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livro de Moisés o que Deus lhe disse na sarça: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacob"? como se produziu essa manifestação relatada no Êxodo (Cap. III, vv. 1-6) ?
Deus, como já o temos dito, não se comunica ele próprio com os homens. Houve uma manifestação espírita. Não se vos diz que Moisés viu a Deus, mas que o ouviu. O Espírito superior, que o Senhor incumbiu dessa manifestação, tomou uma forma luminosa, não uma forma humana; produziu uma luz deslumbrante.
Moisés era médium de efeitos físicos, audiente e vidente. Ainda quando, porém, não o fosse, as coisas se teriam passado da mesma forma. O Espírito que chegou à perfeição, que se tornou puro Espírito, é senhor, como sabeis, da natureza e de todos os fluidos, deles dispondo à sua vontade, de acordo com as necessidades e as circunstâncias. Foi com o auxílio dos fluidos, de fluidos sônicos e de outros, que aquele Espírito superior realizou a manifestação. Reunindo-os e concentrando-os, assimilando seu perispírito às regiões terrenas, produziu o som da palavra humana articulada e uma luminosidade ofuscante, com a aparência de uma fogueira. Essa luminosidade foi que fez crer a Moisés que a sarça ardia sem se consumir. Foi o perispírito do Espírito incumbido da manifestação que figurou, com o emprego dos fluidos que reunira, o incêndio da sarça. 284
MATEUS, Cap. XXII, vv. 34-40. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 28-34. — LUCAS, Cap. X, vv. 25-28
Amor de Deus e do próximo
MATEUS: V. 34. Mas os fariseus, tendo sabido que ele fizera calar os saduceus, se reuniram em conselho; — 35, e um deles, que era doutor da lei, para o tentar fez esta pergunta: — 36. Mestre, qual é o grande mandamento da lei? — 37. Respondeu Jesus: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. — 38. Este é o maior e o primeiro mandamento. — 39. E o segundo, semelhante ao primeiro, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. — 40. Toda a lei e os profetas se contêm nestes dois mandamentos.
MARCOS: V. 28. Então, um dos doutores da lei, que ouvira a discussão e vira quão bem Jesus respondera aos saduceus, se aproximou e lhe perguntou: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? — 29. Respondeu Jesus: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o único Deus. — 30. E amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento, de todas as tuas forças. Este o primeiro mandamento. — 31. O segundo, semelhante ao primeiro, é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes. — 32. Disse-lhe então o doutor da lei: Na verdade, Mestre, disseste bem que Deus é um só, que nenhum outro há além dele; — 33, e que o amá-lo de todo o coração, de todo o entendimento, de toda a alma e com todas as forças, e bem assim o amar o próximo como a si mesmo é coisa de maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. — 34. Vendo Jesus que o escriba replicara sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do reino de Deus. E desde então ninguém mais se atreveu a lhe fazer perguntas.
LUCAS : V. 25. Então, levantando-se, perguntou-lhe um doutor da lei, para o tentar: Mestre, que hei de 285
fazer para ter a vida eterna? — 26. Respondeu-lhe Jesus: Que é que está escrito na lei? De que modo a lês? — 27. Respondeu aquele: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. — 28. Jesus lhe observou: Respondeste muito bem; faze isso e viverás.
N. 261. Amai o Senhor vosso Deus acima de tudo: a Ele, origem e vida de tudo o que é, a Ele, o pai bondoso e justo de tudo o que vive, o juiz reto de todas as vossas ações.
Amai o Senhor vosso Deus acima de tudo, porquanto nesse amor haurireis forças para cumprir todos os vossos deveres, para adquirir todas as virtudes. O amor de Deus é a força da alma, a quem ele deu a esperança da vida eterna. É esse amor que vos aquece os corações, engendra a fé e produz a caridade.
Amai o vosso próximo como a vós mesmos, porquanto, se não possuirdes o sentimento grandioso da fraternidade, não praticareis os atos a que ele dá lugar, sereis ramos secos. Do amor a Deus nascem a submissão, a resignação, a esperança. Praticá-lo consiste em obedecer às leis divinas.
Do amor ao próximo, como a si mesmo, nasce a caridade, sem a qual não fareis boas obras.
A caridade está no socorro que deveis prestar aos vossos irmãos pela vossa inteligência, pelo vosso coração, pela vossa mão direita, deixando esta a outra na ignorância do que fez.
Sede brandos e humildes, para serdes caridosos, pois que o orgulho afastará de vós o "pobre", tornando-lhe penoso, qualquer que seja a sua pobreza, o auxílio material, moral ou intelectual, que lhe dispensardes.
Sede brandos e humildes, para serdes caridosos, pois que a brandura e a humildade atraem 286
os mais inacessíveis, animam os mais tímidos, consolam os mais aflitos, purificam os mais gangrenosos. Não sejam, porém, somente dos lábios a vossa brandura e a vossa humildade, porque então já não sereis caridosos.
Quando socorrerdes o pobre a quem falte o pão, não lhe façais ver que dais do vosso supérfluo; não lhe deixeis perceber que cumpris um dever. Ao contrário, dizei-lhe: "Meu irmão, sou feliz por poder vir hoje em teu auxílio. Peço não me esqueças quando, por tua vez, me puderes socorrer."
Quando socorrerdes o pobre, cuja inteligência se ache mergulhada em trevas, não lhe deixeis perceber até onde chega a vossa luz. Não o ofusqueis, nem o humilheis. Dizei-lhe: "Meu irmão, bem pouco sei; mas estou pronto a te ensinar o que sei, se o ignorares. Faze outro tanto comigo, pois bem me podes recompensar do mesmo modo."
Quando socorrerdes o pobre que precisa de conforto para o seu coração, não lhe deixeis sentir que emprestais para que se vos pague no cêntuplo o que adiantastes. Dizei-lhe : "Amo-te, porque és filho de meu pai; amo-te, porque sofres. Tuas lágrimas me fazem chorar, tuas dores me mortificam. Ama-me como te amo. Faze que eu em ti encontre o eco do que em mim vibra, porquanto só no amor acharemos a coragem e a força de caminhar para Aquele que é todo amor. À volta dele e nele está a fonte do amor, que mana em jorros inumeráveis, a nos inundar da sua frescura. Se me amas, sou feliz de te amar."
Nunca deixeis que os vossos inferiores, sejam de que natureza forem, percebam que tendes consciência da vossa superioridade. Nunca lhes deixeis compreender que dais justo valor ao serviço que lhes prestais, ao amor que lhes dedicais, porque esse serviço lhes pesaria e esse amor os chocaria. 287
Amar a Deus acima de tudo é submeter-se a todas as suas leis, que todas se resumem na do amor; é amar o próximo como a si mesmo.
Amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento, de todas as forças, é amá-lo de todo o pensamento, é amá-lo acima de tudo e amar a todas as coisas por amor dele.
Chamamos a vossa atenção para as palavras que Jesus dirigiu ao doutor da lei e para a resposta deste, resposta que o Mestre sancionou, proclamando-lhe a sabedoria nestes termos: Não estás longe do reino de Deus.
Sim, não está longe do reino de Deus, isto é, está em via dos rápidos progressos que conduzem à perfeição moral aquele que crê que o Senhor Deus de Israel é o único Deus, que um só Deus existe, uno, indivisível, que nenhum outro além dele há. Não está longe do reino de Deus aquele que o ama acima de tudo e ama o próximo como a si mesmo; aquele que compreende que esse duplo amor vale muito mais do que todos os holocaustos, todos os sacrifícios. Esse não está longe do reino de Deus, porque é adorador do pai em espírito e verdade, visto que ama a todos os homens como sendo todos irmãos seus e procede para com todos como irmão deles, abstração feita dos cultos exteriores. É adorador do pai em espírito e verdade, porque pratica aqueles dois mandamentos, reconhecendo que neles estão toda a lei e os profetas, que eles constituem, portanto, integralmente, a lei divina em seu princípio e suas conseqüências, a única e verdadeira religião de Deus, a religião universal que há de levar a Humanidade à unidade e, pois, à realização de seus destinos, pela solidariedade na fraternidade.
Amar a Deus acima de tudo e o próximo como a si mesmo é coisa de muito maior valia do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios. Em qualquer época, no tempo dos Hebreus, como 288
depois e nos vossos dias, as exterioridades do culto, seja este qual for, nada valem perante Deus. As obras tudo são.
Nesses dois mandamentos se contêm toda a lei e os profetas. Praticando-os, material, como intelectual e moralmente, o homem é levado ao cumprimento de todos os seus deveres no seio da grande família humana, debaixo de todos os pontos de vista, social, familiar e individual.
Faze isso e viverás. As obras levam prontamente à vida eterna, a essa vida em que o Espírito, caminhando nas vias da perfeição moral, não mais sofre a morte, libertado que está dos laços da matéria, das constrições da carne.
Citando estas palavras do Deuteronômio, cap. VI, v. 4: "Ouve, Israel: o Senhor teu Deus é o único Deus" e dizendo ao doutor da lei: Respondeste sabiamente — e não estás longe do reino de Deus, Jesus sancionava o que o doutor acabara de dizer, isto é, que, "na verdade, não há senão um só Deus, que outro não há além dele".
Desse modo Jesus recusava, se eximia de toda divindade como Cristo, proclamando, para base do Cristianismo, que Deus é uno, indivisível, conforme já o proclamara Moisés para Israel.
Sim, Jesus nunca pretendeu divinizar-se. Notai que por nenhuma de suas palavras ele jamais conferiu a si mesmo o título de Deus, ao passo que elas muitas vezes se referem a um Deus único, como, por exemplo, quando declarou que seu pai era maior do que ele e quando, dirigindo-se a Deus por estas últimas e solenes palavras proferidas pouco antes da hora do sacrifício, disse: "Tu, meu pai, que és o único Deus verdadeiro!" (João, VIII, v. 3.)
As necessidades da época, temo-lo dito, exigiam que esta questão ficasse como ficou, até ao momento em que as inteligências se achassem bastante desenvolvidas para aceitarem os misté- 289
rios da missão de Jesus e bastante humildes para não exigirem que o próprio Deus se houvesse abaixado até aos homens, a fim de lhes resgatar as faltas. 290
LUCAS, Cap. X, vv. 29-37
Parábola do Samaritano
V. 29. O doutor da lei, porém, querendo parecer justo, perguntou a Jesus: E quem é o meu próximo? — 30. Jesus, tomando a palavra, lhe disse: Um homem, que descia de Jerusalém para Jericó, caiu nas mãos de salteadores, que o despojaram, o espancaram e se foram, deixando-o semimorto. — 31. Aconteceu que pelo mesmo caminho desceu um sacerdote, que o viu e passou de largo. — 32. Do mesmo modo, um levita, que também foi ter àquele lugar, viu o homem e igualmente passou de largo. — 33. Um samaritano, porém, seguindo o seu caminho, veio onde estava o homem e ao vê-lo se encheu de compaixão. — 34. Aproximou-se dele, pensou-lhe as feridas, deitando nelas óleo e vinho, colocou-o sobre a sua alimária e o levou para uma hospedaria, onde cuidou dele. — 35. No dia seguinte, tirou dois denários e os deu ao hospedeiro, dizendo: Trata desse homem; na minha volta te pagarei tudo quanto despenderes a mais. — 36. Qual dos três te parece que tenha sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? — 37. Respondeu o doutor da lei: O que para com ele usou de misericórdia. Pois vai, disse-lhe Jesus, e faze o mesmo.
N. 262. Deus olha igualmente, com paternal carinho, para todos os seus filhos, quaisquer que sejam a pátria onde nasceram, o idioma que falem, o culto que professem.
Homens, todos vós sois irmãos. Praticai, pois, a caridade uns com os outros, a caridade do espírito e do coração, a caridade por atos.
Não repilais a nenhum dos vossos irmãos, por valerem suas ações menos do que as vossas. Não condeneis nunca, nunca, ouvi bem, porque então faríeis como os fariseus, os levitas, os principais Judeus. 291
Imitai o bom Samaritano. Socorrei a todos os que de socorro precisarem, sem inquirirdes das causas de suas quedas, sem indagardes se podem caminhar direito, quando os houverdes levantado. Começai por socorrê-los. Depois, se vos repelirem, afastai-vos, mas conservando-vos sempre prontos a vir de novo em socorro deles, sem agastamento, sem idéias preconcebidas. Não vos limiteis a providenciar para que o ferido seja tratado: tratai-o vós mesmos, primeiramente como o permitirem os meios de que dispuserdes, na medida das vossas forças, dos vossos sentimentos, da vossa inteligência. E logo que as vossas ocupações o consentirem, voltai a tratá-lo pessoalmente. Se o pobrezinho recair, ainda que por culpa sua, demonstrai-lhe tanta doçura, tanta paciência, tanta boa-vontade, que ele não tema confiar-se aos vossos cuidados. Assim fazendo, dar-lhe-eis firmeza aos passos hesitantes, força ao cérebro enfraquecido, calor e vida ao coração paralisado.
Estudai atentamente a parábola do bom Samaritano, porquanto, quaisquer que sejam os ensinamentos tirados desse exemplo que Jesus vos ofereceu e os comentários sobre ele feitos, sempre achareis aí o que aprender, o que meditar. Tratai de apreendê-lo e de o pôr em prática.
Duplo fim teve Jesus com essa parábola, em que figurou o Samaritano, que era, ao ver dos Judeus, o herético, o infiel, o repelido, o réprobo, a praticar a caridade, e em que apresentou, faltos de caridade, o sacerdote, o levita, os ortodoxos, terminando por dizer ao doutor da lei: "Vai e faze o mesmo". Quis, primeiramente, mostrar aos homens que, sejam eles quais forem, são todos irmãos; que o orgulho é causa de queda, por tornar cega a criatura com relação aos seus deveres; que, perante Deus, não há heréticos, nem ortodoxos; que a única via de salvação é a caridade. Quis proscrever e reprovar, para aquele momento e para sempre, o dogmatismo e a intolerância que deri- 292
vam da diversidade e do antagonismo de crenças e de cultos externos; proclamar que a fé sem obras nada vale, que a fé, aos olhos de Deus, não está em dogmas humanos, frutos exclusivos das orgulhosas interpretações dos homens, mas sim toda na caridade, que implica a prática da justiça, do amor, da misericórdia. Em segundo lugar, objetivou condenar, de antemão, esta máxima da Igreja Romana: Fora da Igreja não há salvação e, condenando-a, consagrar, como única verdadeira, esta: Fora da caridade não há salvação.
Efetivamente, não há salvação fora da caridade que se exerça e pratique por amor a Deus acima de tudo e por amor ao próximo como a si mesmo, seja quem for o próximo: conhecido ou desconhecido, amigo ou inimigo. Não disse ele: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos perseguem ou vos caluniam? 293
LUCAS, Cap. X, vv. 38-42
Jesus em casa de Marta. — Ninguém deve preocupar-se demasiado com as necessidades do corpo. Dever de se aliarem os cuidados do corpo aos que o Espírito reclama. — O alimento espiritual jamais se deteriora
V. 38. E aconteceu que Jesus, tendo-se posto a caminho com seus discípulos, entrou numa aldeia; e uma mulher de nome Marta o recebeu em sua casa. — 39. Tinha ela uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés do Senhor, lhe escutava a palavra. — 40. Marta, que muito atarefada andava no arranjo da casa, parando diante de Jesus lhe disse: Senhor, não se te dá que minha irmã me deixe só a servir? Dize-lhe que me ajude. — 41. O Senhor, porém, respondeu: Marta, Marta, tu te azafamas e perturbas a cuidar de muitas coisas. — 42. Entretanto, uma só é necessária. Maria escolheu a parte melhor, que lhe não seria tirada.
N. 263. Em conseqüência de os terem os homens falsamente interpretado segundo a letra, estes versículos hão servido para autorizar a vida religiosa, com exclusão de todos os cuidados materiais. Esse não foi o pensamento do Mestre. Marta se preocupava mais do que devia com os cuidados do corpo, esquecida de que só o necessário bastaria.
De condição modesta, queria oferecer a Jesus uma hospedagem magnífica. Foi por isso que o Mestre a repreendeu.
O homem tem o dever de velar pela conservação do seu ser. É essa uma lei absoluta, que não lhe é dado abrogar. Mas, não lhe assiste o direito de sacrificar ao supérfluo os cuidados que o Espírito requer.
Jesus disse: "Nem só de pão vive o homem." Sabei, portanto, aliar o cuidado de que necessita 294
o vosso corpo aos que o vosso Espírito reclama. Uns e outros podem emparelhar, sem prejuízo algum, desde que sejam atendidos com critério. A Maria a primeira idéia que acudira foi, naturalmente, a de aproveitar os ensinamentos de Jesus. Quando duas necessidades se vos fazem sentir, não tratais de atender antes de tudo à mais premente?
Nada de exclusivismos, nem num caso, nem no outro.
"Maria, disse Jesus, escolheu a parte melhor, que lhe não será tirada". É que o alimento espiritual jamais se perde. Esse alimento é um grão cujas raízes se prolongam sempre.
Para Maria, como para todos, naquele momento, Jesus trazia um corpo material qual os vossos e não tinha os gostos e as necessidades humanas, contentando-se com pouco. Porque havia ela de se preocupar com inúteis cuidados materiais?
Jesus, como sabeis, só fazia refeições diante dos homens, e isso mesmo na aparência apenas e não na realidade, quando precisava dar uma lição ou exemplo. 295
MATEUS, Cap. XXII, vv. 41-46. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 35-37. — LUCAS, Cap. XX, vv, 41-44
O Cristo, Senhor de David
MATEUS: V. 41. Como estivessem os fariseus reunidos, Jesus lhes perguntou: — 42. Que vos parece do Cristo? De quem é ele filho? Responderam-lhe os fariseus: De David. — 43. Replicou-lhes Jesus: Como é, então, que David, em Espírito, lhe chama seu Senhor, dizendo: — 44. Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu tenha reduzido teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés? — 45. Ora, se David lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho? — 46. Ninguém lhe pôde responder palavra, nem mais ousou alguém, desde aquele dia, interrogá-lo.
MARCOS: V. 35. Ensinando no templo, disse Jesus: Como dizem os escribas que o Cristo é filho de David? — 36. Pois o próprio David não disse, inspirado PELO Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza teus inimigos a escabelo de teus pés? — 37. Ora, se David lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho? Grande multidão se comprazia em ouvi-lo.
LUCAS: V. 41. Mas Jesus lhes perguntou: Como dizem que o Cristo é filho de David, — 42, quando o próprio David diz no livro dos Salmos: Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita, — 43, até que eu reduza teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés? — 44. Ora, se David lhe chama seu Senhor, como é ele seu filho?
N. 264. Fazendo essa observação, tinha Jesus por fim: 1º dar a ver aos homens que nenhum laço carnal o unia a David, nem, portanto, à sua descendência; que não pertencia à Humanidade; 2º mostrar a distância que havia entre o Espírito de David e o do Cristo de Deus. 296
Quaisquer que fossem a humildade, a doçura, o desprendimento de Jesus, não vos deveis esquecer da sua origem. Ele é o vosso Senhor e também o nosso. É o filho de Deus, não, porém, do ponto de vista de que vós outros, cristãos, o considerastes, isto é, como sendo o próprio Deus. Ele é uma das suas criaturas, filho do Altíssimo, filho de Deus e irmão dos homens, como qualquer Espírito criado. É vosso irmão, mas puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada e, como tal, vosso Senhor, vosso Mestre. (1)
A questão que Jesus propôs aos fariseus e à qual ninguém pôde responder, só a nova revelação a resolveria plenamente, porque só ela daria a conhecer aos homens, em espírito e em verdade, a natureza e a origem do Cristo, sua missão, sua autoridade, seus poderes com relação ao vosso planeta e à humanidade terrestre, o modo e as condições em que se verificou o seu aparecimento na Terra para dar cumprimento à sua missão terrena.
Estas palavras alegóricas: “Disse o Senhor a meu Senhor: Senta-te à minha direita até que eu reduza todos os teus inimigos a te servirem de escabelo para os pés, isto é, até que se haja completado a obra de regeneração”, diziam respeito, veladamente, à missão de Jesus que, com relação ao vosso planeta, ocupa a direita do Pai, por ser, como é, o encarregado do progresso da Terra, o Espírito que a protege e governa no tocante à sua depuração e à sua transformação física, e bem assim no tocante à depuração e à transformação física, moral e intelectual da sua Humanidade.
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(1) Ver o que foi explicado a este respeito no 1º. Volume, ns. 55 e seguintes. 297
MATEUS, Cap. XXIII, vv. 1-7. — MARCOS, Capítulo XII, vv. 38-40. — LUCAS, Cap. XX, vv. 45-47
Orgulho e hipocrisia dos escribas e dos fariseus. — Ouvi-los, porém não os imitar
MATEUS: V. 1. Falou então Jesus ao povo e a seus discípulos, — 2, dizendo: Na cadeira de Moisés se sentaram os escribas e os fariseus. — 3. Observai e fazei, pois, o que eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras, porquanto dizem, mas não fazem. — 4. Atam pesados e insuportáveis fardos e os colocam sobre os ombros dos homens e no entanto nem ao menos com o dedo os querem tocar. — 5. Todas as suas ações eles as praticam para serem vistos pelos homens; daí o alargarem seus filactérios e alongarem suas franjas. — 6. Querem os primeiros lugares nos banquetes e os primeiros assentos nas sinagogas. — 7. Gostam de que os saúdem nas praças públicas e de que os homens lhes chamem mestres.
MARCOS: V. 38. E lhes dizia, segundo o seu modo de ensinar: Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com amplas vestes e de ser saudados nas praças públicas; — 39, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; — 40, que devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Com mais rigor serão eles julgados.
LUCAS: V. 45. Diante de todo o povo que o ouvia, disse ele a seus discípulos: — 46. Guardai-vos dos escribas, que querem andar com longas vestes, que gostam de ser saudados nas praças públicas, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes; — 47, que devoram as casas das viúvas, simulando longas orações. Maior condenação receberão eles. 298
N. 265. Em todos os tempos, houve sempre doutores que pregam e ensinam, mas não praticam a moral que preconizam. Aí está o escolho.
A semente que dessa forma lançam pode cair em bom terreno e produzir. Mas, também amiúde se perde, porquanto o exemplo constitui o melhor ensinamento.
Poderá o discípulo que preparardes queixar-se da severidade dos costumes que lhe impondes, se a observar nos vossos? Se vos vir indulgente para com os outros, deixará ele de compreender a indulgência? Se lhe fizerdes ver como se pratica a caridade, não será mais pronto em se mostrar caridoso? Não amará a seus irmãos, se com ele praticardes o amor?
Entretanto, não desanime aquele que prega e não pratica. Trate de aplicar a si mesmo o que ensina por palavras e chegará a exemplificar os seus preceitos. E, assim, mais facilmente atrairá as massas, pois que nada é tão eloqüente quanto o exemplo.
Não imiteis os escribas e fariseus orgulhosos. Tornai leve o fardo dos vossos irmãos, mostrando-lhes, por vós mesmos, como se pode carregá-lo sem fadiga.
Dar-se-á que o Cristianismo, mas sobretudo o Catolicismo não haja produzido os frutos evangélicos, que deviam produzir, porque, tanto no passado, como no presente, estas palavras do Mestre: "Observai e fazei o que vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras, porquanto dizem, mas não fazem" se tornaram freqüentemente aplicáveis aos que hão pregado e ensinado a sua moral, aos escribas e fariseus que lhe tomaram a cadeira, como aos escribas e fariseus que pregavam e ensinavam sentados na cadeira de Moisés?
Sim, de certo. É que mais fácil é falar do que obrar. 299
MATEUS, Cap. XXIII, vv. 8-12
Nenhum homem deve desejar ou aceitar o título ou o apelido de mestre. — Deus, único pai. O Cristo, único doutor, único mestre. Os homens, irmãos todos
V. 8. Não queirais vós, porém, ser chamados mestres, porquanto um ÚNICO mestre tendes e todos sois irmãos. — 9. A ninguém na terra chameis vosso pai, porquanto um ÚNICO pai tendes, que está nos céus. — 10. Nem vos deis o título de doutores, porquanto não tendes mais que um só doutor e um só mestre — o Cristo. — 11. Aquele que é o maior entre vós será vosso servo; — 12, porquanto,. o que se exaltar será humilhado e o que se humilhar será exaltado.
N. 266. Este ensino, que Jesus deu a seus discípulos e a todos os homens, assim se resume: Humildade, fraternidade.
Ele interdizia a todos os homens daquela época e do futuro o uso do título de pai, que só cabe a Deus, e bem assim o de mestre, que só compete ao Cristo, como protetor e governador do vosso planeta, o único, como tal, encarregado dos vossos destinos. Só por orgulho e farisaísmo pode o homem, como fazia outrora, usurpar ainda aqueles títulos.
Não vos deixeis empolgar pelo orgulho; não procureis colocar-vos acima de vossos irmãos, fazendo-lhes sentir a vossa superioridade; nunca incenseis inconsideradamente aqueles que julgardes mais elevados do que vós, porquanto, se os colocais acima do lugar que lhes compete, fareis nascer neles o orgulho, com as suas desastrosas conseqüências, do mesmo modo que o despertareis em vós, se vos elevardes. 300
Também nunca vos rebaixeis, nem vos humilheis diante dos vossos irmãos, pois que só a Deus deveis o vosso incenso e a vossa admiração. Fazei justiça, com sinceridade, a quem justiça for devida, mas que nenhum sentimento de abjeta servilidade vos penetre, pois que o vosso orgulho se revoltaria no fundo do vosso coração e faríeis nascer o orgulho no do vosso irmão.
Não esqueçais que quem se tem em alta estima torna-se desprezível, pois a estima de si mesmo é considerada como exagerada apreciação do valor próprio, tendência que todos os encarnados descuidosamente deixam se lhes desenvolva no íntimo e que os arrasta a uma dupla falta: a de se orgulharem do mérito que julgam ter e a de votarem desprezo aos outros, considerando-os inferiores a si. Esse desprezo muitas vezes se disfarça com as aparências da bonomia, da condescendência, da proteção, mas nem por isso deixa de ser o que é. Tal sentimento se reflete sobre os que o aninham. Descei todos ao fundo das vossas consciências e lá encontrareis esse fermento que queremos destruir. Tão difícil é para o homem uma justa apreciação de si mesmo, que nenhum de vós poderá julgar-se capaz de fazê-la. Conseguintemente, nunca vos acrediteis mais dedicado, nem mais caridoso, nem mais probo, nem mais sábio, nem mais apto do que este ou aquele, ou do que o conjunto dos vossos semelhantes, porque, se lhes levais vantagem por qualquer daquelas qualidades, dar-se pode que, com relação a outras, vos acheis muito abaixo deles.
A justa apreciação de si mesmo deve sempre dar ao homem criterioso a convicção de que lhe cumpre trabalhar por destruir em si o que é mau, por cultivar o que é bom, por adquirir o melhor. Não olvideis que aquele que se eleva está perto de cair. Não tenteis, pois, o vosso próximo, provocando nele os ímpetos do orgulho, que poderiam 301
perdê-lo. Sede eqüitativos, mas nunca sejais lisonjeadores.
Aquele que for o maior entre vós será vosso servo. Se o orgulho o dominar, ele virá a ser vosso servo quando, ao recomeçar a sua prova, tiver que se humilhar.
Aquele que se exalta será humilhado e aquele que se humilha será exaltado. Aquele que tenta elevar-se acima dos outros, fazer sentir a sua superioridade, é sempre impelido por um sentimento de orgulho. No dia da retribuição, terá que o expiar, do mesmo modo que o humilde de coração (mas não apenas de lábios) terá que receber a sua recompensa. 302
MATEUS, Cap. XXIII, vv. 13-22
Escribas e fariseus hipócritas
V. 13. Mas, ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que fechais aos homens o reino dos céus, pois nem entrais nem deixais que entrem os que desejam entrar. — 14. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que, com as vossas longas orações, devorais as casas das viúvas: mais rigoroso será por isso o vosso julgamento. — 15. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito e que, depois de o terdes feito, o tornais duplamente mais merecedor da geena do que vós. — 16. Ai de vós, guias cegos que dizeis: Jurar um homem pelo templo nada é, mas aquele que jurar pelo ouro do templo fica obrigado a cumprir o seu juramento. — 17. Estultos e cegos! qual o que vale mais: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro? — 18. Jurar pelo altar, dizeis, nada é, mas aquele que jurar pela oferenda que está sobre o altar fica obrigado a cumprir o seu juramento. — 19. Cegos! que é o que mais vale: a oferenda, ou o altar que santifica a oferenda? — 20. Quem, pois, jura pelo altar jura por este e por tudo o que sobre ele está; — 21, quem jura pelo templo jura por este e por aquele que o habita; — 22, quem jura pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está assentado.
N. 267. Ai dos que, afastando-se da senda traçada pelo Justo, dela desviam os que se esforçam por trilhá-la, a fim de os induzir aos erros que propagam.
Ai dos que se abrigam por detrás de uma fé que não têm, a fim de abusarem da credulidade dos homens e desta se aproveitarem para a consecução de seus fins!
Ai dos que, aparentando ter fé, arrastam para suas veredas e fazem cair nos seus desregramentos os que delas se conservavam afastados. 303
Ai dos pérfidos e dos hipócritas, que mercadejam com as suas orações e vendem as graças do Senhor, assim como a entrada na morada divina!
Ai deles, pois verão quão falsos eram seus caminhos e sentirão quão criminosos eles próprios foram. O remorso e a expiação lhes virão curvar as frontes orgulhosas e dobrar os joelhos inteiriçados!
Cegos guias de cegos, que emaranhais os homens numa teia inextricável de puerilidades culposas, bem sabeis, ó guias de Israel, guias das ovelhas do pastor, bem sabeis que as leis mesquinhas e arbitrárias que decretais são cadeias pesadas que tolhem os passos daqueles que devíeis fazer avançar, que os detêm na sua marcha. E vós outros, cegos também, e que, no entanto, para verdes a luz bastaria abrísseis os olhos, porque vos submeteis a um jugo que a razão repele?
Não jureis, oh! não jureis, raça fraca, nem pelo altar, nem pelo templo, nem pelo céu. Não jureis, que não tendes forças para cumprir os vossos juramentos. Sejam simples as vossas palavras. Dizei apenas : Sim, sim; não, não. Os sentimentos verdadeiros não precisam de palavras fortes para se exprimirem. A simplicidade é companheira da verdade.
Não jureis, não façais juramento e não exijais que vossos irmãos jurem. Sabeis se eles poderão cumprir o que juraram? Sede simples nas vossas palavras como nos vossos atos. Tende por vossa garantia, assim diante dos homens, como diante de Deus: — a pureza do coração. 304
MATEUS, Cap. XXIII, vv. 23-39. — LUCAS, Cap. XI, vv. 37-54 e Cap. XIII, vv. 31-35
Doutores hipócritas que têm o coração viciado e enganam os homens pelos atos exteriores, que os afastam da luz e da verdade
MATEUS: V. 23. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e não vos importais com o que há de mais importante na lei: a justiça, a misericórdia e a fé, coisas estas que devíeis praticar sem omitir as outras. — 24. Guias cegos, que coais um mosquito e engulis um camelo! — 25. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que limpais por fora o copo e o prato e que, entretanto, estais por dentro cheios de rapina e de imundicias! — 26. Fariseus cegos, limpai primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo. 27. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que vos assemelhais a sepulcros caiados, que por fora parecem belos aos homens, mas que por dentro estão cheios de ossadas e podridões! — 28. Assim também vós: exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. — 29. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que erigis túmulos aos profetas, que adornais os monumentos dos justos e dizeis: — 30. Se vivêramos nos dias de nossos pais, não os teríamos acompanhado no derramamento do sangue dos profetas. — 31. Testificais, assim, contra vós mesmos, que sois filhos daqueles que mataram os profetas. — 32. Enchei, pois, a medida de vossos pais. — 33. Serpentes, raça de víboras! Como podereis escapar da condenação à geena? — 34. Eis porque vos vou enviar profetas, sábios e escribas que a uns matareis e crucificareis e a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade. — 35. É para que sobre vós venha todo o sangue inocente que há sido derramado na terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre 305
o templo e o altar. — 36. Em verdade vos digo que tudo isto virá cair sobre esta geração. — 37. Ah! Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes tenho querido reunir teus filhos, como a galinha reúne debaixo das asas os seus pintos, e não quiseste! — 38. Eis que deserta vos será deixada a casa. — 39. Porque, eu vos declaro que desde agora não mais me vereis, até que digais: Bendito seja o que vem em nome do Senhor.
LUCAS: XI, v. 37. E estando a falar, um fariseu o convidou para jantar. Ele lhe entrou em casa e tomou lugar à. mesa. — 38. Começou então o fariseu a dizer de si para si : Porque não se lavou ele antes de comer? — 39. Disse-lhe então o Senhor: Vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso intimo está cheio de rapina e de iniqüidade. — 40. Insensatos! aquele que fez o que está por fora não fez também o que está por dentro? — 41. Entretanto, dai de esmola o que tendes e eis que todas as coisas se vos tornarão limpas. — 42. Mas, ai de vós fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda, de todas as ervas e desprezais a justiça e o amor de Deus! Estas coisas, porém, é que devíeis primeiro praticar, sem omitirdes as outras. — 43. Ai de vós, fariseus! que gostais das primeiras cadeiras nas sinagogas e de que vos saúdem nas praças públicas. — 44. Ai de vós, que sois como os sepulcros que não aparecem e por sobre os quais andam os homens sem o saberem. — 45. Observou-lhe então um dos doutores da lei: Mestre, falando assim, também a nós outros nos afrontas! — 46. Respondeu Jesus: Ai, também de vós, doutores da lei, que carregais os homens de fardos que eles não podem suportar e nos quais não tocais sequer com a ponta do dedo. — 47. Ai de vós, que erigis túmulos aos profetas, quando foram vossos pais que os mataram. — 48. Certo, dais assim testemunho de que concordais com as obras de vossos pais, pois que estes os mataram e vós lhes construís os túmulos. — 49. Por isso mesmo disse a sabedoria de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos e a uns eles matarão e a outros perseguirão, — 50, para que a esta geração se peça conta do sangue de todos os profetas, derramado desde o 306
princípio do mundo, — 51, desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo. Sim, eu vos declaro que a esta geração contas serão pedidas. — 52. Ai de vós, doutores da lei, que vos apoderastes da chave da ciência e que não entrastes e impedistes a entrada aos que queriam entrar. — 53. Como desta maneira lhes falasse, começaram os fariseus e os doutores da lei a insistir fortemente com ele, importunando-o com perguntas sobre muitos assuntos, — 54, armando-lhe assim ciladas com o fim de nalguma de suas palavras acharem motivo para o acusar.
LUCAS : XIII, v. 31. Naquele mesmo dia, alguns fariseus lhe vieram dizer: Retira-te, vai-te daqui, porque Herodes te quer matar. — 32. Respondeu-lhes Jesus: Ide dizer a essa raposa que hoje e amanhã ainda tenho que expulsar os demônios e curar os enfermos e que no terceiro dia serei consumado. — 33. Todavia, cumpre que eu caminhe ainda hoje, amanhã depois de amanhã, porque não convém que uni profeta morra fora de Jerusalém. — 34. Jerusalém! Jerusalém! que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis reunir teus filhos como a galinha reúne debaixo das asas os seus pintos não quiseste! — 35. Eis que deserta vos será deixada a vossa casa. E eu vos digo em verdade que não mais me vereis até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor!
N. 268. (MATEUS, v. 23; LUCAS, XI, v. 42.) "Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, da arruda de todas as ervas e que omitis, negligenciais o que há de mais importante na lei: a justiça e o amor de Deus, a misericórdia e a fé; coisas estas de que devíeis cuidar primeiro, sem omitirdes as outras."
Tratai de bem compreender o valor destas palavras de Jesus, vós que vendeis as orações, vós que as comprais, vós que fazeis doações às igrejas e aos conventos, pensando que assim resgatais vossas faltas e pagais a Deus a sua justiça. Compreendei-as bem, pois que fazeis como os escribas e 307
os fariseus hipócritas, limitando-vos à prática de atos exteriores, prosternando-vos diante dos vossos altares, curvando as frontes com aparente humildade, mas conservando os corações cheios de fel, de orgulho, de inveja, e confiando no número das orações que murmurastes distraidamente, no das genuflexões que executastes, no das esmolas que deitastes nos mealheiros das igrejas, sem atentardes em que esses números se apagam à menor falta de caridade que os vossos corações denotem.
Não vos curveis tantas vezes nos templos, mas curvai-vos, uma vez por outra, sobre o desgraçado que encontrardes caído, para o levantardes. Não vos ajoelheis tantas vezes no chão dos vossos templos, porém, elevai com mais fé, reconhecimento e amor os vossos corações ao Senhor. Não lanceis no tesouro do templo, com tanta ostentação, o dízimo das plantas inúteis que cultivais, mas, antes, abri mão, ocultamente, do dinheiro da viúva, do órfão, do pobre.
Entretanto, não vos isenteis dos deveres que os vossos cultos impõem, porquanto ainda agora, como ao tempo dos Hebreus e até que estejais bastante adiantados moral e intelectualmente, bastante purificados para não mais adorardes o pai no monte ou em Jerusalém, para serdes adoradores do pai em espírito e verdade, é necessário que tenhais um freio. Fazei, porém, de modo que o cumprimento de tais deveres seja uma homenagem sincera, sinceramente prestada ao grande Ser que reina sobre o Universo e não a marcha monótona e regular da máquina que funciona, porque tem que funcionar. Não vos limiteis às práticas exteriores dos vossos cultos, omitindo, negligenciando a adoração verdadeira e a caridade do coração e dos atos, as quais, quando praticadas, constituem o amor a Deus, a justiça, a misericórdia e a fé.
(Mateus, vv. 24-28; Lucas, XI, vv. 38-41, 43 e 52.) As palavras de Jesus constantes destes versículos também abrangiam, de acordo com o seu 308
pensamento, a época em que eram proferidas e o futuro, sendo ainda aplicáveis aos tempos atuais. Ai dos que, limitando-se aos atos exteriores da fé, cobrindo-se com manto de hipocrisia, não praticam as virtudes que pregam aos outros. Ai deles, pois que se condenam a si mesmos, por suas próprias bocas se acusam perante o Senhor!
Ai dos que fazem para si uma capa de boas obras fementidas, que a tanto equivalem as boas obras aparentes, com o fim exclusivo de as impor aos homens, e que, assim ocultando as iniqüidades que lhes pejam as consciências, atraem os outros e os enganam pelos semblantes que lhes apresentam.
Ai dos que, sabendo onde está a verdade, dela afastam seus irmãos, para que não se torne conhecida, para que suas iniqüidades não sejam, conseguintemente, patenteadas! Ai dos que, sabendo onde está a luz, a escondem, para que seus raios desapareçam e as deformidades de suas almas não sejam vistas por seus irmãos.
Ai dos que, tendo-se apoderado da chave da ciência, nela não penetraram e lhe vedam a entrada aos que desejariam entrar. Ai desses, porquanto os que conhecem a verdade têm que viver segundo os seus ensinamentos. Eles possuem a chave: se não entram no caminho que se lhes abre diante dos passos e desse caminho desviam os que lhes cumpria conduzir por ele, duplamente culpados se tornam.
Ai dos que, conhecendo a verdade, a velam ou mascaram, a fim de poderem mais facilmente encaminhar o homem para as sendas tenebrosas, por onde eles próprios enveredam. São aparentemente escrupulosos; são-no para suas consciências e para as de seus discípulos. No fundo, porém, a iniqüidade é que os impele. Incapazes de seguirem o caminho da verdade, afastam dele os que desejariam trilhá-lo, dizendo-lhes: "Segui-nos, só nós conhecemos o caminho mais seguro; quem não 309
nos acompanha os passos se perde." Oh ! ai deles, ai desses guias cegos de um rebanho de cegos! Terão que dar conta de todas as ovelhas que houverem perdido, de todas as que hajam impedido de salvar-se! Ai dos que ocultam a luz! Sua claridade viva os cegará!
Ai dos hipócritas, dos falsários, dos velhacos, que ensinam como verdades o que sabem ser erros, que abrem estradas tenebrosas pelas quais não quereriam aventurar-se, no sentido de que não abrigam em seus corações os princípios que impõem aos outros. Ai deles, porque se condenam por si mesmos diante do Senhor! Põem sobre os ombros de seus irmãos um fardo pesado e não consentem em suportar o menor embaraço. Mentem aos homens, mas não podem mentir ao Senhor. E o Senhor lhes pedirá severas contas de suas ações desde o começo dos séculos, desde o começo de suas iniqüidades.
(Mateus, vv. 29-39; Lucas, XI, vv. 47-51; e XIII, vv. 31-35.) Dizendo o que consta destes versículos, aludia Jesus à morte e às perseguições que os profetas tinham sofrido, ao sacrifício que breve se consumaria no Gólgota, às perseguições, ao martírio e à morte que os apóstolos, os discípulos, os primeiros cristãos viriam a sofrer, aos esforços que ele fizera para reunir as ovelhas em torno do cajado do bom pastor, à destruição de Jerusalém, à dispersão dos Judeus e, finalmente, à época alegórica do fim do mundo, isto é, à época em que, operada pela depuração e transformação do vosso planeta e da humanidade terrena a regeneração desta, vindo o vosso protetor, governador e mestre em toda a sua glória, os homens (Judeus e Gentios), regenerados, clamarão, num brado uníssono de amor, como outrora a multidão que o acompanhava à sua entrada na cidade santa: Bendito o que vem em nome do Senhor.
Chamamos a vossa atenção muito especialmente para estas palavras do Mestre: 310
MATEUS, vv. 35 e 36: É para que sobre vós venha todo o sangue inocente que há sido derramado na terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o templo e o altar. EM VERDADE VOS digo que tudo isto virá sobre esta geração. — LUCAS, XI, vv. 50 e 51: Para que a esta geração se peça conta do sangue de todos os profetas, derramado desde o principio do mundo, desde o sangue de Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo. Sim, eu vos declaro que a esta geração contas serão pedidas.
Estas palavras, no seu sentido oculto, se referem à reencarnação. Deus é infinitamente justo para não punir nos descendentes as faltas dos ascendentes, se aqueles não foram cúmplices destes. Jesus, pois, falava assim porque os que haviam matado os profetas ali estavam na sua presença, dispostos a derramar, segundo o modo de ver dos homens, o sangue do Cristo. Eles teriam, portanto, que prestar contas de todo o sangue que anteriormente haviam derramado e de todo o que ainda derramariam. Mistérios são estes da reencarnação, única chave que nos permite penetrar o sentido das palavras do Mestre e harmonizar a justiça do Senhor com a sua bondade. Se souberdes procurar, encontrareis sempre, nos ensinamentos de Jesus, dominando-os, esse pensamento, pronto a ser desvendado logo que o momento chegasse.
O sangue que os Hebreus derramaram corria sempre, vindo a cair, por meio da reencarnação, sobre a cabeça de seus descendentes segundo a carne, mas efetivamente sobre a cabeça dos que o tinham vertido em suas existências anteriores, até que ficassem purificados pelo fogo.
Não tomeis aqui esta palavra no seu sentido literal, mas sim na sua significação simbólica, a de que o fogo tudo purifica. O fogo era considerado como o princípio purificador, como o agente 311
destinado a fazer subir aos pés do eterno os perfumes do incenso e o ardor dos sacrifícios. Essa a razão por que a todo o instante se fala do fogo para purificar os pecadores. Trata-se do fogo moral dos remorsos, da expiação, que leva o Espírito culpado ao arrependimento e ao desejo de reparar suas faltas, à purificação pela reparação e pelo progresso. 312
18 Espécie de mealheiro, ou arca, onde, no templo, se deitavam as ofertas.
19 Moeda do valor aproximado de um centavo.
MARCOS, Cap. XII, vv. 41-44. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 1-4
O óbolo da viúva
MARCOS: V. 41. Tendo-se sentado defronte do gazofilácio18, observava Jesus como o povo deitava ali o dinheiro. Muitos dos que eram ricos deitavam grandes quantias. — 42. Veio, porém, uma viúva pobre que deitou apenas duas pequenas moedas, equivalentes a um quadrante19. — 43. Chamando então seus discípulos, Jesus lhes falou assim: Em verdade vos digo que esta pobre viúva mais deitou no gazofilácio do que todos os outros; — 44, porquanto, todos os outros deram do que lhes sobrava, ao passo que ela, da sua mesma indigência, deu tudo o que possuía, tudo o que tinha para seu sustento.
LUCAS: V. 1. Olhando, viu Jesus os ricos a lançarem suas dádivas no gazofilácio. — 2. Viu também uma viúva pobre deitar ali duas pequenas moedas. — 3. Disse então: Em verdade vos digo que esta pobre viúva deu mais do que todos os outros, — 4, porquanto, os outros fizeram a Deus a oferta do que lhes superabundava, ao passo que ela, da sua pobreza, deu tudo o que lhe restava para seu sustento.
N. 269. Estes versículos dispensam comentários. Facilmente compreensível é a lição que, por aquelas palavras, deu Jesus aos homens. Toda caridade é meritória, quando feita com desinteresse, sem orgulho, nem ostentação. Maior, porém, do que a do rico que dá do que tem em abundância, sem de nada se privar, é a dádiva daquele que dá o que lhe é indispensável a outro a quem 313
falta o necessário. Esse se acha mais adiantado na via da caridade do coração. Daí vem que o óbolo da viúva e do pobre pesam mais na balança de Deus do que o ouro do rico. 314
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 1-14. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 1-13. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 5-19
Respostas de Jesus à pergunta que lhe fizeram os discípulos acerca do seu advento e do fim do mundo, bem como sobre os sinais prenunciadores de uma e outra coisa. — Guerras. — Sedições. — Pestes. — Fomes. — Falsos profetas. — Afrouxamento da caridade. — Perseguições. — Assistência do Espírito Santo. — Língua e sabedoria dadas por Deus. — Paciência. — Perseverança
MATEUS: V. 1. Tendo saído do templo, Jesus se ia embora, quando dele se aproximaram os discípulos para lhe fazerem notar as edificações do templo. — 2. Disse-lhes ele então: Estais vendo tudo isto? Em verdade vos digo que aqui não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada. — 3. E estando sentado no monte das Oliveiras, os discípulos o cercaram e assim lhe falaram em segredo: Dize-nos quando sucederão estas coisas e qual será o sinal de tua vinda e do fim do mundo. — 4. Jesus respondeu: Vede que ninguém vos engane, — 5, pois que muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e a muitos enganarão. — 6. Haveis de ouvir falar de guerras e rumores de guerra. Vede bem, não vos turbeis, porquanto é necessário que assim aconteça, mas não será ainda o fim; — 7, pois, nação se levantará contra nação, reino contra reino, e haverá pestes, fomes terremotos em diversos lugares. — 8. Todas estas coisas, porém, são apenas o princípio das dores. — 9. Sereis então entregues à tribulação e vos matarão; todas as nações vos odiarão por causa do meu nome. — 10. Ao mesmo tempo muitos se hão de escandalizar e se trairão uns aos outros e uns aos outros se odiarão. — 11. Muitos falsos profetas se levantarão e seduzirão a muitos. — 12. E, porque abundará a iniqüidade, a caridade de muitos esfriará. — 13. Aquele, entretanto, que perseverar até ao fim, será salvo. — 14. E este Evangelho do reino será pre- 315
20 Estes donativos eram, entre outros, o painel de ouro que o Rei Ptolomeu ofereceu e a parreira de ouro oferecida por Herodes, o Grande. (N. do T.)
gado por todo o orbe para dar testemunho a todas as nações. Então virá o fim.
MARCOS : V. 1. Ao sair Jesus do templo, disse-lhe um de seus discípulos: Olha, Mestre, que pedras e que edifícios! — 2. Respondeu-lhe Jesus: Vês todos estes grandes edifícios? Serão de tal modo destruídos que. não ficará pedra sobre pedra. — 3. E como tivesse ido sentar-se no monte das Oliveiras, defronte do templo, Pedro, Tiago, João e André o interpelaram em particular, desta forma: — 4. Dize-nos quando acontecerão estas coisas e qual será o sinal de que estão prestes a cumprir-se? — 5. Entrou então Jesus a lhes dizer: Vede que ninguém vos seduza. — 6. Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu o Cristo e enganarão a muitos. — 7. Quando ouvirdes falar de guerras e de rumores de guerras, não vos perturbeis, pois é necessário que isso aconteça; mas ainda não será o fim. — 8. Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino; haverá por diversos lugares terremotos e fomes. Estas coisas serão apenas o começo das dores. — 9. Estai atentos, pois vos hão de entregar aos concílios e de açoitar nas sinagogas. Haveis de comparecer perante os reis e governadores por minha causa, para lhes dardes testemunho de mim. — 10. Mas é preciso que primeiro o Evangelho seja pregado a todas as nações. — 11. Quando vos conduzirem para vos entregarem, não premediteis o que haveis de dizer; dizei o que vos for inspirado no momento mesmo; porquanto, não sois vós quem fala e sim o Espírito Santo. — 12. Então o irmão entregará seu irmão à morte e o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra os pais e lhes darão a morte. — 13. Sereis odiados de todos por causa de meu nome. Mas aquele que perseverar até ao fim será salvo.
LUCAS: V. 5. Como alguns lhe falassem do templo, referindo-se às belas pedras e aos magníficos donativos20, que o ornavam, disse Jesus: — 6. Tempo virá em que isto que vedes será de tal modo 316
destruído que não ficará pedra sobre pedra. — 7. Perguntaram-lhe então: Mestre, quando sucederá isso e qual será o sinal de que essas coisas vão começar a cumprir-se? — 8. Ele respondeu: Vede que não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome dizendo: Sou eu o Cristo; e esse tempo se aproxima; guardai-vos de os seguir. — 9. Quando ouvirdes falar de guerras e sedições, não vos assusteis, porquanto cumpre que primeiro tais coisas sucedam, mas o fim não virá logo. — 10. E acrescentou: Levantar-se-á nação contra nação, reino contra reino; — 11, haverá grandes terremotos, pestes e fomes em diversos lugares; aparecerão coisas espantosas e no céu grandes prodígios. — 12. Antes, porém, de tudo isso, prender-vos-ão e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e metendo-vos nas prisões, levando-vos à presença de reis e governadores por causa do meu nome. — 13. Servirá isso para dardes testemunho da verdade. — 14. Gravai nos vossos corações que não tendes que premeditar do como respondereis; — 15, pois que vos darei uma boca e uma sabedoria a que os vossos inimigos não poderão resistir nem contradizer. — 16. Sereis entregues mesmo pelos vossos pais, irmãos, parentes e amigos e a alguns de vós morte será dada. — 17. Todos vos odiarão por causa do meu nome. — 18. Mas, nem um só cabelo das vossas cabeças se perderá. — 19. Pela vossa paciência possuireis vossas almas.
N. 270. (Mateus, vv. 1-2-3; Marcos, vv. 1-2-3-4; Lucas, vv. 5-6-7.) As palavras ditas por Jesus, respondendo a esta pergunta dos discípulos: Mestre, quando sucederão estas coisas e qual será o sinal da tua vinda e do fim do mundo? tiveram por escopo manter os povos sempre alerta, a pressentirem os acontecimentos que teriam de ocorrer na marcha ordinária dos séculos. Tiveram por fim pôr em guarda, não os apóstolos diretamente, mas as gerações que se haviam de suceder. Eram alegóricas no sentido de que, pela letra, apresentavam aqueles sucessos como um encaminhamento para o fim do planeta, ao passo que, segundo o espírito, em verdade, aludiam a fases de progres- 317
so, de depuração, de transformação da Terra e da Humanidade e à vinda do mesmo Jesus, em todo seu fulgor espírita, ao vosso mundo então purificado, como visível soberano de seus habitantes, igualmente purificados.
Tudo era apropriado aos tempos e às necessidades da época. O mesmo se dá com relação à em que viveis. A verdade está no que se vos diz, mas, em certos casos, não o está completa. Nem tudo se vos revelou ainda, pois que ainda não estais suficientemente amadurecidos. As revelações correspondem sempre às necessidades do momento e preparam os tempos vindouros. O homem repele isto, porque o seu orgulho lhe diz que ele se acha apto a compreender tudo e com forças para tudo receber. Não quer admitir que apenas saiu da infância e que só pouco a pouco, depois que haja aberto mão de todas as frivolidades, o véu irá sendo gradualmente levantado, para lhe deixar ver progressivamente a verdade.
(Mateus, vv. 4 e 5; Marcos, vv. 5, 6; Lucas, v. 8.) Estas palavras: "Vede que ninguém vos engane; pois que muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e a muitos enganarão", se referiam, no pensamento de Jesus, àquela época e ao futuro. Aplicam-se aos tempos atuais e aos que hão de vir.
Aplicam-se aos que delas fazem uma arma, aos que tomam a si o encargo de conduzir os povos ao Senhor e que os encaminham por falsas veredas.
Tranqüilizem-se os homens: aquele que lhes foi enviado, que se lhes manifestou com um corpo humano aparente, não os abandonou. Ninguém dirá: "Eu sou aquele que, por vós, cumpre o sacrifício do Gólgota".
Haverá Cristos, já os tem havido. No sentido próprio dessa palavra, aqui alegoricamente empregada, por Cristos deveis entender — Espíritos enviados ao vosso planeta em missão relativamente superior. Já os houve, pois que Espíritos, relativa- 318
mente superiores, em missão, eram todos os que, desde a mais remota antiguidade que possais alcançar, impeliram a Humanidade à realização de um progresso, todos os que se elevaram acima das massas e as dominaram pelas suas virtudes, pelo seu saber, pelo seu gênio, qualquer que tenha sido para com eles a ingratidão dos homens. A superioridade desses missionários, porém, era sempre relativa ao centro onde encarnavam.
Cristos haverá e os que como tais vierem terão grandes poderes, grande autoridade, mas nenhum se inculcará como sendo o Messias, Cristo de Deus, vosso protetor, governador e mestre. Reconhecê-los-eis, ó homens, vendo-os, a exemplo de Jesus, elevar-se acima das massas pela prática da humildade, da renúncia de si mesmos, do devotamento, da caridade e do amor e pregar pelo exemplo a solidariedade e a fraternidade entre todos, abrindo, alargando, para a Humanidade, a estrada do progresso físico, moral e intelectual.
O Salvador do mundo executa a sua obra. Aproxima-se o tempo, disse ele, em que muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; vede bem, guardai-vos de segui-los. Estas suas palavras aludiam aos tempos que se seguiriam e a todos os que, declarando-se munidos de plenos poderes outorgados pelo Senhor, desviavam, desviam e ainda desviarão os servos de Deus do caminho que a ele conduz. Desconfiai desses Cristos hipócritas, desses falsos profetas, que impõem aos homens leis mentirosas, que os afastam do culto espiritual, para os mergulhar nos abusos da matéria, que se obstinam em manter o reinado da letra que mata contra o advento do espírito que vivifica.
Desses é que o homem precisa afastar-se, a esses é que não deve seguir, porquanto do contrário será por eles levado ao caminho da perdição, caminho que não tem termo e cujo percurso lhe será preciso recomeçar constantemente, até que 319
21 Estas palavras eram mediunicamente ditadas no mês de agosto de 1863.
encontre a estrada reta e segura conducente ao átrio do templo eterno, que não pode ser destruído.
(Mateus, vv. 6-7-8; Marcos, vv. 7-8; Lucas, vv. 9-10-11.) "Haverá, disse Jesus, guerras, rumores de guerras, sedições; ver-se-ão povos levantar-se contra povos, reinos contra reinos; haverá, em diversos lugares, pestes, fomes, terremotos." Não foi sempre assim e não o é ainda agora?
"Coisas espantosas aparecerão". As coisas espantosas que Jesus tinha em mente e a que suas palavras aludiam são as abominações que naquela época os homens praticavam e as que praticariam no futuro. A História não vos fornece disso muitos exemplos?21
"Grandes prodígios aparecerão no céu". Em se atentando no espírito e no objetivo dessas palavras ressalta que Jesus não falava de sinais materiais. Uma falsa interpretação do que ele disse é que deu lugar a que se considerassem as revoluções de certos planetas como anúncio do fim do mundo. Os prodígios que se haviam e se hão de ver no céu são as influências sob que vos achareis, como vos tendes achado muitas vezes, influências opostas, que serviram, servem e servirão para desenvolver o raciocínio e o livre-arbítrio e para pôr o Espírito em condições de, no futuro, discernir melhor.
Tal é a explicação geral. Não concluais, porém, daí que nenhuns sinais materiais, como efeitos mediúnicos de ordem física, devessem produzir-se no céu.
Jesus predisse a ruína de Jerusalém. Conforme a História vos transmitiu, durante um ano inteiro foi visto sobre aquela cidade um cometa, que aparentava a forma de uma espada, ao mesmo tempo que em toda a província, antes do nascer 320
22 Ver, com efeito, Joséphe — De Bello Judeorum, liv. 6, v. 3.
do Sol, se viam, atravessando as nuvens, carros cheios de guerreiros.22
O cometa, para os homens, tinha a forma de espada. Os cometas, como sabeis, sempre afetaram mais ou menos essa conformação, terminando em ponta para os que os observam da Terra. Essa forma alongada é que deu origem à crença de que a configuração daquele a que nos referimos era a de uma espada.
A aparição de cometas é freqüente. Sempre os houve mais ou menos visíveis para os homens.
Quanto aos carros cheios de guerreiros, atravessando as nuvens, o que havia nesse caso eram manifestações espíritas, efeitos de mediunidade naqueles que as viam. Essas manifestações tinham por fim abalar os Espíritos encarnados, despertando-lhes a atenção. Assim como são freqüentes os cometas, também as visões mediúnicas se produzem freqüentemente entre vós.
"Não vos turbeis, disse Jesus, porquanto é necessário que assim aconteça, mas não será ainda o fim; será apenas o começo das dores."
Tudo aquilo não aconteceu e não acontecerá ainda? Não foi necessário e não o é ainda agora, dadas a inferioridade física do vosso planeta, a inferioridade moral e intelectual da humanidade terrena?
Todas aquelas coisas não são ainda necessárias para que chegue o fim, pela execução das leis imutáveis do progresso, do desenvolvimento, da transformação, tanto planetária como da Humanidade e de tudo o que vive sobre a Terra, o que tudo, segundo a sabedoria infinita do Criador, provém do infinitamente pequeno e atinge o infinitamente grande? 321
23 Estas palavras foram mediunicamente dita-das no mês de agosto de 1863.
(Mateus, vv. 9-13; Marcos, vv. 9-13; Lucas, vv. 12-17.) São alegóricas todas as palavras do Mestre constantes destes versículos, isto é: nenhuma delas se aplica taxativamente e exclusivamente aos apóstolos. Não lhes disse Jesus que eles veriam aquelas coisas — o seu advento e o fim do mundo — e que a geração a que pertenciam não passaria sem que tais coisas tivessem acontecido? Por aqui se evidencia que a idéia da reencarnação dominava o pensamento do Mestre. Ora, suas palavras não passarão. Assim, a geração de Espíritos, a quem ele anunciava aqueles sucessos, vê-los-ão realizar-se.
Ao aproximar-se o termo da sua missão terrena, Jesus repete a seus apóstolos as instruções e advertências que lhes dera ao começá-la. Têm cabida aqui as explicações que a tal respeito já recebestes (n. 139). Não precisamos reproduzi-las; reportai-vos a elas.
Ele, em mente, aludia às perseguições a que se veriam sujeitos os que se afastassem dos caminhos forçados, isto é: dos falsos caminhos que lhes seriam impostos. E não sois testemunhas das perseguições que, desde o tempo dos apóstolos até hoje, se desencadearam contra todos os que hão procurado descobrir a verdade, sentindo que esta não era tal como queriam que eles a aceitassem?
Aludia também às perseguições religiosas que ainda se praticam em muitas partes23, embora para vós já tenham deixado de existir, e que estão na iminência de recomeçar, mesmo entre os povos mais civilizados. É questão apenas de ocasião. O menor pretexto servirá para desencadear paixões, por enquanto adormecidas. Não vos predizemos guerras religiosas como as que já houve. Referimo-nos a vinganças particulares, a perseguições disfarçadas. Exercê-las-ão os que, sentindo 322
abalado o pedestal que para si construíram, se atiram contra todos os que sejam suspeitados de querer derribá-lo.
(MATEUS, vv. 11 e 12.) Muitos falsos profetas se levantarão, disse Jesus, e seduzirão a muitos. E, porque abundará a iniqüidade, a caridade de muitos esfriará.
Alusão a todos os doutores da lei que surgiriam desfigurando-lhe os ensinos, falseando-lhe as palavras, para lhes dar uma interpretação contrária à lei de Deus, porém mais conforme às suas necessidades, aos seus interesses pessoais e às suas ambições.
A maioria se transviou acompanhando esses falsos profetas e se afastou da senda que deveram trilhar. A minoria, os que procuram manter-se nas sendas do amor e da caridade, sem pagar o tributo de submissão àqueles falsos profetas, foram e ainda são infamados, repelidos por eles e seus discípulos, manietados pelas cadeias que lhes impõem.
(LUCAS, v. 18.) Mas, disse também Jesus, nem um só cabelo das vossas cabeças se perderá.
Qualquer que seja a sorte da matéria, o. Espírito triunfará.
(LUCAS, v. 19.) Pela vossa paciência possuireis vossas almas.
Pela vossa paciência sereis senhores de vós mesmos e não cometereis nenhum ato, nem direis palavra alguma, que vos possam prejudicar o adiantamento do Espírito.
(MATEUS, v. 14; MARCOS, v. 10.) E este Evangelho do reino será pregado por todo o orbe para dar testemunho a todas as nações. 323
As verdades que Jesus ensinou se disseminarão. A fé em Deus, o amor e a caridade hão de envolver o mundo. Bem vedes por aí quão distantes estais do momento predito pelo Mestre. Entretanto, o Espiritismo foi dado ao mundo para fazer chegar mais depressa esse momento, impelindo os homens, sejam eles quais forem, seja qual for o culto a que obedeçam, a receber a boa-nova, a ouvir com alegria a pregação do Evangelho da paz e do amor.
Então virá o fim.
Virá o fim, porque, praticando sinceramente todos os homens a lei de amor, trabalhando com ardor, em comum, pelo progresso de todos e de cada um, o Espírito se desligará mais prontamente da matéria, que, por sua vez, mudará de natureza, acompanhando a marcha ascensional do Espírito. 324
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 15-22. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 14-20. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 20-24
Abominação da desolação no lugar santo. — Males extremos. — Cerco de Jerusalém
MATEUS: V. 15. Quando, pois, virdes implantada no lugar santo (entenda-o quem ler) a abominação da desolação predita pelo profeta Daniel, — 16, então fujam para os montes os que estiverem na Judéia — 17, e o que se achar no eirado não desça para tirar de sua casa qualquer coisa, — 18, e o que estiver no campo não volte para tomar a capa. — 19. Ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem nesses dias. — 20. Pedi que a vossa fuga não se dê no inverno nem num dia de sábado; — 21, pois que então a tribulação será tal como nunca houve desde o principio do mundo até o presente, nem haverá jamais. — 22. E se não se abreviassem esses dias, ninguém se salvaria; mas, por amor dos escolhidos, eles serão abreviados.
MARCOS : V. 14. Mas, quando virdes implantada a abominação da desolação onde não deve estar (entenda-o quem ler), então fujam para os montes os que estiverem na Judéia; — 15, o que estiver no eirado não desça para tirar de casa qualquer coisa; — 16, e o que estiver no campo não volte para tomar a sua capa. — 17. E ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem nesses dias. — 18. Pedi que a vossa fuga não se dê no inverno; — 19, pois que a grande tribulação desses dias será tal como nunca houve desde o princípio da criação do universo até agora, nem haverá jamais. — 20. E se o Senhor não abreviasse esses dias, nenhum homem se salvaria; mas, por causa dos eleitos, que escolheu, ele os abreviou.
LUCAS : V. 20. Quando virdes Jerusalém cercada por exércitos, sabei que então a sua desolação está próxima. — 21. Os que a esse tempo se acharem na Judéia fujam para os montes; retirem-se os que es- 325
tiverem dentro da cidade e nela não entrem os que se acharem nas suas cercanias; — 22, pois esses serão os dias da vingança, a fim de que se cumpra tudo o que está na Escritura. — 23. Ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem! porquanto oprimida de males será a terra e a cólera pesará sobre este povo. — 24. Muitos cairão a fio de espada, muitos serão levados em cativeiro para todas as nações e Jerusalém será pisada pelos gentios, até que se cumpram os tempos das nações.
N. 271. As palavras de Jesus, segundo Mateus e Marcos, foram tomadas ao pé da letra e não em espírito e verdade, no seu sentido próprio, isto é, como alusivas aos vícios de que cumpre a Humanidade se depure e aos abalos físicos por que a Terra tem de passar para sua depuração e transformação, que se hão de efetuar em correspondência com a depuração e a transformação moral e física da mesma Humanidade.
Aproximam-se os tempos, é certo, pois a abominação da desolação (entenda o que lê aquele que ler) se acha implantada onde não devera estar e se estende por sobre os homens. Os vícios se ocultam à sombra dos átrios dos templos. A luxúria, a avareza, a inveja, o orgulho, o luxo se apoderaram dos corações, que só deveram abrigar o amor de Deus e do próximo.
Ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem, pois que as criancinhas estarão confiadas a esses guias infiéis que lhes profanam as inteligências juvenis, semeando nelas frutos de iniqüidade.
Ai de vós, pois que se aproxima o inverno, a áspera estação, em que aumentará o vosso sofrimento. Pedi ao Senhor que o afaste por mais algum tempo, a fim de terdes o de revestir-vos de roupas quentes, antes de nele entrardes. Não pareis no caminho, não saiais donde estejais; não façais provisões próprias da matéria. Executai o vosso trabalho onde o Senhor vos haja colocado. 326
Não olheis para trás, apressai-vos em concluir a vossa tarefa, a fim de que ela esteja terminada quando chegar o tempo premarcado.
Profundamente vos engolfastes nas trevas e poucos dentre vós teriam podido sair delas, se o Senhor não vos houvesse enviado a luz. Sede, portanto, do número dos justos, que hão de ser sal-vos, isto é: do número dos que, em vez de serem rechaçados para mundos inferiores, serão admitidos a acompanhar a marcha ascensional do espírito do vosso planeta regenerado.
Preparai-vos de antemão as roupagens da caridade e do amor, que vos preservarão dos rigores do frio e não temais que o inverno vos surpreenda.
Dai-vos pressa em executar a vossa obra, seja qual for e onde a tiverdes começado, a fim de que esteja concluída quando dela o Senhor vos pedir conta. Ide e enchei-vos de coragem, pois que os dias de sofrimento foram abreviados. O Senhor vos mandou o amparo, que vos ajudará a transpô-los, a luz que vos clareará a estrada, o bálsamo que vos curará as feridas.
(Mateus, vv. 16-18; Marcos, vv. 14-16.) Estas palavras de Jesus se referem aos revolvimentos físicos que o vosso planeta sucessivamente experimentará para entrar numa nova fase. Aludem aos tremores de terra, que se produzirão em certas partes do globo terráqueo. Os que forem surpreendidos por esse flagelo não terão tempo, nem possibilidade, de fugir. Será inútil que o tentem.
(Mateus, vv. 19-21; Marcos, vv. 17-29.) Que esses acontecimentos não vos colham sem que estejais espiritualmente em guarda, sem que estejais preparados para suportar essas calamidades, inevitáveis numa renovação planetária.
O frio sucederá ao calor e o inverno ganhará a natureza toda. O fogo consumirá o que o gelo não haja destruído. A transformação mediante a qual o vosso planeta, depois de passar do estado 327
24 É assim que, nos termos da revelação velada feita a João (Apocalipse, cap. V, v. 11) "a terra e o céu fugirão" — progressivamente — "e que não mais se encontrará sequer o lugar que antes ocupavam", quando estiver terminada a ascensão do vosso planeta às regiões superiores, depois às regiões dos fluidos puros. O que se dará, por efeito desse deslocamento e dessa ascensão depois, está indicado, também veladamente, pelas palavras de Jesus que os evangelistas registaram.
material a estados sucessivamente menos materiais, atingirá o estado fluídico, não se operará, assim como a transformação pessoal, instantaneamente.
Para lá chegardes, a natureza dos elementos que vos compõem mudará parcialmente e, para que o equilíbrio não deixe de existir, toda a massa tem que se deslocar e mudar gradualmente de direção, conseguintemente de atmosfera, em busca de um meio próprio sempre a equilibrá-la. Afastando-se do centro gradualmente, pelo seu deslocamento, a esfera terrestre irá pouco a pouco se avizinhando do meio que terá de ocupar no momento da vossa transformação.24
A renovação planetária, a dos reinos da Natureza e a da Humanidade se operarão parcialmente e sucessivamente, de modo progressivo e contínuo. Porventura percebeis diariamente, pelas revoluções anuais do vosso globo e pelas crises planetárias preparatórias do seu progresso e da sua transformação, a distância que percorreis e que vos afasta do centro onde ele haure o calor e a fecundidade?
Por efeito do seu afastamento desse centro o resfriamento se irá fazendo sentir nos pontos menos expostos aos raios do Sol, os gelos alargarão seus domínios e a fermentação interior da Terra provocará explosões, que expelirão de seu seio as matérias primárias, as quais abrem assim para si uma saída, a fim de se perderem na imensidade, deixando que a densidade da Terra se torne gra- 328
dativamente a que é necessário ela tenha no meio que virá a ocupar. Se houvéssemos de explicar os fatos que se darão, preciso nos seria criar palavras novas com que designássemos as matérias primárias a que aludimos. Designá-las-emos pelos nomes de lava, betume, asfalto, matéria vulcânicas, para que o espírito humano compreenda, pelo que lhe está sob as vistas, o que em tempo dado poderá acontecer.
Os homens de então, mais elevados e purificados do que hoje, não terão, na sua maioria, as mesmas necessidades que agora, pois que as necessidades humanas se modificarão como a atmosfera.
Será esse o momento em que, refugiando-se nos pontos ainda habitáveis para a Humanidade, os encarnados menos adiantados procurarão um asilo que só encontrarão no progresso moral.
Dissemos: na sua maioria, porque haverá sempre, como sempre houve, graus diversos de adiantamento entre as criaturas. Podem porventura as necessidades dos mais adiantados ser as mesmas que as dos inferiores? Não há ainda entre vós, que tão imperfeitos sois, tribos que dia a dia tendem a desaparecer? É que a civilização humana se estende como uma rede e está prestes a colhê-los todos. É que também o progresso moral irá avançando de povo em povo, esmagando os mais recalcitrantes até que igualmente enveredem pelo caminho que todos hão de percorrer. Compreendei bem isto: mesmo quando houverdes alcançado o grau de adiantamento planetário que vos está prometido, haverá sempre diversos graus de inteligência, de saber, de perfeição entre os homens.
Só os que obstinadamente se recusarem a progredir serão excluídos, até que se tenham penitenciado pela expiação, pela reparação e pela realização do progresso relativamente necessário a serem admitidos. 329
25 Ver ns. 56-58 do 19 volume, págs. 287-312.
Não esqueçais, porém, que tais acontecimentos não serão obra de um dia, mas de séculos, que as raças humanas que hão mudado tanto a partir da formação do vosso planeta, ainda têm que mudar, por isso que, na Natureza, tudo é harmonia. Comparai os homens do meio em que viveis com os de certas partes da Terra, os quais parecem deserdados; comparai esses desgraçados, que mais têm do macaco que do homem, com o encarnado que se vos descreveu qual ele é quando se trata de Espírito que, por haver falido, sofre pela primeira vez a encarnação nos mundos de provação25; acompanhai todas as fases por que lhe foi preciso passar e fareis uma idéia das fases outras pelas quais ainda passará.
Estas palavras de Jesus: "Ai das mulheres então grávidas e das que amamentarem", consideradas do ponto de vista das revoluções físicas, inevitáveis para a renovação planetária, não objetivavam mais do que pôr em destaque a grandeza dessas calamidades, que não pouparão nem a criancinha de peito, nem o nascituro, que ferirão as mães nas suas mais caras esperanças.
"Pedi que a vossa fuga não se dê no inverno, nem num dia de sábado."
Tendes aí uma figura. O sábado é o dia do repouso, o inverno é uma estação rigorosa. Proferindo essas palavras, tinha Jesus em mente concitar os homens a orarem ao Senhor, a fim de não serem improvisamente surpreendidos na preguiça; a estarem prontos sempre a ver chegar o instante de comparecerem perante ele, de modo a não terem que suportar o sofrimento, a expiação.
"Pois que a grande tribulação desses dias será tal como nunca houve desde o principio da criação do universo até agora, nem haverá jamais." 330
Tendo em vista aquelas catástrofes e reportando-vos ao que já vos foi dito sobre a depuração e a transformação que se hão de efetuar, deveis compreender as palavras acima do seguinte modo: desde que se formou o globo em que habitais, suas transformações não têm ido além de um aperfeiçoamento da matéria, ao passo que as que se hão de produzir transformarão progressivamente essa mesma matéria em substâncias fluídicas apropriadas às necessidades dos novos corpos humanos. Maior, portanto, do que as até então sofridas será a aflição desses dias vindouros, quer do ponto de vista das subversões físicas parciais, da natureza e do caráter delas, quer do ponto de vista das conseqüências que dai advirão para os Espíritos obstinadamente rebeldes ao progresso, ou retardatários, os quais, ao tempo daquela depuração e transformação, se verão afastados do vosso e relegados para planetas inferiores.
Não esqueçais, todavia, que o Senhor jamais privará qualquer de seus filhos, por pequenino que seja, por mais culpado que possa ser, da faculdade e dos meios de se tornar melhor. Os que forem exilados deixarão de encarnar no vosso planeta, mas as suas reencarnações sucessivas seguirão seu curso, se bem que em outros meios, até que, tendo-se emendado, os culpados hajam merecido, pelo relativo progresso moral e intelectual que conseguiram realizar, voltar à primitiva pátria.
(MATEUS, v. 22; MARCOS, v. 20.) E se o Senhor não abreviasse esses dias, ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos, que escolheu, ele os abreviou."
Estas palavras de Jesus, compreendidas em espírito e não segundo a letra, tiveram por fim assinalar a proteção que o Senhor dispensa aos que seguem os caminhos por ele traçados e o apoio que podem dar a seus irmãos. 331
Dizendo que o Senhor abreviou esses dias por causa dos eleitos, que ele mesmo escolheu, e que, se os não tivesse abreviado, ninguém se salvaria, compôs Jesus uma imagem que, apropriada àquele momento, o era também à preparação do futuro; formulou um exemplo, uma comparação. Havia nessa imagem um encorajamento, um motivo de modificação, no sentido de que os eleitos, isto é: os que seguem o caminho do Senhor trabalhem com infatigável zelo pelo progresso dos que lhes são inferiores, auxiliando assim o adiantamento de todos.
A transformação planetária é uma conseqüência da transformação moral dos Espíritos, de acordo com as leis imutáveis e eternas do progresso físico, moral e intelectual. Há solidariedade geral. Na ação de Deus nada há de incerto, nem de arbitrário. O futuro, que para ele não existe, se desenrola a seus olhos tal como para vós o instante presente.
Melhorando-se e trabalhando pelo adiantamento uns dos outros, os homens concorrem para o cumprimento das promessas que Deus há feito por intermédio de seus messias, de seus enviados especiais. Se, ao contrário, chegados os tempos da transformação, os homens (o que fora impossível) houvessem permanecido todos no mal, sem dele quererem sair, seriam todos rechaçados para mundos inferiores, substituindo-os na Terra outros Espíritos, cujo adiantamento estivesse de harmonia com o grau de progresso realizado pelo planeta. Desse modo, nenhum se salvaria. Compreendei bem o sentido sempre poético e imaginoso das palavras de Jesus, o objeto e o fim dessas palavras hipotéticas, apropriadas aos tempos e às inteligências e destinadas a frutificar sob o reinado da letra e a preparar o advento do reinado do espírito.
Compreendei bem, igualmente, as nossas palavras. Não vos dissemos que tais catástrofes, inevitáveis em se tratando de uma renovação plane- 332
tária, se houvessem de produzir simultaneamente. Os séculos nada são para aquele que os deixa cair do seu pensamento: — o eterno, o criador de tudo o que existe. Estais no declive, caminhais para o fim, mas não se vos diz: "Será amanhã; isso durará de um sol a outro."
Não vos acabrunheis com a perspectiva dessas catástrofes; antes, preparai-vos para delas sairdes vencedores, isto é: purificados, tendo deixado o homem velho entre os destroços do velho mundo e renascendo no planeta renovado. Não vos preocupeis mais do que convenha com o que há de suceder materialmente. Esforçai-vos por preparar o futuro da Humanidade, trabalhando pela melhoria do seu presente. Deixai ao Senhor o cuidado de enviar à Terra os que venham, no momento oportuno, rasgar o véu que vos obscurece as inteligências. Tendes um quadro traçado para a vossa ação e dele não deveis sair; permanecei dentro de seus limites, que vos oferecem campo bastante para muito desenvolvimento, para que exerçais vossas faculdades e a vossa boa-vontade.
(Lucas, vv. 20-24.) Em suas preleções, Jesus englobava com os acontecimentos próximos ou de atualidade os que ele divisava num futuro distante e a forma daquelas preleções obstava intencionalmente a que se pudesse discernir o que era presente do que era vindouro. Assim é que, respondendo à pergunta que lhe fizeram os discípulos, resposta que Mateus (vv. 1-3), Marcos (vv. 1-4) e Lucas (vv. 5-7) registraram, Jesus reunia no seu pensamento a Jerusalém hebraica e, figuradamente, o mundo.
Em suas respostas proféticas, referentes à Jerusalém e aos Judeus e que se nos deparam nas narrações de Mateus e de Marcos, escritas sob a influência mediúnica, o mundo se acha figuradamente representado como tendo que suportar, em proporções relativas, o cerco, as calamidades e a destruição preditas para a cidade amada dos Ju- 333
deus. Na narração de Lucas, também feita sob a influência mediúnica, aquelas respostas apresentam um sentido figurado e um sentido próprio. De acordo com o primeiro, elas alcançam o futuro e, de conformidade com o segundo, se referem especialmente à Jerusalém hebraica.
Apropriadas sempre ao meio em que ele se encontrava, as palavras de Jesus tinham um sentido profético e, para a maioria dos homens, oculto, que só ao tempo da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita, havia de ser, progressivamente, compreendido em espírito e verdade. Enquanto que os Judeus só pressentiam, naquelas palavras, as catástrofes que lhes ameaçavam a cidade santa, os cristãos, os crentes viam nelas e devem ver sempre as fases por que tem de passar a Humanidade. Tal como a Jerusalém hebraica, o mundo, a Humanidade hão de suportar muitas vicissitudes, muitos assaltos. O terror se espalhará entre vós, pois que os inimigos que deveis temer se reunirão em maior número para vos assaltarem. Esses inimigos são os vossos vícios. Não vos deixeis abater, defendei-vos valorosamente. A Jerusalém atual será destruída, mas uma outra "reconstruireis", eterna, cujos felizes habitantes nada mais terão que recear. O tempo, a reencarnação, o progresso dentro da marcha dos acontecimentos planetários e humanos, executarão a obra de renovação, assim na ordem física, pelo que toca à Terra, como na ordem física e moral, pelo que concerne à Humanidade.
"E Jerusalém, disse Jesus, será pisada pelos Gentios, até que se cumpram os tempos das nações."
Essas palavras figuradas se referiam à época que mediaria entre a em que eram pronunciadas e a que começa pela nova era do Cristianismo do Cristo, do advento do espírito, na qual seus ensinos seriam restabelecidos em toda a pureza. 334
O tempo das nações se terá cumprido quando estiver implantado no mundo terrestre o reinado universal da lei do amor e da caridade, que se há de estender qual manto para cobrir todos os filhos da Terra e conduzi-los, pela reciprocidade e pela solidariedade, à unidade fraternal. 335
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 23-28. — MARCOS, Cap. XIII, vv. 21-23
Falsos Cristos. — Falsos profetas
MATEUS : V. 23. Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo; ou: Ei-lo ali! não acrediteis; — 24, porque falsos cristos e falsos profetas surgirão e farão grandes maravilhas e operarão prodígios tais que, se fora possível, enganariam até os escolhidos. — 25. Vede que de antemão eu vo-lo predisse. — 26. Se, pois, vos disserem: Ele lá está no deserto! não saiais, ou: Está no interior da casa! não acrediteis; — 27, porque, como o relâmpago que parte do Oriente e se mostra até no Ocidente, assim será a vinda do Filho do homem. — 28. Onde quer que esteja o corpo, aí se reunião as águias.
MARCOS: V. 21. Se então alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! ou: Ei-lo ali! não o creiais. — 22. Porque, falsos cristos e falsos profetas se levantarão, que farão prodígios e portentos que, se fora possível, enganariam os próprios eleitos. — 23. Estai, pois, de sobreaviso; eis que todas as coisas eu vos predisse.
N. 272. Essas palavras encerravam um aviso aos homens, para que estivessem em guarda contra os que, em nome do Cristo, tentariam por todos os meios desviá-los da lei de amor e de caridade que ele pregou.
Pronunciou-as Jesus, antevendo as dissidências que as ambições humanas originariam na sua igreja, fundada sobre o amor, e que arrastariam os homens ao egoísmo, ao orgulho e a todos os sentimentos materiais que os levaram até a negar a Deus.
A propósito de análogas advertências, já recebestes as explicações que caberiam aqui relativamente aos vv. 23, 26, 27 e 28 de Mateus, ao v. 336
21 de Marcos. Não há necessidade de as repetirmos. Reportai-vos a essas explicações.
A época que Jesus designou não se acha encerrada entre determinados limites, como muitos o compreenderam e ainda o compreendem, aferrados à letra.
No curso dos acontecimentos, terão os homens, como o tendes vós hoje, que combater as más influências que os cercam, influências que já se fazem e continuarão a fazer-se sentir sobre vós.
São "falsos cristos", "falsos profetas" todos os que vos queiram escravizar as consciências, impondo-lhes um culto diverso do que Deus criou: o do amor universal. Quando eles vos disserem: o "Cristo está aqui, ou está ali", não os escuteis. Ainda por muito tempo procurarão desviar-vos do caminho reto e puro. Não os escuteis, não os sigais. Até ao dia em que Jesus aparecerá na sua glória, isto é: em que todos os homens tiverem sido levados a praticar a sua lei, ouvireis dizer: "o Cristo está aqui, o Cristo está ali". Não vos deixeis prender por palavras mentirosas.
Já explicamos o sentido que deveis dar a estas palavras alegóricas: o "Cristo está aqui, o Cristo está ali", e já vos indicamos os meios de reconhecerdes os que usaram e usam de semelhante linguagem.
Buscando o verdadeiro sentido das palavras do Mestre, não esqueçais nunca que ele se dirigia a orientais e que envolvia sempre o seu falar numa imagem apropriada a lhe modificar o sentido, de acordo com as inteligências dos que o ouviam, dos que eram então e dos que mais tarde seriam chamados a compreendê-lo, primeiro segundo a letra, depois segundo o espírito, por efeito da ação do tempo e do progresso.
Vós mesmos, por não serdes bastante fortes, ainda não compreendeis a palavra messiânica despida de todos os véus. No que se vos diz está a 337
verdade, porém não totalmente desenvolvida em certos casos. Não se vos dá o sentido completo de algumas passagens, porque seria necessário se precisassem acontecimentos, que ainda devem permanecer envoltos na dúvida e na incerteza, até que, pelo cultivo da fé, vos tenhais tornado suficientemente fortes para tudo ver e tudo ouvir.
Não olvideis que estais preparando os caminhos para aquele que há de vir e que o Mestre enviará, a fim de esclarecer as inteligências e inteiramente despojar da letra o espírito.
Sim, se alguém vos disser: "O Cristo está aqui ou está ali" não o acrediteis; porque falsos cristos e falsos profetas surgirão, os quais farão prodígios e portentos tais, que, se fora possível, enganariam até os escolhidos.
Também estas palavras do Mestre eram referentes aos tempos que mediaram entre a da sua missão terrena e a época em que a lei de amor, que constituiu objeto de seus ensinos e exemplos e da qual disse não ser doutrina sua, mas daquele que o enviara, for compreendida e praticada em toda a sua pureza. Referem-se ainda aos esforços que foram e serão tentados para desviar os homens da obediência pura e simples às leis de Deus e do seu enviado e para forçá-los a se submeterem a um código de origem humana — desfiguração da mais grandiosa e mais simples moral que eles possam esperar. Referem-se, igualmente, aos esforços empregados pelos pastores infiéis e às ciladas urdidas aos rebanhos, a fim de os fazer enveredar por falsos caminhos.
Jesus, nessa passagem, aludia a tudo quanto se fez, faz e fará para apartar da luz os homens e encaminhá-los para as trevas, quaisquer que sejam os meios empregados.
Assim, pois, todos os que vos afastam da prática, do amor e da caridade, que desnaturam o código admirável que o Cristo vos legou, são falsos cristos, falsos profetas. Não os escuteis. 338
As influências ocultas se unem sempre às influências humanas; mas, Jesus, ao proferir as palavras com que nos ocupamos, não pensou em fazer qualquer referência especial às primeiras. Iniciando-vos nos segredos de além-túmulo, nos mistérios do mundo invisível, na natureza, na causa dos fenômenos espíritas, nos efeitos mediúnicos, quer de ordem material, quer de ordem moral, a revelação e a ciência espíritas vos ensinam que esses fenômenos, esses efeitos, que a ignorância dos homens tomou por prodígios, por milagres, considerando-os uma derrogação das leis da Natureza, não são mais do que uma aplicação destas leis e que tanto os podem produzir as más como as boas influências ocultas, com o auxílio de faculdades orgânicas especiais, que o mais indigno, do mesmo modo que o mais digno dos encarnados, pode possuir.
A revelação e a ciência espíritas vos ensinaram assim que a simples produção de fenômenos espíritas, de efeitos mediúnicos, de maneira alguma constitui o criterium pelo qual se possa e deva reconhecer a moralidade e a veracidade do homem. Já mostramos os únicos caracteres pelos quais podereis e devereis reconhecer os verdadeiros Cristos, os verdadeiros profetas.
Aquilo que havia de parecer grandes prodígios e portentos aos homens a quem Jesus se dirigia e às gerações que se sucederiam até aos vossos dias, em que aos olhos de todos brilha a luz espírita, não seria e não é de molde a vos enganar, pois que estais avisados e vos achais agora esclarecidos.
Tende por falsos cristos, por falsos profetas, como instrumentos, conscientes ou inconscientes, que são, de más influências, de influências de erro e de trevas, todos os que, operando extraordinários prodígios, "grandes portentos", sejam quais forem os fenômenos espíritas, os efeitos mediúnicos por eles produzidos, tentarem divorciar-vos da 339
prática do amor e da caridade, da prática dos ensinamentos e exemplos do Mestre, da lei simples e pura que ele vos legou. Não os acrediteis, não os sigais. 340
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 29-31. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 24-27. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 25-28
Predição dos acontecimentos de ordem física e de ordem moral que precederão o advento de Jesus em todo o seu esplendor espiritual e predição desse advento
MATEUS: V. 29. Logo depois da tribulação desses dias, o sol se escurecerá, a lua não dará sua claridade, as estrelas cairão do céu e as virtudes dos céus se abalarão. — 30. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem e todas as tribos da terra gemerão e chorarão e verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade. — 31. E ele enviará seus anjos, que farão ouvir a voz retumbante de suas trombetas e reunirão dos quatro ventos, de um extremo a outro dos céus, os seus eleitos.
MARCOS: V. 24. Mas, nesses dias, após toda essa tribulação, o sol se escurecerá, a lua não dará sua claridade, — 25, as estrelas cairão do céu e as virtudes que nos céus estão se abalarão. — 26. Ver-se-á então o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. — 27. E ele enviará seus anjos a reunir seus eleitos, dos quatro ventos, do extremo da terra ao extremo do céu.
LUCAS: V. 25. E haverá sinais no sol, na lua, nas estrelas e, na terra, consternação das nações aturdidas pela confusão em que as porá o bramir tumultuoso do mar e das ondas. — 26. Mirrarão de terror os homens na espectação das coisas que sobrevirão ao mundo todo; pois as virtudes do céu se abalarão. — 27. Ver-se-á então o Filho do homem vir sobre uma nuvem com grande poder e majestade. — 28. Quando, porém, estas coisas começarem a suceder, erguei a cabeça e olhai para o alto, pois que se aproxima a vossa redenção. 341
N, 273. (Mateus, v. 29; Marcos, vv. 24 e 25; Lucas, vv. 25 e 26.) Por essas palavras deu Jesus, veladamente, um novo aviso dos acontecimentos de ordem física e de ordem moral que hão de suceder, até ao momento em que o reinado de Deus se achará implantado em todos os corações.
No tocante à ordem física, aludia às revoluções parciais e sucessivas que ocasionarão a transformação do vosso planeta. Nada, entretanto, se produzirá bruscamente em a Natureza. Assim como os séculos transcorridos vos trouxeram onde vos achais, também muitos séculos hão de transcorrer antes que atinjais o ponto que vos está predito e prometido.
O globo terreno, que, como todos, saiu dos fluidos incandescentes e impuros, isto é: carregado de substâncias destinadas à matéria, tem que, despojado de todos os princípios materiais, imergir nos fluidos puros. A fim de lá chegar, tem que seguir, quanto à decomposição da matéria, a mesma progressão que seguiu para sua composição. Antes, porém, já tereis passado por uma imensa modificação, porquanto, para atingirdes a pureza, haveis de passar, vós, por todos os progressos físicos e morais, e o vosso planeta por todos os progressos físicos. Esses progressos se efetuarão parcialmente, por crises preparatórias. Renovar-se-ão as raças humanas pela encarnação de Espíritos mais bem preparados, renovar-se-ão as condições materiais da Terra pela destruição dos princípios primitivos e pelo surto gradual de outros. Do mesmo modo que até aos vossos dias os habitantes do mundo terreno se desenvolveram à medida que ele se ia preparando para lhes suprir as necessidades e sofria as transformações necessárias, a Terra atual será, igualmente, posta em condições de se apropriar às necessidades dos Espíritos purificados, que voltarão a habitá-la quando aquelas necessidades houverem sofrido as modificações progressivas por que devem passar. 342
O globo terráqueo oferecerá então condições diferentes de vida para a Humanidade e, ao mesmo tempo, diferentes serão, em diversos pontos da sua superfície, as condições de seus habitantes, no que respeita ao invólucro humano. A diferença dessas condições decorrerá da do adiantamento moral e intelectual dos Espíritos e corresponderá às porções modificadas do planeta.
É o que se verifica em todos os orbes. Qualquer que seja o grau de adiantamento dos Espíritos, uns há mais adiantados do que outros e que auxiliam o progresso dos que lhes são inferiores. As condições obedecem à relatividade do grau de adiantamento.
Observando as diversas raças que atualmente povoam a Terra, se bem as condições físicas ainda sejam materiais para todos, deparar-se-vos-á uma imagem fiel da situação acima descrita na distância que separa, por exemplo, o selvagem da Oceânia, os Esquimós, do homem da Europa civilizada. Este, prosseguindo na sua marcha regular pela via do progresso, será o primeiro a entrar nas novas fases.
No curso dos acontecimentos planetários, progressivos e sucessivos, as essências espirituais ainda não suficientemente adiantadas, apenas aptas para o desenvolvimento material, serão afastadas do planeta terreno e substituídas por outras nos meios apropriados a essa substituição. Mas, quando a Terra chegar ao ponto fluídico que terá de atingir, as crises que a levaram a esse ponto terão destruído, em grande parte, as sedes materiais onde o Espírito primitivo se desenvolve. Pouco a pouco se irá fazendo, paralelamente ao progresso do homem, uma nova classificação na marcha gradual, quanto aos diversos reinos da Natureza e quanto à habitação terrena.
A alusão veladamente feita ao escurecimento do sol, à desaparição da luz da lua, entende com o fato, que se há de verificar, de a Terra se ir afas- 343
tando daqueles dois astros que a iluminam. Quando depurada, ela se terá afastado do centro onde ora gravita, e então esplenderá de luz.
Com relação aos acontecimentos de ordem moral, as estrelas que cairiam do céu, as virtudes celestes que se abalariam, já se abalaram e começaram a descer para junto de vós, "a fim de, segundo o modo de falar figurado de Jesus, fazerem aparecer no céu o sinal do filho do homem". Esse sinal é a lei de amor e de caridade que ele personifica, iluminada pela luz espírita; é a revelação trazida pelo próprio Jesus aos homens, mas explicada e desenvolvida pelo Espírito da Verdade.
Essas estrelas, essas virtudes celestes, luzes do Senhor, Espíritos protetores dos homens, vos trazem as claridades do céu e as fazem chegar aos vossos olhos. Cada vez em maior número se abalarão essas estrelas, essas virtudes que têm de descer até vós, pois que, quanto mais vos elevardes, tanto mais de vós se aproximarão os Espíritos elevados e farão luzir aos vossos olhos claridades desconhecidas, que neste momento vos ofuscariam.
(Mateus, v. 30; Marcos, v. 26; Lucas, v. 27.) O sinal do filho do homem, que, segundo a predição de Jesus, há de aparecer no céu, é o advento do reinado do amor e da caridade. O joio será então completamente separado do trigo. Esse o momento em que, regenerada, a Humanidade estará pronta para receber em seu coração o reino do Senhor. Nessa época, sim, é que um só será o pastor, a cujos pés todas as ovelhas se prostrarão e, diante das grandes graças que terão recebido, chorarão tanto de reconhecimento e alegria como de pesar por haverem desconhecido a mão paternal que as dirigia. Não esqueçais o sentido figurado das palavras de Jesus: são alegóricas as lágrimas que todas as tribos, todos os povos derramarão. 344
"E verão o filho do homem vir sobre as nuvens do céu com grande poder, grande majestade e grande glória". Quando tiverem os olhos bastante puros para isso, verão a Jesus em todo o seu fulgor espírita. Vê-lo-ão vir, ele, o protetor e governador do vosso planeta, vosso Mestre, ao seu reino, preparado para tornar-se um dos reinos do pai, como habitação de puros Espíritos.
(Mateus, v. 31; Marcos, v. 27.) Toda criatura, seja qual for a região em que habite, está sob os olhos do Senhor; nenhuma pode escapar ao seu olhar penetrante. Não espere nenhum de vós, portanto, fugir à sua justiça. Em chegando o dia da remuneração, cada um pagará a sua dívida. Sim, cada um a paga parcialmente, mas alguns há que fazem prestações maiores do que as dos outros. Alguns há que procedem de boa-vontade, enquanto outros contam desviar a atenção do credor que os espera. Outros ainda há que, tendo chegado depois de vós, não podem estar no mesmo ponto. A justiça do Senhor fará as contas a cada um com eqüidade; cada um, pois, receberá de conformidade com seus méritos e, sobretudo, com a sua boa-vontade.
"Ele enviará seus anjos, que farão ouvir a voz retumbante de suas trombetas e reunirão dos quatro ventos, de um extremo a outro dos céus, do extremo da terra ao extremo do céu, os seus escolhidos."
Nenhuma intenção especial há nestas palavras de Jesus, que dois dos evangelistas repetiram sob a influência mediúnica. O termo céu, já o sabeis, deve ser entendido como significando o espaço. Mateus fala dos Espíritos que, disseminados pelo espaço, têm que habitar a Terra. Marcos reúne todas as categorias.
Deveis compreender que, quando estiverem per-corridas as fases de renovação do vosso planeta, muitos dentre vós se acharão purificados de todas as máculas, terão conseguintemente despido 345
as velhas roupas e aguardarão que praza ao Senhor dar-lhes vestes novas. Outros, ao contrário, atrasados no seu progredir, precisarão passar pelas últimas fases, para acabarem de se purificar e ainda estarão encarnados por ocasião das últimas revoluções planetárias. Com respeito a esta posição última é que Marcos fala daquele modo, não que as renovações se devam operar sobre a matéria viva, mas porque, ao se produzirem as derradeiras crises, muitos dentre vós ainda pisarão o solo em que hoje pisais.
Dissemos: "não que as renovações se devam operar sobre a matéria viva". Isto significa que as mudanças que se hão de realizar no organismo humano não se efetuarão repentinamente no curso das existências materiais. Elas se operarão gradualmente e sempre por meio das reencarnações, que trarão, a cada fase nova, uma modificação para melhor e um aligeiramento da matéria humana. Tais modificações, como obra de cada encarnação, só pela reencarnação virão a dar-se. É o progresso da matéria em paralelismo com o do Espírito.
(Lucas, v. 28.) Quando estas coisas começarem a suceder, disse Jesus, erguei a cabeça e olhai para o alto, pois que se aproxima a vossa redenção. A palavra redenção é aqui empregada e deve ser entendida, de acordo com o pensamento do Mestre, no sentido de regeneração.
Sim, a vossa regeneração está próxima, porquanto, para prepararem o advento do reinado do amor e da caridade, os Espíritos protetores dos homens, luzes do Senhor, começaram a descer para o meio de vós. Os messias, isto é: os enviados especiais vão suceder-se entre vós, secundados pelos Espíritos em missão. Vão suceder-se igualmente, por obra dos tempos e dos séculos, os acontecimentos planetários, conseqüentes ao vosso progresso moral, para o efeito da depuração e da transformação progressiva da Terra. 346
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 32-35. — MARCOS, Capítulo XIII, vv. 28-31. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 29-33
Parábola da figueira. — Predição da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita. — Espíritos haverá que, encarnados ao tempo em que Jesus falava, verão, reencarnados na Terra, as coisas por ele preditas para a depuração e a transformação do planeta e da humanidade terrenos. — A Terra passará, mas as palavras de Jesus não passarão
MATEUS : V. 32. Aprendei uma parábola tomada à figueira: Quando seus ramos já estão tenros e as folhas brotam, sabeis que vem próximo o estio. – 33. Assim, também, quando virdes todas essas coisas, sabei que o Filho do homem está próximo, está à porta. — 34. Em verdade vos digo que esta geração não passará, sem que todas essas coisas se cumpram. — 35. Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.
MARCOS : V. 28. Aprendei uma parábola tomada à figueira. Quando seus ramos já estão tenros e as folhas brotam, sabeis que vem próximo o estio. — 29. Assim, também quando virdes que essas coisas acontecem, sabei que o Filho do homem está próximo, está à porta. - 30. Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se tenham cumprido. — 31. Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.
LUCAS: V. 29. E lhes propôs em seguida esta comparação: Vede a figueira e as outras árvores: — 30. Quando começam a dar frutos, sabeis que próximo vem o estio. — 31. Assim também, quando virdes que essas coisas sucedem, sabei que está próximo o reino de Deus. — 32. Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se cumpram. — 33. Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. 347
N. 274. (Mateus, vv. 32-33; Marcos, vv. 28-29; Lucas, vv. 29, 30 e 31.) Jesus se serviu da parábola, da comparação com a figueira e as outras árvores apenas para exprimir e desenvolver pensamentos que acabara de externar sobre o aparecimento do sinal do filho do homem no céu, sobre a proximidade da vossa redenção. Teve por fim aquela parábola, aquela comparação chamar mais vivamente a atenção dos que o ouviam, impressioná-los mais fortemente pelo que ele ia acrescentar, prender a atenção das gerações que haviam de suceder-se, sobretudo das que, como a vossa, veriam despontar no horizonte, com a nova revelação, o predito advento do Espírito da Verdade e estavam destinadas a compreender, em espírito e em verdade, as palavras do Mestre.
Não percais de vista o que já vos dissemos acerca do reino de Deus, acerca do Filho do homem, como personificação da sua moral, e acerca do progresso físico do vosso planeta e da Humanidade, sempre em correspondência com o vosso progresso moral e intelectual, do qual aquele foi, é e será o fruto, a conseqüência, e compreendereis que, "se o reino de Deus está próximo", "se o filho do homem está próximo", um e outro o estarão cada vez mais e, portanto, o reinado do amor e da caridade, à proporção que se forem realizando as coisas preditas, tanto de ordem moral, como de ordem física. Mais próximos também irão estando, por conseguinte, a depuração e a transformação completas do vosso planeta e da Humanidade.
(Mateus, v. 34; Marcos, v. 30; Lucas, v. 32.) "Em verdade vos digo que esta geração não passará sem que todas essas coisas se tenham cumprido". Estas palavras, cujo espírito fora intencionalmente deixado oculto pelo véu da letra, como todas as palavras alegóricas que o Mestre proferiu acerca do seu advento futuro e "do fim do mundo" e ainda como todas as suas outras pala- 348
vras proféticas, constantes nos Evangelhos, e as que foram ditas a João na ilha de Patmos, tinham por objetivo manter em dúvida, em expectativa, atentas, a geração a quem ele se dirigia e as que se sucedessem até aos vossos dias. Era isso uma condição e um meio de progresso para a Humanidade.
O verdadeiro sentido daquelas palavras só havia de ser apreendido nos tempos atuais, então futuros, da nova revelação, que vos é dada no momento em que a Humanidade se mostra capaz de comportá-la.
Tomadas segundo a letra que mata, essas palavras conduziriam ao absurdo, a uma falsidade que o tempo houvera patenteado. Em verdade, segundo o espírito que vivifica, Jesus, pronunciando-as, falava da geração de Espíritos que vivendo então na Terra, encarnados, nela viveram mais tarde e tornarão a viver, reencarnados, quando a Terra atravessar as últimas fases da sua transformação física e a humanidade terrena as últimas da sua transformação física e moral. De fato, aquela geração não passará sem que estejam cumpridas todas as coisas preditas, porque muitos Espíritos que, na condição de encarnados, a ela pertenciam, viverão de novo, reencarnados, por ocasião de se cumprir tudo que o Mestre predisse.
Já o dissemos e repetimos: Mistérios são estes da reencarnação, única, chave com que se pode penetrar o sentido das palavras de Jesus, de seus ensinamentos. Em tudo quanto ele disse, encontrareis sempre reinando e pronto a desvendar-se, chegada a ocasião, o pensamento da reencarnação. "Passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão". Tudo o que é de ordem física, no espaço, na imensidade, com relação ao vosso, como a todos os mundos, passa pelo cadinho da criação. Quer isto dizer que, de acordo com as leis de destruição, de reprodução e de progresso, tudo se renova, depura e transforma, percorrendo 349
a escala do infinitamente pequeno ao infinitamente grande, na vida e na harmonia universais.
Mas, as palavras de Jesus, órgão do Senhor onipotente, não passarão, porque são imutáveis e eternas, como eternas e imutáveis são, na ordem física, na ordem moral e na ordem intelectual, a lei do progresso, para o Espírito, e as leis naturais na ordem material e na ordem fluídica. Elas não passarão, porque são ao mesmo tempo princípio fundamental, condição e meio de progresso nos mundos inferiores de provações e expiações, como são o caminho único que pode levar o homem aos mundos superiores, preparando-lhe o acesso a esses mundos e fazendo-o penetrar neles. 350
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 36-39. — MARCOS, Cap. XIII, vv. 32-37. — LUCAS, Cap. XXI, vv. 34-38
Desconhecida é a hora em que se darão os acontecimentos preditos para a depuração da Terra e da humanidade terrena. O homem não pode nem deve procurar devassar os segredos do futuro, mas deve estar sempre pronto a comparecer diante do Senhor e a se tornar digno de evitar tudo quanto há de suceder, trabalhando desde já, ativa e continuamente, pela sua purificação e pelo seu progresso
MATEUS: V. 36. Mas, do dia e da hora ninguém o sabe, nem os anjos do céu, senão só o pai. — 37. Assim como foi nos dias de Noé, assim será também no advento do Filho do homem. — 38. Assim como nos dias anteriores ao dilúvio os homens comiam e bebiam, casavam e davam seus filhos em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, — 39, sem pensarem no dilúvio senão quando este veio e os levou a todos, também assim será no advento do Filho do homem.
MARCOS: V. 32. Mas, do dia ou da hora, ninguém o sabe, nem os anjos no céu, nem mesmo o Filho, senão só o Pai. — 33. Vede bem: vigiai e orai, pois não sabeis quando chegará esse tempo. — 34. É como se um homem, partindo em viagem para longe, deixasse a casa entregue a seus servos, designando a cada um o que tinha de fazer e determinando ao porteiro que vigiasse. — 35. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando virá o dono da casa, se de tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, — 36, a fim de que, chegando de repente, não vos encontre a dormir. — 37. O que vos digo a vós, a todos digo: Vigiai.
LUCAS : V. 34. Tende-vos, pois, em guarda, para não suceder que os vossos corações se tornem pesados 351
por efeito dos festins e da embriaguez e pelos cuidados desta vida e que aquele dia vos sobrevenha repentinamente; — 35, porquanto, como um laço, ele apanhará todos os que habitam sobre a face da terra. — 36. Assim, vigiai e orai todo o tempo, a fim de que mereçais evitar todas as coisas que hão de acontecer e possais comparecer diante do Filho do homem. — 37. Ele de dia ensinava no templo; e, de noite, saindo, se retirava para o monte chamado das Oliveiras. — 38. E todo o povo acorria de manhã cedo ao templo para o ouvir.
N. 275. (Mateus, v. 36; Marcos, v. 32.) "Do dia e da hora ninguém o sabe, nem os anjos do céu, nem mesmo o filho, senão só o pai."
Dizendo isso, quis Jesus que os homens compreendessem quão orgulhoso e inútil é o pretenderem sondar o futuro, que só Deus conhece. Ao mesmo tempo, quis infirmar desde logo a idéia da divindade que, pela sua presciência, sabia lhe haviam os homens de atribuir, idéia cuja duração só seria permitida pelo tempo que necessário fosse à transformação do culto material em culto espiritual.
Deus releva sempre os erros que, em matéria de crenças, são cometidos de boa-fé. Unicamente o orgulho e a hipocrisia, a felonia e a mentira são punidos, porquanto só as faltas tornam culpada a criatura.
Assim, Deus releva o erro que de boa-fé cometem os que crêem na divindade do Cristo. Para esses, a luz se fará mais tarde. Os que, porém, se apóiam na divindade atribuída a Jesus e se esforçam por sustentá-la sem nela crerem, rejeitando conscientemente a nova revelação que os Espíritos do Senhor, órgão do Espírito da Verdade, trazem aos homens da parte de Deus, esses são exploradores do Cristianismo, são velhacos e hipócritas. Longa e dolorosa expiação os aguardará.
Sempre de par caminham o bem e o mal no vosso planeta, que ainda se conta entre os mun- 352
dos inferiores, e o mal é muitas vezes empregado para conduzir ao bem, no sentido de que a mão paternal do Senhor susta os maus efeitos que do mal adviriam e faz que ele produza bons frutos. Assim é que, quando o desenvolvimento moral e intelectual tornou possível que os homens contemplassem a verdade sem véu, nem disfarce, embora houvessem mantido o erro, o Senhor permitiu que deste uma grande luz jorrasse, que de súbito a claridade se fizesse. Quer dizer que, aparecendo subitamente aos homens, despojada do que a ocultava de suas vistas, a verdade brilhou com fulgor mais vivo do que brilharia se eles se houvessem habituado pouco a pouco a vê-la na sua pureza. A revelação atual é que vem levantar o véu que a escondia.
Jesus, repetimos, quis desde logo infirmar a idéia da divindade que lhe seria atribuída, porquanto, se ele fosse Deus, por ser uma fração, embora indivisível, do próprio Deus; se fosse igual a Deus, saberia tanto quanto Deus.
O que, pois, o Mestre teve em vista ao proferir aquelas palavras foi que os homens compreendessem que, seja qual for a extensão do seu poder e da sua presciência, com relação aos Espíritos que o cercam, ele não pode nunca ser igualado a Deus; que, por grande que seja a sua perfeição, não deixa de ser um Espírito criado e não pode, conseguintemente, igualar-se àquele que o criou, ao Criador incriado — Deus.
Teve, portanto, em vista mostrar que, seja qual for a sua elevação, seja qual for a altura em que se ache colocado na hierarquia espírita, ao Espírito não é dado igualar, em ciência e em poder, àquele de cuja vontade tudo procede.
Praticou assim um ato de humildade, ele, que é o maior entre os maiores do vosso planeta.
Imitai essa humildade, ó homens fúteis, e não tenteis igualar-vos ao que reina sobre todas as coisas, com o pretenderdes devassar os segredos 353
do futuro. Dessa pretensão só vos adviriam confusão e vergonha. Se, buscando penetrar mais longe do que vos é permitido, nos mistérios da vida real, vos deixardes levar por vão orgulho, o espírito do erro e da mentira de vós se apossará e caireis em erros fatais.
Espíritas, bem sabeis quais os perigos que vos ameaçam, se ousardes sondar tais profundezas. Não vos abalanceis a essa aventura inconsideradamente. Que um vão orgulho, repetimos, não vos impila a querer ir mais longe do que os vossos irmãos, na penetração de segredos que ainda vos não é dado devassar. A cada dia basta o seu labor. Contentai-vos com a parte que vos coube e deixai aos que hajam de vir depois de vós o trabalho que lhes cumpre executar.
(Mateus, vv. 37-39.) As palavras de Jesus constantes destes versículos, intencionalmente veladas como o exigiam a época, e o estado das inteligências, úteis então e preparatórias do futuro, encerram uma alusão ao dilúvio de Noé, único que se admitia naquele momento, em que certas verdades tinham que permanecer ocultas ainda por muito tempo. Esse dilúvio não foi mais do que uma renovação parcial da Terra, uma das fases de transformação do vosso mundo e de seus habitantes, necessária ao aparecimento de outros produtos. Sendo tudo harmonia em a Natureza, desde que a organização humana se modificou, também os produtos do solo se modificaram, como se modificarão de futuro, acompanhando a evolução do planeta.
Até que a renovação deste se ache completa, os acontecimentos seguirão seu curso de acordo com as condições da encarnação de cada um, variando pouco a pouco as encarnações, conforme o exigir a transformação correlativa do planeta. Ora, como essa variação tem que ir sendo parcial, pois que tudo se há de efetuar dentro da ordem e da sabedoria que regem o Universo, alguns pontos 354
da Terra receberão Espíritos mais adiantados, cujas encarnações, conseguintemente, corresponderão ao grau de adiantamento por eles alcançado; enquanto que outros encarnarão em condições quase idênticas às vossas atualmente.
(Marcos, vv. 33-37; Lucas, vv. 34-36.) Proferindo as palavras que estes versículos registram, bem como ao pronunciar as dos vv. 37, 38 e 39 de Mateus, quis Jesus concitar os homens a trabalharem pelo seu progresso, vencendo os excessos da matéria. Exortava-os, com esse objetivo, a se manterem de contínuo alerta, na expectativa de todas aquelas coisas de que ele falava deixando-as ocultas pelo véu da letra, e que anunciava como podendo verificar-se a cada instante, num futuro próximo. Queria o Mestre forçá-los a uma vigilância incessante sobre si mesmos, a um ardor constante no progredir e a depositarem inabalável esperança nas promessas do Senhor.
O Espírito deve estar sempre diante do Senhor pela prece. Deve orar pelo seu adiantamento e pelo de seus irmãos encarnados como ele. Deve, quando livre da carne, orar por todos e a prece então se torna um ato. Não penseis que quando Jesus lhe recomenda que ore, que ore sem cessar, exija do homem ou do Espírito que esteja sempre em oração, na acepção que dais a esta palavra. A prece eficaz consiste nas boas obras, que devem, como um amém agradável ao Senhor, rematar as vossas orações verbais. Orai, orai sem cessar para atenuar os rigores do julgamento, porquanto, rematando com a prática de boas obras as vossas preces, vos revestis de um manto virginal aos olhos do Senhor.
Estas palavras do Mestre: "Assim, vigiai e orai a todo momento, a fim de que mereçais evitar todas essas coisas que hão de acontecer e possais aparecer diante do filho do homem", bem como estas outras: "Esta geração não passará sem que todas essas coisas se hajam realizado", contêm 355
uma alusão necessária à reencarnação dos que, retardados, viverão de novo na Terra e habitarão os pontos dela onde se hão de produzir os cataclismos oriundos da transformação planetária. Aludem também à posição dos que se houverem suficientemente adiantado para estar habitando mundos superiores, por ocasião de tais acontecimentos, prontos a voltarem à Terra, a fim de lhe auxiliarem a marcha ascensional, na época em que ele de novo aparecerá, mas dessa vez em todo o seu fulgor espírita, no planeta terreno depurado e transformado. 356
26 Estas palavras foram mediunicamente escritas no mês de agosto de 1863.
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 40-44. — LUCAS, Cap. XII, vv. 39-40
O homem deve estar sempre alerta. — Palavras muitas vezes repetidas por Jesus com referência à separação do joio e do trigo
MATEUS: V. 40. Então, de dois homens que estiverem no campo, um será tomado, o outro será deixado. — 41. De duas mulheres que estiverem moendo num moinho, uma será tomada e a outra deixada. — 42. Portanto, vigiai; pois não sabeis a que hora virá o Senhor. — 43. Mas, sabei que se o pai de família soubesse a que hora viria o ladrão certamente vigiaria e não deixaria que lhe arrombassem a casa. — 44. Estai vós, conseguintemente, preparados sempre, porquanto à hora que menos pensardes virá o Filho do homem.
LUCAS : V. 39. Ora, sabei que, se o pai de família soubera a que hora viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que lhe arrombassem a casa. — 40. Estai, pois, vós outros vigilantes, pois o Filho do homem virá à hora que não pensais.
N. 276. (Mateus, vv. 40 e 41.) Já explicamos estas palavras que Jesus proferiu diversas vezes, em ocasiões e lugares diferentes. Reportai-vos a essas explicações. Uns hão de aproveitar da regeneração, outros, porém, serão mandados para planetas inferiores. Sim, uma parte avançará enquanto a outra se conservará indigna de participar das novas encarnações.
(Mateus, vv. 42-44; Lucas, vv. 39-40.) Jesus insiste e frisa a incerteza do dia e da hora dos acontecimentos, quer de ordem física, quer de ordem moral, que predissera, a fim de que os homens estejam cada vez mais alertas e vigilantes. Observai que poucos ainda26 vêem os sinais dos 357
tempos, da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita, da aurora da regeneração da Humanidade.
A obra do progresso segue a sua marcha; mas, não sabeis até onde ela tem que ir, nem quando quererá o Senhor dar a última demão na da regeneração humana. Tende-vos, portanto, em guarda, prontos, pois bem pode acontecer que sejais surpreendidos improvisamente. E o Senhor rejeitará os servidores indolentes que não tiverem sabido esperá-lo. 358
MATEUS, Cap. XXIV, vv. 45-51. — LUCAS, Cap. XII, vv. 41-46
Parábola do servo fiel e prudente e do mau servo
MATEUS: V. 45. Quem julgais que é o servo fiel e prudente ao qual seu senhor confiou os outros servos seus para que a tempo dê de comer a todos? — 46. Feliz desse servo, se o seu senhor, quando vier, achar assim fazendo. — 47. Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seus bens. — 48. Mas, se aquele servo, por ser mau, disser consigo mesmo: "Meu senhor tardará em vir" — 49, e se puser a maltratar os companheiros e a comer e beber com os que se embriagam; — 50, seu senhor virá num dia em que ele não o espera e numa hora que ele não sabe qual seja; — 51, o SEPARARÁ dos outros e fará partilhar da sorte dos hipócritas; é ai que haverá prantos e ranger de dentes.
LUCAS: V. 41. Pedro então lhe perguntou: Senhor, esta parábola tu a dizes para nós outros somente ou também para todos? — 42. Respondeu o Senhor: Quem julgas que seja o dispenseiro fiel e prudente, que o Senhor estabeleceu sobre seus outros servos, para que, no devido tempo, distribua por estes a ração de trigo? — 43. Feliz desse servo se o Senhor, quando vier, o achar assim fazendo. — 44. Em verdade vos digo que lhe confiará a gestão de todos os seus bens. — 45. Mas, se esse servo disser no seu intimo "Meu Senhor tardará em vir" e começar a espancar os outros servos e servas, a comer, a beber a embriagar-se, — 46, virá o senhor desse servo num dia em que ele o não espera, a uma hora em que não cuida, o SEPARARÁ dos outros e fará partilhar da sorte dos infiéis.
N. 277. Estas palavras de Jesus, apropriadas, como todas as que ele pronunciou, aos tempos, e às inteligências, se aplicam aos que tomaram o encargo de dirigir seus irmãos, de os conduzir 359
pelo caminho do progresso, de espargir sobre eles a luz.
Felizes dos que, "servos, dispenseiros fiéis e prudentes", distribuírem a tempo e a hora o alimento, dando a cada um sua ração de trigo, isto é: que espalharem por aqueles de cuja direção se tenham incumbido a luz e a verdade, à medida que forem reveladas, acompanhando o progresso dos tempos, auxiliando, pela palavra, mas principalmente pelo exemplo, a marcha das gerações para a realização de tal progresso, em vez de as desviar desse caminho. Grande recompensa terão. Verão abrir-se cada vez mais, diante de seus passos, a estrada que, levando à perfeição, dá acesso ao trono do Senhor onipotente, que então os fará partícipes da sua inteligência, do seu saber e do seu amor, na vida e na harmonia universais.
Os que, porém, abusam da sua autoridade, da confiança de que são indignos, para transviar os que deviam ser por eles guiados; para mais apertar a venda nos olhos dos que deviam ser por eles esclarecidos e se entregam às voluptuosidades humanas, lançando mão de bens nos quais não deveriam sequer tocar, esses serão severamente punidos.
"Maus servos", são mais culpados e mais castigados serão do que os outros, pois que assumem responsabilidade maior e, assim, terão que sofrer, além do castigo de suas próprias faltas, o das de que tenham sido causadores. Quanto mais viva e forte brilhar a luz, mais retumbante e alta ecoará a voz do Senhor e mais terríveis serão as contas que terão de prestar esses servos indignos, aos quais competia guiar, dirigir, instruir os que lhes estavam confiados. Mais lhes foi dado, mais lhes será pedido.
Sim, aquele que se incumbiu de ser guia de seus irmãos maior responsabilidade tem. Ela faz pressupor um valor mais elevado. Se, portanto, em vez de cuidar dos que se lhe acham entregues, 360
os despreza; se, em vez de guiá-los, os detém no caminho; se, em vez de os esclarecer, lhes aperta sobre os olhos a venda, impossibilita-os de avançar e de executar a obra do Mestre.
Oh! a esse servo infiel, que tinha a seu cargo o encaminhamento de outros mais fracos, severas contas serão tomadas. Pagará não só o mal que houver feito, mas também o mal que tenha induzido outros a praticar, o mal que não haja impedido, podendo-o. Será mandado para o meio dos infiéis e aí, servindo de guia a "cegos", tendo que falar a "surdos", lamentará amargamente não haver desempenhado a missão de que se encarregara, quando se achava entre seres inteligentes, capazes de o compreenderem. Ah ! então é que se ouvirão "prantos e ranger de dentes", pois que, exilado em mundos inferiores, o Espírito sofrerá tanto mais, quanto mais adiantado tenha sido no planeta terreno.
Oh! poderosos da Terra, quem quer que sejais, que pedistes e obtivestes a missão de dirigir vossos irmãos pela senda do progresso físico, moral e intelectual, o que acabamos de dizer, explicando, segundo o espírito, as palavras do Mestre, referente a coisas de ordem espiritual, também se vos aplica, no tocante às coisas de ordem temporal, do ponto de vista, assim da recompensa, como do castigo. 361
LUCAS, Cap. XII, vv. 47-48
A culpabilidade e a responsabilidade do Espírito são proporcionais aos meios postos a seu alcance para se instruir e à luz que recebeu
V. 47. Esse servo, que conheceu a vontade do seu Senhor e que, entretanto, não se preparou, nem fez o que seu Senhor queria, será duramente açoitado. — 48. Aquele, porém, que, sem conhecer a vontade do seu Senhor, fez coisas merecedoras de castigo, receberá menos açoites. Muito será pedido àquele a quem muito foi dado e aquele a quem muito tenha sido confiado maior conta terá que prestar.
N. 278. Facilmente se compreende que aquele que comete uma falta, depois de ter sido avisado para estar vigilante, mais culpado é do que outro que do mal que pratica apenas tem consciência, sem formar desse mal uma idéia precisa.
Tal a razão por que, quanto mais a luz brilha aos vossos olhos, quanto mais ensinamentos e conselhos recebeis, tanto mais culpados sois, se vos afastais do caminho que vos é traçado. Muito será pedido àquele a quem muito foi dado. A esse cumpre que faça frutificar o que se lhe confiou. A boa semente nele lançada tem que produzir, em toda a extensão do seu desenvolvimento moral e intelectual, na proporção de cem, sessenta, quarenta por um.
Jesus, na sua linguagem sempre apropriada às inteligências dos homens materiais que o ouviam, lhes apresenta sempre a imagem de um castigo material. 362
MATEUS, Cap. XXV, vv. 1-13
Parábola das virgens loucas e das virgens prudentes
V. 1. Então, o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando de suas lâmpadas, saíram a receber o esposo. — 2. Mas, cinco dentre elas eram loucas e cinco prudentes. — 3. As primeiras, tomando de suas lâmpadas, não levavam consigo azeite. — 4. As prudentes, porém, levavam azeite em seus vasos, juntamente com as lâmpadas. — 5. Como o esposo tardasse em chegar, começaram todas a toscanejar e por fim adormeceram. — 6. À meia-noite se ouviu este brado: Eis aí vem o esposo! Saí ao seu encontro. — 7. Todas aquelas virgens se levantaram e prepararam suas lâmpadas. — 8. Disseram então as loucas às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, pois que as nossas lâmpadas se estão apagando. — 9. Ao que as prudentes responderam: Para que não suceda faltar-nos ele a nós e a vós, ide antes aos que o vendem e comprai-o para vós. — 10. Mas, enquanto elas o foram comprar, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para as bodas e a porta se fechou. — 11. Por fim, chegaram as outras virgens e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta. — 12. Ele, porém, respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. — 13. Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia nem a hora.
N. 279. Uns não compreenderam esta parábola e outros lhe falsearam o sentido e o objetivo.
Dizendo-a, teve Jesus em mente obrigar os homens a estar sempre alerta, fazer-lhes compreender que não devem deixar para o último momento o cuidado de sua reforma, do seu progresso, porquanto talvez seja tarde.
As virtudes de uns em nada podem servir para resgatar os vícios de outros. Aos vossos irmãos podeis dar o amparo dos vossos conselhos e exemplos, mas não podeis repartir com eles 363
o vosso óleo, isto é: o mérito das vossas obras, mérito que só reverte em benefício daquele que as pratica.
Trabalhe, pois, cada um pela sua própria reforma, pelo seu próprio adiantamento. O indiferente ou o leviano verá que, quando supuser chegado o momento de se entregar a esse trabalho, quando se estiver dispondo a começá-lo, bem pode acontecer soe a hora do seu comparecimento perante o juiz e ele então será colhido de surpresa.
Não, não acuseis a Jesus de haver ensinado a prática do egoísmo. Compreendei que apenas quis que vos resguardásseis da indolência, que vos leva a diferir para o dia seguinte o ato que ele vos concita a executar no mesmo instante; da negligência, que vos induz a descansar no mérito dos "santos", das intercessões monásticas, das absolvições clericais, como assecuratórias da vossa salvação, quando é certo que só as vossas obras pessoais vo-la podem garantir.
(Vv. 6-13.) Não querendo desanimar os que não hajam tomado antecipadamente suas precauções, eles são mandados aos que os podem socorrer.
Aqui, as virgens prudentes sentem que o mérito que possuem apenas lhes basta. Dele não podem dispor em favor de ninguém. E, quando o pudessem, o de que dispõem se tornaria insuficiente. Urge o tempo e elas, que vão ser chamadas, se sentem incapazes de auxiliar, com o que têm, as que necessitam de auxílio. As virgens descuidosas, que por sua vez sentem quão erradas andaram, deixando de fazer provisão, só resta se dirigirem aos que lhes possam dar os conselhos necessários.
Os que vendem o óleo próprio a encher as lâmpadas vazias são os bons Espíritos do Senhor. Eles efetivamente vos vendem esse óleo, por isso que, fazendo-vos progredir, a seu turno progridem. Tudo, assim, é comutativo entre vós e eles. 364
O preço que cobram está no progresso que vos fazem realizar, de acordo com a lei de mutualidade e de solidariedade fraternais. Se, porém, tardarem em lhes pedir socorro, em lhes pedir o óleo que alimentará a luz, sem a qual as virgens não podem entrar com o esposo, elas não chegarão a tempo. E quando julgarem que suas lâmpadas se acham suficientemente abastecidas, a sala do banquete estará fechada.
Quer isto, em verdade, dizer que, quando os Espíritos indolentes e desidiosos, vendo aproximar-se a época da regeneração, observando os progressos realizados por seus irmãos, quiserem caminhar ao lado destes, não conseguirão acompanhá-los e serão detidos no limiar da nova habitação, vendo-se forçados a realizar, num planeta inferior, o progresso que se descuidaram de fazer na Terra.
Vigiai, portanto, ó homens, pois não sabeis em que dia e a que hora o esposo chegará: o dia e a hora da regeneração, o dia em que o Senhor virá. 365
LUCAS, Cap. XII, vv. 35-38
Vigiar. — Estar pronta a receber a Jesus por ocasião da sua segunda vinda
V. 35. Cingidas estejam as vossas cinturas e acesas tende nas mãos as vossas candeias. — 36. E assemelhai-vos aos que esperam que seu Senhor volte das bodas, para, quando chegar e bater à porta, logo lha abrirem. — 37. Bem-aventurados os servos que o Senhor, ao chegar, encontre vigilantes; em verdade vos digo que ele se cingirá, fará se ponham à mesa e virá servi-los. — 38. Quer chegue na segunda vigília, quer na terceira, se assim os achar, bem-aventurados são esses servos.
N. 280. Estai sempre vigilantes. Estai sempre preparados a comparecer diante do vosso Senhor e a recebê-lo quando lhe apraza vir, ou mandar-vos emissários seus.
O Mestre veio e os apóstolos estavam prontos para recebê-lo. Grande foi a satisfação. Mas ele voltará. Vai adiantada a noite, a segunda vigília começa pela era nova a que Jesus, em mente, aludia. Ele vos manda emissários, órgãos do Espírito da Verdade, que vêm preparar a sua vinda. Estai, pois, atentos para a terceira vigília, que ele vos quer encontrar velando por vós mesmos e prontos a recebê-lo, purificados e luminosos pelo mérito das vossas obras, que vos tornarão as almas resplendentes de luz pura e fulgurante em presença do Senhor.
Ele vos fará sentar à mesa e vos servirá. Quer dizer que vos mostrará a verdade sem véu e vos levará à perfeição. 366
MATEUS, Cap. XXV, vv. 14-30. — LUCAS, Cap. XIX, vv. 11-27
Parábola dos talentos. — Servo inútil. — Parábola dos dez marcos
MATEUS : V. 14. Porque, é assim como um homem que, tendo de partir para longe, chamou seus servos e lhes entregou os bens que possuía. - 15. A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, de acordo com a capacidade de cada um, e partiu sem mais demora. — 16. Foi-se o que recebera cinco talentos, entrou a negociar com eles e ganhou outros cinco. — 17. O mesmo fez o que recebera dois e ganhou dois. — 18. Mas, o que apenas um havia recebido lá se foi com ele, cavou um buraco no chão e aí escondeu o dinheiro do seu Senhor. — 19. Depois de muito tempo, voltou o Senhor daqueles servos e os chamou a contas. — 20. Veio o que recebera cinco talentos e, apresentando-lhe outros cinco, disse: Senhor, tu me entregaste cinco talentos; aqui estão mais cinco que ganhei. — 21. Disse-lhe o seu Senhor: Muito bem, servo bom e fiel, pois que foste fiel em poucas coisas, estabelecer-te-ei sobre muitas; entra na alegria do teu Senhor. — 22. Veio em seguida o que recebera dois talentos e disse: Senhor, tu me entregaste dois talentos; aqui estão mais dois que com eles ganhei. — 23. Disse o seu Senhor: Muito bem, servo bom e fiel, pois que foste fiel em poucas coisas, estabelecer-te-ei sobre muitas; entra na alegria do teu Senhor. — 24. Veio por fim o que só um talento recebera e disse: Senhor, sei que és um homem severo, que ceifas onde não semeaste e colhes onde não espalhaste. — 25. Temendo-te, fui-me e escondi na terra o teu talento; aqui tens o que te pertence. — 26. Seu Senhor respondeu: Servo mau e preguiçoso, pois que sabias que ceifo onde não semeei, que colho onde não espalhei, — 27, devias ter entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, assim, à minha volta, eu receberia o que é meu com juros. — 28. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem dez. — 29. Porque, a todo o que tem se dará e terá em abundância; e àque- 367
le que não tem será tirado até o que pareça ter. — 30. E o servo inútil lançai-o nas trevas exteriores; aí haverá prantos e ranger de dentes.
LUCAS: V. 11. Tendo eles ouvido isso, Jesus, continuando, lhes propôs uma parábola, a propósito de se achar perto de Jerusalém e pensarem todos que o reino de Deus se manifestaria imediatamente. — 12. Disse, pois: Um homem de alta linhagem partiu para um pais longínquo, a fim de tomar conta de um reino e depois voltar. — 13. Chamou dez servos seus, deu-lhes dez marcos de prata e disse: Ponde-os em giro até à minha volta. — 14. Mas, como os de seu país o odiavam, mandaram após ele uma embaixada para lhe dizer: Não queremos sejas quem nos governe. — 15. Com efeito, voltou o homem, depois de haver tomado posse do reino, e mandou chamar os servos a quem dera o dinheiro, a fim de saber quanto cada um fizera render. — 16. Veio o primeiro e disse: Senhor, teu marco rendeu dez marcos. — 17. Respondeu-lhe o Senhor: Muito bem, servo bom; porque foste fiel no pouco, terás poder sobre dez cidades. — 18. Veio o segundo e disse: Senhor, teu marco rendeu cinco marcos. — 19. O Senhor lhe respondeu: Tu governarás cinco cidades. — 20. Veio outro e disse: Senhor, aqui está o teu marco, que conservei guardado num lenço. — 21. Tive medo de ti, porque és homem severo, que tiras de onde não puseste e ceifas onde não semeaste. — 22. Respondeu-lhe o Senhor: Servo mau, pelas tuas próprias palavras eu te julgo: sabias que sou homem severo, que tiro donde não pus e ceifo onde não semeei; — 23, porque, então, não colocaste o meu dinheiro num banco, a fim de que, quando eu chegasse, o recebesse com juros? — 24. E disse aos que estavam presentes: Tirai-lhe o marco e dai-o ao que tem dez. — 25. Observaram-lhe: Senhor, esse já tem dez marcos. — 26. Pois eu vos digo que a todo aquele que já tem ainda se dará mais e esse terá em abundância e que, àquele que não tem, até o que tem lhe será tirado. — 27. Quanto aos meus inimigos, que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha presença.
N. 281. Já vos temos dito que não se fala na mesma linguagem a todos os homens. Assim é 368
que as parábolas de Jesus, repetidas muitas vezes, com pequenas variantes, são, quanto ao fundo, ao sentido, as mesmas, porém sempre apropriadas ao entendimento daqueles que as escutavam.
Isso se verifica também com a parábola dos talentos e do servo inútil, bem como com a dos dez marcos.
Nesta última, Jesus faz uma alusão especial (vv. 11, 12, 14 e 17) primeiramente à lei que ele viera trazer ao mundo, à ingratidão dos homens que a repeliram, falseando-a ou dela se isentando; depois, aos castigos que aguardarão os endurecidos, se, apesar de tudo, perseverarem no egoísmo e no orgulho.
Quanto à ordem que o rei dá para que lhe tragam os súditos revoltados, a fim de que sejam executados na sua presença, o que com isso quis Jesus foi aludir à sentença de banimento que será proferida contra os que permanecerem endurecidos, quando chegar o momento das retribuições gerais. Essa alusão é idêntica à que se encontra (Mateus, v. 30) nas suas palavras relativas ao servo inútil, que será lançado nas trevas exteriores, isto é: que será afastado do vosso e degredado para planeta inferior a esse, quando se operar e concluir a separação do joio e do trigo.
Essa ameaça do rei, materializada pelos Judeus, que, ouvindo-a, a tomaram segundo a letra e não segundo o espírito, assim como o que foi dito com relação ao servo inútil era de molde a enchê-los de temor.
À parte as variantes que vimos de apontar, as duas parábolas, na substância e no sentido, são idênticas. As explicações dadas respeito a uma servem para a outra. Essa a razão por que aqui se acham reunidas, embora tenham sido formuladas em ocasiões e lugares diversos.
Com ambas se deu o mesmo que com a das virgens loucas e das virgens prudentes: uns não 369
27 Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de agosto de 1863.
as compreenderam, outros lhes falsearam o sentido e o alcance.
Todas as críticas, variando em seus efeitos, derivam de uma mesma causa. Ë que, quando o sentido parabólico do ensino embaraça a crítica, apegam-se à letra; quando o embaraço vem da letra, procura-se um sentido oculto. Desse modo é que se obscurecem, falseiam, ou desnaturam o sentido e o objeto das parábolas de Jesus.
Tratem de ler com mais atenção, isentos de idéias preconcebidas, os que desejam destruir, sem compreenderem a causa secreta que os impele, sem verem o alvo que hão de atingir, mau grado à vontade que os anima. E, se com isso não sofrer demasiado o orgulho que os domina, apelem, intimamente, para aquele que abre as inteligências e compreenderão melhor. Mas, para esses o momento ainda não chegou. Presentemente27, eles se ocupam em derribar um edifício que estava prestes a ruir. Atiram ao solo, em desordem, os materiais, sem cogitarem do que possa daí resultar, sem preverem a confusão que há de nascer de tal revolvimento, sem se apiedarem das naturezas fracas que ainda se abrigam sob as abóbadas da velha igreja. Derribam e derrocam. Chegado o momento, os que lhes sucederem virão apartar pedra por pedra, escolher os materiais bons, separar os imprestáveis e reconstruir, sobre bases inabaláveis, o edifício onde todos os homens irão haurir o amor, a caridade, a fé e a esperança.
Não esqueçais (nunca o recomendaremos bastante) que todas as parábolas de Jesus, tendo, segundo o espírito, um sentido velado, de aplicação às épocas vindouras, tinham que ser, pelos homens que as escutavam, compreendidas segundo a letra, tinham, portanto, que ser aplicadas a fatos materiais correspondentes à época e às inteligências 370
desta. Assim, pois, tomai sempre todas as parábolas de Jesus no seu sentido velado e profético e também debaixo do ponto de vista material aplicável, quer pelo exemplo, quer pelas expressões, às inteligências da época.
Eis aqui a explicação, em espírito e em verdade, da dos talentos e da dos dez marcos, as quais, repetimos, salvo as variantes que já vos assinalamos, são idênticas no fundo e no sentido.
O Senhor não exige, não reclama de cada um de vós senão o que é justo, atentas as vossas capacidades e a vossa fraqueza humana. Mas, quer que façais todos os esforços por progredir. Dentro de vós colocou o gérmen: desenvolvei-o.
Não vos apegueis, para adormecerdes na preguiça, à desculpa de que tendes menos faculdades do que vossos irmãos. Não alegueis que não sois aptos, que fostes deserdados, que o Senhor exige tanto das suas criaturas que jamais vos seria possível satisfazê-lo; que, ao contrário, poderíeis desmerecer ainda mais, se tentásseis esforços inúteis; que vos poderíeis transviar e atrair em maior escala o que chamais a sua cólera e que é apenas a sua justiça.
O Senhor é justo e eqüitativo. Se é certo que não vos achais todos no mesmo ponto; se é certo que pareceis não ter todos o mesmo número de "talentos", não menos certo é que podeis chegar, pela vossa perseverança, a merecer que maior quantia vos seja confiada. Todos partistes do mesmo ponto, todos ao mesmo ponto chegareis. Mas, entre vós, uns há mais preguiçosos do que outros. A esses o Senhor tirará o "talento", o marco que possuem.
Quer dizer que, não podendo caminhar de par com os bons servos, eles serão transferidos para outros meios, onde suas disposições lhes bastem. Estes outros meios, está claro, serão inferiores ao em que se encontravam. Doer-lhes-á então terem perdido a posição em que estavam e mais rude 371
será o trabalho que terão de executar para reconquistá-la.
Jesus não pretendeu dar a entender que o Senhor, justo em tudo, faz que os servos ativos tirem proveito da falta de virtude e de atividade dos servos incapazes. Quis tão-somente significar que os primeiros, por terem mais, andarão mais depressa e quinhão maior obterão das graças do Senhor.
Falando do terceiro servo, o Mestre alude a esses Espíritos malévolos que, para encobrirem suas próprias faltas, procuram atribuir faltas aos outros. Longe estava do pensamento do "filho" acusar o "pai". A resposta que ele põe na boca do Senhor tem esta significação : "Pois que me julgas exigente e ríspido, capaz de colher onde não semeei, de exigir o que não dei, como pudeste adormecer sem nada tentar para me satisfazer? Não é evidente que devias, uma vez que te não consideravas bastante forte para, por ti só, o conseguires, buscar o amparo dos que pudessem ajudar-te? Eles te teriam levado ao ponto de me restituíres com juros o que te dei, isto é: de progredires".
Os banqueiros, segundo o espírito, são os que podiam desenvolver no terceiro servo o amor do progresso e, conseguintemente, segundo a letra, conseguir os juros que o Senhor exige do seu servo. Por banqueiros deveis entender, de acordo com o sentido oculto da parábola, os que podem auxiliar o progresso de seus irmãos na Terra e no espaço: Espíritos encarnados e errantes.
Compreendei também essas mesmas palavras de Jesus do ponto de vista material, aplicável, pelo, que exprimiam e pelo exemplo que continham, às inteligências da época. A lei de Moisés proibia os empréstimos a juros, assim como a escravidão. Era uma lei protetora dos Hebreus contra os próprios Hebreus. Dessa circunstância nasceram os abusos contra os estrangeiros. Por efeito de 372
uma interpretação capciosa, entendia-se que a proibição só existia de Hebreu para Hebreu, mas não de Hebreu para com o estrangeiro e assim toda a exação, considerada culposa quando praticada contra um Hebreu, era tida por justa, se praticada contra um estrangeiro. Notai que aqui não se trata de banco, do ponto de vista da vossa época, e sim de troca, transação, que permitia ao que recebia em depósito uma certa soma operar com ela, trocando-a por mercadorias quaisquer e partilhando dos lucros, mais ou menos igualmente, com o dono dos fundos. Considerai os mil artifícios inventados pela cupidez para fraudar as leis; atentai no que se passa em torno de vós e compreendereis que houvesse quem recebesse fundos e sobre eles pagasse juros, ou que os fizesse render conforme as necessidades da época.
Quanto às palavras constantes nos vv. 29 de Mateus e 26 de Lucas, são idênticas às de que Jesus já anteriormente usara na parábola do semeador. Recebestes acerca dessas palavras as explicações necessárias nas que vos demos em o n. 164 do 2° volume, à pág. 316. Nada temos que acrescentar. Reportai-vos a elas.
Claros são, pois, o sentido e o objetivo das parábolas dos talentos e dos dez marcos. Estais em condições de lhes compreenderdes o sentido velado e profético, que é o seguinte:
O pensamento de Jesus, ao propô-las, abrangia a época da sua missão terrena, seu regresso às regiões superiores após o sacrifício do Gólgota, a época preparatória da sua volta ao planeta terrestre, época que é a era nova do Cristianismo do Cristo, a era do espírito, e a época mesmo dessa volta. Ele adverte os homens de que lhes cumpre, trabalhando com atividade, empregando esforços sérios e porfiados, prosseguir no desenvolvimento de seu progresso moral e intelectual. Adverte-os de que cada um tem e terá que prestar contas, 373
que a cada um contas serão pedidas das faculdades que recebeu do Senhor, faculdades que todos podem e devem fazer que rendam, que todos podem e devem desenvolver, tendo para ajudá-los nisso os "banqueiros", isto é: todos os que lhes podem auxiliar o progresso na Terra e no espaço e cujo amparo importa que busquem.
Previne-os de que para o desempenho dessa tarefa têm eles, os homens, o tempo preciso, a expiação e a reencarnação, porquanto, como sabeis, o joio há de crescer ao lado do trigo até que se verifique a regeneração, cuja hora e cujo dia ninguém sabe quando chegarão. Previne-os de que, nessa época, os Espíritos que ainda se conservarem culpados ou rebeldes, preguiçosos e ignorantes, orgulhosos ou egoístas, incapazes ou indignos de participarem da regeneração, serão afastados da Terra e mandados para planetas inferiores; de que, para esses, grandes serão a dor e os remorsos, longa a expiação e mais rude o labor pela reconquista da posição que perderam. Avisa-os de que os que houverem trabalhado pelo seu progresso, na medida de suas capacidades, serão, de acordo com as obras que tenham praticado e sobretudo de acordo com a boa-vontade de que hajam dado mostras, recompensados na classificação que se fará nesse período de regeneração e de purificação em vosso planeta depurado e regenerado. 374
MATEUS, Cap. XXV, vv. 31-46
Depuração pela separação do joio e do trigo, apresentada sob a figura emblemática de um juízo final
V. 31. Quando o filho do homem vier na sua majestade acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no trono da sua glória. — 32. E, reunidas todas as gentes na sua presença, separará uns dos outros, como o pastor aparta dos cabritos as ovelhas. — 33. Porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. — 34. Dirá então o rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu pai, entrai na posse do reino que vos está preparado desde o principio do mundo; — 35, pois, tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era forasteiro e me recolhestes; — 36, estive nu e me vestistes, estive enfermo e me visitastes, estive encarcerado e me fostes ver. — 37. Dir-lhe-ão, então, os justos: Senhor, quando foi que te vimos faminto e te demos de comer; ou com sede e te demos de beber? — 38. Quando foi que te vimos sem teto e te recolhemos, ou nu e te vestimos? — 39. Quando foi que te vimos enfermo, ou preso, e te fomos visitar? — 40. O rei responderá : Em verdade vos digo que, todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequenos, a mim o fizestes. — 41. Aos que estiverem à sua esquerda dirá em seguida: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e seus anjos; — 42, pois, tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; — 43, era forasteiro e não me recolhestes; estive nu e não me vestistes; enfermo e preso e não me visitastes. — 44. Também esses perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos faminto, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou encarcerado e não te assistimos? — 45. Ele lhes responderá : Em verdade vos digo que, quantas vezes o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, tantas o deixastes de me fazer a mim. — 46. E irão estes para o suplicio eterno e os justos para a vida eterna. 375
N. 282. Estas palavras de Jesus serviram de base a todas as crenças e a todas as interpretações humanas. Apropriadas aos tempos e às inteligências, tinham elas que servir, atento o passado de todos os povos, para aquele momento e tinham que preparar o futuro. Tomadas ao pé da letra, foram mal compreendidas e falsamente interpretadas. Mas, tudo tem a sua razão de ser na marcha do progresso para a depuração e transformação assim dos mundos, como das humanidades.
Elas vos vão ser explicadas em espírito e verdade.
Pintando para os seus discípulos um quadro imponente do juízo final, quis Jesus deixar nas inteligências uma impressão inapagável.
A homens que habitualmente tremiam diante dos juízes e que mal eram contidos pelas leis, se bem fossem estas de extrema dureza, preciso era que se apresentasse um quadro impressionante e material do "julgamento" a que teriam de ser sujeitos e das conseqüências desse julgamento.
Dissemos acima: "A homens que habitualmente tremiam diante dos juízes." Em Israel, os grandes sacerdotes do templo eram os juízes, pois que de todos os delitos conheciam. As sentenças arbitrárias que proferiam eram freqüentemente terríveis. Entretanto, não impunham o respeito à lei.
(Vv. 31 e 32.) Quando o filho do homem vier na sua majestade acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no trono de sua glória e, reunidas todas as gentes na sua presença, separará uns dos outros, como o pastor aparta dos cabritos as ovelhas.
Supuseram tratar-se do "fim" de tudo e reuniram os acontecimentos. Essas palavras são simbólicas. Jesus falava das épocas que se hão de suceder, até ao momento em que a luz suave e verdadeira virá iluminar o mundo.
O trono da glória de Jesus é a época em que todos os povos estarão sob o jugo da sua lei. Seu 376
trono se achará então firmado no fundo dos corações de todas as criaturas e os anjos do Senhor o cercarão e descerão ao meio destas.
Não começou já esse período? O trono do Salvador não está sendo preparado para recebê-lo? Os anjos do Altíssimo não descem já até vós para vos ensinar a cantar a. glória do Onipotente, preparando-vos, por meio da prática da justiça, da caridade e do amor, para o advento do espírito; abrindo-vos, pelo progresso moral, todas as fontes do progresso intelectual; ensinando-vos a ser brandos e dedicados aos vossos irmãos?
As gentes não se encontram todas reunidas sob as vistas do Salvador e não vedes que se há materializado uma palavra simbólica, como o são todas as dos Evangelhos?
Não se procede, desde a origem dos tempos, à separação? Desde o aparecimento do homem na Terra, os Espíritos que pelo seu progresso têm merecido habitar os meios mais elevados do vosso mundo, ou mundos superiores ao vosso, hão ascendido a esses meios ou a esses mundos. Do mesmo modo, os Espíritos culpados têm sido, de acordo com o grau de culpabilidade e com as necessidades do progresso que devem realizar, mandados, como castigo, como expiação, para os meios inferiores do vosso planeta, ou para planetas inferiores ao vosso. Até hoje foi consentido que o joio crescesse ao lado do trigo e o será até à época em que, havendo de efetuar-se a regeneração, se tenha operado progressiva e sucessivamente a depuração do planeta terreno. Nessa época, a separação estará completamente feita: aos Espíritos culpados, refratários ao progresso, não mais será permitido reencarnar na Terra. Só aos que se houverem tornado capazes, dignos de avançar pela estrada da regeneração, será isso permitido, sendo eles colocados nas condições que lhes forem necessárias. É a essa separação que Jesus aludia. 377
Ela estará inteiramente concluída quando o vosso planeta entrar nas fases da sua fluidificação.
Quanto à determinação da época dessa separação, que se interpretou falsamente como sendo um fato único, súbito e instantâneo, não passou de uma figura. Para a realização de semelhante obra, que é progressiva e sucessiva, não pode haver época predeterminada segundo a maneira humana de calcular. Essa época corresponde ao período que precederá a depuração completa da Terra.
Jesus voltará ao mundo, quando a Humanidade estiver prestes a atingir a perfeição moral e ela aclamará a sua vinda, entoando este cântico de júbilo, de alegria, imenso e unânime: Bendito o rei que vem em nome do Senhor.
(Vv. 33 e 34, 41 e 46.) Igualmente simbólicas são as palavras do Mestre, constantes destes versículos e apropriadas, pela letra, às inteligências, que convinha fossem por elas trocadas e impressionadas. Os Espíritos que se houverem regenerado na Terra, bem como os que, suficientemente purificados e adiantados, tenham vindo de outros mundos para, nas condições que lhes forem necessárias, habitar o vosso planeta regenerado, a fim de nele progredir e participar da sua marcha ascensional, esses é que estarão "à direita do rei", é que serão os "justos" chamados a "entrar na posse do reino que lhes foi preparado desde a constituição do mundo". Serão os benditos do pai, porque terão trabalhado ativamente pelo seu progresso pessoal e pelo progresso coletivo. Deus abençoa os que trabalham pelo seu próprio adiantamento e pelo de seus irmãos. A bênção desce sobre aqueles cujas obras a atraem.
O lugar reservado aos eleitos, isto é: aos merecedores, aos dignos, são as regiões elevadas onde todo Espírito, logo que atinja a maioridade espiritual, entrará na posse da parte da herança que lhe está destinada desde a sua origem. 378
Os justos irão para a vida eterna. Caminharão pela via do progresso para a perfeição que lhes dará, na eternidade, a vida espírita, isentando-os de toda e qualquer encarnação, uma vez que se tenham tornado puros Espíritos.
Os que estiverem "à esquerda do rei", os "malditos", irão "para o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos, para o suplício eterno". Os Espíritos culpados irão para lugares onde eternamente se sofre, seja no estado de erraticidade no espaço, seja no de encarnação. São de expiação esses lugares, mas também de provas e de progresso, e constantemente se renovam, por meio de depurações e transformações lentas e gradativas, como igualmente se renovam as categorias dos Espíritos que os habitam. São mundos inferiores, preparados para os Espíritos culposos, no sentido de servirem para habitação deles, que figuradamente se designam pelos nomes de "diabo" e de "anjos do diabo", conformemente ao grau de culpabilidade de cada um. Tais mundos constituem para esses Espíritos um "inferno" e, ao mesmo tempo, um "purgatório", como meio de expiação, de reparação e de progresso. Tal é o espírito. Velando-o pela letra, Jesus intencionalmente deu o ensino sob um aspecto material, tendo em vista que ele ia passar sucessivamente através de gerações bárbaras, que precisavam ser aterrorizadas para se deixarem domar.
Teve assim a sua razão de ser o dogma humano da eternidade das penas, como fruto do reinado da letra, necessário por certo tempo, até que a Humanidade se houvesse adiantado bastante na senda do progresso moral e intelectual.
Não vos foi dito: A letra mata e o espírito vivifica? Palavras proféticas eram estas, destinadas a ser compreendidas e aplicadas nos tempos preditos em que o espírito viria esclarecer a letra e dar-lhe o verdadeiro sentido. Esses tempos chegaram. O Espírito da Verdade, por meio da nova 379
revelação, vos vem ensinar a verdade, despojando da letra o espírito.
Sim, fictícias são as ameaças do fogo eterno, do suplício eterno, como expressão de uma condenação eterna proferida contra o Espírito culpado. Jamais estiveram no pensamento de Jesus.
Os banidos serão degredados para os lugares de trevas, serão rechaçados para os mundos de expiação, onde o princípio do mal reina soberanamente e onde se verão condenados a viver por séculos no meio da desgraça e das dores. Sim, é aí que se ouvem prantos e ranger de dentes; é aí que um fogo inextinguível requeima o Espírito, porquanto, deportado, pela sua perversidade, para essas desgraçadas terras, ele guardará a lembrança do que haja perdido e acreditará que o perdeu para sempre. Daí se originam as chamas que o devorarão, daí nascem os demônios que o torturarão com o seu contacto aviltante — as dores, que serão morais para a sensibilidade do Espírito, mas que também se tornarão, de certo modo, materiais pelos sofrimentos físicos inerentes a tais encarnações, sofrimentos que mais acerbos são para aquele que é punido pela sua reincidência, isto é: que se vê degredado, quando pudera ter progredido e gozar da paz do Senhor.
Mas, a mão paternal de Deus se estende sobre esses pobres exilados como sobre todos e com o correr dos séculos a paz acabará por entrar neles com o remorso do seu endurecimento e o desejo da reparação. Será isso efeito da onipotência do Senhor, expressa na lei imutável do progresso e da perfectibilidade por ele estabelecida desde toda a eternidade e que se executa sob os auspícios da sua justiça, da sua bondade e da sua misericórdia infinitas.
Dissemos há pouco, falando do Espírito banido: Ele guardará a lembrança do que haja perdido e acreditará que o perdeu para sempre. Isso, entendei-o, se dá no estado de erraticidade. O 380
Espírito, livre dos entraves da carne, compreende a sua posição, vê suas faltas. Poderá iludir-se durante algum tempo, mas, passado o período de dilação, como nada de arbitrário, ou que pareça tal, pode o Espírito ver na execução dos desígnios divinos, todo o seu passado se desenrolará às suas vistas e, assim como lhe será dado julgar da justiça da condenação, também lhe será possível apreciar a justiça da recompensa concedida aos bons obreiros.
Compreendei igualmente que, mesmo na condição de encarnado, o Espírito banido experimenta um mal estar indefinível, mas que lhe causa sofrimento e dá uma impressão de superioridade com relação aos outros e, portanto, do aviltamento relativo da sua posição.
(Vv. 34 e 40.) Pelas palavras, que estes versículos registraram, Jesus se exime da divindade que as falsas interpretações humanas lhe atribuiriam, declarando-se irmão de todos os homens, dos mais pequeninos dentre estes, filhos todos, como ele, do pai onipotente; declarando-se Espírito criado como eles, saído do mesmo princípio, tendo tido a mesma origem. Por outro lado, dando a si próprio o título de "rei", indica, sob o véu que ficava reservado à revelação atual levantar, a sua posição espírita como protetor e governador do vosso planeta, encarregado do vosso progresso e de vos conduzir à perfeição.
(Vv. 35 a 40 e 41 a 45.) Estando prestes a deixar a Terra, que ele viera subtrair ao erro, às superstições, aos vícios, trazendo-lhe a luz, lançando as bases fundamentais da regeneração humana, traçando e abrindo as sendas do progresso, Jesus, depois de haver prevenido os homens da separação do joio e do trigo, dos bons e dos maus, lhes diz claramente em que se fundará a separação dos "cabritos" e das "ovelhas". Não será porque tenham professado ou deixado de professar tal ou tal crença, adotando tal ou tal doutrina, 381
praticado tal ou tal culto exterior, mas por terem ou não praticado, no terreno material, no terreno moral e no terreno intelectual, o amor e a caridade com todos. Os que assim o tiverem feito são os que passarão "à sua direita", ficando "à sua esquerda" os que se houverem esquecido de assim proceder.
Jesus não se ocupou com os que, não contentes de não terem feito o bem, hajam praticado o mal. A situação desses, mais grave ainda, estava implicitamente compreendida no que já ele dissera dos outros; não precisava ser mencionada.
Portanto, o que ressalta nítida e formalmente de todos os ensinamentos do Mestre é que deveis procurar constantemente ser caridosos, tornar-vos, por todos os meios possíveis, úteis aos vossos irmãos. E cada um, qualquer que seja a sua pobreza material, o pode sempre, ao menos moralmente, no meio em que se ache colocado, pelo exemplo e pelos conselhos, cuja inspiração encontrará nas palavras do Salvador, se bem as compreender.
Ressalta ainda que — fora da caridade e do amor não há salvação, isto é: não há progresso, nem adiantamento; que só pela caridade e pelo amor podeis progredir e avançar; que, sejam quais forem as vossas crenças, as vossas doutrinas, os vossos cultos exteriores e as práticas materiais desses cultos, enquanto não praticardes a caridade e o amor, enquanto, pois, permanecerdes escravizados ao orgulho e ao egoísmo, assim como aos vícios e paixões que de um e outro decorrem, estareis e continuareis sujeitos à expiação em mundos inferiores, às encarnações expiatórias nesses mundos.
Vimos de dizer, aludindo à prática do amor e da caridade: "no terreno material, no terreno moral e no terreno intelectual". As palavras de Jesus, de acordo com o seu pensamento, se aplicam ao Espírito e ao corpo, como sendo, para o 382
Espírito, no estado de encarnação, instrumento e meio de provas, de reparação e de progresso. Conseguintemente, é do duplo ponto de vista das necessidades e socorros que afetam, assim o corpo como o Espírito, que deveis praticar o amor e a caridade com os vossos irmãos. 383
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 1-13..— MARCOS, Cap. XIV, vv. 1-9
Perfume derramado sobre a cabeça de Jesus
MATEUS: V. 1. Tendo acabado de proferir todos esses discursos, disse Jesus a seus discípulos: — 2. Sabeis que daqui a dois dias se celebrará a Páscoa e o filho do homem será entregue para ser crucificado. — 3. A esse tempo reuniram-se os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo na sala do sumo pontífice chamado Caifás, — 4, e se consultaram para se apoderarem de Jesus à traição e lhe tirarem a vida. — 5. Mas, diziam: Durante a festa, não, para que não se suscite algum tumulto entre o povo. — 6. Ora, estando Jesus em Betânia, na casa de Simão o leproso, — 7, aproximou-se dele uma mulher trazendo um vaso de alabastro com precioso perfume e lho derramou sobre a cabeça, quando estava à mesa. — 8. Ao verem isso, seus discípulos se indignaram e disseram consigo: Para que este desperdício? — 9. Esse perfume podia ser vendido por bom dinheiro, que se daria aos pobres. — 10. Percebendo neles este pensamento, disse-lhes Jesus: Porque molestais a esta mulher, que no que fez comigo praticou uma boa obra? — 11. Pobres, tê-los-eis sempre convosco, ao passo que nem sempre me tereis a mim. — 12. Derramando sobre o meu corpo este perfume, ela o ungiu para ser sepultado. — 13. Em verdade vos digo que, onde quer que, no mundo inteiro, for pregado este Evangelho, narrado também será, em sua memória, o que esta mulher acaba de fazer.
MARCOS: V. 1. Dois dias depois vinha a Páscoa com os pães ázimos e os príncipes dos sacerdotes e os escribas procuravam meio de se apoderarem de Jesus à traição e de o matarem. — 2. Mas diziam: No dia da festa, não, para que não se levante algum tumulto entre o povo. — 3. Estando Jesus em Betânia sentado à mesa na casa de Simão, o leproso, ai veio uma mulher com um vaso de alabastro cheio de precioso perfume de nardo e, quebrando o vaso, lhe 384
derramou o perfume sobre a cabeça. — 4. Alguns dos presentes, indignados com isso, diziam entre si: Para que desperdiçar assim este perfume? — 5. Bem podia ele ser vendido por mais de trezentos denários, os quais seriam dados aos pobres. E murmuravam contra a mulher. — 6. Jesus então lhes disse: Deixai-a; porque a molestais? Com o que ela fez praticou uma boa obra, — 7, porquanto, pobres tê-los-eis sempre convosco e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tereis. — 8. Ela fez o que lhe era possível: embalsamou-me antecipadamente o corpo para a sepultura. — 9. Em verdade vos digo que, onde quer que no mundo todo se pregue este Evangelho, narrado também será, em sua memória, o que ela fez.
N. 283. De novo a seus discípulos anuncia Jesus sua "morte", segundo o modo de ver dos homens, e também, de maneira precisa, a sua crucificação. Aquela mulher foi, por influência espírita, impelida a fazer o que fez, porque o seu ato se prestava a pôr em relevo a presciência do Mestre quanto a essa morte, a essa crucificação, pois que, ao verificar-se o acontecimento predito, todos se lembrariam daquele ato e das palavras que ele proferira com relação ao futuro.
Quebrando o vaso de alabastro cheio de precioso perfume e derramando-o sobre a cabeça de Jesus, ela rendia uma homenagem ao Senhor.
Ainda cegos pela matéria, os discípulos só compreendiam os fatos materiais.
Repreendendo-os pelas suas murmurações, Jesus lhes fez compreender que nem sempre bastam os sacrifícios que apenas visam a matéria; que o homem precisa saber impor-se sacrifícios tendo em vista também o Espírito.
A escolha de perfumes para essa lição, obedeceu à razão de que, pela natureza que lhes é essencial, eles dão a ver que os sacrifícios que se hajam de fazer, tendo-se em vista o Espirito, não devem ser buscados unicamente nas coisas de ordem material, mas também nas de ordem. espiritual. 385
"Não molesteis a essa mulher; deixai-a, disse Jesus; e acrescentou: o que ela acaba de fazer é uma boa obra; em verdade vos digo que, onde quer que no mundo inteiro for pregado este Evangelho, narrado também será, em memória sua, o que ela fez."
Sim: era um ato de amor e de desinteresse, um sinal da vitória do Espírito sobre a matéria.
"Pobres, disse ainda Jesus, tê-los-eis sempre convosco, ao passo que nem sempre me tereis a mim."
Estas palavras do Mestre não foram compreendidas em espírito e verdade.
No que lhe concerne, ele alude ao seu apare-cimento na Terra, aos tempos e à duração desse aparecimento, para o desempenho da sua missão terrena, acorde aquela duração com as necessidades dessa missão. Alude também à duração da sua vida, humana ao ver dos homens.
Os que tomam sempre as suas palavras do ponto de vista das necessidades humanas, sem se lembrarem de que, antes de tudo, ele considerava as necessidades espirituais, falsearam estas: Pobres, tê-los-eis sempre convosco, atribuindo-lhe o pensamento, a afirmação, tão absurda e falsa, quão fatalmente retrógrada, de que a pobreza material há de ser sempre, eternamente, apanágio da Terra, da humanidade terrena.
Falando dos pobres da Terra, Jesus não aludia especialmente àqueles que carecem de bens materiais, mas de todos quantos se encontram num estado de inferioridade qualquer, que necessita do auxílio, do concurso, do amparo dos homens de boa-vontade. Suas palavras se referem às condições dos Espíritos, que uns são inferiores a outros em inteligência. Ele, pois, se referia não só aos que são materialmente pobres, mas também aos que o são moralmente e sobretudo aos pobres de inteligência. 386
No vosso planeta ainda inferior e em via de progresso, bem como em todos os outros igualmente inferiores, sendo a pobreza, tanto a material quanto a moral, uma conseqüência das provações, sempre haverá pobres de uma e outra categoria, até que esteja concluída a separação do joio e do trigo, isto é, que a depuração da Terra e da humanidade esteja completamente terminada pela separação dos bons e dos maus.
Lembrai-vos, porém, do que já diversas vezes temos dito: que da elevação de um planeta não decorre o nivelamento das faculdades.
Entre vós sempre haverá pobres, ainda quando do vosso mundo hajam desaparecido tanto a pobreza material, como a pobreza moral. Qualquer que seja o grau de depuração do planeta terreno, aí haverá sempre, num ponto ou noutro, Espíritos depurados, bons, mas menos adiantados do que outros. Esses são os intelectualmente pobres, aos quais os ricos em inteligência, em saber, darão com abundância o que possuem. Já o temos dito e não devereis esquecer que, do ponto de vista intelectual, há sempre, entre os Espíritos, hierarquia, no tocante à ciência universal, mesmo quando todos tenham atingido a perfeição moral.
A pobreza material deixará de existir na Terra quando dentre vós desaparecerem todas as enfermidades morais, que tendes de expiar renascendo continuamente. Despojai-vos, portanto, dos vossos vícios, quer advenham da carne, quer do Espírito, que deve dominar a matéria, pois que do contrário os felizes de hoje talvez sejam os pobres de amanhã.
O desaparecimento, a cessação completa da pobreza material, de maneira que cada um viva folgadamente do seu labor, será um sonho enquanto a vossa depuração moral não houver suavizado as vossas futuras expiações. As associações, as instituições de beneficência que mantendes são boas, porque provam, em vós o desejo de fazer o bem, de socorrer vossos irmãos. Mas, sem desprezardes 387
os socorros materiais, esforçai-vos por socorrer o moral dos homens. Podereis então dizer que a miséria material cessará no planeta terreno, quando dele for expulsa a miséria moral.
A esse tempo, prestando-se os homens mútuo e esclarecido auxílio, todos em comum trabalharão na obra comum. Quão longe, porém, está essa era bendita em que haveis de entrar!
Preparai-vos, não obstante, para ela e fazei com esse objetivo todos os esforços, organizando, com os corações cheios de humildade e desinteresse, de justiça, de amor e de caridade, sociedades para o trabalho de ordem material, de ordem moral e de ordem intelectual. Que os "ricos" dêem abundantemente aos "pobres", trazendo cada um a tais associações o tributo das faculdades de que possam dispor, a fim de que se espalhem e desenvolvam a educação e a instrução moral e intelectual, explicando aos homens e fazendo-lhes compreender: o amor a Deus acima de tudo e o do próximo como a si mesmos, as maneiras e os meios de praticar-se esse duplo amor, de praticar-se, observando a liberdade na ordem e a ordem na liberdade, o máximo de mutualidade, de solidariedade, de fraternidade, fonte e regra de todos os direitos e deveres, máxima que se formula nestes termos: um por todos e todos por um, em todas as associações, de qualquer natureza que sejam — comerciais, industriais, agrícolas, morais e intelectuais, compreendidas no rol destas últimas as literárias, as religiosas e as científicas, em todas as esferas da atividade humana: individual, comum ou social. 388
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 14-19. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 10-16. — LUCAS, Cap. XXII, vv, 1-13
Pacto de traição feito por Judas lscariotes com os príncipes dos sacerdotes. Lugar escolhido para a Páscoa
MATEUS: V. 14. Então um dos doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes, — 15, e lhes disse: Que me quereis dar? Eu vo-lo entregarei. Convencionaram dar-lhe trinta moedas de prata. — 16. Desde então, Judas procurava uma oportunidade para entregar Jesus. — 17. Ora, no primeiro dia dos pães ázimos vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que preparemos o que é preciso para comermos a Páscoa? — 18. Respondeu-lhes Jesus: Ide à cidade, a casa de um tal homem e dizei-lhe: O Mestre te manda dizer: o meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos. — 19. Os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa.
MARCOS : V. 10. Então, Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os príncipes dos sacerdotes para lhes entregar Jesus. — 11. Ouvindo-o, eles se alegraram, prometeram dar-lhe dinheiro e Judas se pôs à espreita de uma oportunidade para o entregar. — 12. No primeiro dia dos pães ázimos, que era quando se imolava o cordeiro pascal, disseram a Jesus os discípulos: Onde queres que vamos preparar o que é necessário para comer-se a Páscoa? — 13. Chamou ele então dois dos discípulos e lhes disse: Ide à cidade; lá encontrareis um homem carregando um cântaro dágua: segui-o. — 14. Dizei ao dono da casa onde ele entrar que o Mestre lhe manda perguntar: Onde o aposento em que hei de comer a Páscoa com meus discípulos? — 15. Ele vos mostrará um amplo cenáculo mobiliado. Preparai aí o que for necessário. — 16. Os discípulos partiram, foram à cidade e acharam tudo como lhes ele havia dito e prepararam a Páscoa.
LUCAS: V. 1. Estava próximo a festa dos pães ázimos, que se chama a Páscoa. — 2. Os príncipes dos 389
sacerdotes e os escribas procuravam um meio de tirar a vida a Jesus, mas temiam o povo. — 3. Ora, Satanás entrou em Judas, cognominado Iscariotes, que era um dos doze; — 4, e Judas foi e se entendeu com os príncipes dos sacerdotes e os capitães das guardas do templo sobre o modo de lhes entregar Jesus. — 5. Alegraram-se todos e ajustaram com ele dar-lhe dinheiro. — 6. Judas prometeu e começou a procurar uma oportunidade de lhes entregar o Mestre, sem que o povo o soubesse. — 7. Chegou afinal o dia dos pães ázimos, em que se devia imolar a Páscoa. — 8. Jesus despachou a Pedro e João, dizendo-lhes: Ide preparar tudo para comermos a Páscoa. — 9. Eles perguntaram: Onde queres que a preparemos? — 10. Respondeu Jesus: Ao entrardes na cidade, encontrareis um homem carregando um cântaro dágua; acompanhai-o até à casa onde ele entrar; — 11, e dizei ao dono da casa: O Mestre te manda perguntar: Onde o compartimento em que hei de comer a Páscoa com meus discípulos? — 12. E ele vos mostrará uma grande sala mobiliada; preparai aí o que for necessário. — 13. Os dois foram e acharam tudo como ele lhes dissera e prepararam a Páscoa.
N. 284. Aproximava-se o momento de se cumprirem as coisas preditas e Jesus, falando daquele modo aos discípulos, confirmava as predições já feitas. Enviados por ele, Pedro e João encontram o homem que lhes fora indicado e tudo se passa como ele anunciara. Já recebestes (n. 246 deste volume) a explicação desses fatos, que se verificavam em Jesus, de presciência, de visão a distância, bem como a da influência oculta que concorria para que eles se produzissem. Reportai-vos a essa explicação.
Habituados a tais fatos, os apóstolos a princípio pouca atenção lhes prestaram. Mais tarde, porém, voltando a considerar todas aquelas predições, elas lhes deram, e também aos seus primeiros discípulos, a confirmação da presciência e da missão de Jesus. 390
28 Ver: Evangelho de João, cap. XII, v. 6.
Quanto à traição de Judas, essa não resultou de uma predestinação. Aceitá-la como tal, aceitando as interpretações que daquele fato resultaram, importaria em negar a justiça de Deus.
Judas, que era um Espírito desejoso de adiantar-se, mas orgulhoso e por demais confiante nas suas forças, pedira, antes de encarnar, que lhe fosse concedido participar da obra do Cristo, esperando tirar dessa participação abundantes e preciosos frutos. Em vão seus guias lhe fizeram ver os escolhos contra os quais iria chocar-se. Em vão lhe disseram ser ainda muito fraco para suportar tão grande peso e lhe mostraram que, obumbradas suas resoluções e esperanças pela carne, os sentimentos de inveja e de cobiça despertariam e o arrastariam inevitavelmente a uma queda, que tanto mais perigosa lhe seria, quanto mais obstinado ele perseverasse no seu propósito. A nada quis atender.
Jesus conhecia a Judas e lhe aceitara o concurso. A lição terrível que o esperava fá-lo-ia sair afinal purificado de todos os vícios que ainda o dominavam. Foi tendo em vista esse futuro, patente a seus olhos, que o Mestre consentiu naquele ato de Judas. Porque, ficai certos, nada ocorre sem que ao acontecimento presida um princípio de eterna justiça, de inefável amor.
Judas era orgulhoso, invejoso e amante do luxo. Pesava-lhe a sua posição humilde e pobre. Ofuscava-o a auréola que cercava Jesus, a quem não podia perdoar que por aquela forma atraísse a atenção de todos. O orgulho, a inveja e o amor do luxo lhe trouxeram, como conseqüência, a cupidez, a hipocrisia, a inclinação ao roubo.28
Pobre humanidade! que ainda te obstinas em caminhar nas pegadas de Judas, que ainda com tanta dificuldade suportas os reflexos de glória, de fama, de estima, que aureolam alguns dos teus 391
membros! Pobres homens! quanto vos torturais por achar oportunidade de vender aquele contra quem nutris íntimo sentimento de inveja, cujas causas e conseqüências a vossa consciência não ousa reconhecer! quantos dentre vós se esforçam por fazer que desmereçam na opinião pública aqueles de vossos irmãos que julgais se elevam imerecidamente no conceito dos outros homens! com quantos artifícios vos pondes à espreita do momento em que lhes deitareis a mão e os entregareis aos sacerdotes, aos escribas e aos fariseus da vossa época, procurando descobrir, traiçoeira e cuidadosamente, o lado fraco, as faltas dos que desejais sacrificar, colocando-os, em seguida, desnudos diante dos que também aguardam um instante favorável para deles se apoderarem !
Oh! empregai de preferência os recursos da vossa tão perspicaz inteligência em descobrir meios de ocultar a todos os olhares as faltas, reais ou aparentes, dos vossos irmãos. Homens! não façais como Judas. Ah! não sabeis quão terrível é a expiação daquele que "vende" o "justo", que trai a seu "mestre". Não digais: "A culpa não é minha; esse que quero fique perdido perante a opinião pública, esse cuja reputação solapo soturnamente, cujas fraquezas eu, oculto nas sombras, espreito, para expô-las à luz meridiana, às vistas de todos, este não é um justo, não é meu mestre". Que sabeis a tal respeito? Estás bem certo tu, Judas orgulhoso, que sucumbes a uma inveja surda, estás bem certo de que ele não é teu mestre, isto é: de que, se estivesses em seu lugar, não falirias mais gravemente?
Queridos irmãos, desconfiai todos, todos sem exceção, de vós mesmos, pois que estais sempre prontos a dar entrada a "Satanás", ao "demônio" do orgulho e da inveja e muito prontamente sucumbis às suas sugestões. Guarde-vos o Senhor, porquanto a queda é fácil, mas o reerguimento é terrível! 392
Os discípulos, dizem os Evangelhos, fizeram o que Jesus lhes determinara, tudo se passou como lhes fora dito e prepararam tudo para que ele celebrasse a Páscoa com os doze, portanto com Judas Iscariotes também o qual, sabia-o ele, o havia de trair.
A propósito dos versículos que se seguem aos de que estamos tratando, vamos explicar-vos, segundo o espírito que vivifica, quais foram o motivo e o fim que Jesus teve em mente para celebrar com seus discípulos a ceia pascal, não numa sinagoga ou num templo construído pelos homens, mas num amplo cenáculo todo mobiliado, ceia que, como cumpria acontecesse, serviu, sob o império e o véu da letra, de base a um culto exterior e que foi, em espírito e em verdade, um ato puramente espiritual, emblemático, cujo sentido, alcance e aplicação faremos conhecer.
N. 285. Nestas frases : "Quanto à traição de Judas, essa não resultou de uma predestinação. Aceitá-la como tal, aceitando as interpretações que daquele fato resultaram, importaria em negar a justiça de Deus" — COMO SE DEVEM ENTENDER as palavras: aceitando as interpretações que daquele fato resultaram?
"Segundo as explicações que os homens deram desses fatos, Judas houvera sido de antemão escolhido e entregue ao "demônio"; fora criado para cometer o crime que praticou; sua alma fora vil, baixa, invejosa, cúpida, sanguinária, unicamente para que se cumprissem as profecias do Antigo Testamento. Quão manifesta, entretanto, é a justiça de Deus no ato daquele Espírito presunçoso, que pede para cooperar na grande obra e que, apesar de todas as observações, de todos os conselhos, se obstina em levar por diante a orgulhosa tentativa, confiando mais na sua presunção do que na presciência daquele sob cuja inspiração seus guias lhe declaravam: Tu vais falir. Quão patente 393
29 Ver, para compreensão do sentido destas palavras, o n. 240, neste volume.
se mostra, ao mesmo tempo, naquele ato, a mão paternal sempre estendida para o filho indócil, a fim de o levantar após a queda, que lhe serviria de ensinamento e lhe faria germinar no coração a salutar humildade que aí não encontrara até então acesso!
"Oh! como é grande esse Deus que permite que o filho culpado encontre, na sua própria indignidade, o ponto de apoio que o ajudará a subir para a perfeição!
"Oh! quanto é bom aquele que está sempre pronto a perdoar ao que sinceramente se arrepende, que pensa com suas mãos benfazejas as chagas dos nossos corações culpados, que nelas derrama o bálsamo da esperança e as cicatriza com o auxílio da expiação!
"Bendito sejas tu, meu Deus!
JUDAS ISCARIOTES."
DIANTE DESSA INESPERADA MANIFESTAÇÃO, dirigimos ao Espírito de Judas ESTAS PALAVRAS: "Nós te agradecemos o te teres assim manifestado, tu que faliste pedindo uma missão superior às tuas forças. Deus, em sua bondade, em sua misericórdia infinitas, permitiu que te reerguesses e tu te regeneraste no cadinho do arrependimento, do remorso, da expiação, da reencarnação, do tempo e do progresso. E te tornaste um dos auxiliares humildes, ativos e dedicados do Cristo, que te prometera, como aos outros onze apóstolos fiéis, que "beberias e comerias à sua mesa" no seu reino e que te assentarias num dos doze tronos para julgar as doze tribos de Israel" 29. Grandiosa lição essa, "fonte" de esperança e de coragem para todos, a todos ensinando que, por maior que seja o crime ou a falta da criatura, jamais é tão grande quanto a bondade de Deus."
A mão do médium, fluidicamente impelida, no mesmo instante e espontaneamente, escreveu ISTO: 394
"O amor do Senhor se estende por sobre todas as suas criaturas. Vinde, pois, a ele, cheios de confiança. Não são os inocentes os que precisam de perdão. Não são os fortes os que precisam de amparo. Vinde, filhos que chorais as vossas faltas, o Senhor vos enxugará as lágrimas. Vinde, filhos fracos e enfermos, o Senhor vos dará parte maior e mais ativa do seu amor. Vinde confiantes. Como vós, também nós falimos. Como vós, também fomos culpados, amargamos as nossas faltas e expiamos os crimes que cometêramos e as fraquezas que nos fizeram sucumbir, por meio de longo e penoso labor, numa série extensa de existências humanas, que prepararam e realizaram a nossa purificação, graças à qual o Senhor nos admitiu a gozar da sua alegria.
"Imitai-nos, portanto, irmãos bem-amados. Todos tendes, mais ou menos, o que expiar, tendes que pedir perdão. Vinde com confiança aos pés do vosso pai, confessai vossas faltas perante o seu tribunal. O juiz é reto, o juiz é justo, mas também é pai. Sua indulgência há de sempre prevalecer sobre sua justiça; suas sentenças ele as profere sempre dentro dos limites das vossas forças. É credor paciente e brando; esperará que possais pagar a vossa dívida.
"Oh! vinde! Possa a mão que vos entendemos sustentar-vos, fazendo-vos compreender que em nós achareis grandes tesouros de amor.
"Como dissestes, Judas é hoje um Espírito regenerado no crisol do arrependimento, do remorso, da expiação, da reencarnação e do progresso. Tornou-se um dos auxiliares humildes, ativos e devotados do Cristo. Este exemplo vos mostra que não deveis nunca repelir qualquer de vossos irmãos e ainda menos excluí-lo da paz do Senhor."
MATEUS, MARCOS, LUCAS E JOÃO assistidos pelos apóstolos. JOSÉ DE ARIMATÉIA, — SIMÃO DE CIRENE. 395
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 20-30. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 17-26. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 14-23
Ceia pascal. — Jesus prediz a traição de Judas
MATEUS: V. 20. Chegada que foi a tarde, Jesus se sentou à mesa com seus discípulos. — 21. E, enquanto estes comiam, disse: Em verdade vos digo que um de vós me trairá. — 22. Os discípulos, profundamente contristados, começaram um a um a perguntar-lhe: Serei eu, Senhor? — 23. Respondeu ele: O que comigo põe a mão no prato, esse é o que me entregará. — 24. O filho do homem, na verdade, se vai, conforme ao que está escrito a seu respeito, mas ai daquele por quem o filho do homem será entregue! melhor lhe fora não haver nascido. — 25. Então Judas, o que o traiu, lhe perguntou: Mestre, sou eu? Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste. — 26. Estando todos a comer, Jesus pegou do pão, o abençoou, partiu e deu aos discípulos, dizendo-lhes: Tomai e comei: isto é o meu corpo. — 27. E, tomando do cálice, rendeu graças e o passou aos doze, dizendo: Dele bebei todos. — 28. Este é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que por muitos será derramado para remissão dos pecados. — 29. Digo-vos que desta hora em diante não mais tornarei a beber deste fruto da videira, até ao dia em que o beberei de novo convosco no reino de meu pai. — 30. E, entoando o cântico de ação de graças, saíram para o monte das Oliveiras.
MARCOS: V. 17. Chegada a tarde, foi Jesus para lá com os doze. — 18. Estando todos à mesa comendo, disse ele: Em verdade vos digo que um de vós, que comigo come, me entregará. — 19. Começaram eles então a entristecer-se e a perguntar, cada um por sua vez: Serei eu? — 20. Respondeu-lhes Jesus: 2 um dos doze, que mete comigo a mão no prato. — 21. Na verdade o filho do homem vai-se, conforme a seu respeito está escrito; mas ai daquele por quem o filho do homem será entregue, melhor lhe fora não haver nascido. — 22. Enquanto comiam, Jesus pegou do pão, o abençoou, partiu e lhes deu, dizendo: Tomai, 396
e isto é o meu corpo. — 23, Pegando do cálice, rendeu graças e deu-lhes e todos beberam dele. — 24. Disse ele então: Isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, que será por muitos derramado. — 25. Em verdade vos digo que não mais beberei deste fruto da videira, até ao dia em que o hei de beber de novo no reino de Deus. — 26. E, entoado o cântico de ação de graças, saíram para o monte das Oliveiras.
LUCAS: V. 14. Chegada a hora, Jesus se pôs à mesa com os doze apóstolos, — 15, e lhes disse: Ardentemente desejei comer convosco esta Páscoa, antes de padecer, — 16, porquanto vos declaro que não tornarei mais a comê-la até que ela se cumpra no reino de Deus. — 17. Depois, pegou do cálice, rendeu graças e disse: Tomai-o, passai-o entre vós; — 18, pois vos declaro que não tornarei a beber do fruto da videira, até que venha o reino de Deus. — 19. Em seguida, tomou do pão, rendeu graças, o partiu e passou aos discípulos, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado: fazei isto em memória de mim. — 20. Terminada a ceia, tomou igualmente do cálice e disse: Este cálice é a nova aliança em meu sangue, que se derramará por vós. — 21. Entretanto, a mão daquele que me trai está comigo a esta mesa. — 22. O filho do homem, na verdade, vai-se, conforme está determinado, mas ai do homem, por quem ele será traído! — 23. Começaram então os apóstolos a perguntar uns aos outros qual deles iria fazer isso.
N. 286. Nenhuma idéia material devem despertar nos vossos Espíritos a ceia de Jesus com os apóstolos e a comunhão para a qual convida ele os homens. Naquela ocasião, servindo-se dos símbolos do pão e do vinho, que compara ao seu corpo e ao seu sangue, o Mestre fez um último e solene apelo à fraternidade entre todos. Assentados todos à mesa do festim, todos tendes que vos servir igualmente do mesmo alimento e beber pelo mesmo cálice. O Senhor marcou o lugar que deveis ocupar e indicou os alimentos que vos sustentarão. Uni-vos, pois, na vida, como os onze discípulos fiéis se uniram em torno do Mestre, liga- 397
dos por um único sentimento: o amor ao Pai, o amor ao Salvador, o amor aos vossos irmãos. Compartilhai do mesmo sacrifício, repartindo entre vós o pão que Jesus vos passa. Lembrai-vos de que esse pão tem que ser o mesmo para todos, pois que o sacrifício do Salvador se verificou para servir de exemplo a todos. Ao passardes de mão em mão o cálice, lembrai-vos de que a bebida que ele contém se destina a dessedentar todos os que se acham sequiosos, visto que seu sangue o Salvador derramou por todos.
Fazei com os vossos irmãos transviados, sejam eles os mais perversos, o que fez Jesus com o duodécimo discípulo — Judas. Embora soubesse que este o havia de trair, que era um irmão falso, um discípulo prevaricador, Jesus permite que ele se sente à mesa com os onze discípulos fiéis, que participe com estes do mesmo alimento, que beba pelo mesmo cálice, isto é: admite-o a escutar, a receber o último apelo feito à fraternidade entre todos. É que Judas era então a ovelha desgarrada, que mais tarde o bom pastor carregaria aos ombros e reconduziria ao aprisco. Ao aproximar-se o momento em que ia deixar a Terra, bem como do alto da cruz, Jesus não teve para Judas que o traíra e entregara, nem para os que o insultavam e flagelavam, senão uma palavra de perdão: Perdoa-lhes, meu pai; eles não sabem o que fazem.
Judas, que ouvira a voz do Mestre e o não escutara, presa de remorsos, quando ainda na Terra, e arrastado pelos remorsos ao suicídio, encontrou o perdão após a morte, sob a ação de um arrependimento sincero e profundo e do ardente desejo de expiar e reparar sua falta.
Depois de passar por sofrimentos e torturas morais apropriados e proporcionados à culpa em que incorrera, aos crimes que praticara, ele viu abrir-se diante de si a via da reencarnação, que o é da purificação e do progresso. Como todos, com o tempo, com os séculos, com o auxílio das 398
provações e da expiação, pôde, por efeito da onipotência de Deus, da sua justiça, da sua bondade da sua misericórdia infinitas, sair e saiu daquela via, purificado pela humildade, pelo desinteresse e pelo amor.
Retomou assim o seu lugar no banquete em companhia dos outros discípulos e hoje, com estes, convida todos os seus irmãos transviados a virem, com e como ele, sentar-se à mesa do Mestre.
Fazei com todos os vossos irmãos transviados o que fez Jesus com o duodécimo discípulo — Judas: reconduzi-os ao bom caminho, opondo à injúria, à ofensa, à traição — a doçura, a paciência, o silêncio, que o Mestre opôs ao ato de Judas, ao proceder dos que o insultavam e dos seus algozes. Não tenhais, para os vossos irmãos transviados, senão, como Jesus, palavras de perdão. Encaminhai os mais perversos, exemplificando-lhes a caridade e o amor, perseverando, para com eles, na prática do amor e da caridade. Aos que se constituírem, vossos inimigos, aos que vos odiarem, fazei o bem. Orai pelos que vos perseguem ou vos caluniam. Desenvolvendo neles, por essa forma, o sentimento do verdadeiro, do justo, do bom, preparai-os a virem um dia convosco, sob a ação do arrependimento, do desejo de reparar e de progredir, tomar lugar no banquete pascal, isto é: no banquete da fraternidade universal.
O pão e o vinho não são mais que símbolos. Jesus nunca lhes pretendeu dar aplicação material. Porém, ainda aqui, o que ocorreu tinha que ocorrer, pois que para a matéria só a matéria. Uma simples comemoração fora de todo estéril. Era mister impressionar os homens, levando-os a se considerarem sepulcros onde todos os dias o Cristo viria sepultar-se! sepulcros caiados por fora, e, na sua maioria, indignos de servir de altar de propiciação. Já de há muito, entretanto, as inteligências se preparam para abandonar à matéria o que é matéria e dar ao espírito o que é do espírito, 399
restabelecendo o verdadeiro objetivo da comemoração da Páscoa.
A rotina, a cegueira, a obstinação, que até agora mantiveram o erro, hão de cair.
Bom é, entenda-se, que o homem consagre um dia a essa grande recordação. Bom é que, de idade em idade, a lembrança da dedicação daquele excelso modelo, que até vós se abaixou, sirva para que vos eleveis até ele, a fim de que se aproxime rapidamente o instante em que, reunidos todos nas esferas superiores, possais de novo receber de suas benditas mãos o pão de vida, o cálice de eternidade.
Bom é consagreis um dia a essa recordação, apelando séria e profundamente para aquele que vela sem cessar pela humanidade terrena, pedindo-lhe com instância e ardor, do íntimo dalma, o pão e o vinho que cumpre partilheis com os vossos irmãos, passando-lhes o cálice das bênçãos, entregando-lhes a parte que lhes caiba do pão de vida.
Rogai, pois, ao que abençoa o pão e o cálice que os abençoe novamente, antes que convosco os distribua. Será bom que o dia comemorativo fique consagrado a um apelo mais sério e mais fervoroso àquele que vos convida para a sua mesa, fazendo-se esse apelo por meio da prece, do estudo, das boas obras, da instrução em comum, das exortações ao bem em todos os sentidos.
Não há necessidade de que vos expliquemos versículo por versículo. Bastam as explicações, que vos temos dado, do ato no seu todo, do pensamento que presidiu à sua realização.
As diferenças que apresentam as narrações do fato em nada comprometem a exatidão dos narradores, visto que as narrativas se explicam e completam umas pelas outras. Cada evangelista referiu a conversação que se travou durante a ceia e na qual Jesus, não empregando sempre as mesmas palavras, insistiu repetidas vezes na externação do mesmo pensamento, a fim de bem gravá-lo no coração de seus discípulos. 400
Naquela ocasião, como em tantas outras (mais do que nunca deveis ter isto bem presente), Jesus apropriou sua linguagem às inteligências e às necessidades da época, de modo a atender à de então a preparar o futuro. Porque, o reinado da letra, como meio e condição de progresso, tinha que preparar e conduzir a humanidade ao advento do espírito, cujos primeiros sinais começam a brilhar desde o Oriente até o Ocidente.
A Páscoa é um símbolo, nada mais que um símbolo. É o selo aposto por Jesus aos ensinamentos que ministrara pela sua palavra. É a confirmação da lei do amor e da união que devem reinar entre os homens. É a suprema lição do Mestre. É o derradeiro e solene apelo por ele feito à prática da lei do amor e da união e, portanto, à fraternidade universal, meio único de operar-se a regeneração humana, senda de libertação. Implantando o reinado de Deus no vosso mundo, a fraternidade fará que, de acordo com a lei ascensional do progresso e da harmonia universal, a Terra se torne reino do pai: uma dessas esplêndidas moradas que, na sua casa — a imensidade, o infinito — só os Espíritos purificados habitam, moradas onde tudo é amor, união, liberdade e progresso.
Jesus baixou ao convívio de seus discípulos para lhes dar ensinamentos verbais capazes de os impressionar, tendo sempre o cuidado de ligar esses ensinos aos fatos e às tradições do Antigo Testamento.
Não voltará ao meio deles senão quando a semente que plantou e que vem germinando há tantos séculos se tenha tornado árvore coberta de galhos carregados de frutos. Quer isto dizer que ele não voltará, visível aos homens, senão quando houverdes atingido tal grau de desenvolvimento, que lhe seja possível manifestar-se sem que precise recorrer a uma encarnação especial, qual a de que se serviu, encobrindo a sua natureza espi- 401
ritual com um corpo fluídico tangível, em relativa harmonia com o vosso planeta, a fim de que os homens o pudessem ver.
N. 287. Dissestes: "O pão e o vinho não são mais que símbolos. Jesus nunca lhes pretendeu dar aplicação material. Porém, ainda aqui, o que ocorreu tinha que ocorrer, pois que para a matéria só a matéria." Quais o sentido e o alcance dessas palavras?
Sabeis que os primeiros discípulos de Jesus, cumprindo a recomendação expressa nas derradeiras palavras do Mestre, se reuniam para, em comum, fazerem um repasto comemorativo do último em que com ele haviam tomado parte. Conheceis igualmente as cenas escandalosas que mais tarde se deram nessas reuniões. Em vez da fraternidade que devia reinar entre todos, imperava o orgulho e o rico devorava a sua refeição faustosa junto do pobre que com avidez o contemplava. O cálice deixara de ser um só para todos os lábios e a bebida de ser uma só para todos os corações. Para uns, o cálice se enchia de vinho e de mel, enquanto que para outros continha fel e vinagre. Os cristãos tiveram que pôr termo a esses abusos e instituíram a "comunhão", tendo por símbolos o pão e o vinho. Era ainda um repasto em que o mesmo pão se repartia por todos e em que todos os lábios se umedeciam no mesmo cálice.
Tempos depois, a dificuldade de se reunirem em grande número, os obstáculos que se lhes antepunham, os perigos que corriam, forçaram os cristãos a simplificar o repasto fraterno. Foi então que instituíram a "comunhão", dada pelo sacerdote ao discípulo que se apresentava para recebê-la. Era sempre o mesmo pão repartido, o mesmo cálice a passar de uns a outros. Chegou-se afinal a substituir o pão pela hóstia, que mais facilmente se conservava e se ocultava, sendo preciso. Só ao sacerdote se tornou permitido beber 402
no cálice, a fim de se evitar a lentidão dos repastos anteriores e os embaraços que sempre ocasionavam os aprovisionamentos do vinho que se fazia preciso fornecer à comunhão dos fiéis. Essas transformações se foram operando sucessivamente no curso das perseguições de que os cristãos eram vítimas em Roma.
Vedes que tiveram sua razão de ser. Pouco importava o modo de realização do ato material comemorativo, uma vez que o ato espiritual era praticado com fé, tendo todos o objetivo de se aproximarem, pelo pensamento e pelo coração, daquele que o instituíra, todos animados do desejo ardente, da resolução firme de se esforçarem séria e continuadamente por marchar nas suas pegadas.
Se tomaram as palavras do Mestre ao pé da letra para lhes darem uma aplicação material e se, apesar do que ele dissera: "Fazei isto em minha memória", essa aplicação material produziu o dogma humano da "presença real", da "transubstanciação", causa de intermináveis controvérsias, foi isso devido a que o homem se atém sempre à crosta superficial, sem cogitar da seiva que lhe dá vida; a que sempre quer dominar, fazer prevalecer a sua idéia, sem se lembrar de que a sua idéia ainda é uma forma material de que ele reveste um ato espiritual e de que a forma pouco importa desde que o espírito permaneça o mesmo.
A vós outros, espíritas, que compreendeis em espírito e verdade as palavras do Mestre, já dissemos o que é a Páscoa e como deve ser celebrada, segundo o espírito que vivifica: pela prece, mas prece de coração e não dos lábios apenas, prece que tenha por base os atos de uma vida íntegra e pura aos olhos do Senhor, de uma vida humilde, ativa e consagrada ao bem de todos os membros da grande família humana; pelas boas obras praticadas com sinceridade, humildade e caridade, de acordo com a lei de amor; pelo estudo, pela instrução em comum, pelas exortações ao bem, assim 403
no terreno material, como no terreno moral e no intelectual.
Mas, não podeis extirpar de um só golpe todas as idéias. Deixai, portanto, aos que, cristãos e espíritas, buscam o espírito na forma, a satisfação passageira que encontram no ato material. Não despedaceis de súbito esse jugo, porque os que estão habituados a suportá-lo fugiriam espavoridos. Esperai que o tempo, a razão, o amor e a caridade abram todos os corações, todas as inteligências e espiritualizem todos os homens.
Eis porque dizemos hoje a todos quantos o espírito ainda não libertou completamente da letra: aquele que se julgue no dever de aproximar-se do Mestre por esse ato material, pratique-o; mas, reconhecendo valor unicamente no ato espiritual. Homens, que praticais os ritos cristãos, não vos envergonheis de aproximar-vos da "mesa santa", pois sejam quais forem as profanações a que ela tenha sido exposta, sempre a podeis santificar pelo sentimento com que dela vos avizinhardes. Não coreis de vir, curvada a fronte, prostrar-vos aos pés do sacerdote que vos apresenta a hóstia "consagrada". Não atenteis no homem, não vos preocupeis com a matéria; elevai vossas almas a Deus, lembrai-vos das virtudes praticadas pelo Mestre; escutai-lhe a voz, que ainda vos prega a mesma e perfeita moral que pregou outrora; olhai para a senda luminosa que ele vos abriu e iluminai-a, seguindo-o. Qualquer que seja a forma, considerai unicamente o fundo. Qualquer que seja a mão que vos ofereça o pão, vede somente a Jesus que vos repete: Fazei isto em minha memória.
Espíritas, que ainda buscais o espírito na forma, que encontrais felicidade em vos aproximardes, por meio de uma comemoração material, daquele que comeu com os discípulos a ceia pascal, simbolizando nesta a lei de amor e de unidade, de fraternidade entre todos, podeis sem temor praticar o ato material sob cuja aparência se oculta 404
um pensamento espiritual. Mas, se não fordes atraídos para esse repasto espiritual pelos sentimentos a que ele serve de símbolo, abstende-vos. É esse o vosso dever, pois o contrário seria hipocrisia.
Cristãos, quem quer que sejais — romanos, gregos, ou protestantes — praticai o ato material comemorativo, se as exigências do vosso coração, ou mesmo os hábitos da vossa infância a isso vos impelem. Mas, não o pratiqueis nunca preocupados com a opinião dos homens. Não transijais com a vossa consciência. Suportai, se for preciso, a censura injusta; porém, sejam puras as vossas ações, ditem-nas a verdade e o amor. Para trás, para trás o covarde, que mais valor dá à consideração dos homens do que à tranqüilidade da sua consciência, que mais teme a censura dos homens do que a da sua própria consciência ! 405
LUCAS, Cap. XXII, vv. 24-30
Orgulho. — Ambição. — Dominação. — Interditos
V. 24. Suscitou-se depois entre eles uma contenda sobre qual deveria ser reputado o maior. — 25. Jesus então lhes disse: Os reis das nações as tratam com império e os que sobre elas exercem autoridade são chamados benfeitores. — 26. Não seja assim entre vós: ao contrário, aquele que for entre vós o maior faça-se como o mais pequeno e seja aquele que manda igual ao que serve. — 27. Porque, qual é o maior, o que está à mesa ou o que serve? Não é o que está à mesa? Entretanto, eu me acho entre vós como o que serve. — 28. Vós, porém, sois os que haveis permanecido comigo nas minhas tentações; — 29, por isso, eu vos preparo o reino, como meu pai mo preparou, — 30, para que comais e bebais à minha mesa no meu reino e vos senteis sobre tronos, a fim de julgardes as doze tribos de Israel.
N. 288. Ninguém, há de ser excluído, ninguém será repelido. Mas, também ninguém se há de considerar superior a seu irmão e ambicionar lugar mais elevado.
(V. 24.) A discussão que se travou entre os discípulos, quando cogitaram de saber qual deles deveria ser considerado o maior, é, no fundo, análoga ao pedido que a Jesus dirigiram os filhos de Zebedeu e a mãe deles, pedido que causou indignação aos dez outros apóstolos (n. 244, deste volume) e deu lugar à resposta e aos ensinamentos que o Mestre, nesta outra ocasião, repetiu, usando apenas de termos diferentes.
Tais discussões surgiam amiúde entre os discípulos, porque, não obstante a missão que desempenhavam, eles se achavam sob o império da carne, sofrendo-lhe os desfalecimentos.
(Vv. 25-27.) A resposta de Jesus consignada nestes versículos já foi explicada pelo que vos 406
dissemos no ponto acima indicado. Reportai-vos a essas explicações. Repetiremos, entretanto: esta resposta encerra um ensinamento simples e conciso, de molde a induzir o homem à humildade, ao desinteresse e à renúncia de si mesmo. Como tudo o que importe infração da lei de amor, de caridade e de fraternidade, o orgulho constitui uma barreira que se ergue entre o homem e Deus.
(Vv. 28-30.) Não tomeis aqui o termo "tentações" na sua acepção vulgar. Segundo o espírito, velado pela letra, ele significa, com relação a Jesus: tribulações, provas, a que qualquer outra natureza que não a sua houvera sucumbido.
Do ponto de vista humano, aquela expressão indica os sarcasmos, as perseguições que lhe moviam seus inimigos e que, aos olhos dos homens, eram para ele tribulações e provas. Jesus falava a seus discípulos, não o esqueçais, e objetivava, empregando o termo tentações, deixar uma arma com que de futuro se pudesse combater a divindade que mais tarde os homens lhe haviam de atribuir.
Sois, disse Jesus, os que haveis permanecido comigo nas minhas tentações; por isso eu vos preparo o reino, como meu pai mo preparou."
Os apóstolos fiéis eram Espíritos adiantados, mas ainda não perfeitos.
Jesus trazia aos homens os meios de progredirem, tal como o Senhor lhe dera a ele e a todos os outros Espíritos os meios de se elevarem.
Assim como, até então, os Espíritos que tinham querido perseverar no bem, inclusive o seu, haviam tido a assistência dos Espíritos superiores prepostos à obra do adiantamento deles, também os apóstolos seriam auxiliados e guiados, para atingirem a perfeição que ambicionavam e pela qual tantos esforços faziam.
Jesus, Espírito protetor e governador do vosso planeta, único encarregado do vosso progresso, vos prepara o reino, como a seus apóstolos, dando-vos a 407
assistência de Espíritos relativamente superiores, prepostos ao vosso desenvolvimento, auxiliando-vos e encaminhando-vos para a perfeição que ambicionais. Esforçai-vos, pois, por consegui-la e, quando a houverdes atingido, quando vos houverdes tornado servidores ativos e devotados do pai, reunidos todos, repartiremos convosco o pão espiritual e beberemos pelo cálice da vida eterna.
Quanto a estas palavras (v. 30): "e vos senteis sobre tronos para julgardes as doze tribos de Israel", reportai-vos às explicações que já vos demos a esse respeito (n. 240, deste volume). 408
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 31-35. — MARCOS, Capítulo XIV, vv. 27-31. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 31-38
Predições de Jesus. — Predição da negação de Pedro
MATEUS: V. 31. Disse-lhes então Jesus: Para todos vós serei esta noite uma ocasião de escândalo, pois está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho se dispersarão. — 32. Mas, depois que eu haja ressuscitado, vos precederei na Galiléia. — 33. Disse-lhe Pedro: Ainda quando sejas para todos uma ocasião de escândalo, nunca o serás para mim. — 34. Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que, esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes. — 35. Retrucou-lhe Pedro: Ainda que me seja preciso morrer contigo, não te negarei. O mesmo disseram os outros discípulos.
MARCOS: V. 27. Disse-lhes então Jesus: Ser-vos-ei a todos esta noite uma ocasião de escândalo, pois está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão. — 28. Mas, depois de haver ressuscitado, irei adiante de vós à Galiléia. — 29. Pedro lhe observou: Ainda quando sejas para todos um motivo de escândalo, não o serás para mim. — 30. Jesus lhe replicou: Em verdade te digo que, hoje mesmo, à noite, antes que o galo tenha cantado duas vezes, tu me terás negado três. — 31. Pedro, com mais veemência, insistiu: Ainda que me seja preciso morrer contigo, não te negarei. O mesmo disseram os outros.
LUCAS: V. 31. Disse ainda o Senhor: Simão, Simão, Satanás vos reclamou a todos para joeirar-vos como se faz ao trigo. — 32. Eu, porém, roguei por ti, a fim de que a tua fé não desfaleça. E tu, quando te houveres convertido, fortalece teus irmãos. — 33. Respondeu-lhe Pedro: Senhor, estou pronto a ir contigo, assim para a prisão, como para a morte. — 34. Disse-lhe então Jesus: Declaro-te, Pedro, que não cantará hoje o galo, sem que três vezes tenhas negado 409
que me conheces. E perguntou-lhe em seguida: — 35. Quando vos mandei sem bolsa, sem alforje e sem sandália, porventura vos faltou alguma coisa? — 36. Eles responderam: Nada. Disse-lhes então Jesus: Pois, agora, tome a sua bolsa e o seu alforje aquele que os tiver; e aquele que não o tenha venda a sua capa e compre uma espada. — 37. Porque, eu vos declaro ser preciso também que em mim se cumpra isto que está escrito: Ele foi incluído no rol dos celerados; porquanto, o que de mim foi profetizado está prestes a cumprir-se. — 38. Eles disseram: Senhor, aqui estão duas espadas. Respondeu-lhes Jesus: Basta.
N. 289. Jesus dá a ver, de antemão, a seus discípulos quão frágil é a vontade humana e quão pouco deve o homem contar com as suas próprias forças. Dizendo a Pedro: "Roguei por ti", mostra a todos que só na prece pode o homem encontrar amparo. Naquela ocasião, nenhum o compreendeu, tanto que nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos faliram no momento do perigo. Foi uma lição para o futuro.
Algumas explicações especiais se fazem necessárias.
(Lucas, v. 31.) Dirigindo a Pedro estas palavras: "Simão, Simão, Satanás vos reclamou a todos' para joeirar-vos como se faz ao trigo", aludia Jesus à influência que sobre aquele apóstolo exerceria o temor dos acontecimentos que poderiam dar-se, aos maus pensamentos que lhe germinavam no coração e que, por vezes, o faziam deplorar ter enveredado por aquele caminho. Eram pensamentos fugazes, que não chegavam a corporificar-se, mas que não escapavam ao olhar do Mestre. Pedro compreendia que um grande perigo os ameaçava, a eles e ao Mestre, e a fraqueza humana lhe fazia nascer no íntimo, de quando em quando, um vago sentimento de pesar por se haver exposto de tal modo.
(Lucas, vv. 35-36.) As palavras constantes destes versículos objetivavam manter os discípulos 410
em guarda contra os acontecimentos que sobreviriam e fazer-lhes compreender que se aproximava o momento da luta. Falando-lhes da necessidade de se proverem de alforje, bolsa, espada, queria compreendessem que iam entrar em ação e que cumpria se armassem, a fim de poderem resistir aos ataques. Vede que ainda essas palavras do Cristo são simbólicas, pois quando Pedro faz uso, uso material, de uma arma material, ele lhe ordena: "Embainha a tua espada, porquanto quem com a espada fere, com a espada será ferido". Isto é de molde a vos provar que, naquele instante, Jesus mais uma vez falava figuradamente a seus discípulos, que o não compreenderam de pronto.
Em espírito, o que ele assim lhes dizia era: "Aproxima-se o momento em que ireis percorrer a Terra. Viajores, tomai cuidado, para não serdes colhidos de surpresa. Despojai-vos de todas as paixões humanas, de todos os impulsos pessoais, de todos os interesses materiais. Jamais busqueis no caminho do céu um degrau para subirdes às coisas da Terra. Sabeis qual o fim da viagem que ides empreender; tomai, pois, todas as precauções, para que nada vos falte. Fazei provisão de ensinamentos, de moral e de exemplos. Sereis atacados, armai-vos para a defesa. As únicas armas, porém, de que devereis utilizar-vos são o amor e a caridade."
Contendo um ensino, as palavras de Jesus eram ditas intencionalmente para servirem àquele momento e ao futuro. Assim, todos os que se esforçam por marchar nas pegadas do Mestre, por imitar a seus fiéis discípulos no apostolado da era nova, todos são apóstolos e se devem armar como os apóstolos do Cristo.
(LUCAS, vv. 37-38.) "Pois vos declaro ser preciso que em mim se cumpra também isto que está escrito: Ele foi incluído no rol dos celerados; porquanto o que de mim foi profetizado está prestes a cumprir-se. Eles 411
disseram: Senhor, aqui estão duas espadas. Respondeu-lhes Jesus: Basta."
Basta: preciso é que os acontecimentos materiais se cumpram. As espadas não passavam de pretexto para um ensinamento. Não houvesse mais do que uma e bastara. Dissemos ainda há pouco: os apóstolos não apreenderam o sentido figurado das palavras de Jesus. Os sucessos é que lhes haviam de abrir o entendimento. De fato, eles, os apóstolos, bem como a multidão, receberiam mais uma vez exemplos de caridade, de paciência e de poder, no que ia passar e passou com a prisão do Mestre, com o ato de Pedro contra Malco e com a cura operada neste. 412
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 36-46. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 32-42. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 39-46
Jesus no horto de Getsêmani. — Palavras e ensinamentos dirigidos aos discípulos. — Ele ensina os homens a morrer, depois de lhes haver ensinado a viver, objetivando o progresso do Espírito. — Aparição do anjo com um duplo fim: convencer os homens de que era aparente a condição humana que eles consideravam real em Jesus e na qual haviam de acreditar enquanto durasse a sua missão terrena e acreditariam, sob o véu da letra, até ao advento do Espírito; e prepará-los para, na época desse advento, reconhecerem que deviam pôr de lado a divindade que as interpretações humanas lhe teriam atribuído
MATEUS: V. 36. Em seguida foi Jesus com eles a um horto chamado Getsêmani e disse a seus discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto vou ali orar. — 37. E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a se entristecer e angustiar. — 38. Disse-lhes então: Minha alma está numa tristeza mortal; ficai aqui e velai comigo. — 39. E, afastando-se um pouco, se prostrou com o rosto em terra e entrou a orar, dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como o queiras tu. — 40. Veio depois ter com seus discípulos e, encontrando-os a dormir, disse a Pedro: Pois quê! não pudestes velar comigo uma hora! — 41. Vigiai e orai, a fim de não cairdes em tentação; o Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. — 42. De novo se afastou deles e segunda vez orou, dizendo: Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. — 43. Voltando outra vez a ter com eles, novamente os achou dormindo, pois que tinham pesados de sono os olhos. — 44. Deixando-os, foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. — 45. Em seguida, 413
veio ter ainda com os discípulos e lhes disse: Dormi agora e repousai; eis que chegou a hora em que o filho do homem será entregue às mãos dos pecadores. — 46. Levantai-vos, vamos; aproxima-se aquele que me há de entregar.
MARCOS: V. 32. Foram em seguida para um horto chamado Getsêmani, onde ele disse a seus discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto vou orar. — 33. E, tomando consigo a Pedro, Tiago e João, começou a ser presa de pavor e angústia. — 34. Disse-lhes então: Minha alma está triste até à morte. Ficai aqui e vigiai. — 35. E, afastando-se um pouco, se prostrou em terra, rogando que, se fosse possível, passasse dele aquela hora. — 36. Dizia: Abá, pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice; todavia, faça-se não o que eu quero, mas o que tu queiras. — 37. Foi ter com os discípulos e, achando-os a dormir, disse a Pedro: Dormes, Simão? Pois quê! não pudeste velar uma hora! — 38. Vigiai e orai, a fim de que não entreis em tentação. O Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. — 39. Afastou-se de novo e orou, repetindo as mesmas palavras. — 40. Voltando, encontrou-os novamente a dormir, pois pesados de sono tinham os olhos, e sem saberem o que lhe respondessem. — 41. Voltou terceira vez e lhes disse: Dormi agora e descansai. Basta! é chegada a hora: eis que o filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. — 42. Levantai-vos, vamos; vem perto aquele que me há de entregar.
Lucas: V. 39. Saindo dali, foi, como costumava, para o monte das Oliveiras e seus discípulos o seguiram. — 40. Lá chegando, disse-lhes: Orai, para que não entreis em tentação. — 41. Afastou-se deles cerca de um tiro de pedra, ajoelhou-se e orou, dizendo: — Pai, se quiseres, afasta de mim este cálice; entretanto, faça-se não a minha vontade, mas a tua. — Apareceu-lhe então um anjo do céu a confortá-lo. Ele, presa de agonia, com mais instância orava. — Veio-lhe um suor como de gotas de sangue que corriam até o chão. — 45. Terminada a sua prece, levantou-se, foi ter com os discípulos e os achou dormindo em conseqüência da tristeza que os acabrunha- 414
va. — 46. Disse-lhes então: Porque dormis? Levantai-vos e orai, para não sucumbirdes à tentação.
N. 290. Jesus desceu ao meio dos homens para lhes ensinar a viver e a morrer, tendo em vista o progresso do Espírito. Todos os seus atos, todas as suas palavras tiveram esse objetivo.
Depois de lhes haver ensinado a viver, foi ao horto de Getsêmani, no monte das Oliveiras, ensinar-lhes a morrer.
Tudo o que ali se passou ocorreu unicamente como ensinamento, como exemplo dados aos homens.
Deveis compreendê-lo assim, lembrando-vos da origem e da natureza de Jesus, origem e natureza que agora vos são reveladas e que "fazem conhecer" quem é o filho.
Deveis igualmente compreender que o que se deu tinha que ser assim, lembrando-vos de que os homens então acreditavam ser puramente humana, tal qual a vossa, a origem de Jesus. Tudo, pois, tinha que ser e foi, nos fatos como nas palavras, apropriado a essa crença.
Todos os fatos, todas as palavras do Mestre, durante a sua missão terrena, se encadeavam de forma a que servissem para aquele momento, a que preparassem o futuro e conduzissem a humanidade, com o correr dos séculos, através do reinado da letra, à nova revelação, ao advento do espírito.
(Mateus, vv. 36 e 37; Marcos, vv. 32-34; Lucas, v. 39.) Jesus se fez acompanhar dos três discípulos que já levara consigo ao Tabor para a transfiguração e a aparição de Elias e Moisés. Eram eles Pedro, Tiago e João. Chamou-os novamente por serem, como já o explicamos (n. 194, pág. 472 do 2° volume), os que apresentavam disposições físicas mais favoráveis a se tornarem mediunicamente aptos à manifestação espírita que se ia produzir com especialidade à aparição do anjo. 415
Minha alma, disse-lhes Jesus, está numa tristeza mortal. Estas palavras, que ficariam como um ensinamento, tiveram por fim fazer que os três discípulos compreendessem e, por seu intermédio, os homens, que, pressentindo o que ia suceder, ele buscava em Deus a força de que precisava.
Ficai aqui: Tendes que testemunhar o que se vai passar. Velai comigo: Tendes que ouvir e ver, tendes que narrar o que houverdes visto e ouvido e que deva ser conhecido dos homens, transmitido às gerações futuras, explicado e compreendido de acordo com as interpretações humanas, apropriadas às inteligências e necessidades de cada época, interpretações que serão dadas primeiramente segundo a letra, depois, nos tempos preditos, segundo o espírito.
(Mateus, vv. 39-44; Marcos, vv. 35-40; Lucas, v. 40-42.) Os atos e palavras de Jesus, registrados nestes versículos, foram praticados e ditas para os homens em geral, como ensino, como exemplo. Foram-no também para servirem de lição aos apóstolos e aos que de futuro viessem a ser discípulos do Mestre divino. A uns e outros mostravam aqueles atos e palavras a submissão que lhes cumpre demonstrar sempre nas maiores angústias; a fé e a resignação, que lhes não devem nunca faltar, quaisquer que sejam suas provações, quaisquer que sejam os sofrimentos que lhes estejam reservados; a vigilância que precisam exercer constantemente sobre si mesmos, para não falirem; e o socorro eficaz da prece, poderoso cordial da alma.
"Vigiai e orai, disse Jesus aos três discípulos, a fim de que não entreis em tentação, de que não caiais em tentação, de não sucumbirdes às tentações. O Espírito está pronto, mas a carne é fraca."
O Espírito está sempre pronto a conceber tanto as obras boas, como as obras más. A carne, porém, desfalece e o Espírito não a sabe dominar. 416
Os três discípulos não dormiam um sono ordinário, como o entendeis. O deles era um sono físico, mas não moral. Quer dizer que, conservando-se sujeito ao corpo, o Espírito percebia as sensações deste último. Achavam-se nesse estado de entorpecimento exterior, que apresenta todas as aparências do sono e permite que o Espírito acompanhe, como se os visse através de um véu, os atos que se praticam em redor de si e ouça o rumor que se faça, as palavras que se pronunciem. O corpo então dormita e repousa, mas o Espírito, que se não desprendeu, tudo percebe pelos órgãos materiais entorpecidos, produzindo sobre o cérebro, o que ele percebe, o efeito de um sonho.
Aquele sono foi, em Pedro, Tiago e João, efeito da fadiga e da vigília. Não vos sucede às vezes cair no estado em que os três se acharam e que vimos de descrever? Não dormiam; viram e ouviram. Quando Jesus se aproximava deles, os olhos se lhes tornavam pesados sob a influência magnética, a fim de motivar o conselho que lhes dava o Mestre.
Dizendo sempre a mesma coisa, Jesus três vezes foi ter com eles e não uma apenas, para lhes gravar melhor nos corações e na memória aquelas palavras, que tinham de ser por eles citadas quando referissem o que se passara, tinham de ser registradas pelos evangelistas, que atravessar os séculos e chegar a todas as gerações humanas.
(LUCAS, v. 43.) "Apareceu-lhe então um anjo do céu a confortá-lo; e ele, presa de agonia, com mais instância orava."
Aos que admitem a divindade de Jesus, o Cristo, pergunta-se: Deus precisava de amparo? Não trazia ele em si mesmo a sua força?
Aos que negam as manifestações espíritas e consideram Jesus um homem como os outros, com uma veste de carne igual às dos demais homens, 417
pergunta-se: Como se há de admitir que um anjo do Senhor se tenha mostrado a Jesus-homem e aos três apóstolos? Não, os que negam as manifestações espíritas não podem admitir isso e desde então, se foi Jesus quem deu ciência dessa manifestação a seus discípulos, ele era um impostor. Como, porém, nada prova que o Mestre lhes tenha falado de tal coisa, aquela manifestação não passou de pura invencionice dos discípulos. Mas, com que fim a teriam estes inventado, uma vez que procuravam estabelecer uma divindade na qual, como o reconhecerá quem se coloque no ponto de vista dessa classe de contraditores, eles não podiam deixar de crer?
Aos espíritas que acreditam nas manifestações, mas que pretendem, ou crêem que o Mestre era um homem como qualquer outro, com uma veste de carne igual à deles, perguntaremos: Como é que, podendo dar-se todos os fatos concernentes a Jesus, só o seu nascimento não podia deixar de ser um ato inteiramente humano? Mas, neste caso, são falsas as revelações que o anjo fez a Maria e depois a José!
Se Jesus tivesse sido fruto de uma união humana, falso seria o mistério que lhe cerca o nascimento. Ora, admitir a mentira, a falsidade, com relação a este fato, fora deixar livre o campo para admiti-la em todos os outros casos. Atente o espírita nessa conseqüência e veja em que situação ela o coloca diante dos que negam as manifestações espíritas, dos que declaram fabulosa a obra evangélica, da qual só aceitam, caprichosamente, o que lhes convém à incredulidade admitir. Abra o espírita os olhos à luz da nova revelação que vos trouxemos, da revelação da revelação, que vem cumprir e não destruir, explicar e não rejeitar; que, pondo o espírito no lugar da letra, vem explicar aos homens, em espírito e em verdade, a origem e a natureza de Jesus, de que modo e em que condições se deu o seu aparecimento na Terra. 418
Sendo puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada, protetor e governador do planeta terreno, a maior essência, depois de Deus, respeito à Terra, mas não a única do mesmo grau na imensidade, na hierarquia espiritual e dos mundos; tendo apenas um corpo de natureza perispirítica, que lhe facultava a plena consciência da sua origem, que não tolhia a completa independência e a liberdade do seu Espírito, que lhe deixava ter exata consciência da sua missão e do seu poder, bem como a certeza do porvir; sendo sempre Espírito, podia Jesus receber outro amparo que não o do próprio Senhor? Sua mesma elevação não o colocava acima dos desfalecimentos humanos?
Compreendei, portanto, que, estando superior aos terrores humanos, Jesus quis apenas dar aos homens um exemplo de submissão nas maiores angústias. E que o exemplo foi proveitoso, podeis verificá-lo. De fato, verificá-lo-eis no espetáculo dos mártires, avançando para o suplício sem experimentarem sequer aquela agonia moral de que falam os discípulos, referindo-se ao Mestre, agonia que eles tomaram por um fato real, quando era apenas aparente, não passando de um ensinamento, de uma lição.
Não esqueçais que Jesus colocava sempre sob as vistas dos homens exemplos práticos da moral que pregava.
Qualquer que seja o invólucro que lhe atribuam, admirai em Jesus o Espírito. Não vos dividais, ó espíritas! Homens, quem quer que sejais, que ainda não sois acessíveis à luz da nova revelação, deixai de lado os fragmentos do vaso e recolhei cuidadosamente o perfume que ele encerrava, porquanto os que o respiram respiram a vida eterna. Sim, a aparição do anjo se produziu, como todos os outros fatos que a precederam e seguiram. Todos se produziram como ensinamento e exemplo dados aos homens, a fim de lhes provarem que Deus ampara sempre os que para ele apelam 419
com fé e resignação e lhes envia a força de que necessitam; a fim de lhes fazerem compreender que, como já temos dito, sejam quais forem suas provações, sejam quais forem os sofrimentos que lhes estejam reservados, eles acharão sempre no amparo que o Senhor lhes concede a força de que careçam.
A aparição do anjo tinha que ser e foi visível para os três discípulos, por efeito da mediunidade de vidência que eles possuíam. Para todos não teria sido visível. Essa a razão por que Jesus levou consigo apenas Pedro, Tiago e João, que eram os mais aptos a ver.
(LUCAS, v. 44.) "Veio-lhe um suor como de gotas de sangue, que corriam até ao chão."
Foi um efeito fluídico que se produziu em presença dos três discípulos e que se lhes tornou mediunicamente visível, qual sucedera com a aparição do anjo.
Esse efeito fluídico simbolizava o sangue que Jesus, devassando o futuro, via que seria derramado em seu nome!
Tal manifestação nada tem de "maravilhosa" para aquele que já se iniciou na ciência espírita, na história das manifestações espíritas, que regista, com o cunho da autenticidade, efeitos análogos. Estes podem produzir-se e ainda se produzirão em vossos dias aos olhos de médiuns videntes.
A esses efeitos fluídicos da parte dos Espíritos correspondem efeitos análogos da parte dos encarnados, dos que, como vós, sofrem a encarnação humana. São, em tais casos, efeitos materiais, que nada têm de extraordinários, que a ciência dos homens comprovou e comprova como fenômenos de patologia, a que dão o nome de suor de sangue. Os anais médicos os registam em grande número. Lembrai-vos em particular, como caso histórico, do 420
das duas moças conhecidas pela designação de Estigmatizadas do Tirol.
Repetimos: tudo o que se passou unicamente ocorreu como ensino, como exemplo para os homens.
Que fez Jesus? Retirou-se para orar a sós? Formulou a sua prece apenas com os lábios ou mentalmente? Não; e é esta uma observação que podeis fazer e que não fazem os que negam a todo transe. Leva consigo três de seus discípulos e, afastando-se um pouco, mas permanecendo à distância de ser visto e ouvido, se prostra e exprime em voz alta seus temores, suas angústias, sua submissão.
Cegos! Pois ainda não compreendeis que Jesus, o modelo que vos deu o exemplo da vida, naquela hora extrema dava o exemplo da morte, mostrando a seus discípulos como deve o homem submeter-se às vontades do Senhor, sejam quais forem as angústias que experimente?
Seus discípulos adormeceram. Também não vedes uma lição nesse "sono", que lhes não fez perder um só que fosse dos atos, uma só das palavras do Mestre?
Oh! Mestre bem-amado, bendito modelo, como são suaves os teus exemplos! como é fortalecedora a tua palavra!
Jesus! Quem poderá dizer que desde o estábulo, onde surgiste aos olhos da humanidade, até a cruz, donde irradias por sobre o mundo, tiveste um momento de fraqueza, um instante de desfalecimento?
Quem poderá dizer que um segundo houve da tua passagem pela Terra que não consagrasse a instruir os homens pela palavra e pelo exemplo?
Meigo Mestre do mundo, ensina de novo a estes ingratos a se prostrarem diante do Senhor; faze de novo que jorrem de tua boca adorável as palavras de submissão e devotamento que eles devem repetir. 421
Não vos deixeis vencer pelo sono, vós outros, discípulos, que seguis o Mestre, que lhe ouvis a voz, pois que o momento se aproxima. Todos deveis orar e vigiar, para vos manterdes em guarda contra os vossos inimigos visíveis e invisíveis: os vícios da humanidade, os maus conselhos, as más seduções, as más influências ocultas. Em guarda contra vós mesmos, por meio de constante vigilância sobre os vossos pensamentos, sobre as vossas palavras e os vossos atos, nada tereis que temer dos outros, sejam eles encarnados ou errantes.
Jesus, até ao último instante, foi um exemplo para os homens. Se, aos olhos de seus discípulos, não houvesse experimentado as angústias por que passa o homem em presença da morte, seria o mesmo o reconhecimento da humanidade, que então não compreendia, como ainda em geral não compreende, senão as provações físicas, os sofrimentos físicos? Não teríeis todos dito, até mesmo vós, sem a nova revelação que vos vem explicar, em espírito e verdade, as palavras do Mestre, que vos vem dar a conhecer "quem é o filho", assim como a sua missão inteiramente espiritual e o objetivo dessa missão, não teríeis todos dito: "Era-lhe fácil devotar-se, afrontar o suplício e mesmo a morte, visto que a sua natureza o punha em condições de triunfar dos sofrimentos que nos abatem?"
Certo ninguém houvera dito, e nem mesmo vós, sem esta nova revelação, direis: "Se é real que os sofrimentos físicos o não podiam atingir, não menos real é que ele experimentava sofrimentos morais, a angústia de ver, desenrolando-se diante de seus olhos, um futuro tão pouco produtivo para os homens. Via correr o sangue que em seu nome os homens derramariam. Esse o sangue que seus discípulos viram a lhe escorrer pelo rosto como suor e que lhes deu a perceber que, quando o homem eleva o coração a Deus, impelido pelo sen- 422
timento de amor, a fim de lhe pedir forças para suportar as provações, o Senhor manda, ao que nele confia, mensageiros que lhe trazem a consolação e a esperança de que precise."
E Jesus, puro Espírito, Espírito de pureza perfeita e imaculada, que se achava acima e fora da humanidade terrena, descendo até vós, não desempenhava, em bem do progresso dos homens, uma missão superior, toda de devotamento e de amor, permeada de dores morais?
(Mateus, vv. 45 e 46; Marcos, vv. 41 e 42; Lucas, vv. 45 e 46.) Basta, disse ele. A lição estava dada aos apóstolos e aos que os imitariam. O ensinamento e o exemplo estavam dados aos homens. Que estes tirem dele proveito.
"A hora chegou, levantai-vos, vamos". É preciso que os acontecimentos materiais se cumpram. 423
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 47-56. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 43-52. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 47-53
Beijo de Judas. — Um dos que acompanhavam a Jesus corta a orelha de um dos do séqüito do sumo sacerdote e Jesus o cura. — Fuga dos discípulos
MATEUS : V. 47. Ainda ele não acabara de dizer isso, eis que chega Judas um dos doze, e com ele grande turba armada de espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo. — 48. Ora, o que o traía lhes havia dado um sinal, dizendo: Aquele em quem eu der um ósculo, esse é que é: prendei-o. — 49. E, aproximando-se de Jesus, disse: Salve, Mestre! e o beijou. — 50. Jesus lhe perguntou: Amigo, a que vieste? Logo avançaram outros, que se lançaram sobre Jesus e o prenderam. — 51. Um então dos que estavam com Jesus, levando a mão à espada, a desembainhou e, brandindo-a contra um servo do sumo sacerdote, lhe cortou uma orelha. — 52. Jesus, porém, lhe disse: Embainha a tua espada, pois que todos os que empunharem a espada à espada perecerão. — 53. Acaso julgas que não posso rogar a meu pai e que ele não me mandará imediatamente mais de doze legiões de anjos? — 54. Como, porém, se cumprirão as escrituras, que declaram dever ser assim? — 55. E, no mesmo instante, dirigindo-se à turba, disse: Aqui viestes armados de espadas e varapaus para me prender, como se eu fora um ladrão. Entretanto, todos os dias, assentado entre vós, estava eu ensinando no templo e não me prendestes. — 56. Z que tudo isto acontece para que se cumpram as escrituras dos profetas. Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram.
MARCOS: V. 43. Ele ainda falava quando chegou Judas, um dos doze, acompanhado de grande tropa de gente armada de espadas e varapaus, mandada pelos sumos sacerdotes, pelos escribas e pelos anciãos. — 424
30 Ver: JOÃO, XVIII, vv. 1-12.
44. Ora, o traidor lhes havia dado um sinal, dizendo: Aquele em quem eu der um ósculo, esse é que é, prendei-o e levai-o com segurança. — 45. Tanto, pois, que chegou, dirigiu-se a Jesus e disse: Mestre, eu te saúdo; e lhe deu um beijo. — 46. Logo deitaram as mãos a Jesus e o prenderam. — 47. Um dos presentes desembainhou a espada e, golpeando um servo do sumo sacerdote, lhe cortou uma orelha. — 48. Jesus então lhes disse: Viestes armados de espadas e varapaus para me prender, como se eu fosse um ladrão. — 49. Todos os dias estava convosco no templo ensinando e não me prendestes. É que é preciso que as escrituras se cumpram. — 50. Então, abandonando-o, seus discípulos fugiram todos. — 51. Seguia-o um mancebo, coberto unicamente com um lençol, e os soldados o prenderam. — 52. Ele, porém, largando o lençol, lhes fugiu nu das mãos.
LUCAS: V. 47. Falava ele ainda, quando surgiu uma turba, vindo à sua frente um dos doze apóstolos, o que se chamava Judas, o qual se chegou a Jesus para o beijar. — 48. Jesus o interpelou assim: Pois que, Judas, com um ósculo entregas o filho do homem? — 49. Vendo os que o rodeavam o que ia acontecer, disseram: Senhor, se os passássemos à espada? — 50. E um deles com um golpe decepou a orelha direita de um servo do sumo sacerdote. — 51. Jesus, porém, disse: Deixai-os, basta; e, tocando a orelha do ferido, a curou. — 52. Depois, dirigindo-se aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciãos que tinham vindo prendê-lo, disse: Viestes armados de espadas e varapaus como contra um ladrão. — 53. Entretanto, todos os dias estava eu convosco no templo e nunca me deitastes as mãos. É que esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N. 291. São fatos históricos que não reclamam comentários. Somente, não percais de vista (já o temos dito muitas vezes) que aqui, como sempre, as narrações dos quatro evangelistas30 se explicam e completam umas pelas outras.
Eis, concordadas todas quatro, a narrativa in- 425
tegral dos fatos, tal como se passaram, no conjunto e nas particularidades.
Judas, ao aproximar-se de Jesus para o oscular, disse: Mestre, eu te saúdo! Jesus lhe respondeu: Meu amigo, que vieste buscar aqui? Ao mesmo tempo, os que acompanhavam a Judas avançaram. Jesus lhes veio ao encontro e perguntou: A quem buscais ? Eles responderam : A Jesus de Nazaré. Jesus retrucou: Sou eu. Todos recuaram e caíram por terra. Segunda vez Jesus lhes perguntou: A quem buscais? Eles responderam : A Jesus de Nazaré. Jesus lhes replicou: Já vos disse que sou eu: e, pois que é a mim que buscais, deixai que estes se vão. Dirigindo-se a Judas disse: Pois que, Judas! entregas o filho do homem com um beijo!
Os que rodeavam a Jesus, vendo o que ia suceder, disseram: Senhor, se os passássemos à espada? E Simão Pedro, levando a mão à espada, a desembainhou e, de um golpe, cortou a orelha direita de um dos servos do sumo sacerdote, o de nome Malco. Jesus, voltando-se para Pedro, disse: Embainha a tua espada, pois que os que puxarem da espada pela espada perecerão. E, tocando com a mão a orelha de Malco, o curou. Continuando, disse ainda: Pensas que não posso rogar a meu pai e que este não me mandaria aqui, de pronto, mais de doze legiões de anjos? Mas, não é preciso que eu beba o cálice que meu pai me deu? Como se cumpririam as escrituras que declaram que isto tem que ser assim? Em seguida, falando à multidão que os Judeus mandaram para prendê-lo, aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo, aos anciães, que com ela vieram, disse: Aqui viestes armados de espadas e paus para me prender, como se eu fora um ladrão. Entretanto, todos os dias me tínheis sentado entre vós no templo a ensinar e não me prendestes. É que é preciso que as escrituras se cumpram. É que esta é a vossa hora e o poder 426
“das trevas”. Então, os soldados, os oficiais e a gente mandada pelos Judeus se apoderaram dele e o amarraram. Tudo isso se passou assim, a fim de que se cumprisse tudo quanto os profetas escreveram. Nessa ocasião, os discípulos de Jesus o abandonaram e fugiram todos. Entre os que seguiam a Jesus ia um mancebo coberto unicamente com um lençol e fugiu nu das mãos dos que o tinham prendido.
Lembrai-vos de que Jesus, quando estes fatos ocorriam, era tido por um homem igual aos demais, de que lhe cumpria deixar que essa crença humana subsistisse e compreendereis o motivo e o fim da linguagem de que usou, das palavras que dirigiu assim a Judas, como aos que o acompanhavam.
É exato que, debaixo da influência mediúnica, João, dentro do quadro que lhe fora traçado, diz, na sua narração evangélica (XVIII, v, 4), que Jesus sabia tudo o que lhe havia de acontecer.
É que então já se divulgara e espalhara pela multidão a revelação, que o anjo fizera a Maria e a José e que se mantivera secreta durante a missão terrena do Mestre, da concepção e do "nascimento" deste, tidos ambos por "divinos e milagrosos" pelo homens, que os não podiam explicar nem compreender em espírito e verdade.
É que então a crença na divindade de Jesus já havia germinado no pensamento dos homens e criara raízes nas inteligências.
Tudo o que se deu com relação à prisão de Jesus, ao ato de Pedro contra Malco e à cura deste, assim como as palavras que Jesus dirigiu a Judas, a Pedro e depois aos que formavam o séqüito daquele, foram, conforme já o temos dito, um exemplo de caridade, de paciência e de poder.
Quanto à queda dos primeiros que avançaram para se apoderarem de Jesus, ela resultou de uma ação fluídica exercida pelos Espíritos que cercavam o Mestre. Em todos os tempos houve, como há em 427
vossos dias, exemplos desses efeitos, notadamente quando um subjugado é, pelo seu obsessor, atirado ao chão. Assim foi que aquele efeito físico se produziu. No meio de uma multidão qualquer, sempre se encontram organizações que mediunicamente podem ser utilizadas, em havendo necessidade. Sabeis também que os Espíritos superiores não precisam recorrer a esses meios e podem, sem o auxílio nem o concurso dos fluidos animalizados tomados aos encarnados, atrair a si os fluidos de que necessitem.
Quanto à cura da orelha de Malco, o que se voz diz é que, tendo-a tocado Jesus, ela se curou. A orelha fora cortada, mas não totalmente; não fora decepada. Jesus a curou detendo, pela ação magnética, a efusão do sangue. A emissão de certos fluidos magnéticos pode impedir a circulação do sangue, desviá-la ou ativá-la e esses efeitos se podem obter tanto com o magnetismo humano, como com o magnetismo espiritual. O magnetizador humano, auxiliado, se preciso, por Espíritos benfazejos, poderia, em certos casos, obter o mesmo resultado. Tais fatos serão estudados e aplicados quando houver passado o tempo da ignorância voluntária.
Quanto às palavras de Jesus a Pedro: "Embainha a tua espada, pois que todos os que puxarem da espada pela espada perecerão", encerravam um ensinamento para os apóstolos e para seus discípulos, para os que quisessem ser ou tornar-se seus sucessores, para os que mais tarde se diriam tais e, em geral, para todos os homens daquela época e do futuro. Proferindo-as, mostrava-lhes o Mestre que jamais deveriam defender com violência e com armas materiais a doutrina moral que ele personifica, quaisquer que fossem as agressões, quaisquer que fossem seus agressores. Mostrava-lhes que unicamente morais deveriam ser sempre as armas que empregassem. Significava-lhes que, segundo a lei de talião, serão punidos os que, usando de armas materiais, derem prova de que des- 428
prezam seus ensinamentos, exemplos e mandamentos. Elas continham igualmente uma advertência aos que, de futuro, se diriam e constituiriam diretores da Igreja do Cristo, dando-lhes a ver que jamais deveriam fazer deste mundo um reino para si, empunhando armas materiais como instrumentos de justiça humana, ou de defesa contra os ataques exteriores.
Quanto a estas últimas palavras dirigidas aos príncipes dos sacerdotes, aos oficiais do templo e aos anciães do povo: "Todos os dias estava eu convosco no templo e não me prendestes. Ë que esta é a vossa hora e o poder das trevas", elas não envolvem nenhuma idéia de fatalismo, com relação àqueles a quem Jesus as endereçava. Afirmam, ao contrário, o uso do livre-arbítrio, por parte destes, e exprimem apenas que lhes fora deixada a liberdade de êxito, a eles que até então tinham tido obstados os seus intentos.
"Entre os que seguiam a Jesus ia um mancebo coberto unicamente com um lençol. Os soldados o prenderam; ele, porém, largou o lençol e lhes fugiu nu das mãos."
A presença desse mancebo tinha uma razão de ser; encerrava, segundo o espírito, um ensinamento. Previsto e preparado fora tudo quanto houvesse de concorrer para a realização da obra que o Mestre descera a executar, desempenhando a sua missão terrena.
O Espírito do mancebo, antes de encarnar, aceitara a missão de servir de instrumento e meio para a lição que resultaria da sua presença ali. Assim, sob a inspiração do seu guia e protetor, "impelido pelo espírito", ele se foi colocar, coberto apenas com um lençol, entre os do séqüito de Jesus, na ocasião em que este ia ser preso e conduzido ao pretório. De sorte que, por influência espírita, se deu aquilo que havia de suceder. 429
Aquele mancebo, que, envolto num lençol, seguia a Jesus, simbolizava a lei antiga, que trazia consigo o emblema da morte. Detida no seu curso, ela se despoja de suas insígnias e se mostra tal qual o Senhor a fez.
Imitando o mancebo que acompanhava a Jesus, deixai vós todos os vossos lençóis nas mãos dos incrédulos que procuram deter-vos os passos. Despojai-vos das insígnias da morte. Estais envoltos em fraudes, maldades e vícios. É esse o lençol que vos cobre, porquanto, perante Deus, sois corpos mortos. Abandonai esse invólucro fúnebre; abandonai-o nas mãos dos que tentam deter-vos os passos na senda do progresso moral. Apresentai-vos nus diante do Senhor, isto é, levando unicamente um coração puro, tal como ele vo-lo deu. Acompanhai o Cristo no seu trajeto para o pretório e deixai pelo caminho os vossos vícios, causa de sua ida até lá, pois que o que o fere e flagela são os vossos crimes, transgressões e faltas. As vossas desobediências à lei de justiça, de amor e de caridade são os insultos que ele recebe.
Segui a Jesus, caminhando pelas sendas que vos traçou, quando desempenhava a sua missão terrena. Mostrando-lhes os frutos produzidos pelos sofrimentos morais que lhe causastes, à sua passagem pela Terra, abrandareis esses sofrimentos.
NOTA DA EDITORA — Convém ver João, capitulo XVIII, vv. 1:14. 430
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 57-68. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 53-65. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 54-55 e 63-71
Jesus levado à presença do sumo sacerdote. Jesus ultrajado e tido por merecedor de condenação à morte
MATEUS: V. 57. Os que prenderam a Jesus o levaram à casa de Caifás, sumo sacerdote, onde se achavam reunidos os escribas e os anciães. — 58. Pedro o acompanhou de longe até ao pátio da casa do sumo sacerdote e, tendo ai entrado, sentou-se entre os servos, para ver o fim de tudo aquilo. — 59. Enquanto isso, os príncipes dos sacerdotes procuravam um testemunho falso contra Jesus, para lhe darem a morte. — 60. Nenhum acharam que bastasse, não obstante se terem apresentado muitas testemunhas falsas. Por fim, apareceram duas, — 61, que declararam: Este disse: Posso destruir o templo de Deus e reedificá-lo em três dias. — 62. Então, levantando-se, disse o sumo sacerdote: Nada respondes ao que contra ti depõem estas testemunhas? — 63. Mas, Jesus se conservou calado. O sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas se és o Cristo, o filho de Deus. — 64. Jesus respondeu: Tu o disseste: eu o sou; entretanto, declaro-vos que mais tarde vereis o filho do homem assentado à direita da majestade de Deus e vindo sobre as nuvens do céu. 65. Então, o sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo: Ele blasfemou; que mais necessidade temos de testemunhas? Acabastes de ouvir a blasfêmia. — 66. Que vos parece? Responderam: É réu de morte. — 67. Então, uns lhe cuspiram no rosto e lhe deram murros; outros o esbofetearam, dizendo: — 68. Cristo, profetiza-nos, dize quem foi que te bateu.
MARCOS: V. 53. E levaram Jesus à casa do sumo sacerdote, onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes, escribas e anciãos. — 54. Pedro o acompanhou de longe até ao átrio da casa do sumo sacerdote, onde, com os que ali estavam, se sentou 431
perto do fogo a aquecer-se. — 55. E os príncipes dos sacerdotes e todo o conselho procuravam testemunhos contra Jesus, para lhe darem a morte; e não achavam. — 56. Muitos depunham falsamente contra ele, mas seus depoimentos não eram suficientes. — 57. Alguns se levantaram e deram contra ele um falso testemunho nestes termos: — 58. Ouvimo-lo dizer: Destruirei este templo edificado pela mão dos homens e reconstruirei, em três dias, um outro, que não será feito pela mão dos homens. — 59. Mas, mesmo esse testemunho ainda não era suficiente. — 60. Então, levantando-se em meio do Sinédrio, o sumo sacerdote interrogou a Jesus assim: Nada respondes ao que estes depõem contra ti? — 61. Mas ele se conservou calado; nada respondeu. Tornou o sumo sacerdote a lhe perguntar: És o Cristo, filho do Deus bendito? — 62. Jesus lhe respondeu: Eu o sou; e vereis um dia o filho do homem sentado à direita da majestade de Deus e vindo sobre as nuvens do céu. — 63. Logo o sumo sacerdote, rasgando as vestes, disse: Que mais necessidade temos de testemunhos? — 64. Ouvistes a blasfêmia que ele proferiu; que vos parece? Todos condenaram como réu de morte. — 65. Alguns então começaram a cuspir nele, e a lhe tapar o rosto, a lhe dar murros, dizendo: Profetiza e dize quem te bateu! E os criados lhe davam bofetadas.
LUCAS : V. 54. Logo o prenderam e levaram à casa do sumo sacerdote. Pedro o seguia de longe. — 55. E como os que ali estavam acendessem um fogo no meio do pátio e se sentassem ao derredor, Pedro também se sentou entre eles. — 63. Os que guardavam a Jesus dele zombavam e lhe davam pancadas. — 64. Vendando-lhe os olhos, batiam-lhe nas faces e diziam: Adivinha, quem é que te bateu? — 65. E, blasfemando, lhe dirigiam muitas injúrias. — 66. Logo que foi manhã, os anciães do povo, os príncipes dos sacerdotes e os escribas se reuniram e, tendo feito comparecer Jesus perante o conselho assim formado, lhe disseram: Se és o Cristo, dize-nos. — 67. Respondeu-lhes ele: Se eu disser que sou, não me acreditareis; — 68, e, se vos interrogar, não me respondereis, nem me deixareis partir. — 69. Mas, desde agora o filho do homem estará sentado à direita do poder de Deus. — 70. Então perguntaram todos: És, 432
portanto, o filho de Deus? Ele respondeu: Vós mesmos o dizeis, eu o sou. — 71. Eles exclamaram: Que mais necessidade temos de testemunhos, uma vez que nós mesmos o ouvimos da sua própria boca?
N. 292. Do ponto de vista histórico, nenhuma explicação se faz precisa. Os fatos aí estão patentes.
Do ponto de vista espírita, já por várias vezes temos dito qual o sentido que se deve dar às palavras — filho de Deus — quando pronunciadas ou aceitas por Jesus.
"Eu o sou", respondeu o Mestre ao sumo sacerdote, dirigindo-se, porém, a toda a assembléia. E vereis o filho do homem assentado à direita da majestade de Deus, vindo sobre as nuvens do céu. Bem compreensível vos deve ser, em espírito e verdade, o sentido destas palavras do protetor e governador do vosso planeta. Nelas tendes mais uma alusão, velada, à reencarnação. Encerram também uma alusão àqueles, dentre os que as escutavam, cujos Espíritos, aproveitando a regeneração conseguida, reencarnados, vivendo de novo na Terra, o verão quando ele, em todo o seu fulgor espírita, como soberano, visível às criaturas depuradas, descer novamente ao vosso planeta, igualmente depurado.
Quanto às palavras dirigidas aos anciães do povo judeu, aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, do mesmo modo deveis compreendê-las facilmente, em espírito e verdade. Foram pronunciadas, colocando-se Jesus no ponto de vista dos homens. Significam: desde agora, conhecidos serão os atos do filho do homem, seu poder, sua posição.
E, com efeito, esse conhecimento não se espalhou e desenvolveu pela ação das interpretações humanas, do progresso gradual dos tempos e das inteligências, sob o império da letra, que preparou o advento do espírito? 433
E a nova revelação, dando-vos a conhecer quem é o filho, iluminando com a sua luz suave e pura a casta e grandiosa figura de Jesus, não vem mostrar que se acham justificadas, desde o momento em que foram proferidas até os vossos dias, estas proféticas palavras que, no futuro, o serão de igual maneira: Mas, desde agora, o filho do homem estará assentado à direita da majestade de Deus? 434
MATEUS, Cap. XXVI, vv. 69-75. — MARCOS, Cap. XIV, vv. 66-72. — LUCAS, Cap. XXII, vv. 56-62
Negativa de Pedro
MATEUS: V. 69. Pedro entretanto estava sentado fora, no átrio. Uma criada se aproximou dele e disse: Tu também estavas com Jesus da Galiléia. 70. Ele, porém, o negou diante de todos, declarando: Não sei o que dizes. — 71. Saindo ele dali para o vestíbulo, uma outra criada, que o viu, disse aos que lá se achavam: Este também estava com Jesus de Nazaré. — 72. Pedro o negou segunda vez, jurando: Não conheço esse homem. — 73. Pouco depois alguns que por ali estavam se dirigiram a Pedro e lhe disseram: Certamente tu também és um daqueles, pois até a tua fala o indica. — 74. Ele então se pós a proferir imprecações e a jurar que não conhecia aquele homem. Imediatamente cantou o galo. — 75. Pedro se lembrou do que Jesus lhe havia dito: Antes que o galo cante, tu me negarás três vezes. Saiu e chorou amargamente.
MARCOS: V. 66. Estando Pedro em baixo, no átrio, uma das criadas do sumo sacerdote ali foi, — 67, e, vendo-o a se aquecer, o encarou e disse: Tu também estavas com Jesus de Nazaré. — 68. Ele o negou, dizendo: Não o conheço, nem sei o que dizes. E, saindo para entrar no vestíbulo, cantou o galo. — 69. A criada, vendo-o de novo, disse aos que por ali estavam: Este é um daqueles. — 70. Ele o negou pela segunda vez. Pouco depois, os que ali se achavam diziam a Pedro: Com certeza tu és um daqueles, pois que também és galileu. — 71. Ele então começou a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem de quem falais. — 72. Logo cantou o galo pela segunda vez e Pedro se lembrou do que lhe dissera Jesus: Antes que o galo cante duas vezes, tu me terás negado três. E se pôs a chorar.
LUCAS: V. 56. Uma criada, que o viu sentado ao lume, o encarou e disse : Este também estava com 435
aquele homem. — 57. Mas Pedro o negou, dizendo: Mulher, não o conheço. — 58. Daí a pouco, um outro, vendo-o, disse: Tu também és daqueles. Respondeu Pedro: Homem, não sou. — 59. Cerca de uma hora depois, outro afirmava: Certamente este andava com ele, pois que também é galileu. — 60. Pedro respondeu: Homem, não sei o que dizes. Ato contínuo, estando ele ainda a falar, cantou o galo. 61. O Senhor então, voltando-se, olhou para Pedro e este se lembrou do que o Senhor lhe dissera: Antes que o galo cante, tu três vezes me negarás. — 62. Dali saindo, Pedro chorou amargamente.
N. 293. Contando com as próprias forças, Pedro se adiantara demais. Não procurara o único ponto de apoio que o pudera sustentar: a prece. Deixara-se levar pela confiança em si mesmo e, mau grado ao aviso de Jesus, não se pusera em guarda.
Grande foi o seu remorso, pois que nele houve apenas fraqueza e não falta. Assim nos exprimimos, porque da sua parte houve tão-somente falta de previdência, de desconfiança de si mesmo, porém não traição premeditada, fruto da covardia e do egoísmo. Ninguém se despoja da covardia e do egoísmo, como tira uma roupa incômoda. Pedro, ao deixar a casa do sumo sacerdote, reconheceu o seu erro e se dispôs a repará-lo. Essa a distinção que se deve fazer entre a fraqueza e a culpabilidade.
Dificilmente pode o culpado reparar, no curso de uma existência, uma falta durante ela cometida. Ao passo que o fraco pode adquirir a força de que careça. Eis porque são quase sempre temerários os vossos juízos. Eis porque às vezes condenais o que o Senhor desculpa e desculpais o que ele reprova.
Não vos detenhais nalgumas diferenças que os textos evangélicos, nesta passagem, apresentam. São futilidades. Atentai, sim, nos fatos capazes de aumentarem a fé, de convencerem os incrédulos e não em minúcias pueris. 436
Já o temos dito: essas diferenças, sem nenhuma importância, se explicam pela condição de Espíritos encarnados dos narradores, condição que mais ou menos dificulta as relações mediúnicas diante de informações colhidas aqui e ali. Já o sabeis, as narrações dos quatro evangelistas se explicam e completam umas pelas outras.
Há todavia um ponto acerca do qual é necessário que vos esclareçamos.
Quando o galo cantou, o Senhor, diz Lucas, vv. 61 e 62, voltando-se, olhou para Pedro e este se lembrou do que o Senhor lhe dissera: "Antes que o galo cante, tu três vezes me negarás". Dali saindo, Pedro chorou amargamente."
No momento em que o galo cantou, Jesus não estava perto de Pedro. Mas, naquele instante, Pedro sentiu uma impressão fluídica que, por efeito de mediunidade, a que podereis dar o qualificativo de "mental", lhe recordou as palavras de Jesus, fazendo-o ao mesmo tempo ver o semblante doce e calmo do Mestre, que se limitava a lhe dirigir um olhar triste, quando com a ingratidão era pago da afeição que lhe testemunhara. Na ocasião em que Pedro o negava e cantava o galo, fato que predissera, Jesus, para que ele não deixasse passar despercebido esse momento, se voltou para o ponto em que o apóstolo se achava, com a vontade de que este se lembrasse e o visse. Houve, da parte de Jesus, ação magnética a distância, ação cujos efeitos observais entre vós, mas em grau muito inferior, e houve da parte de Pedro vidência.
NOTA DA EDITORA: — Convém ver — João, XVIII, 1:27. 437
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 1-10
Arrependimento e morte de Judas. — Lugar do seu suicídio e da sua sepultura
V. 1. Pela manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e anciães do povo se reuniram em conselho contra Jesus para o entregarem à morte. — 2. Depois de o manietarem, levaram-no e o entregaram ao governador Pôncio Pilatos. — 3. Então, Judas, que o traíra, vendo que Jesus fora condenado, tocado de arrependimento, tornou a levar as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciães, — 4, e lhes disse: "Pequei, entregando o sangue inocente. Mas eles responderam: Que nos importa? Isso é lá contigo. — 5. E Judas, depois de arremessar no templo as moedas, se retirou e foi enforcar-se. — 6. Os príncipes dos sacerdotes tendo apanhado as moedas, disseram: Não nos é lícito deitá-las no cofre do templo, porque são preço de sangue. — 7. Depois de o deliberarem em conselho, compraram com elas o campo de um oleiro, para servir de cemitério a forasteiros. — 8. Por isso aquele campo se ficou chamando, até ao dia de hoje, Hacéldama, isto é: campo do sangue. — 9. Cumpriu-se assim o que fora dito pelo profeta Jeremias: "Tomaram as trinta moedas de prata, preço daquele que com eles os filhos de Israel apreçaram, — 10, e as deram pelo campo de um oleiro, como me ordenou o Senhor."
N. 294. São fatos, mas que, confrontados os termos do v. 18 do cap. 1° dos Atos dos Apóstolos com os do v. 7 de Mateus, reclamam explicações, que tornem conhecidos, de modo completo, os pormenores, historicamente exatos do que houve com relação ao que se passou entre Judas e os príncipes dos sacerdotes, à compra do campo que se chamou Hacéldama, à morte de Judas e ao lugar da sua sepultura.
Judas levou as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciães. Não tendo 438
estes querido recebê-las, ele as atirou no templo e foi enforcar-se num campo onde lhe acharam o cadáver em estado de putrefação bastante adiantada. Ao terem conhecimento desse fato, os príncipes dos sacerdotes e os anciães, que haviam apanhado as moedas atiradas por Judas no templo, conceberam a idéia de comprar aquele campo para cemitério dos forasteiros e para nele ser enterrado o cadáver de Judas, uma vez que entre os Israelitas não se concediam as honras da sepultura religiosa ao suicida.
Compraram, pois, com as trinta moedas o campo, que se ficou chamando Hacéldama, e lá enterraram o cadáver de Judas.
Nos Atos dos Apóstolos, onde se diz que o campo foi adquirido por Judas com o preço do seu pecado, e que ele, depois de o haver comprado, lá se enforcou, houve um erro de narração, devido aos comentários feitos a propósito dos fatos que Mateus relatara, mas ainda não escrevera, e a propósito do lugar do suicídio de Judas e do sepultamento, aí, do seu cadáver.
Pedro foi dos que pensaram que Judas comprara o campo com o fruto de seu pecado e que ali se enforcara. Essa opinião, que se firmou no Espírito de Pedro e da qual Lucas, como narrador, se fez eco, nasceu do fato de se haver Judas enforcado naquele campo e de ter sido nele enterrado. Destas circunstâncias concluíram, primeiro, que o campo lhe pertencia, visto ser costume entre os Hebreus preparar cada um, de antemão, a sua última morada; segundo, que ele o adquirira com o que ganhara da sua traição. 439
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 11-26. — MARCOS, Cap. XV, vv. 1-15. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 1-25
Jesus diante de Pilatos. — Jesus é entregue para ser crucificado
MATEUS : V. 11. Jesus foi levado à presença do governador e este o interrogou assim: és o rei dos Judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes. — 12. As acusações, porém, que lhe faziam os príncipes dos sacerdotes e os anciães nada respondeu. — 13. Pilatos então lhe perguntou: Não ouves de quantas coisas estes te acusam? — 14. Jesus nem uma só palavra disse em resposta, do que grandemente se admirou Pilatos. — 15. Ora, o governador costumava, no dia da festa da Páscoa, dar liberdade a um preso que o povo indicasse. — 16. E naquela ocasião tinha ele em seu poder um de grande fama, chamado Barrabás. — 17. Perguntou, pois, Pilatos à multidão ali reunida: Qual dos dois quereis que eu vos solte, Barrabás, ou Jesus, apelidado o Cristo? — 18. É que sabia que só por inveja lhe tinha sido este último entregue. — 19. Nesse ínterim, quando ele se achava sentado no tribunal, sua esposa lhe mandou dizer: Não te envolvas no caso desse justo, pois que hoje, em sonho, estranhamente atormentada fui por sua causa. — 20. Mas os príncipes dos sacerdotes e os anciães persuadiram o povo a pedir fosse solto Barrabás e Jesus condenado à morte. — 21. Assim, perguntando-lhes o governador: Qual dos dois quereis que vos solte? Responderam: Barrabás. — 22. Objetou-lhes Pilatos: Que hei de, então, fazer de Jesus, a quem chamam o Cristo? Responderam todos: Seja crucificado! — 23. O governador insistiu: Que mal, porém, fez ele? Com mais força clamaram, em resposta: Seja crucificado! — 24. Vendo Pilatos que nada conseguia, que, ao contrário, o tumulto se tornava cada vez maior, mandou vir água, lavou as mãos diante do povo e disse: Sou inocente do sangue deste justo; isso é lá convosco. — 25. Todo o povo lhe respondeu: Caia sobre nós e sobre nossos filhos o seu sangue. — 440
26. Pilatos logo pôs Barrabás em liberdade e, depois de haver mandado açoitar Jesus, o entregou à multidão para ser crucificado.
MARCOS: V. 1. Logo pela manhã reuniram-se em conselho os príncipes dos sacerdotes, os anciães, os escribas e todo o Sinédrio e, manietado que foi Jesus, o levaram e entregaram a Pilatos. — 2. Este lhe perguntou: És o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu dizes. — 3. E como os príncipes dos sacerdotes o acusassem de muitas coisas, — 4, disse-lhe Pilatos: Nada respondes? Vê de quantas coisas te acusam. — 5. Jesus, porém, nada mais respondeu, causando isso admiração a Pilatos. — 6. Ora, costumava este, pela Páscoa, soltar um preso cuja liberdade o povo pedisse. — 7. E na ocasião um havia, de nome Barrabás, que num motim, com outros sediciosos, praticara um homicídio. — 8. Acorrendo então a turba ao pretório se pôs a pedir-lhe que fizesse o que costumava fazer. — 9. Perguntou Pilatos: Quereis que vos solte o rei dos Judeus? — 10. Ele bem sabia que só por inveja havia sido Jesus levado à sua presença pelos príncipes dos sacerdotes. — 11. Estes, porém, concitaram o povo a pedir que antes fosse solto Barrabás. — 12. Inquiriu então Pilatos: Que quereis nesse caso que eu faça do rei dos Judeus? — 13. Clamaram os da turba: Crucificai-o! — 14. Pilatos obtemperou: Mas que mal fez ele? Clamando com mais força, responderam-lhe: Crucificai-o! — 15. À vista disso, Pilatos, que desejava satisfazer ao povo, soltou-lhe Barrabás e, depois de, por sua ordem, ter sido Jesus açoitado, o entregou para ser crucificado.
LUCAS: V. 1. Toda a assembléia se ergueu e levou Jesus a Pilatos. — 2. E se puseram a acusá-lo desta forma: Este homem nós o encontramos a subverter o povo, proibindo se paguem os tributos a César e dizendo ser o Cristo e rei. — 3. Pilatos o interrogou: És o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu o dizes. — 4. Observou então Pilatos aos príncipes dos sacerdotes e ao povo: Nenhuma culpa acho neste homem. — 5. Aqueles, porém, com mais insistência, afirmavam: Ele subleva o povo com a doutrina que vem espalhando por toda a Judéia, desde a Galiléia, onde começou, até aqui. — 6. Pilatos, ouvindo 441
falar da Galiléia, perguntou se aquele homem era galileu. — 7. Quando soube que era da jurisdição de Herodes, mandou-o a este, que na ocasião também se achava em Jerusalém. — 8. Ao ser-lhe apresentado Jesus, Herodes muito satisfeito ficou, pois de longo tempo desejava vê-lo, tanto tinha ouvido falar dele; contava que o veria fazer algum milagre. — 9. Dirigiu-lhe muitas perguntas, mas a nenhuma Jesus respondeu. — 10. Os príncipes dos sacerdotes e os escribas presentes o acusavam com muita insistência. — 11. Herodes, cercado da sua corte, o tratou com desprezo e, escarnecendo dele, vestiu-lhe uma túnica branca e o recambiou para Pilatos. — 12. Naquele dia, Herodes e Pilatos, de inimigos que eram antes, se tornaram amigos. — 13. Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes, os anciães e o povo, — 14, e lhes disse: Vós me apresentastes este homem como sublevador do povo e eis que, tendo-o interrogado na vossa presença, nele nenhuma culpa achei das de que o acusais; — 15, nem tampouco Herodes, a cuja presença o mandei. Nada tem ele feito, parece-me, que o torne passível de morte. — 16. Assim, depois de o castigar, solta-lo-ei. — 17. Ora, como ele tivesse que soltar, pela festa da Páscoa, um criminoso, — 18, todos à uma entraram a bradar: Morra este e solta-nos Barrabás. — 19. Este fora preso por causa de uma sedição havida na cidade e de um homicídio que cometera. — 20. Pilatos, desejando livrar a Jesus, lhes falou de novo. — 21. A multidão, porém, se pós a clamar: Crucifica-o, crucifica-o! — 22. Pela terceira vez Pilatos perguntou: Mas que mal fez ele? Não lhe acho culpa alguma que mereça a morte. Manda-lo-ei, portanto, castigar e o soltarei. — 23. Mas eles insistiam, pedindo em altos brados que Jesus fosse crucificado, e seus clamores a todo momento recrudesciam. — 24. Afinal, Pilatos ordenou se fizesse o que eles pediam. — 25. Ao mesmo tempo soltou o que fora preso por causa da sedição e do homicídio, conforme lhe exigiam e permitiu que de Jesus fizessem o que quisessem.
N. 295. A diversidade que se nota entre o texto de Lucas e dos outros evangelistas não vos deve surpreender, nem deter. Como sabeis, cada um deles tinha que entrar em particularidades es- 442
peciais. Assim, o que um relata sumariamente outro refere descendo a minúcias. É desse modo que as narrações sempre se explicam e completam reciprocamente.
Diante de Pilatos, a uma só das suas perguntas consente Jesus em responder; à que entendia com a soberania por ele exercida sobre os Judeus, soberania moral e espiritual, a cujo respeito Pilatos nenhuma dúvida tinha, não porque admitisse a missão do Mestre, mas porque não descobria, na vida nem nos atos daquele que lhe apresentavam como criminoso e revoltado contra o poder dos Césares, qualquer coisa que pudesse dar causa ao clamor público. Impelido por um sentimento secreto, tenta salvar o acusado. Ainda mais, tendo-lhe dito sua mulher que, em sonho, vira Jesus a se elevar, luminoso, da cruz e o mundo a se cobrir de trevas, ele procura pôr-se a salvo da responsabilidade do julgamento, mandando apresentar Jesus ao sucessor de Herodes. Contava que dessa maneira satisfaria às exigências da sua posição política e à sua consciência. Mas, o sucessor de Herodes não quis arcar com as conseqüências de uma condenação capital. Indeciso quanto ao que devesse fazer, indignado com a falta de atenção e de submissão de Jesus à dignidade de um representante dos Césares, inflige-lhe um castigo infamante e o devolve a Pilatos, que era o instrumento que tinha de funcionar.
Nenhuma explicação se faz necessária acerca do que ocorreu na presença de Pilatos e do que se passou entre este e Jesus, constituindo os fatos principais narrados por Mateus, Marcos e Lucas. A apresentação de Jesus ao sucessor de Herodes não foi mais do que um incidente, que nenhuma influência teve sobre aqueles fatos.
Precisamos apenas chamar a vossa atenção sobre pontos relativos ao Herodes da ocasião, à mulher de Pilatos e ao próprio Pilatos. 443
(Lucas, vv. 7-11.) Com relação ao sucessor de Herodes: Ele se indignou com a falta de atenção e de submissão de Jesus à dignidade de um representante dos Césares, porque a todas as suas perguntas opôs Jesus o silêncio, negando-se obstinadamente a lhe responder. Dissemos que, por isso, infligiu ao Mestre um castigo infamante. De fato, tratando-o com desprezo e dele zombando, o sucessor de Herodes mandou que lhe vestissem uma túnica branca, porque branca era a túnica dos Augustos, dos príncipes a quem tocava a sucessão do trono, ou que aspiravam a sentar-se nele. Cobrindo-o com aquelas vestiduras, tratava a Jesus como um louco, como um em quem a ambição produzira a loucura.
O sucessor de Herodes, acrescentamos, o mandou de novo a Pilatos, que era o instrumento que tinha de funcionar. Em Jerusalém, ele se achava fora da sua jurisdição, ao passo que dentro da de Pilatos estava o lugar onde se levantara contra Jesus a acusação.
(Lucas, v. 12.) "Naquele dia Herodes e Pilatos, diz o evangelista, de inimigos que antes eram, se tornaram amigos". Isso foi a conseqüência da troca de atenções havida entre ambos, das mostras de deferência que cada um dera à autoridade do outro.
(Mateus, v. 19.) Com relação à mulher de Pilatos: O que ela tomara por um sonho em que "estranhamente atormentada havia sido por causa de Jesus" e que a decidira a mandar dizer ao marido, quando este se achava no seu trono, presidindo ao tribunal: Não te envolvas no caso desse justo, fora uma manifestação, um aviso espírita, que se produziram achando-se ela, não a dormir, como se lhe afigurara, mas num estado de torpor magneto-espírita.
Como sabeis, pelo que toca ao desprendimento do Espírito, diversos graus apresenta o sono sonambúlico causado pelo magnetismo humano. O 444
mesmo se dá quando o estado sonambúlico resulta da ação do magnetismo espiritual. Este, como aquele, quando ocasiona um desprendimento incompleto, produz apenas a lucidez, levando ao êxtase quando determina a emancipação completa da alma.
A lucidez, que assim, por meio do magnetismo espiritual, os Espíritos prepostos deram à mulher de Pilatos, lhe facilitou a compreensão do quadro que diante de suas vistas os mesmos Espíritos puseram. De tal maneira operaram estes, que ela acreditou, como já explicamos, ter, em sonho, visto Jesus a se elevar luminoso da cruz e o mundo a se cobrir de trevas.
Com esse aviso espírita, dado à mulher de Pilatos, quis o anjo guardião deste, tendo-o Deus permitido, lembrar-lhe que lhe cumpria escolher entre a justiça e a verdade de um lado e o orgulho e a cobiça de outro.
O recado que recebeu da esposa mais lhe firmou no Espírito o desejo de salvar a Jesus.
Com relação a Pilatos: Quando nele se manifestava o desejo de libertar a Jesus, influenciava-o o sentimento íntimo da inocência do Mestre, sentimento ao qual, porém, se contrapunha o temor de ser prejudicado na sua posição política. Esse temor predominou.
Tudo fora, como se vê, preparado e conduzido, sob a influência e a ação espíritas, para que a inocência do justo e a iniqüidade da sua condenação mais impressionassem os homens da época e as futuras gerações.
(Mateus, v. 11; Marcos, v. 2; Lucas, v. 3.) Ao comparecer Jesus na sua presença, Pilatos lhe perguntou: És o rei dos Judeus? Foi essa a primeira interrogação que lhe fez. Por que? Primeiramente, porque essa era a principal acusação que lançavam ao Mestre, procurando com ela os seus acusadores atemorizar os Romanos. Em segundo lugar, porque grande surpresa lhe causou 445
semelhante acusação feita a Jesus, cujo aspecto era o que havia de mais oposto a tão alta pretensão.
Respondendo: Tu o dizes, Jesus falou do ponto de vista espiritual. Para bem se compreenderem e apreciarem o sentido, o alcance e o objetivo dessa resposta, preciso é que não seja isolada destas palavras já por ele proferidas: "Em verdade vos digo que doravante não mais me vereis, até ao dia em que digais: Bendito o rei que vem em nome do Senhor!" (Lucas, XIX, v. 38 e XIII, v. 35.)
Unicamente por escárnio, Pilatos, depois que Jesus lhe respondeu — Tu o dizes, duas vezes lhe deu o título de rei dos Judeus. A seu ver, Jesus era um Espírito fraco, mais presa de loucura que de ambição.
NOTA DA EDITORA — Convém ver João, XVIII, 28:40; João, XIX, 8:15. 446
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 27-30. — MARCOS, Cap. XV, vv. 16-19
Flagelação. — Coroa de espinhos. — Ultrajes. Insultos
MATEUS: V. 27. Depois, os soldados do governador conduziram Jesus ao pretório e em torno dele se reuniu toda a coorte. — 28. Despiram-no de suas roupas e o cobriram com um manto escarlate. — 29. Em seguida teceram uma coroa de espinhos entrelaçados e lha puseram na cabeça, colocando-lhe na mão direita uma cana. E, ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos Judeus! — 30. Cuspiam-lhe no rosto e, tirando-lhe da mão a cana, com ela lhe batiam na cabeça.
MARCOS: V. 16. Os soldados então o levaram ao pátio do pretório e aí reuniram toda a coorte. — 17. Revestiram-no com um manto de púrpura e lhe puseram na cabeça uma coroa de espinhos entrelaçados, que eles mesmos teceram. — 18. E começaram a saudá-lo assim: Salve, rei dos Judeus! — 19. Batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-lhe no rosto e, ajoelhados diante dele, o adoravam.
N. 296. Sempre ensinamento e exemplo dados aos homens. Nos ultrajes que Jesus suportou, na paciência e na resignação com que tudo sofreu se vos depara a linha de proceder que deveis seguir.
Não vos enfileireis nunca entre os que acusam e insultam, qualquer que seja a aparência de direito que tenham para assim fazer, porquanto podeis estar cegos e acusar e insultar a um inocente. Fracos são os sentidos humanos e vos enganam muitas vezes. Este, que vos parece culpado e o é para os homens, pode ser justo aos olhos de Deus. Abstende-vos, pois, visto que, na maioria dos casos, por demais fracos são os vossos sen- 447
tidos e obtusa a vossa inteligência para julgardes com acerto.
Se vos virdes alvo da zombaria, do escárnio dos vossos irmãos, por mais injustas que sejam suas opiniões e seus atos a vosso respeito, oponde-lhes sempre a paciência e a doçura.
Não vos esforceis por demonstrar aos cegos os princípios e as propriedades da luz. Perdereis o vosso tempo. Firmai-vos na pureza das vossas intenções, na pureza da vossa consciência e dos vossos atos e ficai certos de que tereis sempre no Senhor um juiz equânime.
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XIX, 1:7. 448
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 31-32. — MARCOS, Cap. XV, vv. 2Q-21. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 26-31
Jesus conduzido ao lugar do suplício. -- Simão de Cirene o ajuda a carregar a cruz. — Palavras que dirige às mulheres que o lamentavam e pranteavam
MATEUS: V. 31. Depois de o terem escarnecido, tiraram-lhe o manto escarlate, vestiram-lhe de novo suas roupas e o levaram para ser crucificado. — 32. Ao saírem da cidade, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e o obrigaram a carregar a cruz com Jesus.
MARCOS: V. 20. Depois de o terem assim escarnecido, tiraram-lhe o manto de púrpura e lhe vestiram de novo suas vestes, feito o que o levaram para ser crucificado. — 21. E como por ali passasse um Cirineu, chamado Simão, pai de Alexandre e de Rufo, o qual voltava do campo, o obrigaram a carregar a cruz com Jesus.
LUCAS: V. 26. Quando o iam conduzindo, pegaram de um certo Simão, Cirineu, que vinha do campo, e o obrigaram a carregar também a cruz atrás de Jesus. — 27. Seguia-o grande multidão de povo e de mulheres, que o lamentavam e pranteavam. — 28. Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai por vós mesmas e por vossos filhos; — 29, porque dias virão em que se dirá: Ditosas as estéreis, ditosos os ventres que nunca geraram e os seios que nunca amamentaram. — 30. Pôr-se-ão todos então a dizer aos montes: Caí sobre nós; e às colinas: Cobri-nos. — 31. Porque, se isto fazem com o lenho verde, que farão com o lenho seco?
N. 297. Jesus, depois de haver sido objeto do escárnio e das jogralidades de todos, foi manietado para ser conduzido ao suplício. Pilatos 449
31 NOTA DA EDITORA — Ver nº 287 de "O Consolador", de Emmanuel.
o entregou aos Judeus, que ansiavam por lhe dar a morte. Mas os soldados do Tetrarca eram os guardas do preso e os executores da sentença. Cumpria-lhes vigiar o condenado, a fim de que não escapasse pela fuga, nem lhes fosse arrebatado à força. Essas as ordens militares que os soldados tinham. Até ao último momento, até que os malfeitores crucificados houvessem exalado o último suspiro, eles eram obrigados a velar pelo cumprimento da sentença.
Penosa foi a marcha de Jesus. Não tinha ele que mostrar aos homens até onde podiam chegar a resignação e a submissão?
Nem uma só queixa, nenhum protesto lhe saíram dos lábios. Não digais: "Era-lhe fácil; a carne nada sentia."
Jesus, naqueles momentos, sofria, sofria muito no seu coração pelo endurecimento dos homens. Sofria por ver que séculos e séculos teriam que passar sobre as vossas cabeças, antes que o batismo do espírito vos purificasse. Sofria, vendo quantos sofrimentos o futuro reservava a seus irmãos, aos quais votava amor tão ardente que, para lhes mostrar o caminho que devem trilhar, consentiu em perlustrá-lo.31
Experimentava as angústias que dilaceram o coração da mãe extremosa que vê transviados, criminosos, seus filhos diletos; que vê prestes a caírem sobre eles os rigores da lei; que lhes brada: "Vinde a mim, vinde a mim e eu vos salvarei; arrependei-vos e obterei o perdão para vós", e os vê surdos, a lhe voltarem as costas para prosseguirem no funesto caminho. Ela não sofre, é certo, na sua carne, a carinhosa mãe; seus ossos não são despedaçados. Mas, todas as fibras do seu coração estalam dolorosamente; torturam-na a ansiedade, a aflição pelo futuro de seus bem-amados ! 450
Sim, Jesus sofria, sofria no seu amor e sofre ainda, quando vos vê endurecidos. Amenizai esse sofrimento com o vosso amor e a vossa submissão, único bálsamo capaz de cicatrizar as chagas que a vossa ingratidão e os vossos crimes abriram.
No que disse às mulheres que o pranteavam e lamentavam, aludia figuradamente à destruição de Jerusalém, assim como às calamidades, que a necessidade da depuração e da transformação do vosso planeta e da humanidade terrena faz inevitáveis, calamidades que de futuro ocasionarão a destruição da vossa Jerusalém moderna, do vosso mundo, a fim de que uma nova cidade e um templo indestrutível sejam reconstruídos.
Porque, disse Jesus, se isto fazem com o lenho verde, que farão com o lenho seco?
Estas locuções — lenho verde e lenho seco — eram proverbiais entre os Judeus, que por elas designavam os justos e os pecadores. Se daquela forma tratavam o justo, de que modo seriam tratados os pecadores? Essas palavras Jesus as proferiu também figuradamente, a fim de impressionar, assim os que tivessem de as ouvir quando repetidas fossem, como os que mais tarde viessem a lê-las, mostrando a uns e a outros a sorte reservada ao culpado que despreza o Justo e a moral sublime que ele personifica.
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XIX, 16:22. 451
32 Nove horas da manhã.
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 33-38. — MARCOS, Cap. XV, vv. 22-28. — LUCAS, Cap. XXIII, vv, 32-34 e 38
Crucificação de Jesus e dos dois ladrões. Palavras por ele ditas como ensinamento e exemplo
MATEUS: V. 33. Chegaram assim ao lugar chamado Gólgota, que quer dizer — lugar do Calvário (ou da caveira), — 34, e lhe deram de beber vinho misturado com fel. Ele, porém, tendo-o provado, não o quis beber. — 35. Depois de o terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando sortes; a fim de que se cumprisse o que fora dito pelo profeta: Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica deitaram sortes. — 36. E, sentados, ali o ficaram guardando. — 37. Por cima da sua cabeça puseram escrito o motivo da sua condenação, nestes termos: Este é Jesus, o rei dos Judeus. — 38. Com ele também foram crucificados, um à sua direita, outro à sua esquerda, dois ladrões.
MARCOS : V. 22. E o levaram a um lugar, chamado Gólgota, que quer dizer — lugar do Calvário, — 23, e lhe deram de beber vinho misturado com mirra, mas ele não o tomou. — 24. Depois de o terem crucificado, entre si repartiram suas vestes, tirando sortes sobre elas, para verem o que a cada um tocaria. — 25. Era a hora terceira32, quando o crucificaram. — 26. O motivo da sua condenação foi indicado por esta inscrição: O rei dos Judeus. — 27. Com ele também crucificaram dois ladrões, um à sua direita, outro à sua esquerda. — 28. Cumpriu-se assim esta palavra da Escritura: E entre os malfeitores foi incluído.
LUCAS: V. 32. Com ele eram levados dois criminosos, para também serem executados. — 33. Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, aí o crucificaram a ele e aos dois ladrões, um à sua direita, outro à. sua esquerda. — 34. Dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, que eles não sabem o que fazem. Em seguida, repar- 452
tiram entre si suas vestes, tirando sortes. — 38. Puseram-lhe acima da cabeça esta inscrição, em grego, latim e hebreu: Este é o rei dos Judeus.
N. 298. Vistes como foi Jesus conduzido ao suplício. Chegado ao Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, ficou submetido às leis que então regulavam as execuções pela crucificação. Sua boca não se abre para proferir o mais ligeiro murmúrio. É que lhe cumpria dar aos homens, até ao derradeiro instante, o exemplo — da moderação nos atos e nas palavras; da submissão às leis, por mais iníquas que pareçam; do respeito aos seus executores, por mais ínfimos que sejam os agentes destes. A verdade, porém, tinha que se fazer ouvida e brilhar, mesmo no alto da cruz onde o justo fora pregado. Ele é o "rei dos Judeus", o rei da Terra, pois que procede dos céus. É o rei dos habitantes da Terra, porquanto seu reino não é deste mundo e não pode, de forma alguma, fazer sombra aos reis deste orbe impuro.
Cumpria-lhe dar o exemplo da misericórdia e do perdão aos insultadores e aos algozes que a ignorância e as más paixões desvairaram. Quando o crucificam, profere palavras destinadas a abrir, no presente e no futuro, como abriram no passado, as sendas do progresso moral: Pai, perdoa-lhes, que eles não sabem o que fazem.
Foram os Judeus que, por vontade própria, o crucificaram, mas o ato material foram os Romanos que o executaram. A multidão reclamou a entrega de Jesus e Pilatos atendeu-a, no sentido de conceder que lhe fosse dada "morte". E a turba, ávida de espetáculos daquela natureza, o acompanhara, bramindo e injuriando-o. Ele, porém, estava entregue aos soldados romanos, que eram os que tinham o encargo de executar a sentença proferida e que de fato a executaram.
N. 299. Tem-se pretendido que há uma contradição entre as narrativas de MATEUS e MARCOS e a de 453
LUCAS, consistindo em que, segundo aqueles dois primeiros evangelistas, foram os soldados romanos que levaram a efeito a crucificação, ao passo que, segundo o último, foram os Judeus.
Mantemos o que acabamos de dizer: Foram os Judeus que, moralmente, condenaram a Jesus, sendo Pôncio Pilatos quem materialmente proferiu contra ele a sentença de morte. Do mesmo modo, os Judeus, que o acompanharam ao Gólgota, foram os que presidiram ao seu suplício. Mas, materialmente, foram os soldados romanos que executaram a sentença, desempenhando o papel do carrasco quando executa a condenação à morte sentenciada pelo tribunal do júri.
As duas narrativas têm que ser explicadas e completadas uma pela outra, visto que, no seu conjunto, elas obedeceram ao propósito de destacar o ato moral do ato material, salientando-os.
Lucas tomou a ação dos Judeus sob o seu aspecto moral, pois que, moralmente, foram os Judeus que condenaram a Jesus.
Esse evangelista assim procedeu considerando que, sobretudo naquele caso, o ato moral, puramente moral, muito pior era do que o ato material. Os soldados romanos não foram mais do que instrumentos passivos. Alguém há, porventura, que responsabilize o cutelo, que cai sobre a cabeça do inocente, pela sentença iníqua que o condenou? O peso da condenação cai todo sobre os juízes ou sobre o júri que se transviaram e não sobre o carrasco ou sobre o cutelo de que este se serviu.
Mateus e Marcos atentaram somente no ato material. A narrativa de João (cap. XIX, vv. 14-18 e 23), que não deve ser isolada das dos três primeiros evangelistas, abrangeu o ato moral, e o ato material, o ato moral, dizendo (v. 18) que os Judeus crucificaram a Jesus; o ato material, dizendo (v. 23) que os soldados executaram a crucificação. 454
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 39-43. — MARCOS, Cap. XV, vv. 29-32. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 35-37
Blasfêmias. — Zombarias. — Insultos
MATEUS: V. 39. E os que por ali passavam, abanando a cabeça, blasfemavam-no, — 40, dizendo: Tu, que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, porque não te salvas a ti mesmo? Se és o filho de Deus, desce da cruz. — 41. Do mesmo modo os príncipes dos sacerdotes, com os escribas e os anciães, o escarneciam, dizendo: — 42. Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo; se é o rei de Israel, que desça agora da cruz e nós lhe acreditaremos. — 43. Ele põe toda a sua confiança em Deus; livre-o Deus agora, se o ama, pois que ele disse: Sou o filho de Deus.
MARCOS: V. 29. Os que passavam, abanando as cabeças, blasfemavam-no, dizendo: Olá, tu, que destróis o templo de Deus e o reedificas em três dias, — 30, salva-te a ti mesmo e desce da cruz. — 31. Também os príncipes dos sacerdotes e os escribas o escarneciam, dizendo entre si: Ele a outros salvou, entretanto não pôde salvar-se a si mesmo. — 32. Que o Cristo, o rei de Israel, desça agora da cruz para que vejamos e creiamos.
LUCAS: V. 35. O povo que, ali reunido, contemplava aquela cena e bem assim os anciães zombavam dele, dizendo: Ele que salvou a outros, salve-se a si mesmo agora, se é o Cristo, o eleito de Deus. — 36. Também o insultavam os soldados, que dele se aproximavam e lhe ofereciam vinagre, — 37, dizendo: Se és o rei dos Judeus, salva-te a ti mesmo.
N. 300. Estes versículos vos mostram ainda a ingratidão e a loucura dos homens, sempre prontos a insultar aqueles a quem mais deviam respeitar. Encerram também um aviso aos insultadores e incrédulos de hoje, que rejeitam a revelação espírita 455
e, portanto, a missão espiritual do Cristo, como rejeitaram no passado a sua missão terrena.
Os sumos sacerdotes, os escribas, os fariseus, os anciães, Espíritos orgulhosos, atrasados e culpados, o povo, que em torno deles se agrupava, e os transeuntes, um e outros dominados por eles, eram incapazes de compreender a necessidade, o motivo e o fim daquela missão que, preparada desde longos séculos, se cumpria, segundo a presciência e a sabedoria infinitas de Deus, de maneira a servir à época de então, a preparar o futuro e a conduzir a humanidade, através da era cristã, sob o império e o véu da letra, da capa do mistério e do prestígio do milagre, a era do Cristianismo do Cristo, à era espírita, que se abre diante de vós, ao advento do Espírito da Verdade, que, por intermédio dos Espíritos do Senhor e da nova revelação, vem, despojando da letra o espírito, tornar conhecido o que teve de ficar e ficou secreto até aos vossos dias, pôr a nu o que até hoje teve de permanecer e permaneceu oculto.
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XIX, 23:37. 456
MATEUS, Cap. XXVII, v. 44. — MARCOS, Cap. XV, v. 32. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 39-43
Palavras que Jesus dirigiu a um dos dois ladrões, ao que é chamado o bom ladrão
MATEUS : V. 44. Os mesmos impropérios lhe dirigiam os dois ladrões que com ele haviam sido crucificados.
MARCOS: V. 32. Também os que com ele haviam sido crucificados lhe dirigiam palavras injuriosas.
LUCAS : V. 39. Um dos ladrões também crucificados blasfemava contra ele dizendo: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós. — 40. Mas o outro, repreendendo-o, disse: Nem ao menos sofrendo o mesmo suplício temes a Deus mais do que os outros! — 41. Entretanto, nós o sofremos justamente, pois que recebemos o castigo que mereceram os nossos crimes, ao passo que este nenhum mal fez. — 42. E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando chegares ao teu reino. — 43. Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso.
N. 301. Estes versículos se conciliam perfeitamente. As narrativas de Mateus e de Marcos encontram na de Lucas o seu complemento histórico, do mesmo modo que esta última, para estar completa, precisa que a precedam as duas outras. A principio, os dois ladrões, ambos criminosos e maus, fazem coro com os príncipes dos sacerdotes, os anciães, os escribas, os transeuntes e a multidão, nos ultrajes que lançavam a Jesus. Depois, continuando um deles a blasfemar contra este, pede-lhe que demonstre o seu poder por um milagre, que também os salve. Se és o Cristo, disse, salva-te a ti mesmo e a nós.
Tocado pela doçura, pela bondade de Jesus, que respondia rogando pelos culpados aos insultos 457
que lhe atiravam, o outro ladrão compreendeu que no Mestre alguma coisa havia que o colocava acima da humanidade. Aproximando-se-lhe o momento em que a libertação restitui ao Espírito a luz, esse malfeitor entreviu a verdade, ainda que confusamente, e não hesitou em implorar misericórdia àquele em quem reconhecia maior poder para as coisas do céu, do que para as da terra. E Jesus lhe responde por esta forma animadora: Em verdade te digo que hoje mesmo entrarás comigo no paraíso.
Estas palavras hão dado e ainda dão motivo a muitas interpretações falsas e suscitaram muitas controvérsias.
Elas não significam que aquele, cuja vida fora cheia de rapinagem e de faltas, pelo simples fato de se arrepender, ficasse isento de toda expiação, de toda reparação. Significam tão-somente que, a partir daquele instante, ele entraria na senda do progresso, que o conduziria rapidamente ao bem.
Efetivamente, para o Espírito, o paraíso não é o que o homem imaginou: um lugar de beatífico êxtase, sem objetivo, sem esperança de coisa melhor. É, ao contrário, a entrada na senda luminosa que proporciona ao culpado entrever o prêmio reservado aos esforços do trabalhador. É a compreensão do futuro, junta ao desejo ardente de o alcançar.
Essa senda, esse paraíso, onde o sofrimento causado pelo remorso das faltas cometidas constitui uma alegria para o Espírito que compreende o progresso que está ao seu alcance realizar, é que Jesus promete àquele que, na linguagem humana, ficou apelidado de "bom ladrão". Ele entraria nesse paraíso desde que, do alto da sua glória, o mesmo Jesus, por intermédio dos bons Espíritos, lhe mostrasse o caminho a percorrer e a felicidade que ao seu termo o esperava. 458
N. 302. Sobre essas palavras de Jesus a Igreja Católica erigiu o seu sistema da condenação e da graça, da indulgência concedida à fé, independentemente das obras, colocando o malfeitor apelidado de "bom ladrão" no número dos bem-aventurados, pelo simples fato de se haver arrependido sinceramente, de haver demonstrado o que ela chama: a contrição perfeita.
Falsa interpretação das palavras do Mestre, que ela, não as compreendendo segundo o espírito, tomou ao pé da letra.
Acabamos de dizer: Aquelas palavras de Jesus significam: "No momento em que eu torne a ocupar o lugar que me compete, voltando à natureza espiritual que me é própria, tu entrarás na vida espiritual; verás distintamente, assim o caminho que te cumpre seguir, como a meta que terás de alcançar."
O arrependimento é, com efeito, um meio de chegar ao fim, de chegar à expiação produtiva, à atividade nas provações, à perseverança no objetivo. É uma venda que se rasga e que, permitindo ao cego ver a luz brilhante que tem diante de si, o enche do desejo de possuí-la. Mas, isso não o exime de perlustrar o seu caminho. Ele passa a ver melhor os obstáculos, consegue transpô-los mais rapidamente e com maior destreza e atinge mais prontamente o fim colimado. Nunca, porém, vos esqueçais desta sentença. A cada um de acordo com as suas obras. As boas apagam as más. Todavia, o Espírito culpado não pode avançar, senão mediante a reparação. 459
33 Meio-dia.
34 Três horas da tarde.
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 45-50. — MARCOS, Cap. XV, vv. 33-37. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 44 e 46
Morte de Jesus, no entender dos homens
MATEUS : V. 45. Desde a hora sexta33 até a hora nona34 toda a Terra se cobriu de trevas. — 46. Por volta da hora nona, exclamou Jesus em alto brado: Eli, Eli, lamma sabachtani! isto é: Meu Deus, meu Deus, porque me desamparaste? — 47. Alguns dos que por ali estavam, ouvindo isso, disseram: Ele chama por Elias. — 48. E logo um deles correu, tomou de uma esponja, ensopou-a em vinagre e, colocando-a no extremo de uma cana, lha apresentou para que bebesse. — 49. Outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias o vem libertar. — 50. De novo soltou Jesus um grande brado e rendeu o Espírito.
MARCOS: V. 33. Chegada a hora sexta, toda a terra se cobriu de trevas até à hora nona. — 34. À hora nona, exclamou Jesus num alto brado: Eloi, Eloi, lamma sabachtani! que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? — 35. Ouvindo isso, disseram alguns dos circunstantes: Eis que ele chama por Elias. — 36. Um deles então correu, ensopando uma esponja em vinagre e, espetando-a numa cana, lha apresentou para que bebesse, dizendo: Deixem, vejamos se Elias vem tirá-lo da cruz. — 37. Jesus soltou um grande brado e rendeu o Espírito.
LUCAS: V. 44. Era quase à hora sexta; toda a terra se cobriu de trevas até à hora nona. — 46. Jesus então, clamando em altas vozes, disse: Meu Pai, nas tuas mãos entrego a minha alma. E, tendo dito isso, expirou.
N. 303. As palavras de Jesus foram falsamente interpretadas. Como podia ele, que desempenhara sua missão, ser abandonado pelo Senhor? 460
As palavras que o divino modelo pronunciou, no momento em que, deixando na cruz o invólucro perispirítico tangível, que trazia, com a aparência do corpo humano, retomou a sua plena liberdade espiritual, foram estas: Senhor, tudo está cumprido, eis-me aqui! De ordem dele, nós vo-las repetimos textualmente.
Para que compreendais donde se originou a falsa interpretação dada às suas palavras, como essa interpretação se introduziu nas narrativas evangélicas de Mateus e de Marcos, como se produziram as de Lucas e de João, temos que vos explicar o que realmente ocorreu, restituindo desse modo aos fatos, também por ordem do Mestre, a exatidão histórica.
Logo depois de haver dirigido àquele dos dois malfeitores cognominado o "bom ladrão" as palavras cujo sentido e alcance agora conheceis em espírito e verdade, Jesus, como dizem ,os evangelistas, soltou um grande brado, a fim de atrair a atenção do povo para seus "últimos momentos", atraindo-a para os fenômenos que, ao mesmo tempo, iam produzir-se. Os dois ladrões se puseram a gemer, os discípulos elevaram suas vozes em exclamações de imensa dor e todos esses estertores dalma se reuniram formando um só clamor.
Foi quando chegara ao máximo a agitação tumultuosa de toda aquela turba sacudida por tão diversos sentimentos que Jesus, repetimos, disse: Senhor, tudo está cumprido, eis-me aqui. A esse tempo, o ladrão, que pouco antes falara movido pelo arrependimento, buscando num ímpeto o seu Criador, dirigindo-se a Deus, exclamou: Eli, Eli, lamma sabachtani! Isto é: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
Alguns, mas não todos, atribuíram a Jesus essas palavras. De modo que a incerteza entrou a reinar sobre o que efetivamente dissera ele, cuja exclamação se perdera no espaço, de envolta com 461
o rumor produzido pela agitação da turba, que se via presa das maiores preocupações.
Tinha que ser assim, como dentro em pouco vos explicaremos. Tudo tem sua razão de ser.
Mais tarde surgiram os comentários, originando-se destes as versões que se introduziram nas narrações evangélicas.
Desde que estudais a ciência espírita, ainda não compreendestes que o melhor médium, isto é: o mais maleável, o mais dócil dos instrumentos, pode, em certos casos, ficar entregue a si mesmo, embora dominado pela sobreexcitação mediúnica, de tal sorte que é a sua própria natureza que atua pessoalmente, quando ele ainda se julga sob a influência espiritual?
Assim é que, em certos casos, os apóstolos referiram os fatos sob a impressão da sua maneira de ver pessoal, ao passo que, em outros, os fatos lhes eram, a bem dizer, postos, mediunicamente, debaixo das vistas.
Assim é também que os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João, embora mantidos em estado de sobreexcitação mediúnica, ficaram entregues a si mesmos, quanto ao aproveitamento, para as suas narrativas, dos diversos informes em curso, relativamente às palavras atribuídas a Jesus, e relataram os fatos de acordo com as versões que adotaram, guiados pelo seu critério pessoal. A narrativa mais próxima da verdade é a de João, que, em meio dos clamores, do ruído, das agitações, se conservara perto da cruz.
Dissemos e repetimos que tudo tem a sua razão de ser.
Mateus e Marcos, orientados pelas impressões de Pedro, adotaram a versão que atribuía a Jesus estas palavras: "Eli, EU, lamma sabachtani"? isto é: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?
Dentro do quadro que lhes fora mediunicamente traçado, Jesus tinha que parecer aos homens, sob o véu da letra, um ser excepcional, misterioso, 462
impossível de definir-se, participando ao mesmo tempo da natureza humana e da divindade, um homem revestido da libré material, um profeta concebido no seio de Maria virgem por obra do Espírito Santo, o filho de Deus, o Santo de Deus, o irmão de seus discípulos, o rei dos Judeus, gozando da onipotência no céu e sobre a terra.
Mateus e Marcos, conquanto mantidos em estado de sobreexcitação mediúnica, ficaram entregues a si mesmos, porque era preciso deixar à opinião um ponto pelo qual fosse ela reconduzida ao princípio material (ainda que relativo) de Jesus. Aquela frase constituiu para os homens, durante largo tempo, uma prova irrecusável de que Jesus sofrera materialmente e, de certo modo, fraqueara sob o guante da dor, o que desculpava as fraquezas humanas em face da prova.
A versão falsa, que Mateus e Marcos reproduziram sob o influxo pessoal da natureza que lhes era própria, isentos da influência mediúnica, foi também um meio de contrabalançar a crença na divindade do Cristo em as controvérsias a que essa divindade daria lugar, controvérsias necessárias a preparar as inteligências para receberem a revelação atual que, despojando da letra o espírito, vos faz conhecer, em espírito e em verdade, "quem é o filho".
Escrevendo dentro do quadro que mediunicamente lhe tinha sido traçado, mas entregue, nesse caso, a si mesmo, Lucas adotou, de acordo com o critério de Paulo, que via no Cristo o mediador entre Deus e os homens, a versão segundo a qual foram estas as palavras que Jesus pronunciara: "Pai, às tuas mãos entrego a minha alma."
Escrevendo igualmente dentro do quadro que lhe fora mediunicamente traçado, de maneira a fornecer às interpretações humanas segundo a letra os elementos da crença na divindade do Cristo, fornecendo ao mesmo tempo os elementos apropriados à retificação dessa crença, quando do adven- 463
35 João, cap. XIX, vv. 28 e 30.
36 João, cap. X, vv. 17-18.
to do espírito, e apropriados a servirem de base à nova revelação, que viria dar a conhecer a natureza e a origem do filho, sua posição com relação ao pai, João, entregue, nesse caso, a ai mesmo adotou, com o que pudera apanhar, a versão que inculcava, como proferidas por Jesus naquele momento, estas palavras: "Tudo está cumprido".35
As versões que Lucas e João adotaram exprimiam, em termos diferentes, o mesmo pensamento que as palavras textualmente proferidas pelo Mestre expressavam. Ambas traduziam um exemplo de submissão e de amor: Jesus, ao apresentar-se ao Senhor depois de tudo cumprido, lhe depunha nas mãos a sua alma.
Jesus, dizem as narrações evangélicas, rendeu o Espírito, expirou. Estas duas locuções têm o mesmo sentido, o mesmo alcance — o da volta do Espírito à vida espírita, readquirindo a liberdade no espaço, que é a sua pátria.
Não há comparação possível entre o regresso de Jesus e o dos vossos Espíritos. Para vós, a encarnação material humana representa um exílio que sofreis a título de expiação, de provação. A vida vos é arrebatada, tirada. Quando a tendes deixado, não a podeis retomar; só por meio da reencarnação podeis ter uma nova existência. Sejam quais forem os esforços que façais durante a vida terrena, a vossa natureza humana sempre vos arrasta a algum desfalecimento, quando não a faltas; de sorte que, ao regressardes à vida espírita, sempre vos achais sujeitos a julgamento, a um arrependimento mais ou menos penoso, conforme o grau da culpabilidade.
A volta de Jesus à vida espírita era inteiramente diversa da vossa. Disse-o ele próprio36, aludindo ao sacrifício do Gólgota, aos fatos e 464
circunstâncias atinentes à sua missão terrena, tanto anteriores como posteriores àquele sacrifício.
Ele deixava a vida para a retomar; ninguém lha podia arrancar, ou tirar, e ninguém lha arrancou, ou tirou; era ele quem por si mesmo a deixava; foi ele que por si mesmo a deixou; tinha o poder de a deixar e o de a retomar. Ele, pois, não sofria a encarnação material, humana, tal como a sofreis. Sua ausência da pátria espiritual não era, portanto, como se dá convosco, um exílio. De fato, freqüentemente, muito freqüentemente, quando, presidindo seu Espírito ao governo do vosso mundo, julgavam que se havia retirado para orar na solidão, ele pairava sobre o vosso universo, regrando, com sabedoria, todas as coisas e fazendo executar as ordens do soberano Senhor.
No Gólgota, ninguém lhe arrancou, ou tirou a vida. Ele por si mesmo a deixou, no momento em que seu Espírito, retomando a sua inteira liberdade, abandonou na cruz o invólucro que revestira, de natureza perispirítica, tangível com a aparência do corpo humano. E, "de acordo com o mandamento que recebera de seu pai", ele a retomou para reaparecer, operando o que se chamou a sua "ressurreição", e concluir a missão terrena que descera a desempenhar.
Deixou-a, por si mesmo, definitivamente, quando, terminada aquela missão, realizou o fenômeno conhecido pelo nome de ascensão, despindo-se em definitivo daquele invólucro, restituindo os elementos fluídicos que o compunham às regiões a que haviam sido tomados. Puro de toda falta, nenhuma expiação precisava sofrer, nada tinha que lamentar. Ele, o justo, voltava à pátria como juiz e não como acusado.
Quanto às trevas que, a partir da hora sexta até à nona, cobriram a Terra foram, como daqui a pouco explicaremos, fazendo-vos compreender de que modo se operou o obscurecimento do céu, um 465
extraordinário efeito físico, produzido por poderosa ação espírita, destinado a impressionar grandemente as massas e a repercutir fortemente nas gerações futuras. 466
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 51-56. — MARCOS, Cap. XV, vv. 38-41. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 45 e. 47-49
Rasga-se o véu do templo. — Tremor de terra.— Aparição dos mortos. — Obscurecimento do Sol. — Palavras do centurião
MATEUS : V. 51. E eis que o véu do templo se rasgou em dois de alto a baixo; a terra tremeu e as pedras se fenderam. — 52. Os sepulcros se abriram e muitos corpos de santos, que neles dormiam o sono da morte, ressuscitaram. — 53. E, saindo dos túmulos depois da sua ressurreição, vieram à cidade santa e apareceram a muitas pessoas. — 54. O centurião e os que com ele estavam de guarda a Jesus, observando o terremoto e tudo o que se passava, se encheram de grande medo e disseram: Este era verdadeiramente filho de Deus. — 55. Lá se achavam, observando as coisas de longe, muitas mulheres, que desde a Galiléia acompanhavam a Jesus, assistindo-o com o necessário. — 56. Entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e de José e a mãe dos filhos de Zebedeu.
MARCOS : V. 38. E logo o véu do templo se rasgou em dois de alto a baixo. — 39. O centurião que estava em frente da cruz, ao ver que, soltando aquele brado, Jesus expirara, disse: Verdadeiramente este homem era filho de Deus. — 40. Lá se achavam também algumas mulheres tudo observando de longe, entre elas Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago o menor e de José, e Salomé, — 41, as quais seguiam a Jesus quando este andava pela Galiléia, assistindo-o com o necessário; e estavam lá ainda muitas outras que com ele tinham subido a Jerusalém.
LUCAS : V. 45. Escureceu-se o sol e o véu do templo se rasgou de meio a meio. — 47. Vendo o centurião o que sucedera, glorificou a Deus, dizendo: Na verdade, este homem era justo. — 48. Toda a multidão dos que assistiam àquele espetáculo, vendo o que 467
acontecia, se retirava batendo nos peitos. — 49. Todos os que conheciam a Jesus e as mulheres que o seguiam desde a Galiléia lá estavam também, observando de longe o que se passava.
N. 304. Não conseguireis abrir os olhos aos que teimam em conservá-los fechados. Não conseguireis que admitam os fatos espíritas os que negam toda influência ultramundana.
Os fenômenos concernentes à aparente morte de Jesus foram devidos à ação dos Espíritos que o cercavam em número, para vós, incalculável.
Era preciso que aquelas massas ignorantes e grosseiras fossem tomadas de espanto. Era preciso fossem tocados os sentidos materiais daquelas gentes, totalmente materializadas. E, com efeito, o tremor de terra parcial, provocado por uma combinação de fluidos e o vapor que, por instantes, obscureceu a luz do dia fizeram mais do que os "milagres" que, por bondade e caridade, Jesus operara durante três anos.
O obscurecimento do Sol, as trevas que cobriram a Terra foram obtidos pela reunião e combinação de fluidos opacos, sob a ação dos Espíritos prepostos à produção do fenômeno.
O tremor de terra, apenas parcial, se deu na região do planeta onde se encontravam os Judeus que, com seu ódio e seus sarcasmos, haviam perseguido a Jesus e se fez sentir no templo onde os sacerdotes e os Judeus mais eminentes se tinham reunido após o suplício. Foi um fato puramente espírita, devido à ação de Espíritos prepostos, mediante simples combinação de fluidos próprios para produzirem abalos. Os tremores de terra que, na ordem material das coisas, são crises planetárias que ocorrem na execução da obra de transformação progressiva do globo terráqueo, se originam de abalos vulcânicos mais ou menos violentos, conforme o propulsor está mais ou menos afastado, mais ou menos profundamente enterrado. Os aba- 468
los, porém, que se fizeram sentir no momento em que Jesus "expirava" não resultaram de causas diversas das que produzem a sacudidura de um móvel, ou de um aposento, provocando o deslocamento das peças do mobiliário que nele existam. A ação ali foi mais forte, mas os agentes eram os mesmos.
As pedras se fenderam, dizem os Evangelistas.
Este fenômeno foi igualmente um efeito físico, resultante das mesmas causas, obtido pelos mesmos meios e pelos mesmos agentes que produziram o terremoto parcial.
E o véu do templo se rasgou em dois de alto. a baixo.
Este outro efeito físico, devido, como os demais fenômenos, à ação oculta, direta, dos Espíritos do Senhor, se verificou ao mesmo tempo que o abalo sentido naquela parte da superfície da terra, onde estava o templo.
Não digam os incrédulos que os Espíritos do Senhor, prepostos à realização de tais fenômenos, se serviam de meios indignos de seus caracteres e de sua elevação: que faziam truanices.
Responderemos de antemão a esses críticos que negam ou censuram o que não compreendem. O Senhor pôs nas mãos de seus agentes os meios necessários à direção dos mundos, à conversão dos homens e esses meios são empregados de acordo com as circunstâncias e as necessidades da época.
Os sepulcros se abriram e muitos corpos de santos, que neles dormiam o sono da morte, ressuscitaram e, saindo de seus túmulos, vieram à cidade santa e apareceram a muitas pessoas.
A narração evangélica, feita sob a influência mediúnica, reproduziu, como cumpria que sucedes-se, a apreciação humana, dando o caráter de "mi- 469
lagroso" a um fato que não passara de simples manifestação espírita, de uma aparição, apenas visível, de Espíritos, e rodeando-o das circunstâncias "maravilhosas" que lhe atribuíram a ignorância e os preconceitos dos homens da época, incapazes de compreenderem e explicarem o aludido fato e crentes numa ressurreição corporal, por efeito da volta do Espírito ao cadáver retomado à sua decomposição, ou reconstituído com o pó. Dessa ignorância e desses preconceitos partilhavam, no tocante à ressurreição, os apóstolos e os evangelistas, na condição de encarnados.
Os Espíritos que se manifestaram tomaram de empréstimo aspectos facilmente reconhecíveis e, portanto, mais de molde a impressionar os homens. Dizemos — tomaram de empréstimo, porque não foram Espíritos elevados os que agiram em tais manifestações e sim Espíritos prepostos àquele efeito, Espíritos bons, mas de ordem relativamente inferior.
Os Espíritos elevados, cujos aspectos os Espíritos prepostos tomaram, Espíritos aqueles que, na linguagem material apropriada aos tempos e às necessidades da época, se designaram por "corpos de santos", eram os profetas e os que, por uma existência austera e reta, se haviam imposto à admiração pública.
Essa parte da narrativa evangélica, despojado da letra o espírito, se reduz, em espírito e verdade, a isto: Espíritos se tornaram visíveis aos homens.
Foram vistos por muitas pessoas: Pelas que inconscientemente possuíam a faculdade mediúnica da vidência.
O centurião e os que com ele estavam guardando a Jesus, testemunhas que foram do terremoto e dos outros fenômenos que sob suas vistas se produziram no momento em que o Cristo soltou um grande brado, se viram presas de extremo pavor. Elevando então o pensamento a Deus, cuja "cólera" se manifestava, segundo o modo de ver 470
deles, contra a iniqüidade do suplício, exclamaram: "Na verdade este homem era justo; — ele era verdadeiramente filho de Deus".
Estas duas expressões — Justo e Filho de Deus — correspondiam a um mesmo pensamento. A segunda ainda não era considerada do ponto de vista da descendência, que mais tarde, sob o reinado da letra, deu origem ao dogma humano da divindade do Cristo, como corolário das interpretações dos homens. 471
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 57-61. — MARCOS, Cap. XV, vv. 42-47. — LUCAS, Cap. XXIII, vv. 50-56
José de Arimatéia desce da cruz o corpo e o deposita no sepulcro
MATEUS : V. 57. À tarde, um homem rico da cidade de Arimatéia, de nome José, que também era discípulo de Jesus, — 58, foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Pilatos mandou que lho entregassem. — 59. José tomou do corpo, envolveu-o num lençol branco, — 60, e o depositou num sepulcro novo, que para si mandara abrir na rocha e, tendo arrastado uma grande pedra, com ela tapou a entrada do túmulo e se retirou. — 61. Sentadas junto do sepulcro estavam Maria Madalena e a outra Maria.
MARCOS: V. 42. Pela tarde, como fosse parasceve (que quer dizer — véspera de sábado), — 43, José de Arimatéia, ilustre membro do Sinédrio, que também esperava o reino de Deus, resolutamente foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. — 44. Pilatos, admirando-se de que este já tivesse morrido, chamou o centurião e o interrogou. — 45. Afirmando-lhe o centurião que sim, ele deu o corpo a José. — 46. Este o tirou da cruz, o envolveu num lençol que comprara e o depositou num sepulcro que fora aberto na rocha; rolou uma pedra e a colocou à entrada do sepulcro. — 47. Maria Madalena e Maria, mãe de José, viram onde o corpo foi depositado.
LUCAS: V. 50. Eis que um varão de nome José, membro do Sinédrio, homem justo e bom, — 51, que não assentira na resolução de seus colegas, nem no que estes haviam praticado, que era filho de Arimatéia, cidade da Judéia, e também esperava o reino de Deus, - 52, foi ter com Pilatos e pediu o corpo de Jesus. — 53. Tirou-o da cruz, envolveu-o num lençol e o depositou num sepulcro talhado na rocha, onde ainda ninguém tinha sido sepultado. — 54. Era dia da parasceve (ou seja da preparação) e já raiava o sába- 472
do. — 55. As mulheres, que desde a Galiléia acompanhavam a Jesus, seguindo a José, viram o sepulcro e que o corpo daquele fora ali depositado. — 56. De regresso, prepararam aromas e bálsamos, depois do que, passaram o sábado sem fazer coisa alguma, como mandava a lei.
N. 305. São fatos históricos que dispensam comentários. O corpo de Jesus é deposto no sepulcro e os acontecimentos vão continuar o seu curso.
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XIX, 38:42. 473
MATEUS, Cap. XXVII, vv. 62-66
Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus chumbam a pedra que fechava a entrada do sepulcro. Guardas são aí postados
MATEUS: V. 62. No dia seguinte ao da parasceve (da preparação), os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reuniram, foram ter com Pilatos, — 63, e lhe disseram: Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor, quando vivo, afirmou: Depois de três dias da minha morte, ressuscitarei. — 64. Manda, portanto, que o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, para não suceder que venham seus discípulos, lhe furtem o corpo e depois digam ao povo: Ressuscitou dentre os mortos, pois que este último embuste seria pior do que o primeiro. — 65. Pilatos lhes respondeu: Aí tendes guardas, ide e guardai-o como entenderdes. — 66. Eles se foram e, para garantirem o sepulcro, selaram-lhe a pedra e lhe puseram guardas.
N. 306. Os Judeus haviam percebido a importância das palavras de Jesus e a voz íntima de suas consciências lhes fazia temer que fossem verdadeiras tais palavras.
A guarda do sepulcro foi confiada a soldados da milícia romana.
Os Judeus não tinham exército nem comando militar, de sorte que só com autorização do tetrarca que governava a província podiam empregar a força armada.
O que disse Pilatos (v. 65) equivalia a isto: Tendes soldados à vossa disposição; consinto.
Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, que sabiam haver Jesus dito que "ressuscitaria" três dias depois de sua "morte", tinham o maior interesse em lhe conservar o corpo como elemento de prova, a fim de poderem confundir o Mestre e seus discípulos, mostrando-o ao povo, caso estes 474
últimos tentassem espalhar o boato da ressurreição. Disporiam assim de uma arma segura para combater e aniquilar os inimigos da fé que professavam, desmascarando-lhes a impostura.
Tomaram por isso todas as precauções para uma vigilância eficaz, esperando que, acabada a festa do sábado, pudessem dar os passos necessários no sentido de confiar à autoridade o encargo de vigiar a gruta e de, assim, lhes salvaguardar os interesses. Começaram colocando agentes da sua confiança de emboscada nas proximidades da cruz.
José de Arimatéia julgava estar fazendo tudo em segredo, mas os agentes dos sacerdotes o espreitavam. Uns foram informar a seus amos do que estava ocorrendo, enquanto outros permaneceram de guarda à gruta, a fim de se certificarem de que ninguém mais penetrara lá. Isto, aliás, estaria em desacordo com os costumes dos Hebreus, que consideravam o sábado inviolável, sobretudo para a prática de um ato tido por impuro, como era reputado o contacto com um corpo morto.
Assim, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, quando foram falar a Pilatos, sabiam muito bem que o corpo estava no sepulcro e que ninguém de lá o tirara, nem os discípulos, nem outra qualquer pessoa. E foi precisamente porque o sabiam, que, depois de terem dito a Pilatos: "Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor, quando vivo, declarou: Ao cabo de três dias ressuscitarei", eles acrescentaram: "Manda, portanto, que o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, para não suceder que venham seus discípulos, lhe roubem o corpo e depois digam ao povo: Ressuscitou dentre os mortos, pois que este último embuste seria pior do que o primeiro."
Voltando ao sepulcro, com a escolta de soldados que Pilatos os autorizara a empregar como guardas, trataram de verificar se o corpo ainda lá estava e o viram. Só depois de o verificarem 475
é que selaram a chumbo a pedra e distribuíram as sentinelas. Exatamente porque tinham verificado que o corpo estava no sepulcro foi que, quando alguns dos guardas lhes relataram "o que ocorrera" (Mateus, XXVIII, vv. 11, 12 e 13), os príncipes dos sacerdotes e os fariseus se reuniram aos anciães e deliberaram dar grande soma de dinheiro aos soldados para que espalhassem que "os discípulos de Jesus tinham ido ao sepulcro durante a noite e haviam carregado com o corpo, enquanto eles, os soldados, dormiam". Valendo-se desse suborno, fizeram correr o boato de que o corpo fora roubado do sepulcro, depois de apostos neste os selos e de montada a guarda.
O corpo, conseguintemente, estava no sepulcro quando eles lá foram.
Reflitam nisto os demolidores tão obstinados quão inábeis, que pretendem ter sido insuficientes e tardias as precauções tomadas pelos Judeus e declaram que, antes de haverem estes posto em prática as suas medidas de previdência, aos discípulos sobrara tempo para subtraírem o corpo de Jesus, desde que o quisessem.
Supõem esses demolidores que os príncipes dos sacerdotes e a horda inimiga, que assistiram "aos últimos momentos" de Jesus, tenham sido tão ingênuos que nenhuma precaução hajam tomado, uma vez que se viam obrigados a esperar que a festa do sábado acabasse, para poderem dar os passos necessários no sentido de serem a vigilância da gruta e a salvaguarda de seus interesses confiados à autoridade?
Imaginam que os que se mostraram tão empenhados em evitar a fraude não tenham tido o cuidado de verificar se o corpo estava no sepulcro, antes de o fecharem e de lhe selarem a abertura? Ter-se-iam mostrado, em tal caso, muito bisonhos e confiantes aqueles sacerdotes que, por ofício, deviam conhecer todas as felonias humanas; aque- 476
les fariseus tão orgulhosos; aqueles escribas tão doutos!
Se eles não tivessem seguido secretamente os passos de José de Arimatéia, não em pessoa, mas por agentes de confiança, a fim de saberem onde e em que condições o corpo se achava depositado, o pedido que fizeram a Pilatos fora, quando menos, uma inépcia.
Efetivamente, se os Judeus, que tanto porfiaram em sacrificar a Jesus, que o perseguiam até depois de "morto", se houvessem descuidado de seguir os passos de José de Arimatéia, de exercer e manter sobre o sepulcro uma vigilância tal que os assegurasse de que ninguém ali penetrara depois do sepultamento, um desazo, uma tolice, eis o que pelo menos houveram cometido, indo pedir no dia seguinte que o sepulcro fosse guardado até ao terceiro dia, para não suceder que os discípulos lá fossem e roubassem o corpo.
Que outra coisa seria senão rematada tolice irem eles, sem terem até então exercido qualquer vigilância, sem terem sequer verificado previamente se o corpo permanecia lá, postar guardas ao sepulcro e selar a pedra que o fechava?
Qual desses demolidores encarniçados e inábeis se confessaria tão confiante, tão crédulo, tão... (não queremos aplicar o termo que aqui se poderia empregar) que fosse fechar uma porta, depois de já se haver escapado o preso, sem ao menos verificar o estado do local?
A quem quer provar demais acontece muitas vezes chegar a resultado contrário ao que se propunha obter. 477
37 O domingo.
MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 1-15. — MARCOS, Cap. XVI, vv. 1-11. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 1-12
Visita de Maria Madalena e das outras mulheres ao sepulcro. — A pedra que lhe fechava a entrada é encontrada com os selos partidos e derribada. — Aparição dos anjos às mulheres. — Narrativa que os guardas fazem, do que se passara, aos príncipes dos sacerdotes. — Estes subornam os guardas. — Aparição de Jesus a Maria e às outras mulheres. — Narrativa que estas fazem aos discípulos. — Pedro e João, à vista do que elas contam, visitam o sepulcro
MATEUS: V. 1. Passada aquela semana, ao raiar do primeiro dia da semana seguinte37 (1), Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. — 2. Houve de súbito um grande terremoto, pois que um anjo do Senhor desceu do céu, removeu a pedra posta à entrada do sepulcro e se sentou sobre ela. — 3. Seu semblante tinha o brilho dum relâmpago e suas vestes eram brancas como a neve. — 4. Tal pavor causou ele aos guardas que estes ficaram como mortos. — 5. Dirigindo-se às mulheres, disse o anjo: Vós outras nada temais, porquanto sei que procurais a Jesus, que foi crucificado, — 6. Ele aqui não está, pois que ressuscitou, como o dissera. Vinde e vede o lugar onde o Senhor fora colocado. — 7. Dai-vos pressa em ir dizer a seus discípulos que ressuscitou. Ele vos precederá na Galiléia; lá o vereis; eu vo-lo predigo. — 8. Elas partiram apressadamente do sepulcro, amedrontadas, mas ao mesmo tempo cheias de contentamento e correram a dar a notícia aos discípulos. — 9. E eis que Jesus lhes surgiu diante e disse: Salve! Elas se aproximaram dele, abraçaram-se-lhe aos pés e o adoraram. — 10. Disse-lhes então Jesus: Nada temais; ide dizer a meus irmãos que vão para a Galiléia, que lá me verão. — 11. Enquanto 478
elas iam indo seu caminho, alguns dos guardas foram à cidade e referiram aos príncipes dos sacerdotes tudo o que sucedera. — 12. Estes se reuniram em conciliábulo com os anciães e deram grande soma de dinheiro aos soldados, — 13, recomendando-lhes que dissessem: Seus discípulos vieram durante a noite e o roubaram enquanto nós dormíamos. — 14. Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos e vos garantiremos..— 15. Os soldados receberam o dinheiro e fizeram como lhes fora recomendado. E, até hoje, essa versão que eles espalharam, tem curso entre os Judeus.
MARCOS: V. 1. Passado o dia de sábado, Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago, e Salomé, compraram aromas para embalsamarem a Jesus. — 2. E no primeiro dia da semana, tendo partido muito cedo, chegaram ao sepulcro ao nascer do sol. — 3. Diziam entre si: Quem nos há de remover a pedra da entrada do sepulcro? — 4. Mas, olhando, deram com a pedra, que era muito grande, já removida. — 5. Entrando no sepulcro viram, sentado do lado direito, um mancebo envolto num alvo manto e ficaram muito espantadas. — 6. Ele, porém, lhes disse: Não vos assusteis. Buscais a Jesus de Nazaré, que foi crucificado; ele ressuscitou; não está aqui; vede o lugar onde o puseram. — 7. Mas, ide dizer a seus discípulos e a Pedro que ele vos precederá na Galiléia. Lá o vereis, conforme ele o disse. — 8. Elas logo saíram do sepulcro e dali fugiram, pois que as haviam assaltado o espanto e o medo. Nada a ninguém disseram, tal o pavor de que se achavam possuídas. — 9. Jesus, que ressuscitara de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual expulsara sete demônios. — 10. E ela foi levar a noticia aos que haviam andado com ele, os quais estavam aflitos e chorosos. — 11. Eles, porém, ouvindo-a dizer que Jesus estava vivo e que fora visto por ela, não o acreditaram.
LUCAS: V. 1. Mas, no primeiro dia da semana, foram elas muito cedo ao sepulcro, levando os aromas que haviam preparado. — 2. E encontraram removida a pedra que fora colocada à entrada do sepulcro. — 3. Entraram em seguida neste e lá não acharam 479
mais o corpo do Senhor Jesus. — 4. E como diante disso ficassem consternadas, eis que lhes surgiram dois homens vestidos de refulgentes roupagens. — 5. Mostrando-se elas amedrontadas, a olhar para o chão, disseram-lhes eles: Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo? — 6. Ele não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos do que vos declarou, quando ainda se achava na Galiléia, - 7, dizendo: Cumpre que o filho do homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia. — 8. Elas então se lembraram das palavras de Jesus. — 9. Ao voltarem do sepulcro, referiram tudo isso aos onze apóstolos e a todas as demais pessoas. — 10. As que narraram todas essas coisas aos apóstolos eram Maria Madalena, Joana, Maria mãe de Tiago e as outras que com essas estavam. — 11. Aos apóstolos, porém, o que elas diziam se figurou um devaneio e não lhes deram crédito. — 12. Pedro, entretanto, se levantou e correu ao sepulcro e, abaixando-se, só viu o lençol no chão. Voltou, maravilhado do que sucedera.
N. 307. As narrativas de Mateus, Marcos e Lucas, confrontadas com a de João (Cap. XX, vv. 1-18), da qual não devem ser separadas, se completam reciprocamente. Debaixo da influência espírita, cada evangelista conservava a independência da natureza que lhe era peculiar. Eis como se explica que, escrevendo eles de acordo com as versões correntes e por inspiração, de um lado varie quanto à forma, embora permaneça o fundo sempre o mesmo, a narração de fatos que ocorreram sob suas vistas e, de outro lado, que o que haja de incompleto ou de omisso em a narração de um seja mencionado, sob a ação mediúnica, nas dos outros. É nesse sentido que cada evangelista teve a sua parte na narrativa.
Daí resulta que, coordenando e pondo em concordância as dos quatro, os fatos vêm a ficar estabelecidos de modo integral, assim no conjunto, que nas minúcias. 480
Ao que todos então acreditavam, como cumpria que acontecesse (os motivos já os temos exposto), Jesus se achava revestido de um invólucro material humano, tal qual os vossos, de sorte que, também na opinião de todos, ele sofrera morte real, como a sofreis.
A presença das mulheres no sepulcro era esperada e o embalsamamento do corpo, sobre o qual iam derramar perfumes, tinha que se efetuar logo que despontasse o sol do primeiro dia da semana por vir. (Marcos, XVI, v. 1; Lucas, XXIII, vv. 55-56.)
Passado o dia de sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de Salomé, Joana e as outras que com elas andavam juntas partiram alta madrugada, quando o dia mal começava a alvorecer e chegaram ao sepulcro ao nascer do sol, levando os aromas que haviam comprado e preparado para o embalsamamento do corpo de Jesus. (Mateus, XXVIII, v. 1; Marcos, XVI, vv. 1.2; Lucas, XXIII, vv. 55-56 e XXIV, v. 1.)
Diziam entre si: Quem nos tirará a pedra da entrada do sepulcro? (Marcos, v. 2.)
De repente, um grande terremoto se fez sentir e no mesmo instante a pedra que fechava a entrada do sepulcro, quebrados os selos que lhe haviam aposto, foi atirada para o lado. De tal pavor se encheram os guardas, que ficaram como mortos. Então, as mulheres viram (elas e não os guardas, pois só elas eram médiuns videntes e, além disso, audientes) um anjo do Senhor (um Espírito superior), cujo semblante resplandecia qual relâmpago e cujas vestes eram alvas como a neve, que, tendo descido do céu, se assentara sobre a pedra por ele removida do lugar. (Mateus, XXVIII, vv. 2, 3 e 4.) É o que as narrações de Marcos, Lucas e João, incompletas pela omissão dos pormenores, referem dizendo: que Maria Madalena e Maria, mãe de. Tiago e de Salomé, olhando, deram com a pedra, que era muito grande, já 481
removida" (Marcos, XVI, v. 4); "que as mulheres encontraram removida a pedra que fora colocada à entrada do sepulcro" (Lucas, XXIV, v. 2), — "que Maria Madalena viu que a pedra fora tirada do sepulcro" (João, XX, v. 1).
O anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Vós nada temais, porquanto sei que procurais a Jesus, que foi crucificado. Ele aqui não está, pois que ressuscitou, como o dissera. Vinde e vede o lugar onde o Senhor fora colocado. Dai-vos pressa em ir dizer a seus discípulos que o Mestre ressuscitou. Ele vos precederá na Galiléia; lá o vereis, eu vo-lo predigo. (Mateus, XXVIII, vv. 5, 6 e 7.) Entrando no sepulcro (com o anjo que lhes acabara de falar), viram elas outro anjo (um Espírito), que tomaram por um mancebo, sentado do lado direito do sepulcro, envolto num alvo manto, e ficaram muito espantadas. (Marcos, XVI, v. 5.)
É o que Lucas refere na sua narração, incompleta pela omissão de pormenores, e segundo a qual as mulheres entraram, em seguida, no sepulcro. Este em seguida quer dizer: depois de haver sido tirada a pedra e de lhes terem aparecido, subitamente, vestidos de brilhantes roupagens, dois anjos ou Espíritos que, perturbadas, elas tomaram por dois homens. (Lucas, XXIV, vv. 3-4.)
Tendo penetrado no sepulcro, não acharam lá o corpo do Senhor Jesus, o que lhes causou grande consternação. E como, por efeito do medo que de todas se apoderou, ficaram imóveis a olhar para o chão, os dois anjos (ou Espíritos) lhes disseram: "Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui; ressuscitou. Lembrai-vos do que vos declarou quando ainda se achava na Galiléia, dizendo: Cumpre que o filho do homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia". Elas então se lembraram das palavras de Jesus. (Lucas, XXIV, vv. 3-8.) O anjo que estava sentado à direita do sepulcro, como que a guardar-lhe a entrada, lhes 482
disse: Não vos assusteis. Buscais a Jesus de Nazaré, que foi crucificado; ele ressuscitou; não está aqui; vede o lugar onde o puseram. Mas, ide dizer a seus discípulos e a Pedro que ele vos precederá na Galiléia. Lá o vereis, conforme o disse". (Marcos, XVI, vv. 6 e 7.)
Elas saíram imediatamente do sepulcro, amedrontadas, mas, ao mesmo tempo, cheias de contentamento e fugiram, pois que as haviam assaltado o espanto e o medo. Nada a ninguém disseram, tal o pavor de que se achavam possuídas. Correram a noticiar, a contar tudo aquilo aos discípulos, aos onze apóstolos e a todas as demais pessoas. (Mateus, XXVIII, v. 8; Marcos, XVI, v. 8; Lucas, XXIV, v. 9.)
Maria Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago e as outras que com estas andavam é que referiram todos aqueles fatos aos apóstolos. (Lucas, XXIV, v. 10.) Para fazerem a narrativa, separaram-se, tomando diversas direções.
Maria Madalena saiu a correr e foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo a quem Jesus amava e lhes disse: Roubaram do sepulcro o Senhor e não sabemos onde o puseram. Imediatamente, Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao sepulcro, ambos a correr. O outro discípulo, porém, correndo mais do que Pedro, chegou primeiro. Abaixou-se e viu no chão o lençol, mas não entrou. Chegou em seguida Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro. Viu o lençol que lá estava, bem como o sudário, que haviam posto sobre o rosto de Jesus. O sudário, entretanto, não se achava junto com o lençol e sim dobrado a um canto. Então, o outro discípulo, que primeiro chegara; entrou também, viu e acreditou. Em seguida, ambos voltaram para casa. (João, XX,. vv. 2-10.)
Segundo a narração de Lucas, incompleta pela omissão dos pormenores, embora lhes parecesse, assim como a João, um devaneio o que Maria Ma- 483
dalena lhes contara e não lhe dessem crédito, Pedro se levantou e correu ao sepulcro. Ai se abaixou (como o fizera João que chegara primeiro do que ele), para observar antes de entrar e só viu o lençol que estava no chão. Regressou à casa (depois de haver entrado no sepulcro), admirado do que sucedera. (Lucas, XXIV, v. 12.)
Mas, Maria Madalena (que voltara ao sepulcro com Pedro e João) ficou da parte de fora a chorar. Chorando, ela se abaixou para olhar dentro do sepulcro e viu dois anjos vestidos de branco e sentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um do lado da cabeça, o outro do lado dos pés. Disseram-lhe eles: Mulher, porque choras? — Maria respondeu: É que levaram daqui o meu Senhor e não sei onde o puseram. Acabando de dizer isso, ela se voltou e viu a Jesus de pé, mas sem saber que era ele. Jesus então lhe disse: Mulher, porque choras? A quem procuras? Ela, pensando que fosse o jardineiro, respondeu: Senhor, se foste tu que o tiraste daqui, dize-me onde o puseste e eu o levarei comigo. — Jesus disse apenas: Maria. Logo ela se virou e exclamou: Rabboni! que quer dizer: Mestre. Jesus lhe observou: Não me toques, pois que ainda não subi a meu pai. Mas, vai ter com meus irmãos e dize-lhes de minha parte que: Eu subo a meu pai e vosso pai, ao meu Deus e vosso Deus.
É o que refere Marcos, na sua narração incompleta pela omissão dos pormenores, nestes termos: "Jesus, que ressuscitara de manhã cedo no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena, da qual expulsara sete demônios". (Marcos, XVI, v. 8.)
Tendo ido levar a noticia dessa aparição de Jesus aos que com ele haviam andado, então aflitos e chorosos (Marcos, XVI, v. 10), Maria Madalena, que se separara das outras mulheres para correr em busca de Pedro e de João, as encontrara de novo. E eis que Jesus lhes surgiu pela frente 484
e disse: Salve! Elas se aproximaram dele, abraçaram-se-lhe aos pés e o adoraram.
Disse-lhes então Jesus: "Nada temais; ide dizer a meus irmãos que vão para a Galiléia, que lá me verão". (Mateus, XXVIII, vv. 9-10.)
Enquanto elas iam indo seu caminho, alguns dos guardas foram à cidade e referiram aos príncipes dos sacerdotes o que sucedera. Estes se reuniram em conciliábulo com os anciães e deram grande soma de dinheiro aos soldados, recomendando-lhes que dissessem : "Seus discípulos vieram durante a noite e o roubaram, enquanto dormíamos". E acrescentaram: Se isto chegar aos ouvidos do governador, nós o persuadiremos e vos garantiremos". Os soldados receberam o dinheiro e fizeram o que lhes tinha sido recomendado. E, até hoje, essa versão, que então se espalhou, tem curso entre os Judeus. (Mateus, )(XVIII, vv. 11-15.)
Chegadas as mulheres onde se achavam os discípulos, Maria Madalena tomou a palavra para narrar as duas aparições de Jesus e tudo o que tinha visto e ouvido. Por ter sido a única a relatar os fatos, só a ela se referem as narrativas de Marcos e de João. Incompletas pela omissão dos pormenores, essas narrativas dizem apenas o seguinte: "Maria Madalena foi, pois, contar aos discípulos que vira o Senhor e que este lhe dissera aquelas coisas". (João, XX, v. 18.) "E ela foi levar a notícia aos que haviam andado com ele, os quais se achavam aflitos e chorosos. Eles, porém, ouvindo-a dizer que Jesus estava vivo e que fora visto por ela, não o acreditaram". (Marcos, XVI, vv. 10-11.)
Tal é, coordenados os diversos fatos que cada evangelista relatou isoladamente, a narração completa do que então ocorreu.
O grande tremor de terra, de que acima se fala, consistiu num forte abalo produzido no ponto em que se achavam os guardas e as mulheres. A ignorância deles e delas a respeito dos efeitos 485
38 Atos dos Apóstolos, cap. V, vv. 18-19 e 22-23;cap. XII, vv: 3-10.
fluídicos e o pavor de que foram presas os levaram a atribuir esse abalo a um terremoto.
Tal manifestação, que pode e deve parecer pueril aos "espíritos fortes", teve por fim encher de assombro os guardas do sepulcro e imprimir mais força ao que era um "prodígio" para eles, que viam tomadas de igual pavor as mulheres ali vindas em busca do corpo de Jesus, quando houvessem de dar testemunho dos fatos aos príncipes dos sacerdotes e depois no trato com os outros homens.
O abalo, considerado um tremor de terra, e o derribamento da pedra foram dois atos simultâneos, produzidos fluidicamente por Espíritos prepostos a tais efeitos físicos, de acordo com a vontade do anjo ou Espírito superior.
O abalo dado ao solo, bem como o descolamento da pedra e a sua deslocação, pela força atrativa dos fluidos combinados para esse resultado, nenhuma admiração podem causar aos que compreendem os efeitos que os Espíritos do Senhor produzem. Não lhes podem causar mais admiração do que o fato de se abrir por si só a porta da prisão de Pedro e do que o despedaçamento das correntes que o prendiam.38
Quanto aos que negam a todo transe, o dia deles chegará e para eles também se fará a luz. Mas, a esses ainda não fomos enviados. Sempre que haja no homem uma idéia preconcebida, não se deve procurar violentá-lo para que a abandone e sim esperar, do seu livre-arbítrio, do tempo e da reencarnação que, com a expiação e a reparação, é via e meio de progresso moral e intelectual, se lhe abram os olhos para a luz.
Somos mandados aos obreiros de boa-vontade. Arroteamos as terras áridas, por mais secas e duras que sejam. Mas, deixamos ao tempo o 486
trabalho de pulverizar os rochedos, cuja dureza atual resistiria aos nossos esforços.
Temos por missão preparar os materiais esparsos, reuni-los um a um e dispô-los para aquele que dará bases sólidas às vossas crenças. Não tenteis penetrar o sentido destas nossas palavras. A seu tempo serão compreendidas. Não iremos mais longe.
Ainda não sois mais do que trabalhadores inábeis. Entretanto, trabalhais para a obra do futuro. Não desanimeis porque sejam repelidos ou recebidos com zombarias e sarcasmos os vossos esforços. Caminhai sempre. Oferecei abrigo aos que se vejam despojados de suas crenças e sem saberem onde encontrar a esperança e as consolações. Apresentai-lhes o facho da frouxa claridade que os ajudará a avançar para a luz, que não deixará após si mais sombra alguma.
As aparições dos anjos ou Espíritos a Maria Madalena e às outras mulheres, quando se deu o descolamento e o derribamento da pedra que vedava a entrada do sepulcro e quando elas entraram neste, assim como a que só Maria Madalena viu, foram simples aparições visíveis e audíveis. Foram audíveis no sentido de que as mulheres desempenharam a função de médiuns videntes e audientes, a fim de escutarem o que, pelos Espíritos, lhes fosse dito ou comunicado em cada uma daquelas aparições.
As repetições e insistências empregadas pelos anjos no seu falar, antes que as mulheres tivessem entrado no sepulcro e depois que entraram, não devem ser de molde a vos surpreender. O terror que lhes causaram aqueles fenômenos tão repentinos e estranhos, o abalo do solo, que tomaram por um grande tremor de terra, o descolamento e o derribamento da pedra, as aparições sucessivas dos anjos não as haviam lançado em grande consternação, numa perturbação profunda? Nessa situação cheia de emoções tão diversas para 487
elas, que eram simples, ignorantes, ingênuas e amorosas, não se fazia mister tranqüilizá-las, consolá-las e gravar-lhes na memória o que tinham de relatar aos discípulos? Logo depois de terem ouvido os dois anjos, não saíram do sepulcro tomadas de medo e ao mesmo tempo de grande contentamento? Depois, não fugiram espavoridas, aterrorizadas, sem nada dizerem a ninguém, tal o pavor de que se achavam possuídas?
A primeira aparição de Jesus a Maria Madalena foi simplesmente visível e audível, mas não tangível.
Maria não reconheceu de pronto a Jesus, porque este, no primeiro momento, não se lhe apresentou com o aspecto sob que ela até então o vira. Ele usara, para lhe falar, de uma voz que lhe era desconhecida. Em seguida, retomou a que Maria tantas vezes escutara e que, impressionando-a, a fez voltar-se de novo. Então o Mestre lhe mostrou o semblante que tinha habitualmente. Proibiu-lhe que o tocasse, porque só teria encontrado o vácuo, porquanto a aparência humana que diante dela estava era impalpável para o homem. Fenômenos são estes que se hão produzido em todos os tempos, de acordo com as leis da Natureza e que nada têm de surpreendentes. Os que já se iniciaram na ciência espírita sabem que mesmo os Espíritos inferiores os podem produzir, tornando-se visíveis e audíveis a pessoas dotadas das faculdades mediúnicas de vidência e de audiência. Maria Madalena, já o dissemos, possuía essas faculdades.
Procedendo assim, da primeira vez que apareceu a Maria, quis Jesus, poupando-a à perturbação e à surpresa, prepará-la para o reconhecer, para guardar a impressão do seu aspecto e conservar na memória a lembrança das palavras que cumpria fossem por ela repetidas.
Sua segunda aparição às mulheres, aparição que a anterior a Maria Madalena preparara, foi 488
uma aparição visível e tangível e ainda audível. Jesus se lhes apresentou visível e tangível, tal qual elas o haviam conhecido, com a aparência da corporeidade humana, vestido como sempre o viram. Do mesmo modo que as aparências de pedra, de granizo e neve, de chuva, de quaisquer outras coisas da mesma natureza têm para os médiuns o valor material do objeto ou do corpo representado, também o Espírito que, quando se torna tangível em condições materiais, toma a aparência de uma criatura humana vestida, aparência necessária a lhe comprovar a identidade, dá às suas vestes o aspecto e a consistência da própria matéria, como faz com o corpo. Combinar os fluidos para que apresentem a forma e a cor dos estofos humanos não é mais difícil do que combinar os que constituem o corpo.
No que o médium, inconsciente de suas faculdades, haja visto e ouvido mediunicamente, não há uma opinião de que ele tenha sido de antemão imbuído, e sim a consciência de um fato do qual não só guarda a lembrança, mas em que também acredita, como se fora realidade.
A ciência espírita vos explica os fenômenos de aparição que o Mestre operou naqueles dois casos sucessivos. Não é certo que até os Espíritos inferiores os podem produzir? Como pretender-se que não os pudesse operar Jesus, com aquela aparência de corporeidade humana, que não era mais do que um corpo fluídico, de natureza perispirítica, que ele retomara para realizar o seu reaparecimento chamado "ressurreição" e ao qual podia, à sua vontade, dar ou retirar a tangibilidade?
Chamamos a vossa atenção para as palavras que ele proferiu, assim quando apareceu só a Maria Madalena, como quando apareceu a esta e às outras mulheres. Essas palavras excluem expressamente a divindade que os homens lhe atribuíram. Se, ao mesmo tempo, as confrontarmos 489
39 Ver o que ficou dito, nos ns. 55 e 56 do 19 tomo, sobre a genealogia de Jesus e sobre a origem do Espírito.
com todas as outras por ele ditas, também sob o véu da letra, acerca da sua natureza, da sua origem, da autoridade e dos poderes que seu pai e vosso pai, seu Deus e vosso Deus lhe outorgara; acerca do lugar donde descera à Terra e ao qual voltaria, veremos que elas encerram, sob o véu da letra, um dos elementos destinados a servir de base à nova revelação, que havia de vir e vem hoje dar-vos a conhecer quem é o filho.
"Ainda não subi a meu pai", disse ele a Maria Madalena.
Ainda estou entre os homens, "ressuscitado", vivo.
"Vai ter com MEUS IRMÃOS e dize-LHEs de minha parte que: Eu subo a MEU pai e vosso pai, ao MEU Deus e vosso Deus."
"Ide, disse a Maria Madalena e às outras mulheres, dizer a MEUS IRMÃOS que vão à Galiléia; que lá me verão."
Aos discípulos chama seus irmãos, proclamando assim não ser o Criador incriado, mas uma das suas criaturas, uma criatura cujo pai, cujo Deus são os mesmos que os dos discípulos, os de Maria Madalena e os das outras mulheres; criatura que, semelhantemente a todas as demais, como essência espiritual, teve, na origem da sua criação, que se perde na noite das eternidades, o mesmo ponto de partida.39
Prepara seus discípulos para o acontecimento da "ascensão" e para a indicação do lugar onde ele, "filho de Deus" pela sua pureza perfeita; ele, em cujas mãos o pai depositara todas as coisas; ele, "o caminho, a verdade, a vida"; ele, que viera 490
do alto, que viera do céu, que está "acima de todos"; ele, que do céu descera, se havia de "elevar para o céu".
Meditai sobre a visita das mulheres ao sepulcro; sobre as aparições que lhes fizeram os anjos ou Espíritos superiores; sobre as palavras que lhes dirigiram, antes que tivessem entrado e depois que entraram no sepulcro; sobre a reaparição dos anjos a Maria Madalena, quando esta se deixou ficar do lado de fora do sepulcro, a chorar; sobre o que então lhe disseram; sobre a aparição de Jesus a ela e depois a ela e às outras mulheres e sobre o que lhes disse; meditai sobre tudo isso vós todos que vedes aproximar-se o momento, para vós ainda tão cruel, da morte e suave se vos tornará a idéia de restituir à terra o corpo que ao seu seio tem que voltar; e reconhecereis que o túmulo se vos abre para dar passagem ao vosso Espírito, que se elevará radioso para o "céu" — sua verdadeira pátria, para essa imensidade que vos cerca e na qual encontrareis a atividade, a vida, o amor sem fim.
E vós, que vos acercais dos sepulcros para lançar sobre os vossos mortos esse perfume da alma que vos corre dos olhos, oh! não choreis mais. Olhai e vereis diante de vós um anjo luminoso, guardando a entrada da tumba. Escutai-o atentamente e ouvireis uma voz amiga que vos diz: "Não choreis; aquele a quem buscais não está aqui; caminha à vossa frente; cedo ireis a ele juntar-vos e ele próprio se mostrará aos vossos olhares". Oh! crede, crede e esperai, vós todos a quem a dor acabrunha, vós que perdeis os que vos são caros. Crede e caminhai para diante com confiança, que bem depressa os vereis.
Do ponto de vista histórico, os fatos concernentes à ida de alguns dos guardas à cidade, à exposição que do ocorrido fizeram aos príncipes dos sacerdotes, à reunião que estes e os anciães realizaram, à deliberação que tomaram e executa- 491
40 E não teriam ainda hoje, para vós, esse caráter, se a nova revelação não tivesse vindo explicar tudo segundo o espírito, em espírito e verdade?
ram, são reais e ainda de natureza a confirmar a exatidão dos anteriores, que os guardas também relataram, isto é: o forte abalo havido na região onde eles e as mulheres se achavam, a deslocação e o derribamento da pedra, o desaparecimento do corpo, que já não estava no sepulcro quando a pedra foi deslocada e derribada.
Que é o que os guardas relataram aos príncipes dos sacerdotes? Disseram-lhes: Vós e os fariseus selastes, chumbando-a, a pedra do sepulcro, depois de terdes verificado que o corpo lá estava; a terra tremeu; a pedra, por uma ação invisível, foi deslocada, deslocada e derribada; o sepulcro ficou aberto e o corpo desaparecera; o lençol estava no chão e o sudário que haviam posto sobre a cabeça de Jesus se achava, dobrado, a um canto.
Esses fatos os soldados os referiram como tendo o caráter de um prodígio, de um milagre 40, porquanto o descolamento, a deslocação e o derribamento da pedra se deram sem a intervenção de nenhuma ação humana e o corpo, que eles tinham por material, por humano, como os vossos, não podia desaparecer, uma vez que lá estava quando os príncipes dos sacerdotes e os fariseus selaram a pedra do sepulcro, que nenhuma semelhança oferecia com os mausoléus que construís para os vossos corpos. Os túmulos, naquela época, consistiam simplesmente em escavações feitas por mãos de homens na rocha e dentro das quais os corpos eram depositados sobre uma pedra a isso destinada, segundo o costume hebraico de enterrarem o morto numa escavação, ou feita pela mão do homem, ou natural.
Se os príncipes dos sacerdotes e os anciães não se houvessem persuadido da veracidade da 492
narrativa dos guardas e não estivessem amedrontados, em vez de lhes darem grande soma de dinheiro para lhes imporem silêncio, mais sensato fora acusá-los de velhacaria, de mentira, de traição. Não o fizeram, porém, porque o terror se apoderara deles.
Assim, os que não tinham hesitado em derramar (eles pelo menos acreditavam que o haviam feito) o "sangue" do justo, não ousaram acusar os soldados. É que compreenderam que, se responsabilizassem os guardas por aqueles fatos, dariam a estes muito maior publicidade. Preferiram então abafar aquela ocorrência que lhes era de tanta gravidade. De tanta gravidade, sim, porque justificava as palavras proféticas de Jesus e confirmava sua missão. Pilatos nenhuma providência tomou. Que importava ao tetrarca que o corpo de Jesus houvesse ou não desaparecido?
Dissemos acima: "Em vez de darem aos soldados grande soma em dinheiro para lhes imporem silêncio" ; e: "Preferiram então abafar aquela ocorrência, que lhes era de tanta gravidade."
Aos soldados não foi imposto que se abstivessem de dar publicidade ao fato; mas que, contraditando os boatos de "ressurreição", que podiam ser espalhados, a explicassem "dizendo que os discípulos tinham ido ao sepulcro durante a noite e roubado o corpo, enquanto eles dormiam".
Semelhante alegação, mais fácil de imaginar do que de sustentar, não chega a ser uma impostura, porque se desmente a si mesma pela sua absurdidade, como o deveis compreender. Dentro em pouco, explicar-nos-emos a tal respeito.
Quanto à incredulidade dos discípulos, há a considerar o seguinte: Tantas dificuldades materiais apresentava a saída da gruta, que os discípulos, para os quais só havia a "ressurreição" corporal, ou seja — a "ressurreição" material, voltando o Espírito a um corpo humano igual ao deles, corpo que assim volvia do estado de ca- 493
dáver à vida, não podiam admitir que Jesus houvesse conseguido sair daquela gruta. Consideraram, pois, a narrativa de Maria Madalena e das outras mulheres como uma fantasia de imaginação e não lhes deram crédito quando, pela boca da Madalena, disseram que Jesus estava vivo e que o tinham visto.
João, que fora com Pedro ao sepulcro, que o vira vazio, que vira no chão o lençol e a um canto, dobrado, o sudário que haviam posto sobre a cabeça de Jesus, acreditou.
Pedro que, como João, também vira tudo isso, voltou para casa "admirado do que sucedera", isto é: procurando a solução de tal problema, para ele incompreensível.
Os outros discípulos, que nada tinham visto e que nenhum crédito davam ao que diziam as mulheres, se conservaram incrédulos.
Qual foi a "ressurreição" de Jesus? Como se deu? De que modo se operaram, por meio e em conseqüência dessa "ressurreição", as sucessivas aparições do Mestre às mulheres e aos discípulos?
A revelação nova, que vos trazemos, dá solução a essa problema, até hoje incompreensível e insolúvel para os homens. E, com essa solução, iluminadas pelo espírito as trevas da letra, ela apresenta, numa luminosa harmonia, todos os fatos evangélicos, desde o instante em que o anjo anunciou a Maria e a José o aparecimento de Jesus na Terra, até a época da sua chamada ascensão, época em que, terminada a sua missão terrena, ele desapareceu definitivamente das vistas humanas.
A presença de Jesus entre vós, durante todo aquele lapso de tempo, foi, com relação a vós outros, uma aparição espírita, visto que, pelas suas condições fluídicas, completamente fora dos moldes da vossa organização, seu corpo era harmônico com a sua natureza espiritual, mas também relativamente harmônico com a vossa esfera, a fim de lhe ser possível manter-se longo tempo sobre 494
a Terra no desempenho da missão com que a ela baixara.
O corpo, aparentemente humano, de natureza perispirítica, mas tangível, que Jesus deixara na cruz e que José de Arimatéia depositou no sepulcro, aí ficou até ao momento em que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, na presença e com o auxílio dos soldados romanos que eles ali haviam posto como guardas, selaram a pedra que lhe fechava a entrada.
Selada a pedra, Jesus, fazendo cessar a tangibilidade, chamou ao espaço aquele corpo aparente no estado fluídico e lhe conservou os princípios constitutivos prontos a se reunirem à sua vontade, tal como se dera muitas vezes, conforme o temos explicado, sempre que o supunham no deserto, na solidão, no monte a orar, quando a realidade é que nessas ocasiões seu Espírito pairava por sobre o vosso universo, regulando, com sabedoria, todas as coisas e provendo à execução das ordens do Soberano Senhor.
Foi assim que o corpo de Jesus, que não era um corpo humano material como os vossos, mas fluídico, de natureza perispiritual, desapareceu do sepulcro, estando chumbada a pedra que o fechava, de modo que não mais se achava lá quando se deu a deslocação e o derribamento da pedra.
Para aparecer, sucessivamente, primeiro a Maria Madalena, depois a esta e às outras mulheres, em seguida aos dois discípulos que iam a caminho da aldeia de Emaús e ainda aos dez apóstolos, de uma feita, e, de outra, aos onze, Jesus retomou aquele corpo de natureza perispirítica, que, para os homens, constituía a sua vida, vida que ele podia deixar e retomar à sua vontade, atuando sobre os seus princípios constitutivos, aos quais aquela mesma vontade imprimia as aparências necessárias a servir ao presente e a preparar o futuro.
Foi assim que se deu, "pela manhã", a "reaparição" de Jesus, chamada "ressurreição". Tam- 495
bém foi assim que se deram as suas aparições sucessivas, umas mediunicamente audíveis e visíveis, ou apenas visíveis e tangíveis; outras visíveis e tangíveis para todos, semelhantes às que ele operara anteriormente, quando desempenhava a sua missão terrena, quando, entre os apóstolos, os discípulos e a multidão, aparentemente vivia a vida humana.
Como haveis de compreender, desnecessário se tornou que, até ao terceiro dia após o enterramento, o corpo aparente de Jesus permanecesse no sepulcro, colocado sob a guarda dos soldados romanos desde o momento em que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus selaram a pedra que lhe fechava a entrada.
Se acontecesse (hipótese que não podia ocorrer e não ocorreu) que, antes do terceiro dia, os príncipes dos sacerdotes e os fariseus, para se certificarem de que o corpo ainda lá estava, mandassem abrir o sepulcro, Jesus faria que ali o encontrassem. Ele, que tinha o poder de deixar a vida e de a retomar, que a deixara por si mesmo, que dissera: Ninguém ma tira, que constituíra aquele corpo aparentemente humano, que o abandonara na cruz com todas as aparências de haver sofrido morte real e que o retirara do sepulcro, dissociando-lhe os elementos constitutivos, ele, no caso figurado, o houvera reconstituído dentro do sepulcro, com as mesmas aparências que apresentava no Gólgota, na ocasião em que José de Arimatéia lá o depositou e em que a pedra fora selada sob as vistas dos príncipes dos sacerdotes, dos fariseus e dos soldados.
Esta revelação (reflitam nisto os homens e saibam compreendê-lo) não constitui um sistema que se lhes procure impor à credulidade. É uma luz que mostramos ao espírito humano, chegados que são os tempos de esclarecê-lo, a fim de que todos os dissidentes de boa-vontade se congreguem sob ,o mesmo estandarte. 496
Esta revelação, que podeis intitular de — revelação da revelação e que, repetimos, mostra aos homens todos os fatos evangélicos numa harmonia luminosa, no primeiro momento encontrará grande oposição. Porém, quanto mais os Espíritos sérios estudarem a questão, tanto mais compreenderão a sua razão de ser e verão que, fora dela, nada pode ser, nem é, admissível.
Em se atribuindo a Jesus um corpo terrestre, material, humano como os vossos e uma morte real, como a sofreis, nada, com efeito, pode ser e nada é admissível, quer se considere corporal a "ressurreição", operando-se pela volta do Espírito a um cadáver humano, quer seja considerada uma simples aparição do Espírito que irrevogavelmente deixou, pela morte, o seu corpo terreno e perecível, como são os vossos.
Os apóstolos acreditaram e tinham que acreditar na ressurreição corporal. Esta era a única que eles podiam compreender, porquanto era a única, para eles, possível, de acordo com o estado das inteligências, com as tradições e os preconceitos da época. Para eles, Jesus trazia um corpo material, humano como os seus, e a morte do Mestre no Gólgota fora real. O cadáver, José de Arimatéia o havia depositado no sepulcro. Entregue este à guarda dos soldados romanos e selada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos fariseus a pedra que o fechava, o corpo lá ficara encerrado. Na manhã do terceiro dia a pedra fora deslocada e derribada, não estando mais no sepulcro o corpo, quando se deram essa deslocação e esse derribamento. Como havia podido desaparecer? De que modo pudera Jesus, cujo corpo, segundo eles, era material, humano como os seus, embora ressuscitado, sair do sepulcro, talhado na rocha, estando chumbada a pedra que o fechava?
O fato lhes era incompreensível, insolúvel o problema. Dai a incredulidade que manifestaram. Essa incredulidade, porém, tinha que ser vencida, 497
pois, do contrário, a que se reduziria o apostolado deles? Haveria o de Paulo, o apóstolo dos Gentios? A que ficaria reduzida a missão terrena do Mestre, do enviado celeste?
Por um conjunto de fatos concatenados, que mutuamente se apoiavam, Jesus lhes deu todas as provas de que precisavam para se convencerem. Esses fatos, apropriados àquela época, do ponto de vista da ressurreição corporal, única que então podia ser compreendida e aceita, asseguravam o futuro. A luz fraca que, sob o véu da letra, eles difundiam, era de molde a preparar a humanidade terrena para a viva claridade que a nova revelação, por nós trazida ao mundo agora, quando chegaram os tempos, lhe faria brilhar aos olhos.
Não obstante a narrativa que as mulheres fizeram do que se passara, quando foram em visita ao sepulcro; não obstante a narração, feita por Maria Madalena, das duas aparições de Jesus, uma a ela somente, outra a ela e às demais mulheres, e do que dissera o Mestre, a incredulidade dos discípulos subsistiu. Consideraram aqueles fatos como um devaneio delas e não acreditaram que Jesus estivesse "vivo", "ressuscitado". Ficara-lhes, entretanto, a impressão recebida.
A aparição de Jesus a Pedro, depois aos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús, a exposição, por eles feita, das circunstâncias em que essa aparição se dera, do que lhes dissera o Mestre, de tudo o que ocorrera, lhes abalou a incredulidade. Contudo, ainda não acreditavam.
Finalmente, Jesus lhes apareceu a todos muitas vezes. Só então, diante das provas que lhes ofereceu e às quais Lucas e João se referem nas suas narrativas, eles se convenceram.
Mas, ignorando a natureza do corpo de Jesus, a existência da tangibilidade, desconhecendo-lhe as causas e os efeitos, assim como o fenômeno espírita, que já vos explicamos, da desaparição dos alimentos, acreditaram na ressurreição corporal. 498
O fato predominou de modo a não deixar lugar para o raciocínio. Tudo aquilo que se lhes afigurava impossível se sumiu, para eles no "milagre", que daí por diante o homem não mais havia de procurar compreender, nem explicar.
Esta idéia se radicou em seus Espíritos desde que, no momento da chamada "ascensão", viram o Mestre elevar-se, "milagrosamente", no entender deles, para o céu e desaparecer numa nuvem, que aos seus olhares o ocultou.
Assim se passaram as coisas, porque assim tinha que ser, para que a missão de Jesus frutificasse naquela época e no futuro. Essa crença dos discípulos teve sua razão de ser. Ao homem de então foi dado o que ele podia suportar e às gerações futuras o que elas poderiam suportar e debater, sob a influência incessante da lei do progresso, por entre os esforços e as lutas do pensamento, até ao advento da em nova, que diante de vós se abre.
A crença dos apóstolos tinha que servir e serviu de base às controvérsias e às contradições humanas que se suscitaram no correr dos tempos. Essas controvérsias, que atualmente só conduzem ou à fé cega, ou à incredulidade, prepararam, através dos séculos, os Espíritos para receber e suportar a revelação nova.
A crença numa ressurreição corporal, pela volta do Espírito de Jesus a um corpo material humano, igual aos vossos, tornado cadáver por efeito da morte real, qual a sofreis, essa crença, transitória por natureza, como todas as opiniões e interpretações humanas, produziu seus frutos.
Hoje, constitui erro manifesto, em face dos progressos realizados, e se tornou inadmissível, condenada como está pelo princípio da imutabilidade das leis da natureza, por todos os fatos evangélicos que, iluminados com a luz da ciência espírita, servem de base e de fundamento à nova revelação para explicar, segundo o espírito, em espírito 499
41 Evanuit ex oculis eorum. (LUCAS, cap. XXIV, vv. 29-30.)
e verdade, o que foi a "ressurreição" de Jesus, como se operou com aquele corpo, formado, segundo a letra, por obra do Espírito Santo, isto é: excluídas toda e qualquer ação, toda e qualquer obra humana, pela aplicação e apropriação de leis naturais diversas das que presidem à reprodução na Terra.
As leis naturais são imutáveis, como imutável é a vontade de Deus que as formulou desde toda a eternidade. Deus, portanto, nunca as derroga.
De acordo com essas leis, quando, em conseqüência da morte real, o Espírito deixou o corpo material humano de que se revestira e que constituía a sua vida, segundo a maneira de ver dos homens, esse corpo, transformado em cadáver, pertence irrevoga-velmente à Terra e, a não ser pela reencarnação, o Espírito não poderá reviver corporalmente.
Logo, se Jesus tivesse tido um corpo material, como os vossos, impossível fora que esse corpo não se achasse mais, morto ou vivo, no sepulcro, quando a pedra que o fechava foi deslocada e derribada, Impossível fora que houvesse desaparecido de um sepulcro cavado na rocha, dele houvesse saído, estando chumbada a pedra que o tapava. Fora impossível que, com semelhante corpo, Jesus desaparecesse da vista dos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús41, achando-se com eles à mesa. Fora impossível que houvesse conseguido introduzir-se, entrar, penetrar no aposento onde seus discípulos se tinham reunido, surgir no meio deles que, de medo dos Judeus, ali se encontravam a portas fechadas.
Se estivesse revestido de um corpo humano, idêntico aos vossos, como, com tal corpo, houvera Jesus podido, no cume da montanha de Nazaré, escapar-se, passando por entre eles, das mãos dos Judeus que, enfurecidos, o levaram preso até àquela 500
42 Ver a explicação dada em o n. 70, pág. 376 do 1º volume.
43 Exivit de manibus eorum. (João, X, vv. 23, 24, 31 e 39.)
altura, para o atirarem dali abaixo?42
Como, com tal corpo, houvera podido livrar-se, sair43 das mãos dos Judeus que o cercavam dentro do templo, na galeria de Salomão, munidos de pedras para o lapidarem?
Ora, o que teria sido impossível, com um corpo terreno igual aos vossos, foi possível e natural, com um corpo fluídico, de natureza perispirítica, que Jesus podia, à sua vontade, tornar visível ou invísível, ao qual podia dar ou retirar a tangibilidade, como e quando lhe aprouvesse. O que só com um corpo desses era possível, pôde-o Jesus: fazê-lo desaparecer do sepulcro, aberto na rocha, estando selada a chumbo a pedra que lhe tapava a entrada; sumir-se da vista dos discípulos que iam para Emaús, estando com eles à mesa; surgir e permanecer entre seus discípulos, no aposento onde estes, de medo dos Judeus, se achavam reunidos a portas fechadas.
A natureza, que agora vos é revelada, do seu corpo tudo explica, de acordo com a ciência espírita. Explica o fato ocorrido no cume da montanha de Nazaré e o que ocorreu no templo, na galeria de Salomão. Explica, por meio da ressurreição e como conseqüência desta, o desaparecimento do corpo de dentro do sepulcro, as aparições sucessivas a Maria Madalena e às outras mulheres, a Pedro quando voltava do sepulcro, aos dois discípulos que iam para Emaús e aos apóstolos muitas vezes. Explica ainda a sua ascensão para as regiões etéreas, concluída a sua missão terrena.
Igualmente inadmissível é a "ressurreição” se considerada como simples aparição do Espírito que, 501
por efeito da morte real, deixou o seu corpo material, idêntico aos vossos.
Conformemente a essa hipótese humana, o corpo de Jesus teria sido um corpo terrestre qual os vossos e, pela morte, passara ao estado de cadáver.
Mas, então, impossível fora que esse cadáver houvesse desaparecido do sepulcro talhado na rocha, estando chumbada a pedra que lhe fechava a entrada, que não se achasse mais ali, quando essa pedra foi deslocada e derribada. Entretanto, ele lá não estava mais, havia desaparecido.
O simples fato desse desaparecimento afasta e condena aquela hipótese humana.
Se o cadáver estivesse no sepulcro quando se deu a deslocação e o derribamento da pedra, teria caído forçosamente em poder dos soldados romanos e dos príncipes dos sacerdotes; teria sido apresentado ao povo, aos apóstolos, aos discípulos que, iludidos com as sucessivas aparições, proclamavam a "ressurreição" do Mestre. E Jesus, desde logo, não seria, para toda gente, mais do que um impostor, que prometera "ressuscitar" e não cumprira a promessa. Em se dando tal coisa, que seria feito dos apóstolos? Teriam desempenhado seus apostolados, sofrido o martírio, as torturas, os suplícios, afirmando e sustentando que o Mestre ressuscitara? E a missão terrena de Jesus que valor ficaria tendo?
O corpo deste, dissemos, se fosse material como os vossos, teria forçosamente caído nas mãos dos soldados romanos e dos príncipes dos sacerdotes. Para que isso não sucedesse fora mister que o tivessem raptado.
Notai, porém, que esta suposição de um rapto, de uma subtração por mãos humanas é a negação de todos os fatos evangélicos, que se encadeiam no seu conjunto e nos seus pormenores, relativos: — à presença do corpo no sepulcro quando a pedra que o fechava foi selada pelos príncipes dos sacer- 502
dotes e pelos fariseus, na presença e com o auxílio dos soldados destacados para guardá-lo; — ao desaparecimento do corpo estando selada a pedra; — à deslocação e ao derribamento desta; — à ausência do corpo no sepulcro quando esta foi deslocada e derribada; — ao reaparecimento chamado "ressurreição".
O corpo não podia ser raptado. Por quem o seria? Por quaisquer homens? Pelos discípulos? Esta hipótese, já o dissemos e repetimos, cai por si mesma, tal a sua absurdidade. Por outros homens que não os discípulos, nem os príncipes dos sacerdotes, nem os fariseus, nem os principais Judeus? Mas, então, qual o móvel, por que motivo, com que interesse, com que fim?
Em que ocasião os discípulos ou outras quaisquer pessoas o raptariam? Não poderia ser senão após o ter José de Arimatéia depositado no sepulcro e antes ou depois de selada a pedra.
Poderia o rapto dar-se antes de selada a pedra? Não. Em o n. 306 já mostramos que não podia ser e não foi antes de tomada essa precaução pelos príncipes dos sacerdotes.
Poderia dar-se depois? Mas, como? À revelia dos soldados prepostos à guarda do sepulcro, ou com a conivência deles?
A revelia dos soldados e da sentinela sempre vigilante era impossível. A suposição de um rapto quando todos os soldados dormiam, não suporta exame. É, além de impossível, absurda.
Com a conivência dos soldados? Mas, as ordens recebidas, a honra e as responsabilidades militares não poriam obstáculos a que os soldados romanos praticassem gratuitamente esse ato culposo? Doutro modo, como haviam de os discípulos, que eram pobres, pescadores, mendigos sem pão e sem teto, corrompê-los, a peso de ouro, por forma a contarem com a discrição e a participação deles, uma vez que, admitido se prestassem ao suborno, fácil lhes seria obter dos príncipes 503
dos sacerdotes, dos mais eminentes Judeus e dos fariseus enorme recompensa, se afirmassem e provassem que o corpo de Jesus fora subtraído por mãos humanas?
E os discípulos, que contavam com uma ressurreição corporal, iriam fazer-se autores ou cúmplices de uma tramóia para, em seguida, afirmarem e sustentarem mentirosamente que aquela ressurreição se dera, citando todos os fatos circunstanciais que lhe dizem respeito? Teriam sido capazes de afirmar e sustentar sua crença, suportando o martírio, todas as torturas, os maiores suplícios, se essa crença tivesse por base a mentira, se eles se tivessem apoderado furtivamente do cadáver e o houvessem enterrado secretamente?
Repetimos: a insinuação de um rapto efetuado pelos discípulos, de qualquer maneira e em qualquer ocasião, se desfaz pela sua própria absurdidade.
Outros, que não os discípulos, nem os príncipes dos sacerdotes, nem os fariseus, nem os mais graduados Judeus, teriam ousado correr os azares e os graves perigos de corromper a peso de ouro, sem motivo e sem interesse, os soldados, quando é indubitável que, dado fossem estes suscetíveis de corrupção, poderiam, no caso, levando por diante a indigna especulação, obter nova e maior paga com o afirmarem e provarem que o corpo de Jesus fora subtraído por mãos humanas, com o entregarem mesmo, operada a subtração, os autores dela aos príncipes dos sacerdotes, aos fariseus e aos Judeus mais eminentes?
Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus poderiam ter sido os que praticassem o rapto?
Mas, se eles tivessem roubado o corpo de Jesus, tê-lo-iam feito, não para o destruírem, para o aniquilarem pelo fogo ou de outro modo, e sim para desmascararem as pretensões, tanto dos discípulos, como do Mestre. Toda a conveniência, pois, tinham eles em conservar o corpo, como documento pro- 504
bante da impostura daqueles. Tê-lo-iam feito desaparecer para impedirem que os discípulos o subtraíssem, mas então, com um objetivo único: mostrar ao povo aquele corpo mutilado, em decomposição, porquanto, para eles, como para todos os homens da época e das que se seguiram até aos dias da revelação atual, o corpo de Jesus era terreno, igual aos outros corpos humanos, caso os discípulos pretendessem espalhar o boato da "ressurreição". Desmascarar-lhes a impostura, possuir arma segura contra os inimigos da fé que professavam, tal a única razão que eles teriam para roubar o corpo, antes que os discípulos o subtraíssem.
Fizeram, porém, isso? Perseguiram os discípulos por fomentarem erros entre o povo? Apresentaram prova de embuste contra eles? Não. Subornaram os soldados para que imputassem o desaparecimento do corpo de Jesus a seus discípulos. Mas, mesmo por este fato, que era uma transgressão das leis, o da violação da sepultura, os discípulos foram perseguidos? Não. Não eram, todavia, a indulgência, nem a longanimidade que paralisavam os braços dos juízes de Israel. Era o terror, pois eles estavam plenamente convencidos de que o corpo não fora roubado e que, no entanto, desaparecera!
À luz da verdade agora revelada, tudo, como se vê, no conjunto dos fatos relativos à "ressurreição" do Cristo, é harmonia perfeita. Nenhum dos problemas concernentes a essa "ressurreição" a revelação nova deixa sem solução.
E esta hipótese da parte dos Espíritas: — Se o corpo de Jesus tivesse sido um corpo terrestre — e se os anjos ou espíritos superiores tivessem podido torná-lo invisível, levá-lo e o tivessem levado — no momento mesmo em que a pedra foi erguida 505
e derrubada, seria a priori, inadmissível e falsa; ela deve, com efeito, ser afastada como tal, — em presença da revelação feita pelo anjo a Maria, depois a José; revelação que então seria mentirosa, que não o pode ser, emanando de um enviado de Deus, e que deve ser interpretada, explicada segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade, segundo o curso de leis da natureza e não rejeitada. (Ver supra, 3º vol., págs. 417-418; — 1º vol., págs. 153 a 168; 191 a 208; 242 a 248; 282 a 307; 338 a 374; — 4º vol., págs. 82 a 86; 104 a 107; 111 a 119.)
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XX, 1:18.
NOTA DA EDITORA — Este último parágrafo, omitido pela revisão nos originais da obra francesa, foi reposto pelo próprio J.-B. Roustaing, conforme carta por ele dirigida à "Revue Spirite", de Allan Kardec, e ai registada a págs. 31/32 do número de janeiro de 1867. 506
44 O estádio era uma medida itinerária de 185 metros.
MARCOS, Cap. XVI, w. 12-13. — LUCAS, Cap. XXIV, w. 13-35
Aparição de Jesus aos dois discípulos que iam para a aldeia de Emaús. — Jesus, estando com eles à mesa, lhes desaparece das vistas
MARCOS: V. 12. Depois disso, apareceu sob outra forma, a dois deles que iam para o campo. — 13. Os dois foram comunicá-lo aos outros discípulos que também lhes não deram crédito.
LUCAS : V. 13. No mesmo dia, iam dois deles a caminho de uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios44, — 14, falando um com o outro de tudo o que se tinha passado. — 15. Aconteceu que, indo os dois assim a conversar e discutir, Jesus se aproximou deles e os foi acompanhando. — 16. Mas os olhos de ambos foram como que fechados, a fim de o não poderem reconhecer. — 17. E Jesus lhes perguntou: De que ides falando um com o outro a caminhar e porque estais tristes? — 18. Um deles, chamado Cleofas, respondeu: Serás tu o único forasteiro em Jerusalém que não saiba o que ali se tem dado nestes dias? — 19. Jesus retrucou: Que foi? Eles responderam: O que sucedeu a Jesus de Nazaré, que foi um profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo, — 20, e de que maneira os príncipes dos sacerdotes e os anciães o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram? — 21. Ora, nós esperávamos fosse ele quem resgatasse a Israel; entretanto, já hoje é o terceiro dia depois que todas essas coisas se deram. — 22. Verdade é que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos encheram de espanto, porque, tendo ido de madrugada ao sepulcro, — 23, voltaram dizendo não terem achado o seu corpo e terem visto anjos que lhes disseram estar ele vivo. — 24. Alguns dos nossos também foram ao sepulcro e acharam que 507
era assim como as mulheres haviam dito, mas a ele não o encontraram. — 25. Exclamou então Jesus: Oh! estultos e de corações tardos em crer tudo que os profetas anunciaram! — 26. Não importava que o Cristo sofresse todas essas coisas e assim entrasse na sua glória? — 27. E, a começar de Moisés, referiu-se a todos os profetas, explicando-lhes o que dele se achava dito em todas as escrituras. — 28. Ao aproximarem-se da aldeia para onde se dirigiam, deu ele a perceber que ia para mais longe. — 29. Os dois, porém, o constrangeram a parar ali, dizendo: Fica conosco, pois que é tarde, o dia já vai declinando. Jesus entrou com eles. — 30. Estando os três à mesa, Jesus tomou do pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu. — 31. Nesse momento os olhos se lhes abriram e ambos o reconheceram. Logo, porém, ele desapareceu de suas vistas. — 32. Um ao outro disseram então: Não é que se nos abrasavam os corações quando ele nos vinha falando pelo caminho, a nos explicar as escrituras? — 33. No mesmo instante ergueram-se, voltaram para Jerusalém e foram ter com os onze apóstolos que se achavam reunidos, juntamente com os que os acompanhavam. — 34. E disseram: Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão. — 35. E narraram o que lhes sucedera em caminho e como o tinham reconhecido quando ele partia o pão.
N. 308. A aparição de Jesus aos dois discípulos, que eram inconscientemente médiuns videntes e audientes, foi visível, tangível e audível.
De certo percebeis as fases dessa aparição e os meios pelos quais se produziu, assim como a desaparição do Mestre, da vista dos dois discípulos, quando com estes se achava à mesa.
A ciência espírita vos faculta elementos para tudo compreenderdes e explicardes a esse respeito.
Para o fim de aparecer aos dois discípulos e de caminhar ao lado deles pela estrada, Jesus tornou tangível o seu corpo fluídico, de natureza perispirítica.
Os olhos de ambos, diz o evangelista, foram como que fechados, a fim de não o poderem reco- 508
nhecer. Quer isto dizer que Jesus se lhes apresentou com uma fisionomia diferente da que eles conheciam e estavam acostumados a ver. Só quando se achou à mesa na companhia dos dois, os olhos destes se abriram e eles o reconheceram. É que só nesse momento a figura habitual do Mestre se lhes mostrou, só então o Cristo se lhes apresentou como eles o conheciam e tinham sempre visto.
Quanto ao fato de o ouvirem os dois discípulos, já o explicamos no n. 307, tratando das aparições a Maria Madalena e às outras mulheres. Não era fácil a Jesus conseguir que os dois ouvissem o que lhes ele queria dizer, sem precisar para isso de recorrer à palavra articulada, só com o fazer que seus pensamentos repercutissem tão profundamente no íntimo de ambos que os levassem a supor que estavam ouvindo com o sentido material ?
Tais fatos são comuns. Não sentis às vezes que vos tocam, sem que entretanto mão alguma material pouse sobre vós? Não escutais por vezes um ruído, sem que, entretanto, descubrais ao vosso derredor coisa alguma que o possa produzir?
Os dois discípulos, que eram, inconscientemente, médiuns, não só videntes, mas também audientes, receberam a impressão das palavras de Jesus e acreditaram que as tinham escutado, como sucede quando supondes que alguém vos falou enquanto dormíeis.
Fora inútil pronunciar palavras, para falar-lhes, uma vez que bastava aquele outro meio, mais natural, dadas as disposições especiais dos dois discípulos.
Para mais os impressionar, para melhor gravar em seus Espíritos o que lhes dissera foi que Jesus lhes falou antes de se dar a conhecer e nas circunstâncias que precederam ao seu reconhecimento por parte deles, estando os três à mesa; e foi também que tomou do pão, o partiu e abençoou, no 509
momento em que os dois o reconheceram, desaparecendo-lhes das vistas em seguida.
Apenas sobre dois pontos do colóquio havido entre Jesus e os discípulos convém chamemos a vossa atenção, dando-vos explicações que vos façam compreender-lhes o sentido, em espírito e verdade.
Não era preciso, disse-lhes Jesus, "que o Cristo sofresse todas essas coisas e assim entrasse na sua glória?" Por estas palavras, aludia ele à natureza humana que lhe atribuíam. Para aqueles dois discípulos, como para os apóstolos e o povo, ele era um homem igual aos outros, "um profeta poderoso em obras diante de Deus e diante dos homens" e ao qual haviam estes de atribuir mais tarde a divindade. A crença humana nessa divindade tinha, como sabeis, que subsistir, sob o império e o véu da letra, até que a natureza e a origem espirituais de Jesus, sua posição espírita com relação a Deus e ao vosso planeta, a natureza do corpo de que se revestira, a fim de aparecer e estar na Terra, fossem, segundo o espírito, desvendadas pela revelação nova, pela revelação da revelação, que hoje vos é trazida. Jesus, ignorado dos homens até ao dia em que ressuscitou, lhes fez então sentir sua influência e sua proteção. Só a partir desse momento seu nome e sobretudo suas obras se tornaram conhecidos e divulgados pela Terra.
Ao aproximarem-se da aldeia para onde se dirigiam, deu ele a perceber que ia mais longe. Se, sem esperar que o convidassem, houvera entrado onde os dois depois entraram, Jesus lhes teria igualmente ferido a imaginação por meio do que se ia seguir; mas, dando a perceber que ia mais longe, pôs em prova a caridade deles para com um desconhecido que a noite surpreenderia em viagem. Assim, houve no fato uma lição e um exemplo dados aos homens. 510
Para ser reconhecido, no momento em que partia o pão, Jesus fez que cessasse a tangibilidade do seu corpo fluídico e deu a este os traços, a aparência humana que eram familiares aos dois discípulos e, restituindo-lhe, sob esse novo aspecto, a tangibilidade, partiu o pão.
Para lhes desaparecer das vistas, novamente fez que cessasse a tangibilidade do seu corpo de natureza perispirítica, e o tornou invisível, voltando esse corpo, como já muitas vezes temos explicado, ao espaço, onde ficou até à aparição subseqüente. Tudo, no tocante ao seu reconhecimento pelos dois discípulos, à partição do pão e à desaparição, tudo foi instantâneo e se passou quando o Mestre se achava com eles à mesa.
A maneira por que Jesus partiu o pão lhes lembrou o que já de outras vezes fizera na presença deles. E isso ocorreu, repetimos, no momento em que o Mestre retomou instantaneamente o seu aspecto habitual.
A aparição a Pedro se verificou quando este, voltando da visita que fizera ao sepulcro, procurava a solução do problema que lhe era incompreensível. Foi uma aparição simples, isto é: apenas visível. Jesus apareceu e desapareceu de repente à vista mediúnica, de Pedro, pois, como sabeis, esse apóstolo era médium vidente. 511
MARCOS, Cap. XVI, v. 14. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 36-49
Aparição de Jesus aos apóstolos
MARCOS : V. 14. Ele apareceu, finalmente, aos onze quando estavam à mesa e lhes exprobou a incredulidade e a dureza dos corações, por não terem crido nos que tinham visto que ele ressuscitara.
LUCAS: V. 36. Quando ainda falavam desses fatos, Jesus se apresentou no meio deles e lhes disse: A paz seja convosco; sou eu; não temais. — 37. Eles, porém, espantados e perturbados, imaginaram estar vendo um Espírito. — 38. Disse-lhes então Jesus: Porque vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos corações? — 39. Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; apalpai-me e lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que tenho. — 40. E, dizendo isso, lhes mostrou as mãos e os pés. — 41. Como, todavia, ainda não acreditassem, tantos eram neles a alegria e o espanto, Jesus lhes perguntou: Tendes aqui alguma coisa que se possa comer? — 42. Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado e um favo de mel. — 43. Ele comeu diante de todos e, pegando do que sobrara, lhes deu; — 44, dizendo: Lembrai-vos de que, quando ainda estava convosco, eu vos disse ser necessário se cumprisse tudo quanto de mim fora escrito na lei de Moisés, nas profecias e nos Salmos. — 45. No mesmo instante lhes abriu o espírito, a fim de que compreendessem as Escrituras. — 46. E lhes disse: Assim é que, estando isso escrito, importava que o Cristo sofresse e ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia; — 47, e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. — 48. Ora, sois testemunhas destas coisas. — 49. Vou mandar-vos o dom de meu pai, que vos foi prometido; permanecei, entretanto, na cidade, até que sejais revestidos do poder do alto. 512
N. 309. Nos atos de Jesus nada há que vos deva surpreender. Não lhe cumpria firmar nos homens a idéia de que seu corpo era de natureza material, humana? Não lhe cumpria, para incrementar neles o reconhecimento que seu "sacrifício" devia inspirar, pôr materialmente esse sacrifício ao alcance da inteligência de homens materiais?
Deixasse ele que a sua origem espírita fosse compreendida, mostrasse-se a seus discípulos sob uma forma meramente fluídica e aqueles homens supersticiosos ficariam aterrados. Lembrando-se da proibição que tinham de evocar os mortos, acreditariam haver transgredido as prescrições das leis de Moisés. E, então, Jesus seria classificado entre os espectros que saem dos túmulos e incluído na categoria humana. A tangibilidade, porém, cujas causas e existência eles ignoravam, lhes impressionou os Espíritos, impedindo que tal se desse.
Jesus, portanto, para os convencer, lhes forneceu todas as provas necessárias, inclusive a de tomar alimentos, que desapareceriam pela maneira que já muitas vezes vos explicamos.
Admiti que ele se houvesse mostrado tal qual era. Que de explicações não fora preciso dar! E quais teriam sido as conseqüências?
Que arma perigosa não viera a ser nas mãos dos homens de então a ciência espírita, da qual vós mesmos tão triste uso ainda fazeis?
Preciso era fosse cega a fé, até que os olhos da alma se tornassem bastante fortes a poderem abrir-se para a luz.
Aqui, como em todos os casos idênticos, as narrações evangélicas se explicam e completam reciprocamente. As de Marcos e Lucas não devem ser separadas da de João (cap. XX, vv. 19-23 e 24-29).
Marcos se limita a mencionar a aparição de Jesus aos onze apóstolos, sem se ocupar com as sucessivas aparições verificadas antes do momento 513
da chamada ascensão e com o modo por que se produziram.
A que Lucas aqui relata é a primeira que João também refere (cap. XX, vv. 19-23). As duas narrações se completam mutuamente. Apenas, Lucas omitiu a aparição que se produziu oito dias depois, estando presente Tomé. Em conseqüência dessa omissão foi que deu como presente os onze, por ocasião da de que trata no ponto que estamos apreciando. Tomé viu o Mestre, como os dez outros apóstolos. Mas, conforme narra João, só o viu quando daquela segunda aparição, realizada oito dias após a primeira. Não vos detenhais, porém, nessas minúcias pueris e secundárias, de nenhuma importância para a obra de regeneração que Jesus veio executar, desempenhando a sua missão terrena.
Estas palavras de Marcos, (v. 14): "E lhes exprobrou a incredulidade e a dureza dos corações por não terem crido nos que tinham visto que ele ressuscitara", registram a exprobração que Jesus dirigiu, de modo geral, aos onze apóstolos, em razão de não terem dado crédito ao que lhes referiram Maria Madalena e as outras mulheres, assim como os dois discípulos que iam para Emaús, e, de modo especial, a Tomé, por não ter acreditado no que lhe relataram os outros apóstolos.
Chamamos a vossa atenção para dois pontos. "Jesus se apresentou no meio dos discípulos, estando eles reunidos, no lugar onde se achavam, a portas fechadas, de medo dos Judeus". Quer isso dizer que ali entrou, penetrou, se introduziu com o seu corpo fluídico, tal qual sucede nos casos. de aparições de Espíritos quaisquer, e que, instantaneamente, no momento mesmo em que se tornava visível a todos, deu ao seu corpo aparente a tangibilidade.
"A paz seja convosco", disse, "não temais". Eles, porém, espantados e perturbados, "imagina- 514
vam estar vendo um Espírito". Disse-lhes então Jesus: "Porque vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos corações?
Os discípulos ignoravam a existência da tangibilidade e as suas causas, mas tinham conhecimento das aparições de Espíritos.
Na ocasião em que Jesus se lhes apresentou daquele modo, ainda estavam sob a impressão do que tinham ouvido acerca das aparições a Pedro e aos dois que iam para Emaús, das aparições a Maria Madalena e às outras mulheres. Assim sendo, ao verem o Mestre surgir de súbito no meio deles, estando fechadas as portas, ficaram perturbados e tomados de assombro. Cada um mentalmente perguntava a si mesmo se seria de fato Jesus "ressuscitado", ou, se, ao contrário, seria a aparição de um Espírito qualquer, excluída toda idéia de ressurreição. Dada a perturbação em que se achavam, esta última hipótese era a que predominava em seus Espíritos.
Foi então que Jesus, como se vos disse, lhes deu, por fatos e palavras, todas as provas necessárias a convencê-los.
Era mister que assim procedesse, a fim de atender àquela época e preservar, salvaguardar o futuro, para a revelação atual, então vindoura, que ao mesmo tempo explicaria, assim os fenômenos que se produziram quando da aparição de que tratamos, como a natureza do corpo que ele tomou para desempenhar a sua missão terrena.
Disse-lhes ele também: "Vou mandar-vos o dom de meu pai, que vos foi prometido; permanecei, entretanto, na cidade até que sejais revestidos do poder do alto". Dessa maneira, sob o véu da letra, o Mestre os prevenia de que lhes enviaria em breve, debaixo da forma visível de línguas de fogo, os Espíritos superiores que os assistiriam no desempenho de suas missões. Esse é que era o dom do pai, o poder do alto. Recomendava-lhes igualmente que, quando os houvesse deixado, ele- 515
vando-se para o céu, quando houvesse assim desaparecido das vistas humanas, voltassem a Jerusalém e lá permanecessem até que fossem revestidos daquele poder do alto.
NOTA DA EDITORA — Convém ver: João, capítulo XX, vv. 19-31. 516
MATEUS, Cap. XXVIII, vv. 16-20. — MARCOS, Cap. XVI, vv. 15-20. — LUCAS, Cap. XXIV, vv. 50-53
Novas e sucessivas aparições aos discípulos. Volta de Jesus à natureza espiritual que lhe era própria, nas regiões etéreas, volta essa chamada: ascensão — Concordância estabelecida a esse respeito entre as narrações evangélicas, que se explicam e completam umas pelas outras
MATEUS: V. 16. Partiram, pois, os onze discípulos para o monte da Galiléia, onde Jesus lhes determinara que se achassem. — 17. E, vendo-o lá, eles o adoraram, se bem que alguns ainda tivessem dúvidas.
18. Aproximando-se, porém, deles, disse-lhes Jesus: Todo poder me foi dado no céu e na terra. — 19. Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; — 20, instruindo-os na observância de todas as coisas que vos tenho prescrito e ficai certos de que estarei convosco até à consumação dos séculos.
MARCOS: V. 15. E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. — 16. O que crer e for batizado será salvo; mas o que não crer será condenado. — 17. Aos que crerem acompanharão estes milagres: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas; — 18, pegarão nas serpentes e, se beberem qualquer bebida mortal, esta nenhum mal lhes fará; imporão as mãos nos enfermos e estes sararão. — 19. Depois de lhes ter assim falado, o Senhor Jesus ascendeu ao céu, onde está assentado à direita de Deus. — 20. Os discípulos partiram e pregaram por toda parte, cooperando com eles o Senhor e confirmando-lhes a palavra pelos atos que se lhes seguiam.
LUCAS: V. 50. Depois do que, levou-os fora dali a Betânia e, erguendo as mãos, os abençoou. — 51. E sucedeu que, enquanto os abençoava, se afastou deles 517
e se elevou ao céu. — 52. Quanto a eles, depois de o terem adorado, voltaram a Jerusalém cheios de alegria. — 53. E estavam sempre no templo louvando e bendizendo a Deus. AMEN.
N. 310. Ainda aqui as narrações evangélicas de Mateus, Marco e Lucas não devem ser isoladas umas das outras, nem da aparição de Jesus à margem do lago de Tiberíades (João, cap. XXI, vv. 1-22). Coordenando-as e pondo-as em concordância, elas têm que ser explicadas e completadas umas pelas outras.
Após a sua segunda aparição aos discípulos, achando-se presente Tomé (João, XX, vv. 24-29), Jesus os conduziu a Betânia, onde, erguendo as mãos, os abençoou (Lucas, v. 50). Aí é que lhes determinou fossem para o monte da Galiléia, onde o veriam novamente (Mateus, v. 16). Lá, na Galiléia, foi que, abençoando-os, deles se separou. Foi ainda lá que os discípulos, ao verem-no, o adoraram e que ele se elevou para o céu. De lá é que eles, depois de o terem adorado, voltaram a Jerusalém, cheios de alegria. (Lucas, v. 51; Mateus, v. 17; Lucas, v. 53)
Quando os discípulos, partindo de diversos pontos, iam a caminho da Galiléia, a fim de aí se reunirem, foi que, à margem do lago Tiberíades, se deu a aparição de Jesus a Simão Pedro, a Tomé apelidado Dídimo, a Natanael nascido em Caná na Galiléia, aos filhos de Zebedeu e aos dois outros discípulos, os quais todos tinham ido pescar juntos.
As palavras de Jesus, que Mateus (vv. 18, 19, 20) e Marcos (vv. 15-19) registraram, ele as pronunciou no monte. Depois de as haver proferido, foi que ergueu as mãos e os abençoou e que, abençoando-os, se elevou para o céu. (Marcos, v. 19; Lucas, vv. 50-51.)
Em seguida, após terem adorado a Jesus, os discípulos voltaram a Jerusalém, conforme narra Lucas (v. 52), omitindo, como os outros evange- 518
45 Atos dos Apóstolos, cap. I, vv. 10 e 11.
46 Idem, cap. I, v. 12.
47 Idem, cap. I, v. 3.
listas, quanto se passou depois da ascensão45, e que tudo, sob a influência mediúnica, seria inserto em a narrativa dos Atos dos Apóstolos. Exceção feita da estada no monte das Oliveiras, que mais tarde teve menção, foram omitidos os pormenores daquele regresso46, por secundários e inúteis, do ponto de vista do que tinha de ser transmitido aos homens da época e às futuras gerações.
Nem todas as aparições de Jesus, assim como nem tudo o que ele fez os evangelistas relataram minuciosamente. Só narraram o que era preciso, para que a missão terrena do Mestre desse os resultados que devia dar, produzisse os frutos que devia produzir, então e no futuro. João vos preveniu disso. (Cap. XX, v. 30 e XXI, v. 25.)
Foi julgado bastante que os homem soubessem, além do que consta nas narrações evangélicas47, que Jesus, durante quarenta dias após a ressurreição apareceu aos apóstolos e lhes falou do reino de Deus.
Para se separar deles, de cada vez que lhes aparecia, o Mestre, bem o deveis compreender, fazia o que tantas vezes fizera, antes do sacrifício do Gólgota.
Diz Mateus (v. 17) que os onze apóstolos, ao verem Jesus, no monte, o adoraram, se bem que alguns ainda se achassem duvidosos. Estas últimas palavras, como bem o deveis compreender igualmente, não se referiam aos apóstolos, que todos já então estavam convencidos e que, ao verem-no, o adoraram.
Os onze não se encontravam sós no monte. Seguira-os uma multidão de pessoas. Algumas destas, que da "ressurreição" de Jesus e de suas sucessivas aparições só sabiam o que tinham ou- 519
vido dizer, que nada ainda tinham visto, é que se mostravam duvidosos. Mas, o que iam ouvir e ver, sendo de molde a confirmar, de maneira frisante, o que lhes fora dito, dissiparia nelas toda a dúvida e lhes daria a fé que já animava os apóstolos.
Aproximando-se dos discípulos e dirigindo-se a todos eles, Jesus lhes disse:
Todo poder me foi dado no céu e na terra.
Assim falando, aludia, segundo o espírito, à sua posição, como protetor e governador do vosso planeta, à onipotência que lhe fora dada sobre todos os Espíritos encarnados e errantes.
"Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, instruindo-os na observância de todas as coisas que vos tenho prescrito e ficai certos de que estarei convosco até à consumação dos séculos."
Feito em nome do Pai, o batismo invocava o Ser supremo que, no infinito e na eternidade, preside a todos os universos. Em nome do Filho, chamava a atenção sobre aquele que vela pela sorte do vosso planeta, filho de Deus pela sua pureza perfeita, vosso Senhor pelo seu poder. Em nome do Espírito Santo, constituía um apelo dirigido à inteligência secreta que procede do Criador e se vos manifesta, por intermédio dos bons Espíritos, nos efeitos espíritas, ensinando-vos, em espírito e em verdade, a justiça, o amor e a caridade, todas as virtudes e todos os deveres, de ordem material, de ordem moral e de ordem intelectual, inspirando-vos a prática desses deveres e virtudes, trazendo-vos a luz e a verdade, por inspiração e comunicação mediúnica.
Dissemos acima: por intermédio dos bons Espíritos. Efetivamente, por Espírito Santo deveis entender os Espíritos bons, quaisquer que sejam 520
o grau de elevação que hajam alcançado e a categoria a que pertençam na hierarquia espírita. A má inspiração ou a má comunicação não podem provir de um bom Espírito. Estes, quando não são bastante elevados para vos darem a luz e a verdade na medida do que possais e devais receber e suportar, têm a ampará-los e auxiliá-los Espíritos mais elevados e que, a seu turno, se preciso for, receberão amparo e auxílio dos Espíritos superiores, segundo a escala hierárquica. É assim que, vindo de Deus por intermédio dos puros Espíritos, que dele a recebem diretamente, a inspiração vos é transmitida através duma escala descendente. Ou, então, os Espíritos bons se eclipsam diante dos mais elevados do que eles, dos que o sejam bastante para eclipsá-los, pois que os bons Espíritos, seja qual for a posição que ocupem na hierarquia espírita, são sempre os órgãos da verdade relativa à inteligência do homem, na medida do que este pode suportar e compreender. O erro e a mentira, tendo por fim enganar os homens, são apanágio exclusivo dos Espíritos maus, dos Espíritos inferiores, dos Espíritos de trevas.
O batismo era o símbolo material da aliança entre os cristãos.
O batismo que Jesus prescrevia a seus discípulos que administrassem era, ao mesmo tempo, da água e o do Espírito Santo. O primeiro só se administrava, como símbolo, ao adulto consciente de seus atos. O segundo se seguia ao outro, de acordo com o mérito do neófito. A assistência dos bons Espíritos era sempre invocada, em tal caso, sob a designação de Espírito Santo, pelos que batizavam.
O da água, transitório, como símbolo material, que é, de aliança sob o reinado da letra, precursor do advento do espírito, tem que cessar e desaparecer, para que subsista unicamente o do Espírito Santo, que o homem dará a si mesmo alcançando a assistência, a proteção e a inspiração dos bons 521
Espíritos, pela observância ou pelo esforço constante para observar, segundo o Espírito da Verdade, todos os mandamentos de Jesus.
Estas palavras: "E ficai certos de que estarei sempre convosco até à consumação dos séculos", disse-as Jesus com referência a sua missão de Espírito protetor e governador da Terra, missão que começou quando da formação do vosso planeta e ultrapassará os séculos dos séculos.
Elas compreendiam a época de então e o futuro. Aplicavam-se e se aplicaram, anteriormente à sua missão terrena, como se aplicam hoje e se aplicarão no futuro, a todos os que, abstração feita da diversidade dos cultos exteriores, praticarem ou se esforçarem constantemente por praticar o amor ao Criador e o amor ao próximo como a si mesmos, mediante a humildade do Espírito, a simplicidade do coração, a abnegação, o devotamento, a caridade para com todos, no terreno material, no terreno moral e no intelectual, pois que assim e só assim é que os homens são verdadeiramente discípulos de Jesus.
A missão, que o Mestre confiou a seus discípulos, de irem instruir todos os povos e ensinar-lhes a observância de tudo o que lhes ele prescrevera, não constituiu naquele momento e não se destinava a constituir jamais, nem hoje, nem no futuro, um monopólio, ou um privilégio para alguns.
O seu pensamento foi, em espírito e em verdade, dirigir então, como ainda agora dirige, um apelo a todos os homens de boa-vontade, feita abstração dos cultos exteriores e dos costumes, um convite para que instruam os povos acerca de tudo quanto concerne ao progresso do espírito humano, progresso moral, físico e intelectual, ensinando-lhes, pela palavra e pelo exemplo, todos os seus mandamentos que, constituindo toda a lei e dos profetas, se resumem neste: amar a Deus acima de todas as coisas e amar o próximo como a si 522
mesmo. Duplo mandamento é este dado aos homens a fim de que, praticando-o em espírito e verdade, em toda a sua extensão e sob todos os seus aspectos, todos sejam um pela solidariedade e pela fraternidade, amando-se uns aos outros, cada um procedendo sempre com os outros, em quaisquer circunstâncias, como quereria que para consigo todos procedessem.
"Ide por todo o mundo, disse Jesus a seus discípulos, pregar o Evangelho a toda criatura."
Façam os homens os esforços que fizerem para restringir a luz, só deixando que brilhem os raios de que eles queiram dispor, a palavra do Mestre tem que se estender e se fazer ouvida por sobre todos os pontos do globo terráqueo. Mas, para que dê frutos, para que seja aceita, preciso é lhe sirva de apoio uma fé viva, forte, inabalável. Necessário é que um vão orgulho não estabeleça entre os homens diferenças de credos, de dogmas, de religião.
O Cristianismo do Cristo é um só e único para a humanidade que habita o vosso planeta e consiste na prática da caridade sob todas as formas. Aquele que atinge esse ponto difícil é cristão, cristão segundo o Cristo, e do número dos que verdadeiramente caminham nas sendas por ele traçadas.
"O que crer e for batizado será salvo, mas o que não crer será condenado."
Ser batizado (ato material, destinado a dar à matéria um sinal visível, hoje — ato moral) é colocar-se a criatura, verdadeiramente, sob a proteção de Deus, sob a do Mestre, protetor e governador do planeta, e sob a influência, a inspiração dos bons Espíritos do Senhor. Mas, para que esse batismo exista, para que seja recebido, mister se 523
faz que quem o pede tenha fé. Sem esta, de que lhe ele serviria? A fé, irmã da esperança e, como esta, filha da caridade e do amor; a fé que conduz às obras, a fé aliada às obras e consumada nelas.
Aquele que crê desse modo é salvo. Quer dizer: não tendo mais que sofrer a expiação reservada ao Espírito culposo, a reencarnação expiatória, vê abrir-se para si, pela reencarnação em um mundo mais elevado do que o planeta onde até então encarnara, novas veredas de purificação e progresso.
O que não crê desse modo, o que não pratica a moral simples e sublime que Jesus personifica, é "condenado". Quer isto dizer que, depois de haver sofrido, na erraticidade, a expiação proporcionada e apropriada às faltas ou aos crimes cometidos, sofre a reencarnação, expiatória, com o fim de reparar aqueles crimes e faltas e progredir, recomeçando o que deixou por fazer.
"Aos que crerem acompanharão estes milagres: expulsarão os demônios EM MEU NOME."
Porque terão a assistência, o auxílio, o concurso dos Espíritos superiores, sustentados estes, se for preciso, pelos puros Espíritos, os quais todos têm poder de afastar dos obsidiados e subjugados, instantaneamente, os maus Espíritos.
"Falarão novas línguas."
Tornando-se médiuns falantes pela influência e ação fluídica dos bons Espíritos.
"Pegarão nas serpentes e, se beberem qualquer bebida mortal, esta nenhum mal lhes fará."
Anulando, os Espíritos protetores, por meios fluídicos, a ação mortífera do veneno, empregando, invisivelmente, com esse fim, fluidos apropriados a tal efeito. Não neguem, nem zombem disto 524
48 Atos dos Apóstolos, cap. I, v. 1:4; cap. III, vv. 1-11; cap. V, vv. 12-16; cap. VI, v. 8; cap. IX, vv. 31-42; cap. XIV, vv. 7-17; cap. XIX, vv. 11-12; capítulo XXVIII, vv. 3-10.
os vossos fisiologistas e químicos, que se julgam tão sábios, mas que ainda ignoram completamente a natureza dos fluidos, suas propriedades ativas, suas combinações e os efeitos dessas combinações.
Longe estão e ainda por largo tempo estarão longe de conhecer o poder e o segredo da criação na ordem fluídica.
Muito tem a humanidade terrena que trabalhar, que progredir, que adquirir moralmente e intelectualmente, antes de lá chegar. Cada vez mais ireis aprendendo, à medida que, com humildade de espírito, simplicidade de coração, caridade, amor e desejo de progredir, fordes avançando, pelo trabalho, nas sendas da luz, da ciência, da verdade e, por conseguinte, na do conhecimento das leis naturais que regem os fluidos, suas propriedades de ação e seus efeitos.
Imporão as mãos nos enfermos e estes SARARÃO."
Pela assistência e pelo concurso invisíveis dos bons Espíritos, que podem, conforme aos casos, usar dos fluidos purificadores, regeneradores, ou fortificantes, apropriados à cura instantânea. Por efeito da vontade do homem e mediante a imposição das mãos, o magnetismo humano atua, sob a influência e a ação oculta do magnetismo espiritual.
Eram de atualidade essas palavras de Jesus (Marcos, vv. 17 e 18), ou, pelo menos, alcançavam um futuro então próximo e se cumpriram. Dão disso testemunho os Atos dos Apóstolos.48
Eram e ainda são palavras de futuro, pois que os fatos de que os apóstolos foram os autores se reproduzirão, a seu tempo, entre vós. 525
49 Atos dos Apóstolos, cap. I, v. 9.
Jesus se elevou para o céu e entrou numa nuvem que o ocultou às vistas deles.49
Jesus se elevou na imensidade do espaço, privando o seu corpo fluídico da tangibilidade, mas conservando-o sempre visível. Quando desapareceu na nuvem que, sob a ação espírita, se formara de fluidos opacos e que o ocultou às vistas dos que presenciavam o fato, ele restituiu às regiões donde os tirara os fluidos que eram os elementos, os princípios componentes daquele corpo de natureza perispirítica, visível e tangível sob a aparência do corpo humano e que constituía a sua vida segundo o modo de ver dos homens, corpo que, para estes, era material e que lhe servira a ele para desempenhar na Terra a sua missão superior.
"Elevou-se assim para o céu, onde está sentado à direita da majestade de Deus."
Deveis compreender que o lugar ocupado por Jesus não é o que os homens lhe designaram para permanecer inerte na eternidade. A direita, aqui, indica o lugar de honra, de acordo com as vossas idéias humanas. Encarregado do vosso desenvolvimento e do vosso progresso, Jesus continua, como um dos primeiros ministros de Deus, a desempenhar na imensidade a sua missão de protetor e governador do vosso planeta, tendo por objetivo a depuração e transformação deste e da humanidade que o habita.
Depois de haver, como já o explicamos, levado o globo terráqueo do estado fluídico incandescente ao período material que ainda está atravessando, ele baixou à Terra com o corpo fluídico, apto a longa tangibilidade, de harmonia com a sua natureza espiritual, mas também relativamente harmônico com o vosso planeta.
Conforme prometeu e predisse e o disseram aos discípulos "os dois homens vestidos de branco que 526
50 Atos dos Apóstolos, cap. I, vv. 10-11.
repentinamente se apresentaram diante deles"50 (1), isto é: os dois Espíritos superiores que lhes foram enviados, Jesus virá de novo à Terra, descendo do céu da mesma forma que os discípulos o viram para lá subir: no estado espírita; "descendo do céu sobre nuvens”, mas, dessa vez, “com grande majestade”: — em todo o seu fulgor espírita. Isso se dará quando houver levado o planeta e a humanidade terrenos (como também já vos explicamos) do período material ao extremo limite do período fluídico puro, quando estiverdes perto de atingir a perfeição. Tendo-se tornado verdadeiramente “o seu reino”, o planeta em que habitais será levado por ele para as regiões dos fluidos puros, onde ficará constituindo “um dos reinos do pai", aos quais só têm acesso os puros Espíritos, que só eles os podem habitar.
Fim dos três primeiros Evangelhos
NOTA DA EDITORA — Convém ver — João, XXI, 1:25.