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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Gemas, Amuletos e Talismãs-Ernesto Bozzano

 

Índice do Blog 

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Ernesto Bozzano

Gemas, Amuletos e Talismãs

A propósito das experiências

de William Stainton Moses

Contém

Relação cronológica das

principais obras de Ernesto Bozzano

Gemmes, Amulettes, Talismans,

relativement aux expériences de W. Stainton Moses

1936

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Paul Sérusier

O Talismã

Conteúdo resumido

A presente obra contém uma pequena monografia de Ernesto Bozzano, que foi publicada em “Reformador”, órgão da Federação Espírita Brasileira, nos meses de abril e maio de 1937.

Trata-se de um estudo sobre a validade ou não da crença segundo a qual certos objetos – gemas, amuletos e talismãs – podem influenciar, benéfica ou maleficamente, o seu possuidor. Para esse trabalho, Bozzano valeu-se das excepcionais faculdades mediúnicas do pastor Stainton Moses.

O autor relutou antes de publicar o presente estudo, que ele próprio considerava “escabroso” e, em princípio, baseado em superstições ingênuas. Além disso, este é um dos assuntos que no campo do psiquismo se conservavam menos elucidados.

Mas a sua decisão de publicá-lo se deu pela simples razão de que o objetivo da Ciência é a busca da verdade, independente de ser o assunto polêmico, estranho, bem-visto ou não.

Introdução

É este, talvez, um dos assuntos que, no campo do psiquismo, se conservam menos elucidados, senão em profunda obscuridade, razão naturalmente pela qual também é o que dá lugar a opiniões ou crenças mais extremadas, que vão desde a negação absoluta até a aceitação integral e sem reservas de todas as lendas e romances que se hão tecido em torno da eficácia desses objetos a que, vai para muitos séculos, se atribuem as mais variadas e portentosas virtudes. Mesmo entre os que não são inteiramente hóspedes no terreno da fenomenologia psíquica, diversificam-se muitíssimo os pareceres, o que até certo ponto não se deve estranhar, dado que é esse um dos pontos sobre os quais menos explícitos se mostraram os Espíritos reveladores, nas instruções, revelações e esclarecimentos que transmitiram ao mestre Allan Kardec, o qual também pouco se demorou em comentá-lo na obra básica da sua codificação – O Livro dos Espíritos.

Tudo isso, parece-nos, justifica bem o qualificativo de “escabroso” que, decidindo-se a explaná-lo, lhe deu Ernesto Bozzano e explica que haja hesitado em submetê-lo à sua análise sempre potente e jamais falha.

Felizmente, porém, não obstante a escabrosidade que lhe notou, o grande pensador e filósofo venceu a hesitação que essa escabrosidade lhe criava e entrou na questão, resolvido a elucidá-la, em sucessivos artigos, pelas colunas da Revue Spirite, até onde lhe permitissem os elementos que logrou reunir para assento do seu estudo analítico.

De certo, não haverá quem, entre os verdadeiramente estudiosos, não se rejubile, como nós nos rejubilamos, com a decisão que tomou o eminente sábio italiano, de aclarar, com a sua lógica de analista insuperável, o assunto em apreço, sobre o qual paira ainda tanta obscuridade. Desse júbilo forçosamente partilharão todos quantos já se familiarizaram com os trabalhos do grande e fecundo escritor, todos quantos desejam e procuram sinceramente conhecer a verdade do moderno espiritualismo e que, pela sua mesma sinceridade, vão pesquisá-la nas fontes puras e não nas obras, já de sobejo desarticuladas, de pseudo-sábios ou de autores que por interesse hão tentado denegri-la, sem, contudo, nunca o terem logrado, nem por instantes, no juízo dos que não trazem mais ou menos obliterado o raciocínio.

Conscientes, portanto, estamos de prestar um bom serviço à causa que propugnamos, transplantando, com a devida vênia, para as nossas colunas, convenientemente traduzidos, os artigos a que nos referimos e que, provavelmente, vão formar mais uma das formidáveis monografias com que Bozzano tem enriquecido as letras espíritas.

Acresce que, ainda quando de seu estudo atual não resultasse a elucidação proveitosa de um assunto interessantíssimo, e tanto mais interessante quanto se estende até aos fundamentos de algumas práticas de cujo corrente uso costumam os adversários do Espiritismo tirar armas para combatê-lo, baseando, na existência delas, a negação das altíssimas e imarcescíveis finalidades da Doutrina dos Espíritos, razão bastante haveria para a transcrição que vamos fazer.

É que, apoiando-se neles, o estudo de Ernesto Bozzano divulga novamente grande número de fenômenos obtidos graças às excepcionais faculdades mediúnicas do notabilíssimo médium que foi o reverendo pastor William Stainton Moses, fenômenos esses que, não estando, que me lembre de momento, publicados em obra editada no nosso idioma, são desconhecidos, porventura, da maioria dos mais modernos apreciadores da fenomenologia psíquica, ou, então, da Doutrina Espírita.

Dito isso, com o intuito de chamar a atenção dos leitores para a nova série de artigos do inspirado Bozzano, apresentamos-lhes o primeiro deles.

Reformador, 16/04/1937


Capítulo I

Por longo tempo hesitei, antes que me resolvesse a tratar do assunto que o título deste estudo indica e que se pode qualificar de escabroso. Trata-se das propriedades, benfazejas ou malfazejas, atribuídas a certos dixes, especialmente os que se conhecem pelos nomes de amuletos e talismãs, aos quais se acham ligadas crenças supersticiosas e milenárias, muito espalhadas durante a Idade Média e que chegaram aos nossos dias através de todos os povos civilizados, bárbaros ou selvagens. Estive muito tempo perplexo, se bem tudo concorra para que se reconheça que no mundo dessas deploráveis aberrações da ignorância popular, do mesmo modo que no fundo de qualquer outra forma de superstição, há de haver uma parcela de verdade, deformada ou desfigurada sob um montão de lendas mais ou menos vulgares ou monstruosas, acabando todas na “magia negra”, na “magia branca”, em Satanás e nos santos. Entretanto, decido-me, afinal, a falar disso por achar que, se uma parcela de verdade existe nas crenças tradicionais em questão, mais vale procurá-la, para analisar, delimitar, lançando um pouco de luz sobre esse obscuro assunto de discussão. Fá-lo-ei ocupando-me, de modo especial, com as memoráveis experiências do Reverendo William Stainton Moses, no curso das quais foi conseguido o “trazimento” [1] de pedrarias de toda espécie, para fins terapêuticos e espirituais.

Todavia, antes de entrar na questão, preciso insistir na legitimidade científica da pesquisa que empreendo. Lembrarei, pois, que já foi assinalada a circunstância de recentes descobertas científicas, que podiam esclarecer e mesmo legitimar, dentro de certos limites, algumas antigas superstições populares, graças às novas propriedades físicas, elétricas e magnéticas que se hão observado nos corpos, ou graças às faculdades psíquicas supranormais que se conservaram ignoradas até hoje.

Assim, por exemplo, a descoberta e o estudo da fascinação hipnótica nos revelou que havia um fundo de verdade nas lendas da Idade Média.

Ainda hoje não se narra a história do famoso “Velho da Montanha”, que, para dar à sua jovem esposa uma demonstração do seu poder mágico, a conduziu ao cimo da torre do seu castelo e ordenou a um de seus “seides” que se atirasse dali embaixo, o que o homem fez imediatamente, indo espatifar-se nas pedras, ao pé do edifício? Pretendia-se, diz a lenda, que os poderes mágicos do “Velho da Montanha” Satanás é quem lhos tinha conferido. Tirante a parte da exageração popular, pode-se dizer que essa lenda continha um pouco de verdade, porquanto provinha da observação de que, na sociedade humana, se encontram indivíduos que possuem uma fascinação inteiramente misteriosa, capaz de subjugar.

Outro tanto se pode dizer da lenda da “Pitonisa de Endor”, que fez aparecer a sombra do profeta Samuel ao rei Saul, lenda que nos dias atuais se realiza experimentalmente, graças às materializações de fantasmas nas sessões mediúnicas. É-se assim levado a reconhecer que nem tudo era fantástico nas supostas formas supersticiosas que as lendas dos povos assumiam.

O mesmo se dá com os “Oráculos” da Antigüidade, aliás tão maltratados, nos quais se viam “Pitias” absolutamente análogas aos “médiuns” de hoje, e que, portanto, possivelmente, possuíam, em fugazes relâmpagos, reais faculdades de clarividência.

Também por largo tempo se falou dos “alquimistas” e das suas pesquisas para a descoberta da “pedra filosofal”, como de uma superstição que parecia provir da crassa ignorância reinante naquelas épocas. Tratava-se, ao contrário, de uma intuição de precursores. Com efeito, um conhecimento mais aprofundado da estrutura atômica e ultra-atômica da matéria leva presentemente a reconhecer-se a possibilidade de transformar um metal em outro, como já se chegou a transformar uma substância química noutra substância química.

Tudo, em suma, nos induz a supor que a imaginação dos povos jamais criou uma onda que não tivesse por fundamento uma dada observação. Quando esta se apresenta maravilhosa às mentalidades que a comprovam, transforma-se em um núcleo dínamo-psíquico, que engendra interpretações fantásticas. Ora, pois que nenhuma dúvida há de que uma parcela de verdade se encontra em todas as lendas ou crenças populares, é de reconhecer-se que deve haver alguma coisa de verídico na misteriosa virtude, benfazeja ou malfazeja, que foi atribuída a certas gemas e aos amuletos e talismãs, aos quais conviria mesmo acrescentar as “relíquias” dos santos.

Dito isto, entro no assunto, tirando das narrativas da Sra. Stanhope Speer, sobre as inolvidáveis experiências do Reverendo William Stainton Moses, um bom número de exemplos de “transportes”, ou, mais exatamente, das misteriosas criações de gemas, pela personalidade mediúnica de “Mentor”.

Que as gemas em questão eram “criações espíritas” e não “transportes”, as personalidades mediúnicas constantemente o afirmaram. De todo modo, ser-se-ia igualmente levado a supô-lo, devido às propriedades especiais de algumas de tais pedras preciosas. Assim, por exemplo, a safira que “Imperator” trouxe a Moses, com o fim de lhe facultar uma proteção espiritual, também possuía virtudes curativas. Quando o Sr. Moses estava doente, a safira se embaciava, perdia toda a transparência e assim permanecia até a cura completa. Ora, toda gente há de admitir que nada de semelhante se passa com uma safira de origem terrena.

E, já que aludo a essa prodigiosa safira, começarei minha análise relatando-lhe a história.

A Sra. Stanhope Speer, na sua resenha da sessão de 8 de janeiro de 1875, fala nos termos seguintes:

“Vimos, quase imediatamente, formar-se uma auréola de luz em torno do grupo dos experimentadores, enquanto perfumes deliciosos se espalhavam pela sala. Pouco depois, Franklin se manifestou, dando instruções acerca das gemas trazidas antes e anunciando que aquela noite, com o auxílio de numerosos Espíritos, ia constituir e trazer uma safira para o médium. Preveniu-nos de que se tratava de uma jóia muito preciosa, como igual não existia no mundo. Os “Espíritos-guias” a tinham saturado de diferentes espécies de influências favoráveis, que iam fazer muito bem ao médium, assim do ponto de vista espiritual, como do ponto de vista físico. Vimos, em seguida, aparecer os relâmpagos ofuscantes do “Profeta”, que desse modo nos queria assinalar a sua presença. No fim da sessão, deparamos com grande quantidade de almíscar espalhado por toda parte, bem como a belíssima gema prometida a Moses. Era de viva cor azul, mas, ao mesmo tempo, de puríssima água, transparente, luminosa. Os “Espíritos-guias” preveniram a Moses que a devia guardar como um tesouro, com o maior cuidado, e tê-la sempre consigo. Notamos, em seguida, que quase sempre, quando Moses não estava de boa saúde, a safira se embaciava e mudava de cor.” (Light, 1893, pág. 173).

O Sr. Moses, a propósito desse “transporte”, observa o seguinte:

“16 de janeiro de 1875 – Fui, na Regent Street, à casa dos joalheiros “Leroy and Son”, para mandar montar num anel a safira, a pedra trazida. Instruções minuciosas me haviam sido dadas a esse respeito. Quando o joalheiro me entregou o anel, reunimo-nos em sessão, tendo-se-nos dito que precisávamos expurgá-lo das “influências” contrárias que absorvera, passando por tantas mãos.” (Proceedings of the S. P. R., vol. XI, pág. 60).

Essa sessão de purificação foi descrita pela Sra. Speer nestes termos:

“16 de janeiro de 1875 – Haviam-nos dito que mandássemos montar as gemas que tínhamos recebido em outros tantos anéis que traríamos constantemente no dedo. Essa noite pediram-nos que as puséssemos todas sobre a mesa, para que as pudessem saturar de influências espirituais. O Sr. Moses colocou o seu anel no meio da mesa, em um lenço de seda. Logo depois, vimos formar-se em torno do grupo o habitual halo luminoso, enquanto que uma rápida série de pancadas era dada ao redor da jóia. O “Profeta” dardejou o seu raio de luz sobre o anel, ao mesmo tempo em que ressoavam pelo aposento as profundas pancadas indicativas da presença de “Imperator”. Fazia já muito tempo que ele não intervinha nas nossas reuniões; dir-se-ia que os Espíritos mais elevados do nosso grupo se tinham reunido naquela ocasião. Manifestou-se em seguida Benjamin Franklin, anunciando que o anel tinha sido purificado das influências contrárias que absorvera no curso do trabalho de montagem e que muitas entidades espirituais o haviam saturado de boas influências, destinadas a fazer muito bem ao médium. Depois disso, um orvalho repleto de deliciosos perfumes começou a cair sobre os anéis e sobre nós mesmos. O lenço que continha o anel do Sr. Moses ficou literalmente ensopado desse orvalho e lhe conservou o perfume por muitos dias. “Imperator” se manifestou, por fim, confirmando o que dissera Franklin a respeito da purificação dos anéis e aos grandes benefícios que haveríamos de tirar deles, sob diferentes aspectos, pois que os “Espíritos-guias” reconheceriam sempre e em todos os lugares suas “auras” e não deixariam de afastar de nós o que nos pudesse prejudicar, cercando-nos de influências propícias... Quando “Imperator” acabou de falar, o médium despertou sobressaltado, chegando a perceber ainda a majestosa figura do guia.” (Light, 1893, pág. 197).

A essa sessão de purificação e de saturação de influências espirituais seguiu-se, alguns dias depois, uma outra complementar, da qual fala assim a Sra. Speer:

“25 de janeiro de 1875 – Esta noite, reunimo-nos nós três apenas e colocamos as jóias no meio da mesa, em um lenço. Logo claridades errantes percorreram o aposento. Perfumes líquidos foram derramados copiosamente sobre o lenço que continha as jóias, sobre a mesa e sobre nós. “Grocyn” fez ressoassem sobre os anéis as suas notas musicais. “Sade” logo o substituiu com a lira heptocordia. Depois foi a vez do Espírito da lira de três cordas. Finalmente, vieram as celestiais “Fairy Bells” (literalmente: “campainhas das fadas”) e se fizeram ouvir, envolvendo as jóias em suas melodias. O médium caíra em transe profundo. Percebíamos que os “Espíritos-guias” se haviam proposto a saturar de uma influência harmônica ou musical as jóias, como tinham saturado da influência dos “Profetas” a safira do médium.” (Light, 1883, pág. 213).

Após as práticas de purificação que acabo de relatar, entendeu o Sr. Moses de interrogar a respeito o “Espírito-guia” que dirigira o conjunto das manifestações de que se trata. Fê-lo por meio da habitual escrita automática. Travou-se este diálogo:

Moses – Desejo comunicar-me com Benjamin Franklin.

Espírito-guia – A propósito de quê?

Moses – Ele me trouxe uma pedra preciosa e eu queria obter explicações sobre isso.

Franklin – A gema que te foi trazida deve servir-te de amuleto. Ela encerra virtudes magnéticas especiais, que nós lhe transfundimos. É uma gema de grande beleza, extremamente rara; possui valor inestimável, devido à sua pureza. Além disso, tornará mais fáceis as relações com as Esferas, porque os Espíritos lhe reconhecerão incontinenti as virtudes. É esta uma das razões pelas quais a trouxemos.

Moses – Então, os Espíritos podem percebê-la?

Franklin – Podem, porém não da maneira que supões. Eles perceberão a influência magnética que dela se desprende. Servirá para atrair sobre ti as influências benéficas e a repelir as maléficas. Há um fundo de verdade na antiga crença sobre o poder dos talismãs, no sentido de que servem para auxiliar os “Espíritos-guias” a influenciar-vos para o bem e a vos preservar do mal. Além disso, a gema que te foi trazida é o teu símbolo espiritual, do ponto de vista de se harmonizar melhor com a tua natureza. Nas Esferas, a safira simboliza a sabedoria e o saber; designa as inteligências sedentas de aprender, capazes de acolher as verdades espirituais de forma a empregá-las com o fim de se tornarem cada vez mais esclarecidos. Caracteriza os Espíritos vigorosos, centros de uma luz benfazeja para os que os rodeiam. A cor azul ferrete da gema, símbolo dos Espíritos capazes de assimilar e difundir o saber e a sabedoria, caracteriza bem a tua existência e a tua missão. Com efeito, também tu assimilas grandes reservas de sabedoria e de saber; tua vida está consagrada, na terra, e se destinará nas esferas, ao ensino. Receberás desta safira uma influência curativa do corpo e do espírito. Quando o primeiro se achar fatigado, esgotado, ou sofredor; quando estiver deprimido e preocupado, acharás a força, a serenidade, a paz, pousando o olhar, durante algum tempo, nesta pedra. Poderás também usá-la diretamente, aplicando-a, para curar, na parte do corpo que corresponda à enfermidade de que sofras.

Moses – Infinitamente reconhecido vos sou pela dádiva que me fizestes. O joalheiro a quem a levei para mandar montá-la num anel ficou maravilhado e declarou que jamais vira uma pedra preciosa de tal beleza. Agora dize-me: Esta safira é de origem terrestre? Ou foi criada por vós outros? Será coisa diferente do que temos neste mundo?

Franklin – É diferente das safiras terrenas e muito mais preciosa. É de valor inestimável, dado que nenhuma existe igual no vosso mundo. O joalheiro não podia notar as diferenças que há entre a nossa safira e as que ele conhece, porque a pedra que te dei tem a aparência e os traços característicos das safiras da terra. Somente pela visão espiritual se chega a distingui-la das outras.

Moses – Terei agido por “impressão”, levando-a a um joalheiro para que a montasse num anel?

Franklin – Fizeste bem; mas nós ainda não sabíamos qual o melhor meio de ser ela utilizada.

Reconhecemos agora que o melhor sistema é o que escolheste; deverás trazer esse anel no dedo mínimo da mão esquerda. Ademais, a montagem da pedra deve ser em ouro muito puro, sem nenhuma liga, e cuidadosamente trabalhado. Tudo isso tem grande importância. Deves trazê-lo constantemente contigo; mas ainda não sabemos especificar as diversas maneiras em que mais convenha o uses, de acordo com as circunstâncias. Estamos, no entanto, aptos a dizer-te, já, que não o deves ter sempre no dedo; de tempos a tempos, guardá-lo-ás por algumas horas em completa obscuridade. Fazendo assim, verificarás que na obscuridade ele recupera propriedades magnéticas. A luz do dia contribuirá para desprender da pedra as virtudes que deram motivo a que te trouxéssemos... Quando a tirares do dedo, trá-la dependurada ao pescoço, num envoltório de couro forrado de seda, devendo esta ser de uma cor análoga à da pedra. Pendura-a de modo que fique em contato com o meio do tórax. Poderás então observar a grande regularização das funções cerebrais; verás que o timbre da tua voz se tornará mais forte. Quando o tirares do pescoço, recoloca-o no dedo mínimo da mão esquerda, conservando-o aí durante o sono. Se cumprires as instruções que acabo de te dar, auferirás vantagens muito maiores do que imaginas neste momento.

Moses – Ao que parece, embora a coisa para nós seja muito singular, estas espécies de influências constituem elemento importante para a nossa saúde e nosso estado d’alma?

Franklin – São mais eficazes do que o imaginas. Repito que, se seguires as nossas instruções, experimentarás muitas vezes alívio real para o corpo e para o espírito. A pedra verde trazida ao nosso amigo Dr. Speer simboliza a verdade em evolução, pois que tal é a condição de seu Espírito. O que dissemos com relação à tua pedra se aplica à outra, salvo estas instruções especiais que apenas dizem respeito aos sensitivos. Dada a natureza vigorosa, positiva, magnética, do amigo doutor, ele não experimentará os mesmos efeitos curativos que tu; provavelmente, as vantagens nem sequer lhe serão sensíveis; mas, a influência espiritual da gema é idêntica à da outra. Sua pedra é de uma pureza e de uma transparência especiais; simboliza o amor da verdade, que é o traço espiritual característico do nosso amigo. Sua coloração verde brilhante simboliza a esperança que o anima na pesquisa da verdade, ainda, para ele, em vias de evolução. Ele deverá trazê-la no terceiro dedo da mão esquerda, ou, então, sobre o peito como alfinete. Cremos que este último sistema será preferível no seu caso. O mesmo ocorre com a pedra oferecida ao jovem Charlton. Ela está saturada de uma virtude magnética que lhe é favorável e lhe fará grande bem. As primeiras jóias trazidas eram para nossa amiga Sra. Speer, que poderá usá-las como quiser. Simbolizam seu amor à verdade, junto a uma pureza de espírito que brilha através dos nevoeiros da vida e cuja beleza espiritual irradia e se afirma através do véu da matéria. Elas foram saturadas das mesmas virtudes magnéticas que as outras pedras, mas em proporções diferentes. São também típicos do seu rápido progredir na senda espiritual e contribuirão para manter inalterável a serenidade celeste dessa bela alma. As pequeninas pérolas que de tempos a tempos trazemos, quando as condições o permitem, têm por fim espalhar uma influência curativa especial em torno de todos vós, mas, especialmente, em torno do jovem Charlton. Servem também de sinal para os Espíritos missionários que velam pelo vosso bem estar.

Moses – Quão grande é a ignorância do mundo acerca destes mistérios!

Franklin – E assim continuará, enquanto se conservar tão material nas suas aspirações. A grande maioria dos homens é excessivamente mundana, vulgar, para perceber as influências espirituais de natureza sutil e apurada. Para esses, nenhuma esperança! Se, com o tempo, o espírito deles acabar por elevar-se, isto se realizará em outras esferas de existência. Entretanto, à medida que a raça humana se espiritualiza, melhor compreende os segredos do ser. Em todo caso, mesmo agora, as influências em questão operam entre os homens, embora estes o ignorem completamente. Gemas, perfumes e música são os três grandes veículos da influência espiritual.

Moses – Sem dúvida assim é e eu me acho em condições de compreender toda a harmonia musical que contêm os sons combinados da natureza, o perfume das flores, a contemplação de uma paisagem.

Franklin – Sim, é verdade. Todavia, a linguagem transcendental da música todos a compreendem; mas também o é e muito a linguagem espiritual, a mais eloqüente que o mundo conhece. Quando vos houverdes libertado dos despojos mortais reconhecereis que a verdadeira harmonia do ser consiste na combinação de todas as harmonias. O Espírito vibra em uníssono com a harmonia das Esferas e canta em coro com todas as vidas do universo. Os perfumes tão suaves da pureza, da beatitude espiritual se harmonizam com os perfumes que as flores exalam e se elevam qual nuvenzinha de incenso até ao trono do Altíssimo. E o Espírito adornado de vestiduras e gemas, simbolizando o grau de seu progresso, e alojado em habitações construídas pelo seu pensamento, está em uníssono perfeito com a harmonia da criação e com a tonalidade das cores que encantam a visão espiritual. Nem todas estas sublimes verdades podem, contudo, ser reveladas, senão aos ponderados e prudentes, se bem uma infinidade de simples conheçam, a tal respeito, muito mais do que os homens a que chamais sábios. Medita sobre o que escrevemos, porque as nossas palavras contêm germens fecundos de verdade e de sabedoria. (Light, 1900, págs. 164-5).

A mensagem mediúnica que venho reproduzir está assinada com os nomes dos Espíritos-guias “Rector” e “Benjamin Franklin”. Nela se encontram, de par com a elevação das idéias, grande número de esclarecimentos curiosos e sugestivos, concernentes às gemas trazidas, que se prestam a deduções teoricamente importantes, às quais aludirei um pouco mais adiante. Por ora, importa completar as citações dos textos, relatando algumas outras passagens dos relatos do Sr. Moses e da Sra. Speer, relativos aos “transportes” de gemas.


Capítulo II

Nos episódios que seguem, o Sr. Moses percebe mãos materializadas manipulando gemas:

“27 de novembro de 1874 – Depois da sessão habitual em Douglas House, deitei-me, por volta de meia-noite, e quase imediatamente adormeci. Às 2:15 da madrugada, acordei em sobressalto, presa de inexprimível sensação: a de que um fenômeno se ia produzir. Deitei-me de costas, olhando para cima, e divisei uma mão luminosa, análoga às que vira no correr das sessões, com os dedos estirados, mas unidos uns aos outros, havendo debaixo deles uma pequena bola de fogo, do tamanho de uma ervilha grande, suspensa como que por atração. Estando eu a olhar, os dedos se abriram e a pequena bola de fogo me caiu sobre a barba. Tão certo me achava da realidade do que acabava de ver, que saltei da cama, acendi a luz e procurei entre os lençóis o objeto que caíra sobre mim. Achei, com efeito, uma gema do tamanho de uma ervilha grande. À luz que eu dispunha, ela me pareceu de tom escuro, com reflexos azuis; verifiquei mais tarde que se tratava de uma safira...” (Proceedings of the S. P. R., vol. XI, págs. 59-60).

Este outro episódio, idêntico ao precedente, é relatado nas resenhas da Sra. Speer.

“22 de maio de 1875 – Durante o jantar, pérolas brancas e pérolas pretas caíram diante de minha filha. À noite, reunimo-nos para uma sessão. Começaram as pancadas a fazer-se ouvir, antes mesmo que se apagassem as luzes. Logo nos envolveram lufadas de vento saturadas de delicioso perfume de violetas; pequenas nuvens luminosas, que se deslocavam, encheram o aposento. “Odorifer” se manifestou por meio de longa e lamentosa nota musical. Foi com essa nota melodiosa que respondeu às nossas perguntas. Nesse momento, disse o médium estar vendo por cima de nós uma mão que se dispunha a deixar cair qualquer coisa. Ainda não acabara a frase e uma grande pérola caiu entre nós, parecendo vir de alguns metros de altura. Em seguida, umas vinte outras foram obtidas nas mesmas condições, uma após outra. Algumas nos caíram nas mãos...” (Light, 1893, pág. 267).

Este terceiro episódio, análogo aos anteriores, também consta das resenhas da Sra. Speer.

“9 de janeiro de 1875 – Reunimo-nos para uma sessão, como de costume. Produziram-se muitas manifestações de luzes espiríticas, de delicioso perfume e de variados sons de instrumentos musicais inexistentes. Em dado momento, disse o médium estar vendo uma mão sobre a cabeça do doutor Speer e logo depois notamos que alguma coisa caíra diante dele. Por pancadas, mandaram que fizéssemos luz e encontramos, naquele lugar da mesa, uma esmeralda de coloração verde pálido e de maravilhosa transparência. “Franklin” se manifestou em seguida e nos informou que aquela pedra preciosa se destinava ao doutor Speer. Simbolizava a Verdade; era, pois, a gema que lhe convinha. Acrescentou o Espírito que estava saturado de influências benéficas e que o doutor devia trazê-la consigo. Perguntamos qual a gema que mais convinha ao nosso filho. Respondeu Franklin que para este seria de grande vantagem possuir, a seu turno, uma pedra espiritual e que ele cuidaria de criar uma igual à que fora trazida ao pai. Passados alguns minutos, voltou e disse: “Temos a gema, porém, não podemos introduzi-la aqui no aposento, por falta de força. Fazei a cadeia das mãos.” Fizemo-la, e a jóia prometida caiu incontinenti sobre a mesa, produzindo um ruído seco, como se houvera precipitado do teto. Era uma esmeralda semelhante à primeira obtida, porém mais bela e mais luminosa. Também dessa vez foi observado que, quando se preparavam “transportes” de pedras preciosas, primeiro uma luminosa auréola se formava em torno do círculo dos experimentadores.” (Light, 1893, pág. 173).

Neste outro episódio, trata-se de uma chuva abundante de pérolas, à plena luz do gás; mas não se especifica nitidamente a qualidade das pérolas.

“20 de setembro de 1874 – Foi a nossa última sessão em casa de Shanklin. Reunimo-nos às 9 horas, nas condições de costume. Pancadas sonoras reboaram de todos os lados, no aposento, e o médium disse estar vendo, acima da mesa, uma mão que segurava qualquer coisa entre os dedos. Manifestação nenhuma se produziu, surpreendendo-nos esse fato, por não ser habitual. Pedimos explicações a “Catarina”. Por batimentos muito fracos, foi-nos respondido: “Nada podemos fazer. Suspendam a sessão por uns vinte minutos...” Quando voltamos às experiências, o médium viu de novo a mesma mão espirítica e lhe descreveu os contínuos deslocamentos. Esta postou-se, primeiramente, por cima do doutor Speer e deixou cair qualquer coisa sobre ele; em seguida, fez o mesmo com cada um dos assistentes. Tateando sobre a mesa, demos com uma grande pérola; enquanto a passávamos de mão em mão, ouvimos a queda de muitas outras, em todas as direções. Vinham do alto, batiam na mesa e caíam no chão. De cada vez que o médium dizia “Vejo a mão em tal lugar”, imediatamente uma pérola aí caía. Perguntamos a “Catarina” de quem era aquela mão. Responderam-nos: “De Benjamin Franklin.” Levantada a sessão, acendida a luz, apanhamos de sobre a mesa e do chão umas vinte pérolas grandes e, enquanto as juntávamos, um punhado de outras caiu sobre o doutor Speer e outro punhado sobre o Sr. Moses. Eram ao todo umas quarenta, das quais cerca de metade caíra à plena luz do gás...” (Light, 1893, pág. 75).

Não podendo citar tudo, limitar-me-ei a acrescentar mais uma passagem em que se fala do “transporte” de outra gema. Escreve a Sra. Speer:

“12 de maio de 1878 – Amanhã é dia do meu aniversário natalício; festejamo-lo hoje por ser domingo. Terminado o almoço, vi surgir dentro de meu prato um magnífico rubi e meu filho Charlton recebeu de presente uma grande pedra preciosa. Estávamos ambos sentados longe do médium...” (Light, 1893, pág. 364).

Os “transportes” de que acabamos de falar, assim como todos os de que trata a narrativa da Sra. Speer, eram “criações mediúnicas”. Contudo, houve também, ao que parece, alguns “transportes” de pedras preciosas de origem, provavelmente, terrena. Presumo-o do que consta da obra de Trethewy sobre as experiências de Moses. Pôde esse autor consultar os 24 grandes registros manuscritos que Moses deixou e adquirir assim conhecimentos precisos acerca das memoráveis experiências. À pág. 75 da obra The Controls of Stainton Moses observa ele:

“No registro XIX encontram-se muitas alusões, em datas de janeiro e fevereiro de 1876, a um topázio que “Magus” se propusera trazer a Stainton Moses. Segundo esses documentos, na manhã de 28 de fevereiro, o Sr. Moses, ao despertar, achou a jóia prometida, no lugar onde costumava colocar o seu relógio. Estava montada num anel, que ele jamais possuíra nem vira. Ignorava como fora introduzida no seu quarto. Disseram-lhe que o topázio lhe devia servir de amuleto e de sinal de reconhecimento para os espíritos associados a “Magus”, em sua missão na terra. O Sr. Stainton Moses desejava conhecer a procedência daquela jóia e interrogara “Magus” a respeito, antes e depois do “transporte”. Temia, ao que se infere, que houvessem subtraído o topázio ao seu legítimo dono, sem a permissão deste. Não queria passar por detentor de jóias roubadas. Nunca, porém, chegou a obter uma resposta satisfatória a tal propósito. Esta circunstância o pusera maldisposto. Assim, quando, a 5 de fevereiro, foi convidado a obedecer a vontade de “Magus” respondeu: “Quando as ordens promanam de uma entidade oculta, não me decido a fazer coisa alguma sem conhecimento de causa.” Não menos certo é que jamais lhe prestaram o esclarecimento que pedira. Ele usava o topázio de acordo com as instruções dos “Espíritos-guias”, para determinar em si mesmo as “visões clarividentes”, no curso das quais percebia cenas da existência espiritual.”

Relativamente a esta passagem do Sr. Trethewy, farei notar que, se os “Espíritos-guias” nunca revelaram ao Sr. Moses a procedência do topázio, deve-se daí deduzir que dessa vez se tratava do “transporte” propriamente dito, de uma jóia terrestre (tanto mais quanto já veio montada num anel). Isto não implica necessariamente que tenha sido tirada de um vivo. É mais provável que proviesse de algum antigo sarcófago. Conhecem-se casos dessa espécie e isso explicaria a relutância dos “Espíritos-guias” em informarem a respeito o Sr. Moses.

Passado agora a examinar os fenômenos mencionados acima, julgo inútil estender-me ulteriormente a demonstrar que, salvo o episódio excepcional que acabo de relembrar, os “transportes” de gemas que Moses obteve constituíam “criações mediúnicas” e não “transportes” propriamente ditos. Isto se acha demonstrado pelo que eu disse com relação às curiosas propriedades que apresentavam algumas daquelas pedras e a beleza e pureza sem iguais que revelavam (ao parecer dos peritos joalheiros) e, ainda, a outra circunstância, a das explicações dadas pelas personalidades mediúnicas. Também farei notar que, se estivessem em causa jóias terrenas subtraídas a seus proprietários por aquelas personalidades, os jornais da época não teriam deixado de falar de uma série de furtos misteriosos de pedrarias de alto valor, realizadas em joalherias ou em casas particulares. Nesse caso, o Sr. Moses, que temia ser acusado de detenção de objetos roubados, se houvera alarmado vivamente e pedido explicações às personalidades mediúnicas que lhas traziam. Ora, nada de semelhante se deu.

Não será inútil responder previamente, desde já, às insinuações de algum jocoso que entendesse de avançar a hipótese de que o Sr. Moses comprava as jóias que surgiam no curso das sessões. Respondo, fazendo notar que o Sr. Moses estava longe de ser rico. Viveu sempre a expensas dos modestos ganhos que tirava do seu trabalho profissional de preceptor e professor e, para adquirir tão grande quantidade de pedras preciosas de toda espécie, de incomparável beleza e de valor inestimável (sempre segundo a opinião dos peritos), fora necessário dispor de um capital considerável, sem contar que as gemas, no mundo em que vivemos, de nenhum modo se alteram nem empalidecem quando seus donos caem doentes.

A esse propósito, acrescentarei a passagem seguinte, extraída de uma mensagem de “Imperator”, em que se fala das modalidades com que os Espíritos criavam as gemas trazidas.

“27 de maio de 1875 – As gemas que vos temos dado, em ocasiões diversas, foram saturadas de um poder magnético especial, tendo por fim manter-vos em relação conosco. Não devereis nunca as colocar umas sobre outras. Cada uma dessas gemas possui especial virtude e muito perderia de tal virtude se posta em contato com outras. Deveis considerá-las um depósito sagrado, reservado exclusivamente ao uso a que se destina. Temos o poder de cristalizar as pedras preciosas, tomando da atmosfera os elementos de que são constituídas, ao passo que no vosso mundo as pedras preciosas se formam graças às forças naturais.”

É muito interessante e significativo este último esclarecimento de “Imperator”. Concorda, aliás, com o que demonstrei numa de minhas obras, relativamente ao poder criador do Pensamento e da Vontade.[2] Esse poder já se manifesta esporadicamente e de modo restrito em nosso mundo, para em seguida revestir funções especiais e gerais nas altas esferas da existência espiritual.

Do ponto de vista aqui adotado, não ouso acreditar que os negadores irredutíveis de uma intervenção espiritual nalgumas das grandes manifestações mediúnicas tenham desta vez a audácia de atribuir à subconsciência humana o poder de cristalizar diamantes, rubis, esmeraldas, safiras, pérolas e topázios, extraindo da atmosfera os elementos de que se compõem essas pedras. Mas, ao mesmo tempo, declaro que, se o fizessem, não me espantaria, sabendo como sei, por experiência, até que extremos fenomenais pode chegar aquilo que se chama “credulidade dos incrédulos”.

Farei também notar que um justo equilíbrio nas faculdades da razão deveria conduzir-nos a reconhecer que, se é verdade que os fenômenos da “fotografia do pensamento” e do “ectoplasma” provam que existe, na subconsciência humana, uma força capaz de criar, tendo por centro o pensamento e a vontade humanos, ressalta, entretanto, dos fatos que essa “força capaz de criar” só existe, na subconsciência, em estado embrionário, isto é, “em potencial”, à espera de emergir e evolver gradualmente, numa fase de existência apropriada, que não pode ser a corpórea.

É assim que numa criança de três anos de idade se encontram, “em potencial”, as diferentes faculdades da inteligência humana, na expectativa de emergir e evolver gradualmente, passando através das fases da infância e da adolescência. Em outros termos: aquele que pretenda que as faculdades supranormais, que existem latentes na subconsciência, são de natureza a gerar prodígios de criação análogos aos que tenho relatado, procede como se pretendesse que uma criança de três anos raciocinasse e se comportasse como um adulto.

Ela chegará lá um dia e nós chegaremos um dia às altitudes criadoras de que hei falado; mas, em conseqüência da nossa “desencarnação”, combinada com uma evolução espiritual de duração correspondente a uma série de séculos.


Capítulo III

Farei notar agora que os “transportes” de pedras preciosas, que se realizaram pela mediunidade de Moses, também são teoricamente importantes, no sentido de que se prestam, de modo especial, a pôr em evidência as parcelas de verdade existentes nas superstições tradicionais, relativas às virtudes benfazejas que os amuletos e talismãs contêm. Eles eram constituídos de toda espécie de materiais heterogêneos, mas igualmente consistiam, às vezes, em gemas, consideradas amuletos, tanto pelos povos orientais como pelos gregos, romanos e etruscos. Não esqueçamos tampouco que esses povos são acordes em estabelecer substancial diferença entre os amuletos e os talismãs. Consistia nisto a diferença: enquanto o talismã comunicava àquele que o trazia sobre si um poder que lhe permitia domar as forças da natureza e dos homens, o amuleto possuía, por sua vez, virtudes protetoras e servia para imunizar das enfermidades, do mau-olhado, etc.

Os romanos, com especialidade, alimentaram mais a superstição dos amuletos constituídos de gemas e a transmitiram ao período seguinte, da Idade Média. Ainda existe grande número de obras, geralmente intituladas Liber lapidum (Livro das pedras), em que se explicam as virtudes maravilhosas das pedras preciosas. Excetuava-se, no entanto, a opala, que, entre todas aquelas pedras, era a única tida por funesta ao bem-estar daquele que consigo a trazia, a ponto de retardar a cura das moléstias ou de impedir a cicatrização das feridas. Convém chamar aqui a atenção para uma observação moderna a esse respeito e que dá seriamente que pensar. É que, em 1929, apareceu na revista Le Temps Médical (O Tempo Médico) um artigo do doutor Rieu Villeneuve, dando conta de um caso que pessoalmente observara, o de um indivíduo que sofria de fratura de uma vértebra, da qual jamais conseguira curar-se e que, ao contrário, ia de mal a pior, sem que o Dr. Villeneuve lograsse descobrir a causa das pioras. Ora, o indivíduo em questão trazia no dedo um anel em que se achava montada magnífica opala. Alguém lhe aconselhou que tirasse do dedo o anel. Desde esse dia, rápida melhora se produziu na vértebra fraturada, que não tardou a ficar perfeitamente curada. O Dr. Villeneuve se declara convicto da influência que a opala exercia sobre as fases da cura, mas explica as causas dessa influência por induções rigorosamente científicas, assinalando que a opala é constituída, principalmente, de sílica e, em menores proporções, de minerais diversos, tendentes todos a dissociar-se – como o radium – lançando em todas as direções seus projéteis, ou “electrônios”, assim como seus raios “alfa”, “beta”, etc. Nada de absurdo haveria em supor-se que, no caso da opala, essas irradiações pudessem exercer influências deletérias sobre a cicatrização das feridas ou a cura das enfermidades.

Tais, em resumo, as considerações sensatas e cientificamente legítimas, que o Dr. Villeneuve formulou. É-se levado a deduzir delas que as superstições sobre as propriedades malfazejas da opala continham um fundo de verdade, pois que se baseavam em fatos mal interpretados, conquanto bem estudados.

Observarei com satisfação que já o professor Richet exprimira, de modo geral, idéia análoga à do Dr. Villeneuve. Em seu Tratado de Metapsíquica, pág. 22, 1ª edição, a propósito dos amuletos, fetiches e sortilégios, pondera ele:

“Mas, repito-o, mesmo com relação a essas superstições ridículas, deve-se ser prudente na negação. Se admitirmos, como parece provado, que há, por vezes, nas coisas uma como emanação, que atua sobre a nossa criptestesia, não seria absurdo que uma vibração qualquer se desprendesse das coisas, com a capacidade de atuar, quer sobre a nossa inteligência, quer sobre a dos outros homens. Ao demais, há nos acontecimentos tal emaranhado, que tudo é possível.”

Considero-me, pois, autorizado a concluir que a interpretação do Dr. Villeneuve deve ser tomada em séria consideração, tanto mais quanto é suscetível de grandes generalizações, no que respeita às pedras preciosas funcionando como amuletos. Dever-se-á, entretanto, reconhecer que a interpretação de que se trata não basta para explicar certas “virtudes” atribuídas a amuletos que não são pedras preciosas, nem às próprias pedras, quando servem de amuletos, “virtudes” que, segundo a análise dos fatos, não poderiam ser atiradas para o rol das superstições que se aglomeraram em torno dessa única e insuficiente parcela de verdade, posta em foco pelo Dr. Villeneuve. Com efeito, os “transportes” de pedras-amuletos, que aqui estudamos, apresentaram modalidades de manifestação que levam a supor que alguma outra parcela de verdade, de categoria muito diversa, se deveria encontrar, oculta e disfarçada, no amontoado de superstições que os séculos nos transmitiram.

Dizendo isto, reporto-me à crença tradicional de que as pedrarias, os amuletos e os talismãs, além da virtude que lhes é inerente à constituição físico-química, possuem outras, adquiridas por meio da saturação de influências provenientes da vontade de personalidades que, conforme os casos, poderiam ser personalidades de vivos ou de trespassados.

Querendo proceder gradualmente e limitando-me a só considerar as influências benfazejas ou maléficas, armazenadas nos objetos e nas pedrarias pela vontade dos vivos, farei notar que esse fenômeno é de natureza a não surpreender os que têm conhecimento bastante dos fenômenos metapsíquicos, dado que o fato de uma saturação fluídica dos objetos, alheia aos próprios objetos, está cientificamente provada pelas experiências de “psicometria”, nas quais a absorção da “aura” de um indivíduo, por um objeto qualquer que ele trouxe durante longo tempo consigo, constitui o fundamento das experiências em questão. E estas – repito-o – pertencem, doravante, aos fenômenos metapsíquicos comprovados experimentalmente e renováveis à vontade.

Além disso, as experiências de “psicometria” também demonstram que a matéria, em geral, é suscetível de registrar as vibrações emanantes dos acontecimentos que perto delas se desenrolam, tornando aptos os “sensitivos psicômetras” a revelar a história dos objetos com que eles se põem em contato, isto é, em relação, e sem nenhuma limitação de tempo. É assim que um pequeno fragmento de fóssil da época quaternária pode bastar para nos revelar um episódio da história geológica e paleontológica do seu tempo, tal como se dá no caso de um objeto usado durante muitos anos por um vivo ou um morto, o qual revela ao sensitivo parte dos acontecimentos que o seu dono viveu.

Segue-se que, em princípio, as experiências de “psicometria” provam a existência de uma “virtude” benéfica ou maléfica registrada e conservada nas gemas, amuletos e talismãs, graças à intervenção de uma vontade exterior. Fora, todavia, mister que esta se caracterizasse por um poder excepcional de irradiação, combinado com uma extraordinária energia volitiva, acrescendo que os objetos assim influenciados teriam de ser eficazes unicamente nos casos de percipientes ultra-sensitivos. A grande maioria dos vivos se conservariam insensíveis a essas influências. É, aliás, o que acontece nas experiências de “psicometria”, em que somente alguns raros sensitivos chegam a perceber as influências existentes nos objetos.

Essas circunstâncias são de natureza a reduzir a proporções muito modestas a eficácia benéfica ou maléfica dos objetos utilizados como amuletos e talismãs. Tanto assim que, nas instruções dadas por “Imperator” sobre a maneira pela qual deviam ser empregadas as jóias-amuletos de que ele provera o grupo dos experimentadores, se depara com uma observação que limita, ao sentido que acabo de indicar, a ação taumatúrgica das pedras trazidas. Diz ele, com efeito, que as propriedades curativas da influência contida nas gemas iam mostrar-se muito eficazes para o médium, por ser ele um “sensitivo”, ao passo que o Dr. Speer, cuja “natureza vigorosa, positiva, magnética se afirmava energicamente”, não experimentaria visíveis feitos curativos, mas apenas influências benéficas, de natureza moral ou espiritual. Essas explicações se confirmaram na prática; reforçam, pois, as conclusões a que chegamos, isto é, que para sentir os efeitos benéficos ou maléficos que as jóias, os amuletos e os talismãs encerram e desprendem de si, importa, antes de tudo, que a pessoa seja um “sensitivo” e que, inversamente, para ser apta a carregar de tais influências os objetos, é absolutamente necessário que possua faculdades magnéticas e força de vontade verdadeiramente excepcionais.

Resumindo-se: se, de um lado, se pode negar que haja amuletos e talismãs efetivamente saturados de certa influência benfazeja ou malfazeja, para quem os traga consigo, de outro lado, a extrema raridade dos indivíduos capazes de influenciar assim os objetos, junto à extrema raridade dos “sensitivos” suscetíveis de lhes sofrerem as influências, de molde a restringir significativamente o fenômeno, nos levam a considerar destituídos de toda importância os amuletos e talismãs. Cumpre se excetuem apenas os casos freqüentes, mas de natureza diversa, que têm como causa um fato auto-sugestivo, determinado pela fé cega nas virtudes taumatúrgicas do objeto que se possua, ou na eficácia das práticas religiosas executadas. Esse caso nos faz entrar noutra ordem de fatos, que podem assemelhar-se aos de que aqui tratamos, porém que, realmente, nada de comum apresentam com eles.

Resta-nos falar de uma última graduação dos fenômenos em apreço, segundo a qual esta forma de saturação dos amuletos não tem exclusivamente como causa a vontade dos vivos, podendo também realizar-se pela vontade dos defuntos. Cingindo-nos ao caso com que nos ocupamos, observarei que não se poderia, racionalmente, pôr em dúvida a origem transcendental, espirítica, dos “transportes” de pedras-amuletos obtidos nas experiências com Moses. E isto, primeiramente, em face das considerações que já expusemos, isto é, que não há em nosso mundo pedras preciosas que se embaciem e mudem de cor, quando o respectivo dono está doente, ao mesmo tempo em que, na opinião dos peritos joalheiros, jamais se viram outras de tanta beleza e pureza. Acresce-se que, não se podendo negar, no caso de que tratamos, a existência, nas pedras preciosas, de uma saturação fluídica benfazeja de origem exterior, restaria perguntar qual seria então a origem dessa influência. Se não era devida à vontade das personalidades espirituais que haviam criado as jóias, qual poderia ser o desconhecido vivo que transmitia, à distância, a sua influência taumatúrgica? Não tem resposta essa pergunta, a menos se busque refúgio, ainda uma vez, na cômoda hipótese da subconsciência, que houvera então tirado do nada as pedras preciosas para, em seguida, as saturar de influências benéficas extraídas de si mesma e que serviriam para curar... a si mesma e aos outros. Mas, é evidente que tudo isso equivale a acumular absurdidades. Os que com isso se contentam têm a liberdade de fazê-lo, mas só com a condição de não falarem em nome dos métodos de pesquisa científica, e sim em homenagem ao direito de soltarem os freios à fantasia.

Há ainda a formular a observação mais importante a esse propósito: é que uma regra elementar das pesquisas científicas exige que nunca se chegue a conclusões de ordem geral, com fundamento na análise parcial de um só grupo episódico, destacado do conjunto dos fatos que formam com ele uma coisa indivisível. Ora, o fenômeno do “transporte” de pedras preciosas mais não é do que um grupo episódico pertencente a um conjunto prodigioso de outros grupos episódicos de ordem física e intelectual que, considerados coletivamente, formam um feixe tal de provas indutivas e coletivas, convergentes para uma explicação única – a interpretação espirítica dos fatos –, que nenhuma dúvida fica sobre a legitimidade dessa interpretação. Unicamente, para se chegar a tais conclusões é preciso haver estudado, analisado, comparado o conteúdo de uma enorme documentação concernente às experiências de que se trata.

Poucas pessoas o têm feito até agora, porque, ademais, não é fácil encontrar-se uma boa parte do material indispensável. Assim, por exemplo, os relatos volumosos e muito importantes da Sra. Stanhope Speer, referentes a uma série inteira de sessões experimentais, que duraram nove anos, apareceu no Light no correr dos anos de 1892 e 1893. Nunca foram reunidos em volume, nem mesmo na Inglaterra, e hoje não há como encontrá-los. Quanto a mim, possuo a coleção completa; posso, pois, contar-me entre as raras pessoas que podem, a tal respeito, emitir juízo com conhecimento de causa. Nessas condições, é manifesto que, se houvessem outros pesquisadores que desejassem, a seu turno, julgar desses fatos, pronunciando-se contra a origem espírita das pedras de que temos falado, e se o fizessem, contentando-se com o basear suas afirmações sobre a análise desse fenômeno, mas isolado do conjunto dos fatos, isto é, tirando da análise parcial de um só grupo episódico conclusões de ordem geral, esses tais cometeriam, pelo menos, um erro imperdoável de metodologia científica.

Em conclusão: os famosos “transportes” de gemas-amuletos, que se realizavam com o auxílio da mediunidade do Rev. William Stainton Moses, não contribuem apenas para pôr em foco as parcelas de verdade existentes no amontoado informe de superstições que se aglomeram em torno da história dos amuletos e dos talismãs; não servem unicamente para clarear esse assunto tão obscuro, legitimando-o em pequena parte e fixando-o em limites muito estreitos a possível influência. Concorrem também, de maneira eficaz, para demonstrar a intervenção incontestável de entidades espirituais nas manifestações mediúnicas a que nos referimos, o que equivale a lhe estender o alcance a todas as grandes manifestações do mesmo gênero.

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Ernesto Bozzano
Relação cronológica de
suas principais obras

por Carlos Bernardo Loureiro

Ernesto Bozzano nasceu em Savona, província de Gênova, na Itália, no ano de 1861, e desencarnou em Gênova a 7 de julho de 1943.

Desde cedo interessou-se viva e precocemente por assuntos ligados à Filosofia, à Psicologia, à Astronomia, às Ciências Naturais e à Parapsicologia.

Após o estudo do livro de Aksakof [3] principiam verdadeiramente as suas investigações metódicas no campo da “ciência da alma”.

Compreende imediatamente a sua grande complexidade e sente a necessidade de penetrá-la até aos seus alicerces, de esquadrinhar as suas origens, estudá-la na história dos povos civilizados e na dos povos selvagens e proceder pessoalmente a experiências com numerosos médiuns.

A lógica irresistível dos fatos fará dele um dos defensores mais ardentes, mais autorizados, mais prestigiosos da tese espírita.

Lê primeiro as obras de Allan Kardec, Gabriel Delanne, Léon Denis, Eugène Nus, William Crookes, A. Russel Wallace, D. D. Home, Du Prel, e adquire as principais obras inglesas e americanas publicadas desde a origem do movimento.

Vai catalogando o conteúdo dessas obras por meio de um classificador alfabético, método precioso e prático que empregará durante toda sua vida.

Adquire assim uma cultura sólida e só depois considera que chegou o momento de pôr frente a frente os seus conhecimentos teóricos com as pesquisas experimentais.

Com alguns amigos, funda em Gênova a primeira Sociedade de Estudos Psíquicos: o Círculo Científico Minerva, onde faz experiências desde 1891 a 1906. Esse Círculo promove, durante quatro anos, magníficas pesquisas, nas quais os experimentadores registram manifestações de toda espécie: pancadas, movimento de objetos, transportes em plena luz e, além disso, provas de identificação espírita.

Também durante três anos faz experiências com a médium Eusápia Paladino. Obtém, especialmente, em companhia dos professores Morselli e Porro, materializações completas de fantasmas em plena luz e estando, ainda, o médium visível ao mesmo tempo.

Durante toda a sua vida, Bozzano prossegue nas suas numerosas experiências e leituras.

Durante meio século de investigações severas, nada parece indigno de uma análise atenta a esse homem de inteligência prodigiosa.

Lê os livros e revistas publicadas em todo o mundo, que versam o assunto que o apaixona. Anota todos os casos interessantes, classifica todos os fatos, dividindo-os em categorias, grupos, subgrupos, e mantém cuidadosamente em dia um quadro geral das matérias.

Esse homem infatigável dispôs assim de uma antologia extraordinária – única, porque só ele efetuou trabalho semelhante – de 1.200 classificações de fatos produzidos em todo o mundo; antologia na qual se encontram registrados todos os fenômenos supranormais e rigorosamente controlados, obtidos experimentalmente ou espontaneamente produzidos desde o início do movimento espírita até os nossos dias, isto é, durante 100 anos.

Essa coleção compreende também todas as teorias, todas as hipóteses imaginadas para explicar os fatos, todas as argumentações, quer sejam excelentes, boas, medíocres, absurdas ou voluntariamente falsas para induzir em erro, que foram formuladas para sustentar essas hipóteses.

Como todo investigador de determinado ramo da ciência, qualquer que seja, Bozzano empregou o processo de análise comparada e fê-la seguir imediatamente de uma síntese.

Nunca se aventurou a emitir conclusões de natureza geral relativamente à origem provável de certa categoria de fatos, sem primeiro ter passado em revista, analisado, comparado, todos os casos conhecidos e todas as hipóteses formuladas.

O escrúpulo que emprega na análise racional dos fatos – diz o Doutor Francesco Leti na revista italiana Mondo Occulto – corta e divide com precisão miraculosa, separando o substancial do acessório, realçando com justeza os pontos que, à primeira vista, não têm qualquer importância para ser submetidos a uma crítica mais minuciosa e a um exame mais rigoroso.

Graças a esse método, que o conduzirá à convergência das provas, critérios de toda a investigação científica; graças a essa prodigiosa massa de fatos inteligentemente reunidos, Bozzano pronuncia-se com autoridade. Rebate as hipóteses dos seus contraditores em todos os domínios do pensamento: filosófico, científico e teológico.

A sua lógica cerrada e o seu raciocínio verdadeiramente matemático tornam-no temível lutador. Sob fogo dos seus argumentos sutis, os adversários emudecem.

Cria renome cada vez maior: depressa é considerado um mestre. Mais de 200 cartas por mês, provenientes de investigadores curiosos de todas as partes do mundo, vêm interromper-lhe as meditações e o trabalho – a delicadeza mais elementar exige uma resposta para essas cartas –; colabora em numerosas revistas italianas e estrangeiras, entre as quais La Revue Spirite.

A parte essencial da sua obra consiste na publicação ininterrupta de monografias poderosas, profundas, das quais só algumas foram traduzidas em francês e inglês. Nelas reúne os fatos mais importantes de cada categoria.

Não elimina a priori qualquer hipótese, porque só tem um objetivo: o conhecimento da verdade. Não emprega frases impressionantes e vazias de sentido. Demonstra com fatos. Fatos mais importantes de cada categoria.

Vamos citar, por ordem cronológica, os seus trabalhos mais importantes e percorrer assim, muito rapidamente, o vasto campo da fenomenologia anímica e espírita.

Em 1903, na Hipótese Espírita e Teorias Científicas, relata-nos Bozzano as suas experiências com a médium Eusápia Paladino. Discute e elimina as hipóteses de fraude, de alucinação e sugestão, passa em revista as teorias explicativas e consagra um capítulo aos fenômenos de interferência, isto é, as diversas causas susceptíveis de alterar as comunicações. Termina pelas provas de identidade fornecidas no decurso dessas sessões. Conclui que tudo concorre para demonstrar que inteligências espirituais, autônomas, estranhas ao médium e aos assistentes presidem realmente à manifestação dos fenômenos mediúnicos.

Em 1909, no estudo intitulado Casos de Identificação Espírita, relata as provas dadas por mortos que viveram obscuramente e desconhecidos do médium e dos assistentes.

Em 1911 (e 1937), nos Fenômenos de Bilocação, comenta os diversos graus de produção dessas manifestações, graus que se completam e reforçam uns aos outros:

• fenômenos ditos de sensação de integridade nos amputados; os membros fluídicos são vistos pelos sensitivos e revelados por fotografias;

• desdobramento apenas esboçado, no qual o indivíduo vê, à distância, o seu duplo, embora conserve plena consciência de si próprio (autoscopia);

• desdobramento completo: a consciência pessoal é transferida para o duplo, que vê, à distância, o seu próprio corpo inanimado;

• desdobramento durante o sono normal, o sono magnético, a síncope, etc.;

• casos em que o duplo de um vivo adormecido é visto por outras pessoas;

• desdobramento fluídico no leito de morte, perceptível aos sensitivos ou aos assistentes;

• descrição de videntes sobre o processo da separação, nos moribundos, do corpo etéreo e do corpo físico, com a intervenção de entidades espirituais.

Os fenômenos de bilocação, por si sós, bastam para demonstrar experimentalmente a existência e a sobrevivência da alma humana. Provam a existência do corpo etéreo, que pode afastar-se temporariamente do corpo físico, durante a existência terrena. Por conseqüência, logo que dele se separa definitivamente na crise da morte, o espírito individualizado continua a sua existência num meio apropriado.

Em 1915 (e 1928) aparece o estudo sobre Os Fenômenos Premonitórios (clarividência do futuro). A análise desses fenômenos concorre para demonstrar que, se é verdade que o destino humano está previamente traçado nas linhas principais do seu desenvolvimento, é igualmente verdade que se deixou ao indivíduo certa liberdade de ação, maior ou menor, segundo o grau da sua maturidade espiritual.

Não há, portanto, livre arbítrio absoluto, nem determinismo absoluto; trata-se, antes, de liberdade condicionada que governa a existência encarnada do espírito.

Em 1919 (e 1929), nos Fenômenos de Obsessão, comenta alguns dos 532 casos que recolheu: estudo extremamente profundo, de uma amplitude impressionante, onde o autor é sempre claro, apesar da complexidade do problema.

É o clássico do Espiritismo contemporâneo e a melhor obra sobre o assunto.

Notamos que os fenômenos de obsessão e os fenômenos mediúnicos são transformáveis, convertíveis e impermutáveis. Isso quer dizer que:

• as manifestações mediúnicas experimentais transformaram-se em fenômenos de obsessão;

• os fenômenos de obsessão transformaram-se em manifestações mediúnicas experimentais;

• os fenômenos de obsessão cessaram após uma sessão mediúnica realizada com esse objetivo no local assombrado, ou após o cumprimento de promessa feita no leito de morte e não cumprida.

Em 1920 é publicada a monografia Aparições de Defuntos no Leito de Morte.

No decorrer do período que precede a agonia, os moribundos vêem por vezes pessoas já falecidas. Essas aparições são vistas:

• só pelo moribundo;

• coletivamente, pelo moribundo e pelos assistentes;

• apenas pelos assistentes, o que é muito raro.

Acrescentemos ainda o importantíssimo grupo das aparições no leito de morte que foram antecipadamente anunciadas e mediunicamente confirmadas.

Em 1920 e 1921 apareceram sucessivamente Os Fenômenos de Telestesia, que aborda a faculdade de experimentar sensações à distância sem o concurso dos sentidos físicos – é a clarividência no presente –, e Os Enigmas da Psicometria, que analisa a faculdade de se pôr em comunicação com uma pessoa (viva ou morta) ou um grupo de pessoas, por meio de um objeto. O contato pode estabelecer-se igualmente com animais, organismos vegetais, matéria inanimada ou determinado meio ligado ao objeto.

Bozzano faz-nos admirar, nesta última obra, o mecanismo completo de faculdade tão desconcertante, que é uma das formas da clarividência.

Em 1922: Os Fenômenos de Telecinesia em Relação com os Acontecimentos de Morte. Trata-se de fenômenos espontâneos; como regra geral, são retratos ou quadros que caem sem qualquer causa natural; ou então relógios que param ou recomeçam a trabalhar; levitação de camas, espelhos partidos, ruídos, toques de campainhas, etc.

Exerce-se, portanto, uma ação física à distância, o que necessita de uma vontade dirigente.

Esses fenômenos podem verificar-se:

• no momento da morte;

• no instante em que a família recebe a notícia;

• no momento em que se evoca a recordação do falecido.

Resultam muitas vezes de promessa feita em vida pelo defunto aos seus amigos.

Repetem-se, em certos casos, até que tenha sido satisfeito o desejo expresso pelo morto antes do trespasse.

Em 1922, em Fenômenos de Música Transcendental,[4] Bozzano classifica as seguintes categorias:

• a música transcendental verificada objetivamente (isto é, nos casos em que há percepção acústica de ondas sonoras) por meio do médium:

1. sem instrumentos musicais (como W. Stainton Moses);

2. com instrumentos musicais (sem contato direto do médium – Home; por intermédio direto do médium, mas de maneira automática – como o pianista Aubert);

• há também manifestações de origem telepática, nas quais o fenômeno de audição musical coincide com um acontecimento de morte à distância; são relativamente raras; é necessário, com efeito, que o agente seja dotado de certa cultura musical;

• audição musical com o caráter de obsessão, ou seja, tendo lugar em locais assombrados;

• música transcendental apercebida por um indivíduo em estado sonambúlico, ou por um sensitivo em vigília, mas sem coincidência de morte;

• audição musical no leito de morte, atuando como percipientes ou somente o moribundo, ou os assistentes, ou todos coletivamente;

• audição musical após a morte, caso em que o fenômeno tem valor como prova de identidade espírita.

Em 1923 Bozzano estuda As Comunicações Mediúnicas entre os Vivos.

As diferentes categorias dessa classe são longamente estudadas. O autor conclui que o fato de poder considerar simultaneamente a causa e o efeito lança uma luz sobre as causas de erros, as interferências e as personificações subconscientes.

No mesmo ano, no estudo de As Manifestações Metafísicas e os Animais, faz a pergunta: os animais têm alma? O autor apóia-se em 150 casos muito curiosos, que comportam as seguintes manifestações:

• episódios telepáticos em que os animais são percipientes ou agentes;

• os animais vêem fantasmas e outras manifestações supranormais, antes do homem ou ao mesmo tempo em que o homem, ou mesmo sós, fora de toda a coincidência telepática;

• de animais e premonições de morte;

• os animais vêem coletivamente como o homem as manifestações que se realizam nos locais assombrados;

• as materializações de fantasmas de animais obtidas experimentalmente;

• as aparições, após a morte, de fantasmas de animais identificados.

Bozzano conclui que tudo contribui para provar a realidade da existência e da sobrevivência da psique animal.

Termina esse livro por uma discussão da maior importância a respeito do problema da vida e da evolução dos seres.

Em 1925 aparecem Povos Primitivos e as Manifestações Supranormais.

Todos os fenômenos que estudamos tem o seu paralelo nos povos primitivos, com as mesmas modalidades de realização.

Essa monografia cita e comenta numerosos testemunhos sobre as crenças e as práticas mágicas dos selvagens.

Em 1926 o autor pulveriza no livro A Propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana” de René Sudre os argumentos antiespíritas de Sudre, bem como as hipóteses acrobáticas formuladas por este para se libertar da tese espírita.

Em 1927 escreve A Propósito de Revelações Transcendentais, ensaio constituído por um estudo comparado extremamente severo quanto à seleção de mensagens em que os espíritos descrevem as condições e os estados da sua existência espiritual, condições e estados que diferem segundo o grau da sua evolução.

Em 1929 aparece, entre outras, a monografia Pensamento e Vontade.

Estudando as formas abstratas e as formas concretas do pensamento, a fotografia transcendental e as materializações, Bozzano demonstra experimentalmente que o pensamento e a vontade – essas duas chaves do universo – são forças plasticizantes e organizadoras.

Esse pequeno livro com uma centena de páginas é um monumento, um verdadeiro clássico do Espiritismo. É a demonstração de todo o poder da idéia, do espírito, que condiciona a matéria.

Ainda em 1929 Bozzano publica A Crise da Morte segundo as descrições dos defuntos que se comunicam. Nessa obra, que não é mais do que um ensaio, estuda as fases que os defuntos atravessam na crise da morte e as circunstâncias da sua entrada no meio espiritual.

Bozzano operou uma seleção severa das mensagens obtidas mediunicamente. Classificou-as, comparou-as, tendo o cuidado de se informar previamente sobre os conhecimentos especiais de cada indivíduo a respeito da doutrina espírita.

Relaciona doze pormenores a respeito dos quais todos os espíritos que se comunicam estão de acordo e que constituem um quadro esquemático dos acontecimentos que nos esperam.

Em 1930, em Literatura de Além-túmulo, estuda uma das formas que revestem as manifestações mediúnicas de natureza inteligente: a produção de obras literárias ditadas por entidades.

Tratam-se de obras de grande interesse, que não podem ser atribuídas a uma elaboração subconsciente da cultura geral – muito limitada –, reconhecida aos médiuns que as escreveram materialmente.

Provêm de entidades estranhas a esses médiuns, sendo as provas constituídas pela forma, o estilo, a técnica da obra, independentemente da caligrafia e outras provas complementares importantes.

Aparecem em seguida (1930) Algumas Variedades Teoricamente Interessantes de Casos de Identificação Espírita.

Em 1931 Bozzano classifica os Fenômenos de Transporte, que consistem na penetração de qualquer objeto numa sala hermeticamente fechada.

Bozzano eliminou completamente todos os fenômenos obtidos em obscuridade completa, com exceção dos obtidos a pedido ou cuja natureza excepcional do objeto transportado tornasse impossível qualquer prática fraudulenta.

Com dois amigos médiuns estudou esses fenômenos durante dez anos, estudo que se prolongou por mais onze meses com Eusápia Paladino.

Destaca as duas seguintes características de enorme importância teórica:

• os objetivos transportados nunca têm valor comercial;

• governam os fenômenos de transporte severas restrições de ordem moral (por exemplo, transporte correto a respeito da propriedade de outrem).

Em 1931, em Marcas e Impressões de Mãos em Fogo, Bozzano reúne dois fenômenos em que as aparições deixam sobre os objetos (tecidos e roupas) traços semelhantes aos das mãos de fogo, vestígios de queimaduras.

A tonalidade vibratória dos fluidos espirituais é mais intensa do que a da substância viva ou dos tecidos vegetais. Logo que as vibrações intensas da substância espiritual encontram as mais fracas da substância viva ou dos tecidos vegetais, estes são destruídos, como se fossem queimados.

Ainda em 1931 publica Investigações sobre as Manifestações Supranormais, onde reúne diferentes estudos, entre os quais citamos:

Da visão panorâmica ou memória sintética na eminência da morte;

As crianças e as aparições dos mortos;

Reminiscência de uma vida anterior;

Psicologia da razão humana;

A significação filosófica da dúvida;

As materializações de fantasmas em proporções minúsculas;[5]

Gemas, amuletos e talismãs;

Casos de reencarnação, de identificação espírita, de premonição, etc.

Em 1932, em Mediunidade Poliglota,[6] cita impressionantes casos de médiuns que falam e escrevem em línguas antigas e modernas, que desconhecem no seu estado normal. Em certos casos, os demais presentes ignoram igualmente essas línguas.

Em 1934, em Telepatia, Telestesia e a Lei da Relação Psíquica, Bozzano mostra que uma lei inexorável de “sintonização” governa essas comunicações psíquicas: é a lei da relação psíquica, que não é mais do que uma manifestação da grande lei cósmica que rege o universo físico e psíquico – a lei da afinidade.

De 1935 a 1937 são publicadas as seguintes obras:

Os fenômenos de transfiguração (consiste na mudança de aspecto de um corpo vivo);

História dos “raps”;[7]

Fenômenos olfativos de natureza patológica, telepática e supranormal;

Perfumes espíritas;

A reprodução da crise que precede a agonia nos defuntos que se comunicam.

Em 1937 o Comitê Organizador do Congresso Espírita Internacional de Glasgow fez a seguinte pergunta a Bozzano: “Animismo ou Espiritismo? Qual destas duas teses explica os fatos?

De certo modo, era pedir ao mestre para resumir o seu trabalho de meio século. A resposta é constituída por uma obra de síntese geral, “A influência dos desencarnados na vida humana”, onde o autor elimina toda a possibilidade de crítica por parte dos seus contraditores.[8]

Nela demonstra que as faculdades supranormais do homem são independentes das leis de evolução biológica das espécies e passa em revista as categorias de fenômenos absolutamente inexplicáveis por outras teorias.

A sua conclusão base é a seguinte:

“Nem o animismo nem o espiritismo podem, individualmente, explicar o conjunto dos fenômenos supranormais. Ambos são indispensáveis para esse fim, pois ambos são os efeitos da mesma causa.

Essa causa é o espírito humano, que, quando se manifesta sob formas passageiras durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta mediunicamente na condição de desencarnado, determina os fenômenos espíritas.

Daqui resulta que os fenômenos metapsíquicos podem ser anímicos ou espíritas, segundo as circunstâncias.

Devemos analisá-los constantemente, caso por caso, antes de nos pronunciarmos quanto à sua origem anímica ou espírita. O que equivale a reconhecer que o erro mais grave em que pode cair um investigador é o de se apressar a generalizar, estendendo a um grupo inteiro de fenômenos as conclusões legitimamente aplicáveis a um só fato examinado.”

Em todas as suas obras, Bozzano foi o campeão da tese: o animismo (manifestação da alma no seu estado de encarnação) prova o espiritismo (manifestação da alma no seu estado de desencarnação).

Afirmar isto, diz ele, é demolir a objeção segundo a qual o Espiritismo tende a explicar “o desconhecimento pelo desconhecido”. É sustentar que, para chegar à demonstração científica da tese espírita, passa-se por uma graduação admirável de causas conhecidas a outras menos conhecidas, mais solidamente baseadas nas que precedem.

As numerosas provas cumulativas que decorrem dos fenômenos anímicos e espíritas convergem todos – quer queiram, quer não – para a demonstração experimental da existência e da sobrevivência do espírito humano.

Quem leu Bozzano com atenção – a menos que de antemão lhe seja hostil e com opinião preconcebida a respeito da tese espírita – deve acabar por admitir que esta se impõe pela sua evidência e amplitude.

Em julho de 1945 o jornal brasileiro “A Luz do Futuro” afirma que Bozzano ultrapassou a sua época. Para ele a hora foi de trabalho. A glória virá amanhã.

Não queremos terminar este trabalho sem sublinhar que os fenômenos mediúnicos, se têm o mérito de ser a base do edifício espírita, não são, contudo, mais do que os meios utilizados para vencer a incredulidade, a dúvida e a indiferença.

Os princípios filosóficos e morais que resultam desses fenômenos são-lhes muitíssimo superiores.

O Espiritismo quer que o homem rejeite todos os sentimentos inferiores, que têm o seu princípio no orgulho e no egoísmo.

Quer que a justiça, a caridade, a solidariedade, a benevolência sejam realidades vivas no seio da humanidade que ponha em prática estes dois grandes princípios: respeito por si próprio e amor ao próximo.

Quer, enfim, que a vida material se organize com fins espirituais.

Conseguirá atingir esses objetivos?

Sem dúvida que sim.

No dia 10 de setembro de 1937 Ernesto Bozzano aparece e defende a seguinte tese no Congresso Espiritista de Glasgow (Escócia), resumindo todo o gigantesco trabalho de pesquisa que realizou ao longo dos anos, sobre as mais importantes manifestações supranormais:

(O texto a seguir foi transcrito do capítulo “Conclusões” da obra Animismo ou Espiritismo?, de Ernesto Bozzano, editado em português pela Federação Espírita Brasileira.)

O presente trabalho, embora seja apenas um resumo substancial de numerosas publicações minhas sobre o tema que me sugeriu o Conselho Diretor do Congresso Espírita de Glasgow, não deixa de revestir notável valor teórico, porquanto, da síntese de múltiplas publicações condensadas num livro de pequeno porte, faz ressaltar longa série de importantes conclusões secundárias, ou de categoria, tiradas das manifestações supranormais – anímicas e espiríticas – em todas as suas graduações. Conquanto de ordem particular, essas conclusões convergem, em imponente massa cumulativa, para uma conclusão solene, de ordem geral: a solução espírita da formidável questão pesquisada pela nova ciência que se chama Metapsíquica.

Não me parecendo oportuno repetir aqui todas as conclusões de ordem secundária a que cheguei, limitar-me-ei a recordar apenas três delas, de importância fundamental.

Em primeiro lugar, lembro haver demonstrado que as faculdades supranormais subconscientes não podem ser os germens de novos sentidos destinados a surgir e fixar-se de forma permanente na humanidade do futuro e isso pelas múltiplas razões que aduzi baseado nos fatos, mas principalmente porque tudo concorre a provar que a posse de sentidos supranormais não se conciliaria com a natureza humana, de modo que as instituições civis, sociais, morais, longe de retirarem daí qualquer vantagem, seriam abaladas em seus fundamentos, anuladas, demolidas, dando em resultado que a evolução psíquica da espécie pararia, degenerando, por não mais funcionar a grande lei biológica da “luta pela vida”.

Uma vez conseguida essa demonstração, aplanado estava o caminho para o conhecimento da verdadeira natureza das faculdades supranormais em apreço, faculdades que são os “sentidos espirituais” da personalidade integral subconsciente, os quais existem pré-formados, em estado latente, nos recessos da subconsciência, aguardando o momento de emergir e atuar no meio espiritual, depois da crise da morte, do mesmo modo que os sentidos terrenos existem pré-formados, em estado latente, no embrião, esperando o momento de emergir e atuar no meio terreno, depois da crise do nascimento.

Por outras palavras: se for indispensável que o embrião humano, destinado a viver e a atuar no meio terreno, tem de aí chegar provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontos a exercitar-se depois da crise do nascimento, igualmente indispensável há de ser que o Espírito desencarnado tenha de chegar ao meio espiritual provido de sentidos apropriados e pré-formados, prontos a ser utilizados depois da crise da morte, porquanto não é possível que os sentidos espirituais sejam criados do nada no instante da morte. Segue-se que, se o Espírito sobrevive, tem que os possuir pré-formados, em estado latente, prontos a entrar em relação com o novo meio que o acolhe. Se assim não fosse, o Espírito não sobreviveria à morte do corpo. Daí se depreende que os fenômenos anímicos são os que facultam ao homem a prova mais solene e incontestável da sobrevivência.

Em segundo lugar, lembro que ficou demonstrado já ser possível circunscrever-se dentro de limites bem definidos os poderes supranormais da subconsciência, poderes designados pelos nomes de “clarividência no espaço e no tempo”, “telepatia”, “psicometria”, “telemnesia” (esta última no sentido de leitura nas subconsciências de outros, sem limites de distância), demonstração cuja conseqüência é privar os opositores da hipótese espírita da mais formidável arma de que dispunham para combatê-la e de que se prevaleciam até ao absurdo.

Em terceiro lugar, lembro que também ficou demonstrado que, mesmo quando se admita – a título de concepção teórica – que as faculdades subconscientes possuem o atributo divino da onisciência, não se conseguiria neutralizar a possibilidade de obter-se um dia a prova científica da sobrevivência humana, possibilidade solidamente firmada no conjunto inteiro das manifestações supranormais – anímicas e espiríticas – e não apenas sobre provas de identificação espírita fundada nas informações pessoais dadas pelos defuntos que se comunicam, conforme presumem constantemente os opositores.

Evidente, portanto, se faz que a solução, no sentido aqui indicado, das três questões fundamentais em apreço equivale à solução do problema do Ser, em sentido espiritualista, donde se segue que o Animismo prova o Espiritismo e de tal modo que, sem o Animismo, o Espiritismo careceria de base.

Ao mesmo tempo e como complemento das conclusões a que cheguei, discuti a fundo, em dois capítulos extensos, os casos das comunicações mediúnicas entre vivos e os fenômenos de “bilocação”, duas categorias de manifestações teoricamente importantíssimas por corroborarem as referidas conclusões, em sentido espiritualista.

No capítulo sobre casos de “comunicações mediúnicas entre vivos”, comecei por explicar que, produzindo-se por processos idênticos àqueles pelos quais se produzem as comunicações mediúnicas de defuntos, aquelas outras ofereciam a possibilidade de apreender-se melhor a gênese destas últimas, lançando luz nova sobre as causas dos erros, das interferências, das mistificações subconscientes que nelas se deparam e, sobretudo, contribuindo a provar com rara eficácia a realidade das comunicações mediúnicas com os defuntos, pela consideração de que, nas comunicações entre vivos, se pode verificar a realidade integral do fenômeno, interrogando as pessoas colocadas “nas duas extremidades do fio” e comprovando que os fatos se desenrolam conforme o diálogo supranormal o fazia supor. Daí a sugestiva dedução de que, quando “na outra extremidade do fio” se acha uma personalidade mediúnica que afirma ser um “Espírito de defunto” e o prova dando informações biográficas que todos os presentes ignoram, racionalmente se deve concluir que “do outro lado do fio” está o “Espírito de defunto” que se declara presente, do mesmo modo que nas comunicações entre vivos é positivamente certo que “no outro extremo do fio” está o vivo que se manifesta mediunicamente.

Uma vez posta a questão a resolver sobre bases, de fato, positivas, restava dissipar uma dúvida relativa às modalidades sob as quais se produzem as duas ordens de fenômenos, dúvida que consiste na aplicação da hipótese telepática como faculdade selecionadora de informações pessoais nas subconsciências de terceiros, sem limites de distância (telemnesia), hipótese esta em que se escudavam os opositores para afirmar que, quando uma personalidade mediúnica dá informações biográficas que todos os presentes ignoram, isso não demonstra que o Espírito de um certo defunto esteja com efeito presente, uma vez que, não se podendo pôr limites às faculdades telepáticas, é sempre de supor-se que o médium haja extraído da subconsciência de pessoas distantes as informações que tenha prestado. Vimos, porém, que essa arbitrária hipótese está em erro na sua primeira proposição, porquanto demonstramos que se podem circunscrever, dentro de limites bem definidos, as faculdades investigadoras da telemnesia. Em seguida, analisando as comunicações mediúnicas entre vivos, chegamos igualmente a demonstrar que a referida hipótese erra também na sua segunda proposição, porquanto tais comunicações, longe de consistirem num processo fantástico da natureza citada, consistem numa verdadeira conversação entre duas personalidades subconscientes, o que equivale a colocar a questão em bases radicalmente diversas, uma vez que se tem de inferir que, se esta última circunstância de fato transforma as comunicações mediúnicas entre vivos em provas resolutivas de identificação pessoal dos vivos que se comunicam, forçosos será concluir-se no mesmo sentido, relativamente às comunicações mediúnicas com os defuntos, transformando-se estas, a seu turno, em provas resolutivas de identificação dos defuntos que se comunicam, tudo isso, bem entendido, sob a condição de que, num caso como no outro, se comprove que as conversações são da natureza indicada.

Firmado isto, segue-se que a solução, no sentido apontado, da importante questão referente às modalidades sob as quais se desenvolvem as relações supranormais entre “dois psiquismos de vivos” assume notabilíssimo valor teórico. Não será, pois, ocioso informar que o Dr Eugène Osty já chegara às mesmas conclusões, investigando os fenômenos de “metagnomia” (lucidez sonambúlica), com respeito aos quais assinalara que, longe de tratar-se de faculdades supranormais capazes de selecionar informações na subconsciência de terceiros, o que há é uma conversação entre dois psiquismos postos em relação entre si. Eis como ele se exprime:

“... Na realidade, é-se vítima de uma ilusão quando, fundado em aparências, se imagina que o sensitivo tira de uma mentalidade latente as informações que fornece. Semelhante ilusão o observador a perde, desde que peça à prática a explicação ao fenômeno. Só então ele apreenderá de que modo o fenômeno se produz, verificando que, quando um sensitivo se propõe a revelar a outros informações sobre vidas vividas, o seu psiquismo se torna o incitador que provoca a atividade do psiquismo de revelar. É, pois, por uma espécie de conversação subconsciente e atual que a reprodução mental elabora esses conhecimentos supranormais. Daí decorre que não se tem de pedir ao sensitivo que revele o que, no momento da experiência, pense uma pessoa distante, porém que se comporte como se essa pessoa se achasse na sua presença. Só desse modo se consegue fazer que duas subconsciências conversem uma com a outra e o resultado de tal colaboração entre dois psiquismos se traduz pelas indicações que o sensitivo ministra sobre a personalidade distante e sobre as vicissitudes da sua vida.” (Revista Metapsíquica, 1926, págs. 14-15).

Assim se exprimiu o Dr. Osty, que é a maior autoridade em pesquisas dessa ordem. Como se vê, não fiz mais do que trazer uma contribuição de fatos excepcionalmente eficazes à confirmação e à corroboração de tudo quanto já ele assinalara, por sua conta, acerca do assunto.

Observarei agora que essa importantíssima solução teórica vale pela condenação definitiva da absurda hipótese segundo a qual as indicações que os médiuns fornecem com relação aos defuntos, e que muito freqüentemente todos os presentes ignoram, são tiradas pelos mesmos médiuns às subconsciências de pessoas distantes que se conheceram em vida, selecionando-as prodigiosamente no imenso emaranhado de impressões mnemônicas aí existentes em estado de latência (telemnesia).

Nenhuma dúvida tenho, portanto, de que a preciosa comprovação em apreço sirva a simplificar admiravelmente a questão das provas de identificação espirítica, restituindo todo o seu valor teórico às manifestações dos defuntos que forneçam indicações pessoais ignoradas de todos os presentes, sobretudo, portanto, em se tratando de defuntos que todos os presentes desconheçam, caso em que o exemplo das “comunicações mediúnicas entre vivos”, por meio das quais se demonstra ser impossível estabelecer-se a relação psíquica com pessoas desconhecidas, tornaria incontestável a interpretação espírita das aludidas manifestações.

A fim de não ser mal compreendido, lembro tudo quanto oportunamente expliquei a esse respeito, isto é, que dos casos de comunicações entre vivos também ressalta a possibilidade de estabelecer-se a relação psíquica com pessoas distantes, desconhecidas de todos os presentes, mas só sob a condição de apresentar-se ao sensitivo um objeto que haja trazido consigo por longo tempo o indivíduo distante com quem se deseje entrar em comunicação (psicometria). É uma “exceção que confirma a regra”, visto que não muda por isso a base indispensável a toda relação psíquica, que consiste na “sintonização entre vibrações específicas”, sintonização que existe entre pessoas que se conhecem e que se pode conseguir indiretamente por meio de um objeto que tenha absorvido as “vibrações específicas” do indivíduo em questão. Ao mesmo tempo, faço notar que esse método indireto de conseguir-se a relação psíquica corrobora tudo o que se dá nas “comunicações mediúnicas com os mortos”, nas quais é analogamente possível estabelecer-se a relação psíquica com defuntos que todos os presentes desconheçam, sob a condição de apresentar-se ao médium um objeto que o defunto desconhecido, com quem se deseja comunicar, haja trazido durante longo tempo consigo. Lembro que esse fenômeno se produzia ordinariamente com a mediunidade da Sra. Piper, como de regra se produz com qualquer médium que genuinamente o seja. Faço notar ainda, a esse propósito, que a analogia da “telegrafia sem fio” ajudará a compreensão de como se dá e fenômeno da “sintonização” – se assim me posso exprimir – entre vivos que não se conhecem e entre defuntos e vivos em condições idênticas. Quer dizer que o objeto saturado de fluidos vitalizados (ou vibrações específicas) do vivo ou do defunto desconhecidos do médium atua à maneira de uma “estação emissora” e outra “receptora”, sintonizadas sobre o mesmo comprimento de onda, entre as quais as mensagens expedidas pela primeira chegam infalivelmente à meta, porquanto as ondas elétricas se expandem globalmente ao infinito.

Passando a falar de outro capítulo em que tratei resumidamente dos fenômenos de “bilocação”, capítulo que, do ponto de vista teórico, é sobremodo importante, limitar-me-ei a observar que tive de insistir muito particularmente sobre os fenômenos dessa natureza, quando se dão no leito de morte, evidenciando que esta última modalidade sob as quais se opera o “animismo” bastaria por si só a demonstrar, com os fatos, a sobrevivência humana. E bastará, sobretudo, se se considerar que, com essa modalidade, se passa, sem solução de continuidade, dos fenômenos “anímicos”, quando tomam a forma de fantasmas de vivos exteriorizados na crise pré-agônica, aos fenômenos “espíritas”, quando tomam forma de “fantasmas de defuntos que se manifestam pouco depois da morte”, ou de “aparições de defuntos junto ao leito dos moribundos”, sem levar em conta as outras sugestivas modalidades sob as quais se manifestam os defuntos, modalidades referidas e comentadas amplamente no capítulo quinto.

Esse capítulo é o mais importante do presente livro,[9] porquanto nele se demonstra, baseada em fatos, a evidência de que, embora se concedesse a onisciência divina à subconsciência humana, não se chegaria a anular a possibilidade de provar-se cientificamente a sobrevivência. Ora, assim sendo, lícito se torna afirmar que o material de fatos por mim reunido e comentado nesse capítulo derroca todas as hipóteses e todas as objeções legítimas ou sofísticas de que dispõem os opositores, fazendo triunfar a causa da verdade, por maneira teoricamente resolutiva. Digo teoricamente, porque, praticamente, haverá sempre os grupos dos irredutíveis, que descrevi nas conclusões do aludido capítulo, os quais, embora não consigam refutar o que ali se contém, se manterão do mesmo modo recalcitrantes ou cépticos, devido à existência bastante conhecida de uma forma de idiossincrasia psíquica que torna impermeáveis a verdades novas as vias cerebrais (misoneísmo).

Mesmo que se pusesse em plena claridade a verdade simples que aqui se propugna, manifesto se faz que a objeção acerca da presumível existência de uma “criptestesia onisciente” constituirá sempre a arma não só preferida dos opositores, como até reconhecida legítima por alguns dos mais eminentes propugnadores da hipótese espírita, os quais se esforçam por lhe anular a eficiência demolidora, invocando as razões do “bom senso”, que, segundo esses propugnadores, deveram bastar para excluir uma hipótese com que se conferem poderes divinos às faculdades subconscientes. Tinham eles razão de apelar para o bom senso contra as audácias inverossímeis da fantasia adversa; mas, as invocações desse gênero eram impotentes para demolir as afirmações dos que se faziam fortes com uma objeção irrefutável, porque indemonstrável. Era necessário, antes, demonstrar-lhes o enorme erro metapsíquico em que incorriam, pretendendo que as provas experimentais da sobrevivência assentavam exclusivamente nos casos de identificação espirítica, fundados em informações pessoais fornecidas pelos defuntos que se comunicam, quando, na realidade, se fundam solidamente no conjunto inteiro da fenomenologia supranormal – anímica e espírita – em que todas as manifestações convergem para a demonstração da existência e da sobrevivência do espírito humano. Ora, é esta última verdade que se acha demonstrada no presente trabalho, baseando-se a demonstração em exemplos tomados às várias categorias de manifestações supranormais, reunidas e comentadas no capítulo quinto.

É realmente curioso que até hoje a ninguém houvesse ocorrido mostrar aos opositores o erro enorme em que caíram e persistiam, bem como que ninguém haja pensado em apontar a alguns eminentes propugnadores da hipótese espírita o erro deplorável em que, a seu turno, haviam incorrido, reconhecendo por justificada a hipótese dos adversários. Entre eles contava-se o genial propugnador de um espiritismo cientificamente compreendido, o Dr. Gustave Geley, que considerou legítima a objeção de que se trata, reconhecendo-lhe a eficácia neutralizante e declarando-a, por enquanto, impossível de ser eliminada, embora fosse ela indubitavelmente fantástica e filosoficamente absurda. Por entender assim é que invocava as razões do “bom senso”. Erro curioso, num pensador da sua força, tanto mais se se ponderar que ele perseverou nesse erro durante toda a sua vida, porquanto, depois de haver admitido a eficácia anulatória de tal objeção, num de seus primeiros livros, admitiu-a francamente ainda no último período da sua nobre existência, dirigindo ao Congresso de Copenhague uma “mensagem”, onde se expressava nestes termos:

“... Por enquanto, seja qual for a prova direta e imediata em favor da sobrevivência, ela corre o risco de ser afastada peremptoriamente pela imensa maioria dos homens de ciência, inclusive os versados em metapsíquica, os quais observam que, a rigor, qualquer fenômeno pode explicar-se por meio das faculdades supranormais da subconsciência. E é manifesto que, se se reconhecerem nos médiuns capacidades multiformes de manifestação, poderes de ideoplastia subconsciente, de criptomnesia, de “leitura do pensamento” e de lucidez, não mais haverá lugar para uma prova segura de identificação espírita. A meu ver, seria inútil negá-lo, para permanecer obstinadamente na senda das identificações pessoais. A demonstração direta da sobrevivência humana, dado seja possível, não constituirá a base, mas o coroamento do edifício metapsíquicos.” (Anais, pág. 38).

Conforme deixei dito, muitos anos antes havia ele externado o mesmo conceito em seu livro: O Ser Subconsciente, deste modo:

“É evidente que, se se admitir um desenvolvimento ilimitado aos fenômenos de “exteriorização” e um poder correlato às faculdades subconscientes, se conseguirá explicar tudo, sem necessidade de recorrer-se à intervenção de entidades espirituais.” (Pág. 103).

Era, portanto, natural que o Dr. Osty colhesse de relance as infelizes declarações do Dr. Geley ao Congresso de Copenhague, para se valer delas como prova de que este último, no derradeiro período de sua vida, renunciara às convicções espíritas. Não perdeu ele a oportunidade para comentar o fato, observando que “a bela inteligência do Dr. Geley, aberta a todas as verdades, não deixara de perceber que tudo em metapsíquica é explicável por meio dos poderes transcendentais dos vivos”, conclusão distanciada da verdade, quer quanto à substância, quer quanto à referência pessoal. Mas, pelo que concerne à referência pessoal, dou-me pressa em acrescentar que o Dr. Osty estava de perfeita boa fé quando assim se exprimia, pois ignorava que o Dr. Geley houvesse formulado o mesmo conceito num dos seus primeiros livros, isto é, quando, incontestavelmente, era espiritualista convicto, qual, aliás, se conservou por toda a sua vida, conforme quem isto escreve o pode atestar, baseado nas últimas cartas que dele recebeu. O que, ao contrário, ressaltava efetivamente dela a reiteração do mesmo erro ao Congresso de Copenhague era isto: o Dr. Geley perseverara toda a sua vida em dar importância à suposição falaz de que não existiam outras manifestações supranormais em favor da sobrevivência, além dos casos de identificação espirítica fundados nas informações pessoais ministradas pelos defuntos que se comunicam.

A este propósito, ocorre acentuar que o erro em que caíram, de um lado, o Dr. Geley e, de outro lado, o Dr. Osty, constitui notável exemplo a confirmar tudo o que afirmei nas conclusões do quinto capítulo, com relação ao fenômeno psicológico referente à grande dificuldade – singularmente generalizada – de terem-se presentes sempre ao critério da razão todos os dados constitutivos da questão a resolver-se, dados perfeitamente conhecidos daquele que os olvida. A conseqüência é que o raciocínio humano quase sempre induz e deduz fundado em processos – às vezes extremamente – parciais de síntese, que levam a lastimáveis conclusões errôneas. Ora, no nosso caso, tanto o Dr. Geley, quanto o Dr. Osty conheciam a fundo todas as categorias de fenômenos que enumerei no capítulo quinto; todavia, em chegando o momento de utilizá-las, antes de concluírem, esqueceram-nas completamente, pelo que foram ambos ter a conclusões erradas, um no empenho de defender, o outro no de destruir as bases da solução espiritualista do problema do Ser!

Tudo isso revigora, de modo eficientíssimo, a seguinte observação de Stanley de Brath:

“É notabilíssimo o fato de que a grande maioria dos espiritualistas e, sobretudo, a grande maioria dos seus opositores dão prova de deplorável incapacidade para firmarem solidamente suas convicções, ou suas opugnações, sobre o conjunto dos fatos pesquisados.”

É precisamente assim e essa comprovação tem o valor de um ensinamento solene, que nunca se deverá esquecer.

*

Concluo epilogando novamente as resultantes obtidas e o faço em forma de resposta à questão que me submeteu o Conselho Diretor do Congresso Espírita Internacional de Glasgow: “Animismo ou Espiritismo? Qual dos dois explica o conjunto dos fatos?”

Respondo: Nem um, nem outro, pois que ambos são indispensáveis à explicação do conjunto dos fenômenos supranormais, cumprindo se observe, a propósito, que eles são efeitos de uma causa única: o espírito humano que, quando se manifesta em momentos fugazes, durante a existência “encarnada”, determina os fenômenos anímicos e, quando se manifesta na condição de “desencarnado” no mundo dos vivos, determina os fenômenos espíritas. Decorre daí um importante ensinamento: que os fenômenos metapsíquicos, considerados em conjunto, a começar pela modestíssima tiptologia da trípode mediúnica e pelos estalidos no âmago da madeira, para terminar nas aparições dos vivos e nas materializações de fantasmas vitalizados e inteligentes, podem ser fenômenos anímicos ou espíritas, conforme as circunstâncias. É racional, com efeito, supor-se que o que um Espírito “desencarnado” pode realizar também deve podê-lo – embora menos bem – um Espírito “encarnado”, sob a condição, porém, de que se ache em fase transitória de diminuição vital, fase que corresponde a um processo incipiente de desencarnação do Espírito (sono fisiológico, sono sonambúlico, sono mediúnico, êxtase, delíquio, narcose, coma).

Segue-se que, em metapsíquica, faz-se necessário constantemente analisar, caso a caso, os fenômenos supranormais, antes de concluir acerca da gênese anímica ou espírita de cada um, o que equivale a reconhecer que o erro mais grave em que pode cair um pesquisador é o de apressar-se a generalizar, estender a todo um grupo de fenômenos supranormais as conclusões legitimamente aplicáveis a um só episódio. E é esse o erro em que muito amiúde incorrem tanto os “animistas totalitários” como os “espiritistas”. Nos primeiros, porém, semelhante erro constitui regra sistemática, pois, se assim não fosse, eles não seriam “animistas totalitários”.

FIM

Notas:


[1] A expressão trazimento foi criada por Guillon Ribeiro, ex-presidente da Federação Espírita Brasileira, na tentativa de traduzir os fenômenos de “transporte” de objetos ou seres vivos para dentro (apport) ou para fora (asport) de um recinto fechado, respectivamente. O termo genérico “transporte” nos parece mais adequado por melhor abranger o fenômeno, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora de um recinto. (Nota do revisor).

[2] Bozzano refere-se, certamente, à sua obra Pensiero e Volontà (Pensamento e Vontade), publicada em português pela editora FEB. (N. R.)

[3] O narrador refere-se à obra Animismo e Espiritismo, publicada em português pela editora FEB. (N. R.)

[4] As três seguintes monografias de Bozzano, citadas nas últimas páginas, quais sejam: “Aparições de defuntos no leito de morte”, “Fenômenos de telecinesia em relação com acontecimentos de morte” e “Música transcendental”, foram reunidas em um único volume, em língua portuguesa, sob o título Fenômenos psíquicos no momento da morte, pela editora FEB. (N. R.)

[5] Essa monografia foi publicada em língua portuguesa em um volume denominado As Materializações de Espíritos, pela editora ECO, que contém duas pequenas obras: “As Materializações de fantasmas”, de Paul Gibier, e a descrita acima, “Materializações de fantasmas em proporções minúsculas”, de Ernesto Bozzano. (N. R.)

[6] Essa obra foi publicada em língua portuguesa sob o título Xenoglossia (mediunidade poliglota), pela editora FEB. (N. R.)

[7] Esse fenômeno, os raps (pancadas mediúnicas), é abordado na obra denominada O Espiritismo e as manifestações supranormais, publicada em português pela editora O Clarim e que contém duas monografias de Bozzano: “Remontando às origens” e “Breve história dos raps”. (N. R.)

[8] Essa importante obra foi publicada em língua portuguesa, sob o título original Animismo ou Espiritismo?, pela editora FEB.

[9] Bozzano se refere à obra Animismo ou Espiritismo?.