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Ernesto Bozzano
Em defesa da Alma
William Turner
A passagem de São Gotardo, na Suíça
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Conteúdo resumido
O espírito humano contribui para construir a Grande Síntese Divina, conservando intacta sua própria individualidade psíquica, do mesmo modo que os milhares e milhares de células que, constituindo o organismo humano, contribuem para criá-lo, guardando integralmente sua individualidade própria.
Sumário
Em defesa da alma
Em defesa da alma
O espírito humano contribui para construir a Grande Síntese Divina, conservando intacta sua própria individualidade psíquica, do mesmo modo que milhares e milhares de células que, constituído o organismo humano contribuem para criá-lo, guardando integralmente sua individualidade própria.
Na serena e interessante discussão pró ou contra a sobrevivência da alma, que foi desenvolvida pelo professor Charles Richet e o professar Oliver Lodge (Procedings of the S.P.K, 1924), o primeiro deles conclui assim sua argumentação em sentido contrário:
O antropomorfismo dos espíritas é de análoga natureza. A verdade que existe sobe o véu misterioso que no-la oculta deve ser muito mais nobre que a velha idéia do que faria consistir na prolongação bem além do túmulo, de nossa miserável intelectualidade. (1)
1 – Advirto que o sublinhado é do professor Richet.
Em outro artigo polêmico que apareceu no Journal of the American S.P.R. (1923, pág. 472) Dr. Richet
observa também:
É uma coisa bastante miserável prolongar para alem do túmulo a pobre existência intelectual que nos anima durante a vida; sequer é atrativo.
Por sua parte, o Dr. H. Jaworshi, em Psychica, observa sobre o mesmo tema:
O grande erro da estreita hipótese espírita e querer prolongar no Além a ilusão de nossa individualidade, de nosso pequeno eu que, embora necessário para ação, é em si mesmo um peso e uma limitação...(1921, pág. 146). O eu é uma prisão, um peso, uma inferioridade tal que sua prolongação no Além não pode ser senão uma queda total. Em minha opinião, não somente os espíritos não existem, senão que podem existir, porque isso seria querer admitir a persistência de uma sensação ilusória como a da imobilidade da terra.
Passemos agora ao Dr. William Mackenzie, que na revista Luce e Ombra (1924, pág. 345) assim se expressa:
Mas, para um grande número de “metapsiquistas”, e justamente esta ciência do supranormal o que constitui a “ciência espiritualista” por excelência. Toca grosseira de idéias que materializa e rebaixa ao “Espírito” até fazer dele “os espíritos” e se imagina falar nessas pobres larvas a “razão da vida” e das coisas! Eu me oponho sempre a esta troca ilegítima, mas (tal como já provei de nada serve opor-se aos impulsos afetivos profundos do espírito humano. O “eu” tão importante dos “metapsiquistas” em questão não pode admitir que um edifício cósmico grandioso, ou seja, físico-psíquico-espiritual, possa subsistir sem que justamente este minúsculo (perdão: este importante) “Eu tenha que sobreviver eternamente – somente ele entre todas as partes caducas do eterno universo! – ou talvez todavia ligado ao seu fiel corpinho “astral”. E por isso, só por isso, deteria a verdade “razão” da vida!
Nesta profissão de fé do Dr. Mackenzie nota-se uma mescla regularmente retorcida e enigmática de materialismo-espiritualismo-panteísmo, o que faz com que não se possa dizer com certeza no que é que acredita realmente o autor. Em todo caso, condena claramente a existência e a sobrevivência da alma, do mesmo modo que impugnam o professor Richet e Dr. Jaworski, aos quais se une, por outro lado, para denegrir nossa intelectualidade humana, que eles consideram, os três, miserável a um grau tal que não poderia deixar de julgar impossível e absurda sua sobrevivência a morte do corpo.
Pois bem, não seria inútil recordar que um grande número de individualidades humanas tem sabido elevar-se as mais sublimes alturas do pensamento. Basta-me-á citar Sócrates, Platão, Pitágoras, Spinoza, Kant, Hegel, Herbert Spencer, nos domínios da filosofia; Dante, Shakespeare, Goethe, Victor Hugo, nas obras literárias Michelangelo, Rafael, Rubens, nas artes representativas: Wagner, Beethoven, Chopin, Rossini, Verdi, Gounod, na arte musical; Galileu, Newton na ciência, na ciência; Bruto Menor, Jorge Washington, Mazzini, entre os grandes caracteres; um São Francisco de Assis, um São Vicente de Paulo, na esfera do amor universal. Parece-me que ante tanta profundidade de pensamento, tal esplendor de gênio, tal grandeza moral é injusto, é absurdo, é quase um delito cobrir de vitupérios a individualidade pensante.
Em segundo lugar, os que denigrem a intelectualidade humana parecem esquecer que a evolução biológica da espécie se desenvolve de um modo paralela à sua evolução psíquica, o que determina que ambas as formas de elevação simultânea do indivíduo através dos séculos nos levam necessariamente a prever a chegada de uma época na qual a espécie humana poderia ser considerada como literalmente divinizada em comparação com a humanidade embrionária atual. O mesmo professor Richet a reconheceu em um artigo magistral que publicou nos Annales des Sciences Psychiques (janeiro de 1905), onde escreveu:
Não e possível que a espécie humana venha a se extinguir dentro de cem mil anos; e então, o que será da inteligência humana? Quais serão seus recursos? Não podemos fazer uma idéia sequer aproximada. Sem dúvida, esse tempo chegará. E haverá homens! Existirá ciência! E nossa ciência de hoje será tão inferior a essa ciência de então, como os conhecimentos de um chipanzé são inferiores aos de um doutor em ciência. (Pág 21)
Nestas condições, é natural que façamos notar o seguinte: posto que se reconhece o esplendido porvir que espera a humanidade pensante, porque não lhe conceder o tempo necessário para alcançar seu objetivo tão glorioso? Por que maldizer em seu embrião o anjo do futuro? É razoável?
Isto, do ponto de vista da evolução psíquica na meio terrestre. Se se quiser aplicar a mesma lei evolutiva à sublimação espiritual da individualidade pensante desencarnada será necessário inferir que ela está destinada a alcançar os cumes supremos da perfeição divina. Eu repito, pois, aos nossos opositores: concedei ao espírito humano tempo para evoluir; honrai em lugar de denegrir, a individualidade pensante humana, na qual se revelam em potência as faculdades de um arcanjo. Reconhecei, em suma, que vosso raciocínio, que pretende seja o espírito humano indigno de sobreviver à morte do corpo porque não é um anjo, equivale ao raciocínio de quem negasse o direito à vida ao embrião, com o errôneo pretexto de que não é um homem.
Por outro lado, a grandeza e o valor do espírito humano, nas suas relações com o universo podem ser demonstrados pelos métodos científicos de análise comparada. De fato, deve-se reconhecer que assim como o átomo, último elemento da matéria cósmica, constitui, apesar de sua pequenez infinita, a unidade fundamental com a qual foi criado o universo físico, assim também o espírito humano individualizado, átomo da Consciência Cósmica, representa a unidade fundamental com que foi criado o universo espiritual. Pode-se argumentar que a ciência prova que, em última análise, dois únicos elementos existem no universo: força e matéria, que se pode reduzir, por sua vez, a esta fórmula mais profunda ainda: Espírito e Átomo.
O espírito humano individualizado teria, pois, no campo do universo psíquico esse valor fundamental que o átomo representa no universo físico. O que é o mesmo afirma que, se é verdade que o espírito humano, igual ao átomo, parece infinitamente insignificante frente a grandeza incomensurável da Síntese Psíquica, que preenche por si mesma o universo, ou seja, Deus, não é menos verdade que constitui o elemento fundamental da Síntese psíquica Infinita; tal como átomo constitui o elemento fundamental da Síntese Física Universal, que é seu complemento.
Assim sendo, deveremos afirmar que como o átomo físico contribui para criar o universo da matéria em todas as suas manifestações múltiplas, combinando-se apenas em agregado atômico quantitativamente distintos, sem deixar de conservar intacta sua individualidade, da mesma forma o átomo espiritual, ou seja, o espírito humano contribui para constituir as inúmeras hierarquias compreendidas na Grande Síntese Psíquica Infinita, pólo simples fato de agregar-se a outras unidades espirituais que tenham afinidade com ele, sem deixar de conservar intacta sua individualidade psíquica
Se quiséssemos recorrer a uma comparação poderíamos dizer que o espírito humano concorre para constituir a Grande Síntese Divina, conservando intacta sua própria individualidade psíquica, do mesmo modo que as milhares e milhares de células que constituem o organismo humano concorrem para criá-lo, guardando sempre integralmente sua individualidade própria. Já o disse em outro livro: tudo converge para demonstrar que o Microcosmo-Homem, síntese suprema polizóico-polipsíquica no domínio do Relativismo correspondente ao Macrocosmo-Deus, síntese transcendental polipsíquica e Uma, eterna, incorruptível, infinita, no domínio do absoluto.
O professor Oliver Lodge sustenta o mesmo conceito filosófico, ilustrando também com uma analogia tomada do organismo humano, observando:
Como deveremos, então, conceber a Divindade? A este respeito, a analogia do corpo humano em suas relações com os glóbulos brancos do sangue é muito instrutiva. Cada um desses glóbulos é um ser vivo, provido dos poderes de locomoção e de assimilação e, sob certas condições que estão sendo estudadas atualmente, também de reprodução por divisão. Os glóbulos brancos cumprem funções importantíssima para nós, constituem uma parte essencial de nossa própria existência. Nossa saúde e o serviço de "segurança pública" do organismo dependem, sobretudo, de sua atividade como "fagócitos".
Agora, suponhamos que um desses glóbulos brancos estivesse dotado de inteligência e perguntemo-nos que concepção formaria do universo. Sem dúvida que, em primeiro lugar, ver-se-ia inclinado a observar o meio em que se acha e meditar sobre as inumeráveis ramificações de canais onde passa sua vida e as aventuras que sucedem no curso de suas viagens. E se tivesse tendência filosófica, ver-se-ia levado a especular sobre a existência de um Ser misterioso do qual provavelmente forma parte ele mesmo, assim como toda a raça de seus semelhantes; sem dúvida algumas, uma espécie de divindade imanente, da qual eles constituiriam as unidades elementares, um Ser que compreende em si mesmo tudo quanto existe, ou melhor dito, tudo o que eles conseguem conceber, um Ser para cuja existência contribuíram e a cujos os fins serviram e compartilharam. O glóbulo branco pensante poderia chegar até aqui legitimamente em suas especulações e até aqui estaria a verdade. Mas se pretendesse ir mais longe, se com a audácia entrasse no campo das negações, sustentando que o aspecto imanente do universo onde vivem, movimentam-se e existem seus semelhantes é o único aspecto do universo e que fora de sua espécie de seres vivos não existem outras criaturas, outras formas de sensibilidade, outro métodos de locomoção, outras inteligências e outras finalidades, então cairia em enorme erro. Um ser semelhante acharia na impossibilidade absoluta de formar uma idéia qualquer sobre as múltiplas finalidades e das atividades tão diversas da personalidade “Homem”, que ele contribuiu para criar. E ainda menos do universo tal como se manifesta ao homem, mesmo quando este, por sua vez, não seja senão uma parte insignificante do universo.
Todas as analogias padecem de algum defeito, mas nem por isso são menos úteis e a analogia que acabo de expor contribui muito para iluminar-nos. Efetivamente, nós formamos também parte integrante dessas mesmas atividades que operam o bem e o mal; como os glóbulos brancos, temos a faculdade de ser úteis, de remediar ou de piorar, nos limites de nossa atividade. Apesar de nossa insignificância, pede-se nos nosso concurso; somos a este respeito tão necessários como o é para nosso organismo o concurso desses humildes glóbulos brancos, que contribuem para mantê-lo com boa saúde, ajudando-o a vencer as doenças que o ameaçam. Em resumo: nos somos os "glóbulos brancos" do Cosmo e formamos parte integrante de uma Divindade imanente, para cujas finalidades servimos também. (Raymond, pág. 385 e 386.)
O professor William Barret compartilha deste ponto de vista escrevendo:
Haveria de concluir que o grande objetivo da vida é, de um lado, a edificação, a consolidação e a perpetuação de nossa personalidade separada e bem distinta, e por outro lado, o despertamento e desenvolvimento, em cada uma das consciências individualizadas, de uma Unidade interior que une todas as personalidades distintas a uma Personalidade Sintética mais vasta na qual “vivemos, nos movemos e existimos”. Em outras palavras: haveria de chegar a conclusão de que constituímos todos uma parte integrante de um Organismo Único e que todos somos membros dele. (On the thresbold of the Unseen, pág 251).
Poderiam objetar que essas idéias não são em suma mais que conceitos filosóficos. Sim, mas trata-se indubitavelmente de especulações filosóficas racionais e legítimas, fundadas no critério da analogia. De qualquer modo, não deixam de ser suscetíveis de alcançar seu objetivo, que é, especialmente, neutralizar especulação filosófica, infinitamente menos legítima, porque não esta de acordo com os resultados da analogia: a empregada pelo doutor Mackenzie para justificar filosoficamente sua opinião, sobre a extinção final do espírito humano!
Disto isto, e voltando ao tema essencial deste trabalho, concluo observando que de qualquer forma as negações categóricas da sobrevivência da alma e a terminologia denegridora do espírito humano são absolutamente vãs e inúteis do ponto de vista científico, de conformidade com a qual nada pode servir para a solução de um grande problema fora das induções e deduções sacadas dos fatos. Nesta ordem de idéias, é certo que se as investigações metapsíquicas levam algum dia à demonstração experimental da sobrevivência do espírito humano, os adversários mais intransigentes terão de aceitar esse veredicto inapelável pronunciados pelos fatos e, conseqüentemente, não poderão deixar de sentir-se confundidos e humilhados pelos imprudentes qualitativos que hoje empregam. Pois bem, a chegada desse dia é não apenas certa para todos os que examinaram os fenômenos mediúnicos sem nenhuma idéia preconcebida de escola, mas também - podemos afirmar - iminente. Entre os fatos que permitem esperá-lo já, pode-se citar a publicação recente na Inglaterra de um livro no qual se acham expostas manifestações mediúnicas de tal maneira decisivas que elevemos chegar à conclusão de que perseverando nesta ordem de investigações se conseguirá estabelecer rapidamente uma base científica inquebrantável para a hipótese espírita.(1)
1 – As pesquisas desenvolvidas por Joseph Banks Rhine, na Universidade de Duke, Estados Unidos, que deram origem a moderna parapsicologia, comprovam as esperanças de autor.
Assim, pois, se não se duvida de que os fatos podem resolver o formidável enigma, coisa que não conseguiram jamais as divagações mais ou menos absurdas sobre a miserável pequenez do espírito humano, o melhor que podemos fazer é expor e comentar algumas das experiências a que nos referimos, que darão um tema de profundas meditações aos nossos contraditores.
As experiências a que acabo de aludir se acham no livro que leva por título: "Twards the Stars", devido à pena do conhecido escritor inglês Denis Bradley, autor que tem se destacado pelo caráter orgulhoso e indomável que ressalta de todos os seus escritos e lhe dá um selo completamente característico. Deduz-se desta obra que o Senhor Bradley não tinha nenhuma intenção de se consagrar às investigações metapsíquicas, às quais foi levado por uma simples coincidência.
Havia ele ido a Nova Iorque para tratar de negócios e um de seus amigos o convidou para ir a sua vila Arlena Towers, localidade situada nos arredores daquela cidade. Esse amigo, de origem russa, chamado José de Wyckoff, ocupava-se com experiências mediúnicas e propôs ao seu hóspede que assistisse uma sessão. O Senhor Bradley aceitou de bom grado, embora a título de passatempo e o Senhor Wyckoff telegrafou a um médium chamado Jorge Valiantine, convidando-o a ir à sua casa durante uma semana. Heis como o Senhor Bradley descreve o mediam:
Não me havia encontrado jamais com um médium nem falso nem autêntico; a presença de Valiantine me interessou, não porque acreditasse que ele poderia me ser útil de alguma forma, mas apenas como "tipo". Tinha o aspecto de um desses americanos provincianos habituais, desprovidos de rasgos característicos da personalidade; era sensível e correto, seja pessoalmente seja em seus pensamentos. Observei que era incapaz de expressar-se com desenvoltura; não demorei em descobrir, por outro lado, que não havia feito nenhum estudo regular nem havia lido muito. Não observei nele nada que fosse suspeitoso: nem conversas evasivas, nem perguntas habilmente construídas, sequer falsas amabilidades confidenciais, todos esses detalhes que diferenciam os charlatães e os vigaristas. O tom de sua voz era corrente, de acento agradável, embora denunciasse o provinciano americano. Não entrei em todos esses detalhes senão porque se revestem de grande valor em relação ao que eu contar.
Dada a importância das manifestações obtidas por Bradley e útil ajuntar algumas outras referencias sobre médium Jorge Valiantine. É um homem de uns 50 anos e tem uma pequena indústria bem encaminhada que lhe proporciona o necessário para viver. Até a idade de 43 anos não se havia ocupado jamais ele espiritismo e ignorava que possuísse faculdades medianímicas, embora entre os seus ascendentes tenha indivíduos dotados de lucidez e de automatismo no desenho.
Ocorreu-lhe uma vez quando dormia em um hotel, ouvir soar fortemente três golpes na porta de seu quarto. Acendeu a luz e abriu a porta, mas nada viu. Tornou-se a deitar mas, de imediato outros três golpes soaram na parede que separava seu quarto do corredor. Apressou-se em abrir novamente a porta, mas nada encontrando chamou o rapaz do hotel, que veio e assegurou que ninguém havia passado pelo corredor. quando regressou a sua casa, falou Valiantine sobre este curioso incidente em presença de uma senhora que se ocupava de investigações medianímicas e insistiu com ele para improvisar em seguida uma sessão, com sua mulher e ela mesma. Ele aceitou; rápido, através de golpes dados no interior da mesa, manifestou-se o espírito de um de seus parentes mais próximos, que lhe aconselhou a continuar as sessões e construir uma espécie de megafone, anunciando-lhe que poderia chegar a ser um poderoso médium de "voz direta". O que, de fato, aconteceu.
Passo agora a resumir alguns episódios sucedidos no curso das primeiras sessões assistidas pelo Senhor Bradley. Na primeira estavam presentes o Senhor Wyckoff, seu sobrinho José Dasher, o Sr. Denis Bradley e o médium.
O Senhor Wyckoff colocou duas bandagens luminosas ao redor das munhecas do médium com a finalidade de perceber seus movimentos no escuro. Os experimentadores se sentaram formando um círculo, a uma distância de cinco pés (por volta de um metro e meio) um do outro. No centro foram colocadas duas buzinas de alumínio, de bordas luminosas.
Passaram-se uns vinte minutos sem nenhuma manifestação; o Senhor Bradley começava a aborrecer-se bastante e experimentava um certo sentimento de mal estar por causa da situação em que se encontrava e que considerava ridícula para uma pessoa séria, quando, sem nenhum aviso prévio, produziu-se a primeira manifestação. Bradley a narra da seguinte forma:
De repente se fez um silêncio profundo e, de uma maneira fulminante, tive a sensação da presença na sala de uma "quinta" pessoa. Imediatamente depois, ouviu-se uma gentil voz de mulher que me chamou por meu nome; era uma voz vibrante, que soava a uns três pés a minha direita. Eu permanecia frio, tranqüilo, observador impassível. Não respondi ao chamado senão comum monossílabo: “sim”. Então, meu nome foi pronunciado duas vezes, mas com uma tonalidade cada vez mais vibrante de emoção, como se quem falasse se visse oprimido pela alegria de voltar a ver um amigo adorado, depois de uma grande separação. Então repliquei: “Sim, sou eu de fato. Que deseja você? A voz disse: “Oh! Te quero sempre, te quero sempre!”. Estas palavras foram pronunciadas com uma expressão de ternura e beleza eletrizante. Eu havia ouvido as mesmas palavras pronunciadas por algumas das maiores atrizes do mundo, mas nunca as havia encontrado demonstrando transbordante efeito...Perguntei: “Diga-me quem é você. Diga-me o seu nome.” – “Annie”, responderam-me. Então compreendi; mas não havia sido vencido meu ceticismo; voltei a perguntar ; “Diga-me seu apelido”. E a voz replicou: “Sou Annie, tua irmã!”.
Então se estabeleceu uma grande e impressionante conversação entre nós, e não em voz baixa, mas em tom natural e claro, como entre duas pessoas que vivem neste mundo. Nossa conversa animada vibrava com uma extraordinária alegria, enquanto três testemunhas presentes a tudo escutavam. Nenhuma delas conhecia os acontecimentos de minha família e menos ainda podia saber que eu tivera uma irmã morta havia dez anos. Quando viva, tinha uma voz suave, que modulava com uma cativante doçura. Seu modo de falar era notado por sua elegância. Era, na verdade, uma purista na escolha das palavras. Não encontrei jamais uma mulher que falasse de modo tão selecionado. Pois bem, quando dez anos depois de sua morte se manifestou mediunicamente, expressou-se com a mesma maneira distinta de falar que lhe era peculiar na vida; cada sílaba que pronunciada se caracterizava por essas particularidades inimitáveis de inflexão e de entonação que a distinguiam entre mil. Ficamos conversando assim durante um quarto de hora, sobre temas íntimos que só nós conhecíamos... Depois a interroguei acerca de sua vida espiritual e me respondeu que era literalmente feliz no maravilhoso ambiente em que vivia; mas, ao mesmo tempo, era ditosa naquele momento por ter conseguido achar o meio de falar-me. Falamos tão amplamente do que nos concernia que em certo momento nos demos conta de que éramos pouco discretos para com os outros assistentes que esperavam sua vez... Antes de separar-nos, perguntei-lhe se voltaria no dia seguinte à noite, o que me prometeu. Saudamos-nos pela última vez e, antes de partir, enviou-me ela um beijo sonoro que todos ouviram...
Havia eu assistido, naquele momento, ao maior sucesso de minha vida. Sem dúvida, desde que reconheci a voz de minha irmã tudo me pareceu extraordinariamente natural; desde o preciso momento em que acreditei supranormal se fez para mim natural e lógico. Toda dúvida se eclipsou ante uma prova semelhante. Meu espírito compreendeu subitamente que o que até então me parecia impossível era, pelo contrário, perfeitamente passível...
É ridícula qualquer suspeita de ventriloquia. Nada no mundo poderia imitar a voz límpida, clara, suave, que me falava. Ninguém no mundo poderia falar-me com os detalhes característicos que eram próprios de Annie, com seu acento pessoal, com a extraordinária pureza de linguagem que a distinguia enquanto viveu e, enfim, demonstrar um conhecimento tão perfeito de todos os acontecimentos de um passado particular seu e meu...
Este é o episódio mediúnico que bastou para convencer ao Senhor Bradley, que reconhece que sua conversação era perfeitamente racional e justificada. Como quer que seja, não é inútil dizer que as posteriores manifestações da mesma personalidade mediúnica foram mais extraordinárias que a primeira, de tal modo que constituem um conjunto completo que se pode considerar efetivamente como decisivo, em sentida teórica, na demonstração científica da existência e sobrevivência do espírita humano. Em apoio do que afirmo, não será supérfluo citar a opinião de um eminente experimentador, acerca do valor teórico de certas manifestações mediúnicas por "voz direta".
O professor Gudmundur Hannesson, aa relatar suas próprias experiências com o médium islandês Indrid Indridason, observa a seguinte:
Alguns experimentadores afirmam ter ouvido falar vozes mediúnicas com uma tonalidade e um acento de tal maneira características que não cabia dúvida alguma do que a que falava era a era voz do defunto que se dizia presente. Claro está que se pudesse comprovar este fato de um modo indubitável, não haveria necessidade de buscar outras provas em apoio da hipótese espírita. Dada à gênese do fenômeno, assim como sua realidade objetiva, resultaria que a continuidade da vida depois da morte do corpo ficaria com isso definitivamente estabelecida. Devo declarar, não obstante, que, pelo que diz respeito à minha experiência pessoal, não pude comprovar nunca um caso desta natureza que pudesse considerar satisfatório. (American Journal of the S.P.A., 1924, pág. 265.)
Parece evidente que se pudesse comprovar o fenômeno de uma "voz direta" falando com o tom e as inflexões de voz que eram peculiares da morta que se diz achar presente, este fenômeno equivaleria, então, a uma prova de identificação pessoal tão patente e incontestável que não seria precisa pedir nada melhor em apoio da hipótese espírita. Pois bem, se é assim, que se deveria dizer nas circunstâncias que acabamos de citar, em que a personalidade comunicante não só se expressou constantemente com as características inimitáveis de entonação e inflexões vocais que a distinguiam na vida, senão também que conversou com a mesma maneira de falar seleta e elegante, que enquanto vivia a diferenciava entre mil e falou sobre assuntos familiares íntimos que somente conheciam o Senhor Bradley e ela? Se a prova de identificação pessoal por meio da "voz direta" é suficiente para dar validade à hipótese espírita, esta confirmação foi alcançada e ultrapassada no caso de que nós ocupamos, já que a prova em questão se acha nele completa por todos os detalhes acessórios, de maneira que pode satisfazer todas as exigências da investigação científica. E, no momento, tomemos nota de tudo isto, enquanto prosseguiríamos ocupando-se de depor fatos, porque nas experiências de Bradley se acham provas mais decisivas que a transcritas atrás.
Depois que Annie se retirou, manifestaram-se sucessivamente outras cinco entidades espirituais e cada uma delas se expressou com um tom de voz e um acento distintos das demais. Vou assinalar, entre elas, o espírito de um ministro protestante cujo falecimento acontecera há alguns dias, sem que o supusesse nenhum dos presentes e que proporcionou excelentes provas de sua identidade pessoal.
A propósito dessas manifestações o Senhor Bradley anota:
As vozes ressoavam por todas as partes, dentro da casa. Às vezes vinham do teto ou dos mais distantes pontos do quarto. Outras vezes ressoavam a vinte pés de distância do médium, pelo que seria absurdo falar de ventríloqua... De outra parte, uma circunstância basta para descartar definitivamente esta hipótese: amiúde Valiantine falava ao mesmo tempo em que as “vozes” espírita.
A segunda sessão foi ainda mais extraordinária que a primeira. Um dos experimentadores, Joseph Dasher, havia regressado a N.I. e para substituí-lo o Senhor Wyckoff propôs que tomassem parte na sessão sua cozinha e o ajudante da cozinha, com o fim de ver se produzia algo novo. A cozinheira era espanhola e fazia apenas alguns meses que estava nos Estados Unidos; ignorava o inglês.
Assim que a sessão começou, ouviu-se a voz de um dos "espíritos guias" do médium, que dirigiu umas frases de saudação a Bradley. Depois, falando a todos em geral, anunciou a presença de vários espíritos que desejavam comunicar-se com os assistentes.
Logo, manifestou-se Annie e a conversação com seu irmão, que se prolongou por mais de vinte minutos, foi mais extraordinária, mais maravilhosa e impressionante que a primeira vez; mas, renuncio a resumi-la, pois hei delimitar-me a expor incidentes que constituam provas diversas de identificação pessoal. Passo, pois, a transcrever a manifestação que se refere à cozinheira Anita Ripoll. Eis aqui como a descreve o Senhor Bradley:
O que se seguiu me deixou estupefato. Quando a buzina tocou em Anita Ripoll, esta deu um grito. Então, uma voz saiu da buzina, repetindo com acento emocionado: “Anita, Anita!” – Ela respondeu: “Sim, sim!” – E a voz, falando em espanhol, aduziu: “Sou eu, sou eu quem está aqui” – A cozinheira cheia de alegria, exclamou então! “É ele! É Jose e José!” – Era o espírito de seu marido. Entabulou-se então uma conversa animada, volúvel, agitada, em língua espanhola, entre a mulher e seu marido falecido. Eu não podia segui-la porque não sei o espanhol, mas todos podíamos compreender os sentimentos que se expressavam. O Senhor Wyckoff seguia o diálogo sem perder palavra e em certo momento se misturou a conversa falando espanhol; Em seguida, Anita e José trocaram de linguagem e começaram a falar em seu dialeto, uma derivação do basco segundo soubemos depois.. De vez em quando José se dirigia ao Senhor Wyckoff em espanhol e continuava logo falando com Anita em seu jargão, incompreensível para todo mundo. A conversa continuou assim durante dez ou dois minutos, nos quais estas almas sensíveis esgotaram provavelmente quanto unham de se dizer...
Tal é a parte substancial do episódio, cujo alto valor teórico em favor da interpretação espírita dos fatos não escapará a ninguém.
Nas sessões que o Senhor Bradley realizou posteriormente em Londres, com o mesmo médium, produziram-se outras conversações mediúnicas análogas as que acabamos de expor, em línguas e dialetos que o médium ignorava e, especialmente, um diálogo em língua italiana (com o senador Marconi, inventor da telegrafia sem fios), outra em alemão, dois em russo, outro em dialeto gaulês. Limitar-me-ei a citar este último incidente que é teoricamente tão fascinante e probatório como o que me referi mais atrás.
A décima quarta das sessões a que aludimos, assistia, entre outros, um novelista e artista dramático conhecido, o Senhor Carador Evans, nascido no País de Gales. Em um dado momento, uma "voz" que o Senhor Carador mesmo descreve como surgindo do solo, entre seus pés, colocou-se frente a ele e lhe dirigiu a palavra. Eis aqui a primeira parte do diálogo que então começou:
Carador Evans - Tens algo a me dizer?
voz - Sim.
Carador Evans - Quem és?
A voz - Teu pai.
Carador Evans - Tu, meu pai? Não é possível? Como soubeste que eu estava aqui? Quem te disse?
A voz - Soube-o por Eduardo Wright.
Carador Evans - Bem, escuta, se tu és meu pai, siaradunch a fy ddweyd (fala-me em nosso dialeto).
A voz - Beth i chwi am i fy ddeyd? (Diga-me o que é que queres que te fale?).
E este extraordinário diálogo, mantido em um dialeto muito difícil e incompreensível até para os ingleses, prosseguia no mesmo tom de interrogatório judicial. O cético Carador perguntou ao espírito que se comunicava quais eram seus nomes e apelidos; depois, que lhe indicasse em que país havia falecido; logo, que descrevesse a casa que havia habitado na vida e a paisagem que a rodeava etc. E o espírito respondia rápida, minuciosa e veridicamente de tal modo que o ceticismo do perguntador acabou por desaparecer.
Que provas melhores que esta podem desejar em favor da interpretação espírita dos fatos? Não será, pois, ocioso que nos detenhamos a analisar mais profundamente seu valor teórico?
O malogrado Dr. Geley, que estava convencido dos fundamentos da idéia espírita, julgou que devia fazer aos contraditores algumas concessões teóricas importantes que, na realidade, não tinha nenhuma razão de fazer. Admitiu que, como hipótese, se postula a existência de uma "criptestesia omnisciente", que não ignorasse nada de quanto já aconteceu no passado, nem de quanto acontece no presente, então a hipótese espírita se faz supérflua, posto que já não seria necessária para explicar os casos de identificação pessoal de defuntos. Alude que, em todo casa, em semelhantes circunstâncias, já não seria passível distinguir os casos verossímeis espíritas daqueles que não o são. Pois bem, estas concepções devem ser anuladas, posto que os fatos as contradizem. Existem categorias de manifestações mediúnicas que de nenhum modo poderiam se explicar pela "criptestesia omnisciente", quer dizer, que não poderiam se explicar nem ainda postulando a existência nos médiuns de uma percepção supranormal completa das mais pequenas e insignificantes vicissitudes presentes e passadas de todos aos indivíduos que hajam vivido e vivam neste mundo; entre as categorias de fatos que resistem a esta prova está a que ocupa maior a mesma atenção. De fato como aplicar com a hipótese aludida os casos de personalidades de mortos que falam por "voz direta" na língua e no dialeto ignorados pelo médium e pelos assistentes?
A “criptestesia”, ou seja a “clarividência” pode somente explicar o fato de um médium que compreendeste todas as línguas, todos os dialetos em que lhes falassem, porque neste caso se pode observar, e não sem razão, que o médium clarividente não compreende palavras, senão que lê no cérebro do consultante o pensamento que este expressa com palavras. O pensamento, em sua modalidade psico-física de "estado vibratório" da substância cerebral (ou do "perispírito") deve ser idêntico, naturalmente, em todas as personalidades pensantes, fora de toda relação com a língua que a individualidade pensante utiliza para traduzi-lo ao exterior. Resulta disso que esse fenômeno é suscetível de explicar-se inteiramente pela lucidez do médium, sem que seja preciso recorrer a outra hipótese. Mas a coisa é totalmente distinta quando se trata de um médium e, menor ainda, de uma "voz direta" independente do médium - que conversa longamente com o experimentador na língua ou no dialeto deste, que o médium ignora. Efetivamente, se para compreender uma língua não é necessário que o médium a conheça, posto que lhe basta perceber o pensamento do agente, o mesmo não acontece quando se trata de falar uma língua; aí é absolutamente necessário ao médium conhecer a língua, posto que a "clarividência" é impotente para torná-las conhecida; e esta impotência deriva do fato de que a estrutura orgânica de uma língua é uma abstração pura, que não se pode ver nem perceber no cérebro dos demais.
Não se poderia sustentar o contrario sem admitir que o médium, graças a sua própria lucidez, é capaz de aprender de repente o valor de todos os vocábulos de uma língua, assim como todas as regras gramaticais para agrupá-los, dispô-los e coordená-los em frases racionais; variá-los segundo o gênero, número, declinação e conjugação e, enfim, que é capaz ele aprender instantaneamente a fonética especial de cada palavra, o acento característico de cada língua, de cada dialeto, as inumeráveis alocuções e idiomatismos que constituem o "fermento vivente" de cada idioma. Isto é possível? Eu não posso imaginar que se achem contraditores que, com o fim de evitar outra explicação sensível e natural que se deduz espontaneamente dos fatos, se atrevam a sustentar uma tese extravagante e absurda.
Em conclusão: os casos em que as personalidades mediúnicas falam em línguas que o médium ignora e conversam por "voz direta" não podem ser explicados de outra maneira que não seja recorrendo a hipótese espírita, ou seja, reconhecendo que as personalidades mediúnicas que se manifestam são efetivamente do espíritos dos mortos que afirmam estarem presentes.
Por conseguinte, devemos convir que o Dr. Geley foi excessivas concessões aos contraditores, concessões que devem se ser consideradas nulas e inexistentes, posto que carecem de fundamento e são contraditadas pelos fatos.
De outro ponto de vista, quero fazer outra pergunta a certos contraditores que nunca perdem ocasião de proclamar que os defensores da hipótese espírita fundam suas inferências em circunstâncias de fato puramente supostas, mas que não são, na realidade, senão atos de fé. Eu quero perguntar-lhes se as conseqüências deduzidas de episódios como os que expusemos, nos quais as personalidades dos mortos se expressam em voz alta, com o tom, as inflexões, de acento que as caracterizavam em vida e se expressam em seu dialeto, que o médium ignora, conversando sobre acontecimentos íntimos de sua existência terrestre, quero perguntar-lhes se as conseqüências deduzidas de tais incidentes, repito, devem ser consideradas gratuitas, arbitrárias, semelhantes a um ato de fé, ou trata-se, pelo contrário, de conseqüências sensíveis, normais, evidentes rigorosamente lógicas, necessárias, cientificamente inquebrantáveis. Parece-me, em resumo, que neste debate deveriam inverter os valores representativos das partes adversas, colocando os acusadores no banco dos réus e vice-versa. Porque na verdade nossos contraditores é que se entregam aos atos de fé, alimentando a ilusão de que, para demonstrar quão bem fundamentada está sua tese, basta cunhar sonoros neologismos. Alucinados pelos preconceitos de escola, acusam aos demais de usar argumentações sofísticas, quando são eles mesmos os que as usam.
Para terminar com a tese que mantemos, recordaremos que não se pode explicar tão pouco com as hipóteses naturalistas (telepatia, clarividência, criptestesia), os casos de "aparições de defuntos no leito de morte", os de "telecinesia no momento e depois da morte", nem os de música transcendental no leito de morte e depois da morte". As razões pelas quais não se explicam com as mencionadas hipóteses me parecem de tal modo claras que é inútil expô-las aqui. De todo modo, remetemos os que desejam se informar sobre este assunto às monografias em que discuto as manifestações a que nos referimos.
Voltando ao nosso tema, dou-me conta perfeitamente de que para não ultrapassar os limites de um artigo, devo renunciar a outras citações das sessões do Senhor Bradley com o médium Valiantine, sem poder estender-me tão pouco sobre as outras sessões, notáveis por certo, que realizou com as médiuns Senhora Osborne Leonard, Senhora Esther-Smith e Sra. A.V.E., sessões nas quais se encontram incidentes tão extraordinários como os que citamos. No conjunto, as experiências do Senhor Bradley contêm uma nova série de casos de identificação espírita, muito superiores aos melhores obtidos com a Senhora Piper, sem excluir os famosos de "Georges Pelham" e de "Bennie Junot". Os caso mais extraordinários e completos da série são os de "Annie" e de WA. (este último era parente próximo do Senhor Bradley) nos quais as personalidades espirituais se manifestaram por três médiuns diferentes e a cada troca de médium repetiram ao Senhor Bradley o que haviam dito e feito anteriormente com auxílio de outros médiuns, com o fim de demonstrar sua identidade imutável, apesar da troca dos instrumentos de que se serviam para se comunicar. Destaque-se que quando se produziram os incidentes que relatamos e que são tão importantes teoricamente, o Senhor Bradley não era conhecido dos médiuns com os quais experimentava, aos quais se havia apresentado com nome falsa.
Surpreendeu-se, pois, vivamente quando comprovou que as mesmas personalidades espirituais se lhe manifestavam, aumentando ainda mais a surpreso quando as citadas personalidades lhe mostraram que se recordavam do que haviam dito e feito na América e em Londres por intermédio de outros médiuns.
Decido-me a citar ainda dois rápidos incidentes, que se prestam a importantes considerações.
A personalidade mediúnica de W.A. no curso de uma de suas primeiras manifestações por intermédio da mediam Senhora Osborne Leonard, recordou minuciosamente os acontecimentos últimos de sua própria existência terrena, com a fim de provar ao Senhor Bradley sua identidade pessoal. Depois de haver descrito os últimos instantes de sua vida, ela ajuntou: "Depois de meu falecimento, tenha tentado em várias ocasiões abrir as portas dos quartos... Ter-me-ás ouvido caminhar pela casa? Entre outras coisas, tenha tentado despertar a Mabel (a esposa de Bradley) abrindo as portas do quarto onde dormia, mas em seguida me arrependi, ao pensar que poderia assustar-se tornando-me por um ladrão". Eis aqui os comentários de Bradley:
Pouco depois do falecimento de W.A., minha senhora dormia no quarto contíguo ao que estava o, defunto. De repente, à noite, a porta de seu quarto se abriu de par em par. Minha esposa levantou-se da cama e a fechou com cuidado, mas pouco depois a porta se abriu novamente. Fechou-a de novo minha senhora, sacudindo-a fortemente para assegurar-se de que estava bem fechada. Ao voltar ao leito, deixou a luz acesa, pois a repetição do fato a havia posto um pouco nervosa. Mas, a porta se abriu novamente, pela terceira vez. Minha esposa ficou fortemente impressionada e teve de abrir mão de todo o seu orgulho para deixar a cama outra vez e ir fechar a porta (pág. 53).
Este incidente é interessante sob distintos pontos de vista. Em primeiro lugar, é importante por si mesmo, dado seus rasgos característicos de telecinesia em relação com os casos de morte, tendo se produzidos depois de uma morte, rasgos características que o tornam inexplicável sob qualquer hipótese naturalista das imaginadas até aqui para explicar os fenômenos mediúnicos, inclusive o da "criptestesia omnisciente". Em honra à exatidão, destaca que um contraditor de talento, o Sr. René Sudre, tem tentado resolver esta dificuldade explicando que nestes casos podia tratar-se de um impulso telepático que teria sido produzido no momento da morte, percebida subconscientemente por alguns dos assistentes e em seguida surgido da consciência de alguns destes, transformando-se e objetivando-se em fenômenos de "telecinesia". Como se pode ver, esta pretensa explicação, que representa o esforço supremo dos opositores em defesa de sua tese, não podia ser mais forçada, gratuita e complicada. E a contradizem também os fatos, como o já o provei ao Senhor Sudre num artigo publicada na "Revue Spirite" e no qual cita um caso em que o fenômeno telecinésico se produziu e se realizou de acordo com uma promessa feita pela pessoa quando vivia, iniciando-se três dias depois da morte e repetindo-se durante cinco dias consecutivos, até o momento em que o agente conseguiu cumprir integralmente o fenômeno prometido em vida, como prova de sua presença espiritual. E, preciso destacar que estas circunstâncias, em comparação a fantástica inverossimilhança, absolutamente gratuita da hipótese do Senhor Sudre, bastam para explicar sua tese do número das cientificamente legítimas. Não e, pois, coisa para se discutir agora.
Limito-me a repetir que incidentes como estes são inexplicáveis com as hipóteses naturalistas imaginadas até aqui para explicar os fenômenos mediúnicos, o que lhes confere uma grande importância teórica. No que diz respeito ao episódio em questão, é este tanto mais interessante e instrutivo quanto, e completa de um modo inesperado pelo fato de que o espírito do morto cujo cadáver jazia em seu leito de morte, naquela mesma casa, no momento em que o fenômeno se produziu, assegurou depois ser o autor, o que contribuiu admiravelmente para confirmar a tese que nós sustentamos.
Em segundo lugar, o episódio que nos ocupa é interessante também porque as manifestações de telecinesia, que se verificaram algumas horas depois da morte de W.A., são análogas às que se produzem nas "casas assombradas" (ruídos de passos que vão e vêm pela casa, portas que se abrem etc.) quando o espírito de W.A. explica havê-los provocado com o fim de assinalar a seus parentes sua presença espiritual, explicação que confirma o já temos confirmado em nossa obra sobre "Os fenômenos de encantamento", a propósito da vulgaridade de certas manifestações de "duendes", vulgaridade que, em nossa opinião, se explica pelo fato de que os espíritos dos mortos se manifestam como podem, não conseguindo sempre manifestar-se como querem. Pois bem, as explicações que espontaneamente proporcionou a personalidade mediúnica de W.A. confirmam nossa suposição, já que conduzem à conclusão de que a personalidade de que se trata, desejando assinalar aos que a rodeavam sua presença espiritual empregou o expediente de abrir uma porta e fazer ouvir os ruídos dos seus passos, porque não dispunha de outros meios para alcançar seus objetivos, ou seja, que se manifestou como pode e não como quis. Isto posto, logicamente se chega a outra conclusão de que os fenômenos desta natureza, tal como se produzem nas "casas dos duendes", não são de modo algum absurdos "e sem objetivo", como nossos opositores afirmam para inferir a origem subconsciente dos ditos fenômenos. Pelo contrario, colocando-nos do ponto de vista de quem os produz, são intencionais e racionais, porque revestem o valor de "sinais" por meio dos quais os mortos se esforçam por chamar a atenção dos vivos.
O incidente que acabamos de transcrever não é o único em seu gênero que se acha na obra de Bradley. Há outro análogo que o sucedeu durante o período de seus primeiros experimentos com Valiantine. Assim descreve as impressões que experimentou uma noite, tão logo se deitou:
Alguns segundos depois, percebi uma sensação especial. Sentia-me cada vez mais leve sobre a cama, como se alguém tentasse levantar meu corpo. Naturalmente, eu atribui o fato a um simples trabalho de minha imaginação.
Sem dúvida, a curiosa sensação persistia e eu a analisara intimamente, assombrado de que pudesse pensar um só instante que a coisa fosse real. E , não obstante, apesar de tudo, o movimento continuava acompanhado de um sentimento de ligeireza do corpo. A cama então começou a balançar suavemente; era como se se esforçassem em levantá-la um pouco do chão. Observei serenamente este movimento durante mais de cinco minutos. Tinha a sensação da "presença" de alguém no quarto, mas de alguém invisível aos meus olhos... (Pág. 22.)
É importante assinalar que o Senhor Bradley não falou a ninguém das singulares sensações que havia experimentado. No dia seguinte, organizou uma sessão com Valiantine durante a qual se manifestou "Annie", que disse, rindo, a seu irmão:
Á noite passada vim buscar-te enquanto estavas só. Tu não te deste conta, mas eu observei que minha presença te punha nervoso. Por que? Não te deves impressionar nunca com minha presença. Eu te quero eternamente e só desejava demonstrar-te que estava a teu lado.
Este segundo incidente é, em essência, idêntico ao primeiro, com a diferença, não obstante, de que o primeiro se identifica com as manifestações de "encantamento", enquanto o outro se parece mais com o que se chama "visitas de mortos". Mas, os dois derivam das mesmas causas e ambos são igualmente sugestivos e instrutivos. Com efeito, neste último exemplo vimos o fato de uma irmã falecida que, desejando assinalar ao seu irmão sua presença espiritual, emprega manifestações telecinésicas à sua volta, o que mostra bem claramente que de sua parte teve de se contentar em atingir o objetivo como pôde, já que não conseguiu como o queria.
Do ponto de vista que agora nos interessa fica, pois, plenamente demonstrado que os fenômenos de telecinesia no momento da morte e depois dela (quadros que caem, relógios que param, portas que se abrem, ruídos de passos na casa, objetos que trocam de lugar etc.) são efetivamente provocados pelos espíritos dos mortos, com o fim de assinalar a seus parentes sua presença espiritual. Por conseguinte, fica igualmente demonstrado que os fenômenos análogos que se produzem nas "casas assombradas", longe de serem "absurdos e sem objetivo" são, por sua vez, provocados por entidades espirituais com a mesma intenção de dar a conhecer sua presença no local. Isto é especialmente exato nos casos dos fenômenos de "encantamento" de caráter objetivo ou físico; os outros, de caráter subjetivo (geralmente de forma visual) podem ser explicados segundo os casos, pela hipótese telepático-espírita, quer dizer, que procederiam do pensamento do morto, dirigido com ansiosa persistência para o meio onde viveu e morreu tragicamente, determinando nos sensitivos que habitam a casa alucinações telepáticas verídicas, de seu próprio fantasma indo e vindo pela casa, tal como ele crê fazer nesse momento.
Paro aqui com as citações julgando haver proporcionado uma idéia mais que suficiente do valor teórico excepcional do livro do Sr. Dennis Bradley. Convido, pois, aos opositores da hipótese espírita a renunciarem aos seus argumentos relativos à pequenez miserável do espírito humano e a buscarem a obra citada com fim de submeter à análise imparcial e severa os principais casos de identificação espírita que nela são relatados, esforçando-se por aplicar todas as hipóteses naturalistas de que disponham ou inventando outras novas se as antigas são inferiores à tarefa que se vai cumprir. Estou convencido de que seus esforços não terão resultado positivo.
O Senhor Bradley termina seu livro com a seguinte frase:
Minhas investigações alcançaram uma conclusão: já não tenho necessidade de crer; agora sei.
Ou seja, todos os que lerem seu livro farão eco de suas palavras. Por isso penso que a situação estratégica de nossos contraditores fica cada vez mais desesperada.
FIM