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Ernesto Bozzano
Os Enigmas da Psicometria
dos Fenômenos de Telestesia
Els enigmes de la psicometria
1920
Foto Kirliana
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Conteúdo resumido
Nesta obra Bozzano analisa as diferentes modalidades dos fenômenos psicométricos e telestésicos, incluindo-os na clarividência e procurando desvendar-lhes os enigmas.
Relata casos que demonstram haver relação psicométrica entre pessoas vivas, animais, vegetais e a matéria inanimada e também casos de fenômenos telestésicos.
Conclui que a "existência de faculdades clarividentes e telepáticas do subconsciente basta para provar a sobrevivência do espírito humano".
Pois que a psicometria não passa de uma das modalidades da clarividência, a esta pertencem, também, os seus enigmas.
É natural, portanto, que, ao falarmos nesta obra de uma, sejamos levados a tratar da outra.
De qualquer modo, para não ampliar demasiadamente o assunto, limitar-nos-emos a versar exclusivamente o tema da psicometria, que contém os principais enigmas a resolver.
De resto, as suas modalidades próprias lhe conferem um caráter especial, que permitem considerar à parte.
As modalidades segundo as quais se estabelece a conexão entre o sensitivo e a pessoa ou meio concernente ao objeto “psicometrado” distinguem, efetivamente, a psicometria das outras formas de clarividência.
No sonambulismo provocado, é o próprio operador quem estabelece a relação entre o sensitivo e a pessoa ou o meio colimados.
Na ausência de operador, é o consulente que, por sua presença, faculta a ligação entre o sensitivo e ele próprio ou a pessoa e o meio distantes.
Na clarividência utilizada por quiromancia, cartomancia, visão do cristal, os diversos objetos ou processos empregados podem considerar-se como simples estimulantes, próprios para suscitar o estado psicológico favorável ao desembaraço das faculdades subconscientes.
Na psicometria, muito pelo contrário, parece evidente que os objetos apresentados ao sensitivo, longe de atuarem como simples estimulantes, constituem verdadeiros intermediários adequados, que, à falta de condições experimentais favoráveis, servem para estabelecer a relação entre a pessoa ou meio distantes, mercê de uma influência real, impregnada no objeto, pelo seu possuidor.
Essa influência, de conformidade com a hipótese psicométrica, consistiria em tal ou qual propriedade da matéria inanimada para receber e reter, potencialmente, toda espécie de vibrações e emanações físicas, psíquicas e vitais, assim como se dá com a substância cerebral, que tem a propriedade de receber e conservar em latência as vibrações do pensamento.
Após as experiências recentes e decisivas de Edmond Duchatel e do Doutor Osty nos domínios da psicometria, não é mais possível duvidar da realidade dessa influência pessoal, absorvida pelos objetos e percebida pelos sensitivos.
O que ainda se não sabe é se a influência em apreço contém virtualmente a história do dono do objeto – história suscetível de ser psicometricamente evocada pelos sensitivos em seus mínimos pormenores, tal como afirmam alguns experimentadores.
Sem embargo, ao menos no que diz respeito à influência de pessoas vivas, tudo concorre para demonstrar que tal latitude de poderes é, em grande parte, imaginária.
A influência pessoal registrada pelos objetos não exerce, realmente, outro papel que o de estabelecer a relação com a pessoa ou meio distantes, que se tenha em vista “psicometrar”.
Essa influência fornece uma pista ao psicômetra e lhe permite segui-la.
Daí resultaria que as descrições e revelações verídicas, obtidas graças à relação psicométrica, longe de serem diretamente extraídas da influência contida nos objetos psicometrados, seriam alcançadas por meio das faculdades clarividentes e telepáticas do sensitivo e orientadas, isto sim, pela influência persistente nos objetos.
Todavia, apresso a acrescentar que essa limitação de poderes da psicometria (dos quais acabo de tratar unicamente do ponto de vista das influências de natureza humana registradas pelos objetos), não eliminaria a hipótese dos professores Buchanan e Denton, mediante a qual o objeto seria, por si mesmo, capaz de revelar minuciosamente a sua própria história.
Não. A minha observação tende apenas à limitação da hipótese, modificando-lhe a significação.
Os informes obtidos, graças à análise psicométrica, constituiriam, em todo o caso, uma questão de relações estabelecidas por um meio que não seria material propriamente dito, tal como provaremos depois.
Aqui assenta o problema mais importante da fenomenologia psicométrica.
O fato de penetrar os segredos biográficos da matéria, inanimada, permaneceria bem mais misterioso, mesmo que se operasse com o concurso das relações com um meio que não fosse matéria, precisamente.
Em torno deste enigma maior, outros enigmas surgem não menos perturbadores.
Porque, de fato, tudo parece demonstrar que os sensitivos entram, às vezes, em relação com os reinos vegetal e animal, a tal ponto se identificando com a influência contida no objeto psicometrado, que dir-se-ia apropriarem-se das sensações, dos entendimentos, das vibrações e sensações rudimentares dos organismos ou substâncias estudados.
Assim, da mesma forma pela qual a influência deixada num objeto por pessoa viva tem a virtude de pôr o sensitivo em relação com a subconsciência dessa pessoa, assim também a mesma influência, deixada nos objetos por uma pessoa falecida, teria o poder de pôr o sensitivo em relação com o Espírito do falecido.
Esta última suposição parecerá bem menos inconcebível que as até agora enunciadas, pois é uma premissa menor, conseqüência lógica da premissa maior.
Outras modalidades, não menos enigmáticas, apresentam-se na fenomenologia psicométrica e haveremos de as examinar, à proporção que ressaltarem dos respectivos fatos.
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Antes de entrar propriamente no assunto, importa consagrar alguns parágrafos para estabelecer a solidez da assertiva que acabamos de formular e segundo a qual provado está que os objetos presentes ao sensitivo não atuam unicamente à maneira de simples estimulantes, mas contêm, de fato, uma influência pessoal humana, capaz de colocar o sensitivo em relação com o dono do objeto.
Nesse propósito, assinalaremos que o objeto apresentado ao sensitivo não serve praticamente para evocar a história de uma personalidade humana, senão quando tenha sido tocado e utilizado por essa personalidade; do contrário, deixaria de provocar no sensitivo qualquer associação de natureza humana e poderia, ao invés, provocar outras, concernentes ao objeto material em si, e como tal.
Daí resulta que essa diferença de associações não poderia realizar-se, se realmente não existisse uma impregnação fluídico-humana dos objetos.
No caso de objeto utilizado por diversas pessoas, facultado fica ao sensitivo poder exercer sucessivamente a sua influência sobre cada uma dessas pessoas, inclusive o ambiente em que elas viveram; mas o grande caso é que não suscita, jamais, qualquer evocação de pessoas absolutamente estranhas ao objeto, o que constitui um índice probante de que os fluidos humanos, absorvidos pela matéria inanimada, são geralmente os agentes invocadores das impressões psicométricas.
Quando o objeto tenha pertencido a diversas pessoas, nota-se, por vezes, erros de orientação, muito instrutivos.
Assim, por exemplo, num caso citado por Duchatel, o consulente apresenta ao sensitivo uma carta, propondo-se obter esclarecimentos a respeito do remetente, e obtém, ao invés, informações precisas e abundantes sobre o destinatário.
Esse fato pode, talvez, ser atribuído à existência de uma lei de afinidade eletiva, em virtude da qual o fluido do destinatário se evidenciasse mais ativo, em relação com o sensitivo, do que o fluido do remetente.
Daí, o seguir-se que, para explicar os fatos, somos levados em todos os casos a admitir a existência de um fluido pessoal humano ligando-se aos objetos.
É uma conclusão esta corroborada por tantas circunstâncias, tendentes todas a demonstrá-la, que a podemos considerar como definitivamente adquirida pela ciência.
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Penso não ser necessário estribar em longos argumentos a outra afirmativa concernente à real função das influências humanas contidas nos objetos, isto é: estabelecer a correlação do sensitivo e do dono do objeto.
É uma conclusão inconteste, que resulta dos fatos, pois do contrário o sensitivo deveria tirar do objeto apontamentos exclusivamente concernentes ao período durante o qual o consulente estivesse de posse do mesmo objeto.
Entretanto, muito pelo contrário, o que acontece é que o sensitivo freqüentemente revela incidentes ocorridos antes e depois de haver o consulente usado o objeto; e vai mesmo mais longe às vezes, isto é: ultrapassa o passado e o presente, para aventurar-se pelo futuro.
E daí, uma prova indiscutível de que em tais circunstâncias ele, o sensitivo, utiliza as faculdades de sua clarividência no subconsciente da pessoa presente ou ausente, com a qual se acha em relação psicométrica, e não no objeto psicometrado.
Tudo quanto vimos de dizer refere-se aos casos de influência humana, registrada pelos objetos.
Por legítimas, até certo ponto, poderíamos haver essas mesmas conclusões, nos casos de objetos ligados a influências animais.
Já quando se trata de organismos vegetais, desprovidos de uma subconsciência suscetível de ser explorada, elas são menos admissíveis. Por outro lado, impossível fora concluir do mesmo modo, em se tratando de objetos estremes de toda influência humana, animal ou vegetal e que, não obstante, revelassem ao sensitivos acontecimentos mais ou menos genéricos de sua história geológica, paleozóica e arqueológica.
Efetivamente, nestes casos, não há como fugir a esta interrogação: onde poderia o sensitivo haurir as suas informações, senão no próprio objeto ou em um meio transcendental relacionado ao objeto?
O problema permanece assaz misterioso e de solução duvidosa, como evidenciaremos no momento dado.
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Agora, para elucidar o assunto, compete-nos apresentar exemplos, prevenindo o leitor de que não nos é possível classificá-los, pois muitas vezes os incidentes contidos num caso particular pertencem a diferentes categorias de fatos.
Forçoso é, pois, resignarmo-nos a dispô-los da melhor forma possível, negligenciando os métodos normais da classificação científica.
Entre os exemplos dignos de interesse, notar-se-á, mais especialmente, os obtidos por intermédio da Srta. Edith Hawthorne, há tempos já falecida, na idade de 39 anos.
Criatura bexigosa e enfermiça, o seu precário estado de saúde não a impedia de se dedicar a obras de caridade e filantropia.
Animada de uma compassividade extrema para com as crianças abandonadas, tinha ela fundado um instituto – The Tiny Tim Guild – destinado a crianças atrofiadas e raquíticas, ao qual consagrava todo o tempo disponível nos últimos anos de sua existência.
Do seu admirável espírito de sacrifício, eis como depõe uma testemunha:
“Genial, a sua intuição nos cuidados para vivificar uma laringe ou uma língua atrofiada. Nesses trabalhos, era de uma paciência sem limites, a fim de conseguir um tratamento eficaz, e tão suave, e tão carinhoso, a ponto de o transformar em distração alegre para os pequeninos enfermos.
E a Srta. Hawthorne estava firmemente convencida de que as influências do mundo espiritual assistiam-na em sua tarefa.
A seu ver, os processos engenhosos que imaginava, e mediante os quais cada utensílio se adaptava expressamente a cada paciente, eram-lhe sugeridos pelos invisíveis.”
Essa presunção não é inverossímil, tendo-se em vista as faculdades mediúnicas notáveis que ela revelou nesse período de sua vida.
Em suas experiências psicométricas a Srta. Hawthorne deu provas de uma capacidade de investigação realmente científica.
No intuito de eliminar toda a possibilidade de sugestão involuntária ou de leitura do pensamento, procurava obter de lugares longínquos objetos desconhecidos para os psicometrar, registrando logo em seguida a impressão que lhe dava cada objeto e comunicando-se com o seu remetente, a fim de consignar este as próprias observações, de confronto com o documento psicométrico.
Algumas dessas notícias biográficas permitirão apreciar melhor o valor científico da série de experiências feitas por seu intermédio e publicadas, em parte, na revista inglesa Light, de 1903 a 1904.
*
1º Caso
– Extraído de Light (1903, pág. 214).
Edith Hawthorne escreve:
“A experiência a seguir foi feita com o Sr. Samuel Jones (16. Askew Bridge-road, Dudley, Worcestershires), com quem mantenho correspondência bastante assídua.
Dei-lhe preferência porque todas as pessoas de minha intimidade sabem que eu e o Sr. Jones nunca nos vimos e que jamais pisei no condado em que ele reside.
Pedi a esse senhor que me enviasse amostras diversas, de qualquer natureza, das quais eu tudo deveria ignorar, exceto o número de ordem que me habilitasse a distingui-las.
Ao receber essas amostras, impunha-me anotar imediatamente as impressões que cada uma me suscitava, à proporção que as ia segurando entre as mãos, a fim de expedir, em seguida, essas impressões escritas ao Sr. Jones, que lhes aditaria o respectivo comentário, atinente à autenticidade das minhas notas psicométricas.
No memorial a seguir as observações do Sr. Jones vão registradas entre parênteses.
HISTÓRIA DA AMOSTRA N° 5
Colocando a mão sobre a amostra embrulhada em papel grosso e constituída de uma substância dura e resistente, percebo imediatamente dois ou três homens a examinarem uma parede negra.
Um desses homens tem à mão uma lanterna; outra pesquisa, insistente, aqui e ali, mostrando-se muito prudente antes de dar a sua opinião.
(Eis uma descrição fiel dos inspetores de minas, que descem pela manhã aos poços, munidos da lâmpada de segurança, a fim de verificarem se tudo está em ordem, antes da chegada dos trabalhadores. – S. Jones.)
Pressinto que neste embrulho está um pedaço de carvão, nada xistoso. É uma bela qualidade de hulha.
(Perfeitamente: hulha Heathen. – S. Jones.)
Foi arrancado de grande profundidade.
(Efetivamente: da camada mais profunda da mina. – S. Jones.)
Os homens que trabalharam nessa espécie de túnel estão muito abaixo de um ponto de onde me chegam ruídos de rodas e vagões em movimento.
(À superfície do solo, uma via férrea de bitola estreita passa muito perto do local em que foi extraída essa pedra. O túnel escuro é um dos ramais da mina. – S. Jones.)
Vejo grupos de homens em atividade para abrir passagem através de um negro paredão. Uns de pé, outros agachados; todos, porém, em posições forçadas e contrafeitas.
(Os mineiros trabalham realmente em grupos isolados. Quanto ao mais, é observação exata do penoso trabalho de mineração.)
Agora meu olhar se fixa num homem que trabalha sozinho, em uma galeria tão baixa e tão estreita que o força a deitar-se. Ao contemplá-lo, assalta-me um como sentimento de tristeza e ansiedade; sou levada a orar e a desejar que se não verifique um desmoronamento capaz de o esmagar...
(Não. Há muito tempo que nesse ponto não ocorrem desastres. – S. Jones.)
Coisa singular! Os pensamentos desse homem não se prendem à sua tarefa. Ele está pensando na esposa e no filho de tenra idade. Percebo, agora, um cemitério de aldeia, no qual repousam criaturas de condição humilde, em grande escala, e leio as inscrições ingênuas apostas em suas respectivas campas.
(Não há cemitério nem igreja nos arredores. O cemitério mais próximo está à distância de uma milha. – S. Jones.)
Tenho diante de mim uma parede negra, impenetrável e inexplorada; percebo água a pequena distância... Experimento vibrações tão fortes, tão vivas, que sou forçada a passar adiante. Agora, é como se o caminho se abrisse à minha frente, a levar-me para a direita. Estou perturbada: é preciso vedar ou desviar esta fonte, sob pena de ver os operários afogados quais ratos em suas tocas.
(Exatíssimo! Pura verdade! Há grande quantidade de água nas minas, precisamente na direção apontada. Essa água é tanta que, numa galeria perfurada, à direita, houve de abandonar-se o trabalho antes de atingir o filão carbonífero, porque a pressão da água impossibilitava os trabalhos de aproximação. Presentemente o perigo está quase conjurado e os operários presumem que a fonte estaria seca, se não houvesse sempre água no subsolo. – S. Jones.)
Impossível se me torna, agora, traduzir nitidamente as impressões que experimento, tristes e contraditórias! Sinto-me ansiosa e preocupada com uma região inexplorada destes antros escuros e cavernosos. Estou como que empolgada pela idéia de um perigo iminente e indefinível, dói-me a cabeça, sufoco, tenho sensações vertiginosas. É como se houvesse um perigo a temer nos veios d'água. A dispnéia aumenta, os pulmões como que se colam às costas; nariz, olhos, ouvidos, boca, saturam-se de uma espécie de gás pesado e impuro. Estala-me o crânio...
(Excelente descrição dos efeitos da saturação úmida, de começo muito acentuada nesta mina. – S. Jones.)
Oh! que visão horrível! Vejo o homem, há pouco descrito, estertorante no chão, lívido, a sangrar pela boca, pelo nariz, pelos ouvidos!
(Eureca! Estupenda revelação! Agora me lembro de que há vinte anos um operário ficou mortalmente ferido nessa galeria, quando tentava atingir o filão carbonífero, e isso justamente por efeito de uma inesperada inundação. Esse homem faleceu quatro semanas após o acidente e sua mulher deu-lhe um filho horas antes de ele morrer. Ora, essa criança, hoje rapaz de vinte anos, é o próprio que nos entregou a amostra psicometrada. Será daí que lhe tenha provindo essa impressão de tristeza? – S. Jones.)
Neste momento desço abaixo dessa camada de hulha. Meu pensamento se prende a centenas de séculos anteriores ao Cristo! Estou a ver uma floresta cujas árvores têm uma folhagem tão espessa que me impedem de ver o céu. Diviso ursos de um pardo-escuro, quase negros, procurando as suas cavernas. Um animal monstro, de pé, sobre uma rocha da qual jorra uma coluna d'água, semelhando um lençol. De modo vago, ligo esta fonte à que existe atualmente na mina e de que me proveio tão grande angústia.
(Veríssimo! Informaram-me que a água que inundava a nossa mina jorrava de baixo para cima! Que belas observações verídicas neste vosso ensaio psicométrico! – S. Jones.)”
O Sr. Jones acrescenta a seguinte nota relativa ao fragmento de carvão psicometrado:
(Trata-se de hulha tecnicamente denominada Heathen coal, devido à camada especial de carvão, de que foi extraída. Há na mina diversas camadas ou filões dessa natureza, separados por sedimentos de outra espécie. O carvão dito Heathen é o proveniente da camada mais profunda. Essa amostra foi-me trazida por um mineiro que a teria conduzido na mão ou no bolso, o que aliás não posso afirmar, porque já me não recordo. – S. Jones.)
Nesse primeiro caso os enigmas a resolver se enredam de modo inextricável. Preferível, pois, prosseguir na exposição dos fatos mais simples, a fim de deslindar a meada.
E até que o possamos fazer, notemos este fato: de todas as hipóteses que nos ocupam, nenhuma se nos afigura menos indicada para explicar os fatos, do que essa mediante a qual um objeto viesse revelar a sua própria história.
Teoricamente, não se pode admitir que um pedaço dz carvão mergulhado nas profundezas da mina, a centenas de metros do local em que se ferira um operário vinte anos antes, tenha podido receber as vibrações mentais desse operário, de modo a revelar o seu drama à clarividente. À vista de tal incidente, a solução mais verossímil seria supor que a amostra recolhida, e conduzida pelo filho da vítima, se impregnasse da influência vital do rapaz.
Então, a sensitiva, ao desvendar a relação existente entre a amostra e seu portador, teria haurido na subconsciência deste o conhecimento do acidente.
Reconheço, todavia, que esta última suposição é uma tanto audaciosa, e como o filho se intromete, indubitavelmente, de qualquer modo, na revelação psicométrica, fácil se tornaria eliminá-la, supondo que por intermédio dele uma relação telepática se estabelecesse entre a sensitiva e o pai falecido.
É uma hipótese esta que articulo, porque, no relatório, se verifica um incidente impossível de figurar na subconsciência do rapaz, a saber: – a declaração da sensitiva, de que os pensamentos daquele homem não se prendiam à sua tarefa, mas dirigiam-se à mulher e ao filhinho –, observação esta que poderia muito bem se referir a qualquer traço característico do morto e constituir uma de suas reminiscências, mas que o filho não estava, então, em condições de conhecer.
Pode-se acrescentar que a sensitiva denunciou uma fonte de água ameaçadora, que demandava imediata oclusão ou desvio, operação esta que já se executara, porém, posteriormente ao tempo em que o morto aí trabalhava.
Aliás, daquela mesma circunstância foi que derivou o acidente de que foi ele a vítima, fato este cujo advento leva, por isso mesmo, a crer que se trata de uma reminiscência póstuma, telepaticamente transmitida à sensitiva.
Pelo que diz respeito à exata descrição da mina, a hipótese menos ampla constituiria no supor que uma relação telepática se estabeleceu entre a sensitiva e a subconsciência do remetente Sr. Jones, funcionário da dita mina.
Ficaria para resolver o problema que se apresentou à sensitiva, da visão pré-histórica de uma floresta paleológica, povoada de ursos e ligada ao passado da mina.
Para este caso especial, ainda se poderia supor que a sensitiva haurisse uma imagem pictográfica nas reminiscências subconscientes de leituras feitas pelo Sr. Jones.
Hipótese ousada, também, mas que acolhemos no momento e na expectativa de considerar episódios outros do mesmo gênero, teoricamente mais nítidos e de molde a excluir a hipótese arbitrária de uma subconsciência de latitudes infinitas, que é também o último refúgio do misoneísmo científico.
2º Caso
– Encontra-se também em Light (1903, pág. 273), uma série de experiência feitas com amostras enviadas pelo Sr. Samuel Jones a Srta. Edith Hawthorne.
Aqui a exposição é precedida da seguinte advertência:
“Diversos pesquisadores manifestaram desejo de conhecer a distância que separa a destinatária do remetente, o que me leva a declarar que o Sr. Jones reside em Dudley, Worcestershire; 6, Askew Bridge, Gornal Wood e a Srta. Edith em Londres, 3, Upperstreet Islington. Aqui, como no primeiro relato, as anotações do Sr. Jones vão entre parênteses.
AMOSTRA N° 11
Coisa singular! Com este espécime, sinto-me invadida por uma forte impressão de remota antiguidade! Não obstante, percebo tratar-se de terra apanhada à superfície do solo, muito perto de um grande muro de pedra.
(Exatíssimo! Terra colhida na base de um grande muro divisório de antiqüíssimo pátio.)
Subo penosamente uma colina escarpada, dirijo-me às ruínas de velho castelo. Do alto de uma torre, ou dentada muralha, contemplo a cidade. Entre os escombros do castelo avisto arqueólogos, que palpam prudentemente as paredes decrépitas. Ouço-lhes palavras e risadas, e também o casquinar de petizes que jogam o críquete. Agora, os soldados de Cromwell, que se atropelam e precipitam para galgar as alturas... E, agora, o nome deste lugar: – Castelo de Dudley.
(Exato. Cromwell com os seus soldados tomou parte na destruição desse castelo, cujas ruínas se ostentam no topo de uma colina. Esse local é muito visitado por excursionistas e, graças a uma especial concessão do conde Dudley, todos os anos se faz, em dia determinado, uma festa recreativa, dedicada às crianças dos arredores. – S. Jones.)
Neste instante deixo as cercanias do castelo e atravesso uma cidadezinha. Observo as lojas, sinto um cheiro agradável de pão fresco, ainda quente, que me abre o apetite; contemplo bolos e tortas na montra de uma confeitaria.
(A pessoa que me trouxe essa amostra passou junto de uma carrocinha carregada de pão fresco, ainda quente, precisamente defronte de uma confeitaria. – S. Jones.)
(O portador em questão também passou por uma agência postal. Essa amostra foi apanhada com uma colher e diretamente colocada na caixa. Não sofreu, portanto, qualquer outro contacto. Assim, não posso compreender como pode ser influenciada por observações do seu portador. – S. Jones.)”
Tem razão o Sr. Jones para se admirar deste último detalhe, tão curioso quão misterioso, ainda que a explicação que lhe atribui não seja a mais convinhável.
De fato, é muito possível que o objeto não tenha sido influenciado pela visualidade do seu portador e sim saturado do seu fluido vital, condição que permitiu à sensitiva entrar em relação telepática com a subconsciência do portador e conhecer das suas sensações, à vista do pão fresco e do seu cheiro “aperitivo”.
Por outro lado, as diferentes visões que se apresentam à sensitiva, em meio às ruínas do Castelo de Dudley, não são, provavelmente, outra coisa que uma sucessão de imagens pictográficas, hauridas telepaticamente na subconsciência do Sr. Jones.
Na análise da amostra n° 10, a que deixo de me reportar para não alongar muito esta exposição, trata-se de um punhado de terra do jardim do Sr. Jones.
A sensitiva observa imediatamente que se trata de terra colhida à superfície do solo, revela a existência, no subsolo, de uma mina de hulha e acrescenta:
À distância de duzentos ou trezentos metros do local em que foi recolhida esta terra, há casas ameaçadas de desmoronamento, devido aos trabalhos subterrâneos de mineração.
Esse desmoronamento verificou-se alguns dias depois. É claro que a sensitiva não podia extrair essa informação da amostra de terra que ela apertava nas mãos, ao passo que podia extraí-la, de qualquer modo, da subconsciência do Sr, Jones, que não ignorava a situação periclitante daquele grupo de casas.
3º Caso
– Extraído de Light (1903, pág. 365). Dando seqüência às experiências da Srta. Hawthorne, eis o que ela mesma escreve ao diretor dessa revista:
“Remeto-lhe a narrativa das impressões derivadas de um objeto ao acaso tomado entre vários outros enviados pelo Sr. Jones, e, tal como fiz com as narrativas precedentes, coloco entre parênteses os comentários do mesmo senhor.
Este pequeno objeto, cuja natureza não posso conhecer, visto achar-se envolto em algodão, comporta pensamentos de luto e de morte, orientando-me para uma senhora angustiada ante a perda de alguém que lhe fora profundamente ligada e que, após dolorosa agonia, entrou serenamente no repouso eterno, antes por si ardentemente desejado.
(Trata-se do anel que uma senhora paralítica usara por espaço de mais de vinte e cinco anos e a quem, um ano antes, falecera a mãe idolatrada. Esta, antes de expirar, ficara longo tempo deitada junto da filha. – S. Jones.)
Agora vem-me a idéia de mão muito amada, que procuro aquecer carinhosamente entre as minhas.
(É justamente o que costumava fazer a moça inválida, retendo, entre as suas, a mão álgida da genitora moribunda. – S. Jones.)
Enquanto assim procedo, tenho a impressão de que a mão afagada perdeu, de longa data, a sua frescura juvenil. Mão de mulher bastante idosa...
(Tal e qual! Essa senhora faleceu em idade muito avançada. – S. Jones.)
Olhos rasos de lágrimas, retiro um anel, ou anéis, dessa mão inerte e fria...
(Refere-se à mão da mãe, falecida ao lado da filha paralítica. Esta, efetivamente, foi quem retirou e transferiu aos próprios dedos os anéis que estavam nos da falecida. O anel que lhe enviei pertence à filha, mas esteve longo tempo em contacto com a mãe. – S. Jones.)
Chorando, dirijo um derradeiro olhar a um corpo idolatrado e estendido num caixão.
(A filha paralítica fez questão de ver o corpo materno no ataúde. – S. Jones.)
As influências afetivas e o sentimento doloroso que saturam este objeto fazem pensar que se trata da mãe e da filha. Tenho impressão que a sobrevivente deplora esse evento.
(Perfeitamente: a sobrevivente ainda não pode resignar-se com a perda. – S. Jones.)
De fato, ouço uma voz que parece dizer: “por que assim te lastimas, minha filha? Não estou tão longe de ti quanto imaginas: a barreira que nos separa não é tão grande nem tão intransponível quanto supões. Quererias tu que eu retornasse à Terra para aí reencetar os longos anos de amargura que aí passei e acabando por esgotar-te em novas vigílias e cuidados?”
(Essa mensagem do Além – assim a considero –, expressiva, de tão afetuoso interesse por aquela que lhe sobreviveu, há de balsamizar a chaga da saúde que a atormenta. – S. Jones.)
Agora, percebo descarnada mão a folhear um velho exemplar da Bíblia... O ambiente da alcova dá-me a impressão de doloroso sofrimento.
(Essa passagem refere-se à paralítica, que utiliza uma Bíblia muito usada, pertencente à falecida. – S. Jones.)
À medida que essa mão vai virando as páginas, percebo um sinal bordado e destinado a marcá-las. É um sinal desconhecido e gasto.
(Esse marcador ainda se encontra no volume em questão. Quando escrevi à senhora paralítica nesse sentido, ela cortou dele um pedaço e mo remeteu, como prova convincente, e eu lho envio por minha vez. – S. Jones.)
Esta Bíblia é utilizada constantemente.
(Sim, sempre. – S. Jones.)
Digo-o, porque diviso um semblante triste, de mulher que está lendo, enquanto a forma etérea de sua mãe permanece ao lado.
(Essa particularidade encheu de júbilo o coração da filha, que me escreveu dizendo que doravante e mais que nunca, manuseará a sua Bíblia. – S. Jones.)
Haverá gerânios florentes no quarto? É que experimento uma emanação, assaz forte, desse perfume...
(De fato, há no quarto da paralítica um pé de gerânio depositado sobre a mesma cadeira outrora utilizada pela falecida. – S. Jones.)
Transcrevo as percepções recolhidas sem a preocupação de as interpretar, e a impressão a seguir me ocorre fraca, mas persistente. Não sei se ela terá ligação com os fatos precedentes. Encontro-me perto de uma igreja, lobrigo um semblante lacrimoso de mulher, a inclinar-se sobre uma campa florida.
(Essas impressões se ligam, indubitavelmente, às precedentes e referem-se a uma outra filha da morta. Esta foi, efetivamente, sepultada perto de uma igreja e a irmã da paralítica freqüenta amiúde a campa, para lhe cuidar das flores. – S. Jones.)
Ao lado da pessoa que se inclina para a sepultura, distingo duas formas etéreas: uma, sei, é de sua mãe; quanto à outra não consigo distingui-la nitidamente. Tenho como um pressentimento de estar a falecida preocupada com esta filha que lhe chora sobre a sepultura, assim como a desejar, ansiosa, qualquer transformação na sua vida, que assaz a desgosta.
(Certo. Essa segunda filha tem urgente necessidade de distrair-se. – S. Jones.)
A influência deste objeto é puramente feminina.
(Também isto é muito verdadeiro, as suas associações são puramente femininas. – S. Jones.)
O Sr. Jones enviou-me a cópia de uma carta que lhe escrevera a paralítica, na qual lhe diz:
“Falemos agora da experiência psicométrica. Não sei como lhe traduzir a minha emoção ao ler as revelações, todas escrupulosamente verídicas. Elas trouxeram-me uma espécie de alegria nova e inesperada, que me conforta mais que os sermões de todo o ano. Se a minha adorada mãe estivesse entre os vivos, as suas palavras de consolo não seriam outras que as advindas por intermédio da sua amiga. De fato, são as expressões exatas da sua linguagem, dos seus sentimentos. Fala da sua felicidade, diz que não deseja volver à Terra: pois também eu não desejaria que tal sucedesse. Quanto ao episódio, tão espontâneo quanto expressivo, da Bíblia, cheguei a estremecer de júbilo quando o li. A sua amiga também há de sentir-se feliz ao ter conhecimento dos benefícios que me proporcionou com essas revelações, sobretudo quando receber o pedaço de fita do marcador de páginas. Por que recusar a possibilidade de termos junto a nós os que se foram? Por mim, devo-lhe enorme gratidão, por haver remetido o anel à sua amiga; e agora lhe peço transmita-lhe os meus mais vivos agradecimentos, visto que, graças ao seu trabalho, me encontro hoje perfeitamente conformada com a vontade de Deus.”
Esse caso é realmente admirável, dado a veracidade irrepreensível de todas as impressões da sensitiva. Por pouco que meditemos, que prodígio? E esse prodígio subsiste integral, mesmo diante da hipótese de os sensitivos nada apreenderem fora da influência pessoal, indispensável ao estabelecimento da relação telepática com o vivente ou com o defunto, possuidor do objeto psicometrado; ou ainda para estabelecer a relação telestésica com o meio ambiente de que provém esse objeto; ou para estabelecê-la por meio outro, misterioso, correspondente aos clichês astrais dos ocultistas, ou às impressões do akasa dos teósofos.
Estes últimos meios não passam de hipóteses puramente metafísicas, impossíveis de se eliminarem, em virtude de alguns episódios obscuros, de que trataremos mais adiante.
Nesse caso que acabamos de expor, a presunção favorável a uma relação telepática entre a sensitiva, a velha desencarnada e a filha paralítica, se não pode figurar como definitiva, pode, contudo, considerar-se como fundamentada.
Contrariamente, nesse mesmo exemplo, a presunção favorável à hipótese da sensitiva haurir diretamente dos objetos as impressões reveladas, não resiste à análise dos fatos.
Assim, por exemplo, quando ela, a sensitiva, percebe a irmã da paralítica acurvada e lacrimosa sobre a sepultura, por lhe cuidar das flores, concebe-se facilmente que a visão dessa ocorrência não podia estar registrada no anel da irmã, que o trazia permanentemente consigo; ao passo que poderia ser tomada na memória subconsciente dessa senhora, tanto quanto poderia ter sido transmitida telepaticamente pelo Espírito da morta, cuja intervenção na experiência se pode admitir, autorizada por alguns de seus detalhes.
4º Caso
– Com este caso que figura no relatório da Srta. Edith Hawthorne (Light, 1904, pág. 197), abordamos uma nova categoria de experiências, ainda mais misteriosas, de vez que o objeto psicometrado coloca a sensitiva em relação com a mentalidade animal.
Entre os espécimes remetidos pelo Sr. Jones à dita senhorita, achava-se uma pena arrancada à asa de um pombo-correio, no momento justo do seu retorno ao pombal, depois de haver feito um longo vôo.
A sensitiva apreende logo:
“Esta pena esteve encerrada num ambiente muito apertado – um cesto! O pequeno corpo de seu dono é qual feixe de nervos, cujas vibrações o fazem parecer trêmulo; mas a verdade é que ele não treme de medo. E se bem que esteja encerrado no cesto, parece ter a compreensão de que será sem demora libertado. Viaja por caminho de ferro, pois estou sentindo as trepidações do comboio.
(Trata-se da pena de um pombo que, para servir a essas experiências, foi metido num cesto e despachado para Fernhill Heath, Worcester. Para regressar a Gornal Wood, devia ele percorrer vinte milhas em linha reta, o que fez no tempo previsto. A pena foi-lhe arrancada logo após a volta. – S. Jones.)
Livre do cárcere, ei-lo que voa agora, alto, descrevendo inúmeros círculos. Toda à vontade como que se lhe concentra nas asas, acionadas por grandes nervos propulsores e todos eles dirigidos por seu pequenino cérebro. E sobe, e sobe... tanto, que parece encaminhar-se para o Sol.
(É um traço bem característico desse pombo, que de outros se distingue pela altura do vôo. – S. Jones.)
A voar sempre mais alto, não sabe ainda onde paira e tudo que o rodeia parece-lhe novidade.
(De fato, trata-se de localidade absolutamente desconhecida desse pombo, jamais lançado para aquelas bandas. – S. Jones.)
Nessa trepidação nervosa, vai ele subindo sempre, até entrar de repente em contacto com uma força sutil, ou corrente magnética, que o põe em correspondência com o seu pombal.”
E nesse instante a sensitiva percebe, com a mentalidade do animal, um meio dos mais minúsculos: o interior do pombal, onde se encontram um punhado de ervilhas e uma tigela com água. Ela, sente que essa imagem pictográfica da casinhola, distante, se integrou no pombo naquele momento.
“Ele percebe a corrente magnética, mas enquanto não se julga seguro do contacto dessas vibrações sutis, parece experimentar como que uma ansiedade nervosa. Desde, porém, que o contacto se estabeleceu, vai-se-lhe aquela ansiedade, readquire confiança, executa algumas evoluções e voa em flecha na direção do pombal. Parece que se despreocupa de fixar os pontos de referencia na paisagem que lhe fica por baixo e concentra-se todo no propósito de guardar a zona sulcada pela corrente magnética. Todavia, ao pairar sobre uma cidade, as diretivas no percurso se lhe tornam mais dificultosas, porque aí as vibrações magnéticas se confundem com as vibrações sônicas, que se elevam da cidade.
Daí resulta que, não podendo fiar-se inteiramente no magnetismo terrestre, ele procura pontos de referência, tais como as setas das torres, os cata-ventos, as chaminés das fábricas, de que possui visão assaz nítida (como o mais belo dos negativos fotográficos) – o que demonstra a esplendida objetiva natural, constituída pelos olhos das aves. Agora o pombo atravessa nuvem espessa, não de fumaça, e instintivamente acelera o vôo, porque a friagem do ar rarefeito lhe torna mais difícil a respiração.
(É exato: nessa manhã o tempo não era bom, o céu se coalhava intermitentemente de grossas nuvens, que corriam em sentido contrário ao vôo. – S. Jones.)
Ao aproximar-se do pouso, o pombo torna-se como indeciso, porque ouve apitos agudos de todos os lados e não consegue distinguir o do seu pombeiro. Por outro lado, é como se estivesse agora atemorizado e cauteloso, devido a alguns meninos que o espreitam com intuito de o capturarem. Não há dúvida de que isso já lhe tenha acontecido, pois de outra forma não se explicaria esse temor de ser enclausurado noutra casinha que não a sua.
(Está certo: esse pombo foi uma vez capturado por um criador, que o manteve prisioneiro algumas semanas. Aqui os criadores são legião e todos mais ou menos se empenham em capturar os pombos dos colegas. – S. Jones.)
Haverá, nas proximidades do pombal, dois gatos, um de pelo rajado e outro de focinho preto com malhas brancas? É que ambos infundem grande ansiedade ao pobre pombo.
(Pormenor autêntico: existem aqui um gato rajado, cinzento, e outro preto e branco, ambos vivendo da pilhagem em torno dos pombais. Esses felinos não preocupam só os pombos, mas também os donos destes. – S, Jones.)”
No caso aqui exposto, notamos em primeiro lugar a revelação assaz interessante de uma zona sulcada por uma corrente magnética terrena, com a qual entrariam em contacto os pombos-correios, a fim de se orientarem e regularem o regresso; contacto que, tão logo estabelecido, faria surgir-lhes à visão subjetiva imagens representativas e pictográficas da moradia distante, indicativas da direção própria para atingi-la.
Fenômeno idêntico se verifica com os sensitivos psicômetras que, tateando qualquer objeto saturado do fluido pessoal de alguém ausente, entram em relação com este alguém e vêem formar-se à sua visão subjetiva toda uma serie de imagens pictóricas mediante as quais se orientam em busca dessa pessoa ou se esclarecem a seu respeito.
A observação inerente à corrente de magnetismo terrestre, que perturbava o pombo quando este atravessava uma cidade e o constrangia a se orientar por sinais de referência, corrobora as suas próprias afirmativas, da existência dessa corrente magnética.
Efetivamente, é o que deve suceder, sempre que uma corrente dessa natureza atravesse uma zona de vibrações heterogêneas, perturbadoras, tais as que deve desprender-se de uma cidade industrial.
Notarei também que, na iminência de um temporal, análoga perturbação deve produzir-se na corrente magnética, por força da saturação elétrica da atmosfera.
Ora, como temos observado que grande número de pombos-correios se transviam nessas circunstâncias, todos esses dados mais não fazem que robustecer a afirmação da sensitiva, segundo a qual os pombos se orientam à custa de uma corrente magnética.
Pudesse esse fato ser cientificamente comprovado e teríamos, pela mesma lei, explicada a migração das aves, o maravilhoso instinto do ganso selvagem que, sem medir distâncias, larga-se em vôo reto das regiões africanas para as estepes siberianas, a fim de aí trançar o ninho.
Dir-se-ia que, tal como faz o pombo-correio, esse ganso entra em contacto com uma corrente do magnetismo terrestre e veria, desse modo, surgir-lhe, à visão subjetiva, a imagem pictográfica da região que o espera e cuja imagem serviria para orientá-lo na direção conveniente.
Maravilhosa solução de um dos principais mistérios do instinto animal, e ao mesmo tempo solução relativamente concebível, sobretudo aceitável, por causa da analogia que apresenta com o fenômeno incontestavelmente autêntico do registro psicométrico, à distância, que suscita, também ele, visões pictográficas, a informarem o sensitivo do ambiente e das pessoas ausentes e distantes.
Daí resultaria que o instinto migratório das aves poderia ser provocado por uma corrente nervosa e peculiar às mesmas e que, em determinadas estações, despertasse para vibrar em consonância com as correntes magnéticas da Terra, tal como se dá com o instinto psicômetra, suscitado por uma corrente nervosa especial, que desperta em dadas circunstâncias, para vibrar em consonância com os fluidos vitais de outros indivíduos, vivos ou mortos; ou ainda, talvez, com os traços dos acontecimentos gravados num ambiente transcendental, que denominaremos, com Myers, ambiente metaetérico.
Encarando agora, sob outro aspecto, o fato aqui relatado, importa notar que na supradita análise psicométrica tudo quanto por sua natureza pôde ser controlado de forma demonstrável aos dizeres da sensitiva – a viagem do pombo por caminho de ferro, dentro de um cesto; seu traço característico de voar alto; o desvio conseqüente à circunstância de região a ele estranha; o fato de já ter sido capturado; o estado nebuloso do céu e até a existência dos dois gatos rondantes do pombal –; se verificou com a mais perfeita exatidão.
Somos, pois, levados a deduzir logicamente que as outras impressões psicométricas insuscetíveis de controle sejam igualmente verdadeiras. E ficamos confundidos ante o caso misterioso dessa sensitiva que se identifica com a débil mentalidade de um pombo, a ponto de viver da sua vida e experimentar as sensações, percepções e sentimentos emocionais ou afetivos, que angustiavam aquela minúscula personalidade na trajetória do seu retorno ao pombal.
Mas esse fenômeno da identificação completa dos psicômetras, com tudo aquilo que constitui para eles um objeto de relação, não se limita apenas aos seres vivos ou mortos, porque se estende às plantas e até a própria matéria inanimada.
É aí que o mistério se torna mais desconcertante.
Teremos ocasião de voltar ao assunto quando houvermos de comentar a experiência n° 8.
5º Caso
– Eis um episódio tomado na série dos da Srta. Edith Hawthorne (Light, 1904, pág. 197).
Desta feita a relação se estabelece com seres ínfimos da escala animal, tanto quanto com a essência íntima de uma planta.
“Aos 25 de março de 1904 o Sr. Jones enviava de Dudley um pequeno galho de árvore e a Srta. Edith o recebia no dia seguinte, à noite, para psicometrar na manhã de domingo 27, cerca de 11 horas. Logo que tomou às mãos o pequenino galho, diz:
“Que significa toda esta agitação? Por que assim vibra o solo sem cessar? Também as raízes desta árvore estão tremendo e vibrando! As minhocas espantadas correm ao longo das raízes e se esforçam para atingir a superfície do solo, através das suas galerias... Toupeiras e insetos outros como que percebem todas essas comoções e estão, também eles, estranhamente agitados! Um vago sentimento de pavor os empolga a todos, porém eles não dispõem de inteligência nem de meios precisos para de si mesmos escaparem ao invisível quanto indefinível perigo que os ameaça. Contudo, as toupeiras tudo envidam para se afastarem, na impossibilidade de conjurar o destino que sobre elas pesa.
Por sua vez, a árvore, da qual foi destacado este galho, percebe os tremores do terreno. Não experimenta, porém, qualquer impressão consciente de temor, como acontece com as toupeiras, minhocas e outros vermes.
(Essas observações são curiosíssimas, porque no domingo, 27 de março, às 16 horas, se verificou um desmoronamento do solo a 300 ou 400 jardas distante da árvore em apreço, isto devido a trabalhos subterrâneos dos mineiros. É, portanto, provável que os pequeninos animais referidos tenham experimentado os choques do terreno, oriundos das perfurações executadas no subsolo. Daí se colige que a sensitiva chegou a conhecer os fatos e o perigo cinco horas antes que o desmoronamento se verificasse e o público tivesse dele conhecimento. – S. Jones.)
Este pequeno galho contém, em si, um como “sentido” de turgescência que chega a atingir quase ao estado externo da gestação, mas não no sentido de gestação qual a entendemos. Também noto nele a impressão da seiva, que dificilmente consegue subir por pequenos canais imperceptíveis, e lobrigo em toda a árvore um sentido de “trabalho” penoso.
(A árvore está realmente viçosa e começa a deitar os primeiros rebentos. – S. Jones.)
Não é muito alta nem muito copada, essa árvore. Tenho agora a intuição de frutos, estou num pomar.
(Tudo absolutamente conforme. – S. Jones.)
O galho parece-me agitado, trêmulo; a árvore afigura-se-me envolvida em atmosfera glacial, assomada por uma sensação de frio; as próprias raízes estão transidas, geladas. O terreno não é bastante quente nem restaurador e, ao invés de facilitar as forças vitais que remontam do tronco aos galhos, antes se lhe torna em obstáculo. Solo frio e úmido retarda, assim, o crescimento da planta.”
(Efetivamente esse terreno não pode ser havido como favorável. É árido, frio, úmido. As raízes se estendem até à vizinhança de um poço cuja água está congelada durante a estação invernosa e faz tiritar a quem dele se aproxima. É claro que a água desse poço deve saturar todo o subsolo no qual se desenvolve a árvore em questão. – S. Jones.)”
O interesse teórico suscitado por esse caso não é menor que o precedente.
Em primeiro lugar, notarei que a maneira pela qual a sensitiva começa expondo as impressões psicométricas é a melhor prova de que a sugestão e a auto-sugestão nada têm a ver com essas impressões.
De fato, um galho de árvore não poderia sugerir, antes de tudo, a idéia de um solo agitado por tremores contínuos e o conseqüente espanto dos animais nele envolvidos.
Detalhe estranho, cujo fundamento só se verificou 5 horas depois da observação psicométrica, é força concluirmos que a sensitiva entrara em relação com a árvore cujo pequeno galho se destacara e, assim, igualmente com o ambiente dessa árvore, inclusive animais do subsolo.
Essa indução se confirma pelo fato de não poder o Sr. Jones imaginar os estremecimentos do solo em correspondência com o galho remetido à psicômetra, e menos ainda as sensações dos bichos, em conseqüência de inusitadas vibrações.
Tampouco poderia o Sr. Jones se identificar com a essência íntima de uma árvore, a respeito do seu vernal desenvolvimento, nem saber que ela crescia atrofiada em virtude da proximidade de fonte que lhe enregelava as raízes.
Uma vez admitida a possibilidade de relações psicométricas, à distância, com as plantas e os animais, não seria mais admissível negar a possibilidade das mesmas relações com a matéria inanimada, ou, por melhor dizer: com auxílio da matéria inanimada, de sorte a poder o sensitivo experimentar em si mesmo os estados diversos pelos quais passou essa matéria, tal como se dá com as vicissitudes funcionais de uma planta ou com as obscuras sensações de ínfimos animais.
Digo relações psicométricas com auxílio da matéria inanimada e não que o objeto psicometrado conta a sua história, fazendo notar que existe entre as duas fórmulas teóricas uma diferença radical.
Efetivamente, de acordo com a primeira, tratar-se-ia, ainda e sempre, de relações, ou seja que o objeto teria a virtude de estabelecer a relação psicométrica com o ambiente de origem, ou com um meio transcendental, análogo aos clichês astrais dos ocultistas, ou com as impressões no akasa dos teósofos; ao passo que, conforme a segunda fórmula, teríamos de admitir, pelo contrário, e completamente, a hipótese dos professores Buchanan e Denton, da possibilidade de registrar a matéria constituinte do objeto a sua própria história e reproduzi-la, hipótese esta que peca por demasiado simplista e suscita retificação que a transforme em hipótese enunciada.
Não quero, para o momento, senão de leve tocar nesse árduo problema, para procurar desenvolvê-lo nos comentários do caso a seguir.
6º Caso
– Depois desses primeiros episódios cujos relatos psicométricos incidem em plantas e animais, chega a vez de relatar alguns exemplos de experiências feitas com a matéria inanimada.
O caso seguinte foi extraído da obra do professor William Denton: Nature's Secrets (Segredos da Natureza) ou Psychometric Researches (Pesquisas Psicométricas), pág. 153, e intitula-se: A autobiografia de uma pedra.
O valor probante deste episódio está em que a sensitiva, Sra. Elisabeth Denton, falou de certas condições de formação geológica que o professor Denton ignorava e cuja veracidade foi por ele posteriormente verificada.
Por conseqüência, os fatos não se poderiam explicar pela hipótese dos romances subliminais, improvisados inconscientemente pelos médiuns psicômetras.
Eis o que escreve Denton:
“Encontrando-me em Jaynesville, apanhei num monte de cascalho uma pedra escura, de aspecto característico e do peso de quatro libras, mais ou menos. Tirei dela uma lasca e apresentei-a à sensitiva, que tudo ignorava a respeito e nada podia adivinhar ou presumir pelo tato.
Começou ela por dizer: “Meu Deus! quantas convulsões da matéria aqui se ocultam! Não posso compreendê-lo... Tenho como a impressão de ser vomitada por um vulcão, envolta numa onda de lodo! Vejo a meu lado fragmentos outros de rocha bem maiores, posto que me sinta eu mesma bastante volumosa. Na verdade é a sensação mais estranha que tenho experimentado! Levada pelos ares em movimentos rotatórios, em torrentes de lodo, sobrecarregada de enormes pedras...
Apenas isto não se verifica de jato contínuo, mas por séries; e assim vou com a massa, que comigo vai, espantosamente rolando...
Estou agora depositada em qualquer parte, imóvel, mas os rugidos do vulcão repercutem mais formidáveis do que antes e cada um deles corresponde à emissão de novas torrentes de lavas candentes, que se espalham violentas por fora da cratera, até que uma onda de retorno me empurra no abismo... Oh! as fúrias infernais que aí dentro se desentranham! Mas eu não resvalo muito profundamente, de vez que outro ronco e nova avalancha eruptiva me arremessam às alturas...
Em torno, tudo referve... Não sinto, contudo, os efeitos dessa combustão; fogo não vejo, e sim, unicamente, muita fumaça e fortes exalações gasosas.
Eis-me agora depositada embaixo, no flanco da montanha. Transida! Ouço ainda os bramidos da erupção, o solo treme. Aí fico longo tempo; depois mergulho em profunda, tenebrosa cavidade! Envolvem-me a água e a umidade, estou como que enterrada neste abismo... Quando sairei dele? As águas se espalham agora, com grande violência, e fazem-me rodar vertiginosamente. Agora, lenta, me desloco e avanço durante longo período de tempo... (Preciso abreviar o depoimento, de vez que abrange uma série interminável de séculos...)
Enfim, vejo luz! Há uma extensa costa abrupta, que pende suavemente para as águas e eu sou nela lançada por formidável vaga, que se retira e me deixa em seco. Invade-me estranha sensação de passividade, uma disposição para deixar seguir as coisas a bel-prazer. Parece-me tudo tão estranho! Aliás, sinto que era, então, muito maior que agora... Depois, estou depositada no leito de um lago, não muito profundamente, porque distingo outras rochas acima de mim. Como são frias estas águas! O leito do lago entulha-se lentamente, devido a grandes pedras que para ele rolam. Esse lago está situado em região frigidíssima, pois que me sinto enregelada.
(A sensitiva tirita violentamente de frio.)
Sinto acima de mim alguma coisa que não é água, mas não consigo compreender o que seja.
(Apesar de estar a alcova bem aquecida, a sensitiva aproxima-se do fogão.)
Singular a minha falta de vista! Tenho algumas sensações... A partir do local em que me encontro, em direção à margem, a bacia é pouco profunda. Percebo agora que deve ser gelo o que sobre mim se encontra, por isso que deixa coar a luz. Vejo-me prisioneira desse gelo e essa circunstância, que me liga à massa infindável de minha clausura, confere-me a faculdade de ver a distância de algumas milhas.
A espessura do gelo é enorme, estende-se compacta a perder de vista. Como é estranho tudo isto! O gelo move-se e eu com ele me movo, descendo lentamente para o Sul e parando de tempos a tempos.
A camada superior tende, em sua marcha, a ultrapassar a camada inferior. Fato estranho para mim, que não posso compreender como, em massa de gelo assim compacta, a parte inferior desande mais lentamente que a superior.
É uma coisa impossível e, todavia, não há como negar que assim seja, realmente. Mas, que frio horrível! E que estrépito horríssono, este da geleira em marcha! São estalos de rochas que se fendem, resvalamentos sobre areia, que só deveriam ser ouvidos de muito longe...
Agora sente-se que a temperatura suaviza-se rapidamente... Aumenta o calor, como que provindo de baixo. E funde-se o gelo, esgota-se, forma riachos... E funde-se verdadeiramente pelas camadas inferiores! É um fato que não posso compreender. Por outro lado, sinto que não descemos bastante ao Sul, para justificar esta mudança de temperatura. Parece que o gelo tende a libertar-me... Sim. Eis-me finalmente livre! Daqui descubro a geleira em toda a sua amplitude e confesso-me estupefata. Dir-se-ia uma série de colinas aprumadas a pique! Prossegue a fusão rápida e, à medida que se funde, a massa se desloca com maior rapidez. Estou, enfim, segregada desse movimento e já me não desloco senão ocasionalmente...”
Nessa altura o professor Denton adverte: “A sensitiva estava muito fatigada para prosseguir na experiência. Fora possível continuar e teríamos muitos outros detalhes. Todavia, o que aí fica é assaz interessante.”
Demonstra, a seguir, o professor Denton que as declarações da sensitiva correspondem aos caracteres geológicos da região em que a pedra foi colhida, região literalmente coalhada de blocos erráticos, deslocados e depositados no local por descongelação de antiqüíssimas geleiras provindas do Norte.
E não deixa de sublinhar também a autenticidade científica do detalhe concernente à desigualdade de deslocamento das camadas glaciárias. Depois, acrescenta:
“Há uma passagem da análise psicométrica que merece atenção especial: é aquela que se refere ao calor que, desprendendo-se de baixo para cima, provoca a fusão glaciária. O sítio no qual recolhi a pedra demora nos limites da região do chumbo... (Illinois, Wisconsin e Iowa). Hoje estou convencido de que o chumbo aí se inseriu de baixo para cima, no estado de vapor, atravessando camadas porosas e pedregosas, para depositar-se finalmente nos leitos de calcário magnesiano, onde se fixou. Tratar-se-ia, portanto, de depósitos formados por sublimação, numa época em que as rochas ainda se conservavam tépidas. Os indícios do fato são copiosos nessa região e o fato deve ter ocorrido num período em que os blocos erráticos aí se acumularam. As geleiras descidas do Norte e do Nordeste fundiram-se logo ao atingirem essa região geologicamente quente, nela deixando os seus detritos rochosos. E assim se formou esse montão de blocos erráticos ainda hoje existentes no Wisconsin, ao Norte da zona do chumbo.
“Pela mente não me passava a idéia de tal teoria, quando se processava a análise psicométrica, e destarte é forçoso convir que foi a análise mesmo que sugeriu a teoria. Admitida esta, os sucessos descritos pela sensitiva deveriam ter ocorrido, efetivamente, não distante do lugar onde apanhei a pedra psicometrada.”
Reconheçamos, por nossa vez, que as observações supra conferem valor científico à análise psicométrica da pedra.
Como os episódios verificáveis, análogos ao precedente, abundam no livro de Denton e em publicações outras do mesmo gênero, somos levados a deferir-lhes o valor de fatos, tanto mais quanto esses episódios não constituem senão um desdobramento racional de outros não menos maravilhosos, anteriormente relatados e rigorosamente autênticos.
Ora, se as noções registradas constituem fatos sempre que o controle se faz possível, não é lícito considerá-las sistematicamente como romances subliminais, todas as vezes que se verifiquem incontroláveis, e menos ainda quando os fatos não controláveis se mesclam de incidentes verificáveis e verificados, como sucede no caso precedente.
Como explicar esses fatos? Será verdade que o objeto conte a sua própria história? Bem sei que a maneira dos sensitivos se expressarem e o desdobramento dos episódios provocam essa hipótese, mas ajuntarei: há fatores que nos levam a formular reservas sobre esse ponto. Esses fatores não são de molde a eliminá-la, mas levam-nos a retificá-la, tal como passamos a fazer.
As nossas reservas podem resumir-se em uma só objeção: se a hipótese mediante a qual a sensitiva haure diretamente nos objetos psicometrados os acontecimentos que revela é insustentável sempre que se trate de acontecimentos humanos, deverá então, e por isso mesmo, insustentável ser quando se trate de acontecimentos geológicos, paleozóicos, arqueológicos, verificados com o dito objeto.
Em suma: se no primeiro caso a hipótese é errônea, no segundo não poderia ser verdadeira; ou por outra: se os fatos naturais imprimem na matéria a sua própria história, o mesmo deveria dar-se com os fatos humanos.
Daí se segue que, se devêssemos considerar como demonstrado que este último fenômeno jamais se verifica, teríamos conseqüentemente de opinar pela sua impossibilidade, em relação aos fenômenos de ordem material.
Impossível libertar-nos das duas pontas desse dilema, a não ser admitindo, ao menos parcialmente, que os acontecimentos humanos também registram a própria história na matéria, ou seja, que há igualmente circunstâncias nas quais o sensitivo extrai da aura do objeto psicometrado uma parte dos acontecimentos humanos revelados, enquanto a outra parte (a inexplicável por esta hipótese, por atinente a acontecimentos anteriores à posse do objeto) seria tirada da subconsciência do consulente, graças à relação telepática estabelecida por intermédio do mesmo objeto.
Assim me exprimindo, não ignoro que esse expediente, de recorrer a duas hipóteses para explicar um grupo homogêneo de fatos, aberra dos métodos de investigação científica; mas, confesso não ver como, de outro modo, evitar o inconveniente, quando as circunstâncias se apresentam, como nesse caso, confusas e misteriosas, a mais não poderem ser.
Ao demais, não é impossível que as duas hipóteses possam, em última análise, reduzir-se a uma só hipótese, tal como demonstrarei dentro em breve.
Para o momento, não é ocioso perguntar a que outra hipótese se poderia recorrer, para não admitir a possibilidade do registro da própria história pelo objeto.
Nesse caso, a única hipótese plausível e aplicável aos fatos de que nos ocupamos seria aquela apelada para os fatos precedentemente expostos, mediante a qual, em todas as circunstâncias nos defrontaríamos com um fenômeno de relação telepática ou telestésica, à distância.
Apenas, com relação aos episódios precedentes, era sempre mais lícito imaginar que a relação se verificou, algumas vezes, com entidades falecidas, ou ainda com animais e organismos vegetais, ao passo que no caso vertente importaria supor que essa relação se estabeleceu por um processo supranormal de informações.
Pois que o seja. Mas, que processo, ou por que meio?
Com que ambiência transcendental se verificaria, nesse caso, a suposta relação?
Evidente que, em tais circunstâncias, o enigma dessa relação surge infinitamente mais misterioso do que nos casos precedentes.
Nem deles se poderia fornecer explicação qualquer, senão utilizando as hipóteses forjadas por ocultistas e teósofos, os primeiros insinuando o postulado dos clichês astrais e os segundos o das impressões do akasa; hipóteses audaciosas, sem dúvida, mas únicas capazes de explicar o mistério, de qualquer forma.
E como essas denominações correspondem, em suma, ao que Myers chama ambiente metaetérico, talvez fosse melhor nos atermos a esta última fórmula, que nos parece cientificamente mais aceitável.
Isto posto, vale a pena perguntar se não devemos encarar quase como uma necessidade metafísica esse postulado da existência de um ambiente metaetérico, receptor e conservador de todas as vibrações constitutivas da atividade universal.
Por mim, sou levado a responder afirmativamente, notando que, da mesma forma por que os físicos e astrônomos são levados a admitir que as vibrações luminosas percorrem o espaço infinito sem jamais se extinguirem, assim também se poderia admitir a persistência virtual de toda forma de vibrações cósmicas.
E como, além de tudo, os estados da matéria e as vicissitudes dos organismos vivos se resumem numa sucessão de vibrações sui generis do éter, conclui-se que eles devem continuar a existir no estado virtual ou potencial, em uma ambiência qualquer – a chamada por Myers metaetérica – de onde os sensitivos poderiam extraí-los e interpretá-los, graças à relação estabelecida entre eles e a ambiência receptora.
Para nos servirmos de uma comparação, deveríamos dizer: assim como os imperceptíveis sinais impressos pela voz humana em discos fonográficos têm a virtude de evocar integralmente a voz que os produziu, logo que a agulha estabelece a relação entre o disco e o mecanismo motor, assim também as vibrações infinitesimais, impressas no ambiente metaetérico pelos adventos, teriam a virtude de evocar os mesmos adventos, desde que o objeto psicometrável estabelecesse a relação entre a subconsciência do sensitivo e o ambiente metaetérico.
Do ponto de vista científico e filosófico, essa hipótese nada teria de ilegítima.
Do ponto de vista metapsíquico, seria ela de natureza a explicar, até certo ponto, os fenômenos psicométricos da ordem dos que nos ocupam, sem que haja necessidade de recorrer àquela outra mediante a qual os objetas contêm a sua própria história.
Eu disse “até certo ponto”, de vez que, ainda assim, uns tantos detalhes ficariam em meia penumbra, assaz embaraçosa.
Não conseguiríamos avizinhar-nos da solução do enigma senão fazendo uma retificação a essa mesma hipótese; retificação que, aparentemente ligeira, não deixa de acarretar conseqüências teóricas imensuráveis, tanto do ponto de vista científico, quanto do filosófico.
Consistiria essa retificação em supormos que o meio pelo qual os sensitivos entram em relação, ao invés de ser uma ambiência metaetérica, mais ou menos hipotética, seja o próprio éter.
Vejamos a que deduções nos levaria esta variante.
Sabe-se que o éter (que não é mais matéria, na acepção vulgar da palavra, de vez que não é atômico, não oferece resistência qualquer à translação dos astros nem está sujeito à lei de gravitação) ocupa os espaços interplanetários do Universo e interpenetra tanto a matéria inanimada quanto os organismos vivos, o que vale admiti-lo como Onipresente. Ora, essa noção não pode deixar de impressionar a quantos tenham uma mentalidade filosófica, visto ser a Onipresença o primeiro atributo da Divindade.
Se houvermos de reconhecer, depois, que o éter tem a propriedade de receber e conservar todas as vibrações constitutivas da atividade universal, tê-lo-emos, assim, revelado Onisciente.
E a Onisciência é o segundo atributo da Divindade.
Quanto ao terceiro atributo divino, que é a Onipotência, não é mais que uma conseqüência necessária dos outros dois, o que leva a pensar que o éter integraria em si todos os atributos da Divindade.
Uma vez chegados a este ponto, não nos restaria mais que deferir, logicamente, ao éter a Auto-onisciência, para que ele se tornasse Deus. E, na verdade, como recusar essa Autoconsciência a um Ser infinito, imaterial, portanto Espiritual, Onipresente, Onisciente, Onipotente? Não estão aí os atributos que filosófica e necessariamente se subentendem numa Inteligência infinita?
Daí se concluiria que os sensitivos-psicômetras entram em relação com um estado, com um aspecto, ou manifestação da atividade divina; conclusão que não deve ser havida por irreverente, pois se o éter interpenetra – como indubitavelmente sucede – todos os organismos vivos, Deus está, então, já imanente nas suas criaturas, ou, em outros termos, nós estamos em comunhão permanente com a Divindade. Seja como for, a teoria do Éter-Deus não é nova, pois remonta aos estóicos.
Os professores Lodge, Dolbear e o Doutor Cooney a ela se referiram recentemente, enquanto um escolástico anglicano, o Revmo. John Page Hopp, desenvolveu magistralmente o assunto com todas as suas conseqüências filosóficas e religiosas.
A aceitação dessa teoria teria como primeira conseqüência a conciliação dos sistemas materialistas e espiritualistas entre si, tornando inteligível e mesmo teísta a concepção de Hartmann sobre o Inconsciente Universal.
Mas, acima de tudo, ela traria o complemento necessário à grandiosa concepção monística, do Universo.
Reviveria, dessarte, o sistema filosófico de Haeckel, sem que fosse preciso retocá-lo, a não ser para adicionar-lhe esta simples fórmula: “o Éter é Deus”.
Nessas condições, entre a hipótese em questão – que, uma vez retificada, não deixaria de ser a que considera o objeto capaz de reconstituir a sua história – e a outra – mediante a qual esse objeto nada revelaria, mas, tão-somente serviria para estabelecer a relação entre o sensitivo e as pessoas vivas ou mortas, ou ainda com a ambiência metaetérica informadora –, a conciliação e a unificação se possibilitariam sobre a base comum da relação necessária à percepção e interpretação dos sistemas vibratórios, que interessam ao consulente.
De fato, assim como para evocar a história de uma pessoa viva é necessário apresentar ao sensitivo um objeto que houvesse pertencido a essa pessoa, sob pena de se não verificar o fenômeno, assim também, para evocar a história de uma pessoa morta é preciso um objeto que lhe houvesse pertencido, sob pena de não se verificar a relação com o Espírito desencarnado.
Do mesmo modo, para conhecer a história de um bloco de pedra, faz-se necessário um fragmento desse bloco, sob pena de não se poder estabelecer a relação entre o sensitivo e o meio etérico que registrou o sistema vibratório correspondente aos fatos perquiridos.
Resumindo: a conciliação e unificação das duas hipóteses consistiria no seguinte: que, no caso de objetos reveladores da própria história, não se trata, absolutamente, de matéria inanimada a revelar vicissitudes, mas sempre de um fenômeno de relação telestésica, que se daria com o éter onipresente, e, por conseqüência, imanente no objeto psicometrado, o que é uma solução muito diferente da outra, posto não mude a manifestação aparente dos fatos.
Socorrendo-nos dessa interpretação para aplicá-la aos fenômenos aqui examinados, seria fácil conceber que, quando o sensitivo extrai do objeto o conhecimento das vicissitudes humanas, pode comportar-se de duas diferentes maneiras:
1º- retirando uma parte dos apontamentos da ambiência etérica contida no objeto, e
2º- haurindo a outra parte na subconsciência do consulente.
Então, toda vez que o sensitivo revela incidentes produzidos durante o período em que o objeto esteve em poder do consulente, é força supor que não houve relação com a subconsciência do consulente, mas tão-somente percepção e interpretação das vibrações etéricas, latentes no objeto; ao contrário, toda vez que o sensitivo revela episódios anteriores ou posteriores à posse do consulente, devemos pensar que uma relação telepática se produziu entre sensitivo e consulente.
Dito isto, parece-me haver nitidamente traçado as modalidades de uma manifestação fenomênica capaz de unificar as duas hipóteses concorrentes, isto é, que em todos os casos não deixa de haver uma relação telepática ou telestésica estabelecida, seja com a subconsciência de um vivo, com a entidade de um morto, com individualidades animais, com organismos vegetais, ou seja, finalmente, com o éter receptor e conservador dos sistemas de vibrações cósmico-psíquicas, que constituem a essência do Universo.
7º Caso
– Este, respigamo-lo na obra já citada do professor Denton (pág. 169). O exemplo que ele nos faculta é análogo ao precedente, no qual o objeto conta sua própria história, com a só diferença de as primeiras impressões da sensitiva se referirem às atuais condições da localidade de onde provinha o objeto psicometrado, para reportar-se depois a épocas mais prístinas, da sua história geológica.
Eis como se exprime o Sr. Denton:
“Juntei numa caixa vinte e quatro objetos diferentes, todos embrulhados em papel idêntico, de sorte que não pudessem ser distinguidos uns dos outros, ao menos pela visão normal.
A Sra. Denton tomou de um desses embrulhos, cujo conteúdo ninguém pudera adivinhar, e começou a descrever assim o que via e sentia:
Difícil me seria dizer se estou à superfície ou abaixo do solo. Parece que me encontro em uma caverna, mas a verdade é que não experimento arrepios de frio, próprios de tais lugares.
E se estou, de fato, em uma caverna, ela é bem espaçosa. Sim... Agora vejo que é precisamente uma caverna, posto que a denominação não se adapte muito bem ao nosso caso, ainda porque a luz solar aí penetra por larga fenda.
O que não compreendo bem é como pude aí penetrar, uma vez que me não sinto firmada no solo, antes tenho a impressão de flutuar na água. Em água também me parecem envolvidas as rochas circundantes. Agora percebo, pouco a pouco, que o mar penetra pela fenda. Há, por dois lados, altas colunas de pedra. Caminhando para o interior, maior sombra...
Na entrada, as colunas eram curtas, não atingiam a abóbada. Que prazer o explorá-la num barco! Somos como que empolgados por uma sensação de grandeza e beleza que poucos sítios poderão, como este, oferecer.
A fenda é assaz larga e o mar a inunda inteiramente. As colunas não estão regularmente dispostas, mas também não são desiguais e de formas irregulares, como geralmente se dá com as rochas. Estas colunas lembram uma fotografia da gruta de Fingal.[1]
Diviso agora uma grande ave e ouço agudos gritos de outras muitas... Que poderão elas procurar sobre estas rochas nuas, onde não há traço de vegetação? Ah! vêm repousar sobre as colunas... Suponho que estas imensas abóbadas foram bem maiores e parece-me ouvir o terrível estrondo de sua queda no mar! A gruta curvava-se para a direita, até encontrar uma outra terra.
Era, então, de uma magnificência extraordinária e esta atual beleza mal se compara à do passado. Duas vezes mais ampla, então, o que aqui resta não é mais que o primitivo fundo.
Nas águas do mar, a certa distância da costa, elevam-se ainda várias colunas que pertenceram à primitiva gruta.
Nessa época, ao derredor, era tudo terra firme e acima dela se prolongava a gruta posterior e parcialmente desmoronada no mar. Conforme as minhas impressões, não foi ela coberta pelas águas e, sim, precipitada, posto que pudesse desagregar-se, em parte diminuta, pela ação corrosiva das vagas.
Os tremores de terra sacudiram terrivelmente e por longo tempo este solo agora estabilizado.
Eu como que o vejo emergir e submergir em toda uma vasta extensão.
Não sei como este fenômeno se me torna concebível, mas o caso é que o percebo.
Em torno da gruta existem várias ilhas, que são os últimos restos de um grande trato de terras agora submersas.
Algumas destas ilhas são picos de antigas montanhas...
– Aberto o embrulho, verificou-se conter uma lasca de basalto, retirada da gruta de Fingal. (Ilha de Stafa.)
O professor Dentou, que jamais visitara essa gruta, houve de recorrer a obras especiais para certificar-se da identidade dos apontamentos e verificar que, se a sensitiva houvesse visitado em pessoa tais lugares, deles não daria mais exata descrição. Por outro lado, ele consultou uma monografia geológica sobre a ilha de Stafa e aí reconheceu que os sedimentos aluvianos existentes nas Hébridas, bem como a orientação de antigos restos de rochas, deixavam presumir que em épocas remotíssimas todas as ilhas do arquipélago deviam formar um corpo único, ligado ao continente, qual revelara a sensitiva.
Todavia, a opinião do autor da monografia diverge da expressa pela sensitiva quanto à causa da imersão dessas terras, atribuída pelo geólogo à ação corrosiva das ondas e não a cataclismo telúrico.”
Para esclarecimento teórico desse caso, eu remeto o leitor aos comentários aditados ao caso precedente, que é da mesma índole, salvo a circunstância de ter tido o objeto psicometrado o efeito inicial de provocar na sensitiva a relação – por conseqüência a visão telestésica – com a região de sua proveniência.
Do ponto de vista probatório, é oportuno insistir na particularidade de estar o objeto psicometrado devidamente embrulhado em papel, e de haver sido tomado num grupo de vinte e quatro embrulhos idênticos.
Nem a sensitiva nem as pessoas presentes poderiam, portanto, adivinhar-lhe o conteúdo. O só fato de haver identificado imediatamente o objeto, é por si mesmo assaz notável.
Além disso, a descrição da sensitiva comportava informes ignorados do marido e, entretanto, verídicos.
Quanto ao desacordo de opinião entre o geólogo e a sensitiva, no concernente à causa provável da imersão do terreno, confessarei que a mim me parece mais verossímil a hipótese da sensitiva.
8º Caso
– Tomei-o do precitado livro, à pág. 98. Trata-se de um incidente típico de visualização paleozóica, com identificação da sensitiva com o animal evocado.
Eis o que diz o professor Denton:
“Destaquei de uma tromba de mastodonte um pequeno fragmento e facetei-o de tal modo que ninguém poderia reconhecer o que fosse. Seu diâmetro regulava 3/10 de polegada por 2/10 de espessura. A tromba tinha sido encontrada em uma escavação, a trinta pés de profundidade, por pesquisadores de minério de chumbo, nos arredores de Hazel Green (Wisconsin).
A sensitiva, Sra. Denton, sem que pudesse ver o objeto e dele formar qualquer idéia, começou por dizer:
– “Tenho a impressão de tratar-se de restos de um animal gigantesco qualquer, talvez pedaço de um dente.
Reconheço-me um animal monstruoso, de pernas vigorosas, a cabeça algo tolhida nos seus movimentos e um corpo colossal.
Dirijo-me agora para as margens de um rio, a fim de nele me desalterar. As mandíbulas pesam-me tanto que mal posso falar. Também poderia dizer que marcho a quatro patas.
Ouço urros que me chegam das selvas e como que me sinto impelida a corresponder-lhes. Tenho as orelhas enormemente dilatadas, orelhas que se diria serem de couro; e, quando movo a cabeça, elas castigam-me o focinho. A pequena distância existem animais idênticos a mim, porém muito mais velhos.
Sinto-me embaraçada para falar com estas pesadas mandíbulas de cor escura. Vejo um de meus semelhantes muito velho, que mal se pode locomover, bem como outros muito novos e todos formamos um rebanho.
Verifico poder mover de modo estranho, isto é, para cima, o lábio superior... Curioso, isto! Aqui há uma planta mais alta que a minha cabeça; o seu tronco é da grossura do meu braço, muito fibroso, adocicado e tenro, de sabor que lembra o do milho verde, porém mais doce.”
Pergunta o professor Denton: “É esse o sabor que a planta teria para uma criatura humana?”
E a sensitiva responde: – “Oh! Não; para nós seria muito desagradável, absolutamente intragável.” E dizendo fez com os lábios um esgar de nojo.”
O Professor Denton assim comenta o relatório:
“A completa identificação dos sensitivos com a coisa ou animal psicometrados, cuja influência os penetra, constitui fato dos mais notáveis em nossas experiências.
Ele esclarece com luzes novas alguns dos problemas mais misteriosos da natureza.
Algumas formas de demência também apresentam essa condição do Espírito, a revelar-se dominado e quase suplantado pelas influências que o invadem, a ponto de perder a consciência de si mesmo para transformar-se num instrumento inconsciente.
Posto seja o indivíduo quem fornece, sempre, as faculdades psíquicas, a influência invasora dele se apossa e o governa, aniquilando-lhe a vontade.”
Bem fundadas me parecem essas considerações do professor Denton, e nos casos precedentemente examinados já se nos deparou, com a Srta. Edith Hawthorne, o mesmo fenômeno de identificação da sensitiva com a delicada mentalidade de um pombo-correio.
Com a Sra. Elisabeth Denton temos a identificação com as camadas de matéria, na análise psicométrica de uma rocha.
O Sr. Kensett Style, que fortuitamente descobriu em si mesmo faculdades psicométricas muito notáveis, diz a respeito:
“Quando comecei as minhas experiências, via as coisas como se as fitasse das alturas de uma torre ou de um balão.
Dessarte, não era sem maiores dificuldades que conseguia distinguir os detalhes...
À medida que me exercitava em novas experiências, dir-se-ia que me aproximava gradualmente das coisas, até o dia em que, com grande surpresa, me vi transformar na mesma pessoa que se procurava descrever.
Devo confessar que as primeiras experiências eram para mim muito mais interessantes do que as últimas, pois eu contemplava, então, as coisas com olhos de uma criatura do século XX, garantida pelos conhecimentos atuais, ao passo que agora as vejo com olhos de quem, vivendo na época a que a transporta o objeto, não pode bem julgar o ambiente em que ele evolve.
Daí resulta que, sem a presença de um hábil pesquisador, pronto a interrogar-me sobre assuntos importantes, não me fora possível aludir a muitos incidentes curiosos e concludentes e, sem embargo, visualizados.
Se, por exemplo, me apresentassem um objeto proveniente da rua da Esquadra, de há 150 anos, eu não diria talvez nada em vendo cabeças humanas à porta das prisões do Tribunal, e isto pela simples razão de tal espetáculo lhe parecer naturalismo.” (Light, 1909, pág. 20.)
Pelo que toca às condições psicológicas que engendram nos sensitivos esse estado de identificação, pode-se admitir o fundamento das observações de Denton, mediante as quais o fenômeno deve ser atribuído à sensibilidade dos psicômetras, que provocaria a dominação e obnubilação do próprio espírito, sob as influências que os invadem.
Se quiséssemos investigar ainda mais profundamente a razão dos fatos, poderíamos advertir que eles se originam, possivelmente, de um fenômeno de sintonização entre o sistema de vibrações, constitutivo da personalidade do sensitivo, e o sistema de vibrações contido na aura psicometrada.
Dever-se-ia então supor que, assim como fazendo timbrar uma corda harmônica ao lado de outra no mesmo tensivo grau, esta lhe corresponde em ressonância, assim também, quando um sensitivo entra em relação com a aura de qualquer objeto – o que significa que ele conseguiu sintonizar o sistema de vibrações da sua própria natureza com o contido na aura que lhe interessa, pois de outro modo impossível lhe fora percebê-la e interpretá-la –, ele vibra em uníssono com o sistema de vibrações da aura com que se relaciona, o que vale dizer que sente em si todas as sensações organopsíquicas, ou os estados da matéria que contribuem para especializar o sistema de vibrações contido na aura psicometrada.
Ele deve, portanto, sentir-se identificado com a pessoa viva ou morta, com o ser animal, organismo vegetal ou matéria mineral, a que se refira a aura contida no objeto.
9º Caso
– Nos comentários dedicados aos casos precedentes, fiz alusão às faculdades psicométricas do senhor Kensett Style.
Agora, aqui reproduzo um primeiro episódio desse gênero, por ele mencionado em conferência que pronunciou em Londres, na sede da Aliança Espiritualista (Light, 1909, pág. 31.)
“Ao psicômetra freqüentemente se deparam numerosas dificuldades a vencer.
Temos, em primeiro lugar, a dificuldade proveniente de diversas influências contidas no próprio objeto, e que se podem dividir em paralelas e superpostas.
Chamo paralela a influência que se apresenta quando o objeto pertenceu a duas ou mais pessoas, ou quando composto de duas ou mais coisas diversas e reunidas.
Vou citar um exemplo dessa natureza:
Possuo uma espada de Derviche, que serviu na batalha de Omdurmann. Quando a tomei nas mãos e lhe toquei pela primeira vez o punho e a bainha, tive a visão de um fanático barbudo, tez bronzeada, envolvido em ampla capa, e que, à frente de uma horda de muçulmanos, concitava os seus comandados ao extermínio dos infiéis.
Estou em crer que deveria esperar algo de semelhante.
Mas, eis que tendo desembainhado a espada e palpado a lâmina, tive uma visão bem diferente: vi o semblante de um homem que parecia haver chegado ao extremo limite do esgotamento físico e que, revestido de antiga armadura, de origem européia, estava perdido em deserta, imensa e arenosa planície.
Ajoelhado, tinha ele diante de si um espadagão de punho duplo, evidentemente para substituir uma cruz, tal como se praticava na Idade Média, ao utilizar qualquer sinal simbólico, para melhor se concentrar na prece.
A mim me parecia que aquela criatura se perdera no deserto, separado dos companheiros de armas e, desesperançado já de qualquer socorro, preparava-se para morrer como cavaleiro cristão.
Esse mistério foi pouco depois aclarado por um amigo, que descobriu na espada, quase imperceptível, a marca de fabricação, graças à qual pudemos assegurar-nos de sua proveniência francesa, da época dos Túdores.
Nesse caso, estimamos nela uma relíquia da última Cruzada, composta em sua totalidade quase que só de franceses, capturados ou exterminados pelos sarracenos.
Evidentes eram na lâmina os sinais de seu encurtamento, feito por quem a recolhera, reduzindo-a ao tamanho das espadas comumente usadas pelos maometanos.”
Nessa narrativa do Sr. Kensett Style encontram-se vários outros fatos do mesmo teor.
Como explicar-lhes a origem? Em primeiro lugar é evidente que, para esclarecer o episódio do cruzado (concordando com a origem da espada psicometrada), não seria possível nos afastarmos muito da hipótese que leva a considerar o objeto capaz de contar a sua própria história. Nessas condições, se de um lado a análise dos fatos leva a eliminar a primeira forma dessa hipótese, autorizando a crer que a aura do objeto seria diretamente registrada pela matéria, por outro lado ele nos obriga a substituir essa primeira forma por qualquer das duas variantes, segundo as quais os sensitivos entrariam em relação com uma ambiência metaetérica, ou com o éter do Universo, que, devendo ser de natureza onipresente e, por conseqüência, imanente na matéria dos objetos psicometrados, receberia e conservaria os sistemas de vibrações correspondentes aos acontecimentos sobrevindos a seus possuidores.
10º Caso
– Podendo a teoria que atribui aos objetos a capacidade de revelar a própria história ser tida como fundamental para explicação de fenômenos psicométricos, convém examiná-la sob todos os seus aspectos.
Reproduzo aqui, destarte, um novo exemplo no qual se observa outra modalidade da fenomenologia.
Tomei-o de uma série de experiências da senhorita Edith Hawthorne, publicadas em Light (1903, pág. 173) .
Diz a Srta. Hawthorne:
“No outono passado recebi de presente uma secretária antiga, cujas gavetas não revolvi, até quinta-feira última, 11 de março. Ali encontrei uma coleção de relíquias guardadas por um ancião, entre elas um pedaço de pano de linho antiqüíssimo, do tamanho de algumas polegadas.
Um tal ou qual escrúpulo me impediu de condenar ao fogo esse retalho, bem como outros artigos insignificantes – obreias, lacre, etc.
Não obstante, a idéia de psicometrar tais objetos longe estava do meu pensamento, e só me veio horas depois.
Por que – pensava – não tomar este retalho de linho, a ver se ele me revela algum pormenor de sua história?
Pois aqui tendes a história:
Desde o instante em que o tomei, senti-me transportada à Abadia de Westminster, precisamente a um compartimento sombrio no qual mal se respirava.
Havia ali uma espécie de exposição ceroplástica, reconhecendo eu a rainha Isabel numa das figuras, vestida com magnífica saia de veludo recamada de esplêndidos enfeites.
E a mim me parecia entrever também o linho, debaixo da saia.
Vi, depois, surgir um esquife, seguido de um carro funerário e finalmente a numerosa comitiva de um enterro, que se dirigia lentamente na direção de Whitechall.
Levavam os homens coletes de lã e chapéus da época dos Túdores; as mulheres, saia curta e coifa...
A seguir, encontrei-me de novo no interior da Abadia, em pequena capela na qual vibravam acordes de música instrumental muito simples, com predominância de gaitas de fole e instrumentos de madeira.
Já meu pensamento se concentrava na morte de um homem jovem.
Pouco depois, vi-me na Torre de Londres, atravessei a Torre Verde, entrei na salinha da Torre Beauchamp, em cujas paredes se inscrevem tantos nomes.
Ali estava um homem revestido em manto de parada, com colarinho de pregas.
Rosto oval, pálido, cabelos castanhos, curtos; fronte estreita e alta, mãos brancas, esguias, de unhas bem-cuidadas.
Esse homem lia um livro em pergaminho, cujas letras maiúsculas de cada alínea eram ricamente coloridas.
A minha impressão era a de que se tratava de um homem de letras. Vi que retirava do gibão um rosário e beijava-lhe a cruz.
Ao vê-lo assim, afigurava-se-me que estivesse profundamente acabrunhado pela morte de alguém.
De seus lábios como que brotava uma prece, enquanto com a mão esquerda estendida, na direção da Torre Branca, parecia indicar que para ali se dirigia o pensamento.
Agora outra representação se me desdobra à vista: na profundez da noite, distingo pequeno batel à flor de um rio...
Um homem munido de archote desamarrou a corda que prendia o barco ao barranco e vogava para Londres.
De novo na Torre de Londres e precisamente no compartimento redondo da pequena Torre!
Várias mulheres em corpetes de lã costuravam e conversavam em tom geral de tristeza, como se tratasse de luto, antes nacional que privado.
Dali me transportei a Cheapide, onde as casas me fizeram evocar decorações teatrais.
Reconheci-me, então, na loja de um negociante de fazendas, às voltas com duas freguesas, e ouvi distintamente as palavras “Bretanha” e “Saxe”.
Logo imaginei que a fazenda que procuravam comprar provinha dessas duas regiões.
Ambas as freguesas pareceram-me tristes, mas não angustiadas. A seguir, vi-me num compartimento escuro e frio, saturado do cheiro de vinagre misturado com algumas plantas aromáticas, e tive arrepios de pavor ao pressentir a proximidade de um cadáver.
A cena mudou, ainda uma vez, e vi aparecer um carro fúnebre, sobre o qual se estendia, deitada, uma figura de cera amortalhada de forma principesca e toda uma multidão formigante ao seu redor. Finalmente, atravessei os subterrâneos da Abadia de Westminster, aonde me chegavam, de longe, as vozes solenes de um órgão e onde movimentavam-se algumas mulheres ocupadas na arrumação e limpeza de poeirentas roupas, que me fizeram espirrar fortemente. Aquela poeirada secular sufocava-me!
Sentia na boca um gosto de cânfora, sândalo e substâncias outras anti-sépticas, cujo nome ignoro.
E aquela poeira formou diante de meus olhos uma sucessão de episódios históricos, muito fugazes, que não foi possível discernir o bastante para poder descrevê-los.
Todavia, essa série de imagens gravou-me no espírito a convicção de que o antiqüíssimo retalho de linho havia pertencido às vestes de uma personalidade real e que por isso fora transferido a uma figura de cera.
Tudo isso assumia a feição de agradável lição da história e costumes ingleses; mas o valor das cenas entrevistas afigurava-se-me assaz duvidoso.
Em todo caso, não me encontrava em condições de resolver o problema, porque meus conhecimentos concernentes à Abadia de Westminster limitavam-se a uma rápida visita ao túmulo de Charles Dickens, em 7 de fevereiro do corrente ano.
Resolvi, portanto, proceder a pequeno inquérito nesse sentido e foi assim que soube que as figuras de cera lá existiam realmente, conservadas na Abadia, posto que não acessíveis ao público, e que provinham de um antigo costume, hoje esquecido, qual o do transporte processional da efígie do soberano falecido, revestida de sua real indumentária.
Uma vez elucidado esse ponto, escrevi ao velho senhor que me havia presenteado com aquele móvel, a fim de saber se o retalho de linho psicometrado apresentava qualquer interesse histórico.
Eis a resposta obtida:
“Cara Srta. Edith: as suas induções são bem fundadas. Esse pedaço de pano tem, de fato, um valor histórico que não posso, contudo, precisamente determinar.
“Antes do mais, diga-se, ele pertencia à minha irmã (hoje falecida), que o tinha em grande apreço, por havê-lo recebido de pessoa relacionada com a Abadia de Westminster.”
Muito grata ficaria eu se qualquer leitor destas linhas pudesse inteirar-me da época em que foi abolida a cerimônia do transporte das efígies reais em cera.”
Nessa narrativa convém notar a convergência admirável de todas as visões da sensitiva, por lhe darem a conhecer que aquele retalho havia sido cortado das vestes de uma figura real, ceroplástica, existente na Abadia de Westminster.
Daí se infere que a maior parte das imagens visualizadas não representam, provavelmente, fatos específicos produzidos em relação com o objeto psicometrado, mas unicamente imagens pictográficas ou representações simbólicas, transmitidas à sensitiva pelo seu Eu subconsciente, com o fito de documentá-la sobre o que ela desejava evocar.
Assim, por exemplo, a figura do erudito que murmura uma prece apontando para a Torre Branca, como a fazer-lhe compreender que era personagem real a pessoa por quem exorava; assim, igualmente, as duas senhoras que numa loja compravam tecidos, pronunciando as palavras “Bretanha” e “Saxe”, como para identificar a procedência do pano psicometrado.
Essas duas visadas não podem ser tidas como reprodução de fatos antepassados, mas como verdadeiras imagens pictográficas e simbólicas, destinadas a informar a sensitiva de fatos em relação com o objeto psicometrado.
Se for verdade que esse novo aspecto das manifestações psicométricas contribui, até certo ponto, para explicar o problema que vimos confrontando, não pode ele, por outro lado, modificar as conclusões por nós adquiridas no intuito de lhes explicar a gênese.
Com efeito, para nos inteirarmos dessa forma de indícios psicométricos de natureza simbólica é preciso, a despeito de tudo, recorrer à hipótese de uma influência pessoal depositada nos objetos pelas pessoas que deles se utilizam, ou à hipótese complementar dos sistemas de vibrações correspondentes aos acontecimentos através dos quais tenham passado os objetos.
Sem essa sanção, inexplicável fora a causa mediante a qual se estabelece a relação entre o sensitivo e as pessoas, coisas, ambientes metaetéricos ou éter do Universo.
E sem embargo, menos verdade não é que precisamos ter em conta o fato de as visualizações nem sempre corresponderem aos acontecimentos reais, inerentes ao objeto psicometrado.
Conseqüentemente, deveremos dizer que, se na maioria dos casos a análise dos fatos demonstra a concordância da visão com os acontecimentos passados, há, contudo, exceções à regra, sob a forma de representações simbólicas, que tendem, igualmente, mas de modo indireto, a documentar o sensitivo sobre a história do objeto psicometrado...
11º Caso
– Venho expor agora algumas variedades mais ou menos curiosas e misteriosas das relações psicométricas, a começar por aquela em que a relação se estabelece espontaneamente, logo que o sensitivo se encontra perto de um objeto que lhe interessa, mas sem que de tal se precate e sem ter tido contacto com o referido objeto.
No episódio a seguir, o fenômeno se verifica com a recepção de uma carta, como se ela tivesse atuado psicometricamente a certa distância, originando a formação do rapport com a subconsciência do remetente.
Este caso é extraído do Jornal da Sociedade de Investigações Psíquicas (vol. 17, pág. 103).
Relata-o nestes termos o Rev. W. M. Lewis:
“Há trinta anos, mais ou menos, que moro a seis milhas da cidade de David's Head (Pembrokeshire), onde sou pastor de uma igreja não reformista.
Achava-me em Londres, no mês de maio de 1890, quando, certa manhã, fui despertado pelo barulho peculiar do carteiro procurando introduzir a correspondência na caixa da portaria.
Ainda sonolento, tornei a adormecer, mas não por muito tempo.
Sonhei, então, que me encontrava em uma casa repleta de pessoas, atentas a um sermão do Rev. D. C. D., Presidente, a esse tempo, de um colégio no Breconshire.
A voz do pregador, aliás sempre fraca, mal se ouvia do lugar em que me detinha e eu me esforçava por apanhar-lhe algumas frases, sem o conseguir.
Para isso, o que mais concorria era o barulho que vinha do exterior e, sobretudo, o som de uma charanga que acabou por tornar-se ensurdecedor, a ponto de fazer calar o orador.
Procurei, então, acercar-me dele e exprimir-lhe o desejo de ir ouvi-lo no colégio de T..., pedindo-lhe me desse a conhecer os seus temas.
Esforçou-se em mos expor, mas os ruídos externos prosseguiam tão fortes que me não foi possível ouvi-lo.
Todas as circunstâncias desse sonho me ficaram tão nitidamente gravadas na memória, que, ao vestir-me, nelas meditava intensamente, esforçando-me por coligir as causas do fenômeno.
Ora, ao descer ao pavimento térreo, verifiquei que a única carta trazida pelo carteiro era de meu filho, então residente no colégio de Aberystwith.
Abrindo-a, verifiquei surpreso que ela se referia exclusivamente ao pregador do meu sonho.
Meu filho aí contava que, precisamente no domingo anterior, a congregação tivera a honra de ouvir, na capela de que era ele titular, o Rev. D. C. D., cuja fama atraíra grande número de crentes e cujos sermões obtiveram memorável êxito em toda a região.
Eu ignorava absolutamente que o Rev. Presidente de T... tivesse a intenção de visitar Aberystwith e, assim sendo, achei muito notável a coincidência do meu sonho com a chegada da carta noticiosa daquele advento.
Contudo, eis aqui a circunstância ainda mais notável e insólita: eu disse que, no sonho, a voz do pregador se tornava ininteligível, devido ao barulho externo e ao som de uma banda de música.
Ora, quando de retorno ao lar, recebi a visita de meu filho em férias; ao contar-lhe o sonho tão idêntico ao texto da carta, disse-me ele: “O que há de mais estranhável nesse sonho é que, no domingo da pregação do Reverendo em nossa Capela, mal apenas começava ele o sermão, quando passou na rua, que fica atrás da mesma Capela, todo o cortejo de um circo de cavalinhos; o barulho dos carros, cavalo e povo era tal que, por algum tempo, nada se podia ouvir.”
Devo frisar este detalhe: posto que tenha estado uma ou duas vezes na Capela de Aberystwith, a sala entrevista em meu sonho correspondia à que lá existe realmente.
O que correspondia à realidade era o barulho, de vez que este me chegava por detrás e não do auditório, tal como se verificou.
(Segue-se o testemunho de meu filho, na parte que lhe concerne.)”
A circunstância teoricamente interessante do caso aqui exposto consiste no fato de ser a relação psicométrica estabelecida a pequena distância do objeto que lhe deu causa, sem qualquer contacto com o sensitivo.
Quanto ao incidente psicométrico em si mesmo, é evidente que ele se reduz a um fenômeno de relação telepática, sobrevindo entre o sensitivo e seu filho, por intermédio da carta deste.
As informações verídicas obtidas no sonho parece que foram hauridas na subconsciência do remetente.
12º Caso
– Neste outro episódio por mim destacado do interessante livro A vista, a distância, no Tempo e no Espaço, de Edmond Duchatel (pág. 49), o mistério da ligação é mais difícil de explicar do que no caso precedente, pois aqui o sensitivo revela acontecimentos verificados a distância do objeto psicometrado, como se este fosse suscetível de acolher as vibrações específicas dos acontecimentos que sucediam em seu próprio ambiente.
Eis como discorre o Sr. Duchatel:
“Para dar idéia de uma consulta completa, transcrevemos a experiência de 13/09/1909, com uma bolsa de senhora, guardada na gaveta de um armário até dezembro de 1903, data do falecimento da sua dona, em virtude do qual passou, de mistura a objetos outros, para local diferente.
A identificação dos fatos pôde ser feita de modo quase absoluto.
“Sentimentos de angústia (imaginária ou real), muita bondade, mas nada de ponderação; dores do lado esquerdo; impressão de chamas, de incêndio.
“Cenas ocorridas diante do armário onde a bolsa estava encerrada:
“Uma mulher de 25 a 40 anos se desvaneceu diante do armário; vê-se também nesse compartimento uma cena dramática: dois homens, tipo operário, trazem uma pessoa ferida (provavelmente um militar) a fim de ser pensado.
“Retrato em ponto grande, de um oficial, na parede do quarto.
“Uma porta do quarto condenada e anteriormente útil.
“Vaga sensação de uma pessoa desaparecida, depois de haver muito sofrido com o desaparecimento de outra... Sensação íntima e profundíssima.
“Em contacto com o objeto, uma carta de pêsames, começando por Cara filha, entre parênteses.
“A bolsa fora tocada longo tempo por alguém de vida interior muito intensa – objeto assaz fluidificado...”
Sem que se possa excluir a possibilidade dos objetos registrarem, a curta distância, as vibrações específicas dos acontecimentos desdobrados no ambiente em que se encontrem, é muito mais provável, no caso especial em apreço, que o sensitivo, por intermédio do objeto psicometrado, se tenha achado em relação com o meio em que permanecera o dito objeto.
Efetivamente, se, no que concerne aos incidentes dramáticos ocorridos diante do armário, é teoricamente possível admitir que as vibrações específicas projetadas em torno por esses incidentes hajam sido registrados pelo éter imanente na bolsa psicometrada, outro tanto não poderia dar-se com as outras revelações do sensitivo, tais como a existência de um retrato de oficial e de uma porta condenada, duas coisas inanimadas e inertes, que não deveriam, portanto, emitir vibrações específicas, sem contar que a expressão porta condenada implica uma informação de natureza negativa, isto é, inexistente e como fato em si, capaz de emitir vibrações informativas.
Por outro lado, essas revelações se complicariam de si mesmas, ao admitir-se a ligação do sensitivo com o ambiente de onde provinha a bolsa, inclusive a pessoa que o habitava, provavelmente aparentada com a falecida dona daquele objeto.
13º Caso
– Essas considerações, nas quais tratamos de psicometria à distância, levam, naturalmente, a tocar no caso da psicometria de um meio ambiente, quando o sensitivo nele se encontre.
Os fatos dessa natureza são assaz freqüentes na fenomenologia psicométrica.
É provável mesmo que eles se verifiquem, mais do que pudéramos supor, na vida prática diuturna.
Eis o que a respeito observa o Sr. Duchatel:
“A sensibilidade do Sr. Phaneg é de tal natureza que, penetrando em um quarto, experimenta estranha angústia, sempre que esse quarto foi teatro de acontecimentos mais ou menos trágicos, embora dele desconhecidos.
É possível que essa mesma sensibilidade seja peculiar, em menor grau, a muitas pessoas e de molde a explicar vagos temores, indisposições e mesmo pesadelos, que certos temperamentos sensitivos, principalmente mulheres e crianças, experimentam em alguns sítios, sem motivo apreciável e definido.”
Tudo nos leva a crer que essas reflexões do Sr. Duchatel têm fundamento real na prática.
Lembro-me de que em meu livro, Os Fenômenos de Assombração, consagrei todo o capítulo VI aos fenômenos de psicometria do ambiente, que apresenta grandes analogias com algumas manifestações de assombramento.
Deles não falarei, portanto, senão rapidamente, tanto mais quanto do ponto de vista teórico não suscitam considerações novas e nada apresentam de nitidamente característico.
De Light, extraio o seguinte caso (1904, pág. 131), exposto pela percipiente, Sra. Katerine Bates, autora bem conhecida de várias obras apreciadas nos meios espiritualistas.
Diz ela:
“Há alguns anos comecei a ser penosamente influenciada pela atmosfera psíquica das alcovas, o que constitui, para mim, que viajo constantemente, pernoitando aqui e acolá, um grave inconveniente.
Aconteceu-me, mais de uma vez, ter de deixar um quarto de hotel, belo e confortável, por outro pequeno e escuro, por se me tornar insuportável a atmosfera mental ou moral gravada no ambiente por qualquer dos seus ocupantes anteriores.
No meu caso, penso que, em regra, a aura por mim percebida não é a do último hóspede e ainda não me foi possível formular uma teoria satisfatória, relativamente ao princípio seletivo pelo qual são determinadas essas percepções.
Todas as vezes que consegui certificar-me de quem era a aura percebida – como no caso que passo a relatar –, verifiquei quase sempre que os últimos hóspedes não haviam deixado qualquer influência perceptível e que as minhas faculdades psicométricas tinham desanichado auras de antigos hóspedes, os quais, contudo, nem por isso se distinguiam por seu relevo pessoal. Estou, assim, inclinada a crer que algumas faculdades do caráter são, mais que outras, registráveis e que esse fato se liga à existência, nas mesmas qualidades, de um quantitativo maior de magnetismo pessoal, termo que emprego à falta de melhor expressão.
Essa hipótese é, com efeito, a única capaz de explicar, de qualquer forma, esse princípio seletivo, na percepção dos fatos.
Quanto a mim, tenho notado que as impressões mais nítidas e mais profundas, recebidas em semelhantes circunstâncias, provêm dos casos de ativa sensualidade.
Mas, ainda bem que os sensitivos são também aptos a perceber as impressões puras e elevadas depositadas nos ambientes, notando-se, porém, que estas são de natureza muito mais genérica. Verdade é que todas as vezes que consegui analisar psicometricamente um temperamento, foi antes graças aos defeitos, que às boas qualidades ao mesmo pertinentes.
Há alguns anos, achando-me na província, hospedada em casa de uma amiga, a Sra. M..., ocupava um espaçoso e belo quarto.
Desde a primeira noite, percebi que aquele cômodo estava misteriosamente saturado da influência de um homem.
O que me revelava essa influência era uma forte sensualidade, de criatura não má, mas apenas fraca e inteiramente entregue às circunstâncias e aos seus pendores hereditários, à falta de poderes inibitórios.
Vários outros traços característicos do seu temperamento me foram revelados simultaneamente, mas desses não me lembro assaz nítidos, de feição a poder descrever.
O conjunto das impressões foi, contudo, tão pronunciado, que me dispus a iniciar um inquérito a respeito.
Minha amiga tinha dois filhos no Exército: um, conheci-o eu, nada tinha de comum com o misterioso ocupante do meu quarto; outro, o mais velho, jamais o vira.
Duvidando que pudesse tratar-se dele, pedi, a pretexto qualquer, me fosse mostrada a sua fotografia.
O rapaz encontrava-se então nas Índias.
Analisando o retrato, senti-me liberta da ansiedade moral que me assaltava, convencida de que o meu enigma ficaria sempre insolúvel.
Minha amiga tinha idéias preconcebidas quanto às faculdades humanas supranormais, julgando-as puramente imaginárias. Eis por que me atirava indiretas irônicas, referentes ao inquérito que qualificava de “uma das minhas habituais fantasias”.
Então, disse-lhe: – “Agora que tive a prova de que não se trata do seu filho, vou descrever minuciosamente o caráter do indivíduo que ocupou esse quarto.”
Quando terminei minha exposição, a Sra. M... fitou-me grandemente admirada e, retirando-se para o quarto contíguo, de lá regressou com o retrato de um cavalheiro para mim estranho, e mo entregou, dizendo: “Confesso que você acabou de descrever exatamente este meu cunhado, que, de fato, muitas vezes ocupou esse quarto, se bem que meus filhos o fizessem depois dele.”
Analisei, então, o retrato e reconheci nele o “tipo” de homem que se havia revelado de modo tão evidente pela psicometria.”
Os casos dessa natureza, nos quais as percepções dos sensitivos apenas são de natureza genérica e se limitam a impressões mais ou menos vagas, quanto ao temperamento individual do hóspede de um quarto, não se podem explicar facilmente por comunicações estabelecidas à distância, entre o sensitivo e a pessoa inculcada.
Aqui, deveríamos admitir que o sensitivo receba diretamente impressões da influência deixada no local pela pessoa que ali esteve.
Nesse caso, para bem nos compenetrarmos dos fatos, preciso fora admitir que, mobiliário, paredes, assoalho, teto, todo o quarto enfim, possuem a virtude de receber e conservar os eflúvios vitais dos seres, ou as vibrações psíquicas correspondentes à atividade funcional de seus respectivos sistemas cerebrais.
14º Caso
– Eis aqui outro exemplo duplo da psicometria de ambiente:
Difere do precedente pela circunstância de as percepções não advirem de um ambiente fechado, qual uma alcova, mas aberto, qual um campo, e, de resto, concernentes a acontecimentos velhos, de vinte e dois séculos.
A narrativa é extraída de um livro de Viagens na Itália, do escritor inglês George Gissing, intitulado By the Ionian Sea (pág. 83-85).
Quando se verificou o incidente, achava-se o autor enfermo, na cidade de Crotona, onde Pitágoras fundara a sua célebre escola.
Possivelmente, na febre que o assaltava, estaria a causa predisponente à emersão temporária das suas faculdades supranormais.
Eis o que diz Gissing:
“Tornei-me momentaneamente vidente e confesso: experimentei uma sensação de bem-estar real, qual antes não conhecera, de perfeita saúde.
Achava-me perfeitamente acordado e calmo, quando tive uma série de visões maravilhosas.
Em primeiro lugar vi um grande vaso ornamentado de esplêndidas figuras; depois, um mármore sepulcral com baixos-relevos de beleza clássica, perfeita.
Sucederam-se, então, outras visões desdobradas e desenvolvidas em dimensão e complexidade; presenciei cenas da existência social dos antepassados, vi ruas cheias de gente, cortejos triunfais, procissões religiosas, salões festivos e campos de batalha.
O que mais me admirava era o colorido maravilhoso dos ambientes. Impossível dar uma idéia do esplendor desbordante das cores, que tonalizavam cada cena!
Como poderia eu descrever com exatidão os detalhes de cada imagem visualizada?
Coisas que não podia conhecer, e que a imaginação também pudera jamais criar, apresentaram-se-me com absoluta expressão de viva realidade.
Surpreendia-me, muitas vezes, a contemplação de certos costumes pitorescos dos quais eu nada lera, motivos arquitetônicos inteiramente novos para mim, traços característicos diversos e insignificantes dessa tão remota civilização, que eu não pudera ter apreendido nos livros.
Lembro-me de uma sucessão de rostos admiravelmente belos; lembro-me, também, do sentimento de pesar que me assaltava quando alguma daquelas personagens se esvaecia a meus olhos.
Para dar uma idéia das representações complexas que desfilaram a meus olhos, vou descrever uma visão histórica que, mais que todas, se me gravou na mente.
Quando Aníbal, após a segunda guerra púnica, se transportou com seu exército para o Sul da Itália, fez de Crotona seu quartel-general.
E quando, obediente às ordens de Cartago, abandonou a Itália, foi em Crotona que embarcou o seu exército.
Aníbal tinha consigo um contingente de mercenários italianos e, no intuito de os impedir se alistassem nas fileiras inimigas, ordenou-lhes que o acompanhassem à África.
E como eles se recusassem a obedecer-lhe, o general cartaginês os concentrou na praia, onde foram todos massacrados.
Ora, eu vi a costa de Crotona e o promontório com o respectivo templo, não tais como se apresentam na atualidade, mas como deveriam ser há dois mil anos.
O drama daquela carnificina se desenrolou a meus olhos nas suas mínimas particularidades.
E tudo aquilo resplandecia à luz de um Sol maravilhoso, sob a cúpula de um céu transparente e de tal modo fascinante, que, só de os evocar, ainda me sinto deslumbrado de tanta luz e tanta cor.
A alegria extática de semelhantes visões valia bem os dez dias de febre que elas me custaram e, apesar do intenso desejo de as renovar, nunca mais pude obter algo de semelhante.
O respiradouro pelo qual elas se haviam insinuado ficara fechado para sempre.
Mas, seja como for, eu acreditarei, eu sentirei sempre que, durante uma hora, foi-me possível contemplar aspectos da vida social de tempos remotos, tão de minha predileção.
Se me objetam que essas visões não correspondiam a qualquer coisa de real, eu responderia pedindo me explicassem por qual milagre cheguei a reconstituir, com a mais minuciosa perfeição, um mundo que apenas conhecia pelas suas ruínas atuais.”
Como se pode deduzir do seu relato, o autor está intimamente convencido de que as maravilhas visualizadas algo continham de verídico.
A mim me parece que se não pode deixar de dar-lhe razão, considerando o que ele assevera, em relação aos detalhes históricos e motivos arquitetônicos pela primeira vez revelados no curso das suas visões, circunstância dificilmente conciliável com a hipótese alucinatória, mormente se aproximarmos essas visões de outras análogas, que podiam ser e foram, de fato, verificadas.
Timbrando a hipótese alucinatória, observarei que, se antes das investigações metapsíquicas fora lícito aplicá-la a todo e qualquer fato inconciliável com a realidade conhecida, hoje isso não se justifica, diante da classificação de tantos fantasmas telepáticos, assombradores, premonitórios, incontestavelmente verídicos, bem como de tantas visões do passado, do presente e do futuro, rigorosamente autenticadas. Assim, pois, não é razoável a recusa absoluta de experiências que, como a precedente, conquanto não possam ser verificadas, contêm elementos que não conseguimos explicar por outras hipóteses.
Em acolhendo a opinião de Gissing admitindo que as suas visões constituem, como tudo parece indicar, uma reprodução autenticamente psicométrica dos acontecimentos a que se reportam, não restaria então, para explicar os fatos, senão recorrer a uma hipótese já precedentemente enunciada, ou seja, aquela pela qual supomos que os sistemas de vibrações correspondentes à atividade dos seres vivos e da matéria inanimada são registrados em um meio etéreo.
No livro da Sra. Elsa Barker, intitulado Letters from a Living Dead Man, a personalidade mediúnica que se comunica assim se exprime a respeito da antiga civilização grega:
“O éter que domina esta quase ilha gloriosa tem nele gravados, em séries ininterruptas, os fastos do seu passado: audácias de pensamento e audácias de execução. E os feitos antigos são de tal arte radiantes, que fulguram através da camada de impressões que se lhes sobrepuseram.”
Essa afirmativa de origem mediúnica identifica-se com a hipótese por nós proposta, isto é, que o éter espacial é o meio receptor e conservador das vibrações correspondentes à atividade do Universo.
Dada a existência de uma categoria de fenômenos psicométricos com percepções provindas do ambiente, é força reconhecer que nenhuma hipótese se pudera imaginar mais convinhável do que essa, para lhes explicar a origem.
15º Caso
– Relatarei agora alguns casos de psicometria premonitória assaz freqüentes nessa ordem de fenômenos, limitando-me, todavia, a citar três exemplos, que não suscitam problemas especiais do ponto de vista psicométrico, mas provocam outros, e formidáveis, no tocante à sua gênese e ao problema filosófico do livre-arbítrio.
Respigo o primeiro exemplo do Boletim da Sociedade de Estudos Psíquicos de Nancy (novembro de 1904), que inseriu o resultado de uma série de experiências feitas com o sensitivo Phaneg, pseudônimo de um escritor francês, autor de conceituada obra sobre Psicometria e um dos principais sensitivos que o Sr. Edmond Duchatel utilizou na sua sindicância.
A Sra. X nos conta o seguinte, de sua experiência pessoal:
“Entreguei a Phaneg uma jóia que constantemente trazia comigo, de há muitos anos.
Logo que a teve em mãos, começou ele a descrever o castelo da Duquesa de Uzès, em Dampierre. Depois, acrescentou: percebo uma senhora morena, acamada numa alcova amarela.
A seu lado está um médico que parece inquietar-se muito com o estado da enferma...
Esteve a senhora doente, ultimamente?
À minha resposta negativa, Phaneg acabou por dizer: “Neste caso, a enfermidade que eu vi deve ainda reaparecer.”
Ora, quinze dias depois, a predição se realizou! Enfermei gravemente, a ponto de inspirar sérios cuidados ao meu médico assistente.”
O redator do Boletim assim comenta o caso:
“O Sr. Phaneg viu o clichê da enfermidade sem poder assinalá-lo no passado ou no futuro da consciente.”
Também poderíamos acrescentar que ele extraiu a informação no subconsciente da senhora, cujo organismo podia achar-se afetado dos sintomas precursores da moléstia que explodiria quinze dias depois.
16º Caso
– Maior dificuldade de solução é o que nos apresenta o problema de precognição, neste caso respigado da obra do Sr. Edmond Duchatel, intitulada: – A Vida no Tempo e no Espaço (pág. 51)
“Aos 31 de julho de 1909 apresentamos à Sra. L. Faignez um objeto que pertencera a outra senhora, cuja presença sabíamos, no momento, em Londres.
Eis um extrato dos dizeres da psicômetra:
“Esta pessoa está no interior e na região das montanhas. Neste momento prepara-se para sair. Ri (superficialmente), mas no imo do coração não está satisfeita.
Ouço uma dama que lhe quereria dizer “Bichette” (é assim que a chama sempre) e perguntar-lhe por que suspira de quando em quando.”
A senhora que assim fala não é muito alta, nem robusta. Francesa, de boa aparência, uns 40 anos de idade.
Não foi sem desencanto que apontamos estes informes, inexatos no momento da experiência, ou seja, em 31 de julho.
Contudo, eles se verificaram nos princípios de setembro, isto é, 35 dias depois.
A minúcia das descrições, inclusive o apelido familiar, permitiu identificar o quadro então descrito como atual, quando concernia ao futuro.”
Nesse caso, do ponto de vista psicométrico, dever-se-ia dizer que o objeto apresentado à sensitiva serviu para colocá-la em relação com a subconsciência da sua dona e que, até aí, nada há que aberre dos processos normais da psicometria.
Nada obstante, é dificílimo conceber que a Sra. “Bichette” pudesse encerrar os detalhes de um episódio insignificante, a realizar-se 35 dias mais tarde.
Procurei responder a esse formidável problema na minha obra Os Fenômenos Premonitórios;[2] e como as dificuldades não interessam à psicometria, recomendo essa obra aos que desejam aprofundar o enigma. De preferência me deterei num outro detalhe, relativo à psicometria em suas modalidades de manifestação.
Nos dois casos precedentes, temos podido notar que os sensitivos vêem como presentes os acontecimentos futuros.
Por causa dessa particularidade, que é quase de regra nos fenômenos de que nos ocupamos, abriram-se e continuam a sustentarem longas discussões filosóficas, para mostrar que esse fato constitui prova favorável do “eterno presente”.
Ocioso não é, portanto, notar que a confusão de tempo, nos sensitivos, prende-se a uma causa menos transcendental, isto é, que nos fenômenos de clarividência, em geral, é sempre o Eu integral subconsciente (ou espiritual) que percebe; e nessas condições, não podendo ele transmitir ao Eu consciente (ou encarnado) as suas percepções, porque elas são de natureza espiritual, recorre à forma sensorial das imagens pictográficas, que, por sua mesma natureza, não podem sugerir aos sensitivos qualquer idéia de localização no tempo.
O fato nada tem de comum com a inconcebível hipótese do eterno presente.
Ademais, importa considerar que às vezes o Eu integral, subconsciente, consegue transmitir ao sensitivo uma vaga idéia das localizações no tempo, recorrendo ao sistema de apresentação das imagens pictográficas mais ou menos distantes da visão subjetiva do sensitivo, de modo que, quando as imagens se mostram mais ou menos distantes, significam que o fato deverá realizar-se em data mais ou menos afastada.
Daí ressalta que o Eu integral subconsciente possui a noção das localizações no tempo – o que daria um golpe sério na hipótese do presente eterno.
17º Caso
– Este condiz com um vaticínio de morte, ligado à recente guerra.
É um episódio notável, sobretudo do ponto de vista dos complexos problemas que suscita.
Respiguei-o de uma conferência do Sr. Duchatel, publicada nos Anais de Ciências Psíquicas (1916, pág. 17).
Diz o conferencista:
“Aos 8 de agosto de 1913, mediante a simples apresentação de uma carta, que ela nem se deu ao trabalho de fitar, a Sra. Feignez, depois de me traçar exatamente a fisionomia moral e física do Sr. Raimundo Raynal, declarou “que ele morreria de morte acidental, dentro de dois anos, caso viesse a deixar Paris, e ferido em pleno rosto por um pedaço de ferro, sobre ou perto de um veículo, que não era de estrada de ferro”.
Tudo isso é vago, certo, mas também não podemos exigir, da mais autêntica psicometria, a precisão que, todavia, ela nos depara, máxime em se tratando dos relatos de um simples guarda-florestal.
A 17 de novembro ela declarou, à vista de uma segunda carta, que já havia predito a morte do rapaz e que ele não escaparia desse perigo, a menos que o impedissem de sair de Paris.
Atribuo ao sujet o aditivo de uma exortação piedosa, quais costumam fazer os psicômetras para consolo dos consulentes.
“Meu Deus! – disse – ele poderá, talvez, escapar desse perigo... Depois... além do mais, eu não sou infalível.”
E ajuntou que a morte sobreviria, de qualquer modo, causada por um pedaço de ferro.
No dia 24 de novembro o Sr. H. L., amigo do falecido, impressionado com o vaticínio, levou à vidente uma outra carta de Raynal.
A sensitiva imediatamente reconheceu pelo tato a pessoa de quem se cogitava e de novo lhe esboçou o seu retrato perfeito. Malgrado as negativas tendenciosas do Sr. H. L., para induzi-la em erro, reproduziu-se a visão e a confirmação da morte dentro de um ano, e sempre do mesmo modo.
Ao dizer-lhe o Sr. H. L. que Raynal não poderia afastar-se de Paris, ela lhe declarou que ele a isso seria constrangido por uma força maior e mais: que a sua ausência seria de um mês, que a sua morte não seria logo conhecida, e sim dentro de um mês e meio, mais ou menos.
Mobilizado em 4 de agosto, o Sr. Raynal foi morto em 5 de setembro.
No dia 19 a Sra. H... levou à Sra. Feignez a última carta de Raynal, a fim de obter detalhes da sua morte, e eis o que conseguiu:
A Sra. Feignez declarou que ele não sofrera um instante sequer, ao tombar fulminado por uma bala, na vista direita; que essa bala só a ele vitimara, não em combate, mas em comissão, quando procurava desempenhar as ordens recebidas, tendo junto de si dois ou três camaradas, apenas.
Finalmente, que, poucos dias antes, havia recebido uma carta postal que lhe eu escrevera.
E acrescentou mais: a senhora há de lhe encontrar o cadáver, a sepultura... Havia que procurá-la não no campo, mas à margem direita de um caminho e a distância de alguns metros de um molho de palhas.
Ora, o Sr. Raynal, ciclista de ligação entre o General-de-Brigada e o seu Coronel, tinha, conforme as informações posteriormente obtidas, junto de si a bicicleta (veículo que não é caminho de ferro) e assim se verifica, a despeito da nebulosidade de certas instruções, a exatidão dos fatos.
Raynal foi ferido precisamente no momento de reunir-se ao seu Capitão, por uma bala que lhe penetrou o olho direito (eis o pedaço de ferro) e, varando-lhe o cérebro, passou de raspão pela espádua do Capitão.
Ele não sofreu um instante sequer... Assim foi. Morte fulminante. E a Sra. H... acrescenta: tinha recebido uma carta postal entre 4 e 6 de setembro, por conseguinte, alguns dias antes, e eu encontrei o corpo em Barcy, ao norte de Meaux, aonde cheguei depois de ter atravessado água.
O corpo estava envolvido em palha, a sepultura não apresentava qualquer indício aparente, mas aos primeiros golpes de picareta, quase à flor do solo, surgiu a sua caderneta militar.
Finalmente, o corpo lá estava num campo, junto de um monte de palha.”
O Sr. Duchatel nota, a propósito desse caso:
“Aí temos um ator tombado no campo da luta!
É uma morte que honra o teatro a que ele pertencia e do qual era uma das melhores esperanças.
Pois bem! Até parece que o seu papel fora de antemão escrito e que ele soube interpretá-lo depois de escrito.
Notareis que, na intercorrência desses dois anos, algo se passou de mais grave, de muito mais importante, do ponto de vista geral, do que essa morte de Raimundo Raynal...
Sobreveio esse evento formidável de que ele foi uma das primeiras vítimas, sem que a respeito uma só palavra se articulasse.
E aquele pedaço de ferro? Deus meu! Pois não é ele anunciado como, por exemplo, se tratasse de um brinquedo de criança?
A sensitiva diz – é um pedaço de ferro e, no entanto, ela ignorava a guerra!
E viu, contudo, que dentro de dois anos aquela criatura morreria, sem saber que tal sucederia num campo de batalha!
Enfim, acabou facilitando o encontro do corpo!
Diante disso, estaremos inibidos de perguntar – tomando por paradigma esse exemplo de um ator teatral – se o nosso papel não estará já escrito e para um cenário preparado por alguém que ignoramos, mas cujos vestígios se encontram em alguma parte e são eventualmente perceptíveis por sujets extraordinariamente delicados e sensíveis?
Pergunto-vos, pura e simplesmente, se nós não seremos atores; se, quando julgamos improvisar não fazemos mais que repetir, e ocorre-me o que seria até certo ponto uma solução, isto é, que por mais reduzido que fosse o nosso livre-arbítrio, ele não deixaria de existir, tanto quanto existiu o do ator Raynal.
Entre os atores, há os que interpretam mal o seu papel; há os que o representam fielmente; há os que nele empenham todo o seu ardor, sua estrela, seu ideal, fazendo de um papel insignificante uma criação artística inimitável; e há os cabotinos que rebaixam ao nível de rasas mediocridades as obras-primas de grandes pensadores.”
A propósito da comparação esboçada por Duchatel, frisarei que ela encerra provavelmente uma grande verdade.
Em meu livro Os Fenômenos Premonitórios, tinha eu concebido no mesmo sentido a conciliação das teses filosóficas do livre-arbítrio e da fatalidade, consideradas em relação com a clarividência do futuro.
E a fórmula a que cheguei foi esta: – Nem livre-arbítrio nem determinismo absolutos durante a encarnação do Espírito, mas “liberdade condicionada”.
Quanto ao problema suscitado pela previsão da morte em combate, na ignorância da guerra, observarei que essas lacunas tão misteriosas constituem a regra de todas as manifestações de clarividência do futuro.
O sensitivo prevê admiravelmente as vicissitudes que aguardam uma criatura, mas quase sempre ignora os acontecimentos de ordem geral, tais como guerras, revoluções, cataclismos.
A explicação deve filiar-se à circunstância de, na quase totalidade dos casos, socorrerem-se os videntes do Eu integral subconsciente da pessoa que os consulta, de modo a não poderem logicamente perceber, como de fato não percebem, senão os fatos intimamente ligados à existência pessoal da criatura, com exclusão dos de ordem geral, mesmo quando formem uma parte integrante do seu futuro, como elementos causais.
Até aí o mistério se nos afigura suscetível de aclaramento.
Entretanto, o fato mesmo de admitir que os sensitivos extraem do subconsciente do consulente as suas percepções, levam, necessariamente, a perguntar como os dados reveladores de futuros acontecimentos podem existir na subconsciência do indivíduo.
A essa objeção, já respondi na minha obra Os Fenômenos Premonitórios (págs. 119 e seguintes).
Basta relembrar aqui que a única hipótese capaz de explicar o mistério seria a da reencarnação.
Deveríamos dizer, então, que se a existência terrena não representa mais que o elo de uma cadeia indefinida de vidas sucessivas e se o Espírito, no ato de reencarnar, fixa, a título de expiação, de prova e aperfeiçoamento espiritual os acontecimentos capitais da existência terrena (acontecimentos que se apagariam da memória fisiológica, ao franquear a vida, mas ficariam registrados no subconsciente para daí emergirem e se definirem graças a um processo análogo ao das sugestões pós-hipnóticas), fácil se torna compreender como pode o vidente, por vezes, descobri-los nos escaninhos da sua ou da subconsciência de outrem.
E, do mesmo passo, acontecimentos de outro modo havidos por fruto de cega fatalidade nos apareceriam como resultantes de atos livremente desejados.
Infelizmente, a explicação reencarnacionista não impede que o problema da fatalidade ressurja sob aspectos diferentes.
Se o Eu espiritual de Raynal tinha fixado por si mesmo a morte violenta do soldado em ação, é força concluir que a guerra mundial também estava inexoravelmente resolvida de antemão.
E assim, eis-nos resvalando no problema formidável da existência de uma fatalidade transcendente, na orientação das coletividades.
Nesse particular, advirto que, à vista dos fenômenos incontestes de clarividência do futuro, é difícil recusar ulteriormente a existência de uma fatalidade regendo o mundo, ao menos nas suas grandes linhas diretivas.
Um tal postulado, sobre ser inevitável, apresentaria reconfortante aspecto filosófico, pois implicaria a existência de entidades espirituais prepostas à governança da humanidade e, por conseqüência, à existência de Deus e sobrevivência da alma: Si divinatio est, dii sunt. E essa conclusão, ainda hoje, parece incontestável.
Mas, ainda assim, restaria resolver um problema originado do precedente, qual o interessante à questão moral: a existência de entidades que permitissem ou preparassem o desencadeamento de espantosas e sangrentas hecatombes, qual a que acabamos de assistir a poucos anos.
Essa grave proposição identifica-se com a da existência do mal – uma tese posta de milênios por todas as filosofias, inutilmente, sem conseguirem elucidá-la.
Limitar-me-ei a transcrever aqui uma frase do Doutor Geley, que diz: “a existência do Mal é a medida da inferioridade dos mundos”.
Penso que este conceito contém a melhor definição que o espírito humano pode formular sobre esse problema, pois ninguém ousará contestar que este é um mundo inferior, no qual a dura disciplina do mal é ainda necessária à elevação espiritual do homem, assim como no-lo atestam a História e a psicologia dos povos.
É de todo evidente que, se o mal não existisse na Terra, ninguém compreenderia o bem.
Menos evidente não é que a História nos ensina a estimar no mal, sob todas as suas formas, um instrumento indispensável ao progresso da humanidade.
Indubitável, finalmente, que quando um povo atinge o vértice do poderio e da riqueza – coisas que constituem para nós o maior bem – esse povo não tarda a corromper-se: menoscaba a virtude, degenera, entra em fase decadente.
Lícito é, pois, afirmar, sem receio de errar, que o mal é o estimulante regenerador, que reconduz ao caminho da virtude, da abnegação e do progresso a humanidade recalcitrante.
Por outras palavras: o mal é o bem que nós desconhecemos.
Em ouvindo a sua própria condenação, Sócrates dirigiu aos seus juízes estas palavras memoráveis:
“Essa voz profética do Demônio, que não deixou de se fazer ouvir durante toda a minha vida e a todo o momento, sempre me desviou do que me pudesse acarretar um mal; hoje que me sobrevêm estas coisas, que se podem considerar piores, por que se cala essa voz?
É porque tudo isto que me sucede é um beneficio. Nós nos iludimos quando pensamos que a morte seja um mal.”
18º Caso
– Aqui consigno um episódio premonitório, também referente à guerra, contendo passagens interessantes do ponto de vista das hipóteses reencarnacionista e fatalista.
Provém ele de uma obra publicada na Inglaterra sob o título de – Poems of Claude L. Penrose, with a Biographical Preface – editado no intuito de perpetuar a memória de um rapaz de 25 anos, dotado de grande talento e belo caráter, morto em combate, na França.
Cláudio L. Penrose era filho da Sra. H. Penrose, literata assaz conhecida no Reino Unido, autora de contos e romances através dos quais analisa com genial intuição o caráter do filho, desde a infância.
No estudo biográfico por ela preposto aos poemas do filho, lê-se este caso notável de psicometria premonitória:
“Aos 18 de julho de 1918, o Sr. L. P., amigo da família, informava à Sra. Penrose de que tinha travado relações com uma costureira dotada de excepcionais faculdades clarividentes.
A título de experiência, a Sra. Penrose remeteu ao Sr. L. P. versos de Clough, copiados por seu filho, os quais foram apresentados à clarividente.
Esta, muito atarefada, deixou de os considerar por algumas semanas.
Foi somente a 15 de julho que enviou ao Sr. L. P. uma carta com o resultado da experiência psicométrica, carta que, por diversos motivos, só foi entregue ao destinatário no dia 31 do referido mês.
Fosse como fosse, a carta esteve com o Sr. L. P. algumas horas, antes de Cláudio Penrose ser ferido na frente francesa.
Eis como se exprime a clarividente no citado documento:
“Tenho a impressão de que estes versos foram copiados por um jovem de 25 anos mais ou menos, dotado de talento muito superior à sua idade.
Penso que ele pertence a elevada hierarquia social. É também um belo caráter. Oficial de carreira, deve dedicar-se, de preferência, à artilharia.
Se lhe fora permitido sobreviver, faria uma carreira brilhante. Desgraçadamente, se a esta hora não está morto, sê-lo-á dentro em breve, de vez que nada mais lhe resta fazer neste mundo. Será gravemente ferido, para morrer logo depois.
Diga à sua mãe que ele não sofreu e que o papel que tenho nas mãos me permite ver, de modo assaz nítido, que seu filho está feliz.”
Os fatos confirmativos dessa revelação não se fizeram demorar.
Cláudio Penrose foi ferido na tarde daquele mesmo dia em que a carta chegara às mãos do Sr. L. P.
E no dia seguinte o rapaz expirava, serenamente, sem agonia.
Quando a Sra. Penrose recebeu a lutuosa notícia e invocava soluçante uma prova de não haver perdido fisicamente o filho querido, recebeu o almejado conforto daquela missiva, que foi acolhida como resposta à sua desesperada súplica.”
Tais os fatos. Chamamos a atenção especial do leitor para este conceito: se lhe fora permitido sobreviver, faria uma carreira brilhante e mais: se a esta hora não está morto, sê-lo-á dentro em breve, de vez que nada mais lhe resta fazer neste mundo.
Esta última advertência é de molde a lembrar a velha sentença do poeta grego Menandro:
”Os que morrem moços, caros são aos Deuses.”
sentença concordante com a doutrina reencarnacionista, segundo a qual uma morte prematura deixaria supor que o indivíduo tenha assaz progredido para abreviar o estágio de aprendizado na evolução ascendente das vidas sucessivas e, no caso de mortes infantis, que tenha progredido bastante para suprimir uma provação, mergulhando na Terra com o só fito de se revestir de elementos fluídicos indispensáveis ao corpo astral, desejoso de preparar-se para a seguinte reencarnação.
Do ponto de vista fatalista, mesmo neste caso, como no precedente, convém notar que, se o Espírito de Cláudio Penrose na sua existência pré-natal houvesse elegido a morte num campo de batalha, esse fato significaria que a guerra mundial estava preestabelecida com todas as suas conseqüências, no sentido da fatalidade aplicada às diretivas históricas dos povos.
19º Caso
– Acabarei expondo alguns casos nos quais a análise dos fatos deixa transparecer que o objeto psicometrado serve, algumas vezes, para colocar o sensitivo em relação com a entidade espiritual do seu falecido dono.
Tal como já adverti, essa hipótese não passa de premissa menor de um silogismo, cuja premissa maior é verdade demonstrada; ou seja, que se a influência de uma pessoa viva pode estabelecer a relação do sensitivo com a subconsciência dessa pessoa, também a influência do morto, em objeto que lhe tenha pertencido, deverá ter a faculdade de pôr o sensitivo em relação com o Espírito do defunto.
Ao demais, e de acordo com o que afirmam personalidades mediúnicas, o objeto apresentado a um médium teria outras particularidades além da principal, que é estabelecer a relação entre o médium e o desencarnado, ou seja, atrair o Espírito deste.
Assim é que também contribuiria para estimular as associações mnemônicas no momento da comunicação – ato que implica sempre um processo perturbador, pois que o Espírito tem de pensar pelo cérebro de outrem –, conferindo-lhe a necessária energia para manter-se em relação mediúnica, graças à natureza vitalizante do fluido contido no objeto.
Finalmente, impediria que o Espírito fosse telepaticamente influenciado por outros Espíritos, ou mesmo por encarnados presentes à sessão.
Eis aí afirmativas concordes, de personalidades mediúnicas que se manifestaram pelas Sras. Piper, Thompson e Chenoweth.
Neste caso admirável da identificação do jovem “Bennie Junot” (Piper), ele dirige-se ao pai, dizendo: “Papai, lembra-te do meu álbum de provas fotográficas?”
Responde-lhe o pai: “Sim, Bennie, lembro-me perfeitamente.”
E Bennie logo: “Pois bem, toma-o e coloca-o lá na mesinha do quarto; assenta-te com a mamãe perto dele e pensem em mim, porque o álbum servirá para me atrair e facilitar a comunicação.” (Proceedings of S. P. R., vol. XXIV, pág. 402.)
E mais adiante: “Quando retiram objetos que me pertencem, sinto-me logo confuso e desorientado.” (Pág. 582.)
Após essas considerações destinadas a esclarecer o assunto, passo a expor os fatos.
Vejamos este, tomado no Light (1910, pág. 133).
É o general Joseph Peters, de Munique, quem relata nestes termos uma experiência com o médium Alfredo von Peters:
“Entreguei ao médium uma medalha que pertencera à minha falecida irmã.
Quando Peters a colocou sobre a fronte, pensei involuntariamente na falecida e esperava que me falasse dela.
Bem ao contrário, começou por descrever minha mãe, dizendo vê-la a meu lado e a exibir-lhe dois retratos, dos quais fez minuciosa descrição.
Lembrei-me de que alguns anos antes tinham guardado em uma pasta duas fotografias análogas às descritas, mas não me ocorriam detalhes. Fosse por que fosse, notei que a descrição não correspondia absolutamente aos retratos de meus pais, existentes na minha sala de visitas.
Logo que regressei a casa, procurei as fotografias e verifiquei, surpreso, que o médium as descrevera com perfeita exatidão.
Nitidíssima deveria ter sido a sua vidência, pois abrangera os trajes, o penteado, a posição das mãos e minúcias outras de menor relevo, tal, por exemplo, a cortina que serviu de écran para uma das fotografias.
Mais tarde pude compreender o motivo pelo qual o médium não entrou em relação com o Espírito de minha irmã.
É que a medalha tinha sido feita de uns brincos que pertenceram à minha mãe, e minha irmã, que tivera a idéia de os mandar fundir e transformar em medalha, nunca usou, depois, esta jóia.”
Nesse primeiro caso não poderíamos, certamente, excluir a hipótese de haver o médium haurido na subconsciência do consulente os pormenores revelados.
Todavia, a circunstância de ele se propor a entrar em comunicação com a irmã e ignorar que a medalha não continha associações fluídicas com ela, torna mais verossímil a hipótese da influência materna contida no objeto, como traço de ligação psicométrica do médium com a falecida.
E aquele Espírito, que exibia ao médium duas fotografias totalmente esquecidas, demonstra a intenção de provar a sua presença real, de acordo com os desejos do consulente, que procurara o médium na esperança de alcançar uma prova valiosa da identificação espírita.
20º Caso
– Publicado pelo Journal of the S. P. R. (vol. IV pág. 8). É a Sra. M. A. Garstin que relata o seguinte incidente pessoal:
“Tive um estranho caso de identificação espírita, sem o haver provocado. Foi isso há dez anos, quando vim fixar residência em Colorado Springs.
A senhora, em casa de quem eu tomara pensão, era espírita e certa noite me convidou para assistir a uma sessão particular em casa de um amigo.
Ali, estando na localidade há pouco tempo, nenhuma das pessoas presentes me conhecia.
Aberta a sessão, logo após, uma senhora caiu em transe e parecia incapaz de falar.
Sem embargo, por gestos que ela fazia, compreendíamos que a entidade manifestante desejava falar a uma pessoa estranha.
Eu, por minha vez, esforçava-me para compreender a mímica; mas, debalde, até que a médium entrou a imitar os movimentos de alguém que trabalhasse em renda, sobre almofada.
Lembrei-me, então, de uma mulher cingalesa, que conhecera anos antes e cujo nome pronunciei.
Foi o bastante. A médium resvalou da cadeira, prosternou-se-me aos pés, beijou-me as mãos repetidamente e manifestou, enfim, num péssimo inglês de pronúncia cingalesa, a sua grande alegria por conseguir, ainda uma vez, testemunhar-me a sua gratidão.
É preciso não esquecer que a médium era uma senhora americana, cuja atitude aos pés de uma inglesa aberrava dos naturais melindres patrióticos.
Também convém não perder de vista o imprevisto de tal manifestação, dado que há uma vintena de anos não me passava pela mente qualquer lembrança da pobre Leho-rainy.
De regresso a casa, só então reparei que levara comigo um enfeite de renda trabalhada pela cingalesa.
Será que esse pedaço de renda tenha servido de veículo ou traço de união para manifestação do Espírito? (Assinado: M. A. Garstin).”
Só podemos responder afirmativamente à pergunta final da Sra. Garstin. Não havia dúvida que aquele pedaço de renda foi o agente psicométrico que provocou o fenômeno.
Fica, entretanto, para resolver o problema já suscitado pelo caso precedente, a saber: se a relação se estabeleceu com a subconsciência da Sra. Garstin ou com o Espírito da cingalesa.
A esse propósito, notarei que se observam, na atitude da personalidade mediúnica, detalhes dificilmente explicáveis pela hipótese subconsciente.
Assim, por exemplo, a circunstância da pronúncia inglesa incorreta, própria da cingalesa quando encarnada, constitui boa prova de identidade pessoal.
A atitude servil traduzida pela genuflexão e o beija-mão, de acordo com os hábitos das classes humildes da Índia em suas relações com os europeus, também constitui boa prova de identidade, tendo-se em vista que o médium, ignorante dos costumes indianos, não se conformaria com essas atitudes, se não impelido pela entidade cingalesa, que se lhe apresentava.
21º Caso
– Extraído de Light (1914, pág. 32).
A Srta. Edith Harper conta-nos este caso, ao tratar dos resultados obtidos nos primeiros anos de funcionamento do famoso Escritório mediúnico de William Stead.
Entre os episódios de natureza psicométrica, encontra-se este:
“Um indivíduo mandou da Índia uma caneta de madeira, acrescentando que ela pertencera a um filho dele, já falecido.
O sensitivo, Sr. Roberto King, ignorando absolutamente a proveniência do objeto, tomou-o e começou logo a descrever uma criança, cujo retrato esboçou minuciosamente.
A seguir, o Espírito da criança transmitiu-lhe lacônica mensagem destinada ao consulente, que – acrescenta o Sr. King –, está intimamente ligado ao falecido.
Depois, diz o sensitivo: “Sinto-me empolgado por uma influencia singular e ouço nitidamente uma voz que repete e insiste numa palavra cuja transcrição fônica é Shanti.”
A mensagem foi encaminhada para a Índia e o pai do menino não demorou a responder, gratíssimo, confessando não lhe restar dúvida alguma sobre a autenticidade da comunicação; primeiro, porque ele era, efetivamente, uma criança; e, segundo, porque a descrição feita pelo médium era a expressão maravilhosa da verdade.
Finalmente, a palavra Shanti que quer dizer: a paz seja contigo, era a saudação habitual que o filho lhe dirigia, quando vivo, todas as manhãs.”
Neste caso, a circunstância, teoricamente importante afirma-se no último incidente, ou seja, a audição de um vocábulo que o médium traduz foneticamente, vocábulo este que se verifica, posteriormente, corresponder à saudação que o filho costumava dirigir ao pai.
É um incidente que consiste em excelente prova de identificação espírita. Sem dúvida poderíamos objetar que a relação psicométrica se estabelecesse entre o médium em Londres e o consulente na Índia e que, por conseguinte, houvesse aquele se apropriado, na consciência deste, das suas indicações.
Todavia, não deixarei de encarecer que, na interpretação dos fenômenos psicométricos, não é fácil nos descartarmos das regras que os regem.
Ora, uma dessas regras nos ensina que, quando o sensitivo entra em relação com o possuidor do objeto psicometrado, começa por descrever o indivíduo com o qual se relacionou, para chegar depois a desvendar os acontecimentos da vida desse indivíduo, inclusive o meio em que ele se encontrava.
E quando o objeto foi utilizado por diversas pessoas, o sensitivo percebe entre as diferentes influências aquela que, em virtude da lei de afinidade, se lhe torna mais ativa, enquanto ignora as outras, ou apenas recebe delas impressões secundárias, passíveis de erronias e confusões.
Daí se infere que, no caso em apreço, se o sensitivo houvera percebido na caneta a influência do consulente e com ele entrara em relação, começaria por descrever-lhe a personalidade, para revelar em seguida incidentes da sua vida particular e o meio em que se achava.
Ora, nada disso tendo sucedido, é força convir que o objeto não continha a influência do pai e, por conseqüência, não podia o sensitivo entrar em relação com ele.
Lógico, ao contrário, é dizer-se que o objeto, por saturado da influência do filho, determinou a relação psicométrica do sensitivo com o desencarnado, o que de resto ressalta dos fatos, com a descrição mediúnica do filho e não do pai.
Chamo finalmente a atenção dos estudiosos para este ponto: psicometricamente falando, seria absurdo insustentável o pensar que a relação possa estabelecer-se com indivíduos cuja influência não satura o objeto psicometrado.
22º Caso
– Encontra-se em Light (1912, página 551).
A Sra. J. L. C., enfermeira profissional diplomada, comunica o seguinte interessante episódio de sua observação pessoal.
Devido à sua profissão, ela expressa o desejo de conservar-se incógnita, mas o seu nome é assaz conhecido pela Direção da revista.
Eis como se pronuncia ela:
“Sou enfermeira profissional. Há oito anos, necessitando de algum repouso, aceitei a hospitalidade de uma senhora idosa, muito ativa e inteligente, que procurava uma companhia que lhe dedicasse algumas horas diárias.
Em breve nos tornamos muito amigas. Eu sou médium sensitiva, mas devido à minha profissão, sempre julguei prudente não me ocupar de experiências mediúnicas.
Minha amiga, ao contrário, conquanto não possuísse tais faculdades psíquicas, interessava-se profundamente por esses estudos.
A esse respeito muito conversávamos e acabamos por estabelecer um pacto, no sentido de vir, a primeira que falecesse, dar à outra uma prova da sobrevivência, se Deus tal permitisse.
A esse tempo comprei, de um velho antiquário, um colar antigo, assaz curioso.
Não tinha ele grande valor venal, pois se compunha de treze pequenas bolas de cobre prateado e outras tantas do mesmo tamanho, fingindo ametistas.
A Sra. Hope ficou encantada com esse colar e passou a usá-lo constantemente, dizendo que não mais mo devolveria.
Pouco tempo depois, fui obrigada a sair de Londres para exercer na província a minha profissão.
Só de quando em quando me era dado avistar a minha amiga.
De uma feita que vim a Londres, fui visitá-la, porém ela estava por sua vez ausente de Londres.
A correspondência entre nós espaçou-se e, conquanto não arrefecesse a recíproca amizade, os meus encargos não ensejavam lazeres para escrever-lhe.
Certo dia fui levado por uma amiga à casa de um psicômetra de nome Ronald Brailey.
Impressionada com o que ali vi e ouvi, lá voltei algumas vezes. Uma noite de maio de 1910, apresentei ao sensitivo o colar, que, desde logo, pareceu interessá-lo grandemente.
Disse-me que se tratava de objeto antiqüíssimo, saturado de influencia hindus.
Anunciou, depois, que percebia a influência de uma mulher idosa, a andar de um lado para outro, e perguntou-me se a conhecia.
Como no momento não pensasse na Sra. Hope, insisti pela negativa, em face das descrições que me fazia.
“Que não, que muito lastimava, mas não reconhecia aquela pessoa.”
O sensitivo prosseguia: “É certo se tratar de uma senhora que muito estimastes e vos correspondia do mesmo modo.”
Sabia ele, mais, que essa senhora falecera havia dezoito meses ou cerca de dois anos.
E eu a contestar que não a conhecia!
Tomou ele, então, de uma folha de papel e desenhou um retrato de mulher, que me entregou.
Era uma reprodução perfeita do rosto da falecida, melhor que as fotografias por ela deixadas.
Ali estavam os seus traços bem definidos, os penteados habituais, a maneira de cruzar o chalé.
Cardíaca, por natureza, estive a pique de me sentir mal.
Mas... ela não morreu... exclamei.
O sensitivo respondeu calmamente: “entretanto, sei que ela não está mais neste mundo”, e acrescentou: “morreu subitamente, talvez de uma apoplexia, perdendo os sentidos antes mesmo do traspasse”.
Logo que me foi possível, fui a Kew e procurei informar-me na casa que ela habitava.
A senhora ali residente declarou-me, então, que a minha amiga havia falecido dezoito meses antes.
Essa confirmação me abalou profundamente, por não ter assistido a Sra. Hope em seu leito de morte.
Dirigi-me imediatamente ao médico que a socorrera, no intuito de melhor informar-me, dizendo-me ele que nos últimos meses ela muito emagrecera, fato esse que constituía prognóstico alarmante em se tratando de uma octogenária.
Por fim, atingida por uma congestão, perdera logo a faculdade da palavra e assim permanecera até o desenlace, que se verificou poucos dias depois.
E ajuntou que os últimos momentos foram penosos para os assistentes, por lhes parecer que a paciente queria dizer algo, como que reclamando a presença de alguém.
Apresentei-lhe, então, o esboço do retrato a lápis e disse que havia sido executado de memória por um amigo da falecida.
O doutor fitou-o atentamente e disse logo que era de semelhança perfeita, com a só diferença de parecer muito mais moça.
Tal a verdade escrupulosa, a respeito do colar e de minha amiga Hope.
Não sou espírita, devo dizê-lo, guardando em face do problema uma atitude que não é de convicção nem também de incredulidade.”
Nesse episódio a interpretação espírita ressalta nítida dos fatos e da circunstância em que se encontrava a consulente, ignorante da morte da amiga, assim excluindo a hipótese segundo a qual o sensitivo pudesse psicometricamente haurir na subconsciência da mesma consulente os detalhes relativos à Sra. Hope.
Preciso é, portanto, recorrer à hipótese psicométrico-espírita, segundo a qual a influência da falecida, conservada no colar, serviria para estabelecer a relação com o sensitivo, da mesma forma por que, conforme afirmam as personalidades mediúnicas, poderia contribuir para atrair o Espírito às sessões.
De resto, não devemos esquecer que as duas senhoras haviam sancionado o compromisso da manifestação póstuma, que, evidentemente, a Sra. Hope procurou satisfazer.
23º Caso
– Lê-se em Light (1909, pág. 32):
O Sr. Kensett Style, de quem já citamos um episódio interessante, originário das suas faculdades psicométricas, conta o seguinte caso obtido por intermédio de outros sensitivos:
“Um dos meus melhores amigos da adolescência, prematuramente falecido de um mal misterioso, foi-me descrito muitas vezes, por diferentes médiuns.
De uma dessas descrições, eu me lembro perfeitamente.
Ao psicometrar a minha pasta, o sensitivo viu esse amigo diante dele e, depois de uma descrição felicíssima, acrescentou que ele perguntava se me esquecera do dia em que, encarrapitados na trapeira de uma granja, havíamos atirado aos porcos uma porção de batatas podres, revelando-me eu nesse exercício, mais do que ele, um hábil atirador.
Lembrei-me logo que, de fato, a última vez que nos avistáramos, numa casa de campo, trepamos ao forro da casa, onde se guardavam batatas, e de lá nos pusemos a alvejar os porcos, com as batatas estragadas.
Não se trata de um passatempo intelectual e longe estava eu, nesse momento, de imaginar que, decorridos seis meses de franquia ao mundo do qual não se regressa (sem embargo de possíveis correspondências telegráficas, ou antes, telepáticas), essa inocente brincadeira houvesse de me proporcionar, um dia, uma prova convincente da sobrevivência humana e do interesse que os desencarnados continuam a ter pelos que lhes sobrevivem na Terra.
Devo ainda acrescentar que o Espírito também me recordou um dia em que patinávamos com grande ardor e acabamos às cambalhotas, o que nos valeu severa repreensão paterna.
Nada, porém, de semelhante comigo sucedera; entretanto, algum tempo depois vim a saber, por parentes do jovem camarada, que o tal incidente realmente se dera, mas, com um seu irmão, com o qual, suponho, ele me confundiu.”
Nesse depoimento, o primeiro incidente verídico, posto que muito notável, é teoricamente menos importante que o segundo, revelador de um erro de memória.
Efetivamente, se as informações obtidas tivessem origem no subconsciente, ou, por outras palavras, se o psicômetra as houvesse extraído telepaticamente da subconsciência do consulente, poderíamos explicar o primeiro incidente verídico, mas nunca o segundo, visto que o sensitivo jamais poderia extrair da subconsciência do consulente um episódio sobre o qual não existia nela um traço sequer, visto que absolutamente ele o ignorava.
De onde proviriam, então, essas observações?
É uma pergunta que se impõe, pois se é verdade que o episódio não se reportava ao consulente, menos verdade não é que concernia à entidade que se afirmava presente.
Ora, impossível é responder à interrogação, sem admitir a presença real do Espírito.
E, neste caso, o erro de memória em que incidiu, confundindo o amigo com o irmão, seria de natureza compreensível e justificável, pois todos somos suscetíveis dessas confusões mnemônicas, quando se trata de acontecimentos afastados e de somenos importância.
24º Caso
– A obra do Sr. J. Artur Hill, Psychal Investigation, contém este episódio que eu reproduzo de um assaz extenso resumo, publicado pelo Sr. A. Bayfield no Journal of the S.P.R. (1917, pág. 85.)
“Uma senhora, das relações do Sr. Hill, falecia aos 3 de novembro de 1915.
A 8 do mesmo mês, apresentaram a um médium alguns objetos pertencentes à falecida, sem resultado.
Dito foi, então, que ela “ainda dormia o sono regenerador que sucede ao trespasse”.
No dia seguinte obteve-se um pormenor assaz probante em breve mensagem, conquanto entremeado de apontamentos outros inexatos.
No dia 11 foram apresentados os mesmos objetos a outro médium, que não conhecia o Sr. Hill.
Ao demais, quem os apresentou foi uma senhora que também não conhecia o Sr. Hill.
O médium, que ignorava a morte da dona dos objetos, foi logo dizendo que receava fosse muito cedo para obter comunicação com a morta.
E, de fato, nada de prático se conseguiu.
Duas outras tentativas, em 25 de novembro e 2 de março de 1916, só deram resultados negativos.
Finalmente, a 19 de abril, obtiveram pelo médium Wilkinson, as primeiras provas valiosas de identidade e iniciativa pessoal da falecida.”
E o Sr. Hill adverte:
“Se a psicometria fosse apenas leitura de traços quaisquer gravados num objeto, de qualquer modo, os sensitivos teriam podido, desde logo, à primeira vista, interpretar esses traços, e tanto melhor quanto mais recentes fossem eles.
Daí resulta que o insucesso das primeiras tentativas e o seu melhoramento gradual, à medida que o tempo se escoava, apresenta-se como índice (não ouso dizer prova) de que as comunicações dependem da existência real e da atividade do ser sobrevivente, com o qual o objeto psicometrado teria a virtude de estabelecer a relação, antes que por efeito da influência conservada no objeto.”
Essas ponderações do Sr. Hill são incontestavelmente racionais e convincentes, dado que, antes de obter uma mensagem verídica da morta, houve quatro tentativas frustradas, no espaço de cinco e meio meses.
Igualmente, esses insucessos só se podem explicar por tantos outros insucessos nos quais os médiuns, desorientados e confusos, transmitem mensagens inconcludentes, de origem subconsciente.
Aqui, pelo contrário, os sensitivos não se perturbaram, não deram qualquer comunicação, mas depois de se declararem em relação com o Espírito de uma senhora desencarnada, confessaram-se unanimemente incapazes de fornecer as provas geralmente visadas nessas circunstâncias.
Essa concordância negativa entre os sensitivos tem importância teórica, pois só poderia explicar-se admitindo o alegado, isto é, que a defunta ainda dormia o sono reparador que sucede ao desprendimento, alegação ao demais conforme com as constantes afirmativas das personalidades mediúnicas.
Todavia, ao parecer destas, a duração desse sono só se prolonga por meses e anos em casos especiais, pois, em regra, não vai além de minutos e horas.
25º Caso
– Publicado por Light (em 1920, página 163) .
Este caso, considerado do ponto de vista psicométrico, contém uma circunstância curiosa, qual a de conjugar-se, insolitamente, com a vidência no cristal, contanto que sensitiva e consulente mantenham a bola entre as mãos por alguns minutos, a fim de se saturarem da sua própria influência.
Eis como o Diretor de Light relata essa experiência:
“Alguns de nossos leitores terão, possivelmente, ouvido falar de uma mulher que, não sendo famoso médium profissional e muito menos se interessando pelo movimento espiritualista, possui, entretanto, a estranha faculdade de ver através do cristal, não somente, mas de tornar objetivas e visíveis aos assistentes as aparições.
O Sr. Arthur Conan Doyle já se ocupou deste caso interessante, pois foi em sua casa que a sensitiva, juntamente com o diretor de um grande jornal londrino e mais um ator dramático, obtiveram as visões simultâneas.
Uma dessas noites assistiu a uma demonstração dessa estranha faculdade, no British College of Psychic Science.
Éramos presentes eu e mais sete pessoas, inclusive o Sr. Mac Kenzie e sua mulher, respectivamente Diretor e Secretária do referido Colégio.
Chegada a minha vez, a Sra. Nemo (assim chamo a médium) passou-me a bola, que tive entre as mãos por alguns minutos, antes de lha restituir.
Depois de segurá-la também ela, por alguns instantes, anunciou a presença de uma imagem.
Completando o quadro, examinamo-lo todos nós e, tal como era de minha intenção, escrutei-o com redobrada atenção, porém ele não durou mais que um trinta segundos.
Tratava-se da figura de um homem ainda moço, de olhar inteligentíssimo, aparentando um artista ou um sábio.
Não o reconheci como pessoa de minhas relações e isso mesmo o declarei em voz alta; mas tive, ao mesmo tempo, uma como intuição de que pela psicografia se aclararia o mistério.
A mensagem escrita demorou, mas veio finalmente e foi lida em voz alta pela Sra. Nemo.
Eis o seu conteúdo:
“Sou o vosso Guia e, para o que vos importa saber, um médico hábil. Quereria recomendar-vos e pedir que tomásseis, três vezes por semana, um velho remédio.
É possível que de tal remédio não tenhais tido notícia até o presente. Trata-se das velhas gotas holandesas.
Usai-o na dose de 15 gotas para uma colherinha de aguardente e crede, sob palavra, que muito melhorareis de saúde.”
A assinatura tudo esclareceu. Era o nome de um membro de minha família, que tinha sido médico da Marinha, no reinado de Guilherme IV, e falecido há mais de oitenta anos.
Ouvira muitas vezes sua viúva e outros parentes próximos falarem a seu respeito.
Os filhos lhe morreram todos em idade avançada, nestes últimos vinte anos, mas os netos e bisnetos ainda vivem.
Contudo, confesso, a sua individualidade jamais me preocupou, até o momento de me vir essa mensagem.
E se eu imaginasse uma comunicação, seria, certamente, a de um parente mais próximo.
Ao demais, a saúde era o que menos me preocupava na ocasião, posto que, em conseqüência de grave enfermidade, ainda hoje não esteja completamente restabelecida.
Deixo de lado a questão do remédio.
As gotas holandesas não me são desconhecidas, mas nunca as utilizei, pois não tenho em suas virtudes mais que vaga confiança, que ainda está por confirmar-se.
Os detalhes que me impressionaram, quanto ao semblante e a mensagem, são os seguintes: os traços fisionômicos de seus descendentes ainda vivos, a circunstância de ser ao seu tempo, muito em voga, o remédio aconselhado.
Acredito mesmo que ainda hoje o preconizem os velhos marinheiros.
De resto, a frase “queira recomendar e pedir” e “sob palavra” tem sabor característico, pois eram expressões correntes entre os seus parentes mais próximos e faziam parte da velha fraseologia dos primeiros tempos do reinado da rainha Vitória.
Todavia, o nome foi o que mais me impressionou, pois ele, como um relâmpago, alumiou todo o episódio.
Além disso, quando anunciei que o correspondente da mensagem era a personalidade por mim descrita, três fortes pancadas confirmaram as minhas palavras.
As imagens são, muita vez, acompanhadas de pancadas que correspondem a perguntas e marcam o advento de novos quadros.
Como vêem, é uma experiência notável, seja qual for a interpretação que lhe queiram dar.”
Tal o interessante episódio descrito pelo Diretor de Light.
Pelo concernente ao processo de saturação fluídica para utilizar psicometricamente o cristal, não se nota nele qualquer particularidade capaz de emprestar aos fatos um caráter diverso do que reveste os fatos obtidos pelos métodos psicométricos comuns, posto que as modalidades do processo sejam curiosas e insólitas.
Ainda mais insólita é a circunstância de os circunstantes perceberem diretamente as visões da sensitiva, o que não é fácil de explicar, visto que as imagens percebidas no interior de um cristal não podem, absolutamente, ser consideradas de natureza objetiva.
Assim, devemos conceituá-las como projeções alucinatórias das imagens realizadas na subconsciência da vidente.
Daí se conclui que, para explicar os fatos, seríamos levados a admitir que a vidente em apreço possui a faculdade de transmitir telepaticamente aos assistentes as imagens alucinatórias, formadas em sua própria consciência.
Quanto à gênese psicométrico-espírita do caso, não parece seja ela suscetível de objeções, ou, pelo menos, que se possa contrapor, à explicação espírita, uma outra melhor.
Efetivamente, para que assim fosse, haveríamos de ampliar às raias do absurdo os poderes inquisitoriais dos sensitivos, para investigar as lembranças latentes na consciência alheia.
Ninguém poderá sustentar, sem cair no ridículo, que entre tantas lembranças latentes, de pessoas falecidas, ligadas ao consulente por laços afetivos, a sensitiva tivesse haurido na subconsciência desse cavalheiro os apontamentos concernentes a um antepassado, dele desconhecido, pois que desencarnado há oitenta anos.
Compreendo a objeção que me poderiam fazer, isto é, que não seria difícil contraditar a hipótese espírita com a própria observação minha, dizendo: “como, pois, explicar do ponto de vista espirítico, que entre tantos mortos ligados ao consulente, a relação psicométrica se estabelecesse justamente com um antepassado tão remoto e desconhecido da assistência?”
Responderei que, se considerarmos a veracidade verificada com detalhes fornecidos pelo Espírito, é lícito considerar também verídico o único detalhe não controlável, isto é, que esse Espírito era, de fato, o Guia do consulente.
E isso torna naturalíssima a sua manifestação, com preferência à de qualquer outro Espírito.
26º Caso
– No fato dramático que se segue, o fenômeno de relação psicométrica com entidades desencarnadas se completa com a manifestação dessas mesmas entidades em sessões mediúnicas subseqüentes.
O caso é assaz conhecido e despertou vivo interesse, tanto que dele se ocuparam todas as publicações psíquicas.
A narrativa é do próprio protagonista, Sr. Hugh Junor Brown, rico banqueiro de Melbourne e autor de uma obra de investigações mediúnicas intitulada The Holy Truth, muito citada, aliás, por Myers, em sua obra-prima.
Este extrato é de Light (1909, pág 117).
“Conta o Sr. Hugh Junor que no mês de dezembro de 1884, seu filho William, de 18 anos de idade, em companhia do Sr. Murray, empregado da casa Brown, compraram um iate chamado “Iolanda” e, depois de lhe fazerem modificações, partiram num cruzeiro marítimo com a promessa de regressar no dia 14 de dezembro, que era uma segunda-feira.
Levaram em sua companhia outro filho do Sr. Brown, de nome Hugh, rapaz de vinte anos.
A Sra. Brown não queria nem por nada deixá-lo partir, mas como o Sr. Murray era um marítimo traquejado e até diplomado pela capitania do porto, acabou por concordar.
A 20 de dezembro de 1884, quando ainda não tinha notícia dos filhos, enviou o Sr. Brown à revista Harbinger of Light, que lhe deu publicidade, em seu número de janeiro, o seguinte apanhado de uma sessão com o médium George Spriggs:
“Passado o dia 15, sem que os filhos regressassem, tornamo-nos naturalmente ansiosos e, na manhã seguinte, muito cedo, fui à casa do médium George Spriggs para lhe pedir visitasse minha mulher, que estava enferma.
No intuito mesmo de não influir no seu ânimo, é claro que nada lhe disse do verdadeiro motivo do meu apelo.
O Sr. Spriggs chegou às 8 horas da manhã, tomou a mão de minha mulher e não tardou a cair em transe.
Depois, perguntou: “Fez a senhora algum passeio marítimo?”
Diante da resposta negativa, continuou: “É que eu lhe noto uma grande depressão de espírito e que tem relação com o mar. Durante a noite esteve muito aflita e chorou.” (Era verdade.) E completou o diagnóstico dizendo que toda aquela perturbação tinha uma afinidade com o mar.
Fiz, então, uma vaga referência ao caso que me preocupava e perguntei: “Perceberá você, por acaso, algum sinistro marítimo?”
O médium, sempre em transe, respondeu: “Não posso distinguir se eles se acham no mundo espiritual, mas se me trouxer algum objeto deles utilizado, poderei servir-me dos mesmos para os encontrar.”
Tomei uma carteira de notas de meus filhos e dei-a ao médium.
Ele começou logo por dizer:
“Vejo, num pequeno barco, à foz de um rio, duas velas desfraldadas ao vento, uma grande, outra menor... (Isso era exato.) Descem o rio e parecem preocupados com a entrada no mar... (Refere-se, evidentemente, à baia de Porto Filipe.) Vejo uma espécie de torre com um molhe de pedras a distância... (Provavelmente o farol do cais de Williamstown.) Agora, estão navegando em pleno mar, com terra à esquerda; nuvens pesadas, precursoras de tempestade, acumulam-se no horizonte... Ei-los que se dirigem para outro quebra-mar... (De fato, foram assinalados ao largo de Bristol no dia 14.) Neste momento esforçam-se para voltar atrás, mas o vento lhes é contrário. Depois de bordejarem algum tempo, decidem proejar para terra... Perto já da costa, quando se trata de amarrar, parece que surgem dificuldades... (Isso devido, possivelmente, à falta de âncora, perdida dias antes no Iarra.)
Conseguem, finalmente, desembarcar, encharcados até os ossos. Passeiam e discutem sobre o que lhes importa fazer. (Suponho que discutiam a hipótese de abandonar o barco e regressarem por terra; mas o fato de Murray e William terem lá deixado os sapatos, os demoveu a voltarem para bordo.)
Suponho que, ainda hoje, o senhor receberá notícias... (Efetivamente, nesse dia, recebemos a notícia de que os rapazes foram vistos no dia 14 ao largo de Brighton.)”
Na manhã seguinte o médium voltou à minha casa e continuou a descrever a sua vidência.
“Depois do descanso em terra, voltaram ao barco e ganharam mar longo. (Com efeito, nesse dia, às 8 horas, recebi telegrama de que um barco semelhante ao “Iolanda” fora visto de Frankstone na direção de Schnapper Point.)
Depois de algumas horas, ei-los em local de onde lhes surge, à esquerda, uma cadeia de rochedos ameaçadores e sinistros. Grossas nuvens avultam pela popa, o mar se encrespa...
Eles pensam arribar à costa, mas agora não é fácil descobrir o quebra-mar... O vento muda, as velas se agitam, uma delas se esfrangalha... O mais baixo dos três está assentado à popa, ao leme, e grita aos outros que acudam ao velame da proa...” (Esses detalhes se referem a Murray, cuja estatura não atingia a de meus filhos e que se mantinha no governo da embarcação, procurando acudir a vela principal, enquanto meus filhos se ocupavam com a outra.)
O médium não conhecia Murray e ignorava estivesse ele na companhia dos meus filhos.
“Lutam agora com grandes dificuldades para a manobra do cordame. Isto sucede a milha e meia da costa, num lugar de águas profundas e estamos na manhã do dia 15...” (Nesse instante houve uma pausa e eu penso que foi quando se deu a catástrofe, o que aliás me foi confirmado mais tarde, por comunicação mediúnica de meus filhos.)
Na manhã de 17 reunimo-nos em sessão, sempre na esperança de obtermos esclarecimentos.
Imediatamente manifestou-se o Guia do médium e anunciou a presença de um Espírito recém-desencarnado, desejoso de se comunicar. Pouco depois, William, o mais novo de meus filhos, conseguiu, com muita dificuldade, falar pelo médium. Voz entrecortada de soluços, disse: “Mamãe, perdoa-me; a culpa foi toda minha!” Efetivamente, fora ele que comprara o barco. Hugh, esse, só resolvera embarcar para lhe fazer companhia...
Na noite de 18 meus filhos puderam manifestar-se e confirmaram a descrição mediúnica do cruzeiro, notando, apenas, que o naufrágio se dera mais próximo da costa de Morington do que da de Cheltenham...
Respondendo a uma pergunta, William disse: “Eram 9 da manhã de segunda-feira, 15 de novembro, quando soçobramos.”
(Declaração perfeitamente concorde com as informações mediúnicas.)
Em um segundo depoimento dirigido à Revista, na data de 21 de março de 1885, o Sr. Hugh Junor Brown conta que no dia 31 de dezembro (dia em que remetera o seu primeiro depoimento) ouvira dizer que o cadáver de William fora avistado perto de Pienic Point, com falta do braço esquerdo e parte do direito.
A 23 de dezembro, o exame necroscópico revelou a inexistência de ferimentos ou indícios de ferimentos quaisquer, anteriores à morte.
No dia 27 de dezembro, em Frankstone, foi capturado um tubarão (a 27 milhas de Melbourne), em cujo estomago encontraram o braço direito de William, um pedaço do colete com o relógio de ouro, as chaves, o cachimbo e 12 xelins em dinheiro. O relógio parara justamente nas 9 horas, indicadas pelo médium, 9 dias antes.”
Respondendo às observações de um crítico, que alegara não terem os filhos do Sr. Brown em seus comunicados algo dito sobre a mutilação de um dos cadáveres, disse o Sr. Brown o seguinte:
“Durante a manifestação mediúnica de Hugh, houve um momento em que ele conduziu o irmão para um canto da sala, onde não poderia ser ouvido por sua mãe, e ali declarou que o corpo de William tinha sido mutilado por um tubarão. No meu relatório omiti este incidente doloroso por motivos justos, quais os de ocultá-lo à minha mulher, leitora assídua da Revista, que haveria de o publicar.”
O que resulta antes de tudo, dessa dramática narrativa, é a concordância entre os detalhes mediúnicos e as informações gradualmente colhidas sobre o naufrágio.
Mais notável, ainda, a concordância da hora assinalada no relógio tão tragicamente recuperado.
Pergunta-se, pois: Qual a hipótese que explique essa exposição verídica do drama?
Começo por notar que, posto tivesse entre as suas a mão da Sra. Brown, isto é, da mãe das vítimas, o médium não conseguiu revelar nada quanto à sorte dos rapazes, antes que lhe trouxessem a carteira que eles usavam.
Essa circunstância é de grande valor teórico, não só porque o contraste episódico evidencia que o emprego do objeto psicometrado se reporta ao estabelecimento de relação entre o sensitivo e a criatura encarnada ou desencarnada, fluidicamente ligada a esse objeto, como porque, principalmente, contribui para refutar uma hipótese fantástica aventada para explicar os casos mais complexos de identificação espírita, segundo a qual os pais, amigos e conhecidos do morto, “telepatizariam” todas as vicissitudes da existência desse morto, que ficariam, dessarte, indelevelmente gravadas em suas subconsciências, para daí serem hauridas por médiuns e sensitivos e gerarem a ilusão de comunicações do além-túmulo.
Desde logo direi que essa hipótese está muito longe de explicar um grande número de identificações espíritas.
Depois, observarei que esses vôos fantasistas aplicados à ciência metapsíquica, além de arbitrários e anticientíficos, são igualmente deploráveis, porque lisonjeiam os prejuízos misoneístas de vários sábios, desviando as pesquisas, neutralizando a eficiência das hipóteses legitimamente científicas e retardando a vitória da verdade. Em todo caso, repito, a circunstância que acabo de assinalar refuta, irrevogavelmente, a dita hipótese.
Se o médium, em ter entre as suas a mão da Sra. Brown, nada conseguiu revelar da sorte de seus filhos, prova que a subconsciência dessa senhora nada registrara, telepaticamente, do drama que acabava de ocorrer, e isto tanto mais quando essa prova negativa era imediatamente seguida da contraprova positiva, revelando o médium desde logo que os eflúvios dos rapazes, contidos naquele objeto, facultavam-lhe transportar-se alhures e recolher os apontamentos colimados.
Assim, concluo: dado que o médium não poderia tirar da carteira informações inerentes a uma tragédia posterior à partida dos rapazes, para sempre, da casa paterna, ou seja, depois de se haverem utilizado dessa carteira pela última vez; e dado que a circunstância há pouco referida não permitia ao médium haurir tais informações no subconsciente dos pais,segue-se que a influência contida na carteira serviu para estabelecer a relação entre o médium e as personalidades desencarnadas dos que a usavam, conforme parece confirmarem as manifestações mediúnicas, posteriores à análise psicométrica.
Esta, parece-me, a única hipótese cientificamente legítima, capaz de resolver o problema.
Para refutação da teoria exposta, convém lembrar também o episódio do Sr. Hill (XXIV caso), no qual um mesmo objeto apresentado a diversos sensitivos, pouco depois da morte do seu dono, provocou a declaração de ser ainda prematura a comunicação, por achar-se o Espírito ainda mergulhado no sono reparador, que sucede à morte.
Esse incidente demonstra, a seu turno, o não fundamento da teoria em apreço, visto que, por ela, os sensitivos deveriam ter haurido imediatamente no subconsciente dos pais, dos amigos e conhecidos da falecida os esclarecimentos pedidos, ao invés de perseverarem no insucesso de cinco meses e meio, para fornecerem depois, repentinamente, as provas de identidade esperadas.
Todas essas circunstâncias se adaptam à hipótese da relação psicométrica com os desencarnados, mas são literalmente inconciliáveis com a tese que acabamos de refutar.
Finalmente, direi que as sessões experimentais com a Sra. Piper fornecem, também elas, numerosos episódios não menos incompatíveis com essa teoria.
Citarei, por exemplo, o famoso caso negativo da Sra. Blodgett, no qual, apesar de serem apresentados ao médium objetos pertencentes à irmã da consulente, o Espírito-guia Finuit não conseguiu revelar o conteúdo do invólucro deixado pela falecida, no intuito mesmo de sua identificação póstuma.
De acordo com a hipótese espiritista, tal fato indicaria que não foi possível estabelecer a relação psicométrica com o Espírito da falecida (como no caso do Sr. Hill).
Mas, a manter-se a hipótese antiespirítica, não haveria compreender como os pensamentos da morta, confiados ao invólucro fechado, não fossem subconscientemente registrados pela irmã, que com ela convivia, pois se o fossem, Finuit não deixaria de os desanichar, como fez a respeito de seus atos e num período em que ela se ausentara das sessões.
Louvo-me, assim, de haver provado, mais que suficientemente, que o presumido fenômeno das intercomunicações telepáticas universais, entre subconsciente e subconsciente, não passa de hipótese fantasista, em flagrante contradição com os fatos.
Conclusões
Atingindo os extremos deste longo trabalho analítico das diferentes modalidades dos fenômenos psicométricos, importa apresentar o quadro sintético dos grupos em que foram eles divididos.
Começamos pelos casos em que a relação psicométrica se dava entre pessoas vivas, para passarmos aos em que sucedia com animais e, sucessivamente, com os vegetais e com a matéria inanimada.
Daí nos transferimos para os casos em que a relação se operava espontaneamente pela proximidade do objeto suscetível de interesse para o sensitivo; e, depois, aos de relação a distância, com o ambiente do objeto psicometrado.
Finalmente, ferimos os casos de relação com o próprio ambiente, sem que houvesse necessidade de objetos psicometrados.
Em último lugar, abordamos os casos de psicometria premonitória e aqueles em que a relação se dava com entidades falecidas.
Esse quadro evidencia a posição importante ocupada pelo grupo da psicometria na fenomenologia metapsíquica, por isso que nele se contêm os problemas mais formidáveis a resolver, e aos quais se juntam os enigmas inerentes a outras categorias de manifestações supranormais que se vão misturar e confundir com elas. Esse entrançamento de diferentes manifestações supranormais representa, ao demais, a regra da fenomenologia metapsíquica, provavelmente por serem elas, em última análise, o produto de uma única faculdade transcendental, privativa do Espírito humano em sua dupla qualidade de encarnado e desencarnado, e mediante a qual ele se manifesta e evoluí.
Prosseguindo na exposição sintética dos resultados obtidos, noto que o exame dos fatos nos levou a estabelecer que já não é lícito duvidar da existência de uma influência pessoal humana registrada pelos objetos e perceptível aos sensitivos, e cuja influência serve para estabelecer a relação entre o sensitivo e o possuidor do objeto psicometrado, de cujo subconsciente o sensitivo extrai, telepática e quase integralmente, os apontamentos fornecidos.
Se o dono do objeto não está mais entre os vivos, a relação se dá entre o sensitivo e a entidade espiritual do morto, salvo, todavia, a interferência de circunstâncias que podem provocar o estabelecimento de outras relações.
Assentamos, além disso, que a matéria registra não apenas influências animais e vegetais, mas também sistemas de vibrações engendradas pelas atividades da Natureza e, conseqüentemente, que os sensitivos podem, do mesmo modo, estabelecer relações psicométricas com animais, plantas e estados transitórios da matéria.
Esta última circunstância – a do sensitivo que percebe diretamente os estados da matéria –, parece-nos de todas a mais misteriosa, tanto mais quanto contradiz a teoria das relações, até agora imprescindível, e que se afigurava fundamental na realização dos fenômenos psicométricos.
Em todo caso, diante da evidência dos fatos, não há como deixar de acolher a hipótese dos professores Buchanan e Denton, segundo a qual o objeto psicometrado expõe diretamente a história, reservado, todavia, o direito de corrigi-la para conciliá-la, quanto possível, com a teoria das relações psíquicas.
Não é coisa muito difícil, aliás, pois no caso de um objeto que desvenda ao sensitivo a sua própria história, pode supor-se, igualmente, que tal acontece porque o sistema de vibrações correspondentes aos fatos são registrados num ambiente transcendental, imanente na própria matéria do objeto, e que esse ambiente seja o éter espacial.
Esta indução afigura-se-nos cientificamente legítima e acarreta conseqüências teóricas de alto valor filosófico.
De fato, se conferirmos ao éter do espaço, imanente e imaterial no Universo, a função de registrar e conservar todas as vibrações constitutivas da atividade da Criação, havemos de atribuir-lhe, cumulativamente, os atributos de Onisciência, Onipresença e Onipotência, o que equivale por dizer a Autoconsciência, de vez que aqueles atributos implicam, necessariamente, uma Inteligência Infinita.
E assim, vemos impor-se, conseqüente, a grandiosa concepção do Éter-Deus.
Ao nosso ver, essa concepção teria a vantagem de completar a hipótese fundamental das relações, única capaz de explicar a fenomenologia que nos ocupa.
Tínhamos já uma série de relações psicométricas que se estabeleciam, fosse pela subconsciência dos vivos ou dos mortos, ou fosse com individualidades animais e organismos vegetais.
Agora, poderíamos juntar a essa série a relação com o Éter-Deus, receptor e conservador dos sistemas de vibrações cósmico-físicas, constituindo a essência do Universo, e isto porque o Éter-Deus está imanente na matéria mesma do objeto psicometrado.
O grande valor científico-filosófico dessa concepção necessita o aditivo de alguns apontamentos complementares.
Depois de haver formulado a teoria do Éter-Deus sobre bases rigorosamente científicas, inscrevo aqui a opinião de duas personalidades mediúnicas, das mais elevadas que apresenta a psicometria espírita, a saber: Imperator, de Stainton Moses, e Stafford, de Elisabeth d'Espérance.
O primeiro, assim se exprime
“Todas as inspirações provêm diretamente dAquele a quem chamais Deus, isto é, do Éter Infinito e Imanente em vós como em tudo e por toda parte. Na verdade vós, como nós, todos vivemos mergulhados num Oceano Espiritual imensurável, do qual se originam a ciência e a sabedoria possíveis ao espírito humano.
Essa a comunhão com o Espírito Santo, de que tratam as Sagradas Escrituras, quando dizem: “Ele mora em vós e convosco existe.”
Eis a grande verdade da qual já nos ocupamos, isto é, que vós também estais em Deus, visto existir em vós uma parcela desse Espírito Universal Imanente, que é uma manifestação do Ser Supremo.
Também o vosso corpo espiritual tira a existência e alimentação do Oceano Espiritual Infinito, no qual tudo está mergulhado.
Nele, tira o corpo espiritual o alimento, tal como o corpo físico o absorve no oxigênio do ar que o envolve.
E esse Oceano Espiritual Ilimitado é o que denominais Éter.” (Posthumous Spirit Teachings, Light, 1899, pág. 603.)
Vejamos agora como fala a personalidade mediúnica Stafford.
No decurso de uma sessão, ele dirige a palavra a um cientista presente, uma chusma de perguntas, no intuito de lhe impossibilitar a réplica, e, de repente, saiu-lhe com esta:
– Que é o Éter?
– Ignoro-o, disse-lhe o sábio, mas conforme as induções científicas, ele é quase o Nada... Um nada, porém, que, quando analisado de perto, assemelha-se ao Todo.
Então, Stafford prosseguiu:
“Se tentássemos remontar às origens do Universo, nada encontraríamos que escapasse à aplicação da vossa conclusão: não mais a matéria, mas o que lhe constitui o elemento originário: o Nada da matéria, um Nada infinitamente mais maravilhoso, mais poderoso, grandioso e sublime do que o Universo material que ele produziu.
Efetivamente, está nesse Nada a potência criadora do Céu e da Terra, de tudo enfim; uma potência que o mais elevado intelecto humano é incapaz de compreender e ao qual já se conferiram muitos nomes...
O último, inventado pelos sábios, chama-se Vontade Cósmica. Outros, menos eruditos, contentam-se em chamar-lhe familiarmente Deus.” (Light, 1903, pág. 548.)
Como se podem ver, as personalidades mediúnicas estão de acordo com os pensadores contemporâneos no identificarem o éter com Deus, o que leva a refletir, mais que nunca, nesta concepção do Universo, tão vasto e cativante.
Agora, para passarmos a outro assunto, em seguimento de minha exposição sintética, lembrarei que, depois de haver enunciado a teoria do Éter-Deus, enumerei outros traços característicos das manifestações psicométricas, tais como os fenômenos produzidos simplesmente pela proximidade de um objeto interessante para o sensitivo (no caso relatado o recebimento de uma carta), e independente de qualquer contacto; fenômenos esses que nada apresentam de novo para a teoria, a não ser a presunção de tal ou qual atividade radiante dos objetos saturados de humanas influências.
Examinamos, de seguida, os fenômenos psicométricos nos quais o sensitivo desvendava acontecimentos ocorridos à distância do objeto psicometrado, como se o objeto fosse suscetível de registrar, à distância, as vibrações psíquicas dos acontecimentos ambientes.
Citei, depois, fatos nos quais os sensitivos eram postos em relação com o meio no qual se hospedavam, fortuitamente.
Esses fatos são mais freqüentes do que geralmente se imagina, na vida social, passando contudo despercebidos, pelo costume de os atribuir a causas outras, psicológicas ou patológicas.
Fenômenos tais só se explicam pela hipótese da influência deixada no ambiente, por pessoas que o ocuparam; e, neste caso, forçoso seria concluir que móveis, assoalhos, as paredes mesmo de um quarto, possam receber e reter os eflúvios vitais dos entes vivos, ou as vibrações correspondentes à atividade funcional dos seus sistemas cerebrais.
Passamos, em seguida, aos fenômenos que têm uma certa afinidade com os precedentes, nos quais as percepções psicométricas não provinham de um recinto fechado, como um quarto, mas de um local aberto, tal como um campo, e atingiam acontecimentos históricos anteriores de séculos.
Essas percepções não poderiam explicar-se senão admitindo, ou supondo, que os sistemas de vibrações correspondentes à atividade dos seres vivos e à matéria inanimada fossem registrados e conservados por um meio etérico.
Apreciados esses fenômenos, voltamos a nossa atenção para os que revestiam caráter premonitório.
Eles não implicavam, ao demais, nada de novo do ponto de vista psicométrico, de vez que se ligavam a uma outra categoria de manifestações, entrosadas nessa mesma psicometria.
Não obstante, apresentavam grande interesse e ofereciam ensejo de tocar nos problemas perturbadores do Eterno-Presente, da Fatalidade, do Livre-Arbítrio e da existência do mal.
Por fim, citamos alguns exemplos da relação psicométrica com entidades defuntas, alguns deles contendo incidentes muito notáveis a prol daquela interpretação, pois que não poderiam ser interpretados à luz de outra qualquer hipótese.
Ao mesmo tempo, os exemplos em apreço nos ofereceram a oportunidade de refutar a mais importante das teorias antiespiríticas, aventada para explicar uma categoria de fenômenos psicométricos, teoria absolutamente contraditória com o exame dos fatos, mas na qual nos convinha determo-nos para refutá-la e eliminá-la, no intuito de prevenir o mal que causam semelhantes hipóteses, por desviarem a investigação e neutralizarem a eficácia das hipóteses legítimas, retardando, assim, o advento da verdade.
E como o Doutor Osty se deu ao cuidado de aplicar a mesma hipótese a um caso de lucidez psicométrica por ele próprio estudado, não será ocioso encará-lo ulteriormente, em conjunção com o caso em apreço.
Eis o resumo dos fatos, aparecido nos Annales des Sciences Psychiques (1914, pág. 97, e 1916, pág. 130):
“No dia 18 de maio de 1914, o Sr. L. Mirault, residente no castelo de Lieu, perto de Cours-les-Barres, prevenia o Doutor Osty de que há quinze dias estava procurando o paradeiro de um ancião de nome Lerasle, inopinadamente desaparecido. Parentes e amigos, ao todo cerca de 80 pessoas mobilizadas pelo prefeito da comuna, exploraram sistematicamente as redondezas durante alguns dias, sem resultado.
O Dr. Osty, a quem o Sr. Mirault enviara um lenço do desaparecido, levou-o à Sra. Morel, sonâmbula bem conhecida, sem lhe dar a entender o motivo da visita.
A sonâmbula começou por fazer uma descrição do velho e do local em que ele habitava.
Descreveu, depois, a estrada pela qual ele seguira no dia fatídico e acabou declarando que o via morto, num souto, perto de um curso d'água.
O corpo foi encontrado graças a essa indicação e verificou-se, então, a escrupulosa exatidão da informação sonambúlica, exceto um só detalhe.
É que ela entrevira o cadáver deitado do lado direito, com uma perna dobrada, quando, na verdade, ele estava em decúbito dorsal e com as pernas esticadas.
A visão se repetira no curso de três consultas, sempre idêntica, e na segunda a sonâmbula teria acrescentado este pormenor: “ele não caminha mais no mato; sentindo-se mal, deita-se, morre...”
Essa tríplice visualização errônea, com a frase citada, deve ser retida, devido ao seu grande alcance teórico, tal como vamos demonstrar.”
Examinando a gênese desse caso notável, o Doutor Osty passa em revista todas as hipóteses até agora formuladas, para explicar a faculdade psicométrica, tais como visão a distância, exteriorização do corpo fluídico (bilocação), leitura no Astral, dos ocultistas, Memória das coisas (psicometria) e, finalmente, a hipótese espiritista.
Depois de as haver sucessivamente encarado e eliminado, acaba ele aplicando aos fatos a sua própria teoria da intercomunicação telepático-subconsciente de todos os vivos, segundo a qual a sonâmbula teria haurido as informações nas subconsciências do filho e da nora da falecida, que, por sua vez, as teriam recebido telepaticamente do velho Lerasle, no momento em que se desenrolavam os acontecimentos.
E assim, adverte:
“Existe em todos nós um pensamento latente, possuindo meios de informação, além dos sentidos e do exercício da razão...
Esse pensamento, de natureza supra-racional, se escoa de subconsciente a subconsciente, de modo contínuo e à revelia da vontade. Os médiuns lúcidos são por ele mais vivamente impressionados e têm a faculdade de lhes reconstruir os fragmentos...
Num caso de lucidez como esse de Lerasle, as circunstâncias da morte, as investigações, a descoberta do cadáver, o local em que jazia, foram estados de existência atuais e futuros de seu filho e de sua nora, e são hoje estados de existência passados, mas, agora como antes, compreendidos na soma de sua vida.” (Anais, 1916, págs. 137-138.)
Ora, todas essas afirmativas são literalmente gratuitas.
Por nossa vez, examinamos milhares de casos de clarividência do passado, do presente e do futuro, sem descobrir um só incidente de natureza a sugerir, mesmo de longe, a explicação em apreço.
Em compensação, recolhemos grande número de casos absolutamente inconciliáveis com essa explicação.
Citamos três deles e, preciso fora, aduziríamos outros, se bem que isso possa parecer supérfluo, de vez que fatos não são opiniões e, conseqüentemente, só três incidentes bem verificados bastam para demolir qualquer hipótese infundada.
Inútil, portanto, insistir nesse ponto.
Continuando de preferência a investigar a hipótese que melhor se adapta ao caso Lerasle, notarei, com o Doutor Osty, que aquela, mediante a qual se supõe um fenômeno de visão à distância, deve ser eliminada por diversos motivos, entre os quais este: que o erro em que incidiu a sensitiva percebendo três vezes o cadáver deitado do lado direito, com uma perna dobrada, quando, na verdade, ele estava em decúbito dorsal e com as pernas esticadas, indica, de modo inconteste, que não se tratava de visão à distância.
A mesma razão nos leva a excluir a hipótese da exteriorização da sensitiva, pois se o seu perispírito se tivesse transportado ao local, ela teria percebido a verdadeira posição do cadáver.
Ainda e sempre pela mesma razão, devemos recusar a hipótese telestésica, visto que, se o objeto enviado à sensitiva tivesse servido para estabelecer a relação psicométrica com o cadáver a pesquisar, ela o teria lobrigado tal como ele se encontrava.
Quanto ao que diz com a hipótese da Memória das coisas (psicometria), mal pudéramos admiti-la também, neste caso, pois o lenço do velho não poderia conter “traços” de acontecimentos posteriores à data em que o dono o utilizara pela última vez.
Não há, portanto, como prescindir da hipótese psicométrico-espírita, mediante a qual, a influência contida no lenço do velho Lerasle se tornara o instrumento de relação com o Espírito, facultando-lhe transmitir à sensitiva, telepaticamente, uma série de imagens pictográficas, destinadas a revelar a história do seu desaparecimento e conseqüente descoberta do cadáver.
Precisamos mesmo assinalar aqui uma circunstância muito favorável a essa hipótese, qual a de explicar o erro de visualização sonambúlica.
De fato, admita-se ter sido o “Espírito desencarnado” quem documentou a vidente, e tudo contribuirá para supor que a imagem pictográfica errada, por ela entrevista, fosse, realmente, a última lembrança do moribundo ao deitar-se do lado direito, para não mais despertar.
E lógico é supô-lo, fazendo as seguintes considerações: primeiro, porque esse decúbito é o mais natural aos que se deitam para dormir; depois, porque ao sobrevirem os movimentos espasmódicos da agonia (posição de equilíbrio estável na qual acaba por inteiriçar-se um corpo sacudido de movimentos convulsivos), é natural supor que o moribundo em estado comatoso de nada pudera recordar-se como “Espírito”.
Nada mais natural, então, que ele transmitisse três vezes a imagem pictográfica do cadáver deitado do lado direito, com uma perna dobrada, como realidade autêntica de sua última lembrança terrena.
Se admitirmos esta versão dos fatos – única verossímil e capaz de os explicar –, teremos que o erro de visualização da sensitiva transforma-se em excelente prova a favor da interpretação espírita.
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Ao concluir, louvo-me de haver demonstrado que, na base dos fenômenos psicométricos, encontra-se sempre uma influência especializada e latente, registrada pela matéria e perceptível aos sensitivos; e que essa influência consiste, possivelmente, em sistemas de vibrações psíquicas e físicas determinadas, seja pela atividade cerebral do pensamento, seja pelas manifestações da vida, seja pela realização dos fenômenos da Natureza.
Nesta última modalidade de psicometria, a influência não é registrada e conservada diretamente pela matéria, mas pelo éter nela imanente.
Na base das percepções psicométricas encontra-se, constantemente, um fenômeno de relação, estabelecido entre o sensitivo e pessoas vivas ou mortas, ou então com seres animais, organismos vegetais e estados da matéria, em relação com o objeto psicometrado.
Graças a essa relação, o sensitivo extrai as suas percepções telepaticamente de pessoas vivas ou mortas, fluidicamente ligadas ao objeto; e as extrai telestesicamente dos animais e plantas, como do próprio éter imanente no objeto e não da matéria que o constitui. Ordinariamente, a faculdade psicométrica é uma função do Eu integral subconsciente, posto que se verifique, muitas vezes, com a intervenção de entidades desencarnadas.
Finalmente, demonstramos que os sensitivos percebem os fatos sob a forma de imagens pictográficas transmitidas ao Eu integral subconsciente e, algumas vezes, por entidades desencarnadas.
Essas imagens correspondem, a mais das vezes, a acontecimentos reais: mas também podem ser, eventualmente, de natureza simbólica, colimando uma informação.
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Os Fenômenos de Telestesia
No Glossário que precede a obra principal de Fredrich Myers, a significação do vocábulo Telestesia vem assim definida: Percepção à distância, implicando uma sensação ou visualização direta de coisas ou condições, independentemente de qualquer veículo sensorial conhecido, e em circunstâncias que excluem a presunção de serem as noções adquiridas originárias de mentalidade estranha à do percipiente.
A seu turno, o professor Charles Richet deu uma definição análoga, nos seguintes termos: Conhecimento que tem o indivíduo de qualquer fenômeno não perceptível nem cognoscível pelos sentidos normais, e estranhos a toda e qualquer transmissão mental, consciente ou inconsciente.
Fica, assim, bem entendido que, antes de classificar entre os fenômenos telestésicos um caso de clarividência, é preciso indagar se ele se pode esclarecer por meio de modalidades outras, mediante as quais se verificam os fenômenos telepáticos e também, às vezes, os de criptomnesia, como, por exemplo nos de objetos perdidos, graças a um sonho revelador.
Segue-se daí que, aplicando essa regra às manifestações da clarividência em geral, verificamos poderem ser os fenômenos presumidos de visão ou percepção supranormal reduzidos à transmissão ou leitura de pensamento e, em parte, a fenômenos de criptomnesia.
É indubitável.
Sobretudo, nos casos em que a lucidez é adquirida por intermédio de pessoas presentes ou de objetos entregues aos sensitivos (psicometria), pertencentes a pessoas distantes, porém vivas, a presunção da leitura ou transmissão do pensamento parece fundada, as mais das vezes.
Nesses casos, efetivamente, não se obtém apenas visualizações de objetos ou ambientes distantes, mas também percepções do temperamento, do caráter, do estado emocional, afetivo, mental das pessoas ausentes.
Raramente as imagens do sensitivo se reportam ao presente; antes, o que abrolha é o passado e por vezes o futuro, todas aquelas condições e circunstâncias diretamente imperceptíveis à vista comum, e mesmo indiretamente pelo cérebro e pelos centros ópticos.
Daí resulta que, no limite das manifestações em apreço, essas circunstâncias resolvem o problema a prol da leitura ou transmissão do pensamento subconsciente.
Ao demais, isso não obsta a que os fenômenos de telestesia possam eventualmente produzir-se em paralelo aos de clarividência telepática, como atestam e provam outras modalidades de fatos nos quais já não se trata de pessoas capazes de serem psicometradas à distância, mas da visualização direta de objetos ou meios independentes de qualquer percepção telepática do pensamento subconsciente de um terceiro.
Cumpre notar, todavia, que, mesmo no caso dos fenômenos de telestesia, tudo contribui para provar que não se trata de visão propriamente dita, nem mesmo visão indireta com o concurso dos centros ópticos, mas, sim, de visualizações alucinatórias verídicas (a que o professor Hyslop chamaria imagens pictográficas transmitidas pela personalidade subconsciente (e excepcionalmente por entidades desencarnadas), a fim de informar a personalidade consciente daquilo que lhe interessa).
Restaria, pois, resolver o árduo problema do recurso empregado por essa personalidade subconsciente, no intuito de entrar em relação com o objeto ou ambiente distantes, de feição a percebê-los, a conhecê-los ou a documentar-se a seu respeito.
Mais adiante voltarei a esse ponto tão importante, já que para o momento o que importa é enunciar elementos outros de análise, esperando que a narrativa dos episódios nos ofereça, sucessivamente, essa oportunidade.
Isto posto, entro logo a fundo no assunto a versar.
*
Antes de tudo, importa considerar algumas categorias de fenômenos, que apresentam afinidades de origem com os fenômenos da telestesia. Lembrarei, em primeiro lugar, os fenômenos de rabdomancia (descoberta de fontes subterrâneas por meio da “vara divinatória”) e os da hipersensibilidade anormal em certas “fobias especializadas”, nas quais o sensitivo experimenta horror insuportável por tal ou tal inseto, ou qualquer outro animal, a ponto de o perceber oculto e lhe pressentir a proximidade.
Omitirei aqui as experiências de rabdomancia, porque todos as conhecem, e me limitarei a contar um caso de fobia especial.
1º Caso
– Respigado de Light (1914, pág. 155).
Conta um médico que, achando-se na província, teve ocasião de conhecer um cavalheiro, o qual lhe confessou que a mulher era sensível à vista de uma aranha, a ponto de lhe perceber, ou antes, adivinhar a aproximação; e quando isso sucedia ela enfermava, experimentava náuseas, um esgotamento geral que chegava até à síncope.
Tais sintomas desapareciam, entretanto, logo que descobriam e matavam a aranha.
A ele não lhe tardou o ensejo de verificar por si mesmo o curioso fato, que assim relata:
“O novo cliente veio alta noite solicitar meu auxílio para a esposa, que adoecera subitamente.
E acrescentava: – “ela teima em afirmar que há uma aranha no quarto, mas eu nada pude descobrir”.
Parti imediatamente e fui encontrar a referida senhora num estado de depressão nervosa deveras inquietante, de modo a presumir-se um possível desmaio.
Pálida, pulso quase imperceptível, a respiração dificultosa e curta.
Disse-me que se sentia muito mal e estava convicta de haver uma aranha ali na alcova.
Diante daquela insistência, julguei-me no dever de secundar o marido e entramos logo a esmerilhar todos os recantos e frestas, no propósito de acalmar a enferma, apenas, pois convencidos estávamos ambos de que aquilo não passava de cisma.
De fato, nada encontramos e já nos dispúnhamos a renunciar a uma pesquisa tão ridícula, quando a enferma confessou que a sua “impressão” era de que a aranha estava no cabide.
Esquadrinhamos, então, minuciosamente esse móvel, mas debalde! E ficamos persuadidos de que a paciente estava abusando da nossa boa-vontade e diligência.
Foi nessa altura que tive a idéia de suspender o cabide da simalha ornamental e, tanto que o fiz, uma grande aranha preta surgiu a correr sobre as roupas, na direção de um buraco da parede, onde sumiu.
Entreolhamo-nos, então, surpresos, fazendo eu um sinal ao marido para que nada dissesse da ocorrência.
Não obstante, a doente acabava de dar um grande suspiro de alívio, dizendo: – “até que enfim, achastes!”
A nossa precaução fora inútil, o sexto sentido da paciente não a iludira.
Meia hora depois ela readquiria o seu estado normal e, tanto que lhe garantimos o tapamento do buraco, readormeceu tranqüilamente.”
Tais as curiosas modalidades com que se têm reproduzido certas fobias especializadas e que manifestam, na aparência, uma certa afinidade de origem com os fenômenos da telestesia propriamente dita.
Contudo, convém não nos precipitarmos na sua identificação.
E o mesmo devemos fazer com os casos de rabdomancia.
De fato, analisando as circunstâncias, constatamos uma diferença marcante entre as modalidades desta espécie de fenômenos.
Nas fobias especializadas o sensitivo percebe exclusivamente a presença de uma aranha ou de um gato, mas não pode determinar-lhe a espécie, a cor, a forma; o que demonstra não se tratar, absolutamente, de visualização.
Na rabdomancia, igualmente, ele percebe apenas a existência da água subterrânea.
Na telestesia, pelo contrário, o clarividente especifica e descreve minuciosamente o objeto visualizado.
Assim, se se trata de uma carta, lê o conteúdo.
Portanto, no primeiro caso bastaria admitir que o sensitivo perceba apenas os eflúvios vitais do animal, para termos a explicação dos fatos, e nos casos de rabdomancia, que perceba as emanações da água.
Mas na telestesia, tratando-se de visões detalhadas, de conhecimentos precisos ou de esclarecimentos verídicos sobre objeto imperceptível aos olhos do corpo, achamo-nos em face de uma situação radicalmente diversa, e certamente inexplicável pela hipótese dos eflúvios vitais, ou das emanações de um líquido.
E somos, então, levados a concluir que não há entre as duas ordens de fatos uma identidade de origem, mas somente uma analogia aparente.
Nessas condições, se eliminarmos as categorias de fenômenos supra-referidos, os que demonstram afinidade real de origem com a telestesia são os chamados fenômenos de aloscopia (visão macroscópica e microscópica no interior dos corpos).
Mas, de qualquer forma, também não me deterei muito nesses fenômenos, porque, ainda que tudo nos leve a crer sejam eles efetivamente de natureza em parte telestésica, não podemos excluir a possibilidade de jogar, a seu respeito, com a hipótese da leitura do pensamento subconsciente.
Limitar-me-ei, portanto, a citar um só exemplo de aloscopia, precedendo-o de algumas observações, no sentido que venho de indicar.
2º Caso
– Extraído da Revista Científica e Moral do Espiritismo (1900, pág. 358).
O Doutor Moutin conta o seguinte caso de sua observação pessoal:
“Há três anos enferma, a Sra. G... definhava de dia para dia.
No mês de maio último, o seu mal se agravou a ponto de ser chamado um dos grandes médicos de nossos hospitais.
O mestre diagnosticou uma tuberculose generalizada e prescreveu regime e medicação adequados.
Passado ainda um mês e malgrado duas visitas do mesmo professor, piorando a enferma, foi a meu conselho chamado outro médico.
Este fez outro diagnóstico, outras prescrições, que, por sua vez, nada adiantaram.
E todos nós esperávamos o desenlace a cada instante.
Por minha vez, tive a lembrança de consultar o Sr. Alfredo Muni, utilizando uma mecha de cabelos da enferma, sem que ela ou alguém de tal soubesse, e no só intuito de satisfazer minha curiosidade.
Diante do vidente, depois do “exame sonambúlico”, que durou alguns minutos, disse ele:
“Pode-se dizer que essa senhora não está enferma, muito embora esteja preste a finar-se...
A continuar assim tratada por tantos médicos, a ingerir quantos remédios lhe receitam, não viverá mais de três meses...
Ela tem qualquer coisa no ventre, coisa que não vejo bem o que seja, mas dêem-lhe purgativos enérgicos e terão revelado a causa do mal.”
Segui, com prudência, o conselho. A enferma estava debilitada pesava apenas 64 libras (29 quilos) e era de estatura pouco acima da mediana.
Mas tive, efetivamente, a chave do enigma: tratava-se de solitária, de uma legitima tênia!
Hoje, essa moribunda desfruta perfeita saúde, tendo recuperado a alegria e o bem-estar.
Ao leitor deixo o cuidado de tirar as conclusões e direi apenas que deploro não sejam semelhantes casos estudados como merecem.”
As publicações dos antigos magnetólogos, tanto quanto as dos pesquisadores contemporâneos, estão repletas de casos desse gênero.
Assim, tem o Doutor Moutin toda a razão em deplorar que lhes não prestem maior consideração, a bem da humanidade sofredora.
Do ponto de vista da hipótese telestésica, esse caso não apresenta grande valor probante.
Poderíamos também explicá-lo supondo que o sonâmbulo haurisse na subconsciência da enferma os esclarecimentos fornecidos, pois de fato não se poderia negar categoricamente que o subconsciente da enferma conhecesse a existência da tênia nos seus intestinos.
*
Depois dessa categoria de fenômenos, apresenta-se, em ordem progressiva, um grupo experimental de pesquisas a que mais precisamente conviria denominar visão através dos corpos opacos, de vez que abrange a leitura de invólucros lacrados, de livros fechados, sem esquecermos as célebres partidas de écarté jogadas com cartas cobertas, pelo famoso sonâmbulo Aléxis Didier, e atestadas por numerosos experimentadores, inclusive o famigerado prestidigitador Robert Houdin.
Seja como for, não me deterei a relatar exemplos de “leitura de invólucros lacrados”, visto não ser possível evitar a objeção de que o invólucro atua psicometricamente, colocando o sensitivo em relação com a pessoa distante que o manipulou e, por conseguinte, que a leitura do conteúdo se reduz a fenômeno de clarividência telepática. De resto, a objeção parece ter fundamento, se bem que isso não signifique, absolutamente, que todas as experiências similares devam ser necessariamente interpretadas em sentido telepático.
Possível mesmo é que assim não seja, mas a hipótese telepática sempre fica, para neutralizar o valor de tais experiências, desde que as queiramos considerar como prova da realidade telestésica.
O que demonstra que a telestesia pode muitas vezes constituir a melhor explicação dos fatos é o exame dos próprios erros e falhas de interpretação em que incidem os sensitivos, erros e falhas que mal se ajustam à explicação telepática, tanto quanto irresistivelmente sugerem a telestésica.
Assim, nas conhecidíssimas experiências do Doutor Ferroul (Annales des Sciences Psychiques, 1896, pág. 193, e 1897, pág. 321), a sonâmbula leu, correntemente, o conteúdo do invólucro fechado, mas incidiu num leve engano, assaz significativo: – aos cantos do papel estavam escritas às letras A, B, C, D, e a sonâmbula não viu a letra A e repetiu: – D. 2. C.
Ora, a verdade é que a letra A se encontrava coberta por duas obreias coladas à dobra do papel (a sonâmbula declarara que as obreias e o barbante lhe interceptavam a vista); e o B, invertido, assemelhava-se perfeitamente ao algarismo 2.
No curso de outra experiência, a mesma sonâmbula leu corretamente o conteúdo do invólucro, exceto o endereço, declarando não poder fazê-lo por se achar coberto pelos barbantes.
E foi verificado que, de fato, duas ou três voltas de fio branco, sobre o envelope interior, ocultavam totalmente o sobrescrito.
Ora, incontestável é que os erros desta espécie tendem a demonstrar a realidade da visão telestésica, pois se se tratasse de clarividência telepática, a sonâmbula teria podido ler na subconsciência dos assistentes as letras A e B, tanto quanto o endereço do envelope.
São circunstâncias estas que precisam ser consideradas.
Mas, de qualquer forma, não me ocuparei dessas experiências de “invólucros fechados”, limitando-me a examinar as que, com elas afins, não se compadecem com a objeção telepática, tais como as realizadas com livros fechados e “cartas de jogar”.
3º Caso
– Começarei pelo testemunho do célebre prestidigitador Houdin, concernente às experiências dele próprio, com o sonâmbulo Aléxis Didier.
Eis como a 16 de maio de 1847 se dirigia ele ao Marquês de Mirville:
“Conforme tive a honra de lhe comunicar, esperava uma segunda sessão, à qual assisti ontem, em casa de Marcillet e foi mais estupefaciente que a primeira, de modo a não me deixar qualquer dúvida quanto à lucidez de Aléxis.
Escusado é dizer que ali compareci de ânimo feito a vigiar aquela partida de écarté, que tanto me havia impressionado. Desta feita, tomei as minhas precauções, mais que da primeira, pois que, desconfiado de mim mesmo, fiz-me acompanhar de um amigo cujo temperamento calmo poderia apreciar tudo friamente e estabelecer um tal ou qual equilíbrio no meu julgamento.
Eis o que se passou e pelo que se verá se algum dia “sutilezas quaisquer” puderam produzir efeitos semelhantes aos que passo a citar.
Desembrulhei o baralho que comigo levava e cujo invólucro tive o cuidado de marcar, prevenindo a possibilidade de uma troca.
Embaralhei as cartas, visto caber-me o dá-las, e dei-as com todas as cautelas de um profissional experimentado na sua arte. Precauções inúteis! Aléxis me deteve e, designando uma das cartas que eu acabava de lançar à mesa diante dele, disse:
– Tenho o rei.
– Como pode sabê-lo, se a outra carta ainda não saiu?
– Vê-lo-á, continue...
Efetivamente, tirei o oito de ouros e a carta dele era o rei do mesmo naipe!
Continuamos a jogar, de modo assaz estranho, dizendo-me ele de antemão as cartas a saírem, ainda que tendo eu o baralho oculto entre as mãos fechadas, e estas em baixo da mesa.
A cada carta minha, respondia ele com outra do seu jogo, sem virá-la, e que, afinal, correspondia sempre, perfeitamente, com a de minha jogada.
Voltei dessa sessão maravilhado e convencido de que é absolutamente impossível que o acaso produza efeitos tão extraordinários...” (Assinado: Robert Houdin, na obra de Mirville intitulada Dos Espíritos e suas manifestações, pág. 30).
Nessa experiência é evidente não quadrar a hipótese telepática, visto que não havia ali subconsciência humana, presente ou ausente, que pudesse conhecer o desdobramento do jogo e as cartas de R. Houdin.
4º Caso
– Neste segundo exemplo, as observações de natureza telestésica foram obtidas por meio da escrita automática, o que em nada altera a essência dos fatos.
O naturalista e biologista russo Alexandre Wilkins, conta nos Annales des Sciences Psychiques (1892, página 185) algumas experiências de lucidez que ele mesmo realizou por meio da escrita automática, das quais respigo as passagens essenciais:
“Para fazer a experiência, tirei ao acaso uma carta e depositei-a sobre a mesa, de modo que ninguém pudesse vê-la e anular a prova mediante uma possível e involuntária sugestão mental. Depois, propus a um dos assistentes, a Sra. Zegwinoff, esposa de um Coronel residente em Tachkent e que possuía alguma prática de escrita automática, que revelasse a carta por esse processo.
A proposta foi aceita com hilaridade geral e eu próprio não estava longe de considerá-la, a priori, como absurda.
Todavia, completo foi o êxito, a carta foi exatamente designada. Daí por diante, repeti muitas vezes a experiência, variando-lhe os processos, como, por exemplo, fechando a carta num envelope, substituindo-a por uma palavra escrita, um desenho geométrico, etc.
E os resultados sempre foram mais ou menos completos.
Notadamente, tal como parece terem feito todos os pesquisadores desse gênero de fenômenos, constatei dias favoráveis e dias desfavoráveis para essas experiências.
A carta não era nunca nomeada em uma só palavra, imediatamente.
A operação demorava e somente à força de reiteradas perguntas vinha, fragmentariamente, a designação da carta.
Às vezes, a resposta vinha entrecortada de palavras inúteis e mais ou menos amáveis, traçadas pelo lápis.
Eis um exemplo:
– Que carta é essa?
– É uma figura.
– Que figura?
– Um barrete...
– Um valete, então?
– Procura tu mesmo e verás.
– E a cor?
– Vermelha...
A uma nova pergunta colimando resposta definitiva, o lápis respondeu traçando um losango.
Virou-se a carta e era efetivamente um valete de ouros...”
Aqui, o Doutor Wilkins arrisca uma hipótese toda sua, para explicar os fatos e diz:
“Pode-se concluir com segurança, cremos, que o organismo humano possui a faculdade de perceber por via telepática a impressão de objetos inanimados.
Nos casos aqui indicados, as vibrações moleculares, tendo por sede a face inferior da carta, foram transmitidas ao cérebro do experimentador.
Vibrações correspondentes produziram-se neste último, ou, por outros termos, o cérebro recebeu uma impressão, uma imagem da superfície inferior da carta, inacessível ao órgão visual.
Por que permanece inconsciente essa impressão?
Não saberíamos dizer, mas, certo um motivo, fraca intensidade talvez, impede-lhe penetrar os domínios do discernimento individual consciente, para ficar oculta nos mais vastos domínios do inconsciente.
E o indivíduo poderia passar a vida inteira a contemplar uma carta pelo reverso, a constatar-lhe a forma, sem se precatar que no seu cérebro reside uma imagem da outra face.
Falamos, bem entendido, de pessoas normais.
A intervenção de um ato inconsciente desvenda a realidade da existência dessa imagem.”
Essa teoria de Wilkins, puramente indutiva e gratuita, vale, em suma, tanto quanto as outras, na sua maioria.
Somente não haveria necessidade de chamar visão telepática ao que não comporta, absolutamente, esse termo, de sorte a gerar confusões teóricas deploráveis.
Com efeito, é preciso não esquecermos que o vocábulo telepatia serve exclusivamente para designar os fenômenos de transmissão do pensamento à distância entre dois cérebros, cujos fenômenos são suscetíveis de explicação teórica destacada e profundamente diferente da que se impõe para explicar o fenômeno de relação qualquer à distância, entre um cérebro pensante e um objeto inanimado, ou seja, o que se convencionou chamar justamente telestesia.
A diferença entre as modalidades dos dois grupos de fenômenos é enorme, tal como já assinalei, de vez que nos leva a deduções teóricas divergentes e de capital importância.
Quanto à observação de Wilkins relativa à demora na indicação da carta e à fragmentação das respostas, em seguida e à mercê de reiteradas perguntas, notarei que esse processo é tão comum na fenomenologia em apreço, que pode ser considerado como de regra.
Conseqüentemente, não podemos deixar de perguntar: por quê?
Por isto: a maneira fugacíssima pela qual se apresentam ao sensitivo as imagens reveladoras permite supor que o estado de relação clarividente seja de extrema instabilidade, instantânea por assim dizer, e daí o esforço necessário do experimentador para restabelecer incessantemente esse estado de relação, por meio de insistentes perguntas, destinadas a estimular a subconsciência do sensitivo.
Citarei, a propósito, a seguinte observação do doutor Wiltre, relativa a uma sonâmbula que descobriu um cadáver no fundo de um pântano.
“Era-me preciso repetir continuamente as perguntas: Que vê? Nada vê? Está vendo o fundo? E se acontecia calar-me um instante, ela começava a ressonar profundamente.” (Proceedings of the S. P. R., vol. VII, pág. 77.)
5º Caso
– Neste outro caso de percepção telestésica de cartas encobertas, é preciso notar esta particularidade, de ser a personalidade mediúnica quem indicou corretamente as cinco cartas, mandando-as extrair de cinco baralhos e assim demonstrando-se capaz de guiar as mãos inconscientes dos operadores.
Esse fenômeno não constitui nenhuma novidade em metapsíquica, mas qualquer confirmação ulterior, que dele tenhamos, cresce de importância pelo valor teórico que poderia revestir para a interpretação de algumas categorias de experiências supranormais, a partir da adivinhação por meio de cartas (cartomancia), e deixariam, então, de ser simples métodos empíricos destinados a provocar a hipnose favorável ao afloramento de faculdades subconscientes, para terminar nos grupos de fenômenos de precognição, tais como predição de números de sorteios lotéricos ou de situações individuais futuras.
Nesse caso, não se trataria mais de fenômenos de precognição no sentido estrito da palavra, mas de fenômenos telepaticamente determinados pela personalidade mediúnica, que de antemão os anuncia.
Posto que estas notações não se liguem ao tema de que aqui nos ocupamos, acreditei dever consigná-las pelo interesse que apresentam e por estar o incidente a que se referem ligado, combinado com um caso de telestesia.
Este caso eu o extraí dos Annales des Sciences Psychiques (1919, pág. 54) e faz parte de uma série de experiências organizadas em Bruxelas (1915), na residência do engenheiro Sr. Henri Poutet.
Eis o documento verbal da sessão de 15 de maio de 1915:
“Presentes: H. Poutet, Sra. P..., Maurice D..., Jane, Sim ..., Sra. S..., De Vader (convidado).
Salvo indicações em contrário, todas as operações são executadas de acordo com as instruções tiptológicas da entidade Stasia.
A Sra. P... toma um jogo de 52 cartas, as embaralha, parte e tira uma carta de todos ignorada, para depositá-la debaixo de uma estatueta.
Trata-se de adivinhar essa carta.
Maurice D..., médium, diz a De Vader que tome de um outro baralho e, depois de o entrançar, deposite-o em cima da mesa.
Maurice toma do seu alfinete de gravata, espeta-o rapidamente no baralho e pede ao convidado que tome, sem procurar vê-la, a carta que se acha no fundo, fazendo-a passar depois pela outra, debaixo da estatueta.
Chamam a essa operação pignage.[3]
A Maurice D... incumbe proceder à operação chamada do pêndulo. Para isso, o convidado toma de um terceiro baralho, que entremeia à vontade, e espera.
Maurice D... tira do relógio e segura a corrente pelo polegar e indicador, de modo a constituir um pêndulo oscilante, à superfície da mesa e na altura de um centímetro.
O convidado toma, então, do baralho por ele baralhado e vai fazendo passar carta por carta debaixo do relógio do médium, mas sem virar a carta e, portanto, sem que alguém possa vê-la. Quando chegou à duodécima carta, o braço que mantinha o pêndulo contraiu-se, o relógio agitou-se e oscilou violentamente. Disse o médium que era preciso retirar aquela carta e colocá-la debaixo da estatueta, com as outras duas lá anteriormente depositadas, mas, bem entendido, sem procurar vê-la.
Stasia pede, em seguida, que Maurice D... e Sim... procedam à operação chamada “eliminatória”, que consiste em arrumar as cartas dos baralhos, em dois pacotes, para ir descobrindo-as depois, sucessiva e simultaneamente, eliminando as do mesmo valor, à medida que se vão apresentando.
Assim fazem os dois assistentes indigitados e a eliminação acaba por deixar uma carta desconhecida para cada um dos operadores.
Essas duas cartas são as que passaram por baixo da estatueta.
H. Poutet diz para Stasia: “quererás explicar-nos o que pretendes obter?”
Ao que ela responde: “sim, que Maurice escreva.”
Este, por sua vez, toma o caderno de notas, assenta a pena no papel e, depois de traçar alguns rabiscos informes, escreve automaticamente: “Ás de Ouros...”
Stasia em seguida: “procurem ver o que está debaixo da estatueta...”
De Vader, o convidado, algo céptico, apressa-se a retirar todas as cartas passadas sob a estatueta, resultantes das sucessivas e diversas operações executadas com cinco baralhos diferentes.
Sua fisionomia incrédula se desfez para logo em atitudes de pasmo e sobressalto cômicos, pois todas as cartas viradas eram Ases de Ouros.”
Nessa narrativa, o fenômeno de percepção telestésica é de tal modo nítido e inconteste que dispensa comentários.
Apenas de extraordinariamente notável é que ele se reproduzisse cinco vezes consecutivas, sem incertezas nem falhas.
Relativamente aos quatro métodos pelos quais foram retiradas as cartas dos cinco pacotes, importa assinalar, especialmente, a operação chamada “eliminatória” por causa da duração da relação telestésica.
A esse respeito, diz o Sr. Henri Poutet:
“Efetivamente, salta aos olhos que os dois operadores Maurice D... e Sim..., sob uma falsa aparência de livre-arbítrio na escolha do número de pacotes e de cartas que os compõem, não passam de instrumentos nas mãos de um poderoso X, que vê, continuamente, e por todo o tempo da operação, as cartas remanescentes, e age constantemente com precisão desconcertante, sobre o sistema muscular dos operadores, para obrigá-los a nunca juntar as cartas remanescentes e correspondentes à carta colimada.”
6º Caso
– No caso a seguir- se, publicado por Light (1904, pág. 233), trata-se de um documento extraviado e depois encontrado por intermédio de um clarividente.
Mas, do ponto de vista formal das manifestações, não difere muito dos precedentes.
O documento referia-se a vastos domínios rurais de um tal William R. Edgerby, e Cilley, advogado do mesmo, tinha estado em S. Paulo (Minnesota) a fim de o pesquisar, sem conseguir encontrá-lo.
Exposta a situação, continua o narrador:
“Decorridos alguns dias, o advogado Cilley voltou a S. Paulo acompanhado de um clarividente, que aparentava ter uns cinqüenta anos de idade.
Esse clarividente foi conduzido aos “Arquivos Oficiais” e lhe deram o número do documento extraviado, bem como o resumo do seu conteúdo.
Esse número era 86.575, mas o advogado por descuido escreveu 85.575.
Tendo em mente este número, o clarividente iniciou o trabalho caindo num como transe sonambúlico, tornando-se muito nervoso. Depois de correr os arquivos de ponta a ponta, aproximou-se do advogado para dizer que ele, advogado, cometera um erro, mas sem o especificar.
Cilley começou negando, mas o sensitivo insistiu, categórico, e assim acabaram por verificar o erro de numeração.
Retificado ele, o clarividente, de olhar extremamente carregado recomeçou a sua tarefa, percorrendo a passos rápidos e agitados, em todos os sentidos, as divisões do Arquivo, que retinham mais de 90.000 documentos perfeitamente idênticos ao colimado.
Depois de algum tempo, murmurou: “Não, não está aqui; está mais acima...” e retomou logo a caminhada de vaivém, com uma das mãos erguida e apontada para os arquivos.
De repente, estacou. Levantou o braço à maior altura possível, tirou um maço de papéis da prateleira e, dirigindo-se aos presentes em tom de absoluta certeza, disse: “Aí tem o documento que procuram.”
O Diretor do Arquivo, Major Robinson, rodeado dos seus auxiliares, para logo descreu das faculdades clarividentes do homem, visto que o pacote assinalado tinha o número 46.133.
– Há engano, não pode ser – exclamou um dos funcionários...
Mas o clarividente abriu o pacote e, no meio de outros muitos papéis concernentes a um processo de divórcio, encontrou o documento desejado.
E com gesto de perfeita serenidade, como se nada de extraordinário houvesse acontecido, entregou-o a Cilley, sem nada dizer das suas faculdades supranormais.
Houve quem aludisse à telepatia mental, mas logo reconheceram a improcedência da hipótese, de vez que ali ninguém sabia onde se encontrava o documento.
E assim, muita razão teve o Diretor ao exclamar: “Eis aí um dos fatos mais extraordinários que tenho presenciado na minha vida.”
Havia nos arquivos 100.000 pacotes de documentos legais e, sem a intervenção do clarividente, não resta dúvida, aquele papel se consideraria perdido, achando-se, como se achava, entranhado num processo liquidado e classificado, que ninguém se lembraria jamais de consultar.
Ao advogado Cilley perguntaram como tivera a idéia de recorrer àquele homem e ele respondeu que, momentos antes, esse mesmo sensitivo lhe havia predito que o filho enfermo não morreria, posto que os médicos o tivessem desenganado.
Ao demais, conhecia-lhe outro êxito e foi por isso que resolveu utilizar-se das suas faculdades para descobrir o documento:”
Nessa narrativa deparamos com um pormenor assaz enigmático, qual o de o sensitivo perceber que o número fornecido não correspondia ao documento extraviado.
E como o incidente se deu depois de haver o sensitivo percorrido de ponta a ponta os arquivos, a única explicação plausível consistiria em supor que, ao passar junto do pacote n° 85.575, houvesse percebido não se conter nele o documento rebuscado.
Nesse caso, o incidente também seria nitidamente telestésico.
Demais, mesmo no que toca à descoberta, nota-se detalhe de molde a nos fazer crer que a orientação telestésica se verificou de forma análoga.
É assim que exclama o clarividente: “não, não está aí, está mais acima”, o que demonstra, à saciedade, haver ele percebido à distância a existência do documento, localizando-o mais acima, tanto quanto percebera a sua não existência no pacote n° 85.575.
7º e 8º Casos
– Vindo a propósito expor alguns exemplos de leitura a olhos fechados, é justo dar preferência às experiências feitas com Aléxis Didier, sonâmbulo justamente célebre, do qual já falamos nesta obra.
Começarei pela seguinte passagem do Memorial de M. Mirville, concernente às sessões organizadas por ele, com Robert Houdin.
“R. Houdin, depois de retirar do sonâmbulo as vendas inúteis, tirou do bolso um livro e pediu-lhe que lesse determinado trecho da oitava página.
Aléxis picotou com um alfinete dois terços da página e leu: “Depois dessa triste cerimônia...”
– Basta – disse Houdin –. Vejamos...
Nada de semelhante se encontrava na oitava página, mas na página seguinte e na mesma altura, lê-se: “Depois dessa triste cerimônia...”
– Não é preciso mais, exclamou Houdin; que prodígio!” (De Mirville, ob. cit., pág. 24.)
Agora um segundo exemplo, tomado ao Memorial de Alphonse Karr, o célebre escritor francês:
“Alguém pediu um livro de entre os trintas que se encontravam ali na sala. Retiraram-se as vendas de Aléxis e apresentaram-lhe uns livros abertos. Ele perguntou qual a página que deveria ler.
O livro estava aberto na página 139, ele respondeu: “Vejo na página 145, neste ponto (indicando dois terços da página), em caracteres itálicos: Os mistérios de Paris.”
Recomeçamos a prova com outro volume, pedimos ao sonâmbulo que lesse a décima página, a contar da que ele tinha à vista. As palavras inculcadas por Aléxis não estavam na página indicada e ele esclareceu: “Neste caso fui além, pois certo estou de as haver lido.”
E de fato, essas palavras se encontravam quatro ou cinco páginas além.” (Henri Delage – O sono magnético explicado pelo sonâmbulo Aléxis, pág. 138.)
É curioso assinalar que em três experiências Aléxis se enganou duas vezes na página.
É uma coincidência que em nada prejudica a significação telestésica dos fatos, mas pode constituir elemento não desprezível para a investigação das causas.
9º Caso
– Estes seguintes episódios foram obtidos por processos mediúnicos.
Eis os termos em que ao Diretor da revista Light se dirige o Sr. F. H. Worsley-Beninson (Newton Lodge, Chepstow):
“Os dois seguintes incidentes parecem-me pouco comuns e poderiam, como tais, interessar aos seus leitores.
Há alguns anos, experimentando com a mesa girante, escrevi um nome num pedaço de papel, fechei-o na mão e pedi ao amigo, assentado na outra extremidade do velador, que me dissesse o referido nome.
A mesa logo se movimentou e soletrou exatamente esse nome. Escrevi, então, dois outros nomes, que foram do mesmo modo decifrados.
São resultados, esses, que se podem explicar pela telepatia e não aludo a eles senão a título de introdução para este segundo incidente, que a telepatia não pode explicar. Quando vi que a mesa respondia com exatidão às minhas perguntas, tomei de um livro e, sem o abrir, meti-lhe um dedo entre as páginas e pedi me indicasse o número da página em que mantinha o dedo.
A mesa bateu 172 pancadas nítidas e lentas.
Abri o livro e verifiquei que o dedo estava entre as páginas 172 e 173!
De outra feita em que se achava presente um dignitário da Igreja, meu amigo, repetimos a mesma experiência com absoluto êxito.
As únicas diferenças na produção dos fatos foram estas: que a resposta foi dada por meio de raps (pancadas internas na madeira); em vez de pancadas batidas pelo pé da mesa (tiptologia), e também o modo pelo qual foi ditado o número requerido.
Começarei por dizer que, transcorridos alguns anos sobre essas experiências, o amigo já se não recorda do número adivinhado, e assim, para clareza da exposição, tomarei qualquer número, seja 254.
Inútil dizer que essa substituição em nada diminui o valor da experiência, cujo resultado foi tão completo quanto o da precedente, com a garantia de exatidão do número 172, jamais por mim esquecido.
O referido amigo achava-se assentado à mesa, o eclesiástico introduziu uma folha de papel num livro fechado e perguntou o número da página atingida.
Duas pancadas bateu a mesa.
Perguntamos: – Pronto?
Resposta: – Não.
Pergunta: – Neste caso, queira prosseguir... (seguiram-se cinco pancadas.)
P. – Devemos esperar ainda?
R. – Sim.
P. – Continue, pois.
R. – (4 pancadas.)
P. – Pronto?
R. – Sim.
Aberto o livro pela folha nele intercalada, verificamos as páginas 254 e 255.
Declaro que os fatos aqui são simples e escrupulosamente descritos tal como se realizaram.” (Assinado: J. N. Worsley-Beninson.)
10º Caso
– Este também se desenrola graças a um processo mediúnico absolutamente análogo aos casos de leitura em livros fechados, obtidos pelo Rev. William Stainton Moses, e foi publicado pela primeira vez na Revue Spirite.
Reproduzido por Gabriel Delanne em sua obra Recherches sur la Mediumnité (pág. 331), esse autor acrescenta que o seu expoente é um professor de Filosofia, velho amigo da sua família.
Resumindo em poucas palavras a primeira parte da narrativa, direi que no decurso de algumas sessões mediúnicas com a prancheta, depois de obtidos vários diagnósticos exatos, bem como a predição verídica sobre a data da desencarnação de um enfermo, lembrou-se o professor de formular as seguintes propostas à prancheta:
“– Uma vez que a tua clarividência se exerce a distância e pode ler o pensamento em nossos cérebros, deverias, mormente, poder ler num livro fechado.
R. – Perfeitamente.
M. R. – Quererás, então, transcrever-nos a primeira linha da página 290 do mais grosso daqueles volumes?
(M. R. indicava um massudo alfarrábio do qual ignorava o próprio título e que jazia de mistura a outros, envoltos todos de espessa camada de pó, ao alto da última prateleira da biblioteca paterna.)
A cestinha traçou imediatamente esta linha: em testemunho, ele Cardeal, do que lhe haviam dito...
M. R. teve de socorrer-se de uma escada para atingir o alfarrábio, que se verificou ser um Mainbourg: História da Liga.
Feita a verificação, a linha inculcada fora textualmente reproduzida, respondendo desse modo ao desafio de M. de Gasparin, no seu livro sobre as mesas girantes.”
E inútil discutir a gênese provável desses dois últimos episódios, isto é, se devemos atribuí-los a faculdades telestésicas, subconscientes, dos sensitivos, ou antes considerá-los de origem espírita.
As modalidades mediúnicas, pelas quais se manifestam, não são de natureza a dar-nos a chave da questão.
Difícil mesmo seria apresentar qualquer prova em abono do enigma da origem espírita.
Limitar-me-ei, portanto, a recordar que todo fenômeno anímico pode ser encarado como espirítico, em circunstâncias especiais.
Em compensação, todo fenômeno realmente espirítico pode ser julgado de origem subconsciente, ou anímica.
Nem pode parecer ilógica essa observação, se imaginarmos que entre o espírito encarnado e o desencarnado apenas existe uma diferença inerente à mudança de estado.
E assim, existindo na subconsciência humana, em estado latente, faculdades supranormais, com mais forte razão devem elas persistir e revelar-se no estado de desencarnação.
Natural, portanto, que os fenômenos telestésicos tenham, eventualmente, uma origem espirítica.
Mais ao diante, citaremos alguns episódios que farão pender o nosso conceito para esta última hipótese.
De nosso ponto de vista, porém, basta assinalar que a importância dos fenômenos telestésicos não se altera, quer provenham eles exclusivamente da subconsciência dos sensitivos, quer a esta sejam estranhos em parte.
Isto porque o nosso fito único nesta obra é demonstrar a realidade dos fenômenos.
*
Falaremos agora dos fenômenos de telestesia que se prendem a pessoas mais ou menos distantes do local em que se encontra o sensitivo. E ainda uma vez declaro que me não ocuparei dos inumeráveis episódios dos quais a visualização incide em pessoas, objetos ou condições ambientes conhecidos das pessoas presentes ou ausentes, de vez que, nestas circunstâncias, não seria possível eliminar a objeção telepática com a leitura relativa, nas subconsciências alheias.
Insisto mesmo em que essa objeção não é puramente teórica, mas, ao contrário, incontestavelmente fundada.
Entretanto, direi logo que a admissão do fato não significa, absolutamente, que os episódios sejam necessariamente telepáticos.
Significa, ao invés, que tudo contribui para fazer crer que em dadas circunstâncias defrontamos incidentes telepáticos e telestésicos entremeados.
Por igual o demonstram os erros de interpretação em que incidem às vezes os sensitivos, erros que mal concordam com a hipótese telepática, ao passo que sugere de maneira irresistível a hipótese telestésica.
Assim, por exemplo, o episódio contado pelo Doutor Beaunis, no qual a sonâmbula descreveu uma senhora conhecida do mesmo, com pormenores muito exatos do ambiente em que ela se achava na ocasião (ambiente desconhecido de Beaunis), mas enganando-se estranhamente quanto a um detalhe bem conhecido do referido doutor.
A senhora tinha diversos filhos pequenos e a sonâmbula afirmou que ela não tinha filhos, por isso que os não via.
Mas, o grande caso é que a senhora se encontrava em casa de uma irmã (o meio descrito pela sonâmbula) e onde efetivamente não havia crianças. (Annales des Sciences Psychiques, 1914, págs. 35-36.)
Como explicar pela leitura do subconsciente daquela senhora o erro aparente da sonâmbula?
É evidente que, se esta se pusesse em relação com a subconsciência daquela, não deixaria de apreender que ela era mãe de diversos filhos.
Assim, de manifesto fica que os erros dessa espécie tendem a provar que, mesmo nos casos de visualizações de pessoas, coisas e ambientes conhecidos de presentes e ausentes, não podemos excluir a possibilidade de realização esporádica de episódios telestésicos, misturados aos de ordem telepática.
Por vezes, a origem telestésica dos primeiros leva a crer sejam os outros igualmente telestésicos, malgrado as aparências.
Dito isso no intuito de perfeita correção no conceituar os fatos, não mais me ocuparei ulteriormente do rico grupo de episódios que ocorrem nas condições aqui apontadas.
11º Caso
– Nesta exposição começarei ainda pelo sonâmbulo Aléxis Didier, cujas experiências de lucidez constituem um repositório de fatos bastante diversos, tanto quanto altamente instrutivos e significativos.
Conta-nos Henri Delaage o seguinte:
“O Sr. Vivant, antigo negociante residente à rua Vitória n° 14, foi à casa do magnetizador Marcillet, para ali consultar o sonâmbulo Aléxis.
– Poderia você dizer-me, Aléxis, o motivo da minha visita?
– Trata-se de uma perda que o senhor supõe ter sofrido.
– Efetivamente! E poderia dizer-me a natureza dessa perda?
– Trata-se de 4 notas de 1.000 francos cada uma, que o senhor guardou e não encontra em sua secretária.
– É exato.
– Dê me a sua carteira, pois uma vez que essas notas nela estiveram algum tempo, ser-me-á mais fácil reencontrá-las, tateando a carteira.
De posse da carteira, disse-lhe o sonâmbulo que os 4.000 francos em causa lhe provieram de um amigo que lhos confiara para a compra de títulos de renda, o que também era verdade. Em seguida, descreveu o domicílio do interlocutor, chegando até a dizer-lhe o nome e o endereço.
Maravilhado de tanta lucidez, pediu-lhe o Sr. Vivant que prosseguisse.
– Bem que o desejo, respondeu-lhe Aléxis, mas com a condição de retirar a queixa que deu ao comissariado da Polícia, queixa que, asseguro, antes lhe cabe ao senhor mesmo, de vez que as notas não voaram lá da sua secretária!
De regresso a casa, o Sr. Vivant revolveu todos os papéis e os arrumou de novo, um por um, sem que aparecessem os 4.000 francos.
Novamente procurou o sonâmbulo e este se mostrou admirado do insucesso, chegando a acusá-lo de não haver suficientemente pesquisado.
Mas, de repente, reflete e diz: – espere um pouco... eu pensava que o senhor poderia ver como eu vejo, mas isto não pode ser... Sua secretária, como sabe, é um móvel muito antigo, no qual, com o tempo, se formaram algumas fendas; é em uma dessas fendas que estão as notas. Volte, procure em todas as fendas e de antemão lhe garanto o resultado.
Posto que as novas indicações de Aléxis lhe parecessem pouco concludentes, o Sr. Vivant não deixou de esquadrinhar minuciosamente a secretária, reconhecendo que a madeira havia rachado em várias partes.
Munido, então, de um arame, sondou todas as gretas e acabou retirando de uma delas as suas 4 notas de 1.000 francos!...” (Henri Delaage: O sono magnético explicado pelo sonâmbulo Aléxis, pág. 154.)
Nesse primeiro exemplo, o único incidente militante em prol da telestesia é, naturalmente, o da visão por parte do sonâmbulo, do esconderijo anormal em que caíram as notas e cuja existência ninguém, inclusive o Sr. Vivant, conhecia.
Parece-nos, assim, impossível contestar a origem telestésica do fato.
Do ponto de vista teórico, notarei uma frase de Aléxis bem significativa.
Diz ele ao consciente: “– Dê-me a carteira que aí tem, visto que, tendo ela guardado as notas por algum tempo, ser-me-á mais fácil, tateando-a, encontrar as notas.”
É como vemos, uma incursão no verdadeiro e legítimo campo da psicometria.
Seria preciso inferir daí que os fenômenos de telestesia se produzem mercê do estabelecimento de uma relação da subconsciência do sensitivo com o objeto distante, da mesma forma que os fenômenos de psicometria se produzem mediante o estabelecimento de uma relação da subconsciência do sensitivo com a do indivíduo distante, dono do objeto psicometrado.
Nesta última circunstância tratar-se-ia, por conseguinte, da leitura de pensamento do subconsciente à distância; ao passo que na primeira haveria percepção direta do próprio objeto, o que não significa, contudo, que essa percepção se produza sob a forma de visão direta, por intermédio dos centros ópticos, visto que, como já o dissemos, tudo contribui para demonstrar que as visualizações, tais como se apresentam ao sensitivo, parece não passarem de imagens pictográficas de natureza aclaradora e transmitidas pelo Eu subconsciente ao consciente.
Aguardo-me para voltar a esse assunto na minha síntese conclusiva deste volume.
12º Caso
– Ocorrido igualmente com o sonâmbulo Aléxis, este episódio foi respigado da precitada obra de Henri Delaage, pág. 105.
“O Sr. Ferrand, negociante de quinquilharias em Antibes, tendo encontrado recentemente na sua estância uma moeda dos tempos de Roma, mandou-a aos seus correspondentes Deneux & Gronot, de Paris, comissários de brinquedos à rua Grand-Chateau, 18, pedindo-lhes que a levassem ao magnetizador Marcillet, a fim de ser ouvido o sonâmbulo Aléxis.
Este último, sonambulizado, disse ver em casa do Sr. Ferrand, em Antibes, um pequeno cofre enterrado a alguns pés no solo; que esse cofre continha grande quantidade de moedas iguais àquela; que, não obstante, precisava de uma planta do terreno a fim de melhor localizar o tesouro.
Enviada a planta, uma vez de posse dela, Aléxis assinalou, a lápis, o sítio a ser escavado.
Seguidas as suas instruções, o cofre foi efetivamente encontrado...
Continha 3 1/2 quilos de moedas de prata, idênticas à que servira para a experiência.”
Aqui a ação telestésica ressalta evidente, indubitável, sem que lhe possam abalar os fundamentos com sutilezas teóricas.
De fato, se no caso precedente possível fora de qualquer modo imaginar pudesse a subconsciência do Sr. Vivant conhecer das fendas da sua secretária e, portanto, a possibilidade de nelas terem caído às notas, neste episódio de Antibes, muito pelo contrário, tais conjeturas não procedem, porque as circunstâncias da existência de um cofre enterrado e, sobretudo, a indicação exata do sítio em que se achava, não podiam constituir noções subconscientes do Sr. Ferrand e, bem assim, de qualquer pessoa encarnada.
Segue-se que a explicação telestésica se impõe acima de restrições quaisquer.
Notarei finalmente que, ainda desta feita, o fenômeno se realizou com o concurso da psicometria.
13º Caso
– Pois que vimos de nos ocupar de tesouros ocultos, citarei dois outros casos análogos.
O protagonista deste episódio é o afamado pintor Giovanni Segantini, ao qual já tive o ensejo de me referir na minha obra – Os Fenômenos Premonitórios –, tratando da visão detalhada que ele teve da sua morte e do seu enterro.
Tal episódio, adicionado a este, do período da sua infância, atesta que ele foi, realmente, dotado de preciosas faculdades videntes. Sua filha, Srta. Blanche Segantini, fala-nos, em obra bibliográfica, da infância trabalhosa do pintor e, depois de revelar o seu recolhimento à casa de um parente, quando adolescente, em Trento, acrescenta:
“Sempre que lhe permitiam deixar a loja, João se encaminhava para as colinas e lá, deitado na relva, imóvel, punha-se a fitar o céu, sonhador e ansioso de liberdade.
Um acontecimento que poderia ser havido por fabuloso veio, finalmente, completar-lhe o sonho.
Era seu intento regressar a Milão e tão intensamente o desejava que, certa noite, sonhou com um velho a dizer-lhe: “encontrará em tal sítio uma meia garrafa de moedas de ouro.”
Desperto, pela manhã, recordando o sonho, o menino desceu ao porão da casa, escavou no local indicado e lá encontrou a meia garrafa cheia de moedas antigas.
A sua alegria era demasiado grande para que guardasse segredo. Confidenciando o achado a um colega mais velho, logo este lhe propôs fugirem juntos para Milão.
Partiram. O companheiro, a pretexto de ser mais velho e experiente, pediu-lhe o dinheiro, que foi entregue voluntária e confiadamente.
Depois de caminharem algumas horas, cansaram; e o outro lhe propôs repousarem e dormirem um pouco.
João não tardou a adormecer, mas, ao acordar, não mais viu o companheiro e ficou atônito, sem saber o que fazer.
Dentro em pouco, ei-lo encafuado num celeiro e aí passando três dias e três noites que lhe pareceram eternos.
Ao quarto dia, já extenuado, arrastou-se para junto de uma abertura do assoalho e deixou cair dela alguns seixos e feno, no intuito de atrair a atenção.
Nessa altura, o acaso que faz possível o impossível, quis que o vaqueiro do estábulo percebesse o barulho insólito e ouvisse igualmente como que soluços.
Escalou o celeiro e lá encontrou o menino desfalecido.
Solícitos e longos cuidados restituíram-lhe a vida e a saúde, até que, reconduzido à casa do cunhado, foi por este levado para Milão.” (Citado em Anais das Ciências Psíquicas, 1912, pág. 224.)
Nesse episódio, o detalhe da aparição do velho constitui, possivelmente, uma representação onírica.
Tratar-se-ia, assim, de um fenômeno de telestesia em sono, provocada pelo vivo desejo de ir para Milão, onde pretendia iniciar a carreira artística.
Esse detalhe faria, além disso, conjeturar uma certa finalidade no sonho telestésico do menino, considerando-se que o objetivo foi alcançado, a despeito da perda do seu pequeno tesouro.
14º Caso
– Respigo do Boletim da Sociedade de Estudos Psíquicos de Marselha (1912, pág. 98), este aventuroso e extraordinário caso de tesouros ocultos.
A exposição é feita pelo próprio Presidente da Sociedade, Sr. A. Anastay.
Na ilha Mayotte do arquipélago das Comores (Canal de Moçambique), onde os indígenas não têm outro culto além do dos mortos, organizam eles, às vezes, sessões mediúnicas.
O Sr. Urbain, que aí residiu durante alguns anos, fez da região uma descrição interessantíssima ao Sr. Anastay, que logo se propôs redigi-la e publicá-la depois de revista pelo dito Sr. Urbain.
É dessa Memória que extraio a passagem seguinte:
“Há três anos, durante uma festividade em Mayotte, veio um Espírito fornecer detalhes precisos a respeito de certa quantia oculta por seu possuidor quando ainda encarnado, coisa que ninguém pudera saber.
Eis como se deu o fato: O indígena, avaro por índole, possuía um boutre árabe,[4] com o qual fazia o trabalho de travessia do canal de Madagascar e que costumava também alugar ao preço de 130 francos por viagem.
O boutre estava em mau estado, mas, sem embargo, graças a remendos consecutivos, continuava navegando, quando morreu o proprietário.
Este, supunha-se, havia forrado lucros da empresa; mas, como nas Comores não havia banqueiros e os nativos conservam o hábito de enterrar dinheiro aqui ou acolá (comumente junto de alguma árvore), não havia como tirar a contraprova.
Teve a família, contudo, a lembrança de se dirigir ao próprio morto, consultando um dos médiuns em transe.
O resultado foi um conselho à viúva, em nome do Espírito, para manter a empresa, associando-se a um parente também designado e mandando fosse, desde logo, consertado o boutre.
Entretanto, o mais curioso de tudo isso foi o modo pelo qual se indicou o esconderijo, a lembrar um tanto aquela história do escaravelho de Edgard Poe.
Dito foi à viúva que tirasse uma linha reta, a partir de dois pés, de uma cama que se achava na casa outrora habitada pelo falecido (pés mantidos, conforme o uso, por duas pedras fixadas no solo), que cavasse no centro dessa linha e lá encontraria o tesouro. De fato, assim fizeram e o tesouro foi encontrado.
Esse fato goza de notoriedade pública em Mamoutzou, lugar que tem como prefeito o Sr. Bartholo.
E a casa, como a viúva, ainda lá continuam a existir...”
O Sr. Urbain acrescenta que interrogou pessoalmente as pessoas envolvidas no caso, cuja autenticidade considera incontestável, conquanto não possa explicá-lo.
A origem telestésica ou qualquer outra, relativa a esse episódio, depende da interpretação teórica a que recorramos para explicá-lo. Assim é que, se lhe atribuirmos a característica de fenômenos de subconsciência, ele será telestésico; se, porém, o conceituarmos espirítico, ele perde o caráter telestésico, pois de fato não se trataria mais de visão ou percepção, à distância, de um objeto inanimado e desconhecido do vidente e para a teoria pouco importa seja o vidente o próprio sensitivo ou um desencarnado a comunicar-se por seu intermédio), para estarmos diante de uma revelação de além-túmulo, na estrita acepção da palavra, já que a indicação obtida se reportava a um fato conhecido do defunto comunicante.
15º Caso
– Este, ao contrário do precedente, poder-se-ia considerar um caso espirítico e telestésico ao mesmo tempo.
Foi registrado pelo Doutor Kerner na sua obra intitulada A Vidente de Prevorst, pág. 135 da edição francesa.
Caso complexo, a sua narrativa integral se tornaria longa, pelo que me reportarei apenas ao trecho referente ao detalhe telestésico-espírita, acrescido das anotações indispensáveis ao seu melhor entendimento.
Escreve o Dr. Kerner:
“A Sra. Hauffe (a vidente de Prevorst), veio a Weinsberg em 25 de novembro de 1826.
Não conhecendo ali ninguém, nem mesmo a mim, hospedou-se num pequeno cômodo ao rés-do-chão, junto da casa e por cima das adegas do Sr. Fézer, cuja vida lhe era inteiramente desconhecida.
O Sr. Fézer era-lhe, portanto, absolutamente estranho e nem mesmo ela sabia ser ele quem ali morava.
Também foi só por meu intermédio que ele teve conhecimento dos fatos que se seguiram.
É possível que a Sra. Hauffe tivesse ouvido dizer que um tal Sr. K... havia superintendido de maneira desastrosa os negócios do Sr. Fézer, mas, dado que assim fosse, ela disso não se recordava, absolutamente.
Aquele homem havia morrido alguns anos antes, ela jamais o vira, nem relações tiveram com pessoas a ele relacionadas e que estivessem a par da sua vida ou da vida do Sr. Fézer, de quem, aliás, não mais se falava publicamente.
Desde a primeira noite, mergulhada em transe espontâneo, antes de havê-la magnetizado, disse ela achar-se ali um homem de aspecto verdadeiramente lastimável, parecendo esperar dela alguma coisa que não podia compreender o que fosse.
No dia 24 de dezembro, em transe, disse:
“– Aqui está o mesmo homem! Logo que durmo, ele surge das adegas! Oh! como eu desejaria que ele se afastasse, que desaparecesse... Porque a verdade é que ele me perturba o sono e eu nada posso fazer a seu benefício.
Posso indicar o lugar em que ele permanece, lá na casa: é atrás do quarto tonel... É dali que ele surge logo que eu adormeço!
Estrábico da vista direita, ei-lo que caminha para mim! Oh! não... não! Pare! Nada posso fazer a seu favor... nada... Mas, então só eu o verei? Ninguém mais o percebe?
Ele insiste em fazer-me sinais, assim como a querer falar de alguma coisa.”
No dia 25, quando o Sr. Fézer compareceu pela primeira vez no pressuposto de ser o fantasma de algum parente, disse a vidente:
“– Sempre ele, a perturbar-me o sono... Que pretende mostrar-me? Um maço de desenhos, menor que um in-fólio.
O canto superior da direita está virado para baixo: à esquerda existe um número. Na primeira linha desses desenhos distingo um 8 e um 0... Nada mais posso ler... Isso começa por um J. Mas essa folha está debaixo de outras a que ele não liga maior atenção. Ele deseja que fale ao meu médico e lhe dê ciência do fato. Por que me atormenta desse modo? Então, não poderia dizê-lo à sua mulher? Propunha-se fazê-lo antes de morrer, mas não esperava morrer tão cedo... Entretanto, uma vez morto, isso se lhe grudou n’alma como parte integrante do corpo...”
Era a verdade. Aquela criatura havia morrido inopinadamente. Depois, veio a descrição dos traços fisionômicos, tão exata, principalmente o estrabismo, que não houve como deixar de reconhecer o falecido Sr. K...
A seguir, ela acrescentou: “– É preciso que dele me afaste, pois eu não posso suportá-lo nem mais um dia.”
No dia 26, imersa em profundo sono magnético, ela procurou onde estava o papel e disse: “– Está numa casa a sessenta passos do meu leito.”
(Aqui, importa notar que a Sra. Hauffe jamais vira tal casa.)
Vejo aí – continua ela – um homem muito alto, que trabalha junto de uma mesa, a sair e a entrar constantemente.
Atrás desses quartos está um quarto maior, onde se encontram diversas caixas em cima de uma mesa comprida. Há também uma caixa maior que as outras. A porta está entreaberta, mas alguém aí permanece.
Contudo, aquelas caixas não pertencem a este homem. Lá estão sobre a mesa três pilhas de papéis. Na do centro, um pouco abaixo do meio, encontra-se a folha de papel que o atormenta.
Reconheci logo o edifício destinado aos escritórios da Haut-Bailli e, crente de que a descrição da Sra. Hauffe não passava de simples visão imaginária, fui procurar o locatário e pedir-lhe permissão para examinar os papéis, a fim de nos desiludirmos.
Haut-Bailli, que também considerava tudo aquilo um sonho, confirmou, entretanto, a verdade quanto ao concernente à sua atividade na hora assinalada.
Confirmou, igualmente, a coincidência das repetidas entradas e saídas, o que lhe permitiu notar uma das caixas com a tampa levantada.
Ainda que tocados por essas circunstancia, convimos todos em concluir que tudo não passava de sonho. Talvez por isso mesmo, e talvez por procedermos atabalhoadamente, não nos foi possível encontrar o papel entre os indicados pela Sra. Hauffe, aliás dispostos precisamente de acordo com a sua descrição.
Não obstante, pedi a Haut-Bailli viesse assistir ao que se passava, isto é, ao primeiro transe da Sra. Hauffe.
Nesse transe, depois de haver prescrito o seu próprio tratamento, falou ela de novo no homem que denominava por aquele que mora atrás do tonel, onde o via todas as noites.
Depois de descrever o local com a maior exatidão, disse que ele se achava embrulhado num grosso papel pardo.
Declarei que nada havia lá de semelhante e que tudo quanto me dizia parecia-me quimérico.
Ele, entretanto, respondeu calmamente ser preciso procurar o papel e que lá o encontraríamos.
No dia 31, disse:
“– O homem do tonel ameaça-me com o interdito do céu, se eu não descobrir o papel.
Contudo, não o poderá fazer. Morreu com essa idéia e isso o prende à Terra, sem lhe deixar um minuto de paz.
Se o documento fosse encontrado ele poderia, orando, alcançar a salvação.
Por amor de Deus! procurem esse papel. Se eu pudesse andar, certo, ele seria logo encontrado...”
Ao recobrar-se, a Sra. Hauffe mostrava-se ainda mais perturbada do que quando em transe.
Era evidente que aquela perturbação do sono lhe afetava a saúde, esgotando-a.
Conseqüentemente, voltei à casa Haut-Bailli e pedi licença para dar uma nova busca.
E foi então encontrada, tal como a descrevera a Sra. Hauffe, com um dos cantos virados para baixo, a folha de papel tão rebuscada.
Nessa altura, confesso, fui presa de grande emoção, pois se tratavam evidentemente de um documento escrito muito anos antes.
Ele continha a prova única reveladora, demonstrativa, de haver o Sr. K... possuído um livro de contas particulares, desaparecido após a sua morte e de cuja existência afirmava a viúva jamais ter tido conhecimento.
Estava ela, a viúva, na iminência de ser intimada a depor sob juramento e o fato tinha em mira adverti-la, para que se abstivesse de um ato capaz de fazê-las ainda mais infeliz do que o marido...”
Nesse episódio, o único detalhe favorável à telestesia fora o que se prende ao canto superior virado para baixo, percebido pela vidente com toda a nitidez.
Todos os demais detalhes fornecidos poderiam ser hauridos telepaticamente na subconsciência de alguém.
Aquele, porém, sendo de natureza acidental, não se poderia facilmente atribuí-lo à leitura de alheias subconsciências.
Daí a oportunidade de recurso à hipótese telestésica para explicar os fatos.
Agora é lícito perguntar: – quem foi o agente, nesse caso, da visão telestésica?
A vidente talvez? Ou, antes, a entidade que parecia com ela comunicar-se?
Há uma consideração que poderia fazer pender a balança para o lado da entidade desencarnada e vem a ser que, para obter o fenômeno da visão telestésica, é indispensável que o sensitivo disponha de um mediador psíquico ou fluídico, graças ao qual estabeleça a relação entre ele próprio e o objeto ou meio a visualizar.
Ora, nos casos por nós examinados e no que diz respeito à vidente, nota-se a ausência absoluta de mediador psíquico ou fluídico, tal como qualquer objeto próprio para ser psicometrado, ou seja, um laço psíquico existente entre a vidente e o desencarnado.
Assim considerado, o modo pelo qual se produz esse fenômeno ficaria inexplicável.
Entretanto, em relação ao Sr. K... o mediador psíquico pudera considerar-se de primeira ordem, tratando-se de interesse pessoal, moral e passional, que o ligava ao documento.
Compreender-se-ia, pois, que, entre o Espírito de K ... e o documento que lhe incumbia assinalar às pessoas interessadas no feito, a relação indispensável se tenha possibilitado para a descoberta, que lhe permitisse torná-lo conhecido dos homens, graças à mediunidade de uma vidente por acaso aparecida no ambiente em que vivera, como homem.
Essas considerações, dizemos, levam-nos a concluir que tudo contribui para demonstrar neste caso a origem espirítica do fenômeno.
16º Caso
– Logo de começo preveni o leitor de que me não deteria nos casos concernentes a objetos perdidos e reencontrados mais tarde, mercê de sonhos reveladores, porque em tais casos, poder-se-ia alegar, e com razão, que o dono do objeto poderia ter notado subconscientemente a perda, que deste modo lhe abrolharia no sono sob a forma de sonho (criptomnesia).
Contudo, numerosos exemplos se registram, nos quais o objeto perdido é visualizado em sonho, na posição exata em que se acha, e, por vezes, com minúcias que nos parecem inconciliáveis com a hipótese criptomnésica.
Ademais, se a telestesia é um fato, nada mais natural que ocorra, também, relativamente aos objetos perdidos.
Assim sendo, convém registrar ao menos um exemplo dessa categoria.
Tomei-o dos Proceedings of the Society for Psychical Research (vol. XI, pág. 398).
Um juiz de paz, Sr. E. Gale, foi quem o comunicou ao professor William James. Entre as testemunhas invocadas, limitar-me-ei ao que redigiu o protagonista.
Escreve o Sr. I. Jesse Squire, de Guilford, condado de Wildham, Estado de Vernon:
“Em março de 1887, aos 23 anos de idade, entrei para o serviço da firma T. L. Johnson.
Em setembro do mesmo ano (o dia não me lembra), percorria o campo, distante uma milha da fazenda, em companhia de outro empregado chamado Wesley Davis.
Procurávamos um troço de gado que havia fugido do pasto.
Mal o avistamos numa clareira e logo, espantados, os animais disparam em direção oposta à em que pretendíamos conduzi-los.
A fim de os fazer voltar, Davis e eu iniciamos a perseguição, colocando-se cada qual no flanco do grupo em fuga.
Nessa carreira desabalada Davis perdeu o relógio e respectiva corrente, mas só deu por isso às 9 horas da noite, ou seja, tarde bastante para tentar qualquer pesquisa.
No dia imediato, voltamos ao local e baldamente procuramos, até o meio-dia.
Davis tinha grande estimação ao seu relógio, que lhe custara 25 dólares, e vivendo como vivia do seu trabalho não podia conformar-se com aquela perda.
Também eu fiquei angustiado, a pensar toda a tarde no relógio. E quando fui dormir, sonhei com ele.
Durante o sono – não posso precisar a hora – vi o relógio na posição em que realmente se encontrava na clareira, à distância de uma milha da fazenda, mais ou menos.
Distinguia-o no meio do mato, alto de 10 polegadas mais ou menos, com o mostrador virado para cima e a corrente de aço em volta, formando um semicírculo.
À distância de três pés do relógio, via um espaço no qual o mato estava amarfanhado, como se alguém ali estivera deitado.
Mais dez ou doze pés para leste, uma pedra granítica de dois pés de diâmetro, meio enterrada.
Ao acordar, eu tinha a impressão de estar vendo diretamente o local.
Contei o sonho ao amigo Davis e concitei-o a que fosse recuperar a perda.
Não quis ele, contudo, acreditar no sonho e recusava-se a partir.
Foi isso num domingo, pela manhã. A despeito das risadas e remoques de toda a família, selei o cavalo e dirigi-me, resoluto, para o local entrevisto no sonho.
E lá encontrei o relógio no sítio e na posição entrevista.
Depois verificamos que, quando Davis perdera o relógio, estava eu distante dele umas 40 varas, pelo menos.
O relógio, parado com a queda, marcava precisamente 9:40, hora que, note-se, havia eu fixado no sonho.” (Assinado: J. L. Squire.)
Nesse caso, é para notar que não foi o dono do objeto quem teve o sonho revelador; foi o amigo, tornando-se assim, mais inverossímil, a hipótese da criptomnesia.
Esta, com efeito, deveria ter-se produzido por meio de telepatia, entre as subconsciências do dono do relógio e do seu amigo.
Se a isso acrescentarmos que um homem empenhado em corrida infrene está impossibilitado de notar, mesmo subconscientemente, a posição exata de um relógio desgarrado do colete e caído em alto matagal, somos levados a concluir que a hipótese telestésica é a única pela qual podemos explicar esse fato.
17º Caso
– A fim de melhor ainda demonstrar que os fenômenos de telestesia podem revestir as formas mais diversas, vou agora relatar um exemplo no qual o incidente telestésico se manifesta em concorrência com os fenômenos de paramnesia (impressão do já visto), dos quais já tive ocasião de me ocupar em monografia especial e que longe estão da simplicidade que lhes atribui a Psicologia oficial, que autoriza a enfeixá-los todos como ilusão da memória.
Este episódio é extraído do Journal of S. P. R. (vol. VI, pág. 373).
A Srta. L. M. Robinson (24, Trent-road, Brixton Hill) escreve nestes termos à dita Sociedade:
“Quando, em criança, era levada a qualquer lugar desconhecido, sucedia muitas vezes experimentar a impressão de ali já ter estado. Isto se dava, por exemplo, quando pela primeira vez eu entrava em uma casa, ou ainda quando, nas férias, visitava lugares novos para mim.
Às vezes era uma árvore, outras uma igreja, ou ainda a esquina de uma rua, que me davam a impressão de familiaridade.
No primeiro dia em que estive na escola de X..., atravessamos o pátio de grande estalagem, dizendo-me a criada que dessa forma encurtaríamos caminho.
De repente, fui assomada pela impressão de já ter passado por ali, a ponto de indicar uma trapeira exótica, ao nível do solo.
Não deixei de matutar nesse fato durante toda a manhã, conjeturando sempre hipóteses que me pudessem satisfazer.
Terminado o curso, fui com minha mãe viajar pelo estrangeiro. Depois de alguns meses nos fixamos em Gunthen para passarmos ali o outono, à margem do lago Tun.
Infelizmente, por ter machucado um pé, logo depois da minha chegada, não me foi possível participar das excursões que outros faziam pelas redondezas.
Num belo dia de sol, assisti à partida de um grupo de turistas para Tun.
Minha mãe ficara para fazer-me companhia e, mal iniciávamos a nossa leitura, chegou um senhor pedindo permissão para nos acompanhar ao lago, assegurando podermos gozar, sem maior fadiga, de um belo passeio de barco, depois do qual nos conduziria por uma ladeira de poucos degraus, a um sítio de onde se descortinava magnífica paisagem.
Aceito o convite, depois de um passeio delicioso saltamos num pequeno promontório.
Tínhamos começado a galgar uma trilha estreita e tortuosa, quando, de repente, me veio à mente já ter ali estado alguma vez. E essa impressão foi tão forte que não pude sopitá-la à minha mãe, ajuntando, para melhor demonstrar a veracidade do que dizia, que logo ao chegarmos à curva próxima do cimo haveríamos de avistar à esquerda uma árvore com uma pequena inscrição gravada em folha-de-flandres.
Efetivamente, lá chegando, ao fazermos a curva da trilha, descobrimos a árvore e nela a placa de folha.
Não era possível explicar o fato, de vez que de ponto algum do caminho percorrido se divisava aquela árvore e muita menos a placa.
Por outro lado, era a primeira visita que fazia àqueles sítios e até então nunca me afastara tanto de Interlaken.
Não obstante, reconhecia todas as árvores e todas as perspectivas da paisagem.”
(Conforme os testemunhos da Sra. Carolina Robinson e a cópia da nota escrita pela Srta. Robinson no seu anotário de viagem, no mesmo dia do acontecimento.)
Não é o caso de nos estendermos aqui na análise dos fenômenos de paramnesia; entretanto, para interpretar o episódio supramencionado, torna-se útil observar que tais fenômenos derivam de causas múltiplas, entre as quais a mais comum é a dos sonhos verídicos.
A ela podemos atribuir os casos em que o sensitivo, ao acordar, se lembra de haver visitado, em sonho, uma localidade desconhecida e que lhe sucedeu visitar mais tarde, reconhecendo nela os lugares entrevistos no sonho.
Esta segunda variedade do fenômeno explica a primeira, na qual o sensitivo em vez de recordar-se, ao despertar, do sonho que teve, dele só se lembra quando de fato se encontra no ambiente sonhado.
E a primeira variedade, por sua vez, explica os casos de paramnesia propriamente dita, isto é, casos em que o sensitivo não se recorda do sonho, nem ao despertar, nem ao achar-se no lugar sonhado, apenas experimentando vaga idéia do já visto, que corresponde à extenuação extrema da lembrança, a pique de extinguir-se totalmente.
Essas considerações são de molde a esclarecer o caso da Srta. Robinson, provavelmente oriundo da mesma causa, ou seja, devido a um fenômeno de clarividência telestésica durante o sono, combinado à premonição do passeio que a jovem devia fazer, no dia seguinte, àquele sítio.
18º Caso
– Sempre no intuito de evidenciar as modalidades diversas pelas quais se efetuam os fenômenos telestésicos, registrarei um dos que revestem forma nitidamente premonitória.
Respiguei-o do Journal of the American S. P. R. (1907, pág. 486).
A narrativa foi enviada ao Doutor Funk pelo jornalista E. D. Cready, com quem se passou o fato.
O Doutor Funk transmitiu-a ao professor Hyslop, que a inseriu na sua revista, depois de tê-la submetido a um inquérito pessoal.
Eis como o Sr. Mc Cready se dirige ao Doutor Funk:
“Posto que não passe, para o senhor, de um simples desconhecido, eu o conheço, entretanto, através da reputação que desfruta no círculo dos investigadores do psiquismo.
Eis por que resolvi comunicar-lhe uma experiência pessoal, que, não sendo notável em si mesma, contém, no entanto, um pormenor interessante.
Foi em 1892, morava eu na cidade de S. João, onde, por sinal, redatoriava o The Daily Telegraph.
Todos os domingos comparecia ao ofício religioso da noite e de lá me retirava para a redação.
Na noite da ocorrência, tinha eu estado na Igreja Batista da rua Germano, que fica a sete ou oito quadras do meu escritório.
O serviço religioso não ia em meio quando acreditei ouvir uma voz imperiosa a dizer-me: “Vá imediatamente ao escritório!”
Não se tratava de voz real e a minha impressão era a de que me falavam dentro de mim mesmo.
Não dei maior atenção ao fato, no intuito de acompanhar o serviço religioso.
Não obstante, aquela frase continuava a martelar-me, como repetida incessantemente e num tom cada vez mais categórico.
Debalde me esforcei para ouvir o sermão; ele escapava-me quase por completo e assim foi que, invadido por crescente agitação, acabei por obedecer à voz misteriosa.
Procurava coordenar idéias, considerando a absurdidade daquela fuga.
O respeito ao ambiente, aliado a um tal ou qual sentimento da própria dignidade, permitiram que me dominasse até o momento da bênção, ainda que seculares me parecessem aqueles momentos.
Nessa altura, enquanto os fiéis se mantinham concentrados e prosternados, tomei do chapéu, abri caminho entre a multidão, tonta, cegamente.
E como os passeios estavam repletos de pessoas que se retiravam de outros templos, lancei-me ao meio da rua a fim de não topar embargos ao impulso irreprimível que me avassalava.
Continuei a correr, considerando que vários transeuntes haviam de me reconhecer à luz das lâmpadas elétricas e julgar-me enlouquecido.
Em chegando ao escritório, galguei de 4 a 4 os degraus da escada, antevendo algo de grave; mas, muito ao contrário, tudo lá permanecia tranqüilo.
Na sala principal, cinco ou seis redatores estavam absortos em suas tarefas e, na sala contígua, meu sócio Melville redigia em mangas de camisa.
Nervosamente abri, então, a porta do meu gabinete e logo fui envolvido de espessa e negra nuvem de fumaça.
Entretanto, não era o gabinete que ardia e sim uma lâmpada de petróleo ligada à secretária, que o criado acendera, esquecendo de reduzir a mecha, então a vomitar grandes labaredas e fuliginosa fumarada, com risco de imediata explosão.
Não tive tempo a pensar e a perder; precipitei-me para a lâmpada, conseguindo apagá-la.
Naqueles rápidos momentos, o rosto se me tingiu de negro qual se eu fora um autêntico africano.
E foi tudo o que se deu! Ninguém que tenha deixado de experimentá-lo, pode imaginar a potência extraordinária do petróleo para desprender fumaça fuliginosa, quando arde com excesso de chama, em combustão defeituosa.
Todos os objetos existentes no escritório – tapetes, móveis, livros, papéis – ficaram impregnados de uma camada de fuligem betuminosa da espessura de um oitavo de polegada.
A grande lâmpada, incandescida ao rubro, determinara a ebulição do petróleo, que se desprendia então, graças à mecha, com perigo de explosão iminente.
Tal o fato. Agora, bem sei que há casos, assaz freqüentes, nos quais uma pessoa em perigo consegue impressionar outra pessoa distante, comunicando-lhe a idéia do perigo iminente, graças a uma ação telepática, ou que melhor nome tenha.
Mas, no incidente que acabo de expor, há esta circunstância de especial: que nenhum ente vivo sabia algo do que se passava no meu gabinete.
Na hipótese de provir o aviso de uma entidade desencarnada, por que não teria ela impressionado preferentemente uma das pessoas presentes no escritório?
Finalmente, é de notar que, se um incêndio devastador tivesse irrompido, o meu prejuízo pessoal seria insignificante, pois eu não era mais que simples redator e nem o prédio nem o jornal me pertenciam.
Será, pois, verdade, que a nossa pessoa possui consigo a faculdade de irradiar a distância alguma coisa de semelhante à atmosfera da Terra, ou análoga à luz de um globo luminoso, e que, graças a essa faculdade, podemos, eventualmente, perceber o que se passa a distâncias consideráveis?”
O professor Hyslop escreveu ao Sr. Mc Cready solicitando-lhe esclarecimentos complementares.
Da resposta do Sr. Cready destaco os seguintes tópicos:
“As pessoas presentes na sala da redação nenhuma fumaça perceberam, até o momento em que abri a porta do gabinete, que estava hermeticamente fechada.
Quando assaltado pela idéia de correr, as minhas sensações eram de natureza subjetiva; o impulso se manifestou por palavras inarticuladas: “Corre imediatamente ao escritório, depressa!” Não me passava pela mente que sensações tais pudessem provir de causa extrínseca a mim mesmo.
Há 40 anos ocupei-me com as mesas girantes, então em voga. No grupo em que realizávamos as nossas experiências espíritas eu era tido como excelente médium.
Entre outras muitas coisas, a mesa ditou algumas predições, que, aliás, contra a minha expectativa, se realizaram.
Afinal, tive as minhas dúvidas, escrúpulos de consciência, considerei inconveniente e culposa a tentativa de penetrar o futuro e acabei definitiva e bruscamente com aquelas sessões.”
Notemos que, posto não haja no episódio, aqui descrito, detalhes quaisquer que induzam a concluir por uma intervenção espirítica, a objeção levantada pelo Sr. Mc Cready não prevalece.
Diz ele: “Na hipótese de provir o aviso de uma entidade desencarnada, não teria ela impressionado preferentemente uma das pessoas presentes no escritório?”
Indubitavelmente, aquelas pessoas eram as únicas expostas ao prejuízo de uma exploração; mas, menos indubitável não é que, para se tornarem suscetíveis de uma ação telepática, importava fossem sensitivas.
Logo, se a manifestação não se deu no escritório, é que lá não havia, entre os presentes, nenhum sensitivo.
Daí resulta que, se se tratasse de uma entidade desencarnada, natural fora procurasse esta atingir o mesmo desígnio, impressionando o único sensitivo à sua disposição, afastado embora do escritório, naquele momento.
Ora, os precedentes pessoais do jornalista confirmam ser ele dotado de faculdades mediúnicas.
Tudo isso dizemos a título de reparo crítico à objeção do Sr. Mc Cready. Mas, do ponto de vista que nos interessa, pouco importa que um fenômeno telestésico seja espirítico ou subconsciente, visto que em ambas as hipóteses não deixaria de ser telestésico.
E nesta obra o que nos propusemos demonstrar foi a existência ainda contestada desse ramo da fenomenologia mediúnica.
19º Caso
– Extraído dos Annales des Sciences Psychiques (1899, pág. 260).
Trata-se de um exemplo de manifestação telestésica no estado delirante.
Conta o engenheiro E. Lacoste que, pelo inverno de 1898-1899, adoeceu de febre tifóide, que lhe acarretou graves complicações cerebrais, rapidamente degeneradas em congestão.
E prossegue:
“No dia 23 de dezembro desfaleci completamente para só recuperar uma meia lucidez em 24 de janeiro.
Daí por diante, malgrado um pouco de perturbação intelectual, que persistiu um mês mais ou menos, a convalescença foi rápida, de sorte que hoje me considero completamente curado e no exercício pleno do meu cargo.
No curso da enfermidade, a delirar constantemente sem uma hora de lucidez, apenas reconhecendo minha mulher, deram-se diversos fenômenos que as pessoas de minha intimidade e que me assistiam – gente honrada e de boa-fé – anotaram à proporção que iam ocorrendo, e os quais aqui relato no pressuposto de poderem contribuir para a história da Telepatia.”
Nessa altura o Sr. Lacoste começa a narrativa dos fatos de clarividência telepática desenrolados no curso do seu delírio, fatos que me abstenho de aqui reproduzir, por estranhos ao nosso objetivo.
Limito-me apenas a citar o último incidente por ele narrado, que contém um elemento telestésico real.
É o seguinte:
“Em outubro, ordenara ao meu correspondente no Brasil que me enviasse diversas caixas de livros, roupas, instrumentos e artigos outros que lá haviam ficado, disposto que estava a não mais regressar àquele país, a fim de me fixar em Toulon.
Esses volumes chegaram a Marselha no dia 15 de janeiro, e como não me encontrava em estado de providenciar sobre qualquer coisa, ninguém me disse algo a respeito.
Minha mulher, toda entregue aos cuidados da minha enfermidade, incumbiu o Sr. Victor Sourd, que partiria para Madagascar pelo vapor de 23, de ir antes a Marselha e redespachar os volumes para Toulon, onde, por se encontrarem as chaves, se poderiam preencher as formalidades do fisco.
Desconhecendo os volumes, o Sr. Sourd limitou-se a verificar que eram 6, de acordo com o conhecimento, reexpedindo-os para Toulon.
Com a idéia fixa que caracteriza muitas vezes as enfermidades mentais, estava eu constantemente preocupado com o dia da chegada dos volumes.
Sem que alguém me falasse a respeito, disse à minha mulher: “As caixas vindas do Brasil já chegaram, mas é preciso recusá-las ou fazer uma reclamação, visto faltar uma delas e justamente a que contém retratos, roupas e objetos de valor.”
De fato, a remessa era de 6, mas faltava a caixa assinalada, que fora trocada por outra em que estavam amostras de borracha.
Atesto por mim, e poderia fazê-lo com diversas testemunhas, a veracidade absoluta dessa ocorrência, destacada de entre muitas outras verificadas no curso de minha enfermidade.” (Assinado: Ernest Lacoste, Engenheiro civil, rua Sebastião Carlos n° 7, Toulon.)
Os casos em que se produzem fenômenos supranormais durante o delírio são assaz freqüentes e apresentam valor teórico que se não pode negligenciar, sobretudo porque, se uma pessoa desprovida de faculdades supranormais, no seu estado normal, as demonstra em estado delirante, é que essas faculdades existiam latentes na subconsciência, e o delírio, com o suprimir-lhe o uso das faculdades conscientes, permitiu a sua eclosão, sem poder, naturalmente, criá-las.
Deveríamos, então, concluir que as faculdades supranormais são partilha comum de todas as subconsciências humanas, onde aguardam o momento favorável para abrolharem com a morte do corpo, de modo a constituírem os sentidos da personalidade humana desencarnada.
Além disso, importa notar que no caso pertinente ao Sr. Lacoste desdobram-se ao mesmo tempo incidentes telepáticos e telestésicos, o que contribuiria para confirmar a teoria da panestesia espiritual, ou seja, a existência subconsciente de um sentido único, supranormal, capaz de revestir todas as modalidades pelas quais se manifestam os sentidos e faculdades terrestres.
Quanto à origem telestésica do fato, acredito não ser difícil demonstrá-la.
Atenho-me, antes de tudo, ao pormenor da troca da caixa, pormenor que, constituindo um equívoco, deveria permanecer ignorado de quem o houvesse cometido e, conseqüentemente, ignorado de todo o mundo.
A bem dizer, ainda se poderia afirmar que a subconsciência da pessoa que se enganara houvesse registrado a troca e que o enfermo nela haurisse o conhecimento da ocorrência.
Mas, mesmo que quiséssemos admitir a possibilidade desta singularíssima operação psíquica, a origem telestésica do fenômeno ressaltaria do incidente complementar, ou seja da indicação exata da caixa extraviada, com a enumeração dos objetos nela contidos.
Ora, desconhecido de quem quer que fosse o conteúdo da caixa desencaminhada, é claro que o enfermo clarividente não podia extrair conhecimentos de consciências alheias e, por conseguinte, que não se poderia negar a existência de uma relação telestésica entre a consciência do enfermo e a caixa faltante, ou as cinco restantes.
20º Caso
– Publicado pelo Doutor Dufay, na Revue Philosophique, em 1889.
Tomei-o de um artigo do professor Roirac, nos Annales des Sciences Psychiques (1916, pág. 157).
Expõe o referido Doutor Dufay uma série de experiências feitas em combinação com o Doutor Girault, servindo de médium a criada deste, que em estado de sonambulismo revelava a faculdade da dupla vista.
Entre outros informes, conta ele como por certos motivos se encontrava em função profissional nos presídios de Blois, onde um detento se suicidara, estrangulando-se com a própria gravata.
Aos magistrados presentes, curiosos de assistirem a uma sessão sonambúlica, propôs-lhes, então, demonstrar a lucidez da criada Maria, mediante qualquer peça do vestuário do suicida.
E continua dizendo:
“Cortei um pedaço da gravata do suicida, embrulhando-a em várias folhas de papel, fortemente amarradas.
Fiz sinal à rapariga para seguir-nos, sem com ela trocar palavra e fi-la adormecer com uma simples imposição de mãos sobre a fronte.
Tirei, então, o embrulho do bolso e meti-lhe entre as mãos. No mesmo instante, a pobre rapariga tombou na cadeira e atirou longe o embrulho, gritando colérica que não queria tocá-lo.
Ora, todo mundo sabe que nas prisões os suicídios são mantidos em sigilo, tanto quanto possível.
Daquele trágico acontecimento, nada ali transpirava no interior do estabelecimento e a própria irmã de caridade o ignorava.
– Mas, afinal, que pensa você que aquele embrulho contém? – perguntei, logo que um pouco de calma se fez no ambiente.
– Ali está qualquer coisa que serviu para matar um homem...
– Será uma faca? um revólver?
– Não, nada disso é uma corda... Oh! agora vejo, é uma gravata! O desgraçado enforcou-se... Mas, faça o favor de mandar assentar este senhor que aqui está atrás de mim, e cujas pernas tremem tanto que ele mal se tem de pé. (Era um dos dois juízes, que, efetivamente emocionado, tremia a olhos vistos.)
– Poderá dizer em que lugar se deu esse fato?
– Aqui mesmo, bem o sabeis, pois se trata de um detento.
– Mas, por que foi ele encarcerado?
– Matou um homem, simplesmente por lhe haver este pedido passagem na sua carroça.
– Mas, como foi que ele o matou?
– A golpes de podão.
Assim se denomina no Loir-et-Cher uma espécie de machadinha de cabo curto e lâmina curva e larga, terminada em bico de papagaio. É uma ferramenta muito usada no campo, principalmente entre tanoeiros e lenhadores.
Tratava-se, efetivamente, de um podão, ao qual me referira no laudo pericial, como tendo sido o instrumento provável do crime.
Até aqui as respostas da sonâmbula nada adiantam ao que já de antemão conhecíamos. O juiz de instrução chamou-me de parte e segredou que o podão não fora encontrado.
– Mas, que fim deu ele ao seu podão? – perguntei.
– Que fim? Espere um pouco... Ah! lançou-o num brejo... lá o vejo no lodo.
E acabou por indicar a região em que ficava o brejo, o que permitiu fazer-se uma batida, com a assistência do comandante da polícia, encontrando-se o podão.”
É facilmente compreensível que deste caso, relatado pelo Doutor Dufay, o único detalhe de natureza telestésica é o da visão do podão no fundo do brejo.
Esse detalhe é, porém, interessante e suscita novamente a questão de saber como se estabelece a relação entre o sensitivo e a coisa visualizada.
Se, no caso em apreço, parece indubitável que, tendo o objeto pertencido ao suicida, agisse, uma vez apresentado à sonâmbula, psicometricamente, isso não impede perguntarmos: mas, como poderia ter-se dado o fato? Telepática, telestesicamente?
Em geral, quando apresentamos a sonâmbulos ou médiuns objeto pertencente à pessoa falecida, tudo contribui para provar que esse objeto serve para estabelecer a relação com a entidade espiritual do traspassado, da mesma forma que o objeto pertencente a um vivente serve para estabelecer a relação com o mesmo vivente.
As conhecidíssimas experiências das Sras. Piper e Thompson são de molde a confirmar essa ilação.
Se nos propuséssemos aplicá-la neste caso, deveríamos concluir que a imagem pictográfica, mediante a qual a sonâmbula revelou o sítio em que se achava o podão, lhe havia sido transmitida telepaticamente pelo morto, caso em que se trataria não mais de telestesia, porém de uma revelação post mortem.
Ao contrário, se o objeto presente à sonâmbula tivesse servido para estabelecer a relação com o objeto distante, somente se trataria de autêntico fenômeno telestésico.
21º Caso
– Em The Mind, revista inglesa de Filosofia (fevereiro de 1899), a Sra. Alice Le Plongeon, esposa do conhecido arqueólogo Le Plongeon, relata três sonhos proféticos que lhe ocorreram durante a sua primeira estada na quase ilha de Yucatán, onde o marido procedia a escavações de intuitos científicos.
Dois desses sonhos podem filiar-se à clarividência telepática, mas o terceiro se nos apresenta nitidamente telestésico, tal como aqui o transcrevemos.
Diz a Sra. Le Plongeon:
“Meu sonho verificou-se precisamente no momento de acordar.
Prendia-se ele a escavações feitas, das quais resultaram a descoberta de várias esculturas e outros objetos antigos, assaz interessantes, extraídos do túmulo de um grande sacerdote.
Entre esses objetos encontramos nove cabeças de serpente, esculpidas em pedra, admiravelmente cinzeladas e coloridas.
No sonho, era eu quem dirigia pessoalmente o trabalho de escavação e ordenava aos cavouqueiros que deslocassem um monte de grandes pedras a um canto, predizendo-lhes que dali seriam retiradas mais três cabeças de serpente, em tudo iguais às nove já encontradas.
Ao contar esse sonho ao Doutor Le Plongeon, na ocasião acamado por efeito de uma entorse, disse-me ele que, “se eu quisesse satisfazer o desejo de controlar o sonho, poderia ordenar as escavações naquele sentido”.
Assim o fiz e ao meio-dia voltei para anunciar-lhe o achado das três cabeças complementares, nas condições entrevistas em sonho:”
Nessa exposição o fenômeno telestésico ressalta nítido e inconteste, pois que nele não concorre a alternativa teórica emitida em relação ao exemplo anterior – a de uma presumível origem espirítica.
Noto, além disso, a indicação exata de três cabeças de serpente, indicação que, por sua justeza, afasta a hipótese da fortuita coincidência, admissível se a predição apenas se referisse vaga e indeterminadamente a cabeças de serpente, semelhantes às primeiras já encontradas.
Noto, enfim, a circunstância teoricamente importante de não ter a clarividente no seu sonho percebido a imagem pictográfica das três cabeças ainda soterradas, e sim recebido a predição pura e simples.
Essa forma de telestesia, com ausência de visões pictográficas, contribui para confirmar a hipótese de não serem os clarividentes tocados pela visão direta ou indireta dos objetos, mas advertidos pela personalidade subconsciente, que se esforça em atingir o fim, por quaisquer meios ao seu alcance, isto é, de acordo com as idiossincrasias especiais, que são deles apanágio.
22º Caso
– Vejamos agora este caso examinado por Podmore, tomado da obra de Myers: The Subliminal Self (Proceedings of the S. P. R., vol. IX, pág. 374).
Seu protagonista, Sr. J. Hunter Watts, conta a Podmore o seguinte:
“Remeto-lhe por escrito o relatório da ocorrência, a bem dizer banal, que me sucedeu e já lhe expus verbalmente.
Faz seis anos, encontrava-me em Paris com meu irmão Jorge, o qual lá comprara por oito ou dez francos uma estátua de gesso, da Vênus de Milo.
Lavrei o meu protesto por ter de o ajudar a transportar semelhante estafermo aos penates, na Inglaterra.
Como a estátua media 4 a 5 pés de altura, tínhamos a impressão de levar conosco um defunto embrulhado.
Uma vez em casa, não consenti figurasse tão vil adorno entre os da minha sala, pelo que houve meu irmão de conformar-se com a sua entronização num grupo de pedras musgosas, lá num canto do jardim.
E lá ficou ela, em paz, durante alguns meses, só lembrada quando, por acaso, por ali se passava.
Fora disso, “longe da vista, longe do coração...”
Certa manhã de outono, ao levantar-me da cama, dirigindo-me ao toucador, fui assaltado pela lastimosa idéia de que aquela estátua houvesse tombado e quebrado.
E digo lastimosa idéia, porque, entrevista de certa distância, entre a folhagem, ela não fazia má figura.
E continuando a refletir, de mim para mim dizia: “contudo, parece impossível que na sua derrocada só tenha perdido a cabeça, sem maiores avarias”.
A essa altura, lembrei-me que tudo aquilo devia ser um sonho e sorri, então, da puerilidade de uns tantos sonhos.
Assim continuaria pensando se a demora do almoço não me levasse a dar uma volta pelo jardim.
A terra estava encharcada da chuva; soprava um vento forte, e qual não foi o meu espanto quando, acercando-me do grupo de pedras, lá se me deparou a Vênus de Milo tombada e a sua cabeça projetada no centro da aléia...
Era a realidade perfeita do meu sonho!
Por alguns momentos considerei que enquanto dormia poderia haver-me levantado e andado pelo jardim, mas logo percebi que isso não seria possível, visto ter chovido toda a noite e, nesse caso, deveria ter as roupas encharcadas e os pés, por descalços, não estariam limpos.
Mas, dado que me houvesse calçado, também os sapatos deveriam achar-se enlameados.
Nada disso, entretanto, se verificava! Confesso também que nunca fui sujeito a crises de sonambulismo.
Ao assentar-me à mesa do almoço, estava completamente aturdido e a mim mesmo perguntava: “seria possível que, enquanto o corpo repousava lá na cama, uma parte imaterial de mim mesmo fosse vagar pelo jardim?”
Mas, nesse caso, é claro que essa parte imaterial não pudera ser molestada pelo vento e pela chuva.
O acontecimento é banal, mas nem por isso deixou de me preocupar muito tempo e permanecer inexplicável.”
(Segue-se a confirmação de uma senhora a quem o depoente contara o sonho logo que ele se deu.)
Também nesse caso, o elemento telestésico evidencia-se de modo incontestável.
Do ponto de vista teórico, advertirei o caráter insignificante, praticamente inútil do fenômeno, a suscitar esta pergunta: “Mas, com que fim se produzem estas manifestações?”
Já tive ocasião de versar o assunto na minha obra Fenômenos Premonitórios.
É uma particularidade essa que surge, efetivamente, a mais das vezes ainda, nessa classe de manifestações.
Vale por dizer que se encontram revelações proféticas realizadas em todos os seus detalhes e, todavia, de natureza absolutamente insignificante e praticamente inúteis.
Expliquei, então, a coisa, recorrendo a uma hipótese aparentemente ousada, mas confirmada por provas de fato, experimentais e irrefutáveis.
Posto que essa hipótese não possa aplicar-se senão excepcionalmente aos casos telestésicos, não será ocioso recordá-la aqui.
Eis o que então escrevi:
“Para obviar a essa dificuldade, apresenta-se uma outra hipótese, que tem a vantagem de basear-se em dados de ordem experimental, permitindo concluir que os episódios do gênero destes aqui examinados são manifestações em si mesmas preparadas e executadas por personalidades subconscientes, ou extrínsecas, que transmitem em primeiro lugar ao sensitivo, sob a forma de visão onírica, ou qualquer outra, uma dada situação futura em que ele sensitivo, ou outrem, deverá encontrar-se.
Depois, elas provocam a realização dos fatos por meio de sugestão telepática, seja sobre o sensitivo ou sobre pessoas no fato interessadas, e isto (conforme afirmam as ditas personalidades) a fim de impressionar os nossos espíritos, de nos inculcar a idéia de um mistério na vida humana, de abalar o cepticismo das criaturas, levando-as a meditar na possibilidade existencial de uma alma sobrevivente à morte do corpo.”
Para o caso, não aproveitaremos dessa explicação mais que a nota final, isto é, que as manifestações telestésicas, aparentemente inúteis, poderiam comportar, a seu turno, uma finalidade análoga à das premonições de que se ocupava ao escrever as linhas supra.
Elas, essas manifestações, são talvez provocadas por entidades espirituais, ou pela personalidade integral subconsciente, a fim de despertar no sensitivo a reflexão para o mistério da vida, assaz negligenciado.
Apresso-me, entretanto, a ajuntar que os casos telestésicos dessa natureza poderiam, em geral, explicar-se, atribuindo-se sua origem ao caráter fortuito e fugaz das irrupções de faculdades supranormais no plano terrestre, de tal modo que, cada vez que a irrupção se verificasse espontaneamente, sem o aguilhão de uma causa passional qualquer, ela seqüestraria e transmitiria automaticamente ao Eu consciente aquelas noções que ele tivesse adquirido no instante passageiro de sua incursão.
A esse respeito fora possível levantar a seguinte objeção:
Se se tratasse de irrupção fugitiva das faculdades supranormais no campo da consciência normal, as percepções transmitidas deveriam ser de natureza fragmentária e incoerente, e não concatenadas e completas, quais se verificam.
É essa circunstância que lhes dá uma aparência de intencionalidade, conforme com a primeira interpretação que aventamos.
23º Caso
– Destaco o seguinte fato da obra do Dr. J. A. Ricard, intitulada Tratado Teórico e Prático do Magnetismo Animal (pág. 48), resumindo-o nos tópicos essenciais.
“Bastante enferma, padecendo vivas dores na região epigástrica, a Sra. L... encontrava-se, em 1928, nas águas termais de Castéra-Verduzan, departamento de Gers.
Haviam-lhe receitado algumas doses de sulfato de quinina e banhos de água ferruginosa.
Essa medicação, longe de aliviá-la, agravou-lhe os padecimentos.
Por se lhe tornarem intoleráveis as dores, fui vê-la a instâncias dela mesma, do marido e da avó, que de mim pretendiam a tentativa de uma cura magnética.
Levei à casa da enferma, no dia 26 de setembro, a jovem Aline Dufaut, moça de seus 15 anos e uma das sonâmbulas mais lúcidas que comigo trabalhavam.
Eu estava quase convicto de que ela poderia indicar um remédio eficiente para curar a enferma que tanto me interessava.
O Doutor Pons, que nunca tivera ensejo de ver um sonâmbulo, não se fez esperar...
Apressei-me a adormecer a moça e a pô-la em relação com a enferma.
A sonâmbula tornou-se séria e como concentrada, mantendo entre as suas as mãos da enferma.
Perguntada sobre a enfermidade, ela respondeu sem hesitação, de maneira que o doutor pudesse inferir que ela assinalava uma irritação e não uma inflamação.
O raciocínio da sonâmbula surpreendeu tanto o Doutor Pons, que ele confessou de nada mais poder duvidar.
Mas a moça como que se transfigurou quando, possuída de indizível alegria, anunciou que via o meio de curar a Sra. L...
A presença da enferma, de sua mãe e de um médico hábil emprestavam ao quadro o maior interesse.
– Lá – dizia a sonâmbula –, lá sobre a encosta de um monte...
(Citei, no intuito de auxiliá-la, todas as vertentes dos arredores de Agen e, finalmente, do Monte-Grande.)
– Sim, do Monte-Grande – apressou-se em repetir –, perto da ponte, ao lado do barranco... de encontro a uma pedra... lá... vede esta planta... esta erva esplendida!
E descreveu-a perfeitamente.
Depois, à vista da minha hesitação, disse: sim, vejo-a –, e fez um movimento como para colher um galho e mo entregar:
– Olhe, veja que forte aroma desagradável...
– Sim, mas como se chama?
– Ah! isso agora é que não sei.
– Então, como havemos de fazer? Pois não é necessário preparar a tisana?
– Oh! não... Deus meu! Beber, não; é lavá-la, socá-la como se faz ao espinafre e depois fazer uma cataplasma e aplicar por 24 horas sobre o estômago. Isso uma, duas ou três vezes. E a cura estará feita.
Depois, ela descreveu a forma, as folhas, a cor da planta, e renovou a indicação do sítio em que a lobrigava.
– Pois dar-se-á que não vejas? que não sintas este cheiro tão ativo? E insistia, impaciente.
Verificamos, depois, que a sonâmbula, que contava 15 anos de idade, nunca mais, depois dos seus 7 anos, andara pelas encostas do Monte-Grande.
Perguntei-lhe se, uma vez despertada, poderia reconhecer a planta e ela respondeu que sim, desde que a isso eu a constrangesse. Procedi de acordo, tal como se deve fazer nesses casos, para que ela retivesse a lembrança da planta, mas esqueci-me de o fazer, quanto ao local preciso.
De resto, tudo anotáramos e não precisávamos da sua indicação já escrita.
Ao despertar, perguntada sobre o que sentira, a senhorita Dufaut respondeu ao Doutor Dupons que de nada se recordava, mas tinha a idéia de haver sonhado com uma planta, da qual como que sentia o cheiro.
Não sabia explicar por que pensava nessa planta, que tornou a descrever com as mesmas palavras.
Também não poderia dizer onde ela seria encontrada, mesmo porque jamais vira coisa semelhante, nem nos jardins do Sr. Saint Amand.
No dia imediato, 27 de setembro, fomos eu, o Sr. L... e Brienne, o marquês de Mata-Florida, a Srta. Dufaut com sua mãe e uma amiga, à encosta do Monte-Grande, ocultando, já se vê, da Srta. Dufaut o objetivo daquele passeio.
Chegados perto do barranco indicado, pedi-lhe que olhasse em torno, a ver se por ali não estaria a planta com que sonhara. No mesmo instante ela se pós a procurar, repetindo: sim, ela deve estar por aqui, pois se bem que não a veja, sinto-lhe o cheiro.
Impacientava-se, batia o pé. Via-se que, de fato, não guardava a mínima lembrança do local assinalado.
Preveni o Sr. Brienne e provoquei o transe para efeito da exploração.
A Srta. Dufaut estacou de súbito e, pedindo-lhe eu colhesse a planta que haveria de curar a Sra. L..., disse: Ah! sim... e disparou em linha reta para o ponto indicado.
Saltou o barranco e, do outro lado, junto de um bloco de pedra rolado das alturas, igualmente assinalado no sono da véspera, colheu um pé muito folhoso da planta magnificamente verde e de cheiro ativo e desagradável.
Nenhum de nós pôde reconhecê-la. Pouco depois, despertei a senhorita e informei-a de quanto se passara.
De regresso a Agen, mostramos a planta a diversas pessoas e ninguém a identificava.
Contudo, o farmacêutico, discípulo do célebre Saint-Amand, afirmou tratar-se da Psorálea betuminosa, planta que, como indica o nome, exala um forte cheiro a betume, mas sem qualquer aplicação terapêutica.
Sem embargo, o Doutor Pons não hesitou, e naquela mesma noite foi aplicada a cataplasma, só retirada depois de 24 horas, de acordo com a indicação sonambúlica.
A enferma passou o dia sem espasmos. A cataplasma produzira vivo efeito revulsivo. À noite, voltaram os espasmos, porém mais fracos. Fez-se nova aplicação e daí por diante a Sra. L... estava radicalmente curada.”
Casos idênticos são muito freqüentes nas obras dos antigos magnetólogos e revestem, às vezes, formas mais estupefacientes do que essas até aqui expostas, como, por exemplo, quando a planta visualizada cai ao colo da sonâmbula, por um verdadeiro fenômeno de transporte. Há, nesse sentido, um exemplo típico com o que sucedeu ao Doutor Billot (Correspondência sobre o Magnetismo vital, etc., Paris, 1839).
Do ponto de vista da telestesia, notarei que nos casos em questão o fenômeno telestésico parece indiscutível, e penso que fora inútil deter-me para prová-lo.
Em compensação, levanta ele um problema de outra natureza, concernente à maneira pela qual se estabelece a relação entre o sonâmbulo e a planta procurada, pois nas circunstâncias que acabamos de ler, a relação difere, radicalmente, do que é implícito nas outras modalidades de clarividência.
Com efeito, nos casos de lucidez psicométrica, pode-se razoavelmente supor que o fluido vital especializado, de que parece saturado o objeto presente ao sonâmbulo, possa estabelecer a relação com a pessoa distante, dona do objeto; mas, nos casos em que nenhum objeto se apresenta, existe a presença de alguém que conhece a pessoa ausente, visualizada pelo sonâmbulo.
É, pois, verossímil que a pessoa presente sirva para estabelecer a relação com a pessoa ausente.
Enfim, nos casos análogos ao de Aléxis Didier, no qual o sonâmbulo percebe à distância uma urna enterrada, cheia de moedas romanas, ainda se pode presumir que o dinheiro achado e entregue ao sonâmbulo tenha atuado psicometricamente, posto que, neste caso, já se trataria de relação entre pessoa e objeto inanimado.
Mas, em casos como este último, tratando-se de uma planta agreste, sem qualquer laço fluídico com a sonâmbula, como dar-se a relação entre o sonâmbulo e a planta?
Como se opera? como se produz a orientação da pesquisa?
Tratar-se-ia, pois, do que se convencionou chamar instinto dos remédios, comum nos animais e freqüente nos sonâmbulos, operando como orientador da vidência?
É bem possível, mas então seria preciso dizer que o princípio dinâmico, capaz de estabelecer a relação com a planta, fora a própria enfermidade do consulente, enfermidade que, podendo ser curada com os sucos de uma dada planta específica, possibilitaria à sonâmbula a orientação para encontrá-la.
Nesse caso, deveria haver uma relação de causa e efeito entre a enfermidade e a planta, ou por outra, uma afinidade químico-fisiológica entre a enfermidade e a substância terapêutica.
Advertirei, finalmente, que, no caso em apreço, a descrição do local e da planta visualizada, com percepção de cheiro desagradável, parece tão viva que nos faz pensar num fenômeno de bilocação sonambúlica.
Contudo, existe também o detalhe de caráter alucinatório, do pequeno galho colhido pela sonâmbula e ofertado ao magnetizador, para demonstrar à evidência que não se trata, absolutamente, nem de bilocação, nem de visão direta ou indireta, mas unicamente de uma sucessão de imagens e sensações alucinatórias, a serviço da subconsciência, para transmitir à consciência os desejados informes.
Entretanto, essas conclusões suscitam, por sua vez, um outro enigma a resolver.
Parece incontestável que as imagens e sensações percebidas pela sonâmbula tenham sido alucinações verídicas, transmitidas pela personalidade subconsciente.
Mas, então, se a personalidade subconsciente era a única existente, é claro que não podia transmitir a si mesma as imagens e sensações alucinatórias.
Quem, pois, as transmitia? Um estado mais profundo da subconsciência talvez?
Admitamo-lo para concluir, mas não sem confessar que estamos defrontando um enigma formidável.
Conclusões
Aqui me detenho na exposição dos fatos, presumindo que os já citados bastem para dar uma idéia adequada das diferentes modalidades mediante as quais se manifestam os fenômenos de telestesia.
Persuadido estou, igualmente, da sua suficiência, para confirmar seu asserto de que a realidade desses fenômenos pode considerar-se experimentalmente demonstrada, ou seja, que as manifestações de clarividência, em geral, não podem ser reduzidas em sua totalidade a fenômenos de leitura ou transmissão de pensamento subconsciente, como foram levados a crer alguns eminentes pesquisadores contemporâneos.
Não resumirei o que sucessivamente evidenciei no exame analítico dos fatos, para deter-me no conspecto ulterior do problema concernente às formas pelas quais se manifestam os fenômenos telestésicos.
Trata-se, nesse caso, de um problema bem árduo na verdade, pois, como vimos, tudo contribui para provar que a percepção telestésica não pode ser uma visão direta nem indireta, por meio de centros ópticos, e que, portanto, as visões clarividentes devem ser consideradas como imagens alucinatórias verídicas, transmitidas pela personalidade subconsciente à personalidade consciente, com o fito de a esclarecer relativamente aos conhecimentos adquiridos.
Essas conclusões não ressaltam somente da análise comparada dos fatos, mas também dos incidentes nos quais as visões telestésicos revestem uma natureza simbólica, cuja circunstância infirma a hipótese de visão direta ou indireta.
Elas, as conclusões, são ainda corroboradas pelos episódios nos quais se constata completa ausência de visualizações pictográficas, isto é, nas quais o sensitivo adquire conhecimentos telestésicos sob a forma de impressões intuitivas, auditivas, olfativas, táteis e motrizes, o que prova que a real percepção telestésica consiste em algo de radicalmente diverso de todas as modalidades sensoriais pelas quais ela se manifesta.
As mesmas conclusões se prendem também aos fenômenos de leitura de livros e invólucros fechados, pois que neles concorrem os mesmos incidentes, incompatíveis com a visão direta ou indireta.
Assim, por exemplo, nas bem conhecidas experiências do major Buckley, os sonâmbulos viam desenrolar-se diante de seus olhos os bilhetes que liam, não obstante estarem estes encerrados e enovelados em cascas de nozes.
Assim, quando o Doutor Schotelins perguntou ao doutor Reese como ele se arranjava para ler os bilhetes cuidadosamente dobrados que lhe apresentavam, eles respondeu: “Tal como faço com os que aqui estão diante de mim”, referindo-se aos bilhetes que estavam abertos, em cima da mesa. (Anais de Ciências Psíquicas, 1904, pág. 67.)
Daí se conclui que também nestas circunstâncias a visão clarividente não pode ser conceituada como real, que não passa de uma visão simbólica, ou, por outras palavras, que deve consistir em imagens pictográficas, transmitidas pela personalidade subconsciente, no intuito de a informar pela única maneira possível.
Para completar essas considerações concernentes à telestesia, é força lembrar que a mesma coisa ocorre com os fenômenos de clarividência telepática, a saber: que diante da visão subconsciente do sensitivo se desenrolam, de mistura, imagens do passado, do presente e do futuro da pessoa visualizada a distância, o que se torna incompatível com as hipóteses de visão direta e indireta, nas quais o sensitivo não deveria perceber mais que as situações e ações de atualidade.
Preciso é não esquecer, também, que o sensitivo igualmente desvenda os estados de alma, o temperamento, as indisposições da pessoa ausente – condicionais que se não podem atribuir à visão direta ou indireta.
Demonstrado está, portanto, que, nos fenômenos de clarividência telepática e de telestesia, a presumida visão direta ou indireta não existe; a personalidade subconsciente é quem percebe, à distância.
*
Neste ponto atingimos o problema formidável dos modus operandi, graças ao qual a personalidade subconsciente se revela na percepção.
Assinalarei desde logo que não se conseguirá, provavelmente, penetrar jamais na essência do mistério, pois tudo concorre para provar que as percepções subconscientes podem ser identificadas com a percepção espiritual propriamente dita, o que pressupõe uma maneira de ver qualitativamente diferente da percepção terrestre.
Essa circunstância, a seu turno, pressupõe a impossibilidade, para a personalidade subconsciente (que na plenitude integral se identificaria com o Eu espiritual), de transmitir os seus conhecimentos na forma sob a qual os percebe, e a necessidade em que se encontra de conformar-se com as modalidades sensoriais da existência terrestre, todas as vezes que se propõe transmitir os referidos conhecimentos à personalidade consciente.
Essas considerações, cuja profunda significação filosófica a ninguém pode escapar, lembram-me a célebre resposta mediunicamente obtida por Alexandre Aksakof sobre o assunto.
É a seguinte:
“Uma coisa é ver para mim, outra é ver para vos transmitir o que vejo: nossas percepções, inclusive a vista, independem dos sentidos e, por isso mesmo, são qualitativas e quantitativamente diferentes. Para partilhá-las, torna-se necessária uma certa assimilação ou comunhão...”
Pergunta, então, Aksakof:
“– Neste caso, depende a vossa vista das condições mediúnicas?”
Resposta:
“– De modo algum. Que podeis saber a tal respeito? Desde que eu veja a meu modo e para mim, é claro que de nada mais preciso; mas desde que eu queira, não apenas ver inteiramente como vedes a vosso modo, porém, dizer-vos ainda o que vejo, a coisa muda de figura...”
E o Sr. Aksakof adita à explicação da entidade os seguintes comentários:[5]
“As respostas do nosso interlocutor têm, como se vê, profundo senso filosófico.
Se, na verdade, ele pertence ao mundo dos números, de onde se vê as coisas do nosso mundo não tais como a nós se apresentam, mas como são em si mesmas, ele deve, conseqüentemente, vê-la a seu modo.
Mas, de vez que seja obrigado a ver a nosso modo, deverá entrar no mundo dos fenômenos e submeter-se às condições da nossa organização, pois tal é a idéia que fazemos do mundo.”
É isso mesmo. A mim me parece que as considerações que acabo de expender contêm uma explicação bastante para o enigma árduo que vamos examinando.
De fato, se chegássemos a nos convencer de que a personalidade integral subconsciente identifica-se com o Ego espiritual verdadeiro (e na verdade não sei qual a objeção que a isso se possa antepor), então, sendo espiritual a sua maneira de perceber, ela só poderia ser qualitativa e quantitativamente diferente da visão terrestre e, por conseguinte, inconcebível para os encarnados.
Daí a impossibilidade, para o Ego espiritual subconsciente, de transmitir à personalidade consciente os seus próprios conhecimentos sobre assunto terreno, sem os traduzir em percepções sensoriais terrenas.
E aí temos explicada a gênese e a razão de ser das imagens pictográficas, tais como se apresentam à visão dos clarividentes.
*
Desejando esgotar aqui o exame, em curso, da natureza da visão sonambúlica, importa abrir um parêntese para advertir que, se nas manifestações da clarividência, em geral, o suposto fenômeno da visão direta não existe, parece, contudo, que nelas se encontra o da visão indireta por via dos centros ópticos, mas, bem entendido, só numa classe de manifestações: a da autoscopia interior, que, naturalmente, nada tem a ver com a telestesia.
E o que nos leva a pensar assim são as declarações dos sensitivos clarividentes.
Uma sonâmbula do Doutor Comar, que localizara precisamente um alfinete embutido em seu próprio intestino, assim respondeu ao interrogatório do médico:
“P. – Como e de que maneira pode você ver o alfinete no seu intestino?
R. – Eu não o sentia... antes – estava em zona de anestesia – tampouco o via, absolutamente. Logo que comecei a sentir, entrei a ver... Ora, no dia 17 de outubro (foi justamente nessa data que ela me disse estar vendo o alfinete), senti dores mais fortes, e foi também quando pude ver inteiramente o alfinete.
P. – Mas, você viu mesmo?
R. – Quero dizer que senti que tinha qualquer coisa lá no intestino. Então, olhei no meu cérebro, com os nervos de meus olhos, na região que, no meu cérebro, correspondia ao intestino, e vi uma espécie de sombra sobre um véu, uma risca escura da forma de alfinete; ao mesmo tempo em que o via no cérebro, sentia-o no ventre...”
(O Doutor Comar acrescenta: A visão era tão perfeita que a enferma desenhou uma dobra do intestino e indicou o ponto em que estava o alfinete. (Imprensa Médica, janeiro, 1903.)).
Nessa narrativa, a descrição da sonâmbula quanto à maneira pela qual viu o alfinete no intestino, através do cérebro, é tão circunstanciada, que não deixa a menor dúvida sobre a realidade da visão autoscópica.
Notemos, de passagem, o fato importantíssimo, que é o de nada ter visto enquanto durava a anestesia intestinal, o que vale por dizer que, em tais circunstâncias, não havia mais a relação fluídica mediante a qual seus nervos se tornavam capazes de transmitir, aos centros cerebrais correspondentes, a imagem e as sensações da zona intestinal.
Tudo isso nos parece muito significativo e dá ensanchas a reflexões importantes.
Entretanto, para não me desviar do assunto, deixo de as formular. E para concluir, relativamente ao fenômeno da visão indireta por meio dos centros ópticos, direi que todas as probabilidades são favoráveis à sua existência, mas limitando-a aos casos de autoscopia interior, nos quais concorre um sistema nervoso com inúmeras ramificações fibrilares, prontas a servirem de condutos fisiológicos entre um dado ponto do organismo, a que se dirige o exame clarividente, e o centro cerebral correspondente ao mesmo ponto.
Tanto vale o dizer que a visão sonambúlica indireta não se pode exercer fora do campo limitado da organização individual.
*
Voltando aos fenômenos de telestesia e querendo encará-los em suas relações com outras formas de clarividência, é preciso notar a promiscuidade com que se realizam, geralmente, essas manifestações.
Encontramos, assim, fenômenos de telestesia combinados com outros de clarividência telepática no passado, no presente, no futuro; ou ainda com fenômenos de autoscopia e aloscopia, tudo sistematicamente articulado num conjunto que não permite descobrir qualquer solução de continuidade entre um e outro fenômeno, de maneira a tornar precário qualquer tentame demarcativo.
Ora, essas condições de manifestações seriam inexplicáveis, se não presumíssemos que os fenômenos em apreço constituem modalidades diferentes de uma faculdade sensorial e supranormal única, para a qual se propôs a denominação de panestesia espiritual.
Pretendeu-se definir assim uma faculdade que contivesse em si mesma todas as formas de percepções sensoriais terrestres e bom número de outras ainda ignoradas – faculdade que, completando os diversos órgãos sensoriais do corpo humano, se converteria em outros tantos sentidos especializados, efêmeros de si mesmos, posto que indispensáveis à existência encarnada.
Explicar-me-ei melhor por um exemplo:
Assim como o fluido elétrico se transforma ora em luz, ora em calor, ora em força, conforme os órgãos mecânicos nos quais o dirigimos, assim também a panestesia espiritual, compenetrando diversos órgãos do corpo, se transformaria, ora em visão, ora em olfação, ora em sensibilidade tátil e gustativa, conforme a estrutura anatômica dos órgãos sensibilizados.
Nada há de inverossímil em tudo isso e, por outro lado, em se adotando a hipótese da panestesia espiritual, teríamos resolvido muitos enigmas de outro modo inexplicáveis, entre os quais o concernente à promiscuidade dos fenômenos em apreço.
Seja, porém, como for, mesmo fora dessa hipótese, pode-se afirmar, relativamente aos fenômenos de telestesia e clarividência em geral, que eles atestam a existência na subconsciência humana, em estado latente, de faculdades supranormais maravilhosas, cuja gênese não pode depender da lei de seleção natural, o que levaria a mostrar que as faculdades em questão constituem os sentidos de antemão formados pela assistência espiritual, na expectativa de abrolhar e funcionar num ambiente espiritual, tal como no embrião os sentidos se encontram previamente formados, para abrolhar e funcionar no ambiente terrestre.
Conclusões análogas já foram formuladas de modo rigorosamente científico por Thomas Jay Hudson.
Eis como a respeito ele se exprime:
“Sujeitando a tese a uma forma nitidamente silogística, deveremos assim dispor as proposições:
Toda faculdade do espírito humano tem uma função a realizar, nesta ou na outra vida.
Encontram-se, no espírito humano, faculdades que nenhuma função exercem na vida terrena.
Daí se segue que, no espírito humano, há faculdades destinadas a exercer o seu papel em uma vida futura.
Nenhum homem de ciência poderia conceber a contestação de legitimidade da proposição maior, de natureza axiomática.
Por outro lado, todos quantos se hão familiarizado com as modernas investigações dos fenômenos psíquicos, não podem conceber, por um instante sequer, a contestação da proposição menor.
A só faculdade telepática bastaria para demonstrar a sua intangibilidade.
Sendo a premissa maior, tanto quanto a menor, verdadeiramente incontestáveis, segue-se, naturalmente, que o homem está reservado a outros destinos numa futura existência.”
Na minha opinião, essas conclusões de Thomas Jay Hudson, extraídas do seu silogismo, são de evidência lógica indiscutível e podem justificar, até certo ponto, a afirmativa do mesmo autor, de que a existência de faculdades clarividentes e telepáticas do subconsciente basta para provar a sobrevivência do espírito humano, sem que haja necessidade de recorrer às manifestações mediúnicas.
Até um certo ponto, disse eu, de vez que as provas cumulativas, tendentes a resolver o formidável problema da alma nunca são supérfluas nem demasiadas; além de que, nesse caso, umas constituem o necessário complemento das outras.
FIM
Notas:
[1] Gruta de Fingal, Escócia.
[2] Categoria III, subgrupo L, pág. 302.
[3] À falta de outro termo, poder-se-ia traduzir “fustigamento”.
[4] Embarcação de 10 toneladas, mais ou menos.
[5] Aksakof – Animismo e Espiritismo, pág. 146, 3ª ed. FEB. (N.E.)