, seguem as pegadas de Jesus e aos que, não 193

tendo fé ativa, produtora de obras de justiça, de amor e de caridade, se afastam daquelas pegadas e oprimem os escolhidos, perseguindo-os física ou moralmente. Em não havendo na Terra fé, haverá castigo. Uma coisa é conseqüência da outra. 194

LUCAS, Cap. XVIII, vv. 9-14

Fariseu e publicano

V. 9. Propôs também a seguinte parábola a alguns que confiavam em si mesmos, considerando-se justos, e desprezavam os outros: — 10. Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. — 11. O fariseu, de pé, orava, dizendo intimamente: Meu Deus, graças te dou por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como este publicano. — 12. Jejuo duas vezes na semana e pago o dizimo de tudo o que possuo. — 13. O publicano ficara de longe, não ousava sequer elevar os olhos para o céu; mas, batendo nos peitos, dizia: Meu Deus, tem piedade de mim, pecador. — 14. Digo-vos que este voltou justificado para sua casa e não o outro; porque, todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado.

N. 238. No orgulho tem o homem o seu mais encarniçado inimigo, por ser o que mais se lhe infiltra no coração e o que mais obstinadamente se lhe agarra.

Peca por orgulho todo aquele que, seja no que for, se julgue superior ao seu irmão.

Que merecimento tem ele perante o Senhor? Em ser um rigoroso observador da lei não faz mais do que cumprir estrito dever. Incorre, pois, em grave falta querendo, por assim dizer, impor ao seu Criador a obrigação de levar em conta o mérito que se atribui a si mesmo. Peca contra a caridade, julgando mal o seu irmão, pois que, sejam quais forem as aparências, o irmão, por muito miserável, culpado mesmo, que pareça, pode ter o coração mui puro, pode, quando menos, possuir a humildade que lhe permite uma justa apreciação de si mesmo e o coloca em condições de reprimir em si o mal. 195

Sede severos convosco, brandos e indulgentes com os outros.

"O publicano voltou para casa justificado. "É que fizera justiça a si próprio, reconhecendo a sua enfermidade. Estava, portanto, no caminho do bem. Um mal reconhecido deixa de existir, a partir do momento em que se lhe aplica o remédio.

O fariseu não foi justificado, porque fizera ato de orgulho e faltara à caridade para com um de seus irmãos, em vez de fazer ato de humildade perante o Senhor, por motivo das suas faltas, ainda que mínimas fossem.

"Aquele que se exalta será humilhado e o que se humilha será exaltado." Constituindo o orgulho uma falta grave, o que se exalta será punido. Sendo a humildade sincera o melhor agente da reforma, o progresso será a sua conseqüência. 196

MATEUS, Cap. XIX, vv. 16-26. — MARCOS, Capítulo X, vv. 17-27. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 18-27

Parábola do mancebo rico

MATEUS: V. 16. Eis que um mancebo, dele se aproximando, lhe disse: Bom Mestre, que bem devo fazer para alcançar a vida eterna? — 17. Jesus lhe respondeu : Porque me chamas bom? Bom só Deus o é. Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos. — 18. Perguntou-lhe o mancebo: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não darás falso testemunho; — 19, honra a teu pai e a tua mãe e ama a teu próximo como a ti mesmo. — 20. Retrucou o mancebo: Todos esses mandamentos tenho guardado desde a minha juventude; que mais me falta? — 21. Disse Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. — 22. Ao ouvir essas palavras, o mancebo se retirou triste, porque muitos eram os bens que possuía. — 23. Disse então Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que difícil é um rico entrar no reino dos céus. — 24. Digo-vos mais ainda: É mais fácil passar um camelo por um fundo de agulha do que um rico entrar no reino do céu. — 25. Ouvindo isto, seus discípulos, muito espantados, perguntaram: Quem pode então ser salvo? — 26. Jesus, fitando neles o olhar, disse: Impossível é isto para os homens, mas para Deus tudo é possível.

MARCOS: V. 17. E, indo ele pela via pública, um homem veio a correr e, ajoelhando-se-lhe aos pés, lhe falou assim: Bom Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna? — 18. Disse Jesus: Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão somente Deus. — 19. Conheces os mandamentos: não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não praticarás fraude, honra a teu pai e a tua mãe. — 20. Ao que o homem retrucou: Mestre, todas essas coisas tenho eu observado desde a minha 197

mocidade. — 21. Jesus, olhando para ele com amor, lhe disse: Falta-te ainda uma coisa: vai, vende tudo o que possuis, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. — 22. Mas o homem, aflito com aquelas palavras, se retirou triste, pois possuía grandes riquezas. — 23. Jesus, olhando à volta de si, disse a seus discípulos: Quão difícil é que entrem no reino de Deus os que possuem riquezas! — 24. E como os discípulos se mostrassem espantados com as suas palavras, ele lhes repetiu: Filhinhos, quão difícil é que entrem no reino de Deus os que confiam nas riquezas! — 25. Mais fácil é que um camelo passe por um fundo de agulha do que entrar um rico no reino de Deus. — 26. Maior ainda se tornou o espanto dos discípulos, que uns aos outros diziam: Quem pode então ser salvo? — 27. Jesus, porém, fitando-os, disse: Isto para os homens é impossível, mas não para Deus, a quem tudo é possível.

LUCAS: V. 18. Um homem de destaque o interrogou por esta forma: Bom Mestre, que hei de fazer para ganhar a vida eterna? — 19. Respondeu-lhe Jesus: Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão somente Deus. — 20. Conheces os mandamentos: não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe. — 21. Replicou o homem: Todos esses mandamentos tenho guardado desde a minha mocidade. — 22. Ouvindo isso, disse-lhe Jesus: Ainda uma coisa te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. — 23. O homem, porém, tendo escutado essas palavras, se entristeceu, pois que era muito rico. — 24. Vendo Jesus que ele ficara triste, disse: Quão, difícil é que os que possuem riquezas entrem no reino de Deus! — 25. Mais fácil é um camelo passar por um fundo de agulha do que um rico entrar no reino de Deus. — 26. Os que o ouviam lhe disseram: Quem pode então ser salvo? — 27. Respondeu-lhes Jesus: O que é impossível para os homens é possível a Deus.

N. 239. O mancebo, impelido por uma influência espírita a ir ter com Jesus, tinha que servir de exemplo e de lição aos que o cercavam. 198

Naquela circunstância, como sempre que era conveniente ou oportuno, Jesus recorreu a imagens e locuções materiais, com o fim de tocar e impressionar fortemente as inteligências da época, de servir ao presente e preparar o futuro, de extirpar o egoísmo e o apego aos bens terrenos, de preparar o advento do espírito, para quando o reinado da letra houvesse produzido todos os seus frutos.

(Mateus, vv. 16-17; Marcos, vv. 17-18; Lucas, vv. 18-19.) Com esta observação "só Deus é bom", Jesus proscrevia de antemão toda a divindade que os homens, sabia-o ele pela sua presciência, lhe haviam de atribuir. Dá a entender (e deveram tê-lo notado mais cedo) que, conquanto se cognominasse de filho de Deus, conquanto o anjo o tivesse designado por filho do Altíssimo na revelação feita a Maria, ele não se considerava Deus, de quem, falando mais tarde, disse ser o único Deus verdadeiro, uno, indivisível, criador incriado, que cria, mas não pelo fracionamento da sua essência. Se assim não fora, o qualificativo de bom lhe pertencia a ele Jesus, que era bom por excelência, entre e acima dos homens. Dá, pois, a entender que é filho de Deus ou filho do Altíssimo (o que vem a ser o mesmo, porquanto o Altíssimo é Deus) no sentido das palavras pronunciadas pelo profeta (Salmo 81, vv. 1-6) e que se aplicam igualmente a todos os Espíritos criados. Dá a entender, finalmente, que, em face do monoteísmo do Deus de Israel, ninguém poderia chamar-lhe Deus, senão no sentido de tais palavras, colocando-o segundo o politeísmo antigo, na categoria "dos Deuses", sem que, entretanto, ele deixasse de ser, como todos os Espíritos criados, filho do Altíssimo (do Deus dos Deuses, conforme ao Salmo citado).

A vida eterna, que, do ponto de vista espírita, é a vida normal e final do Espírito, este não a 199

ganha senão quando haja atingido a perfeição moral, senão quando, chegado à condição de puro Espírito, liberto de todas as influências da matéria, vem a achar-se em relação direta com o seu Criador, podendo, então, dizer, como Jesus : "Meu pai e eu somos um."

(Mateus, vv. 18-19-20-21; Marcos, vv. 20-21; Lucas, vv. 20-21-22.) Jesus lembra os mandamentos a que os homens devem obedecer, dados por Moisés aos Hebreus, e que se resumem no seguinte: jamais fazer aos outros o que não quisermos que nos façam, observando o Decálogo e abstendo-nos de praticar, por pensamento, por palavra e por obra, qualquer deslealdade, de cometer qualquer fraude contra os nossos irmãos, material, moral, ou intelectualmente; — fazer aos outros tudo quanto quereríamos que nos fizessem, amando o nosso próximo como a nós mesmos, praticando para com ele a justiça, a caridade material e moral, o devotamento e a renúncia de si mesmo.

O sacrifício imposto ao mancebo tinha por fim mostrar, não que ninguém possa chegar a Deus senão despojando-se de todos os bens humanos, mas apenas que nenhum fruto produz a prática das virtudes e dos mandamentos, se não é escoimada de egoísmo e santificada pela caridade. A caridade e o esquecimento de si mesmo faltavam àquele mancebo. Por isso foi que Jesus lhe disse : "Ainda te falta uma coisa", velando com a letra da imposição de um sacrifício absoluto dos bens humanos, para melhor tocar as inteligências dos homens materiais a quem falava, o espírito do ensinamento moral que a revelação espírita, cujos órgãos somos, explicaria às gerações vindouras, quando estas se mostrassem capazes de o suportar. Esse ensinamento era o de que onde está o tesouro lá também está sempre o coração.

(Mateus, vv. 22-23-24; Marcos, vv. 23-24-25; Lucas, vv. 23-24-25.) Jesus, que lia o pensamento 200

do seu interlocutor, lhe pressentira a tristeza. Daí vem o ter escolhido o momento em que ele se dispunha a retirar-se para dirigir aos discípulos estas palavras, que o mancebo ouviu antes de se afastar dali:

"Quão difícil é que os que possuem riquezas entrem no reino de Deus, no reino dos céus."

E acrescentando ao que dissera esta imagem material: "Mais fácil é que um camelo, ou um cabo, passe por um fundo de agulha, do que entrar um rico no reino de Deus, no reino dos céus", ele o fez para tocar e impressionar fortemente a inteligência das massas, proclamar que fora da caridade não há salvação e também para preparar as gerações futuras a compreenderem, pela revelação espírita, que a riqueza constitui, para o homem, uma das provas mais temíveis, um obstáculo absoluto a todo progresso moral, quando, nas suas mãos, não se torna um instrumento e um meio de praticar a caridade e o amor para com seus irmãos.

Da riqueza se originam geralmente o egoísmo e o apego aos bens terrenos. E o homem não pode progredir rapidamente sem ser por meio da caridade, da abnegação, da renúncia de si mesmo.

A justiça se contém nos limites do justo e do injusto, do direito e do ilegal. Aquele que pratica a justiça no sentido humano nem sempre pratica a caridade. Aquele, porém, que pratica a justiça e a misericórdia pratica a caridade, pois que a misericórdia é una com a caridade.

A caridade não tem limites, deve estar sempre pronta a todo sacrifício útil aos outros e deve ser sempre impessoal. Com as mãos sempre estendidas para todos os sofrimentos, para todas as necessidades, cumpre-lhe ir ao encontro destas e daquelas, prevê-las, adivinhá-las. Sua ação incessante deve fazer-se sentir não só sobre os homens, 201

mas também sobre os animais, por mais ínfimos que pareçam. A caridade é a providência oculta no fundo do coração do homem, a espalhar de lá seus benefícios por sobre a natureza inteira. Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem, porque então não lhes fareis o que não quiserdes que vos façam.

O devotamento é uma conseqüência da caridade. Especificamo-lo para imprimir mais força à explicação, visto que os homens limitam a caridade à esmola que dão do que lhes sobra.

A renúncia de si mesmo decorre, como o devotamento, da caridade. Podeis praticar a caridade sem devotamento, mas, em tal caso, ela será estéril. A verdadeira caridade sai do coração e o devotamento a acompanha sempre. Mas, não podeis ser devotados aos vossos irmãos sem a renúncia de vós mesmos, porquanto penosos sacrifícios necessariamente vos impõe o devotamento que tenha por móvel a caridade, feita com sinceridade de coração. Ë uma trilogia inseparável.

Tampouco é possível que a caridade seja desacompanhada do desinteresse. Do ponto de vista material, a verdadeira caridade é e deve ser desinteressada. Não só deve ser praticada sem o objetivo de qualquer remuneração, porque em tal caso perde o direito ao título de caridade, como não deve sequer objetivar as recompensas celestes, porque então ainda será egoísmo. A doce caridade tem que ser praticada colimando o bem que possa produzir, as conversões que possa operar por amor do próximo e não de si mesmo. Quem dá ao pobre, qualquer que seja a sua pobreza, seja de ordem material, de ordem moral, ou de ordem intelectual, empresta a Deus.

Guardai-vos, ó bem-amados, de contar com juros de usurários, pois que então perderíeis o vosso capital. 202

Sim, a caridade deve ser devotada, desinteressada, ativa, valorosa e praticada com a renúncia de si mesmo; deve possuir todas as virtudes e todas as coragens; ir aos campos de batalha, por sob o chuveiro das balas, socorrer os moribundos e os feridos, exortá-los ao arrependimento; deve ocultar-se nas pocilgas, para fazer brilhar ai uma centelha que aqueça os corações e ilumine as inteligências; subir os degraus dos tronos, para dizer a verdade e rasgar a venda com que o orgulho ou a lisonja cobrem os olhos dos que cingem uma coroa; deve apanhar da lama o pobre a quem falta o pão de cada dia; deve, usando de palavras brandas, abater o orgulho do poderoso; fortalecer a coragem e a energia do fraco; deve ter os olhos constantemente abertos e voltados para todos os lados, a fim de descobrir os sofrimentos, as fraquezas, as faltas, morais ou físicas, e dispor de mil mãos sempre prontas a socorrê-los.

(Mateus, vv. 25-26; Marcos, vv. 26-27; Lucas, vv. 26-27.) À vista do diálogo que vinha de travar-se entre Jesus e o mancebo, profundamente espantados das palavras que o Mestre acabava de lhes dirigir e sobretudo da imagem material de que se servira e que lhes parecia querer significar que a entrada "no reino de Deus, no reino dos céus" estava para sempre interdita a todo homem rico, mesmo quando houvesse, como aquele mancebo, guardado os mandamentos, perguntaram os discípulos: Então, quem pode ser salvo? — Ao que, fitando-os, respondeu Jesus: "Isto é impossível para os homens, mas não para Deus, porquanto a Deus tudo é possível; o que é impossível aos homens é possível a Deus".

O espanto dos discípulos nasceu do fato de não terem eles, que só atentaram na letra, percebido senão as dificuldades da conquista do reino doa céus. Não perceberam os meios concedidos para se vencerem tais dificuldades e alcançar-se o objetivo. Quem pode então salvar o homem? 203

E, se só Deus o pode salvar, para que servem as obras e a fé? — Esta questão tem sido formulada muitas vezes.

Pode porventura o homem, na sua curta existência, depurar-se bastante para se salvar? Poderão seus atos ser tão bons e sua fé tão viva que lhe assegurem a salvação?

Quem o pode então salvar, desde que só a perfeição o levará aos pés do Senhor?

Quem o pode então salvar, senão Deus, pai terno e indulgente, que concede tempo a todos para se purificarem, que releva ao mau servo a dívida até que ele a possa pagar? que concede às suas criaturas o tempo, agente poderoso, com cujo auxílio chega o homem a alcançar a meta, por mais afastado que dela se ache e por mais escabrosa que seja a estrada que lhe cumpra percorrer? Só Deus é bom, só Deus salva, porque só Deus tem indulgência e longanimidade, só Deus tem nas suas mãos a duração do tempo.

O homem carece de capacidade para julgar por si mesmo do grau de pureza que lhe é necessário para elevar-se. Só Deus pode julgar. À revelação espírita estava reservado esclarecer, aos olhos de todos, na época predita pelos Espíritos do Senhor, órgão do Espírito da Verdade, o sentido das palavras de Jesus veladas pela letra e indicar os meios que Deus concede a seus filhos para vencerem as dificuldades e atingirem o fim. Esses meios são o renascimento, a reencarnação, a princípio expiatória e precedida, no espaço, da expiação proporcionada e apropriada às faltas cometidas, depois e por fim gloriosa, dando entrada ao Espírito no reino de Deus, no reino dos céus, isto é: permitindo-lhe atingir a perfeição moral. 204

MATEUS, Cap. XIX, vv. 27-30. — MARCOS, Capítulo X, vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 28-30

Resposta de Jesus a Pedro. — Os doze tronos. — As doze tribos de Israel. — Apostolado. — Amor purificado. — Humildade é perseverança na senda do progresso

MATEUS: V. 27. Pedro então lhe perguntou: Eis aqui estamos nós que tudo deixamos e te seguimos; que recompensa será a nossa? — 28. Respondeu-lhe Jesus: Em verdade vos digo que vós, que me seguistes, quando, ao tempo da regeneração, o filho do homem estiver assentado no trono da sua glória, também estareis assentados em doze tronos a julgar as doze tribos de Israel. — 29. E todo aquele que abandonar, pelo meu nome, casa, ou irmão, ou irmã, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, receberá o cêntuplo e terá por herança a vida eterna. — 30. Mas, muitos que foram dos primeiros serão os últimos e muitos que foram dos últimos serão dos primeiros.

MARCOS : V. 28. Pedro então lhe observou: Aqui estamos nós que tudo deixamos e te seguimos. — 29. Disse Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que deixe, por mim e pelo Evangelho, casa, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos e terras, — 30, que, presentemente, neste século mesmo, não receba, com as perseguições, cem vezes mais casas, irmãos, irmãs, mães, pais, filhos e terras, e, no século futuro, a vida eterna. — 31. Mas, muitos dos que tenham sido primeiros serão últimos e muitos dos que tenham sido últimos serão primeiros.

LUCAS: V. 28. Disse então Pedro: Aqui estamos nós que tudo deixamos e te seguimos. — 29. Respondeu-lhes Jesus: Em verdade vos digo não haver ninguém que deixe, pelo reino de Deus, casa, ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, — 30, que, ainda nos tempos presentes, não receba muito mais e, no século futuro, a vida eterna.

N. 240. (Mateus, vv. 27-28.) Os apóstolos, quando ainda em missão na Terra, eram assim prevenidos do progresso de seus Espíritos. Tendo, 205

como encarnados ao tempo do aparecimento do Cristo, cooperado na obra de regeneração da humanidade, eles continuarão ao serviço do Mestre até ao momento em que os homens hajam compreendido a marcha de suas existências.

Ministros das vontades do Justo, já presente mente eles "julgam" as tribos de Israel, pois que presidem ao progresso do vosso planeta. Atuando sobre os Espíritos prepostos à vossa guarda, são os intermediários entre Jesus e os Espíritos que de vós se aproximam, tal como, no que respeita ao planeta em que habitais, Jesus é o intermediário entre o Senhor e eles, que só excepcionalmente se comunicam, no desempenho de uma missão espiritual.

O tempo da regeneração é aquele em que a revelação espírita regenerará os homens, pondo-lhes desnudas ante os olhos as verdades que até então eles só puderam conhecer cobertas pela parábola, sob o véu da letra.

O tempo em que "o filho do homem estará assentado no trono da sua glória" será a época em que todas as frontes forçosamente se curvarão, sob as irradiações da luz espírita, diante daquele que há de ser o único pastor do rebanho que o Senhor lhe confiou.

Estas palavras referentes aos apóstolos — "Também vós estareis assentados em doze tronos", traçam uma alegoria destinada a tornar compreensível o grau de elevação a que terão chegado, naquela época, os ministros de Jesus.

"A julgar as doze tribos de Israel". Essas doze tribos simbolizam as divisões de povos ainda implantadas na Terra.

Os Judeus, preocupados sempre com a sua nacionalidade, não davam atenção senão ao que pessoalmente lhes dizia respeito e Jesus apropriava sua linguagem à época e ao meio em que falava. 206

A expressão "a julgar" (as doze tribos de Israel) não tinha o alcance que hoje lhes dais: Jesus a empregou muitas vezes em sentidos diversos, de acordo com a ordem de idéias ou de revelações que teve de apresentar veladamente.

Aqui, julgar significa: governar, dar a cada um conforme às suas obras e méritos. Os apóstolos julgam as doze tribos de Israel, isto é: os povos confiados à vigilância deles, no sentido de que velam para que se verifiquem as provações e expiações a que tais povos se acham sujeitos. Podem, conseguintemente, ser considerados como juizes que aplicam aos culpados as penas que a lei, personificada em Deus, lhes impõe; aplicam o castigo. Ora, a expiação, o remorso são os castigos e os Espíritos que superintendem às expiações lhes determinam a natureza.

Não deturpeis o nosso pensamento: não dizemos que aqueles Espíritos determinem o gênero das provações que o culpado deva suportar, voltando à Terra. O Espírito, como sabeis, tem, regra geral, a liberdade de as escolher. A intervenção daqueles Espíritos se cinge em vigiar que elas estejam sempre em relação com as forças do culpado, de modo que não haja para este a impossibilidade de triunfar. A ação deles se exerce sobretudo na execução da pena infligida ao culpado no estado espírita. Os remorsos deste, corporificados na visão de suas faltas, os quadros cruéis que o perseguem e que, por assim dizer, lhe cravam de contínuo as lâminas aceradas de uma recordação, já de si cruel, tal a obra da vontade dos Espíritos que "julgam as tribos de Israel".

Eles apropriam o castigo à natureza do crime e ao endurecimento do culpado e os Espíritos bons, porém menos elevados, que vos cercam, velam, prepostos que são a esse encargo, pela execução do castigo. Esta, conforme já explicamos, se dá por 207

meio de visões fluídicas, produzidas pelas combinações de fluidos que esses Espíritos operam, visões que são, para o delinqüente, quadros animados de uma ilusão completa. Nada se faz sem causa. O remorso leva ao arrependimento e este ao desejo de reparar e de progredir.

Temos agora que vos chamar a atenção para um ponto importante.

"Em verdade vos digo que vós que me seguistes, quando o filho do homem, ao tempo da regeneração, estiver assentado no trono da sua glória, também estareis assentados em doze tronos a julgar as doze tribos de Israel."

Estas palavras, cujo sentido e alcance ora conheceis, despojado da letra, o espírito, Jesus as dirigiu: tanto aos onze apóstolos que se conservariam fiéis, como a Judas Iscariote que, sabia-o ele de antemão, viria a traí-lo, falindo gravissimamente à sua missão. Provam elas, portanto, que, nos séculos futuros, ao tempo da regeneração, Judas estará em situação igual à dos outros onze, provando, conseguintemente, que vias e meios de purificação e de progresso moral e intelectual lhe estavam reservados e lhe seriam proporcionados, com o auxílio do tempo, como a todos os Espíritos culpados, consistindo na expiação e na reencarnação que, conforme já dissemos, constituem o inferno, o purgatório, a reparação e o progresso.

Aquelas palavras proclamaram previamente a falsidade do dogma humano, ímpio e monstruoso, da eternidade das penas para o Espírito culpado; desse inferno eterno que, segundo a Igreja romana, tragou para toda a eternidade a Judas Iscariote, que essa mesma Igreja considera o maior dos réprobos, condenado eternamente ao inferno eterno que ela instituiu.

Não vos falamos aqui senão dos doze apóstolos porque, tendo que explicar as palavras de Jesus, 208

não nos quisemos afastar da limitação que lhes ele traçará, dirigindo-se aos Hebreus. Ele se referia apenas aos doze: a estes circunscrevemos as nossas referências.

Não vades, por isso, cair em erro a tal respeito. Ainda aqui mister se faz que vos esclareçamos. Quando explicamos as palavras de Jesus relativas aos doze tronos, não tivemos em mente dizer-vos que só os doze discípulos seriam chamados a desempenhar aquelas funções em torno do Mestre. Os Espíritos bem-aventurados, cujo número é para vós incalculável, têm todos suas missões, seus encargos. Todos velam com solicitude pelo vosso progresso e facilitam o adiantamento dos que, chegados ao ponto de só estarem sujeitos a encarnações não materiais, tenham que progredir nos mundos fluídicos.

(Mateus, v. 29; Marcos, vv. 29-30; Lucas, vv. 29-30.) Também são figuradas as palavras de Jesus constantes destes versículos. Devem ser compreendidas, entendidas segundo o espírito; mas, desgraçadamente, os homens se obstinam em tomá-las unicamente à letra. Como exemplo, Jesus apontou aqueles sacrifícios por serem os maiores que o homem possa fazer. Todos os que, em obediência à lei de amor ao seu Deus, à de devotamento aos seus irmãos, fizeram um sacrifício qualquer, serão recompensados por um progresso rápido. De modo que, já desde este mundo, encontrarão centuplicado aquilo de que se houverem despojado.

Os que abandonarem os encantos da família para seguir a lei de Jesus e difundi-la, para levar a boa nova a outras famílias que a ignoravam, acharão para si, no seio destas, pais, mães, irmãos, irmãs, amigos; acharão corações simpáticos e reconhecidos. Isso não sucederá sempre, mas muitas vezes se dará! Para esses, a família se acrescerá de todos os membros que eles conseguirem reunir: a família de Deus, família imensa, à qual todos 209

devem consagrar a ternura e a dedicação que o filho consagra ao pai, à mãe, aos irmãos, ou às irmãs.

Demasiado egoísta é ainda o homem para compreender essa extensão do amor; para compreender que este sentimento se fortifica e cresce em ardor com o se dividir e disseminar pelas massas. Não, não acrediteis na anulação dos sentimentos que a família particular de cada um lhe inspira. Eles se vos depararão, ao contrário, mais vivos e mais puros, porém menos exclusivistas.

Deus é nosso pai. Todos somos seus filhos e nos devemos amar com ardente amor, dedicando-nos uns aos outros, sacrificando alegremente a nossa própria felicidade à felicidade dos nossos irmãos.

Amai, amai, pois que esta é a única lei regeneradora. O amor é a. fonte donde brotam todas as virtudes com que deveis fertilizar a vossa existência, tornando-a capaz de dar bons frutos. O amor é a fonte onde a alma hauriu a vida em Deus. O amor é o rio eterno que a leva a se diluir em Deus. Amai a Deus acima de tudo, amai os vossos irmãos mais do que a vós mesmos.

Não vos equivoqueis quanto ao sentido destas palavras : "que leva a alma a se diluir em Deus". O amor não vos une àquele a quem amais? O amor é o sentimento puro que reina por sobre todas as coisas, que tudo aproxima da divindade, toda ela — amor. neste sentido que a alma se diluirá em Deus: aproximando-se dele cada vez mais, todavia conservando sempre, na eternidade e no infinito, a sua individualidade e a sua imortalidade.

(Mateus, v. 30; Marcos, v..31.) Depois de dar a Pedro, usando de uma linguagem figurada, a resposta constante dos vv. 29 e 30 de Marcos, acrescenta Jesus: "Mas, muitos dos que tenham sido os primeiros serão os últimos e muitos dos que tenham sido os últimos serão os primeiros." 210

O amor, que traz dentro de si a humildade e a caridade, para ser verdadeiro, eficaz, frutuoso, reclama atividade e perseverança na senda do progresso, objetivando em cada criatura o seu próprio aperfeiçoamento e o de seus irmãos. Ora, muitos dos que se houverem posto a caminho antes dos outros chegarão últimos ao fim, por não terem avançado com perseverança naquela senda. São eles os que contam consigo mesmos e julgam caminhar com mais segurança e passar adiante de seus irmãos. Esses verão seus passos obstados pelo orgulho e retardada, conseguintemente, a sua marcha. E o que foi assim no passado, assim é no presente e será no futuro. 211

9 Moeda de prata que ao princípio valia dez asses, cerca de vinte centavos.

10 Os Judeus como os Romanos dividiam as doze horas do dia em quatro partes cada uma de três horas. Essas quatro partes se designavam por hora primeira, hora terceira, hora sexta, hora nona, correspondendo a primeira às seis horas da manhã de agora, a terceira às nove, a sexta ao meio-dia e a nona às três da tarde.

MATEUS, Cap. XX, vv. 1-16

Parábola da vinha e dos trabalhadores da primeira e da última hora

V. 1. O reino dos céus se assemelha a um homem, pai de família, que ao amanhecer saiu a assalariar trabalhadores para a sua vinha. — 2. Tendo convencionado com os trabalhadores pagar por dia um denário9 a cada um, mandou-os para a vinha. — 3. Saiu de novo por volta da hora terceira10 e vendo outros na praça desocupados, — 4, disse-lhes: Ide também para minha vinha e vos pagarei o que for justo. — 5. Eles foram. À hora sexta e à hora nona, o pai de família saiu novamente e fez o mesmo. — 6. Por volta da undécima hora, tornou a sair e, encontrando mais alguns, desocupados, lhes disse: Porque passais aqui ociosos o dia todo? — 7. Responderam-lhe eles: Porque ninguém nos assalariou. Disse-lhes então: Ide também trabalhar na minha vinha. — 8. Ao anoitecer disse o dono da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos e acabando pelos primeiros. — 9. Apresentaram-se os que tinham vindo para o trabalho por volta da hora undécima e cada um recebeu um denário. — 10. Chegando a vez dos que foram assalariados em primeiro lugar, pensavam eles que receberiam mais do que os outros; porém, não receberam senão um denário cada um. — 11. Então, ao receberem a paga, murmuravam contra o pai de família, dizendo: — 12. Estes, que foram os últimos, trabalharam apenas uma hora e tu os igualas a nós, que suportamos o peso do dia e do calor. 212

— 13. Respondendo a um deles, disse o dono da vinha: Meu amigo, nenhum agravo te faço; não convieste comigo em receber um denário? — 14. Toma o que te é devido e vai-te embora; a mim me apraz dar a este, que foi dos últimos, tanto quanto a ti. — 15. Ou não me é permitido fazer o que quero? Acaso, mau é o teu olho porque sou bom? — 16. Assim, os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, pois que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.

N. 241. Temos que vos explicar, de dois pontos de vista distintos, a significação e o objetivo destas palavras: do ponto de vista dos Hebreus e mesmo dos cristãos que tiveram de viver sob o reinado da letra até ao advento da nova revelação que espiriticamente se vos faz, que vos trazemos; e do ponto de vista do espírito que esta revelação vos vem trazer, dando-vos a inteligência do pensamento de Jesus, encoberto pela parábola, a fim de servir àquela época e às que se seguiriam e preparar o advento do espírito.

Apreciemo-las do ponto de vista da letra. Jesus estabelece um paralelo entre os Judeus, chamados ao conhecimento de Deus desde as primeiras idades, e os Gentios, que pela pregação foram levados a esse conhecimento.

Numa época em que o orgulho dos que formavam as camadas superiores dos Judeus erguia alta barreira entre estes e todos os que não se achavam submetidos à lei de Moisés, cumpria abater aquele sentimento em uns e do mesmo passo animar os esforços dos outros. Era mister encher de esperança e de coragem os pecadores que se arrependiam. Necessário se tornava rebaixar a presunção dos que criam ser os únicos merecedores das graças do Senhor, por terem nascido Hebreus e não Gentios. Finalmente, urgia tocar fortemente aquelas inteligências, a fim de as impressionar. 213

Foi neste sentido e objetivando esse resultado que Jesus disse: "Assim, os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros, pois que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos".

Jesus houvera podido explicar pela reencarnação as diferenças nos números das horas de trabalho dos obreiros e a igualdade dos salários, das recompensas. Mostraria então que os trabalhadores da primeira hora, os que foram em primeiro lugar assalariados, se conservaram estacionários em muitas existências, ao passo que os da última hora trabalharam com zelo e atividade pelo seu adiantamento. Assim, no fim do dia, chamados uns e outros a receber o salário, as recompensas, pelo trabalho feito, isto é, pela soma de progresso realizado, as pagas tiveram que ser iguais, porquanto, tendo todos produzido a mesma soma de trabalho, todos tinham direito ao mesmo salário, à mesma recompensa. Jesus pudera ter dado essa explicação, mas o tempo ainda não chegara.

Essa a razão por que, notai-o bem, ele intencionalmente conserva na obscuridade da parábola a soma de trabalho executado por cada um dos trabalhadores e não diz palavra a respeito, deixando à revelação espírita, então futura e prometida, o encargo de explicar o seu pensamento segundo o espírito.

Disse Jesus porventura que os trabalhadores da primeira hora foram diligentes; que não perderam tempo, embora fatigados e tendo diante de si longas horas para o trabalho; que, no fim do dia, haviam feito mais do que os da última hora, os quais, sentindo-se atrasados, se deram pressa em concluir a sua tarefa, de modo a poderem dizer ao dono da vinha: "Senhor, fiz toda a tua vontade?"

Não. Os trabalhadores contratados em primeiro lugar, quando murmuravam contra o pai de família por lhes haver mandado pagar tanto 214

quanto aos da última hora, não alegaram ter feito mais trabalho do que estes, nem que houvessem adiantado mais do que os outros a obra. Não falam senão do trabalho dos útlimos, senão do tempo durante o qual estes trabalharam. Limitam-se a ponderar que estiveram na vinha suportando todo o peso do dia e do calor. Os últimos, disseram eles, não trabalharam mais do que uma hora e lhes pagas como a nós que suportamos o peso do dia e do calor. Daí vem que o pai de família, cujas palavras deveis sempre interpretar de conformidade com a justiça (porquanto deveis buscar sempre a justiça nas obras de Deus, nas palavras de Jesus), responde: "Meu amigo, nenhum agravo te faço; não convieste comigo em receber um denário pelo teu dia de trabalho? Toma, pois, o que te é devido e vai-te embora."

Estas palavras que Jesus põe na boca do pai de família: "A mim me apraz dar a este, que foi dos últimos, tanto quanto a ti. Ou não me é permitido fazer o que quero? Acaso mau é o teu olho porque sou bom?" tinham por fim impedir que a inveja se desenvolvesse entre os homens, animar os que, por terem adquirido tardiamente o conhecimento das verdades evangélicas, temessem não lhes assistir direito às recompensas prometidas aos que adquirissem esse conhecimento desde a primeira hora.

Patenteados pela nova revelação o pensamento de Jesus, o espírito da parábola, desembaraçada esta do véu da letra, ela se reporta à obra dos Espíritos desde o instante da sua criação espírita, isto é, desde o momento em que, investidos do livre-arbítrio, foram, por terem falido, chamados a encarnar na Terra e a progredir aí pelas reencarnações. Um trabalhou durante séculos pelo seu adiantamento e sofreu muitas encarnações, mas negligentemente, deixando que os acontecimentos seguissem o seu curso; enquanto que outro, de criação mais recente, se lançou cheio de zelo no 215

caminho do progresso. Ambos chegarão juntos ao termo da jornada, igualados os seus valores. Ambos, conseguintemente, poderão ter direito ao mesmo prêmio. Notai que, na parábola, o trabalhador da última hora não se recusara ao trabalho, esperava-o e, logo que foi chamado, se ergueu alegre, para desempenhar a sua tarefa.

Deveis compreender que as diversas horas em que os trabalhadores foram assalariados pelo dono da vinha para trabalhar nela, assim como aquele fim do dia, momentos em que todos foram reconhecidos com direito a igual salário, não passam de divisões apropriadas à inteligência dos que ouviam o ensinamento. No tocante à eternidade não há divisão de tempo. Foi uma alusão às diversas classes de Espíritos; às épocas em que eles, uns criados posteriormente a outros e chamados todos a começar cada um a sua obra, se encontram no mesmo nível de progresso realizado, cabendo-lhes, portanto, a mesma recompensa. Os mais antigos na ordem da criação sofreram necessariamente maior número de encarnações do que os mais recentemente criados, pela razão de que, por vezes, se deixaram ficar estacionários ou trabalharam pelo seu próprio adiantamento com menos atividade do que os que se puseram ao trabalho depois deles, mas que juntos com os primeiros atingiram a meta, por terem trabalhado com mais zelo e caminhado sem descanso pela estrada do progresso.

Trabalhadores da última hora, não temais aproximar-vos do pai de família. Não temais empreender a tarefa a que vos convida, certos de que ele não considerará o tempo que houverdes gasto em desempenhá-la e sim o zelo e a boa-vontade de que derdes prova.

Mas, para receberdes o salário, ó vós que ficastes na praça pública até à última hora, preciso é não recuseis corresponder ao seu chamado; preciso é não digais todas as vezes que o pai de 216

família chama os trabalhadores de boa-vontade: "Mais tarde, ainda não estamos dispostos; o dia é longo, ardente o sol e convidativo o repouso; esperemos, para começar o trabalho, pela frescura da tarde". Tende cuidado! pois com a frescura vem a sombra, que vos poderá envolver e então já não será tempo de começar. Ver-vos-eis forçados a aguardar que um novo dia vos venha encontrar, desde os seus primeiros albores, na praça pública, à espera do trabalho.

Trabalhadores diligentes que começastes a vossa tarefa ao nascer do Sol, rejubilai pela bondade do Senhor. Sua generosidade se estende por sobre aqueles que nada de melhor haviam podido fazer, como se estende sobre vós! Não deiteis olhar invejoso para o que ele concede aos vossos irmãos. Que injustiça cometeu convosco a sua bondade? O pai de família, que com seus filhos reparte o que possui, não dá a todos porções iguais?

Não invejeis nunca a sorte de vossos irmãos, visto ignorardes as causas que determinam os efeitos, visto não saberdes se aquele que por último foi chamado a trabalhar na vinha não se teria mostrado mais valoroso do que vós, se logo ao romper do dia houvesse escutado a voz do dono dela.

Executai a vossa tarefa e, se puderdes, auxiliai vossos irmãos na execução das suas, e bendizei do pai de família que mais atende à intenção do que à obra, por isso que as vossas obras quase sempre são más.

Deveis agora estar em condições de compreender o sentido e o objetivo destas palavras de Jesus: Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, pois que muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos."

Do ponto de vista da letra, essas palavras, de que o Mestre se serviu, tirando uma conclusão da parábola e aplicando-a, não tiveram por objetivo estabelecer duas classes: uma dos escolhidos, 217

outra dos réprobos, pois que todos os trabalhadores, quer os primeiros, quer os últimos, têm que receber e receberão do pai de família o mesmo salário, sob a única condição de o haverem merecido igualmente uns e outros, "no fim do dia", e com a única diferença de que os últimos o ganharam em menos tempo do que os primeiros, porque em menos tempo do que estes adiantaram tanto quanto eles a obra do Mestre. Todos, pois, que foram chamados hão de ser escolhidos. Mas, entre os chamados, há poucos escolhidos, porque muitos se atrasam ou perdem o tempo e não executam suas tarefas, sendo poucos os que trabalham com zelo e atividade na obra que o Mestre lhes propôs. Assim é que os últimos serão os primeiros e que os primeiros serão os últimos. Assim é também que há muitos chamados e poucos escolhidos.

Segundo o espírito, estas palavras, de modo geral, se referem aos sentimentos íntimos que inspiram os atos e lhes dão valor real perante o Senhor, pelo amor, pela humildade, pelo desinteresse que demonstrem. Aquele que se exalça será humilhado e aquele que se humilha será exalçado.

Os primeiros chamados ao conhecimento da verdadeira lei, que é a lei de justiça, amor e caridade, pregada por Jesus aos homens, os primeiros colocados na senda da verdade serão os últimos a chegar ao fim, se em vez de seguirem a linha reta, enveredarem pelos caminhos tortuosos. O percurso, então, se tornará para eles longo e a estrada que tomaram os reconduzirá ao ponto de partida. Ao contrário, os que, começando por último, caminharem sempre e ativamente para a frente, chegarão sem delongas ao fim.

Os Espíritos que, chamados a percorrer a estrada do progresso, ficarem, de quando em quando, estacionários, ou só avançarem lenta e negligentemente pela via das encarnações, das prova- 218

ções (esses formam o maior número), conquanto sejam dos primeiros chamados, na ordem da criação, serão os últimos escolhidos, isto é: os últimos a chegar à perfeição moral. Contrariamente, os que tiverem caminhado constantemente com zelo e atividade (esses são em menor número) serão escolhidos em primeiro lugar, ainda que sejam dos últimos na ordem da criação, dos últimos, portanto, chamados, isto é: dos últimos a entrar na senda do progresso.

N. 242. Esta parábola tem sido objeto de críticas e, para demonstrarem que é APÓCRIFA, dizem: Não é a justiça que preside à remuneração devida a cada um pelas suas obras, mas apenas o arbítrio do Senhor. Verdade é que neste caso ele se contenta com pagar o mesmo salário aos trabalhadores, tanto da primeira, como da undécima hora. Mas, de acordo com o seu princípio: "Não me é lícito fazer o que quero? poderia igualmente dar dez e cem vezes mais aos últimos do que aos primeiros. Ora, quem ousaria sustentar que seja lícito governar com tal princípio qualquer sociedade, ainda que de escravos?"

Ignorantes, que nunca vedes senão a letra, ou que, quando buscais o espírito, tudo revestis do vosso, procurai sempre e encontrareis a justiça nas obras de Deus, procurai sempre e encontrareis a justiça nas palavras de Jesus. E, se as quiserdes interpretar, não o façais com o vosso parti-pris, mas com a vossa consciência.

A resposta a essa crítica da parábola já vos foi dada: está em tudo quanto acabamos de dizer acerca do seu sentido e do seu objetivo. Perscrutem, os que criticam, a linguagem de que usava Jesus e os motivos que tinha para dela usar. Perscrutem o pensamento que o Mestre ocultava sob o manto da parábola, sob o véu da letra, do ponto de vista da criação espírita considerada em espírito e verdade, da marcha do Espírito na senda do progresso, mediante as sucessivas encarnações, 219

verão que não há arbítrio, nem capricho, e sim justiça. Ainda uma vez exemplificamos: Um Espírito, cuja primeira encarnação na Terra remonta a mil anos, só logrou, até agora, chegar à categoria dos habitantes da Nova-Holanda; um outro, que revestiu o seu primeiro invólucro material há apenas trezentos anos, já pode ser classificado entre os Lapônios. Não é claro que este último mereceu mais do que o outro que o precedeu na via das encarnações terrenas?

Suponde que, em vez de avançar tão depressa, o segundo não haja progredido mais do que o bastante para viver entre os Novos Holandeses. Estarão ambos no mesmo grau de encarnação. Longe de haver motivo para se atacar a justiça do Senhor pela igualdade dos salários pagos aos dois, não haveria antes razão para se julgar que o último devera ser melhor remunerado? Admiti, porém, que o primeiro, com o tempo, alcançou um grau mais elevado, ao passo que o segundo fica um grau abaixo do daquele. Não será justo que ambos recebam a mesma recompensa, desde que o segundo trabalhou, relativamente, tanto quanto o primeiro? 220

11 Mateus, XVI, v. 21; XVII; vv. 21-22. — Marcos, VIII, v. 31; IX, v. 30. — Lucas, IX, vv. 22 e 44-45.

MATEUS, Cap. XX, vv. 17-19. — MARCOS, Cap. X, vv. 32-34. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 31-34

Predição do sacrifício do Gólgota

MATEUS : V. 17. Subindo para Jerusalém, Jesus chamou de parte os doze discípulos e lhes disse: — 18. Vamos para Jerusalém e o filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, que o condenarão à morte. — 19. Entregá-lo-ão aos Gentios para que seja escarnecido, flagelado e crucificado. E ele ao terceiro dia ressuscitará.

MARCOS: V. 32. Subindo eles a estrada de Jerusalém, Jesus lhes ia à frente, o que enchia de espanto e de temor os que o seguiam. Ele então chamou de parte novamente os doze discípulos e começou a predizer-lhes o que estava para lhe acontecer. — 33. Subimos, como vedes, para Jerusalém e o filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciãos, que o condenarão à morte e o entregarão aos Gentios. — 34. Escarnecê-lo-ão, cuspir-lhe-ão no rosto, açoitá-lo-ão, tirar-lhe-ão a vida e ele ressuscitará ao terceiro dia.

LUCAS : V. 31. Em seguida, Jesus, tomando de parte os doze apóstolos, lhes disse: Eis que vamos para Jerusalém e tudo que os profetas escreveram acerca do filho do homem se cumprirá; — 32, pois que será entregue aos Gentios, será escarnecido, açoitado e cuspido. — 33. E, depois que o tiverem flagelado, lhe darão a morte e ele ressuscitará ao terceiro dia. — 34. Eles, porém, nada compreenderam; aquelas palavras lhes eram um segredo; não entendiam o que lhes era dito.

N. 243. Jesus, nessa ocasião, repetiu a predição que já fizera11 da sua "morte" e da sua 221

"ressurreição", acrescentando e precisando novas particularidades.

Não há o que comentar nessas palavras, que são positivas. Jesus, predizendo-os, fundamentava os acontecimentos que iam ocorrer e desse modo dava maior peso a suas palavras e fortalecia a confiança na sua missão, pois que suas afirmativas se robusteceriam desde que os fatos as confirmassem. As narrações dos evangelistas se completam umas às outras. Os diversos informes que eles transmitiram são resultados da profecia de Jesus àquele respeito, profecia da qual cada um refere uma parte.

Os discípulos não compreenderam dessa vez melhor do que das precedentes o sentido exato das palavras do Mestre. Não atinavam, já o dissemos, com o que poderia ser "ressurreição" de Jesus. Tinham o entendimento obscurecido quanto a esse ponto, a fim de que os fatos pudessem ocorrer sem obstáculos.

Os apóstolos, diz um dos evangelistas, muito admirados e receosos seguiam o Mestre, quando a caminho de Jerusalém. É que temiam os sacerdotes e os principais Judeus, sentindo que seria mais difícil escapar-lhes. 222

MATEUS, Cap. XX, vv. 20-28. — MARCOS, Cap. X, vv. 35-45

Filhos de Zebedeu. — A humildade e o devotamento para com todos são a fonte e o meio único de toda elevação. — Nunca alimentar no coração a inveja. — Seguir o exemplo de Jesus e fazer esforços por andar nas suas pegadas

MATEUS : V. 20. Aproximou-se dele então a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e o adorou, dando mostras de querer pedir-lhe alguma coisa. — 21. Jesus lhe perguntou: Que queres? — Manda, disse ela, que estes meus dois filhos se assentem um à tua direita, outro à tua esquerda, no teu reino. — 22. Retrucou-lhes Jesus: Não sabeis o que pedis. Podeis porventura beber o cálice que eu tenho de beber? Responderam eles: Podemos. — 23. Disse-lhes ele: Na verdade, bebereis o cálice que eu hei de beber; quanto, porém, a terdes assento à minha direita ou à minha esquerda, não está nas minhas mãos dar-vo-lo; isso só é dado àqueles para quem meu Pai o preparou. — 24. Ouvindo aquilo, os dez outros apóstolos se encheram de indignação contra os dois irmãos. — 25. Mas, Jesus os chamou e disse: Sabeis que os príncipes das nações dominam os povos; que os grandes exercem seu poder sobre eles. — 26. Assim, porém, não há de ser entre vós outros: aquele que entre vós queira ser o maior seja o que vos sirva; — 27, seja o vosso servo aquele que quiser ser o primeiro entre vós; — 28, a exemplo do filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida pela redenção de muitos.

MARCOS: V. 35. Acercaram-se então dele Tiago e João, filhos de Zebedeu, e lhe disseram: Mestre, queremos nos faças tudo o que te pedirmos. — 36. Perguntou-lhes Jesus: Que quereis que eu vos faça? — 37. Concede, disseram eles, que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda. — 38. Jesus lhes observou: Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que eu hei de beber e receber o batismo com que eu serei batizado? — 39. Responderam os dois: Podemos. Replicou Jesus: Na verdade, bebereis o cálice que eu hei de beber e 223

sereis batizados com o batismo com que eu o serei. — 40. Quanto, porém, a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não está nas minhas mãos vo-lo conceder; isso será dado àqueles para quem meu Pai o haja preparado. — 41. Ao ouvirem o que pediam Tiago e João, os dez outros apóstolos se tomaram de indignação contra eles. — 42. Jesus, porém, os chamou e lhes disse: Sabei que os que têm autoridade sobre os povos exercem dominação sobre estes; que seus príncipes os tratam com império. — 43. Assim, entretanto, não deve ser entre vós; o que quiser ser o maior tem que se fazer vosso servo; — 44, e o que quiser ser o primeiro tem que ser o servidor de todos. — 45. Porque, o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de muitos.

N. 244. (Mateus, vv. 20-21; Marcos, vv. 35-36-37.) Insignificante é a diferença que se nota entre essas duas versões, que, aliás, se completam.

A mãe de Tiago e João estava com eles, assim como outras muitas mulheres que, acompanhando seus filhos e irmãos, seguiam a Jesus. Ela e eles dirigiam sucessivamente a palavra ao Mestre. A resposta deste, porém, foi dada aos dois discípulos, como era natural. Ainda aqui, como em todos os casos semelhantes, cada uma das narrações evangélicas explica e completa a outra.

Entre os povos da antiguidade, com um alcance ainda maior do que entre vós, a direita era o lugar de honra e a esquerda, conquanto o fosse também, relativamente aos demais convidados, implicava uma certa inferioridade. Ora, Tiago e João, ao formularem o pedido que fizeram, se colocavam, de acordo com as suas idéias mundanas, nos primeiros lugares para as honras celestiais, logo depois de Jesus, que eles consideravam o anfitrião do festim celeste a que todos seriam convidados. Cumpre não tomar as palavras ao pé 224

da letra, mas como figurativas da categoria que os dois desejavam ocupar.

(Mateus, vv. 22-23; Marcos, vv. 38-39-40.) "Não sabeis o que pedis; podeis beber o cálice que hei de 'beber, receber o batismo que hei de receber?"

Por estas palavras aludia Jesus ao sacrifício em que ele seria a vítima e não à água que João Batista lhe derramara sobre a cabeça. Logo que Tiago e João lhe respondem: Podemos, ele acrescenta: "Na verdade bebereis o cálice que hei de beber, receber o batismo que hei de receber?" aludindo, de modo geral, ao martírio que os apóstolos em sua maioria haviam de sofrer, a exemplo do Mestre.

"Quanto, porém, a terdes assento à minha direita ou à minha esquerda, não está nas minhas mãos dar-vo-lo; isso só é dado àqueles para quem meu Pai o preparou."

Por estas palavras Jesus faz ressaltar a supremacia divina com relação a qualquer outro Espírito, por mais elevado que seja. Faz ver que ninguém mais senão Deus sabe quando o Espírito é bastante puro para se sentar "à direita" ou "à esquerda" do Mestre. Faz sentir que só Deus, que é uno, que é onipotente, que é o único cuja soberania é absoluta como rei dos reis, senhor dos senhores, pode admitir qualquer das suas criaturas, ou repeli-la, até que a sua purificação seja completa.

Não sabeis o que "pedis", disse Jesus a Tiago e João. Efetivamente, na condição de encarnados, enquanto desempenhavam suas missões terrenas, eles eram incapazes de compreender o sentido e o alcance do que pediam, assim como, em espírito e em verdade, o sentido e o alcance das respostas que lhes foram dadas, de compreender as regras e as condições, estabelecidas desde toda a eternidade pela vontade imutável de Deus, para o progresso do Espírito, para sua marcha ascensional colimando a perfeição. 225

(Mateus, vv. 24-28; Marcos, vv. 41-45.) Diante da indignação de que se encheram os outros dez apóstolos contra Tiago e João, Jesus, chamando-os para perto de si, lhes deu o ensinamento simples e conciso, constante desses versículos, ensinamento que todos deveis compreender, objetivando encaminhar o homem para a humildade, para o desinteresse e a renúncia de si mesmo, para o devotamento a todos.

Essa lição deu frutos entre os discípulos e os primeiros cristãos. Os homens, porém, a perderam de vista, deixaram de a praticar desde o dia em que, passados os tempos apostólicos, fizeram da Igreja do Cristo um reino deste mundo, pactuando com as potências da Terra, ou, por vezes, lutando contra elas, caminho pelo qual foram levados ao orgulho, à ambição, à dominação e à intolerância, aos abusos, às aberrações, aos excessos que aquelas fontes de erros e de paixões fazem jorrar.

Chegaram os tempos em que as palavras do Mestre se têm de cumprir e tornar verdade prática, em que aquele que quiser ser entre vós o maior estará sempre pronto a servir aos seus irmãos, será o servo de todos.

Espíritas, primeiros pioneiros da era de regeneração, dai aos vossos irmãos o exemplo da humildade, do desinteresse, da renúncia e do devotamento. Reuni os materiais esparsos e preparai a reconstrução da Igreja do Cristo, sobre os fundamentos inabaláveis e indestrutíveis da liberdade, da igualdade e da fraternidade, pela prática do amor, da justiça e da caridade recíprocas e solidárias. Esses fundamentos lançou-os o próprio Jesus, proclamando estarem toda a lei e os profetas no duplo mandamento do amor a Deus, vosso Criador, e ao próximo como a vós mesmos. A prática desse duplo mandamento consiste na observância das leis de justiça, de amor e de caridade, impli- 226

cando a das leis do trabalho e do progresso, pelo aperfeiçoamento próprio e de seus irmãos.

Preparai a reconstrução dessa Igreja do Cristo, que tem por templo o vosso planeta e cujos fiéis serão todos os homens, sem embargo dos diversos cultos exteriores que agora os separam e dividem.

Oh! homens, irmãos nossos bem-amados, tornai-vos todos discípulos de Jesus, esforçando-vos, pela compreensão e pela prática, em espírito e verdade, de seus ensinamentos e exemplos, por andar nas suas pegadas.

Em nome do Mestre nós vos repetimos: aquele que, entre vós, quiser ser o maior seja o servo de todos, a exemplo do filho do homem, que veio para vossa regeneração, mostrando a todos a senda da perfeição moral na humildade, no desinteresse, na renúncia de si mesmo, no devotamento a todos, absoluto, levado até ao sacrifício da vida.

Jesus declarou: "O filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida pela redenção de muitos". Disse "de muitos" e não "de todos" porque, ao tempo da purificação do vosso mundo, Espíritos rebeldes e obstinadamente culpados haverá que serão afastados desse planeta e mandados para outros de categoria inferior, onde terão que expiar e progredir sob as vistas de outro Cristo de Deus. Os degredados serão, nós o esperamos, em número reduzido, porquanto o caminho está aberto a todos. Todos tendes o livre-arbítrio e a lei do amor para vos guiar nesse caminho, de modo a que o percorrais com segurança e sem desvio.

Jesus não estabeleceu duas categorias, uma de "eleitos", outra de "réprobos". Compreendei toda a grandeza do sentido das palavras do Mestre. Nem todos chegarão ao fim debaixo da mesma direção, mas todos hão de chegar. 227

LUCAS, Cap. XIX, vv. 1-10

Conversão de Zaqueu

V. 1. Tendo entrado em Jericó, Jesus atravessava a cidade. — 2. Vivia ali um homem, chamado Zaqueu, que era dos principais entre os publicanos, rico — 3, e que procurava ver a Jesus para o conhecer, o que não podia conseguir devido à multidão, pois que ele era de muito baixa estatura. — 4. Correndo então adiante de todos, subiu a um sicômoro para o ver, porquanto por ali havia Jesus de passar. — 5. Chegando ao lugar onde ele se achava, Jesus levantou os olhos, o viu e lhe disse: Zaqueu, desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa. — 6. Zaqueu desceu a toda pressa e o recebeu com alegria. — 7. Todos os que isso presenciaram murmuravam, por ter ele ido hospedar-se em casa de um homem pecador. — 8. Entretanto, Zaqueu, prostrando-se diante do Mestre, lhe disse : Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se nalguma coisa defraudei a alguém, restituir-lhe-ei o quádruplo. — 9. Sobre o que, disse Jesus: Hoje entrou nesta casa a salvação, pois este também é filho de Abraão. — 10. Porque, o filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido.

N. 245. Fáceis são de aprender-se as conseqüências deste fato.

Jesus viera em socorro dos que se perdiam. Sua moral persuasiva frutificava em alguns corações e os que tratavam de a pôr em prática eram salvos, pois entravam no caminho do progresso rápido e contínuo.

A moral de Jesus, sempre pura, sempre confortante, esteve e ainda está sob as vossas vistas. Ouvis os que a pregam, mas, infelizmente, na vossa maioria, não procurais aplicá-la a vós mesmos. De quem a culpa: dos que falam ou dos que ouvem? 228

Fazei como Zaqueu, ó bem amados: Dai-vos pressa em preparar a vossa casa, para nela receberdes o Senhor. Preparai a depuração do vosso planeta, purificando-vos. Escutai e aplicai as palavras de Jesus. Reparai sem demora os danos que porventura tenhais causado aos vossos irmãos, quer por palavras quer por atos. Voltai-vos seriamente para vós mesmos e podereis, como Zaqueu, ouvir, repercutindo suavemente no fundo de vossos corações, as palavras do Mestre.

Sereis também, como Zaqueu, "filhos de Abraão". Para os Judeus, estas palavras — "filho de Abraão" — significavam: "herdeiro do céu". Todo aquele que volve ao bom caminho é, pois, desse ponto de vista, "um filho de Abraão".

Na passagem que estamos apreciando, Jesus repete estas palavras: "o filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido". Já explicamos (n. 204, v. 11 de Mateus) o sentido e o alcance delas. 229

MATEUS, Cap. XX, vv. 29-34. — MARCOS, Cap. X, vv. 46-52. — LUCAS, Cap. XVIII, vv. 35-43

Cura dos cegos de Jericó

MATEUS: V. 29. Saindo eles de Jericó, grande multidão acompanhou a Jesus. — 30. E eis que dois cegos que se achavam sentados à beira da estrada, ouvindo dizer que Jesus por ali passava, se puseram a clamar: Senhor, filho de David, tem compaixão de nós! — 31. O povo os repreendia, mandando que se calassem; porém, eles clamavam cada vez mais alto: Tem compaixão de nós, Senhor, filho de David! — 32. Jesus então parou, chamou-os e lhes perguntou: Que quereis que eu vos faça? — 33. Responderam os dois: Que se nos abram, Senhor, os olhos. — 34. Compadecido deles, Jesus lhes tocou os olhos e, no mesmo instante, ambos recobraram a vista e o seguiram.

MARCOS: V. 46. Estiveram depois em Jericó. Ao sair daí Jesus, acompanhado dos discípulos e de grande multidão, um cego, de nome Bartimeu, filho de Timeu, estava sentado à beira da estrada, esmolando. — 47. Tendo ouvido dizer que Jesus Nazareno por ali passava, começou a clamar : Jesus, filho de David, tem compaixão de mim! — 48. Muitos o ameaçavam para que se calasse, porém ele clamava ainda mais alto: Filho de David, tem piedade de mim! — 49. Jesus então parou e mandou que o chamassem. Alguns o foram chamar, dizendo: Tem confiança, levanta-te que ele te chama. — 50. Bartimeu, atirando para o lado a capa, de um salto foi ter com Jesus. — 51. Perguntou-lhe este: Que queres que eu te faça? O cego respondeu: Mestre, faze que eu enxergue. — 52. Disse-lhe então Jesus: Vai, tua fé te salvou. No mesmo instante ele enxergou e foi seguindo a Jesus pela estrada.

LUCAS : V. 35. Sucedeu que, ao aproximar-se Jesus de Jericó, estava um cego sentado à beira do caminho, pedindo esmola. — 36. Ouvindo o tropel da 230

multidão que passava, perguntou o que era aquilo. — 37. Disseram-lhe que era Jesus de Nazaré quem por ali passava. — 38. Logo clamou ele: Jesus, filho de David, compadece-te de mim! — 39. Os que iam à frente o repreendiam, para que se calasse; ele, porém, clamava cada vez mais forte: Filho de David, tem compaixão de mim! — 40. Jesus parou e mandou que lhe trouxessem o cego. Ao aproximar-se este, perguntou-lhe: — 41. Que queres que te faça? Respondeu ele: Senhor, faze que eu veja! — 42. Jesus lhe disse: Vê; tua fé te salvou. — 43. Imediatamente, o que era cego viu e foi seguindo a Jesus, glorificando a Deus. E todo o povo, tendo visto aquilo, louvava a Deus.

N. 246. Há aqui dois fatos de cura, um relatado por Marcos e Lucas, outro por Mateus. Jesus não permaneceu sempre na cidade de Jericó, depois de ali haver entrado e pedido hospitalidade a Zaqueu. Ao contrário, saiu muitas vezes para instruir o povo. Foi assim que operou a dupla cura, em ocasiões diversas. Isto, aliás, nenhum valor tem, nem conseqüência. Que importa, realmente, tenha sido ao entrar em Jericó ou ao sair de lá que os fatos se hajam dado? Que influência pode essa circunstância exercer sobre os mesmos fatos? Não vos detenhais nunca em minúcias pueris.

Quanto às curas, já vos explicamos (2º volume, pág. 152) como se operavam.

Jesus as produziu por ato exclusivo da sua vontade e pela ação de seu poder magnético.

Nenhuma necessidade tinha ele de tocar os olhos dos cegos para os curar da cegueira. Tocando-lhes os olhos, mostrava aos discípulos o que lhes cumpria fazer.

Operando a cura do outro cego, Bartimeu, filho de Timeu, só com o pronunciar estas palavras : "Vai, tua te salvou", quis impressionar fortemente as massas, mostrando aos homens o poder de que dispunha e também o amparo e benefícios que uma fé sincera e ardente pode esperar do Senhor. 231

Homens, que sois cegos do coração e da inteligência, dizei com fé: "Senhor, que nossos olhos se abram", e recobrareis a vista moral e espiritual. Dizei com fé: "Mestre, faze que eu veja" e vereis, porquanto a luz espírita clareará as trevas que vos envolvem, projetando o fulgor de seus raios na estrada reta e segura que tendes de percorrer. 232

12 Jerusalém era edificada no monte Sião.

MATEUS, Cap. XXI, vv. 1-17. — MARCOS, Cap. XI, vv. 1-11 e 15-19. — LUCAS, Cap. XIX, vv. 28-48

Entrada de Jesus em Jerusalém. — Mercadores expulsos do templo. — A casa do Senhor é casa de oração e não, pelo tráfico, um covil de ladrões. Predição da ruína de Jerusalém

MATEUS : V. 1. Quando se aproximavam de Jerusalém, ao chegarem a Betfagé, perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos, — 2, dizendo-lhes: Ide a essa aldeia que vos está defronte e lá encontrareis amarrada uma jumenta com o seu jumentinho; desamarrai-a e trazei-mos. — 3. Se alguém vos disser qualquer coisa, respondei que o Senhor precisa deles e logo vo-los deixarão trazer. — 4. Ora, tudo isso aconteceu, para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta: — 5. "Dizei à Filha de Sião" 12: Eis que vem a ti o teu rei, cheio de doçura, montado numa jumenta e trazendo o jumentinho da que está sob o jugo." — 6. Os discípulos foram e fizeram como Jesus lhes ordenara. — 7. Trouxeram a jumenta com o jumentinho, cobriram-nos com suas vestes e o fizeram montar. — 8. Da multidão muitos então estenderam pelo caminho suas roupas, enquanto outros cortavam ramos de árvores e os espalhavam pela estrada. — 9. E a turba toda, tanto os que iam a frente como os que vinham atrás, clamava: Hosana ao filho de David! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas! — 10. Quando ele entrou em Jerusalém, a cidade toda se abalou e perguntavam: Quem é este? — 11. A multidão respondia: É Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia. — 12. Jesus entrou no templo de Deus e expulsou todos os que ali vendiam e compravam; derribou as mesas dos cambistas e os bancos dos que vendiam pombas, — 13, dizendo-lhes: Está escrito: "Minha casa será chamada casa de oração". E fizestes dela um covil de ladrões. — 14. Vieram então ao templo cegos 233

e coxos e ele os curou. — 15. Vendo, porém, as maravilhas que ele operava e ouvindo os meninos que clamavam no templo : Hosana ao filho de David, os príncipes dos sacerdotes e os escribas se indignaram, — 16, e lhe perguntaram: Ouves o que eles dizem? Respondeu-lhes Jesus: Sim. E nunca lestes isto: "Da boca dos meninos e das criancinhas que ainda mamam tiraste perfeito louvor"? — 17. E, deles se apartando, retirou-se da cidade e foi para Betânia, onde passou a noite.

MARCOS : V. 1. Quando se aproximavam de Jerusalém, ao chegarem a Betânia, perto do monte das Oliveiras, despachou dois de seus discípulos, — 2, dizendo-lhes: Ide àquela aldeia que está em frente de vós; ao entrardes nela, encontrareis amarrado um jumentinho no qual ainda ninguém montou. Desamarrai-o e trazei-mo. — 3. Se alguém vos perguntar: Que fazeis? respondei: O Senhor precisa dele, e logo vo-lo deixarão trazer aqui. — 4. Partiram os dois discípulos e acharam o jumentinho, numa encruzilhada, amarrado do lado de fora de uma porta e o desamarraram. — 5. Alguns dos que por ali estavam lhes perguntaram: Que fazeis? Porque desamarrais esse jumentinho? — 6. Eles responderam como Jesus lhes determinara e os que os haviam interpelado deixaram que o levassem. — 7. Levaram então eles o jumentinho, cobriram-no com suas capas e Jesus montou-o. — 8. Muitos também estenderam suas vestes ao longo do caminho, enquanto outros cortavam ramos de árvores e os espalhavam por onde ele passava. — 9. E tanto os que iam à frente, como os que o seguiam clamavam: Hosana! — 10. Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino, que vemos chegar, do nosso Pai David! Hosana nas alturas! — 11. Tendo entrado em Jerusalém, Jesus foi ao templo e, depois de tudo haver observado, como já fosse tarde, se retirou para Betânia com os doze apóstolos. — V. 15. Tendo voltado a Jerusalém, Jesus entrou no templo, donde expulsou os que ali vendiam e compravam; derrubou as mesas dos cambistas e os bancos dos que vendiam pombas. — 16. Não permitia que ninguém andasse pelo templo carregando qualquer vaso. — 17. E ensinava dizendo: Não está escrito que 234

a minha casa será, entre todas as gentes, chamada casa de oração? E, no entanto, fizestes dela um covil de ladrões. — 18. Ouvindo isso, os príncipes dos sacerdotes e os escribas cogitavam do modo por que o haviam de perder, pois o temiam porque o povo se mostrava maravilhado da sua doutrina. — 19. Ao cair da tarde saiu ele da cidade.

LUCAS: V. 28. Depois de ter assim falado, Jesus, à frente de todos, tomou o caminho de Jerusalém. — 29. Ao aproximar-se de Betfagé e de Betânia, junto do monte chamado das Oliveiras, despachou dois de seus discípulos, — 30, dizendo-lhes: Ide àquela aldeia que nos está fronteira; ao entrardes lá, encontrareis amarrado um jumentinho no qual nunca ninguém montou; desamarraí-o e trazei-mo. — 31. Se alguém vos perguntar: Porque o soltais? respondei assim: Porque o Senhor precisa dele. — 32. Partiram os dois emissários e encontram o jumentinho como lhes fora dito. — 33. Quando o desamarravam, perguntaram os donos: Porque desamarrais esse jumentinho? — 34. Responderam: Porque o Senhor precisa dele. — 35. Levaram-lho então, cobriram-no com suas vestes e fizeram Jesus montá-lo. — 36. E muitos estendiam suas capas por onde ele passava. — 37. E quando ia começando a descer o monte das Oliveiras, a turba de seus discípulos começou, transportada de alegria, a louvar a Deus em altas vozes por todas as maravilhas que tinham presenciado, dizendo: — 38. Bendito o rei que vem em nome do Senhor! Paz no céu e glória nas alturas! — 39. Então, dentre o povo, alguns fariseus lhe disseram: Mestre, faze que teus discípulos se calem. — 40. Ao que ele respondeu: Eu vos declaro que, se estes se calassem, clamariam as próprias pedras. — 41. Já perto de Jerusalém, ao contemplar a cidade, Jesus chorou por ela, dizendo: — 42. Ah! se ao menos neste dia que ainda te é concedido conhecesses aquele que te pode trazer a paz! Mas, por ora, tudo isto se conserva oculto aos teus olhos! — 43. Porque, desditosos dias te virão, em que teus inimigos levantarão trincheiras ao teu derredor, te porão cerco e te apertarão de todos os lados; — 44; em que te deitarão por terra, bem como a quantos de teus filhos estão dentro de ti, não deixando em ti pedra sobre 235

pedra, por não teres conhecido o tempo da tua visitação. — 45. E, tendo entrado no templo, começou a expulsar os que ali vendiam e compravam, dizendo-lhes: — 46. Está escrito que minha casa é casa de oração; e dela fizestes um covil de ladrões! — 47. E todos os dias ensinava no templo. Entrementes, os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os maiorais do povo cogitavam de eliminá-lo. — 48. Não achavam, porém, o que lhe haviam de fazer, porquanto o povo ficava como que suspenso, ouvindo-o.

N. 247. A humildade praticada por Jesus constitui sempre o objetivo do ensinamento em geral. Nem pompa, nem luxo teve a sua entrada em Jerusalém, que se tornou triunfal apenas pelo entusiasmo que suas virtudes despertaram na multidão. Ele era sempre modesto e simples, como a moral que pregava e exemplificava.

Não vos preocupeis com as diferenças que se notam nas narrações, a propósito do animal que Jesus montou. De nenhum modo influem sobre os fatos. A escolha recaiu no jumentinho, por ser a cavalgadura do pobre. Foi escolhido um animal novo e ainda não montado, para mostrar que o mais indomável facilmente se pode curvar ao jugo do Mestre.

"Jesus expulsou do templo os vendilhões." Oh! Jesus, entrasses tu em todos os lugares onde tudo são mercadorias, onde o ouro deslumbra e paga a oração e o perdão, resgata os crimes e faz das bênçãos do Senhor vil objeto de comércio!

Disse ele: "Está escrito que minha casa é casa de oração; e dela fizestes um covil de ladrões." O pensamento, que estas palavras do Mestre exprimiam, compreendendo a época em que foram ditas e o futuro, é este: Desconfiai dos que vendem o perdão e as graças, dos que exploram a credulidade e a ignorância, porquanto cometem roubo, vendendo o que lhes não pertence, o que não têm nem mesmo para si.

A turba dos discípulos, tanto os que iam à 236

13 A palavra encarnações, embora não dê sentido perfeito à frase, é a que se encontra no texto original. — Nota da Editora.

frente de Jesus, como os que o seguiam, clamava: Hosana! Oh! deixai que suas vozes se elevem ao Senhor. Elas abafarão os queixumes da Terra. Hosana àquele que traz a paz aos humildes e aos pequeninos, que curva a fronte dos soberbos e dos orgulhosos!

(Mateus, vv. 1, 2, 3, 6, 7; Marcos, vv. 1-7; Lucas, vv. 28-35.) As narrações evangélicas, já o temos dito e repetimos, se completam umas às outras. A jumenta estava com o jumentinho; este acompanhava a mãe. Jesus montou o jumentinho, mas, conquanto só deste precisasse, mandou buscar uma e outro, porque as tradições e as profecias se tinham que ligar aos acontecimentos da era messiânica. Marcos e Lucas só falaram do jumentinho por ser o que servira ao Rei que fazia a sua entrada em Jerusalém.

Para que compreendais a previsão de Jesus, a sua presciência do que, cumprida a ordem que dera, se ia passar entre os dois discípulos e os donos da jumenta e do jumentinho, basta o conhecimento que ora tendes da sua natureza, da sua origem e da sua missão superior e que saibais, como sabeis, que tudo fora de antemão previsto e preparado pelas encarnações13, a fim de que os fatos ocorressem, como era mister, acordemente com as necessidades daquela missão. Em Jesus, a visão a distância decorria das mesmas causas em virtude das quais lhe era dado ler os pensamentos dos homens. É que era sempre Espírito, debaixo daquela aparência corporal humana que tomara, revestindo um perispírito tangível. Para vós, que sofreis a encarnação material, qual ela é atualmente para a humanidade terrena, isso só se pode dar pela influência mediúnica dos vossos guias. E assim 237

14 Ver também JOÃO, cap. XII, vv. 14-15.

será até ao momento em que a matéria se torne bastante sutil para que o Espírito lhe possa vencer os entraves.

Os donos da jumenta e do jumentinho, deixando que os levassem, foram a isso impelidos pelos seus guias, cederam à inspiração recebida, sem que tivessem a tal respeito nenhuma idéia assentada.

Conhecendo aqueles Espíritos, que haviam encarnado com o fim de concorrerem para que se verificasse o fato em questão, atinente à missão que ele desempenhava; conhecendo-lhes o grau de adiantamento e a docilidade às inspirações de seus guias, Jesus teve a presciência do que se ia passar.

(Mateus, vv. 4 e 514, Isaías, cap. LXII, vv. 1, 2 e 11; Zacarias, cap. IX, v. 9.) Estas palavras do evangelista, assim como as dos profetas Isaías e Zacarias, só pela revelação que atualmente vos é dada e que então era futura, predita, prometida, haviam de ser explicadas segundo o espirito, em espírito e verdade. Sob o véu da letra, elas encerravam uma alusão à graduação espírita de Jesus, rei vosso, que para o meio de vós desceu. Ele é vosso rei, por isso que é, preposto por Deus, o protetor e o governador do vosso planeta, a cuja formação presidiu, encarregado do seu desenvolvimento, do seu progresso e de conduzir à perfeição a humanidade que o veio habitar.

(Mateus, vv. 8-9; Marcos, vv. 8-9; Lucas, versículos 36-37-38.) As palavras de louvor e de alegria, que a multidão, à frente e em seguimento de Jesus, proferia, eram sugeridas ao espírito popular por influência dos Espíritos do Senhor.

(Lucas, vv. 39-40.) A manifestação tinha que se produzir. Se os homens, obedecendo à própria vontade, se houvessem oposto a que ela se pro- 238

duzisse, os Espíritos que cercavam o Mestre teriam feito que se ouvissem vozes entoando louvores ao "filho de David", àquele que, aos olhos dos homens, era filho de David.

(Lucas, vv. 41-42-43-44.) Eram proféticas as palavras de Jesus referentes à sorte reservada a Jerusalém, porquanto tinham que estar acordes com os sucessos vindouros. Antevendo aquela sorte, ele se aproveitava dos fatos que ocorriam, para que as inteligências fossem impressionadas quando os acontecimentos previstos se realizassem. Com relação aos filhos de Jerusalém, aquelas palavras, do ponto de vista espírita, eram também alegóricas, indicando veladamente a sorte que aguardava os Espíritos rebeldes à voz do Senhor. Vós espíritas sabeis que o culpado que faliu nas suas provas tem que expiar e que as faltas de uma encarnação recaem amiúde sobre muitas das que se seguem. Eis porque Jerusalém viria a amargar o seu endurecimento. Seus filhos, Espíritos rebeldes, tiveram que expiar seus crimes e sua cegueira voluntária.

(Mateus, vv. 10-11.) Quando Jesus entrou em Jerusalém toda a cidade se abalou. Sim, enorme era a surpresa dos que o viam tão humilde e cercado de tão grande multidão. A fama o precedera, mas o que todos esperavam ver era um doutor orgulhoso do seu saber e trazendo após si longo cortejo.

Perguntavam: "Quem é este?" Desde muito tempo se haviam todos esquecido do menino que no templo ensinava aos doutores.

A multidão que o acompanhava respondia: "Ê Jesus, o profeta de Nazaré da Galiléia". Jesus nunca disse que era Deus. Seus discípulos é que, influenciados pela época, pelos preconceitos e pelas tradições populares, pelo estado das inteligências, pelos fatos ocorridos e pelas aspirações do momento, foram levados a atribuir ao Cristo a divindade, 239

15Ver, sobre a divindade que os homens atribuíram ao Cristo, o Evangelho de João, n. 1, referente aos versículos 1 e 2 do cap. I e a explicação desses versículos em espírito e verdade.

depois de finda a sua missão terrena. Mas, isso só se deu porque, firmando-se nestas palavras que ouviram de sua boca — filho de Deus, meu pai que está no céu, etc. — e tendo em vista os "milagres" por ele realizados, especialmente o fato "miraculoso" da sua "ressurreição" e suas aparições depois desta, não admitindo que a outrem, senão somente a um Deus encarnado, fosse possível realizar todas aquelas coisas milagrosas, eles tudo tomaram ao pé da letra, como era necessário, para atrair as massas.

A fim de destruir os ídolos, fazia-se mister um Deus visível, palpável. Ora, o deísmo inteiramente espiritual não satisfaria, não produziria esse resultado. Foi preciso então proceder de acordo com os tempos, com as condições e as necessidades do progresso humano.

Logo que outras se tornaram essas necessidades, quantas vozes se elevaram a combater o princípio da "Trindade", que representava um esforço feito, em face do monoteísmo, por conservar a unidade na pluralidade e que só tomando um caráter panteísta lograva escapar ao politeísmo! Quantas se elevaram a combater o sacrifício de Deus imolando-se a si próprio para satisfazer à sua própria vingança e resgatar, perante si mesmo, homens que ele podia condenar ou perdoar, por ato exclusivo de sua vontade! Porém, não censureis. Na marcha do tempo e do progresso humano, tudo tem sua razão de ser, segundo a presciência e a sabedoria infinitas do Senhor.

A nova revelação, que vos trazemos, vem dizer-vos o que até aos dias de hoje os homens foram incapazes de suportar.

Despojando da letra o espírito, ela vos vem explicar, em espírito e verdade, quem é Jesus-Cristo.15 240

(Mateus, vv. 12-16; Marcos, vv. 11 e 15-18; Lucas, vv. 45-48.) Todo tráfico tendo por objetivo o reino de Deus constitui uma impiedade.

Lançai o olhar para os tempos hebraicos. Os Judeus resgatavam suas faltas por meio de sacrifícios e os mercadores lhes forneciam as vítimas, os vasos com perfumes, o que tudo era trazido para o templo e aí vendido. Depois, o negócio se ampliou, as transações comerciais se instalaram na casa de Deus. As Bolsas dos tempos de agora, com as suas baixezas, tiveram um modelo no templo de Israel.

Repetimos com Jesus: "Está escrito: Minha casa será chamada por todos os povos casa de oração; e fizestes dela um covil de ladrões". O Espírito da Verdade vem dar cumprimento a essas palavras do Mestre, substituindo o reinado da letra que mata, pelo do espírito que vivifica.

Tempo virá e já veio para vós espíritas, como para todos os homens que hão compreendido e praticam, abstraindo de cultos exteriores, a lei de amor, tempo virá em que não mais se adorará o pai no alto do monte, nem em Jerusalém; em que os homens o adorarão em espírito e verdade; em que, por todas as nações, a Terra será chamada "casa de oração".

Com a prudência e a habilidade do oculista que, operando a catarata, prepara o cego para ver a luz, os Espíritos do Senhor, como mensageiros do Espírito da Verdade, como missionários, encarnados e errantes, vêm e virão levantar progressivamente o véu que rouba aos olhares dos homens a verdade, a fim de que o que era secreto seja conhecido e o que estava oculto se torne patente. Eles vêm e virão encaminhar os homens, mediante a prática da humildade, do desinteresse, 241

da justiça, do amor e da caridade, da renúncia de si mesmos, da indulgência, do perdão e do olvido das ofensas e das injúrias, do devotamento entre todos e por todos, para a verdadeira fraternidade, que só ela pode estabelecer e estabelecerá entre todos, com sinceridade, a igualdade e a liberdade, pela reciprocidade e pela solidariedade, efetivando desse modo a regeneração humana, que o Mestre predisse e prometeu.

Quando a unidade fraternal estiver consumada, o reino de Deus estará estabelecido. Então, no vosso planeta depurado (nova Jerusalém), aparecerá em todo o seu fulgor espírita, como soberano visível para as criaturas igualmente purificadas, o vosso protetor e governador, Jesus, vosso mestre e vosso rei. Então, reboará também o brado imenso que, regenerados, tornados verdadeiramente irmãos, os homens, em conjunto e em uníssono, soltarão, como outrora a multidão que o precedia e acompanhava por ocasião da sua entrada em Jerusalém: Bendito seja o rei que vem em nome do Senhor! Paz seja no céu e glória nas alturas!

E os Espíritos que houverem preparado e efetuado a regeneração, a purificação do vosso planeta e da humanidade, farão de novo ouvir o cântico dos anjos que conduziram os pastores ao estábulo de Belém: Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa-vontade!

NOTA DA EDITORA — Convém ver João, XII, 12:29. 242

MATEUS, Cap. XXI, vv. 18-22. — MARCOS, Cap. XI, vv. 12-14 e 20-26

Parábola da figueira que secou

MATEUS: V. 18. Pela manhã, ao voltar para a cidade, teve fome, — 19, e, vendo uma figueira à beira do caminho, dela se aproximou, mas não achou ali senão folhas. Disse-lhe então: Nunca mais nasça fruto de ti. No mesmo instante a figueira secou. — 20. Vendo isso, os discípulos diziam entre si, tomados de assombro: Como secou num instante! — 21. Disse-lhes então Jesus: Em verdade vos digo, que, se tiverdes fé e não hesitardes em vosso coração, não só fareis isto a uma figueira, mas ainda se disserdes a este monte: Tira-te daí e lança-te no mar, assim se fará. — 22. E obtereis tudo o que com fé pedirdes na vossa prece.

MARCOS: V. 12. No dia seguinte, ao saírem de Betânia, ele teve fome, — 13, e divisando ao longe uma figueira que tinha folhas, foi ver se acharia nela alguma coisa. Aproximando-se, porém, nada achou senão folhas, pois que não era tempo de figos. — 14. Disse-lhe então: Nunca mais coma alguém fruto de ti; o que por seus discípulos foi ouvido.

V. 20. Na manhã seguinte, ao passarem por ali, viram eles que a figueira secara até à. raiz. — 21. Pedro, lembrando-se da palavra do Cristo, disse: Olha, Mestre, como a figueira que amaldiçoaste secou. — 22. Respondeu-lhe Jesus: Tende fé em Deus. — 23. Em verdade vos digo que aquele que disser a este monte: Tira-te dai e lança-te no mar, sem hesitar no seu coração, crente, ao contrário, de que se cumprirá o que houver dito, verá que assim será feito. — 24. Por isso vos digo: Quando orardes, crede que obtereis o que pedis e assim sucederá. — 25. Mas, quando vos puserdes a orar, se alguma coisa tiverdes contra alguém, perdoai-lha, a fim de que vosso pai, que está nos céus, também vos perdoe os pecados. — 26. Porque, se não perdoardes, também vosso pai, que está nos céus, não perdoará os vossos pecados. 243

N. 248. Não confundais nunca, nas narrações evangélicas, as palavras de Jesus, os atos por ele praticados, as diversas manifestações espíritas que se produziram desde o instante em que o seu aparecimento na Terra foi anunciado, preparado e realizado, até o termo da sua missão terrena, o que tudo os evangelistas relataram debaixo da influência mediúnica, como tinha que ser, — com as apreciações, as opiniões, as impressões dos homens, respeito à personalidade do Mestre, à sua natureza, à sua origem, às suas palavras e aos seus atos.

Jesus quis dar uma lição a seus discípulos. Da narrativa de Marcos consta que naquele momento não se achavam na estação dos figos. Ora, sabendo Jesus que a árvore nenhum fruto tinha, outra coisa não visou senão relembrar, aos apóstolos e a quantos o seguiam, estes ensinamentos: que a árvore que não dá frutos é condenada; que, em tempo algum, deve o homem ser estéril; que jamais deve deixar de dar frutos, trabalhando sem cessar pelo seu progresso, pelo seu adiantamento, pelo progresso e adiantamento de seus irmãos.

Jesus, repetimos, dava a seus discípulos uma lição prática. A figueira nada significa, o fato é tudo. Estivesse lá em lugar de uma figueira uma parreira e do mesmo modo teria sido fulminada. Jesus tinha que atuar sobre as inteligências e não sobre a matéria.

Ó homens materiais, que não compreendeis senão o que vos parece matemático, para Jesus a árvore não passou de um meio de que ele se serviu a fim de tornar compreensível aos homens que lhes cumpre dar frutos em todas as épocas. Os discípulos, que ignoravam a ciência do mundo, mas já tinham a percepção das coisas espirituais, compreenderam, tanto que não disseram ao Mestre: Porque fulminas esta árvore que não pode dar frutos, uma vez que não estamos na estação 244

própria? limitando-se a dizer: Como secou num instante!

Ao que Jesus respondeu: A fé tudo pode. Isto não equivalia a dizer que a vontade forte fora a causa determinante do fato que os surpreendia?

O exemplo que ele deu visava tocar a imaginação dos que o seguiam, fazendo-lhes compreender a necessidade de não serem estéreis em tempo algum; destinava-se a ensinar-lhes o poder e a força da vontade, se apoiada na fé. Cumpria que, quando não mais na Terra estivesse, eles fossem instrumentos simultaneamente dóceis e inconscientes dos Espíritos do Senhor, que os assistiriam no desempenho de suas missões.

Dizendo à figueira, onde só folhas encontrara: Nunca mais de ti nasça fruto, e fazendo que a árvore secasse imediatamente, apenas teve em mira, não o esqueçais, atentos o estado das inteligências e as necessidades da época, bater forte para ser compreendido.

Longe vinham ainda os tempos em que as suas palavras e o fenômeno operado haviam de ser explicados em espirito e verdade. As massas, portanto, muito materiais, precisavam ser impressionadas materialmente.

Vós, espíritas, compreendereis o fenômeno e de que modo a figueira secou subitamente. A uma ordem mental de Jesus e por efeito de sua vontade, os Espíritos prepostos ao que concerne à vegetação retiraram da seiva, por uma ação instantânea, juntamente com a essência espiritual, que foi levada para outro ponto, os fluidos que dão a vida e os fluidos necessários à vegetação material.

O efeito produzido pela subtração dos fluidos vitais foi idêntico ao que produz o vento do deserto que seca toda planta sobre que sopra. Os discípulos notaram imediatamente a ação exercida sobre a árvore e, no dia seguinte, ainda se detiveram a lhe verificarem os efeitos. 245

Assim é que as duas narrações evangélicas se completam reciprocamente, com duas ordens distintas de palavras, de diálogos, de ensinamentos.

Compreendei igualmente o espírito destas palavras, oculto também sob o véu da letra: Nunca mais nasça fruto de ti. Elas encerram a condenação do dogma católico da ressurreição dos corpos. O que se deu com a figueira, que subitamente secou, dá-se com o homem que, alvejado pelo anjo da libertação quando menos o espera, morre de súbito, sem haver produzido nenhum fruto. Porventura, uma vez seco, vosso corpo ainda produz novos frutos? Não. Mas o vosso Espírito, não continua, ao contrário, por meio da expiação na erraticidade e depois por meio da reencarnação, a sua marcha pela senda do progresso?

A figueira que secou não mais podia dar frutos, porém, o princípio espiritual, como acabamos de dizer, fora para outro ponto, a fim de continuar a sua marcha progressiva dentro da unidade infinita em que tudo — pela vontade de Deus, criador universal, inteligência suprema e eterna — procede do infinitamente pequeno e culmina no infinitamente grande, sob a vigência das leis gerais e imutáveis, que se aplicam e executam pela ação espírita, leis que são da essência mesma do criador incriado e constituem o que chamais "as leis da natureza".

A parábola da figueira que secou teve por objeto concitar o homem a utilizar a existência terrena, que o Senhor lhe concede para expiar, reparar e progredir, com o auxílio e o amparo do seu anjo guardião e dos bons Espíritos.

Essa parábola adverte o homem de que o Espírito culpado que, até à época em que se operar a separação do joio e do bom grão, permanecer surdo às inspirações do seu anjo guardião e dos bons Espíritos, rebelde, não obstante acharem-se-lhe abertas as sendas da expiação, da reparação e do progresso, não mais dará frutos na Terra. 246

Será rechaçado para mundos inferiores, correspondentes ao grau da sua culpabilidade e às necessidades do seu progresso, do seu adiantamento.

Jesus vos mostrou, de um lado, a esperança permanente de melhorar o homem e a perseverança dos Espíritos, a quem essa obra está confiada, em intercederem a favor do culpado, até que consigam fazê-lo chegar à condição de dar frutos; de outro, a natureza ingrata e seca, que nenhum esforço será capaz de modificar e que, por isso, cumpre seja afastada de um meio onde a sua conservação só poderia ser nociva.

Quanto ao sentido simbólico, segundo o espírito, das palavras que Jesus dirigiu a seus discípulos, conforme aos vv. 20-22 de Mateus, e a Pedro, conforme aos vv. 23-26 de Marcos, já recebestes as explicações necessárias, às quais vos deveis reportar. Não temos que voltar a esse ponto. 247

MATEUS, Cap. XXI, vv. 23-32. — MARCOS, Capítulo XI, vv. 27-33. — LUCAS, Cap. XX, vv. 1-8

Reposta de Jesus aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos anciãos do povo. Parábola dos dois filhos

MATEUS: V. 23. Tendo vindo ao templo e estando a ensinar, chegaram-se a ele os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo e lhe perguntaram: Com que autoridade fazes estas coisas e quem te deu este poder? — 24. Respondeu Jesus: Também eu vos farei uma pergunta e, se me responderdes, dir-vos-ei com que autoridade faço estas coisas. — 25. Donde era o batismo de João? do céu ou dos homens? Eles, porém, discorriam assim entre si: — 26. Se respondermos que era do céu, ele nos dirá: Porque então não lhe destes crédito? Se respondermos que era dos homens, teremos que temer o povo, pois que João era tido por todos como profeta. — 27. Responderam então a Jesus: Não sabemos. Replicou-lhes ele: Não vos direi tampouco com que autoridade faço estas coisas. — 28. Mas, que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: Meu filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. — 29. Ao que o filho respondeu: Não quero. Mais tarde, entretanto, tocado de arrependimento foi. — 30. Dirigindo-se ao outro filho, disse-lhe o homem a mesma coisa. Este respondeu: Eu vou, Senhor, e não foi. — 31. Qual dos dois fez a vontade do pai? O primeiro, disseram eles. Observou-lhes então Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino de Deus. — 32. Porquanto, João veio a vós pelo caminho da justiça e não o acreditastes, ao passo que os publicanos e as meretrizes creram nele. Vós, nem mesmo depois de ver isso, fizestes penitência, nem ficastes inclinados a crê-lo.

MARCOS: V. 27. Voltaram novamente a Jerusalém. E, andando Jesus pelo templo, dele se aproximaram os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os anciãos. — 28. E lhe perguntaram: Com que auto- 248

ridade fazes estas coisas? Quem te deu o poder de fazer o que fazes? — 29. Respondeu-lhes Jesus: Também eu vos farei uma pergunta; respondei-me e depois entâo vos direi com que autoridade faço estas coisas. — 30. O batismo de João era do céu ou dos homens? respondei-me. — 31. Eles se puseram a raciocinar entre si deste modo: Se respondermos que era do céu, ele dirá: Porque, então, não o crestes? — 32. Se dissermos que era dos homens, teremos que temer o povo; porque todos consideravam João verdadeiramente um profeta. — 33. A vista disso, responderam a Jesus: Não sabemos. Jesus lhes retrucou: Nem eu tampouco vos direi com que autoridade faço estas coisas.

LUCAS: V. 1. Sucedeu que certo dia estando Jesus no templo a ensinar e a anunciar o evangelho ao povo, lá se reuniram os príncipes dos sacerdotes e os escribas com os anciãos. — 2. E lhe falaram nestes termos: Dize-nos com que autoridade fazes estas coisas? ou: quem te deu esse poder? — 3. Respondeu-lhes Jesus: Também eu vos farei uma pergunta. Respondei-me: — 4. O batismo de João era do céu ou dos homens? — 5. Eles, consultando-se mutuamente, diziam entre si: Se respondermos que era do céu, ele nos dirá: Porque então não crestes nele? — 6. Se dissermos que era dos homens, todo o povo nos apedrejará, pois está convencido de que João era profeta. — 7. Responderam, portanto, que não sabiam donde era. — 8. Replicou-lhes Jesus: Então, também não vos direi com que autoridade faço estas coisas.

N. 249. Jesus se dirigia aos que, tendo sido testemunhas dos atos de João, não se renderam à evidência. Não tendo compreendido em que fonte hauria ele a sua força, ainda menos compreenderiam e admitiriam o testemunho da sua palavra.

Se lhes respondera que o poder lhe vinha de Deus, houvera provocado os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os fariseus a apressarem o momento em que a sua missão terminaria. É o que deixou claramente transparecer, evitando responder diretamente à pergunta que lhe fora feita. 249

Promessas realizáveis no futuro e estímulo para o presente encontrareis ainda nestas palavras do Mestre: "os publicanos e as meretrizes vos precederão no reino dos céus". Esses são os filhos rebeldes que tardam em ir trabalhar na vinha do Senhor, que só vão tardiamente, quando arrependidos, mas que vão. Enquanto que vós, orgulhosos, que destes na Igreja os primeiros passos, que dissestes: "Vou, Senhor", mas ficastes parados, que haveis mesmo, muitas vezes, retrogradado, chegareis tarde, muito tarde ao reino dos céus, pois que será mister compreendais a vossa falta. Tereis que ir para "a vinha do Senhor", tereis que trabalhar nela com ardor, a fim de recuperardes o tempo perdido. Quando chegardes, os publicanos e os de má vida, que se arrependeram a tempo, que cumpriram a sua tarefa, lá estarão desde muito à vossa espera para vos estenderem as mãos e vos ajudarem a transpor a entrada.

Ouçam os príncipes dos sacerdotes, os escribas e os fariseus, vossos contemporâneos, que tenham ouvidos de ouvir. 250

MATEUS, Cap. XXI, vv. 33-41. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 1-9. — LUCAS, Cap. XX, vv. 9-16

Parábola da vinha e dos vinhateiros

MATEUS: V. 33. Ouvi outra parábola: Um homem pai de família havia que plantou uma vinha. Cercou-a com uma sebe, cavou no interior um lagar, edificou uma torre, arrendou a vinha a alguns agricultores e partiu para longe. — 34. Aproximando-se a estação dos frutos, mandou ele seus servos aos vinhateiros para receberem os frutos que lhe cabiam. — 35. Os vinhateiros, porém, agarraram os servos, feriram a um, mataram a outro e a outro apedrejaram. — 36. De novo o dono da vinha mandou outros servos em maior número do que os primeiros e os vinhateiros os trataram do mesmo modo. — 37. Mandou por último seu próprio filho, dizendo: A meu filho eles terão respeito. — 38. Mas, ao vê-lo, os vinhateiros disseram entre si : Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo e ficaremos donos da sua herança. — 39. Agarraram-no, lançaram-no fora da vinha e o mataram. — 40. Ora, quando o dono da vinha vier, que fará àqueles agricultores? — 41. Responderam-lhe: Aniquilará os malvados como merecem, arrendará a vinha a outros vinhateiros, que, nas épocas próprias, lhe entreguem os frutos.

MARCOS: V. 1. Começou depois Jesus a lhes falar por parábolas: Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou no interior um lagar, edificou uma torre, arrendou a vinha a uns vinhateiros e retirou-se para longe. — 2. Chegado o tempo da colheita, mandou um de seus servos aos vinhateiros, para receber o que lhe deviam do fruto da vinha. — 3. Os vinhateiros, porém, agarraram o servo, deram-lhe pancada e o enxotaram sem coisa alguma. — 4. Mandou-lhes de novo outro servo e também a este feriram na cabeça e o afrontaram de toda sorte. — 5. Tornou a mandar outro servo; a este mataram; mandou-lhes muitos; mataram a uns e espancaram a outros. — 6. Mas, como ainda lhe restava 251

um filho a quem ele muito amava, mandou-o por último, dizendo: Meu filho eles respeitarão. — 7. Porém, os vinhateiros disseram uns aos outros: Este é o herdeiro; vamos, matemo-lo e será nossa a herança. — 8. E o agarraram, mataram e puseram fora da vinha. — 9. Que fará o dono desta? Virá, exterminará os vinhateiros e a outros a entregará.

LUCAS: V. 9. E começou a dizer ao povo esta parábola: Um homem plantou uma vinha, arrendou-a a uns vinhateiros e se ausentou do país por longo tempo. — 10. Na ocasião própria mandou um servo aos vinhateiros para que estes lhe dessem do fruto da vinha. Os vinhateiros, porém, o espancaram e recambiaram sem coisa alguma. — 11. Mandou outro servo. A este também espancaram, ultrajaram e despediram com as mãos vazias. — 12. Mandou ainda um terceiro, que os vinhateiros feriram e expulsaram da vinha. — 13. Considerou então o dono da vinha: Que farei? Mandarei meu filho muito amado. Talvez que, vendo-o, lhe tenham respeito. — 14. Mas, ao vê-lo, os vinhateiros disseram entre si: Este é o herdeiro; matemo-lo para que fique sendo nossa a herança. — 15. E o puseram fora da vinha e o mataram. Que lhes fará o Senhor da vinha? — 16. Virá, exterminá-los-á e a dará a outros. Ouvindo isto, disseram os príncipes dos sacerdotes: Deus tal não permita.

N. 250. O povo de Israel constitui o emblema da parábola.

Ele é a vinha que o Senhor plantou. A sebe de que a cercou representa os cuidados que tomou para conservar a lembrança do seu nome entre os Hebreus.

O lagar que o pai de família cavou é uma expressão alegórica, empregada para completar o pensamento e mostrar que nada fora esquecido, a fim de que a vinha produzisse o que devia produzir. Porquanto, produto da vinha não é somente o fruto que se colhe na época da maturação e que se estraga se não é utilizado nas condições necessárias à conservação do que ele encerra em si mesmo, o 252

suco, que se extrai espremendo-o e macerando-lhe a parte material, perecível, a fim de tirar dela o espírito, que não se altera e eternamente dura. Veladamente, o lagar era, para os Judeus, como para os outros homens, o emblema da provação, da expiação, da reencarnação.

A torre seria a habitação indestrutível dos vinhateiros, se eles houveram cuidado devidamente da vinha, o lugar seguro onde conservariam o suco da uva, se, pelo trabalho, lhe houveram sabido dar as propriedades e a pureza de que necessitava para ser ali armazenado.

A estação do amadurecimento dos frutos indica a época em que os Judeus deveram ter produzido frutos de justiça, dignos de serem colhidos para a eternidade.

Os servos do dono da vinha são os profetas, que repetidamente vieram fazer sentir aos homens que não estavam trilhando o caminho que lhes fora traçado. Aproximava-se a sazão dos frutos quando, tendo recebido as instruções necessárias ao seu adiantamento, cumpria aos homens aproveitar-se delas, de modo que produzissem bons frutos.

Quanto ao bem-amado filho do pai de família, pronto em sacrificar, aos olhos dos homens, a sua vida, para levar ao pai os frutos maduros da sua vinha, não precisais que vo-lo indiquemos.

Os Judeus são os vinhateiros revoltados, dos quais o Senhor retira a sua proteção, por isso que destruíram o que lhes corria o dever de amar e respeitar.

Este é o herdeiro, dizem os vinhateiros da parábola, vamos, matemo-lo e a herança será nossa. Pensamento material, que não permite veja o homem mais do que o instante da sua vida atual e os atos que lhe concernem, ocultando-lhe as conseqüências que advirão do seu proceder, não lhe deixando abertos senão os olhos da matéria, pois que lhe fecha violentamente os da alma.

Aquelas palavras tiveram por fim mostrar 253

16 MATEUS, cap. XXIV, vv. 3 e 34. — LUCAS, cap. XXI, v. 32.

a todos a cegueira dos que, recusando dar a Deus o que é de Deus, repelindo todas as advertências que lhes foram feitas e ainda o são, pensavam nada terem que recear daquele a quem ofendiam e ainda ofendem com a ingratidão e o endurecimento que demonstram.

Dissemos: "que lhes foram e ainda são feitas" e "daquele a quem ofendiam e ainda ofendem". Os a quem se aplicavam essas palavras da parábola estão, em parte, reencarnados na Terra. O que elas objetivavam mostrar a todos se aplica a esses, como a vós outros. A geração daquele tempo não passou, conforme o disse Jesus nestes termos: "Esta geração não passará sem que tenhais visto vir o filho do homem na sua glória.".16

Segundo a parábola, não houve mudança de vinhateiros até ao momento em que o filho do pai de família foi "morto". Sucederam-se, até então, os servos, os enviados do Senhor e não os vinhateiros.

O povo judeu representa os vinhateiros até à morte aparente de Jesus. A partir do termo da missão terrena do Mestre, a vinha foi retirada do poder dos "maus" vinhateiros e dada a "outros". Vós, cristãos, substituístes os Judeus e fostes até ao presente os novos vinhateiros. A vinha que o Senhor vos arrendou é a humanidade inteira do vosso planeta, Judeus e Gentios. A sebe com que a cercou é a lei de amor, que o seu filho bem-amado, a mandado seu, veio pregar aos homens pela palavra e pelo exemplo, lei essa destinada a unir-vos todos, abstração feita dos cultos, sejam quais forem, que se pratiquem no monte ou em Jerusalém.

Os novos vinhateiros foram e serão todos aqueles a quem foi dado o encargo de cultivar a vinha, trabalhando, material, moral e intelectualmente, 254

para seu progresso pessoal pelo aperfeiçoamento próprio e para o progresso coletivo pelo aperfeiçoamento de seus irmãos, fazendo que, pelo ensino e pela prática da fraternidade, a vinha produza frutos de justiça e de caridade, de ciência e de amor.

O lagar, que serviu e há de servir para desses frutos tirar-se o suco, espremendo-se-lhes a parte material e perecível, para deles extrair-se o espírito que não se altera e dura eternamente, foi sempre e é a reencarnação. Esse o único meio de que dispõe o Espírito que faliu "para ver", como o disse Jesus sob o véu da letra, o "reino de Deus", isto é, em espírito e verdade, o único meio que há, para ele, de realizar a purificação e o progresso, mediante os quais chegará à regeneração, que o levará à perfeição moral.

A torre é o vosso planeta que, uma vez depurado, se tornará a habitação indestrutível dos vinhateiros que tiverem cuidado da vinha, o lugar seguro onde eles depositarão o suco da uva quando lhe houverem dado, pelo trabalho, a propriedade e a pureza de que necessita para ser guardado nela.

Os novos vinhateiros, que, sob o véu da letra, tomaram conta da vinha durante a era cristã até aos vossos dias, depois de, por algum tempo, tê-la feito produzir frutos na época, própria, acabaram por pensar, como os primeiros de quem foram os sucessores, que lhes ela pertencia. Em cada nova estação, menor era a colheita e, afinal, chegaram ao ponto de a vinha quase nada mais produzir.

O pai de família manda novamente seus servos para reclamarem os frutos que lhe são devidos. Não recuseis recebê-los, não repilais os servos, missionários encarnados e errantes, que, enviados do Senhor, vêm, em nome do Mestre, reencaminhar-vos à prática da sua moral simples e sublime, pois que vos vêm ensinar progressivamente toda a verdade, conduzir, pelas vias da justiça, da cari- 255

dade, da ciência e do amor, à unidade fraternal. Não repilais esses servos, órgãos do Espírito da Verdade, porquanto, se os repelirdes, a justiça do Senhor cairá sobre vós e seu filho virá, é certo, mas para expulsar da vinha os vinhateiros culpados, isto é, que não lhe apresentarem os frutos que deveram ter colhido. Então é que se ouvirão "prantos e ranger de dentes". Aprendei bem o sentido destas últimas palavras. Elas se aplicam aos que rejeitarem esta terceira explosão do amor do seu Criador, O filho do homem prometeu voltar na sua glória, para escolher os filhos do pai de família, os bons trabalhadores da vinha.

Quando chegar o tempo de ultimar-se a regeneração do vosso planeta (e ele não vem longe), os homens serão separados, conforme vos foi dito. Os bons irão para a direita do Senhor, isto é, permanecerão no planeta terreno, prestes a tornar-se um dos mundos superiores. Os maus se verão colocados à sua esquerda: serão mandados para os lugares de trevas, isto é, serão primeiramente submetidos à expiação na erraticidade, depois rechaçados para planetas inferiores. Assim se operará a separação do joio e do bom grão, que completará a depuração da terra.

Deveis contar que vereis renovar-se a raça material do vosso globo e essa renovação não se pode efetuar senão por meio da destruição da matéria compacta que vos envolve e que será substituída progressivamente, pouco a pouco, pela essência que recobrirá os vossos Espíritos, essência que se irá tornando cada vez menos material e aproximando cada vez mais do estado fluídico.

Não creais, todavia, que essa mudança se opere de um momento para outro. Para o Senhor, vós o sabeis, o tempo não tem limites: ontem e amanhã são para ele a mesma coisa.

Cada fase dessa renovação será assinalada pelo que chamais — calamidades públicas, flagelos. Essa a ocasião em que os maus vinhateiros 256

serão expulsos. O dono da vinha é o Senhor. Ele virá quando o seu reino se implantar em todos os corações. Só então estará entre vós. O Senhor é Deus, que reina nos corações dos puros. 257

MATEUS, Cap. XXI, vv. 42-46. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 10-12, — LUCAS, Cap. XX, vv. 17-19

Continuação da parábola da vinha e dos vinhateiros. — Jesus, pedra angular

MATEUS: V. 42. Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes isto nas Escrituras: "A pedra que os edificadores recusaram se tornou pedra angular; obra foi isto do Senhor, maravilhosa aos nossos olhos"? — 43. Eis porque declaro que o reino de Deus vos será tirado e dado a um povo que dele colha frutos. — 44. Aquele que se deixar cair sobre essa pedra se despedaçará e aquele sobre quem ela cair ficará esmagado. — 45. Ouvindo essas palavras, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus conheceram que era deles que Jesus falava. — 46. Quiseram então apoderar-se deste, mas temeram o povo, que o considerava um profeta.

MARCOS: V. 10. Nunca lestes esta passagem da Escritura: "A pedra que os que edificavam rejeitaram se tornou a pedra principal do ângulo. — 11. Foi o Senhor quem fez isso, que os nossos olhos contemplam maravilhados"? — 12. Eles procuravam meio de prendê-lo, pois perceberam que a eles se referia Jesus nessa parábola, mas, como temessem o povo, lá o deixaram e se retiraram.

LUCAS: V. 17. Mas, Jesus, fitando-os, lhes perguntou: Que quer então dizer esta palavra da Escritura: "A pedra que os que edificavam recusaram veio a ser a pedra angular. — 18. Todo aquele que cair sobre essa pedra se despedaçará e ficará esmagado aquele sobre quem ela cair"? — 19. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas tiveram gana de lhe deitarem as mãos naquele mesmo instante, pois perceberam que aquela parábola fora dita com relação a eles, mas recearam do povo.

N. 251. Essas palavras proferidas sob o manto da parábola abrangiam a época em que 258

foram ditas e o futuro. Aplicam-se aos príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos fariseus do vosso tempo, como se aplicavam aos de então.

Jesus se referia, assim, à época humana em que eles viviam, como à em que viveis.

Ele personifica a moral, a lei de amor que pregou aos homens pela palavra e pelo exemplo; personifica a doutrina que ensinou e que, sob o véu da letra, é a fórmula das verdades eternas, doutrina que, como ele próprio o disse, não é sua, mas daquele que o enviou. Ele é a pedra angular.

Os que rejeitam a pedra que se lhes oferece para a construção do edifício que os há de abrigar na eternidade, rejeitam a pedra angular, aquela que os sustentará. Contra ela se despedaçarão.

Os Judeus repeliram a Jesus, o enviado, o ungido do Senhor. Despedaçaram-se de encontro a essa pedra, que havia e há de resistir aos séculos dos séculos.

Não a rejeiteis, a vosso turno, porquanto a mesma sorte vos aguardará.

O Espiritismo não é a personificação do Cristo; é, porém, a expressão do seu pensamento, a continuação e a conclusão da sua obra. Tendo soado a hora em que o reinado do espírito que vivifica substituirá o da letra que mata, Jesus, depois de ter estado entre vós, vos envia o Espírito da Verdade, por intermédio dos Espíritos do Senhor, missionários errantes e encarnados. Ele vos envia e vos enviará sucessivamente os servos do pai de família.

Não vos choqueis contra essa pedra fundamental do edifício da vossa felicidade eterna; não vos condeneis às trevas, despedaçando-vos contra ela. Não busqueis a "morte", porquanto, para o Espírito, a retrogradação das faculdades materiais de que ele se serve, seu sepultamento nos sepulcros de carne constituem o "inferno" com todos os seus horrores e todas as suas torturas.

Na linguagem da parábola, disse Jesus aos 259

príncipes dos sacerdotes, aos escribas e aos fariseus: "O reino de Deus vos será tirado e dado a outro povo que dele colha frutos."

Sim, o reino de Deus foi, é e será tirado a todos os que, na vossa humanidade, foram, são e vieram a ser orgulhosos, egoístas, ou materialistas, por isso que o orgulho, o egoísmo, a cupidez, o sensualismo, a intolerância, a ambição, o fanatismo, o materialismo, a predominância da matéria, ou a escravização aos apetites materiais são outros tantos obstáculos ao progresso, ao desenvolvimento do Espírito e ao seu aperfeiçoamento.

O reino de Deus foi, é e será dado aos que, ainda não tendo visto a luz, não têm estado em condições de compreender; aos que entraram, entram e entrarão, sinceramente, em a nova estrada que o Cristo abriu e para a qual o Espírito da Verdade vos vem encaminhar, ajudando-vos ao mesmo tempo a percorrê-la de modo seguro e sem desvios; aos que, tendo vivido "fora da Igreja", pouco importa em que tempo, entraram, entram e entrarão, abstraindo de cultos exteriores, no santuário do justo, pela prática da lei de amor; aos que se prosternaram, prosternam e prosternarão, cheios de humildade e reconhecimento, ante a grandeza do Criador, produzindo assim frutos de justiça e de caridade.

Novos vinhateiros, homens, irmãos nossos, quem quer que sejais, Judeus e Gentios, cristãos, espíritas, a vinha que vos foi arrendada é a humanidade inteira. Fazei-a produzir frutos e estai sempre prontos, em cada nova sazão, a entregá-los aos servos que o Senhor vos envia e enviará com o encargo de recebê-los. O mandamento prescreve que "vos ameis uns aos outros". Pela palavra e pelo exemplo, ensinai aos vossos irmãos da Terra que no progresso coletivo se encontra a condição do progresso pessoal de cada um. Ensinai-lhes que a cada um será dado de acordo com suas obras. Trabalhai ativamente e sem cessar pela união 260

fraternal de todos os homens, pelos congregar em torno da vossa bandeira, tendo esta por lema — amor e caridade.

Agitai por sobre as vossas cabeças o facho da luz espírita, a fim de que ela projete cada vez mais longe o seu brilho, a fim de que seus raios atinjam todos os pontos do planeta e esclareçam a humanidade acerca de suas origens, de seus fins, de seus destinos. Ensinai e propagai, pela palavra e pelo exemplo, a lei de amor, os modos e os meios de praticá-la, material, moral e intelectualmente. Preparai dessa maneira o advento do espírito e a vinda dos tempos preditos e prometidos, em que não mais se adorará o pai sobre o monte ou em Jerusalém; dos tempos em que, tendo rejeitado todos os mandamentos humanos e não obedecendo, abstração feita de cultos exteriores, senão aos mandamentos de Deus, que, conforme o proclamou o seu Cristo, encerram toda a lei e os profetas, os homens serão adoradores do pai em espírito e em verdade; dos tempos em que, sendo todos um pela comunhão dos pensamentos, dos corações e dos atos, estreitamente unidos pela prática do amor e da fraternidade, todos se reunirão em nome de Jesus, que então estará entre todos, para praticarem a adoração do Criador pela prece e pela instrução em comum, sob a presidência do mais digno, do de maior mérito pelo seu adiantamento moral e intelectual. A esse a presidência será deferida por voto unânime, visto que, então, o "Espírito Santo" se achará com os que o escolherem, todos verdadeiros membros da Igreja do Cristo. 261

LUCAS, Cap. XIV, vv. 1-6

Cura de um hidrópico, em dia de sábado, na casa de um dos principais fariseus

V. 1. Tendo Jesus entrado em certo sábado na casa de um dos principais fariseus para comer, os que lá estavam se puseram a observá-lo. — 2. Defronte dele se achava um homem hidrópico. — 3. E Jesus, dirigindo-se aos doutores da lei e aos fariseus, perguntou: É licito curar em dia de sábado? — 4. Todos guardaram silêncio. Jesus então, pondo a mão no homem, o curou e mandou embora. — 5. Disse-lhes em seguida: Qual de vós, cujo boi ou jumento caiu num poço, não o tirará logo daí por ser dia de sábado? — 6. A isto nada puderam responder.

N. 252. O hidrópico, como diz o evangelista, estava defronte de Jesus. Os doutores da lei, os, fariseus e quantos o rodeavam observavam o Mestre. Aquele doente eles o trouxeram para ali com o fim de tentarem a Jesus e de o apanharem em falta. Se, obedecendo aos generosos impulsos do seu coração, curasse o hidrópico, acusa-lo-iam de violar o sábado. Se, por escrupulosa observância do sábado, não o fizesse, acusa-lo-iam de negligente em praticar uma boa ação.

Já vos explicamos tudo com relação ao sábado. Também já recebestes as explicações necessárias para poderdes compreender a cura do hidrópico. Operou-a o poder magnético de que Jesus dispunha, como sabeis.

Os homens se obstinam em não pesquisar as causas para comprovar e compreender os efeitos. Qual a causa originária da hidropsia? Um empobrecimento do sangue, cujo quilo diminui, sendo substituído pelas partes aquosas que ele contém. E esse empobrecimento resulta de uma alteração 262

dos princípios vitais, por efeito de privações ou de excessos.

Bem dirigida, a ação magnética humana pode deter os progressos dessa decomposição do sangue e mesmo fazê-la cessar, mas só com tempo e perseverança, porquanto os instrumentos ainda não são bastante puros para não alterarem ou apoucarem, pelo seu contacto, os fluidos de que dispõem.

Jesus, magnetizador perfeito, empregava os princípios curativos em toda a sua pureza e, conseguintemente, no seu máximo grau de eficácia. Não se vos disse que a tumefação produzida pela enfermidade cessou inopinadamente. Disse-se apenas que a enfermidade foi curada. O mal fora destruído; o equilíbrio se restabeleceu como conseqüência da ação magnética exercida, da ação dos fluidos de que Jesus impregnara o organismo do doente.

Operada a cura, mandou ele embora o homem. O mal chegara a uma de suas últimas fases e a fraqueza obstava a que o hidrópico fizesse qualquer esforço. Dissemos acima que ele fora levado para ali propositadamente. Jesus, entretanto, o mandou embora. É que lhe dera forças para se retirar e esse era o prelúdio da cura visível: a desinchação. 263

LUCAS, Cap. XIV, vv. 7-11

Ocupar o último lugar. — Humildade

V. 7. Notando, em seguida, que os sacerdotes escolhiam os primeiros lugares à mesa, propôs-lhes esta parábola: — 8. Quando fores convidado para alguma boda, não tomes o primeiro lugar, para não suceder que, havendo entre os convidados pessoa de mais consideração do que tu, — 9, aquele que te convidou a ti e a essa pessoa venha dizer-te: Dá a este esse lugar; e te vejas constrangido a ir, envergonhado, ocupar o último lugar. — 10. Ao contrário, quando fores convidado, vai e toma o último lugar, a fim de que aquele que te convidou, quando chegar, te diga: Amigo, senta-te mais para cima; o que será para ti uma glória diante de todos os que contigo estiveram à mesa. — 11. Porquanto, todo aquele que se exalta será humilhado e todo aquele que se humilha será exaltado.

N. 253. "Humildade".

Jesus repete amiúde, sob diversas formas, em ocasiões e lugares diferentes, a lição da humildade, pois que a humildade é a fonte de todas as virtudes, de todo o progresso e de toda a elevação moral e intelectual, sendo o orgulho, ao contrário, o vício mais difícil de desarraigar do coração do homem e a causa principal dos vícios que degradam o Espírito, assim como das suas quedas e das perdas que sofre. 264

LUCAS, Cap. XIV, vv. 12-15

Convidar os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. — Desinteresse

V. 12. Disse também ao que o havia convidado: Quando deres algum jantar ou ceia, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos, para não suceder que também eles te convidem por sua vez e assim te retribuam. — 13. Ao contrário, quando deres algum festim, convida os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. — 14. E bem-aventurado serás porque esses não têm com que te retribuir; Deus é quem te retribuirá na ressurreição dos justos. — 15. Ao ouvir essas palavras, disse-lhe um dos que estavam à mesa: Bem-aventurado aquele que comer do pão no reino de Deus.

N. 254. Desinteresse! O homem está sempre propenso a só pensar em si. O mais das vezes, o bem que faz não passa de um empréstimo, do qual espera auferir largos juros. Esquadrinhai a maior parte dos atos humanos e descobrireis no homem o desejo de ser pago do bem praticado, seja pelo reconhecimento do beneficiado, seja pelos elogios do mundo, seja pelo merecimento que julgue adquirir desse modo aos olhos de Deus. Estes móveis, particularmente o último, podem ser nobres, mas não devem ser exclusivos. Nunca, entendei bem, nunca deveis cogitar do proveito que possais tirar de uma boa ação, de um bom pensamento. Deveis sempre ter por objetivo principal dar testemunho do vosso reconhecimento ao Senhor.

Efetivamente, que responderíeis ao vosso filho, que não cumprisse um só de seus deveres para convosco ou para com seus irmãos ou irmãs, sem vos ir imediatamente dizer: "Fiz isto; que me darás em recompensa?" — Sem dúvida lhe 265

responderíeis: "A principal recompensa está em haveres cumprido o teu dever. Procedendo como procedeste, cumpriste uma pequena, uma insignificante parte das tuas obrigações. Porque hás de tirar ao teu procedimento todo o valor, exagerando-lhe o mérito e reclamando a retribuição dele, em obediência a um pensamento de orgulho ou de egoísmo ?"

Não vos atenhais à letra que mata, buscai sempre o espírito que vivifica, nas palavras de Jesus. Ele não pensou em condenar as relações de família, de amizade. Apenas ensinou a prática do desinteresse, por toda parte e constantemente, no seio da grande família humana. Ensinou que os festins da caridade material, que sustenta o corpo, dando-lhe alimento, vestes e abrigo, assim como os da caridade moral, que alimenta e desenvolve a alma, devem substituir o luxo, a ostentação e o orgulho desses festins que se originam do interesse calculado, da vaidade, ou da sensualidade, nos quais se dissipa o supérfluo devido aos pobres que, material, moral e intelectualmente, carecem do necessário.

Jesus apropriava sua linguagem às inteligências de homens materiais, a fim de as abalar e impressionar fortemente.

"Bem-aventurado serás, disse ele, porque os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos não têm com que te retribuir; Deus é quem te retribuirá na ressurreição dos justos. Ao ouvir isso, diz o Evangelho, um dos que estavam à mesa disse: Bem-aventurado aquele que comer do pão no reino de Deus."

Perfeitamente compreensíveis são estas palavras. Do ponto de vista humano, aludem aos que participam da vida feliz dos justos. Para homens materiais, qualquer pensamento se reporta à matéria. Daí o apresentar-se ao espírito do Judeu a idéia dos festins celestes. 266

A ressurreição do justo é o seu regresso à pátria. Aquele, que, durante a sua peregrinação humana, viveu submisso às vontades do Senhor, será por este recebido, quando voltar à pátria. Para o Espírito, a ressurreição do justo consiste em libertar-se ele da necessidade de volver aos mundos inferiores de provações e expiações; consiste em ascender a mundos superiores ao vosso. 267

MATEUS, Cap. XXII, vv. 1-14. — LUCAS, Cap. XIV, vv. 16-24

Parábola das bodas e dos convidados que se escusam

MATEUS: V. 1. Falando de novo por parábolas, disse-lhes Jesus : — 2. O reino dos céus se assemelha a um rei que celebrou as bodas de seu filho. — 3. Mandou que seus servos fossem chamar os convidados para a festa; estes, porém, não quiseram ir. — 4. Mandou outros servos recomendando-lhes que dissessem de sua parte aos convidados: O meu banquete está preparado; estão mortos os meus bois e os meus cevados; tudo está pronto; vinde às bodas. — 5. Mas, eles nenhum caso fizeram do convite e lá se foram, este para sua casa de campo, aquele para seu negócio; — 6, enquanto outros agarraram os servos, os ultrajaram e mataram. — 7. O rei, ao saber do ocorrido, se encolerizou e, enviando seus exércitos, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. — 8. E disse aos seus servos: De fato, o banquete das bodas está preparado, mas aqueles a quem convidei não foram dignos da festa. — 9. Ide, pois, às encruzilhadas e chamai para as bodas todos os que encontrardes. — 10. Saíram os servos pelos caminhos e ruas e reuniram todos os que encontraram, bons e maus, de sorte que a sala da festa se encheu de convivas. — 11. Entrou em seguida o rei para ver os que estavam à mesa e, dando com um que não trajava a veste nupcial, — 12, lhe perguntou: Amigo, como entraste aqui sem a veste nupcial? O interpelado guardou silêncio. — 13. Disse então o rei a seus servos : Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores; aí haverá pranto e ranger de dentes. — 14. Porque, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.

LUCAS : V. 16. Disse-lhes então Jesus : Um homem preparou uma grande ceia e convidou a muitas pessoas. — 17. A hora da ceia, mandou que um servo fosse dizer aos convidados que viessem, pois 268

que tudo estava pronto. — 18. Todos, como de comum acordo, começaram a escusar-se. Disse o primeiro: Comprei uma quinta e preciso ir vê-la; peço-te que me dês por escusado. — 19. Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las, disse outro. Rogo-te que me dês por escusado. — 20. Casei-me, disse um terceiro, e por isso não posso ir. — 21. Voltando o servo, tudo relatou a seu Senhor. Encolerizado, disse então o pai de família ao servo: Vai já às praças e ruas da cidade e traze para aqui os pobres e estropiados, os coxos e os cegos. — 22. Disse-lhe depois o servo: Senhor, está feito o que ordenaste e ainda há lugar para outros mais. — 23. Retrucou-lhe o Senhor: Vai por essas estradas e veredas e aos que encontrares obriga a entrar, a fim de que se encha minha casa. — 24. Porque, eu vos declaro, nenhum daqueles homens que foram convidados provará da minha ceia.

N. 255. Idênticos são o sentido e o fundamento das parábolas das bodas do filho do rei e da ceia do pai de família, se bem tenham sido ditas em ocasiões e lugares diferentes. Reunimo-las aqui para evitar repetições e também porque se completam. O sentido de ambas é análogo ao da parábola da vinha e dos vinhateiros.

O Senhor é o rei que casa o filho e convida os vizinhos, é o pai de família que convida muitas pessoas para uma grande ceia. Ele chama a si os que, instruídos no conhecimento do seu nome, têm que se reunir, sem demora, ao seu derredor, a fim de partilharem das alegrias da vida eterna.

Os que não atendem ao chamado são os que, ouvindo a voz dos seus enviados, não lhes respondem e os repelem. A justiça divina se exerce então contra esses ingratos que, por sua vez, são repelidos, até que hajam compreendido e expiado suas faltas.

O servo do pai de família é mandado pelas ruas e praças da cidade - em busca dos pobres, dos estropiados, dos coxos e dos cegos para os levar a tomar parte na grande ceia. E, tendo 269

levado os que encontrou, como ainda houvesse muitos lugares vazios, saiu de novo a percorrer os caminhos e as veredas com a missão de obrigar todos os que encontrasse a entrar na sala do festim, a fim de que a casa do pai de família se enchesse.

Todos, sejam quais forem, hão de participar do festim celeste que proporciona ao Espírito abundante alimento, proporcionando-lhe adiantar-se moral e intelectualmente; tornar-se rico de coração e de inteligência, pela humildade, pelo saber, pela caridade e pelo amor; recobrar a liberdade de suas faculdades e a de caminhar pela senda do progresso; recobrar a visão espiritual da alma e ver cada vez mais a luz; avançar com passo firme e em linha reta para a perfeição.

Mas, para ser-se admitido na sala do festim, preciso se faz, como o diz a parábola das bodas do filho do rei, estar revestido do traje nupcial.

Os servos do rei percorrem, a mandado seu, as encruzilhadas, para chamar os bons e os maus. Sejam bons ou maus os que eles forem encontrando, todos são convidados a participar do banquete das núpcias. Cumpre, porém, que, para entrarem na sala da festa, previamente dispam suas vestes manchadas. É essa uma condição absoluta. Quem quer que não a preencha será rechaçado para as trevas exteriores, isto é, para os planetas inferiores, para longe das venturosas moradas onde o Espírito, revestido do traje nupcial pela regeneração, continua a se depurar até ao momento em que, havendo atingido a perfeição, terá vestido a túnica imaculada, único traje com que poderá penetrar no palácio eterno: nos espaços, nas regiões puras, nas esferas celestes, divinas, onde só os puros Espíritos habitam e às quais só eles têm acesso. Aquele o único traje com que poderá o Espírito aproximar-se do foco da onipotência.

Dizendo que, depois de haverem seus servos arrebanhado todos os que tinham encontrado, bons 270

e maus, depois de estar cheia a sala, o rei só achou um conviva que não trazia a veste nupcial, quis Jesus mostrar, sob o manto da parábola, que, nos tempos da regeneração, quando todos indistintamente forem chamados, quase todos compreenderão a felicidade que se lhes oferece. Quis mostrar que apenas uma insignificante minoria se manterá obstinada em resistir aos esforços dos servos de Deus para lhes vestir o trajo de núpcias, antes que entrem na sala do festim.

"Disse então o rei a seus servos: Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores; aí há prantos e ranger de dentes."

Isso sucederá tanto aos que, tendo acudido ao chamado, não se puserem nas condições de se apresentarem dignamente ao Senhor, como aos que recusarem comparecer às bodas. Mais culpado mesmo do que estes é o que ouve a voz dos mensageiros e responde: "Eis-me aqui" e não se torna digno de apresentar-se diante daquele que o chama.

Estas palavras da parábola das bodas do filho do rei: "Porque, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos", não se referem unicamente ao que foi expulso por não estar dignamente vestido. Referem-se também a todos os que anteriormente haviam cerrado os ouvidos e o coração à voz que os chamava.

Não esqueçais, ó vós todos que procurais explicar o sentido das palavras de Jesus, que, aplicando-se aos tempos então vindouros, elas apresentavam um cunho de atualidade e de positividade, de molde a ferir os espíritos materiais a quem ele falava. O Mestre, veladamente, apontava os benefícios da reencarnação. Se dissera, naquela época: "Os que, apanhados nas encruzilhadas, vestiram com alegria os trajes nupciais eram os mesmos que anteriormente haviam recusado en- 271

trar na sala do festim das bodas, os mesmos que feriram, maltrataram e mataram os enviados do Senhor"; se dissera: "Os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos trazidos das ruas e praças da cidade para a sala do banquete; os que, encontrados nas estradas e veredas, se viram obrigados a entrar para que a casa do pai de família se enchesse, foram os mesmos que, anteriormente convidados para a ceia do pai de família pelos seus servos, que lhes diziam estar tudo pronto, recusaram comparecer", ter-lhe-iam retrucado: "Para que nos havemos de apressar? A sala do festim das bodas nos está sempre aberta, não deixaremos de, afinal, saborear a ceia, pois que dia chegará em que nos virão buscar para dela participarmos."

Aqueles espíritos materiais eram incapazes de compreender que, não obstante ter sido lícito dizer-se com relação à humanidade terrena: "Muitos são chamados, mas poucos escolhidos", todos os chamados, com o correr do tempo, que bem se pode considerar uma eternidade, têm que ser escolhidos. Eram incapazes de compreender as condições, os meios, os caminhos pelos quais, chamado, como todos os outros, o Espírito pode chegar e chegará a ser escolhido. Não lograriam perceber que isso se dá sob a ação das leis imutáveis do sofrimento, da expiação, do progresso, que se opera pelo renascimento, conduzindo o Espírito culpado, através da escala ascendente das vidas sucessivas e progressivas, das terras primitivas aos mundos de provações e expiações, destes aos mundos regeneradores, onde ele enverga o traje de núpcias para entrar nos mundos felizes. Daí, revestido da túnica imácula, isto é, tendo atingido a perfeição moral, eleva-se aos mundos celestes ou divinos e se torna um dos eleitos de Deus, tomando lugar entre os puros Espíritos.

Ainda não soara a hora da revelação espírita. Muitos séculos era preciso que se escoassem, para 272

chegarem os dias de hoje, os tempos preditos da regeneração, que o Espírito da Verdade agora prepara.

A parábola das bodas do filho do rei e a da grande ceia do pai de família se aplicavam aos Judeus e, correlativamente, aos Gentios, conforme o compreendiam os primeiros. Os Judeus, como vizinhos do Senhor, eram os convidados. Os Gentios eram os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos que, bons e maus, foram arrebanhados nas praças e nas ruas da cidade, nas estradas e nas veredas. Aplicam-se também à vossa época, em que os que já deveram ter acudido à voz dos servos, que há tantos séculos os chamam, permanecem surdos e indiferentes; e se aplicam ainda aos que o Espírito da Verdade vem apanhar em todos os lugares, para os reunir num só corpo, num só pensamento, para os revestir, em suma, do uniforme da pureza, que será em todos idêntico.

Este agora é o momento em que, na sala inteira, "só um" será achado indigno de aí permanecer. Quer isto dizer que, relativamente ao número dos que responderão felizes ao convite que lhes é feito, muito poucos deixarão de esforçar-se por se tornarem dignos de participar do festim.

NOTA DA EDITORA — Ao traduzirem os versículos 7, de Mateus, e 21, de Lucas, cada tradutor usou de um verbo diferente: encolerizar, irritar, indignar, etc. — W. 273

MATEUS, Cap. XXII, vv. 15-22. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 13-17. — LUCAS, Cap. XX, vv. 20-26

Deus e César

MATEUS : V. 15. Retirando-se dali, os fariseus foram reunir-se em conselho, a fim de o surpreenderem no que dissesse. — 16. Mandaram então seus discípulos com os herodianos dizer a Jesus: Mestre, sabemos que és sincero e veraz, que ensinas o caminho de Deus na verdade, sem te preocupares com quem quer que seja, porque não consideras nos homens as pessoas. — 17. Dize-nos, pois, qual o teu parecer: É lícito pagar a César o tributo, ou não? — 18. Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Hipócritas, porque me tentais? — 19. Mostrai-me a moeda com que se paga o tributo. Apresentaram-lhe um denário. — 20. Perguntou ele : De quem são estas imagens e esta inscrição? — 21. De César, responderam-lhe. Disse-lhes então Jesus: Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. — 22. Ouvindo isto, encheram-se de admiração e, deixando-o, se retiraram.

MARCOS: V. 13. Querendo surpreendê-lo em falta por alguma de suas palavras, mandaram ter com ele alguns fariseus e herodianos, — 14, que lhe disseram: Mestre, sabemos que és sincero e veraz e que não se te dá de quem quer que seja, porquanto não te preocupas com a qualidade das pessoas, mas que ensinas o caminho de Deus pela verdade. É lícito paguemos o tributo a César, ou não lho devemos pagar? — 15. Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, disse: Porque me tentais? Deixai-me ver um denário. — 16. Deram-lhe a moeda e ele perguntou: De quem são esta imagem e esta inscrição? Responderam eles: De César. — 17. Disse então Jesus: Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Todos ficaram tomados de admiração.

LUCAS: V. 20. Sempre a espreitá-lo, mandaram emissários insidiosos para que, fingindo-se de homens 274

de bem, o apanhassem por alguma de suas palavras, a fim de o entregarem à jurisdição e à autoridade do governador. — 21. Esses emissários o interrogaram deste modo: Mestre, sabemos que só dizes e ensinas o que é reto, que não te preocupas com as pessoas, mas que ensinas o caminho de Deus na verdade. — 22. É-nos lícito pagar ou não o tributo a César? — 23. Jesus, percebendo-lhes a astúcia, disse : Porque me tentais? — 24. Mostrai-me um denário. De quem são a efígie e a inscrição que ele traz? Responderam: De César. — 25. Disse então Jesus: Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. — 26. Não podendo repreender-lhe nenhuma das palavras diante do povo, admirados da sua resposta, calaram-se os emissários.

N. 256. Estas palavras, mau grado a tudo o que se haja dito, provam que Jesus não viera pregar a subversão social, mas apenas o progresso moral. O homem pode e deve aliar seus deveres de cidadão aos seus deveres para com o Criador. O respeito às leis lhe é um dever e muitas vezes uma provação.

Aplique-se ele, portanto, a abrandar as que tanto lhe pesam, a aliviar o jugo que suporta com tanto sofrimento e tantas queixas, tanta insubordinação e revolta, trabalhando, pelo seu próprio proceder, para as modificar e tornar mais suaves. Trabalhe cada um pela sua própria reforma, assim o potentado como o artista humilde e o jugo por si mesmo se despedaçará. Passará a ser leve, o homem não mais o sentirá e as leis se tornarão brandas para todos, pois que todos caminharão retamente pela senda que lhes é traçada, sem que nenhum precise de ser compelido violentamente a retomá-la.

Se vos pesam as autoridades a que estais sujeitos, se as leis vos parecem arbitrárias, queixai-vos, ó homens, de vós mesmos. Não são as revoluções, nem o desmoronamento dos tronos, nem a violação das leis que outorgam a liberdade. 275

17 Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de agosto de 1863.

A liberdade nasce do respeito, do cumprimento do dever, da pureza de coração, do amor e da caridade, que implicam a justiça, o respeito a si mesmo e aos outros.

Quando compreenderdes a força destas virtudes, se bem praticadas, amor e caridade; quando compreenderdes os caminhos e os meios de as pôr em prática nos seus princípios fundamentais e nas suas conseqüências, sob todos os aspectos e em todas as suas aplicações, na ordem física, na ordem moral e na. ordem intelectual, com relação à sociedade, à família e ao indivíduo; quando submeterdes àquelas virtudes todos os vossos atos e pensamentos, tereis resolvido o grande problema da liberdade para todos, tereis alcançado o objetivo pelo qual tanto sangue haveis feito correr inutilmente e tanto sangue ainda correrá.17

Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras, causadoras de todas as desordens sociais, que derribam os reis e esmagam os povos, são filhas do amor e da caridade. Só dessa união santa fareis nascer e viver eternamente a fraternidade, a igualdade e a liberdade.

N. 257. Diante das revoluções e transformações que se operam nas diferentes fases da vida dos povos e dos governos, como conciliar estas palavras: "Dai a César o que é de César" com estas outras: "e a Deus o que é de Deus"?

Detende-vos um momento e refleti: Porventura já chegastes ao ponto que haveis de galgar? Não tendes que vos renovar para atingirdes a meta?

Se já hoje bem compreendêsseis as coisas, a obra de redenção não seria deferida para amanhã. Atentai, porém, na vossa cegueira, ó homens que 276

vos julgais tão esclarecidos! Ainda sois dos que fazem correr o sangue para fertilizar a terra, dos que desencadeiam a guerra para obter a paz, dos que ateiam o incêndio para construir. Cegos, cegos, já chegastes ao ponto donde podeis ver o vosso caminho? Surdos, já chegastes ao ponto donde podeis atender aos vossos interesses reais? Ah! se escutásseis as nossas vozes, se praticásseis o amor, a caridade que vos pregamos, não mais entre as vossas mãos brilharia o ferro, nem o fogo crepitaria ; não mais entre vós o sangue correria nos valados, nem as searas seriam taladas, nem os horrores da fome vos levariam a ceifar o grão e a flor, o carvalho e o arbusto!

Mas, respondei: sois caridosos? uns aos outros vos amais? praticais o amor a Deus acima de tudo e o amor ao próximo como a vós mesmos?

As palavras de Jesus: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" eram ditas para o futuro. Muitos séculos ainda haviam de escoar-se antes que elas fossem bem compreendidas e bem praticadas. Ainda não o são. Cumprir-se-ão quando vós e César derdes a Deus o que é de Deus, praticando o duplo amor ao mesmo Deus e ao próximo. Assim será que, pela prática da fraternidade, criareis, para todos e entre todos, a igualdade e a liberdade, na paz, na ordem e na hierarquia, que então terá seu fundamento, seu principio e suas regras unicamente no grau de pureza adquirida, de progresso moral e intelectual realizado.

N. 258. Será acertado dizer-se que "na sociedade cristã tal como se constituiu sob Constantino, com o dualismo e o antagonismo da Igreja e do Estado, o preceito — "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" — foi o princípio em cujo nome o poder temporal combateu e venceu as pretensões do poder espiritual; em cujo nome, portanto, se decidiu, no mundo cristão, a vitória das crenças sociais e dos 277

interesses práticos sobre as crenças e os interesses místicos?

Se tivessem compreendido as palavras de Jesus, o poder temporal do papa não houvera existido, não haveria "príncipes da Igreja", nem se teriam dado os conflitos que se deram entre esses príncipes e os da Terra. Tampouco as discórdias, o ódio, a guerra teriam devastado os filhos do Senhor.

Se houvesse compreendido as palavras de Jesus, a Igreja, sem jamais se afastar das sendas da humildade, do desinteresse e do amor, teria sempre dado a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, dando o exemplo de todas as virtudes e do cumprimento de todos os deveres para com Deus e para com os homens, tanto do ponto de vista social, como dos da família e dos indivíduos. Teria sempre vivido em harmonia com César, ensinado às nações, exortando e concitando os homens, Judeus e Gentios, pela palavra, mas sobretudo pelo exemplo, à prática da tolerância, da caridade, da justiça e do amor em todos os terrenos, material, moral e intelectual; exortando e concitando os homens, pela palavra, mas sobretudo pelo exemplo, ao trabalho, ao estudo, ao progresso pessoal e ao progresso coletivo, por meio da ciência, da humildade, do desinteresse e do amor; exortando e concitando-os à pesquisa da verdade, dentro da liberdade que o Senhor concedeu ao homem e que vem a ser, como apanágio do livre-arbítrio, a liberdade do pensamento, de apreciação e, portanto, de consciência, de razão, de exame; exortando e concitando desse modo os homens à pesquisa da verdade, do duplo ponto de vista das revelações sucessivas e progressivas e das leis da Natureza, deixando que assim se cumprissem estas outras palavras de Jesus-Cristo, que é o caminho, a verdade, a vida e que havia de servir de alvo às contradições dos homens: "Nada 278

há secreto que não venha a ser conhecido e nada oculto que não venha a ser descoberto e a aparecer publicamente."

Mas, não censureis. O que se deu teve a sua razão de ser, tinha que ocorrer, como condição e meio do progresso humano, sob o império e o véu da letra, e preparou o advento da era espírita, mediante as lutas que se travaram na sucessão dos tempos e mediante as criações do passado. E o que ainda se não verificou se cumprirá sob o império do espírito. Cumpri-lo-á a Igreja do Cristo, inspirada e guiada pelo Espírito da Verdade. 279

MATEUS, Cap. XXII, vv. 23-33. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 18-27. — LUCAS, Cap. XX, vv. 27-40

Saduceus. — Ressurreição. — Imortalidade da alma. — Sua sobrevivência ao corpo. — Sua individualidade após a morte

MATEUS : V. 23. Naquele dia, vieram ter com ele alguns saduceus, que negam a ressurreição, e lhe propuseram a questão seguinte: — 24. Mestre, Moisés disse: Em morrendo algum homem sem deixar filho, case seu irmão com a viúva e dê sucessão a seu irmão. — 25. Ora, havia entre nós sete irmãos: o primeiro casou e morreu sem descendência, deixando sua mulher a seu irmão. — 26. O mesmo sucedeu ao segundo, ao terceiro, a todos até ao sétimo. — 27. Por último, depois dos sete, morreu a mulher. — 28. Na ressurreição, de qual deles será ela, uma vez que todos a tiveram por esposa? — 29. Jesus lhes respondeu: Estais em erro, por não compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus. — 30. Na ressurreição, nem os homens terão esposas, nem as mulheres maridos: umas e outros serão como os anjos de Deus no céu. — 31. Pelo que toca à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos disse : — 32. Sou o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos. — 33. Ouvindo isso, o povo se admirava da sua doutrina.

MARCOS : V. 18. Vieram depois ter com ele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram: — 19. Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se morrer algum homem deixando a esposa sem filhos, o irmão do morto case com a viúva e dê sucessão àquele. — 20. Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. — 21. O segundo casou com a viúva do irmão e também morreu sem deixar filhos, sucedendo o mesmo ao terceiro. — 22. E assim, sucessivamente, os sete a tiveram por esposa e nenhum deixou descendência. Por último, também a mulher morreu. — 23. 280

Ao tempo da ressurreição, quando todos ressuscitarem, de qual deles será ela mulher, uma vez que os sete a tiveram por esposa? — 24. Respondeu Jesus: Não vedes que errais, por não compreenderdes as Escrituras nem o poder de Deus? — 25. Porque, ao ressuscitarem dentre os mortos, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos: umas e outros serão como os anjos nos céus. — 26. Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés o que Deus lhe disse na sarça: "Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob"? — 27. Ora, Deus não o é dos mortos, mas dos vivos. Estais, pois, em grande erro.

LUCAS: V. 27. Chegaram depois alguns dos saduceus, que negam a ressurreição, e lhe perguntaram: — 28. Mestre, Moisés não deixou escrito: Se algum homem casado morrer sem deixar filhos, case o irmão dele com a viúva e descendência dê ao irmão que morreu? — 29. Ora, sete irmãos havia e o primeiro, que era casado, morreu sem deixar filhos. — 30. O segundo casou com a viúva e também morreu sem deixar filhos. — 31. Desposou-a o terceiro e em seguida os outros quatro sucessivamente, sem que nenhum deixasse descendência. — 32. Por fim morreu também a mulher depois de todos eles. — 33. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será ela mulher, uma vez que com todos foi casada? — 34. Jesus lhes respondeu: Os filhos deste século se casam e são dados em casamento; — 35, mas, aqueles que forem julgados dignos do século vindouro e da ressurreição dos mortos, esses não casarão, nem serão dados em casamento, — 36, porquanto, não mais poderão morrer, visto se terem tornado iguais aos anjos e serem filhos de Deus, porque são filhos da ressurreição. — 37. E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o mostrou quando, na sarça, chamou ao Senhor Deus de Abraão, Deus de Isac, Deus de Jacob. — 38. Ora, Deus não o é dos mortos e sim dos vivos, pois que todos para ele são vivos. — 39. Tomando então a palavra, disseram alguns dos escribas: Mestre, respondeste bem. — 40. E, desde então, ninguém mais se atreveu a lhe fazer perguntas. 281

N. 259. Não são, por si mesmos, compreensíveis estes versículos? A palavra de Jesus não está neles clara e precisa, ensinando a fé na vida eterna, escoimado esse sentimento de tudo o que entende com a matéria?

A "ressurreição" é a volta definitiva do Espírito à sua pátria eterna. Ela se verifica quando o Espírito atingiu um grau de elevação tal, que não mais se vê constrangido a habitar mundos materiais, onde a reencarnação se opera segundo as leis da reprodução, conforme ainda acontece no vosso planeta. Aquele, que haja transposto essas fases de encarnações materiais, não mais pode morrer. Em tão elevadas condições, a encarnação, ou melhor, a incorporação se efetua por obra do Espírito, que então baixa ao planeta fazendo nele o seu aparecimento, como o explicamos no n. 14 do 1° volume.

Quando o Espírito, que chegou à condição de habitar os mundos superiores, se afasta daquele onde estiver habitando e retorna à vida espírita, o que então se dá é apenas uma mudança de condição; não se dá a morte no sentido humano em que Jesus falava e como ainda agora o entendeis na Terra.

As expressões — "os anjos de Deus no céu" — "os anjos que estão nos céus" — aos quais se assemelharão, se igualarão os mortos, uma vez "ressuscitados", e os homens, uma vez que tenham sido julgados dignos de participar da "ressurreição dos mortos", uma vez que se tenham tornado "filhos da ressurreição", "filhos de Deus", indicam os bons Espíritos que galgaram as condições elevadas de que acabamos de falar e os puros Espíritos.

Vós, espíritas, deveis compreender estas palavras que Jesus dirigiu aos saduceus:

Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes, no livro de Moisés, o que Deus lhe disse na sarça: Eu sou 282

o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob — Ora, Deus não o é dos mortos e sim dos vivos, pois que todos para ele são vivos."

Elas se explicam por si mesmas. Fazendo que um Espírito superior dissesse a Moisés: "Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob", não mostrou o Senhor que Abraão, Isac e Jacob existem? Se a alma ou Espírito não sobrevivesse ao corpo, teria ele falado desse modo? Por aquelas palavras dirigidas a Moisés, Deus proclamara e Jesus, lembrando-as, proclamava de novo aos saduceus, aos discípulos e a todos os homens, a sobrevivência da alma, sua imortalidade e sua individualidade após a morte do corpo; proclamava a vida permanente e imortal dos Espíritos, que todos vivem, quer no estado corporal, quer no estado espírita, sob os olhares do Pai. Ele preparava as gerações futuras a compreenderem que a vida espírita é a vida primordial e normal do Espírito; que o que chamais "morte" não é mais do que a cessação, para o Espírito, de um exílio temporário, cujo termo chega quando este se despoja do corpo material, que, para ele, não passa de uma veste de provações, de expiação, de progresso, veste que apenas determina uma modificação momentânea na sua vida normal. De um modo como de outro, o Espírito vive sempre sob as vistas de Deus, pois que a morte mais não é do que um passo mediante o qual ele volta da vida corporal à vida espírita.

Os saduceus eram os materialistas da época. Consideravam Deus como o arquiteto que constrói o edifício, o homem como a pedra que a ação do tempo reduz a pó.

Não observais entre vós análogas inconseqüências, homens que admitem a crença em Deus, e negam a existência da alma e sua imortalidade?

N. 260. Considerando o que diz o v. 26 de MARCOS : "Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no 283