Translate

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Cérebro e Pensamento-Ernesto Bozzano

 

Índice do Blog

www.autoresespiritasclassicos.com

Ernesto Bozzano

Cérebro e Pensamento

Traduzido do Francês

Cérebro y Pensamento

clip_image002

Camille Pissarro

Gelee blanche

Conteúdo resumido

Os casos de indivíduos que conservam sua inteligência apesar da destruição parcial ou total do cérebro conduzem, logicamente, a reconhecer a existência no homem de um espírito independente do organismo corporal, provido de um "corpo etéreo", sede da memória integral e das faculdades sensoriais supranormais.

Cérebro e Pensamento

Os casos de indivíduos que conservam sua inteligência apesar da destruição parcial ou total do cérebro conduzem, logicamente, a reconhecer a existência no homem de um espírito independente do organismo corporal, provido de um "corpo etéreo"; sede da memória integral e das faculdades sensoriais supranormais.

A teoria do "paralelismo psicofísico" sempre foi o maior obstáculo a impedir ainda hoje que alguns eminentes representantes da ciência oficial admitam a interpretação espiritualista dos fenômenos mediúnicos. Este obstáculo lhes parece, de fato, tão insuperável que se jogam a uma busca ansiosa e incessante de hipóteses sempre renovadas, cada vez mais audazes, a maior parte delas puramente verbais, por meio das quais se esforçam em conseguir a ilusão de uma interpretação naturalista das manifestações mediúnicas. Mas estas permanecem mais do que nunca refratárias a qualquer interpretação desta natureza.

Nestas condições, é preciso demonstrar a fisiólogos e psicólogos que a doutrina do "paralelismo psicofísico", encarada nos limites estritamente funcionais das relações que existem entre o cérebro e os estados de consciência, não apenas não está em contradição com a outra teoria da existência e supervivência do espírito humano, senão que, pelo contrário, deve acolher-se como legítima, indiscutível e irrefutável, inclusive pelos defensores da hipótese espírita.

Por outro lado, não vemos como poderia ser de outro modo. De fato, a teoria do "paralelismo psicofísico", tal como foi formulada pelos fisiólogos, não prejulga absolutamente as origens da atividade psíquica. Limita-se simplesmente a comprovar a existência da uma correlação incontestável entre os fenômenos psíquicos e as funções morfológicas do cérebro, constituindo um justo meio entre as doutrinas extremistas opostas do grosseiro materialismo filosófico, segundo o qual o cérebro é uma glândula que segrega o pensamento, e o idealismo puro que diz não existir nenhuma relação entre a atividade psíquica e as funções morfológicas correspondente do cérebro, o que é um absurdo, já que, em tal caso, o cérebro seria um órgão inútil.

Sabe-se que Taine, ao comenta a doutrina do “paralelismo psicofísico”, compara a dupla função - psíquica e física - do cérebro, como uma obra escrita em duas línguas: a original do autor, que representaria a função psíquica e outra, cujo texto consistiria em uma simples tradução do original e representaria a função física. Tal similidade, ao mesmo tempo em que é feliz e surpreendente, aclara as funções do cérebro sem prejulgar a questão da origem da atividade psíquica propriamente dita, mostrando o caminho a ser seguido para conciliar os partidários do “paralelismo psicofísico” com os defensores da espiritualidade da alma.

Falando de outra forma, e verdade que a razão de ser do cérebro, como órgão do pensamento, e que graças a ele vemos cumpri-se uma dupla função psíquica indispensável para que o espírito possa relacionar-se com o meio terrestre, ou seja: a função de "traduzir" as inumeráveis vibrações físicas do mundo exterior que chegam ao cérebro, pelos sentidos, em vibrações psíquicas perceptíveis para o espírito e, por outro lado, a função de "transmitir" à periferia as imagens psíquicas por meio das quais o espírito responde às vibrações específicas que chegam a ele do meio terrestre. Pois bem, é inevitável que estas funções do cérebro não possam realizar-se sem uma dispersão correlativa de energia nervosa, em perfeita equivalência com a natureza e intensidade das atividades psíquicas em função, o que está absolutamente de acordo com afirmações dos físicos.

Segue-se que a natureza das funções cerebrais, em relação com o "paralelismo psicofísico" e suscetível de interpretação de um modo muito diferente do que geralmente se adota nos ambientes universitários. Pedro Siciliani, o eminente filósofo italiano, em sua Psicogenia Moderna, sustenta a este respeito que o pensamento tem o dever de deter-se no umbral do "Realismo fenomênico", ou seja, deve limitar-se a afirmar a correlação indubitável, por uma lei de equivalência, entre as atividades opostas, morfológica e psíquica, no sentido de uma correspondência paralela e não de uma conversão absoluta. Reconhece deste modo a irredutibilidade de ambos os fatos. Essa afirmação é de uma sabedoria profunda. De fato, esta atitude de prudente reserva, combinada com uma negação taxativa do materialismo grosseiro que estava em voga em seus tempos, era a única em acordo com as condições do saber antes da intervenção das investigações metapsíquica que, ao revelar a existência de uma região psíquica insuspeitada até então, abria a rota para novas induções, novas deduções, novas sínteses, novas teorias capazes de conciliar os dois pólos do pensamento filosófico moderno.

Por sua vez, o professor William James, em sua monografia "The Immortality of Man", vai mais longe que Siciliani, especificando o que é, verossimilmente, a função real do cérebro no "paralelismo psicofísico". Lembra que podem ser admitidas três diferentes espécies de funções: a função produtiva (sustentada pelos materialistas), a função permissiva (por exemplo, a ação de disparar um fuzil, que determina a explosão da pólvora) e a função transmissiva (por exemplo, a de um prisma ou uma lente). Segundo William James, esta última é a função que compete ao cérebro. De acordo com esta teoria, a individualidade psíquica que utiliza o corpo é distinta do corpo, tanto quanto é distinta da luz o prisma que a refrata e decompõe em um espectro colorido. De maneira que os que afirmam que o cérebro cumpre a função de produção do pensamento, poderiam ser comparados aos que sustentaram que o prisma produz a luz. Em apoio a sua tese, o professor James expõe vários fatos fisiológicos e psicológicos incompatíveis com qualquer outra explicação.

De minha parte, expus recentemente uma teoria complementar da que acaba de ser lida, que supõe uma dupla função do cérebro: em primeiro lugar, a de tradução e, depois, a de transmissão. Ou seja, as vibrações específicas que chegam ao cérebro do mundo exterior, por meio dos sentidos, traduzem-se nele nos termos sensório-psíquicos, perceptíveis pelo espírito (um espírito que não pode perceber as vibrações físicas); o resultado é um estado de consciência a que responde o espírito, opondo a imagem psíquica correspondente, graças à qual age sobre os centros de enervação eferente, que a transmitem à periferia em termos de ação especializada, correspondentes ao estímulo perceptivo original.

Em apoio ao que acabo de dizer, recordarei rapidamente que os fisiólogos consideram a substância cortical do cérebro como um conjunto de "centros de elaboração do pensamento por meio de imagens psíquicas. Assim, por exemplo, o centro da linguagem se exercitaria por meio de imagem fonéticas das palavras o que explica a contradição aparente que se verifica no fato de que quando se lesiona o centro da linguagem, perde-se a palavra (afasia), sem que exista paralisação dos órgãos fonéticos. Está, portanto, fora de dúvida que os centros de enervação eferente são estimulados por meio de "imagens psíquicas".

Depois de expor nossas teses em termos científicos, resta-nos expô-las em termos filosóficos, observando que, se é verdade que o espírito humano tem em si mesmo uma chispa de essência divina, não é menos certo que o "divino" que existe no espírito humano não consegue individualizar-se senão passando do domínio do "Absoluto" ao "Relativo", do domínio do "Noúmeno" ao "Fenômeno". Conclui-se que para pôr-se em relação com as manifestações do universo fenomênico, o espírito necessita de um órgão transformador apropriado: este órgão é o cérebro. Assim, em suas relações com o espírito, o cérebro está encarregado de colocá-lo em condições de perceber uma fração determinada da Realidade Incognoscível em termos de um sistema dado de aparências fenomênicas tais como se manifestam, com modalidades sempre diferentes, em todo mundo habitado do Universo, aparências fenomênicas pelas quais o espírito está destinado a existir e a exercitar-se com vistas à sua elevação ulterior no conhecimento da Realidade Absoluta, vista através das infinitas modalidades nas quais se transforma manifestando-se no Relativo. Compreende-se, pois, a necessidade que tem o espírito de possuir um cérebro que sirva de órgão transformador da Realidade Absoluta em termos de manifestações Relativas e Fenomênicas, função infinitamente importante para a qual estão destinados os inumeráveis mundos que povoam o Universo.

Do ponto de vista do "paralelismo psico-fisiológico", observarei que com esta teoria conseguir-se-ia conciliar as afirmações dos físicos com a tese espiritualista. Reconhecer-se-ia, de um lado, que a dupla função de tradução e transmissão do órgão cerebral se realiza às expensas da energia acumulada nas células nervosas, como sustentam e demonstram os físicos e, de outro lado, não se pode discutir que esta condição de fato parece absolutamente conciliável com a existência de um espírito independente do instrumento que o mesmo utiliza para entrar em relação com o meio terrestre. Portanto, a melhor definição do "paralelismo psicofísico" seria a formulada por Pedro Siciliani, segundo a qual se afirma a correlação incontestável, por uma lei de equivalência, das atividades opostas: a morfológica e a psíquica, mas reconhecer-se-ia com o tempo que esta correlação deve ser interpretada no sentido de uma "correspondência paralela" e não uma "conversão absoluta".

Tal é, em resumo, a teoria que nós sustentamos. Falta apenas demonstrar que a análise comparada dos fatos a confirmam. Mas esta é uma tarefa de tão grande importância que seria preciso todo um livro para desenvolvê-la. Limitar-me-ei, pois, a tocar brevemente nos velhos e formidáveis obstáculos que se tem colocado sempre à doutrina materialista, reservando-me para falar mais amplamente de algumas outras dificuldades que são levantadas de algum tempo para cá e muito mais graves que as antigas.

Recordarei que a existência mesma da "Consciência", que constitui um mistério insuperável para qualquer escola científica ou filosófica, deveria obrigar aos que dominam o sentido filosófico a abster-se de pronunciar sobre ela julgamentos demasiadamente categóricos no sentido materialista. Esta prudente reserva é observada, infelizmente, por pouquíssimas pessoas e entre os partidários mais atrevidos da fórmula segundo a qual "o pensamento é uma função do cérebro" encontram-se nomes tão ilustres como os de Vogt, Büchner, Moleschott, Haeckel, Le Dantec, Sergi.

Com respeito às relações estritamente psico-morfológicas, os principais problemas insolúveis para os partidários da doutrina materialista são os seguintes: a permanência da personalidade, apesar da renovação perpétua das moléculas cerebrais; as desigualdades intelectuais consideráveis entre indivíduos nascidos dos mesmos pais; o caráter inato de certas faculdades; as diferenças radicais entre a herança física e a herança psíquica; a natureza fisiológica do sonho etc. Não me deterei a discutir todos estes problemas, não apenas por falta de espaço, mas também porque não bastam para demolir a referida doutrina, embora estas dificuldades sejam realmente embaraçosas para os defensores da doutrina materialista.

Para os partidários da fórmula segundo a qual "o pensamento é uma função do cérebro", multiplicam-se os problemas a serem resolvidos à medida que as ciências físicas e psicológicas se desenvolvem, e isso sem sair do círculo estreito de investigações em que estão fixados os representantes da ciência oficial, círculo que se detém nos limites das manifestações normais e patológicas da "psique", sem se ocupar do domínio muito mais importante das faculdades supranormais e subconscientes. De qualquer maneira, o tema é demasiado extenso para que se possa desenvolvê-los em um artigo; limitar-me-ei, pois, a tocar no mais recente destes problemas, que é por si mesmo suficiente para derrubar as bases da hipótese materialista. Refiro-me aos casos de indivíduos que prosseguem com sua consciência e inteligência intactos apesar de ter seu cérebro destruído por completo ou em parte. Concebe-se que estas extraordinárias exceções não invalidam a regra geral, ou seja, que não contradizem de modo algum a afirmação de que o cérebro é necessário ao espírito em suas relações com o meio terrestre; mas também é certo que se torna essencial esclarecê-las imediatamente.

Observe que isto se consegue facilmente se admite o princípio da existência de uma alma independente do corpo, mas que não se alcança absolutamente se se acredita que o pensamento é uma função do cérebro. Vou demonstrá-lo nos comentários e casos a seguir.

Como se sabe, os casos a que acabamos de aludir têm se multiplicado nos últimos anos, sobretudo ao final da última guerra mundial (1). Foram observados na França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, Bolívia, República Argentina. Tenho à minha frente quase todos eles e todos apresentam algum aspecto característico especial que os torna teoricamente importantes. Lamento ter de limitar-me a algumas citações.

(1) - O Autor se refere a 1ª Grande Guerra Mundial (1914-1919).

O doutor Geley transcreveu vários exemplos em sua obra Inconsciente ao Consciente e outros na Revue Metapsychique (1920, p. 36-38 e 1922, p. 21-22). Desta última revista extraio a seguinte passagem:

Há necessidade de se recordar o fracasso da teoria das localizações cerebrais, que tão belas promessas oferecia há um quarto de século?

E preciso citar os casos famosos e relativamente freqüentes de lesões extensas dos centros nervosos, nas regiões consideradas essenciais, que não foram acompanhadas de nenhuma perturbação psíquica grave e de nenhuma restrição da personalidade?

Basta-me recordar o caso típico publicado pelo Dr. Guépin, em março de 1917:

Um jovem, Luis B., hoje jardineiro próximo de Paris, sofreu uma ablação de uma parte considerável de seu hemisfério cerebral esquerdo (substância cortical, substância branca, núcleos cordicais) e, apesar disse, continuou intelectualmente normal, não obstante a privação de circunvoluções consideradas como base de funções essenciais.

Casos análogos, alguns dos duais sc tornaram clássicos, foram publicados em todas as partes.

As feridas de guerra proporcionam novos e importantes exemplos. O Dr. Tourde, que possui estudo especial desses casos, não teme concluir com estas linhas:

Se a teoria das localizações se faz cada dia mais difícil de defender, não é menos certo que ela arrasta em sua queda a tese do paralelismo estrato. Se é ainda possível crer, embora desgraçadamente não se passa demonstrar, que a todo fenômeno psíquico corresponde uma modificação cerebral, já não se pode sustentar mais que toda modificação cerebral provoca um fenômeno psíquico e, em todo caso, não se tem o direito de pretender que a toda perda de substância encefálica corresponde a um déficit psicológico. Ao mesmo tempo, é preciso renunciar de uma vez por todas, como havia previsto o Senhor Bergson, em 1897, à hipótese do cérebro conservador de imagens-lembranças e adotar outras idéias sobre a natureza de seu papel no processo do ato da memória. Longe de ser condição indispensável do pensamento, o cérebro não seria senão prolongação no espaço, o "acompanhamento motor". Poderíamos considerá-lo, em relação com ele, como um órgão de "pantomima".

Como se pode ver, o Dr. Tourde é levado pela análise dos fatos a uma conclusão absolutamente concordante com as teorias de Bergson, de James, do Dr. Geley e com a que sustentamos, teorias todas que estabelecem a independência do pensamento em sua relação com o cérebro, embora ligeiramente diferentes entre si na interpretação das atribuições do cérebro com respeito ao espírito. Assim, por exemplo, entre a teoria de Bergson aceita pelo Dr. Tourde e a que sustentamos, existe esta diferença: segundo Bergson, as funções do cérebro se limitariam a ser "um acompanhamento motor do pensamento", o que levaria a reduzir o cérebro a "um órgão de pantomima". Pelo contrário, parece-nos que os fatos nos autorizam a conceder mais importância funcional ao órgão do pensamento. De qualquer maneira, estas diferenças são teoricamente insignificantes diante da circunstância capital de nos acharmos de acordo para assinalar à consciência individual o lugar que lhe corresponde na Vida.

Não ignoramos que os partidários da fórmula de que "o pensamento é uma função do cérebro" têm tentado explicar os casos de que acabamos de ocupar supondo que, nessas circunstâncias, os lóbulos cerebrais que ficam intactos substituíram os que foram destruídos. Mas esta hipótese não é apenas gratuita; contradiz ela a doutrina das localizações e a do "paralelismo psico-fisiológico" e mais, encontra um obstáculo insuperável na circunstância de que são exemplos conhecidos os casos em que o órgão cerebral foi encontrado em autópsias totalmente destruída por um tumor, enquanto o enfermo conservou até o último momento o uso de suas faculdades intelectuais.

Eis o primeiro exemplo.

O cavalheiro I e Clément de Saint-Marcq, ex-coronel do exército belga, cita o seguinte caso que lhe foi comunicado pelo médico que o observou:

Trata-se de um sub-oficial de guarnição em Amberes que há alguns anos se queixava de violentas dores de cabeça que, não obstante, permitiam-lhe cumprir com todos os deveres de seu cargo. Um dia morreu repentinamente e foi levado ao hospital para que fosse praticada a autópsia. Quando foi aberto seu crânio não se encontrou senão uma papa de pus; não existia ali uma célula sequer de matéria cerebral. E como esta transformação das células em pus, ou seja, sua destruição pela enfermidade, não aconteceu instantaneamente, pelo contrário, era o resultado da lenta evolução de um abscesso, podemos chegar à conclusão de que, durante um tempo bem longo este sub-oficial pode cumprir seu serviço não possuindo mais que resíduos do cérebro. O que é uma boa prova de que o pensamento não está tão intimamente ligado a este órgão como parecem dizer os defensores da tese materialista. (Revue Scientifique et Morales du Spiritisme, 1907, pág. 275-276).

Eis outro exemplo análogo ao anterior, observado pelo Dr. R. Robinson e exposto pelo professor Edmundo Perrier na Academia de Ciências, de Paris:

Trata-se de um indivíduo de 62 anos que, em conseqüência de uma ligeira ferida na região occipital, apresentou algumas perturbações visuais que chamaram a atenção; sem dúvida, não se produziu nenhum sintoma alarmante, nem paralisia nem convulsões. Os demais sentidos permaneceram em estado normal.

Ao fim de um ano, o enfermo faleceu bruscamente de um ataque de epileptiforme. Durante a autópsia, o Dr. Robinson comprovou que o cérebro deste homem tinha a forma de uma casca bem delgada que, ao ser cortada, deixou vazar uma enorme quantidade de pus.

Como é possível que uma destruição tão completa do órgão cerebral não haja produzido nenhum sintoma grave e característico? O que faz, ante um fato dessa índole, a doutrina das "localizações", que atribui às distintas regiões ou zonas do cérebro funções bem determinadas? O Dr. Robinson, apoiando-se neste caso singular e nos sábios estudos dos doutores Van Gehuchten e Pedro Marie, chega à conclusão de que esta teoria deve ser revisada. (Annales des Sciences Pychiques, 1914, pág. 29.)

A propósito deste último caso, o biólogo professor Ugolini, de Florência, anota, irônico: "Cá entre nós: não se poderia dizer que esse homem sem cérebro gozava de uma saúde extremamente boa e da plenitude de suas faculdades, se sofria perturbações visuais e epilepsia, e se um ano depois de se haver produzido a ferida, morreu miseravelmente" (Annuario Scientífico, 1913, pág. 241). Fácil responder que os comentários do Senhor Ugolini não se referem, absolutamente, à questão das relações entre o pensamento e o cérebro, já que jamais se pretendeu que um homem que sofre de um tumor que invade pouco a pouco todo o órgão cerebral possa gozar de uma saúde excelente. Eu acrescentaria: ainda que esta pessoa, em lugar de ter prosseguido apta ao trabalho, houvesse caído prostada na cama, gravemente enferma, em nada se modificaria a significação teórica do caso em questão, do ponto de vista que nos interessa, que se refere unicamente ao fato da conservação da inteligência apesar da destruição do cérebro, e não da conservação da saúde apesar do tumor cerebral. Esta última pretensão seria absurda e não tem nada a ver com o assunto que discutimos.

Fica, pois, demonstrado que, em circunstâncias excepcionais, a inteligência pode permanecer intacta apesar da destruição do cérebro. A hipótese gratuita formulada pelos fisiólogos, segundo a qual os lóbulos cerebrais sobreviventes substituem os destruídos se destrói, assim, inexoravelmente. Por conseguinte, os casos deste tipo não são literalmente explicáveis por nenhuma hipótese fisiológica e arrastam para o imenso nada das teorias errôneas aquela que afirma que "o pensamento é uma função do cérebro". Por necessidade nos vemos obrigados a substituí-la pela teoria oposta, segundo a qual o órgão cerebral está invadido e dirigido em suas funções por algo qualitativamente distinto, onde reside a Consciência Individual. Em outros termos, tudo concorre para demonstrar a existência de um "cérebro etéreo" imanente no cérebro físico e, assim, a existência de um "corpo etéreo" imanente ao corpo somático. O mesmo que afirmou o apóstolo Paulo, numa máxima digna do escultor há quase vinte séculos; o mesmo também que em nossos dias afirmava a personalidade medianímica de Georges Pelham, por intermédio da médium Senhora Piper, em uma conversação famosa que manteve com o doutor Hodgson. Entre outras coisas, a mencionada personalidade respondeu a uma pergunta de Hodgson com esta interessante advertência: "Eu não acreditava na sobrevivência. Era algo que excedia ao meu entendimento. Hoje me pergunto como pude duvidar. Temos um fac-símile etéreo de nosso corpo físico, fac-símile que subsiste depois da dissolução do nosso corpo físico".

Depois do que acaba de expor, é quase supérfluo acrescentar que, uma vez admitida a existência de um "cérebro etéreo", base da Consciência Individual, conclui-se que o enigma dos "homens que pensam sem cérebro" é fácil de explicar. De fato, pode-se logicamente pressupor que, em certas circunstâncias de "sintonização" especial entre o cérebro e o espírito, este pode prescindir parcial ou completamente de seu órgão de relação terrestre. Dito de outra forma: em situações semelhantes, é claro que a única circunstância de fato absolutamente necessária para explicar o mistério de que tratamos é a de reconhecer a existência de uma Consciência Individual independente do órgão cerebral. Uma vez que estamos de acordo com este ponto, torna-se compreensível que se encontrem casos excepcionais semelhantes aos que citamos. A tarefa de investigar as causas não tem pois senão um valor secundário, do ponto de vista teórico, e pode inclusive fornecer uma solução pelos métodos experimentais.

Observarei, de qualquer forma, que reconhecendo a existência de um "corpo etéreo" no homem (existência que contribui para provar os fenômenos de "bilocação" no sonho e de "desdobramento fluídico" no leito de morte), não somente se conseguiria resolver o problema que estamos analisando, como também todos os enigmas inexplicáveis para a fisiologia universitária, desde a misteriosa existência na subconsciência humana de uma "memória integral" perfeita e ao mesmo tempo inútil, até a existência subconsciente de um "Eu integral" muito superior ao "Eu consciente", servido por faculdades de maravilhosos sentidos espirituais, capazes de investigar o presente, o passado e o futuro, sem limite algum de tempo ou espaço.

Sem dúvida alguma, estes formidáveis enigmas da subconsciência, absolutamente inexplicáveis por qualquer hipótese naturalista, mas perfeitamente explicáveis pela hipótese espiritualista, acabarão por provocar um dia a definitiva queda do materialismo científico. Esse dia não está distante, embora não seja difícil prever que deverá desaparecer a atual geração inteira, antes de obter-se a aprovação unânime dos pensadores sopre este ponto. Existe uma lei psicológica inexorável, que impede aos espíritos que exercitaram por muito tempo uma concepção especial da Vida, assimilar idéias que contrastem de um modo absoluto com ela. Em conseqüência, todo movimento intelectual de ordem religiosa, social, moral ou científico demasiadamente radical inovador, sempre foi acolhido com aberta hostilidade por todas as classes sociais e, sobretudo, pelas mais elevadas e cultas.

Voltando à questão da impossibilidade em que se encontra a psicologia materialista para explicar a existência subconsciente de faculdades supranormais, quero anotar que o doutor Geley não se cansa de proclamá-la, com a esperança de provocar sobre o tema uma discussão completa e instrutiva. Mas, sempre em vão. Na Revue Métapyschique de janeiro-fevereiro 1922, pág. 23 e 24, volta ao assunto, dizendo:

Não existe paralelismo psico-anatômico, posto que as ações dinâmicas, sensoriais e psíquicas podem ser comprovadas inclusive fora do organismo, por uma verdadeira exteriorização.

Não existe paralelismo psicofísico, posto que o "transe", durante o qual o subconsciente supranormal se manifesta em todo seu poder, é uma espécie de aniquilamento da atividade dos centros nervosos (!) que chega às vezes até o coma!

Onde achar rastros de paralelismo na visão à distância, através de obstáculos materiais e fora do alcance dos sentidos?

E na telepatia, independentemente de todas as contingências que regem as percepções sensoriais? E na lucidez?...

Os fatos subconscientes são igualmente contrários à velha noção clássica segundo a qual não existe outra memória que a cerebral. A memória cerebral é, como se sabe, limitada, infiel, caduca. Não encerra mais que uma ínfima parte das impressões-lembranças do Ser. A maior parte destas lembranças parece perdida. Mas, nos estados subconscientes vê-se surgir outra memória diferente, infinitamente extensa, fiel e profunda. Damo-nos conta, então, de que tudo quanto foi impresso no campo psíquico persiste completa e indestrutivelmente na memória subconsciente... Os exemplos desta prodigiosa criptominésia são inumeráveis e provam que acima da memória cerebral, estreitamente unida às vibrações das células cerebrais, existe uma memória subconsciente, independente de todas as contingência cerebrais.

De sorte que a memória, assim como a consciência, é dupla.

Existe uma consciência e uma memória estreitamente associadas ao funcionamento dos centros nervosos, que somente constituem uma pequena parte da individualidade pensante. Mas existe uma consciência e uma memória independentes do cérebro. E a maior parte da individualidade pensante, que não está circunscrita aos limites do organismo e que, conseguinte, pode preexistir e sobreviver a ele. A morte, em lugar de ser o fim da individualidade pensante, não faz mais que libertá-la da limitação cerebral e determinar sua expansão.

Todas estas induções - não será demasiado repetir - não são postulados metafísicos. Estão baseadas em fatos exatos. A argumentação em que se apóiam e estritamente racional e não se observou nenhuma refutação do mesmo.

O doutor Geley fez bem em terminar lembrando que nunca foram refutados os argumentos que demonstram a existência no homem de uma consciência e uma memória independentes do cérebro. Assim, fica demonstrado o erro da teoria do paralelismo psicofísico estrito. E se insisto em recordá-lo é porque parece incontestável que os adversários evitam sempre penetrar na essência íntima do debate, limitando-se a repetir por sua conta os argumentos habituais fundados no paralelismo entre os fenômenos do pensamento e a atividade morfológica do cérebro, esquecendo que esses argumentos perderam todo seu valor em conseqüência de novas circunstâncias de fato, de ordem psicológico-experimental, que são colocados pelos defensores da independência do pensamento em relação ao cérebro. Facilmente se compreende a razão pela qual os opositores evitam sempre discutir diretamente os argumentos que se lhes colocam: é que não podem refutá-los. Mas sua impotência não lhes impede de permanecer sinceramente inarredáveis em suas convicções materialistas, como se não conseguissem se convencer sobre a flagrante contradição lógica que existe em uma situação semelhante. Por causa disto, assistimos à repetição perpétua de raciocínios invalidados. Podemos ajuntar que sua atitude não deve ser atribuída a uma "parti pris", mas unicamente ao embaraço em que se encontram frente uma situação bastante curiosa: a de sentir-se ao mesmo tempo impotentes para refutar os argumentos dos adversários e firmemente seguros de sua fé materialista.

Como já fizemos notar, esta atitude contraditória obedece a uma lei psicológica que, embora desalentados do ponto de vista da razão humana, é normal e necessária à evolução ordenada das idéias, por causa da influência moderadora e benfeitora que exerce sobre a difusão excessivamente rápida de qualquer movimento social inovador. É o estado de espírito a que se denomina, na terminologia psicológica, "misoneísmo". Nestas condições, seria inútil querer convencer aos que não podem compreender. Cabe unicamente prosseguir com serenidade o caminho que se abre a todos nós.

Finalizo, pois, chamando a atenção dos leitores sobre o fato de que os casos de indivíduos que conservam sua inteligência apesar da destruição parcial ou total do cérebro, contemplados conjuntamente com as circunstâncias notabilíssimas da existência na subconsciência humana de uma "memória integral" perfeita e de uma consciência individual superior, dotada de faculdades de sentido espiritual, conduzem logicamente a reconhecer a existência no homem de um espírito independente do organismo corporal, provido de um organismo espiritual ou "corpo etéreo", base da memória integral e das faculdades sensoriais supranormais.

Por outro lado, demonstramos que as conclusões que alcançamos, parecem perfeitamente conciliáveis com a teoria do "paralelismo psicofísico", sobre o qual insistem justamente nossos opositores. E afirmo "justamente", porque não pode haver dúvida alguma a respeito da verdade intrínseca dos fatos observados pelos fisiólogos. Mas estes fatos, se examinados à luz das modernas investigações sonambúlicas e metapsíquica, mudam radicalmente de significação. Faz-se, pois, necessário limitar o alcance teórico que abusivamente lhes assinalam, reconhecendo que, longe de demonstrar que o pensamento é uma função do cérebro, provam somente a existência de uma correlação, pela lei de equivalências, entre as atividades morfológicas e psíquicas, opostas entre si; correlação que poderia ser presumida a priori de tal modo parece natural e indispensável para bem compreender a função real e grandiosa confiada ao órgão do pensamento, função que é dupla: por um lado, a de registrar as vibrações físicas que chegam através dos sentidos, a fim de transformá-las de imediato em vibrações psíquicas perceptíveis para o espírito, e por outro lado, a de registrar as "imagens psíquicas" com as quais o espírito responde as vibrações específicas que chegam do meio terrestre, traduzindo-as e transmitindo-as à periferia em forma de ações apropriadas. Pois bem, é evidente que tudo isto não pode se realizar sem uma dispersão de energia nervosa em perfeita equivalência com a natureza e intensidade das atividades psíquicas em função. Os físicos tem, pois, razão, deste ponto de vista limitado.

Ao contrário, o acabamos de dizer demonstra que fisiólogos estão equivocados quando impregnam a legitimidade da hipótese espírita, apesar da convergência imponentemente de todas as provas em seu favor, e que a combatam em nome do eterno, sem dúvida efêmero obstáculos do paralelismo que existe entre as funções morfológicas e psíquicas do cérebro. Como se a existência de um instrumento que ao ser acionado consome energia, não fosse compatível co a do obreiro que o faz funcionar. Ao contrário! Os dois termos de maior problema de ser se conciliam admiravelmente entre si, são inclusive indispensável para resolvê-lo.

Os espíritas proclamam, pois, solenemente, que a teoria do "paralelismo psicofísico" é legítima, incontestável, inquebrantavelmente verdadeira, e que é preciso unicamente modificar sua interpretação para fazê-la compatível com a nova psicologia supranormal que foi revelada pelas investigações sonambúlicas e metapsíquicas.

FIM