Translate

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tomo II- Parte 2

 

Índice do BlogParte 1Parte 2

N. 147. Dizendo aos discípulos que via Satanás cair do céu qual relâmpago, Jesus lhes falava, como sempre, figuradamente. Toda vez que tentardes combater o mal sob qualquer forma que se apresente, mas tendo em vista o progresso e o amor universal, o mal se precipitará nos abismos insondáveis e sua queda servirá para vos esclarecer. Sempre que vos aventurardes por uma estrada desconhecida, difícil, mas ao fim da qual entrevedes o progresso da humanidade, o bem dos vossos irmãos, caminhai desassombradamente. Os reptis venenosos que se ocultam por onde passais não levantarão as cabeças malfazejas, não lançarão seus dardos contra vós. Esmagá-los-eis com os pés e eles se ocultarão envergonhados da derrota. O Senhor protege os que trabalham com zelo na obra de que os encarregou.

Jamais vos orgulheis do que o Senhor permita que façais. Vosso objetivo, vossa única ambição devem consistir em ganhar a recompensa prometida. Rejubilai-vos, portanto, se virdes que vossas obras vos autorizam a esperá-la, mas não tireis daí nenhum motivo de vaidade. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 224

Os que caminham sinceramente nas sendas do Senhor podem rejubilar-se, pois seus nomes estão escritos no "céu". O Mestre paga sempre ao trabalhador na razão do seu trabalho. Se, portanto, sentirdes que vossas obras são boas, sentis igualmente que tendes os nomes escritos para o recebimento do salário.

Espíritas, idêntica à dos discípulos deve ser a vossa alegria, porquanto também sois designados para trabalhar na obra e conseguireis tudo o que tentardes em seu nome, com confiança e sinceridade, com o fim exclusivo de impulsionar o progresso da Humanidade. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 225

MATEUS, Cap. XI, v. 2-6. —LUCAS, Cap. VII, v. 18-23

Discípulos de João mandados por este a Jesus

MATEUS: V. 2. Tendo, na prisão, sabido das obras do Cristo, João mandou que dois de seus discípulos fossem ter com ele — 3, e lhe dissessem: És aquele que tem de vir ou esperamos outro? — 4. Jesus lhes respondeu: Ide contar a João o que vistes e ouvistes. — 5. Os cegos vêem, os coxos caminham, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam; o evangelho é pregado aos pobres. — 6. Bem-aventurado o que não se houver escandalizado de mim.

LUCAS: V. 18. Os discípulos de João lhe referiram todas as coisas que Jesus fazia. — 19. E João chamou dois deles e os mandou a Jesus para lhe perguntarem: És aquele que tem de vir ou é outro o que esperamos? — 20. Esses homens encontrando a Jesus lhe disseram: João Batista nos mandou aqui para te perguntarmos se és aquele que tem de vir ou se é outro o que esperamos? — 21. Nesse mesmo instante, Jesus curou muitas pessoas de enfermidades e chagas e dos maus Espíritos e restituiu a vista a muitos cegos. — 22. Em seguida, respondendo aos discípulos de João, disse: Ide narrar a João o que vistes e ouvistes: que os cegos vêem, que os coxos caminham, que os leprosos estão curados, que os surdos ouvem, que os mortos ressuscitam, que o evangelho é pregado aos pobres. — 23. E bem-aventurado aquele que não se houver escandalizado de mim.

N. 148. A fama levara a João o rumor dos atos de Jesus. João, porém, não tinha a certeza de que Jesus fosse quem devia ser. Enviou-lhe por isso dois de seus discípulos para verificarem se se não tratava de algum hábil impostor. Foi, portanto, para comprovar-lhe a identidade que João lhe mandou seus emissários. O Precursor queria certificar-se de que Jesus era realmente aquele cuja vinda ele anunciara. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 226

Quanto aos chamados "milagres" que Jesus praticou diante dos discípulos de João, nada diremos, por ser inútil repetir explicações já dadas.

Jesus disse: O Evangelho é pregado aos pobres. As palavras "aos pobres" eram ditas mais para aquela época do que para o futuro. Os pobres se viam desprezados, abandonados; ninguém com eles se importava. Falando como falou, o Mestre tinha em mira elevar aquela classe miserável e fazê-la partícipe do progresso intelectual humano.

Tomadas numa acepção geral, aplicando-as a todas as épocas, as palavras "aos pobres" se devem entender como abrangendo todos os que, sentindo a necessidade de se enriquecerem com a palavra evangélica, queiram ouvi-la.

Bem-aventurado, disse também Jesus, aquele que não se houver escandalizado de mim.

Quem quer que repila a moral do Cristo, repele-o. Feliz, pois, daquele que lhe acolhe os preceitos e os põe em prática, porque progride e não tem que temer uma repulsa. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 227

MATEUS, Cap. XI, v. 7-15. —LUCAS, Cap. VII, v. 24-30 e Cap. XVI, v. 16

João. precursor, e Jesus. — Pedra fundamental do edifício da regeneração — Missão nova e futura de João

MATEUS: V. 7. Logo que eles se foram embora, começou Jesus a falar de João ao povo nestes termos: Que é o que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? — 8. Que é, pergunto, o que fostes ver? Um homem vestido de finas roupas? Sabeis que na casa dos reis é que vivem os que se vestem assim. — 9. Que é então o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vo-lo digo, e mais que profeta; — 10, porquanto dele é que está escrito: "Eis que envio, na tua frente, o meu anjo, que te preparará o caminho." — 11. Em verdade vos digo: Nenhum dentre quantos hão nascido de mulher foi maior do que João Batista, mas aquele que for o menor no reino dos céus é maior do que ele. — 12. Desde os dias de João Batista até o presente o reino dos céus sofre violência e os violentos o arrebatam; — 13, pois, até João, todos os profetas e a lei profetizaram; — 14, e, se quiserdes, compreendei: ele é o Elias que há de vir. — 15. Ouçam os que têm ouvidos de ouvir.

LUCAS: V. 24. Logo que se foram os mensageiros de João, entrou Jesus a falar deste à turba, dizendo: Que é o que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? — 25. Que é, pergunto, o que fostes ver? Um homem vestido de finas roupas? Sabeis que nas casas dos reis é que se encontram os que se vestem magnificamente e vivem nas delícias. — 26. Que é, então, o que fostes ver? Um profeta? — Sim, certamente, eu vo-lo digo, e mais que um profeta; — 27, porquanto, dele é que está escrito: Eis que envio, na tua frente, o meu anjo, que te preparará o caminho adiante de ti. — 28. Pelo que, eu vos digo que, dentre os que hão nascido de mulher, nenhum ainda houve maior do que o profeta João Batista; mas, aquele que for o menor no reino de Deus é maior do que ele. — 29. E todo o povo e os publicanos que o ouviram se submeteram aos desígnios de Deus recebendo de João o batismo. — 30. Mas os fariseus e os doutores da lei desprezaram os desígnios de Deus para com eles, não se fazendo batizar por João. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 228

XVI. v. 16. A lei e os profetas duraram até João; a partir daí, o reino de Deus é pregado aos homens e cada um lhe faz violência.

N. 149. Falando de João naqueles termos, Jesus dava testemunho da missão que o Precursor viera desempenhar, assim como anunciava a nova e futura missão que ele desempenhará e lançava a pedra fundamental em que assentaria o edifício da regeneração, edifício que se vai erguendo, embora lentamente.

A época do aparecimento de Jesus na terra, sob a forma corporal humana, vos é indicada como sendo a base do progresso que nas idéias se havia de produzir. E elas se elevaram, fracamente é certo, mas o bastante para se despojarem do envoltório material que as constringia. Tendem, cada vez mais, a se elevar para as regiões espirituais. O acabamento dessa grande empresa, a continuação da obra de Jesus, tal a tarefa que desempenhamos sob as vistas e a direção do Mestre.

Referindo-se a João, dizia Jesus à multidão: Fostes ver um profeta? Sim, eu vo-lo digo, e mais que um profeta, porquanto, dele é que está escrito: "Envio, à tua frente, o meu anjo, que te preparará o caminho".

Jesus se exprimia assim porque João, Espírito adiantado, já atingira um grau de elevação muito mais alto que os profetas. Contai os séculos de trabalho e de saber, decorridos depois da existência de Elias, e compreendereis que, comparando os profetas, nas diversas épocas em que apareceram, com Elias reencarnado como precursor do Cristo, Jesus mos- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 229

trava a extensa linha de progresso que fora percorrida. Hoje, Elias é muito mais ainda do que o Elias dos Hebreus. Quando desempenhar a sua missão espírita, assinalando com essa missão a sua passagem pela terra, maior será ainda, não sob o aspecto da austeridade dos costumes e do Espírito, mas sob o do poder e da ciência.

Nada há imutável na criação. O progresso moral só no seio de Deus pára; ele prossegue sempre, até ao instante em que atinge, nos pés do eterno, os últimos limites da perfeição moral. Quanto ao progresso intelectual, isto é, quanto ao progresso em ciência universal, esse é indefinido. Para o Espírito que se tornou perfeito, vem ele diretamente de Deus, a quem, todavia, o Espírito jamais poderá igualar-se.

"Em verdade vos digo, acrescentava Jesus, falando de João ao povo, que nenhum dentre quantos hão nascido de mulheres foi maior que João Batista; mas, aquele que foro menor no reino dos céus é maior do que ele."

Expressando-se desse modo, procurava Jesus impressionar fortemente os homens materiais e atrasados a quem se dirigia. Apresentando-lhes João, que tão grande era na terra, como inferior ao que menor fosse no reino dos céus, intentava desenvolver naqueles homens as aspirações por esse reino e o desejo de alcançá-lo, ouvindo e guardando as palavras do Precursor e as suas próprias palavras, seguindo os caminhos que ambos traçaram.

A diferença estabelecida entre João encarnado e João Espírito dizia respeito aos entraves da matéria. Por mais elevado que seja, o Espírito sofre sempre a influência do corpo que o constrange. Mas, por isso mesmo, o Senhor não se serve de uma só medida, como fazeis, para julgar dos atos de seus filhos. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 230

Quantas vezes anatematizais o vosso irmão por faltas humanas derivadas da organização da máquina e fechais os olhos às faltas graves provenientes de desvios do Espírito!

João humanizado era naturalmente menos do que João Espírito e Jesus, comparando-o ao menor no reino dos céus, queria que o homem compreendesse a diferença que existe entre o Espírito livre de entraves e o Espírito aprisionado no corpo.

Além disso, afirmava, indiretamente e sob um véu que só a nova revelação levantaria, que, fora da humanidade, ele Jesus era superior a João.

As palavras: "Desde os dias de João Batista até o presente o reino de Deus sofre violência e os violentos o arrebatam" encerravam uma figura destinada a fazer sentir aos Hebreus que os que pretendiam ser os únicos a alcançar o reino dos céus eram incapazes de entrar nele. Tais palavras, repetimos, foram empregadas figuradamente, porquanto o Espírito culpado jamais gozou, nem jamais gozará da felicidade celeste, enquanto não se houver transformado.

E "os violentos o arrebatam", dizia Jesus, porque os fariseus e os escribas pretendiam que eles alcançavam a paz do Senhor por praticarem ostensivamente uma lei que com o coração violavam. Alardeando a posse de todas as graças de Deus, não arrebatavam eles, aos olhos da multidão ignorante, a morada eterna?

Não havia da parte deles nenhuma tentativa, nenhum esforço. Na sua maioria, era o que são os vossos filósofos, os vossos espíritos fortes, os vossos crentes que em nada crêem. Cegavam a massa popular, chamavam a si as honras e os proveitos terrenos e também usurpavam, à vista daqueles pobres cegos, a felicidade e a paz do céu.

Pois, até João todos os profetas e a lei profetizaram." OS QUATRO EVANGELHOS (II) 231

E ninguém escutou as profecias; ninguém procurou verdadeiramente ganhar a morada celeste; todos, pelo pensamento, a usurparam.

O João que tinha de vir veio. Os publicanos constituíam a classe dos empregados subalternos que, obedecendo aos chefes da sinagoga, arrecadavam os impostos, desempenhavam, portanto, funções que sempre despertam a animosidade popular. Eram os mais humildes. Receberam com o povo a palavra de João e, conseguintemente, o batismo de penitência.

Os fariseus eram os sectários orgulhosos, que cumpriam as mais difíceis prescrições de Moisés com o fim exclusivo de demonstrar a sua supremacia. Os doutores da lei eram os que preparavam e punham sobre os ombros de seu irmãos fardos que eles não ousariam tocar com o dedo.

Os fariseus e os doutores da lei, acastelados no seu orgulho, rejeitaram a palavra de João, repeliram os desígnios de Deus para com eles, desprezando a ocasião que se lhes oferecia de entrarem no caminho que conduz a Deus. O batismo era um emblema, mas a palavra de João era o meio.

"A lei e os profetas duraram até João; a partir daí, o reino de Deus é pregado aos homens e cada um lhe faz violência."

Cada um lhe faz violência (linguagem figurada) no sentido de que ninguém se aplica a fazer o que deve para alcançá-lo.

Desde João até os vossos dias o reino de Deus é pregado. Como aqueles de quem falava Jesus, cada um trabalha por criar para si um reino da terra e força o reino do céu, isto é, faz da hipocrisia ou do anátema um meio de conquistá-lo, mas ninguém procura penetrar nele para lá se manter. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 232

"Se quiserdes, compreendei, acrescentou Jesus falando de João, ele é o Elias que há de vir."

E concluiu dizendo: "Ouçam os que têm ouvidos de ouvir", a fim de chamar a atenção, tanto dos homens daquela época como dos do futuro, para as palavras que acabava de proferir, as quais encerravam um sentido oculto, pois que o Elias que havia de vir viera.

Dissemos que Jesus tinha a presciência do futuro, que todos os séculos vindouros se lhe patenteavam aos olhos. Essas palavras, portanto, devem hoje prender-vos a atenção, tal como sucedeu na época em que foram ditas.

Cumpre que todos os que começaram a obra a concluam.

Não acrediteis que, terminada a sua missão terrena, como Precursor do Cristo, Joio tenha deixado de trabalhar pelo progresso do vosso planeta e da sua humanidade. Na condição de Espírito, ele continuou e continua a desempenhar o seu cargo de Precursor.

Neste momento, em que para vós se abre a era nova, que preparará e realizará o advento de Jesus como Espírito da Verdade, como complemento e sanção da verdade, João, em Espírito, vem profetizar de novo. Abri os ouvidos e os corações à sua prédica. Escutai a Elias, que novamente clama ao povo, aos publicanos, aos escribas, aos fariseus e aos doutores da lei dos vossos dias e a todos os homens:

"Arrependei-vos, arrependei-vos; aproxima-se a hora do julgamento, pois que a morte, de um instante para outro, pode surpreender-vos e entregar os Espíritos culpados à expiação na erraticidade e, depois, às angústias e penas da reencarnação. Aproxima-se a hora do julgamento, pois não vem longe o instante em que o vosso planeta passará pelo cadinho da depuração, no qual os maus serão separados dos bons; o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 233

instante em que os Espíritos que então permanecerem culpados e rebeldes, voluntariamente cegos, se verão deportados para mundos inferiores, onde terão que expiar durante longos séculos a sua rebeldia. Vigiai, vigiai, a fim de não serdes surpreendidos. Purificai-vos, porquanto, embora os ladrões tentem penetrar na morada celeste, só os eleitos serão aí recebidos. Todos sois destinados a figurar no número dos eleitos, visto que, para o Senhor, não há eleitos, nem réprobos, segundo as falsas interpretações humanas. Mas, como o que é impuro não se aproxima dele, os eleitos não podem ser e não são senão Espíritos puros e os Espíritos, para alcançarem a pureza, a perfeição, têm que galgar todos os degraus da escala do progresso, única que conduz ao cume. Purificai-vos, pois. Todos vós podeis consegui-lo. Tornai-vos puros, tornai-vos perfeitos e então, mas só então, sereis eleitos e penetrareis na celeste morada, aproximando-vos do centro da onipotência".

"João é o Elias que há de vir. Ouçam os que têm ouvidos de ouvir.'

Elias-João, o Precursor, ainda reaparecerá no meio de vós. Sua presença assinalará um imenso progresso, tanto no terreno moral, como no da ciência. Sua futura missão consistirá em alargar o círculo das vossas idéias, dos vossos conhecimentos, fortificando em vós o amor universal e a caridade que lhe é conseqüente.

Não nos é permitido, portanto não nos é dado, dizer-vos em que dia estas coisas ocorrerão, mas os tempos se aproximam. Já o dissemos (tomo 1º, n. 2, pág. 138) e repetimos: Quando puderdes acompanhar a vida de um homem, passo a passo, desde a primeira infância até os últimos extremos da existência terrena, sem lhe notardes jamais qualquer mácula ou fraqueza, vendo-o erguer para o céu a fronte pura, sem que jamais uma lembrança amarga o faça corar, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 234

ouvindo-o pregar exatamente a moral que todos os seus atos, ainda os mais ocultos, sancionem, podereis dizer: Ali está em missão um Espírito superior. E se, em torno de vós, se multiplicarem as individualidades dessa ordem, podereis dizer: aproxima-se o momento em que o Precursor virá anunciar-nos a boa nova, preparar-nos para entrar na vida espiritual, que nos porá em condições de recebermos a Jesus como Espírito da Verdade, como sanção e complemento da verdade. Nessa época, também se repetirão na terra os casos de aparição idênticos ao da de Jesus quando ai foi desempenhar sua missão terrena, isto é, por incorporação puramente perispirítica, mediante o revestimento de um perispírito tangível com a aparência do corpo humano.

Nota da Editora — Algumas traduções acrescentam ao vers. 28 do Cap. 7 de Lucas, a palavra Profeta, que não existe no texto grego; mas as traduções modernas já corrigiram, eliminando o enxerto. Vemos na excelente Edição Brasileira: "Entre os nascidos de mulher não há nenhum maior do que João; mas o que é menor no reino de Deus, é maior do que ele." Na fidelíssima tradução em Esperanto: "Inter naskitoj de virinoj estas neniu pli granda ol Johano: tamen tiu, kiu estas nur malgranda en Ia regno de Dio, estas pli granda ol li." OS QUATRO EVANGELHOS (II) 235

MATEUS, Cap. XI, v. 16-19. —LUCAS, Cap. VII, v. 31-35

João e Jesus incompreendidos pelos Hebreus. João e Jesus compreendidos hoje pelos que são os filhos do Senhor

MATEUS: V. 16. Com que compararei esta geração? Ela se assemelha a crianças que, assentadas na praça pública e aos gritos, — 17, dizem aos seus companheiros: Tocamos flauta para vós outros e não dançastes; lamentamo-nos e não chorastes. — 18. Veio João e, porque não come, nem bebe, dizem: Está possesso do demônio. — 19. O filho do homem veio e porque come e bebe, dizem: "Ali está um comilão e bebedor de vinho, amigo dos publicanos e dos pecadores". Mas, a sabedoria é justificada pelos seus filhos.

LUCAS: V. 31. Disse o Senhor: Com que compararei os homens desta geração? A quem se assemelham? — 32. Assemelham-se a meninos que, sentados na praça pública e falando uns para os outros, dizem: Tocamos flauta para vós e não dançastes; entoamos lamentações e não chorastes. — 33. João Batista veio e, porque não come pão nem bebe vinho, dizeis: Está possesso do demônio. — 34. O filho do homem veio, come e bebe e dizeis: É um comilão e beberraz, amigo dos publicanos e dos pecadores. — 35. mas, a sabedoria é justificada por todos os seus filhos.

N. 150. Nesta linguagem apropriada à capacidade intelectual daqueles que o ouviam, Jesus fazia ver aos homens que suas inteligências rebeldes recusavam todos os testemunhos, quaisquer que fossem, procurando para o que observavam uma razão de ser estranha à bondade de Deus e não se rendendo nem à evidência.

“Mas, a sabedoria é justificada por todos os seus filhos”. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 236

Estas palavras visavam o futuro. Os que viram não compreenderam. Com os séculos, os Espíritos se desenvolveram e vós hoje compreendeis. Sábios, filhos de Jesus, são os que compreendem as verdades que os cegos negaram.

João veio e, porque não come pão e não bebe vinho, dizeis: Está possesso do demônio."

João, o Precursor, vivia afastado dos homens. Sua grande sobriedade espantava os Hebreus, que sacrificavam o que lhes fosse possível à satisfação dos apetites materiais. A vida de insulamento, de contemplação, de toda sorte de continência, que João se impusera, causava surpresa ao povo. E, como não pudessem compreender que um homem voluntariamente se submetesse a tal existência, tinham-no por vítima de uma obsessão, que o impelia para o deserto, a viver fora de todas as leis estabelecidas.

João, porém, assim procedendo, cumpria a sua missão, dava, como Precursor, o ensinamento e o exemplo da penitência, que tinha por emblema o batismo às margens do Jordão, sendo a sua palavra o meio de os homens se prepararem para entrar nos caminhos do Senhor.

"O filho do homem veio e, porque come e bebe, dizeis: É um comilão e beberraz, amigo dos publicanos e dos pecadores."

Ao contrário de João, Jesus vivia no meio dos homens, a fim de mostrar a todos o que é praticar o amor e a caridade.

Vulgarizava, por assim dizer, as virtudes que pregava, a fim de as tornar mais compreensíveis. Incorporava-se nas classes desprezadas, para mostrar aos orgulhosos que o primordial dever do homem é dispensar assistência, primeiramente aos que estão, ou que ele julga estarem, abaixo de si. Assentava-se, diante dos homens, à mesa do pobre, para que este OS QUATRO EVANGELHOS (II) 237

aprendesse a descobrir o verdadeiro sabor do seu pão. Dormia (ao que todos supunham) sob o teto do portageiro, para lhe dar a ver a calma que resulta da pureza da consciência. Navegava com os pescadores, a fim de lhes incutir o desprezo à morte, tendo por fundamento a fé e a eternidade. "Vivia" a vida do homem na companhia do homem, mas não na do orgulhoso, razão por que os orgulhosos o acusavam de se comprazer nos centros abjetos da sociedade de então.

Haveis porventura mudado, oh! homens, que dizeis, com Jesus, que ele não veio curar os que gozam saúde, nem salvar os que não estão perdidos, nem ainda dar coragem aos que não desesperam?

Haveis porventura mudado? Estais dispostos a entrar na cabana do portageiro, a sentar-vos à sua mesa, para que ele, esquecendo a distância que vos separa, não vendo diante de si senão um homem seu igual, apenas mais instruído e, sobretudo, melhor, se decida a receber as lições de probidade, de desinteresse que lhe podeis dar? Estais dispostos a estender a mão aos de má vida, dizendo-lhes: "Irmãos, enveredastes por mau caminho; vinde comigo; apoiai-vos em mim, que não temo os salpicos da lama que vos cobre. Minha mão, ao contrário, vos enxugará o rosto, vos limpará os olhos obscurecidos e vos mostrará a luz que guia para fora desta estrada perigosa em que penetrastes. Irmãos, vinde comigo, eu vos abrirei caminho; levantai-vos e, pouco a pouco, crescereis e transporeis esse oceano de vasa prestes a tragar-vos"?

Homens, espíritas, fazei como Jesus, sem vos preocupardes com os orgulhosos escribas e fariseus do vosso tempo. Pois que não viveis na solidão, como o Precursor, segui o exemplo de Jesus: comei e bebei, como Jesus, à mesa do pobre, do desprezado, do réprobo, porquanto lhe levareis então uma porção OS QUATRO EVANGELHOS (II) 238

do alimento que o sustentará pelos séculos vindouros: o pão de vida que nutre a alma, clareia a inteligência e purifica o coração. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 239

LUCAS, Cap. VII, v. 36-50

Pecadora que banha de lágrimas os pés de Jesus e os enxuga com seus cabelos, derramando bálsamo sobre eles

V. 36. Tendo-lhe um fariseu pedido que em sua casa fosse comer, Jesus entrou na casa do fariseu e tomou lugar à sua mesa. — 37. Logo uma pecadora da cidade, sabendo que Jesus estava à mesa em casa desse fariseu, aí veio ter, trazendo um vaso de alabastro cheio de bálsamo; — 38, e, colocando-se por trás dele, se pôs a banhar-lhe de lágrimas os pés, a enxugá-los com os cabelos, ao mesmo tempo que os beijava e os ungia com o bálsamo. — 39. Vendo isso, o fariseu que o convidara disse de si para si: Se este homem fora profeta, saberia quem é esta mulher que o toca, que é uma pecadora. — 40. Jesus então lhe disse: Simão, tenho alguma coisa a te dizer. Ao que ele respondeu: Mestre, fala. — 41. Um credor, disse Jesus, tinha dois devedores; um lhe devia quinhentos denários e o outro cinqüenta. — 42. Como não tivessem com que pagar, o credor perdoou as dividas a ambos. Qual dos dois, em conseqüência, mais o estimará? — 43. Simão respondeu: Creio que aquele a quem ele mais perdoou. Jesus lhe retrucou: julgaste bem. — 44. E, voltando-se para a mulher, disse ainda a Simão: Vês esta mulher? Entrei na tua casa, não me deste água para lavar os pés, enquanto que ela, ao contrário, mos banhou com suas lágrimas e os enxugou com seus cabelos. — 45. Não me deste ósculo e ela, desde que entrou, não cessa de me beijar os pés. — 46. Não me ungiste com bálsamo a cabeça, ao passo que ela me unge com bálsamo os pés. — 47. Eis te declaro que muitos pecados lhe são perdoados, pois que ela muito amou. Aquele a quem menos se perdoa menos ama. — 48. E disse à mulher: Teus pecados te são perdoados. — 49. Os que com ele estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa os pecados? — 50. Jesus disse ainda à mulher: Tua fé te salvou; vai em paz. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 240

N. 151. O fato aqui referido constitui um exemplo da influência que, sobre os destinos do homem, tem o arrependimento.

Não por haver banhado os pés de Jesus com bálsamo e com lágrimas obtém a pecadora o perdão, mas porque esse ato era a conseqüência do pesar sincero e profundo que lhe causavam suas faltas e por serem imensas sua fé e sua esperança naquele diante de quem se prosternava.

Mulher de costumes livres, que vendia o corpo, ela, na sua beleza, se humilhava, enxugando com os cabelos aqueles pés que o seu arrependimento banhava de lágrimas. Ela, que era vaidosa de seus encantos, sacrificava ao arrependimento os perfumes que serviam para torná-la mais sedutora e para, pelo aroma penetrante, excitar os desejos dos que lhe pagavam as carícias. Esses perfumes, elementos das suas orgias, se santificavam ao contacto com o santo dos santos. E a pecadora se limpava das suas faltas pela satisfação com que se separava desses objetos de luxo, únicos que possuía. Renunciava assim ao seu passado de desordens e fazia sinceras promessas de reparação no futuro.

Não zombeis da pecadora aos pés de Jesus. Ao contrário, imitando-a, vinde todos, todos sem exceção, derramar na fronte do Mestre os inebriantes perfumes que vos perdem e ouvireis de sua boca palavras de paz, de consolação e de amor. A ele e só a ele o pai onipotente deu o poder de ligar e desligar na terra e no céu. Os apóstolos lhe obedeciam, eram os agentes que ele escolhera e obravam inspirados e guiados pelos Espíritos superiores, quando também ligavam e desligavam na terra e no céu.

Temos ainda que vos chamar a atenção para alguns pontos.

Como veio ao fariseu Simão a idéia de convidar a Jesus para lhe entrar em casa e sentar-se à sua mesa? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 241

Como pôde a mulher, sendo uma pecadora, penetrar na sala do festim?

O fariseu queria sondar a Jesus para descobrir nele o ponto vulnerável. Só se aproximando do Mestre podia esperar consegui-lo. Mesmo a introdução de Maria na sala era uma cilada. De outra forma ela não houvera podido penetrar lá, do mesmo modo que, sem a vossa autorização, uma desclassificada não entrará em vossas casas.

Dirigindo ao fariseu Simão as palavras dos v. 41 a 46, Jesus estabeleceu uma comparação toda material, para ser compreendido por um homem material. Os fariseus não só eram orgulhosos, como também cúpidos e avarentos. O exemplo que Jesus figurou não podia, portanto, deixar de ser compreendido e apreciado por um Espírito dessa ordem.

Sim, aquele a quem mais se perdoou será certamente o mais reconhecido. Todavia, o perdão não é concedido sem ser suplicado e as súplicas devem ser fervorosas e reiteradas, pois que o Senhor não salda a dívida de quem se mostre propenso a contrair outras. Fá-lo somente aquele que seja capaz de, no futuro, manter-se sem desvio no caminho reto.

Jesus, com o que disse a Simão (v. 44-47), apontando para a mulher, aludia respectivamente aos sentimentos dele e dela. Lendo no pensamento do fariseu, conhecia a razão do acolhimento que lhe este dispensara.

Disse então à mulher: "Teus pecados te são perdoados (v. 48)"

A graça não é o que a igreja humana forjou. No caso da pecadora, havia remorso sincero e profundo. Seguir-se-ia a reparação, que lhe não seria duramente imposta, como sucede quando se trata de culpados endurecidos, mas uma reparação feita com felicidade, com alegria, visando alcançar o progresso OS QUATRO EVANGELHOS (II) 242

que deixara de realizar e entrar de novo em graça perante o amor do Pai.

Disse ainda Jesus à mulher: "Tua fé te salvou; vai em paz."

A fé que ela tivera em Jesus é que lhe abrira os olhos para o seu proceder. A comparação entre a vida sem mácula do Mestre e os excessos inumeráveis da sua própria vida de pecadora foi o que a impressionou e impeliu a vir suplicar o perdão de suas faltas, aos pés daquele que ela considerava um enviado celeste.

Nas suas interpretações, os homens se equivocaram completamente quanto ao sentido destas palavras de Jesus ao fariseu Simão:

“Eis te declaro que muitos pecados lhe são perdoados, porque ela muito amou."

Dizendo de Maria que muito lhe era perdoado por haver ela amado muito, Jesus não entrava em nenhuma das considerações a que deram lugar as interpretações humanas. O amor de que ele falava era o amor considerado do ponto de vista da caridade. Conquanto mulher de vida dissoluta, Maria tinha um coração sensível às misérias de seus semelhantes. De natureza fraca e impressionável, sua existência de deboche era mesmo devida ao excesso do seu amor à família, com a qual repartia, em larga proporção, o produto do seu vergonhoso comércio. Grande era a sua caridade; jamais um infortúnio apelara em vão para a sua piedade. Sua própria queda fora um ato de devotamento. Aí tendes o que se não vos havia dito; aí tendes ainda o que será encarado como encorajamento ao vício, sob o pretexto do devotamento a pais pobres; aí tendes, todavia, a fonte de tantos vícios que repelis das vossas vistas com horror, quando, muitas vezes, um conselho, um socorro fariam o que fizeram as santas palavras de Jesus. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 243

Espírito fraco, Maria quisera lutar contra a sua fraqueza, quisera o combate excessivamente rude. Sucumbiu a princípio, porém levantou-se mais forte e mais valorosa, não aos. olhos dos homens, que nada perdoam, tendo, embora, tanta necessidade de perdão, mas aos olhos daquele que sonda os corações e as entranhas e para quem o pensamento culposo e oculto o mesmo é que o ato praticado. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 244

MATEUS, Cap. XI, v. 20-24. —LUCAS, Cap. X, v. 13-15

Cidades impenitentes

MATEUS: V. 20. Começou ele então a exprobrar às cidades onde realizara tantos milagres o não terem feito penitência. — 21. Ai de ti, Corozain! Ai de ti, Betsaida! pois que, se os prodígios operados dentro de vós o tivessem sido em Tiro e em Sídon, elas teriam feito penitência em cilícios e em cinza. — 22. Eis porque vos digo que, no dia do juízo, Tiro e Sídon serão tratadas com menos rigor do que vós. — 23. E tu, Cafarnaum, porventura te elevarás até ao céu? Serás abatida até ao inferno, porquanto, se os milagres operados dentro dos teus muros o tivessem sido em Sodoma, talvez que esta ainda hoje subsistisse. — 24. Eis porque te digo que no dia do juízo a terra de Sodoma será tratada com menos rigor do que tu.

LUCAS: V. 13. Ai de ti, Corozain!. Ai de ti, Betsaida! pois que, se os prodígios operados dentro de vós o tivessem sido outrora em Tiro e em Sídon, elas teriam feito penitência nos cilícios e nas cinzas. — 14. Eis porque, no dia do juízo, Tiro e Sídon serão tratadas com menos rigor do que vós. — 15. E tu, Cafarnaum, que te elevaste até ao céu, tu submergirás até ao inferno.

N. 152. Estas palavras de Jesus se referem ao estado dos Espíritos encarnados naquela época.

“Penitência" significa "arrependimento". Quando diz que Tiro e Sídon teriam feito penitência, cobrindo-se de cilícios e de cinzas, se houveram visto os milagres que se operaram em Corozain e Betsaida, Jesus se serve de imagens materiais, apropriadas, como sempre, aos Espíritos do tempo. A penitência do Espírito consiste no causticante remorso de suas faltas e na expiação que se lhe segue. Mas, tudo na ordem moral. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 245

Porventura fora possível conseguir que seres materiais, como eram até mesmo os primeiros adeptos do Cristianismo, compreendessem que a penitência moral basta para o resgate das faltas perante a justiça de Deus? Nas suas transgressões, eles não viam mais do que o ato material, conseguintemente não podiam admitir uma reparação que não fosse material.

Apreciai de outra maneira as coisas, oh! bem-amados; procurai o ato espiritual, penitenciai-vos dele e, de futuro, não praticareis mais ato material algum capaz de ofender o Senhor. Domine o Espírito em vós o corpo, que a carne, subjugada, se tornará instrumento obediente, próprio a efetuar com maior presteza e maior facilidade a purificação espiritual.

Jesus declara que os habitantes de Tiro e de Sídon serão tratados com menos rigor do que os de Corozain e de Betsaida, porque a estes a luz foi trazida e eles a recusaram.

"A terra de Sodoma. disse igualmente Jesus, será tratada com menos rigor do que Cafarnaum."

É que em Sodoma os crimes tinham principalmente por origem o rebaixamento da matéria, ao passo que os de Cafarnaum se originavam da revolta do Espírito. Fazendo aquela distinção entre Sodoma e Cafarnaum, queria Jesus que os homens compreendessem que, de todos os crimes passíveis de castigo, os mais graves são os que a inteligência comete. Conhecendo o Senhor as fraquezas da vossa matéria, não pune os seus arrastamentos, senão quando o Espírito participa deles conscientemente. Cafarnaum recebera a luz, fora testemunha dos milagres e, orgulhosa, tudo rejeitara; entretanto Sodoma, atascada no lodaçal da matéria, talvez houvera saído da cloaca imunda das paixões grosseiras, se ouvira a palavra do Mestre; talvez, se vira os milagres, houvera aceitado a luz, es- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 246

cutado a voz do arrependimento e renunciado a seus crimes, dando ao Espírito o predomínio sobre os instintos brutais.

Não vos admireis de que Jesus tenha usado do termo "talvez" quando, ao falar de Sodoma, disse: "Talvez que ainda hoje ela subsistisse".

Sem dúvida alguma, estando em relação constante e direta com Deus, ele, como sabeis, tinha a presciência do futuro e bem assim o conhecimento do passado. Dizia "talvez", porque não convinha que falasse aos homens, de modo preciso, dos atos daquele que nenhuma criatura humana pode sondar. Era mister (também o sabeis e não o percais de vista) que, como sucedia, Jesus passasse então entre os homens, entre os hebreus, por um homem igual a eles e, sendo assim, não podia apresentar-se-lhes como conhecedor do juízo de Deus.

Exprimindo-se, relativamente a Cafarnaum, desta maneira: "Tu que te elevaste até ao céu", isto é, tu que foste inundada de luz e que, orgulhosa, a rejeitaste, "submergirás no inferno", usava Jesus de expressões e linguagem apropriadas à inteligência de seus ouvintes. Por inferno designava, veladamente, as penas que os Espíritos culpados sofrem, primeiro, na erraticidade e, depois, reencarnando na terra ou em mundos inferiores, de provações e expiação.

O inferno, já o temos dito, é a consciência do culpado e o lugar, qualquer que este seja, onde expia suas faltas.

Não se trata de espaço limitado. O lugar, seja qual for, que o Espírito sofredor ocupe quando na erraticidade, é bem o que ainda chamais e Jesus alegoricamente chamava inferno, pois que, em tal lugar, o Espírito se acha presa de contínuas torturas. Também o Espírito encarnado se acha realmente num inferno quando, metido na prisão de carne em mundos inferiores, passa por provações, por sofrimentos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 247

ou torturas físicas e morais, por expiações, que constituem a pena secreta da sua encarnação precedente, a pena correspondente ao que lhe cumpre ainda reparar, tendo em vista suas existências anteriores.

Jesus disse: `No dia do juízo", falando dos habitantes de Tiro e de Sídon, de Corozain e de Betsaida, de Cafarnaum e de Sodoma. Foi uma figura, uma comparação de que se serviu o Mestre. Deveis compreender-lhe as palavras do modo seguinte: "Digo-vos que os de Corozain e de Betsaida serão julgados mais severamente do que os de Tiro e de Sídon que, juntos com os primeiros, se apresentarão ao Juiz Supremo; — que os de Cafarnaum serão julgados mais severamente do que os de Sodoma, que, com eles, se apresentarão ao Juiz Supremo".

Tende sempre em conta o estilo figurado de que usava Jesus, forçado pelas necessidades da época, pelos preconceitos respeitados, pelo estado das inteligências, pela conveniência de velar a verdade, até que chegassem os vossos dias, em que o espírito, mediante o advento da nova revelação, seria despojado da letra, a fim de preparar os homens para se tornarem adoradores do pai em espírito e em verdade.

As palavras — "no dia do juízo" — não tinham, no pensamento então velado de Jesus, a significação de um juízo final, a que sejam chamados, como o diz a Igreja, todos os que morreram desde a origem dos. tempos. Não; os habitantes de Tiro e de Sídon, de Corozain e de Betsaida, de Cafarnaum e de Sodoma, bem como todos os Espíritos culpados que hão vivido na terra desde que o homem aí apareceu, passaram, depois da morte ao cabo de cada existência, pelo julgamento, isto é: pela expiação na erraticidade e, em seguida, pela reencarnação.

Dentre os Espíritos culpados das diversas cidades de que falava Jesus, alguns já terminaram suas provações expiatórias, outros progrediram muito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 248

Poucos chegarão à época da renovação do vosso planeta, sem terem logrado a satisfação de seus desejos.

Não haverá, repetimos, juízo final, como o diz a Igreja. O que de fato se dará é que, nos últimos dias da era material da humanidade terrena, os que se conservarem rebeldes serão degredados para mundos inferiores. Só os que tiverem chegado ao grau de aperfeiçoamento que devem atingir poderão permanecer na Terra, para aí continuarem a avançar na senda do progresso. Não é essa, porém, a idéia que, influenciados pelas falsas interpretações próprias do reinado da letra, os homens fazem do juízo final. Os Espíritos culpados irão sendo afastados gradualmente da terra e esta se purificará de modo quase imperceptível para vós outros. A renovação do vosso planeta não resultará de um violento abalo, mas de um progresso continuo.

Atualmente, ainda estais numa era material, pois que vos achais ainda sob o império da matéria e as coisas no vosso planeta estão dispostas por maneira a que este preencha as condições necessárias à vossa existência. Mas, tempos virão em que a Terra progredirá, do mesmo passo que os vossos corpos, e se elevará como essência, purificando-se, eternizando-se.

Quanto mais crescer em vós o domínio do Espírito, tanto mais diminuirão as necessidades materiais e, entre os homens de então e os de agora, mais sensível será a diferença material, do que a que existe entre os de hoje e os primeiros habitantes do vosso globo. Na época da matéria, vida e órgãos materiais; na do Espírito, a espiritualidade. O vosso planeta está destinado, como todos os que gravitam na imensidade, a percorrer a via do progresso até ao dia em que a transformação se complete e em que, quais homens despojados da matéria, vivereis espiritual e fluidicamente, num mundo fluídico. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 249

A época da renovação da Terra será aquela em que os Espíritos ainda rebeldes, ao voltarem para o mundo dos Espíritos, começarão a ser afastados dela e mandados para mundos inferiores. Nessa época, as calamidades, ou seja o que chamais calamidades públicas, abrirão grandes claros nas fileiras humanas, a fim de que estas se renovem mais depressa.

Do ponto de vista físico, a Terra, já o temos dito, acompanhará o progredir do Espírito e o progresso físico deste, de harmonia com o do planeta, será conseqüência do seu progresso moral e intelectual.

Como todos os mundos já formados e todos os que se hão de formar na imensidade e na eternidade, segundo as leis naturais e imutáveis estabelecidas por Deus, destinados ao progresso da essência espiritual ou Espírito em formação e ao dos Espíritos que faliram e que, por isso, ficam sujeitos à encarnação humana, o vosso planeta saiu dos fluidos impuros, depois chegou, progressivamente, ao estado material, donde passará, num progredir contínuo, a estados cada vez menos materiais, até chegar, por sucessivas transformações, ao de pura fluidez, no qual ele e a humanidade a que serve de morada se encontrarão livres de todas as impurezas da matéria.

Sim, cada abalo, cada deslocamento do mundo terráqueo serve para levá-lo à transformação. Deveis compreender que, chamado a desempenhar outras funções, não pode ele permanecer no mesmo meio. Com o correr dos tempos e mediante esses gradativos deslocamentos, a Terra tomará lugar nas regiões dos fluidos sutis, onde tendes que viver. Enquanto isso, outro planeta, afastando-se por sua vez do seu centro de formação, virá desempenhar as funções que o vosso desempenhava. No último período dessa transformação, isto é: no momento em que a Terra estiver prestes a passar ao estado fluídico puro, e ao de Es- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 250

píritos puros os que compõem a humanidade terrena, é que Jesus aparecerá, como ele próprio disse, na plenitude do seu poder, da sua glória, da sua pureza perfeita e imaculada, para vos mostrar a verdade sem véu, para vos conduzir ao foco da onipotência e vos fazer conhecer o Pai. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 251

MATEUS, Cap. XI, v. 25-27. —LUCAS, Cap. X, v. 21-22

Cegos, tidos entre os homens por sábios e prudentes. Esclarecidos, que os homens consideram como obscuros

MATEUS: V. 25. Proferiu então Jesus estas palavras: Graças te dou, meu Pai, Senhor do céu e da terra, por haveres ocultado estas coisas aos sábios e aos prudentes e por as teres revelado aos pequeninos. — 26. Assim é, meu Pai, porque te aprouve que fosse assim. — 27. Todas as coisas me são dadas por meu Pai e ninguém, senão o Pai, conhece o filho; e ninguém conhece o Pai senão o filho e aquele a quem o filho o queira revelar.

LUCAS: V. 21. Nessa mesma hora, Jesus exultou pelo Espírito e disse: Graças te dou, meu Pai, Senhor do céu e da terra, por haveres ocultado estas coisas aos sábios e aos prudentes e por as teres revelado aos pequeninos. Graças, Pai, porque assim te aprouve. — 22. Todas as coisas me são dadas por meu Pai e ninguém sabe quem é o filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o filho e aquele a quem o filho o queira revelar.

N. 153. (V. 25 e 26 de Mateus e v. 21 de Lucas). Pelas palavras desses versículos, Jesus felicitava e animava seus discípulos a fim de que se não amedrontassem com a tarefa que lhes era deferida. A obra do Senhor é confiada aos simples e aos inocentes, aos fracos e aos obscuros, não como o entendeis, mas como deveríeis compreender. Ela é confiada aos que se entregam ao Senhor, aos que têm confiança e fé e não aos que, entre os homens, passam por ser os grandes e os poderosos do espírito humano, os quais não admitem senão aquilo que julgam ter descoberto, matematizado, ensinado, e negam, de dentro do seu orgulho, a OS QUATRO EVANGELHOS (II) 252

influência e os socorros espíritas, tudo atribuindo unicamente à força de suas inteligências e de suas vontades.

A esses as verdades permanecerão ocultas ainda por muito tempo. São terras muito gordas, onde nascem abundantemente ervas imprestáveis, que estiolam a boa semente espalhada nelas pelo vento. Preciso é que suas forças se esgotem em tentativas inúteis, em inúteis esforços para produzirem. Preciso é que a superabundância da seiva se consuma bastante para que a boa semente encontre o necessário e não seja estiolada pelo excesso dessa mesma seiva.

Jesus mostrava que o Senhor não escolhe os que gozam das faculdades que os homens admiram e sim os de coração simples e de espírito humilde, os que confiam e amam.

Os sábios, os prudentes e os pequeninos de quem falava Jesus são os que como tais os homens consideram. O juízo de Deus, porém, não é idêntico ao do homem.

(V. 27 de Mateus e v. 22 de Lucas). Pelas palavras destes versículos, Jesus aludia à sua elevação e à sua missão como Espírito protetor e governador do vosso planeta.

Entre os homens a quem falava, só ele estava apto a compreender a grandeza infinita do Senhor. Fora a vontade de Deus que lhe dera a lembrança da sua origem, lembrança que a matéria apaga. Fora a vontade de Deus que lhe dera a visão do futuro, de que os olhos humanos não são capazes.

Ele era, entre os homens, o único que, revestido de um perispírito tangível, isento da encarnação humana tal como a sofreis, conservando sempre a sua qualidade de Espírito, de Espírito puro sob a aparência corporal de um homem, podia compreender o seu Deus e compreender-se a si mesmo. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 253

As palavras — todas as coisas me são dadas por meu pai — se referem às relações diretas que havia entre o Senhor e seu enviado. Graças a essas relações, todas as coisas lhe eram constantemente postas nas mãos pelo pai.

As palavras — ninguém sabe quem é o filho senão o pai e ninguém sabe quem é o pai senão o filho e aquele a quem o filho queira revelá-lo — têm por fim fazer sentir aos homens que eles nada podem saber das coisas celestes, extra-humanas e de além-túmulo, senão por meio da revelação.

Aludem à que os Espíritos do Senhor, por sua ordem, vos trazem, no momento que ele determinou para início da era em que entrais, revelação que vos vem dar a conhecer quem é o filho, isto é: a origem e a situação do filho, de Jesus, e da doutrina que ele personifica, explicando e desenvolvendo, em espírito e em verdade, suas palavras, suas lições, sua doutrina moral, as revelações por ele feitas e as profecias que enunciou durante a sua missão terrena.

Aludem à futura revelação que o filho — o Cristo —vos trará, na época por ele predita, e que, mostrando-vos a verdade sem véu, vos fará saber quem é o pai.

Os Espíritos do Senhor vos dão a conhecer quem é o filho; esforçai-vos por lhe seguir os passos.

Preparai-vos para receber o Mestre que vos virá mostrar quem é o pai; tornai-vos capazes e dignos de recebê-lo, caminhando ativamente e sem descanso pela via do progresso moral e intelectual.

Aquele, que não compreende nem a grandeza nem a justiça de Deus, não o conhece. Aquele, que lhe traça limites ao poder e o confina no âmbito da inteligência humana, também não o conhece. Só aquele que recebe e aceita a revelação pode, quando esta lhe é feita, dizer que conhece o seu Deus, na medida do OS QUATRO EVANGELHOS (II) 254

que, a esse respeito, lhe vai sendo progressivamente revelado.

Fazendo-vos conhecer quem é o filho, a nova revelação vos prepara para serdes capazes e dignos de conhecer quem é o pai, porquanto vos põe na situação de compreenderdes o vosso passado e de conhecerdes o. vosso futuro. Não percebeis, vós outros espíritas, que, saídos das mãos do Senhor, fostes incumbidos do desempenho de uma tarefa, que vossas faltas tornaram pesada, mas que, trabalhadores infatigáveis, chegareis a desempenhá-la e obtereis o salário, voltando para aquele donde proviestes?

Não vos levantamos, quando necessário, o véu do passado? As particularidades das vossas existências anteriores não têm despertado entre vós a lembrança da vossa origem, lembrança que a matéria abafa?

De contínuo incentivando em vós, igualmente, as aspirações pela perfeição, não levantamos também uma ponta do véu que ocultava o futuro, para vos mostrarmos o vosso Deus no seu trono imutável, esperando que, arrependidos, seus filhos venham acabar junto desse trono a obra que lhes ele confiou?

Aquele que queira compreender, se entrou sinceramente, com fé e amor, na via espírita, não precisa de explicações.

Quem recebe e aceita a nova revelação pode compreender o seu passado e conhecer o seu futuro, pois que sabe donde vem e para onde vai, sob que condições se acha na Terra, o que deve ai fazer e não fazer, o que o espera e lhe acontecerá depois da morte, conforme fizer ou não fizer o que lhe é, de um lado, prescrito e, de outro, defeso.

"Pode compreender o seu passado". Efetivamente, não sabe ele que faliu? não sabe que, por haver falido, foi humanizado e mandado para mundos in- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 255

feriores de provações e expiação? não sabe que começou nesses mundos a obra da sua reabilitação e que a tem de continuar na terra pelo trabalho, pela humildade, pelo desinteresse, pela caridade e pelo amor, praticados tanto na ordem material, como na ordem moral e na intelectual?

Não sabe que, conquanto a matéria lhe anuvie a lembrança de suas existências anteriores, possível lhe é achar os traços dessas existências e saber o que tem de reparar e de expiar, de evitar e de adquirir na existência atual, desde que proceda, no foro da sua consciência, a um exame preciso e completo de seus pensamentos, palavras e atos, desde que estude seus maus pendores e tendências, seus instintos maus?

"Pode conhecer o seu futuro". Não sabe ele, com efeito, que, cumpridas, terminadas, segundo a vontade de Deus, suas provas, sua tarefa, ingressará na categoria dos bons Espíritos? não sabe ainda que terá, em seguida, de progredir, simples e gradualmente, na erraticidade e também por meio de sucessivas reencarnações, seja em missão nos mundos inferiores, seja nos mundos superiores, até atingir a perfeição que, só ela, pode e há de conduzi-lo a Deus?

Nota da Editora — Nos versículos 25 de Mateus e 21 de Lucas, encontramos a palavra prudentes, que, nas traduções modernas, foi substituída por — entendidos, inteligentes. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 256

MATEUS, Cap. XI, v. 28-30

Jugo suave e fardo leve

V. 28. Vinde a mim vós todos que vos achais fatigados e sobrecarregados e eu vos aliviarei. — 29. Tomai sobre vós o meu jugo, aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas. — 30. Porque, o meu jugo é suave e o meu fardo leve.

N. 154. Segui pela estrada que vos é indicada. Jesus mostrou o único caminho que vos pode conduzir à felicidade eterna. Peça-lhe amparo a alma que se sentir carregada de dores e, quaisquer que sejam seus sofrimentos, nele achará o grande médico que cura todas as chagas. Sendo a luz das inteligências, ele iluminará a obscuridade que a carne vos impõe. Por vós se fez homem aos vossos olhos; aos vossos olhos sofreu convosco e como sofreis. Vossas lágrimas lhe saem dos olhos e no seu coração repercutem as vossas dores. Manda-vos os Espíritos que podem abrandar as vossas penas e, em paga de tanto amor e de tanta abnegação, que é o que pede façais? algum sacrifício? que lhe deis glória? No fastígio da glória se acha ele! Pede-vos amor? Todos os Espíritos do Senhor se curvam diante dele, felizes de o fazerem. Não; só vos pede que trabalheis, sob a sua direção, pela vossa própria glória. Estende-vos a mão e sustenta mesmo os que a recusam.

Ah! acudi-lhe ao chamado! Seu jugo é leve e ele não o impõe, pois que sois livres de o aceitar ou repelir. Não emprega, como faz o homem, a violência para vos forçar a enveredar pelas suas sendas. Não vos diz: — crê ou morre; mas: — em mim está a vida. Escutai-lhe os conselhos santos, caminhai-lhe nas pegadas e, como quer que vos apelideis — Cristãos, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 257

Judeus ou Muçulmanos — sejam quais forem o culto exterior que pratiqueis e a nação a que pertençais na terra, vinde todos, todos a ele. As ovelhas são por ele levadas aos campos de bom pasto, onde o lobo feroz jamais aparece: — os mundos superiores, moradas dos Espíritos puros; os mundos fluídicos, onde habitam os que chegaram ao estado de perfeição.

Vós todos que estais fatigados e carregais o peso dos sofrimentos, que se originam das provações, vinde a Jesus e Jesus vos dará forças. Não vos dá ele o exemplo da coragem e da resignação? Não é a sua palavra meiga, simples e persuasiva que levanta o ânimo abatido e vos faz entrever o bálsamo que podeis aplicar às vossas feridas? Não é Jesus quem as pensa e vos sustém com sua mão poderosa, ajudando-vos a vencer os obstáculos contra os quais a vossa fraqueza se julga sempre prestes a quebrar-se?

Tomai sobre vós o seu jugo, aprendei de sua boca que ele é manso e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas.

Achareis repouso para vossas almas quer dizer: a perfeição a que chegareis pelo progresso. Seguindo-lhe a moral é que vos depurareis; despojando-vos de todas as impurezas é que alcançareis o repouso para vossas almas, isto é: nada mais tendo que expiar, elas entrarão na paz do Senhor. Por paz do Senhor entenda-se aqui: uma paz ativa, cheia de boas obras e de grandes coisas. Não se trata da paz tal como a compreendeis, mas como termo dos sofrimentos, das expiações.

O jugo de Jesus é suave e leve o seu fardo. Aquele que, do fundo de sua alma, segue a Jesus não suporta pesado jugo, porquanto sua moral é de fácil prática para quem quer que se forre aos objetivos mesquinhos da humanidade. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 258

MATEUS, Cap. XII, v. 1-8. — MARCOS. Cap. II, v. 23-28. — LUCAS, Cap. VI, v. 1-5

O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. — Deus, sempre indulgente com as suas criaturas fracas e falíveis, lhes faculta o arrependimento e a reparação

MATEUS: V. 1. Naquele tempo, passou Jesus em dia de sábado por uns trigais. Seus discípulos, tendo fome, se puseram a colher algumas espigas e a comê-las. 2. Vendo isso, os fariseus lhe disseram: Teus discípulos estão fazendo o que não é permitido se faça em dia de sábado. — 3. Disse-lhes então Jesus: Não lestes o que fizeram David e os que o acompanhavam quando tiveram fome? — 4. Como entrou na casa de Deus e comeu os pães da proposição, que nem a ele, nem aos que o acompanhavam era lícito comer, só o sendo aos sacerdotes? — 5. Também não lestes na lei que os sacerdotes no templo violam o sábado e não cometem pecado? — 6. Ora, eu vos digo que está aqui o que é maior do que o templo. — 7. Se soubésseis o que significam estas palavras: "Quero misericórdia e não sacrifício", jamais condenaríeis inocentes; — 8, porquanto o filho do homem é Senhor até mesmo do sábado.

MARCOS: V. 23. Sucedeu ainda que, atravessando Jesus em dia de sábado umas searas, seus discípulos, por elas avançando, se puseram a colher algumas espigas. — 24. Ao que os fariseus, disseram: Como é que teus discípulos fazem em dia de sábado o que não é permitido fazer-se? — 25. Respondeu-lhes Jesus: Não lestes o que fez David premido pela necessidade, quando teve fome, assim como os que o acompanhavam? — 26. Que entrou na casa de Deus, sendo Abiatar o príncipe dos sacerdotes e comeu os pães da proposição e os repartiu com os do seu séquito, não obstante só aos sacerdotes ser permitido comê-los? — 27. E acrescentou: 0 sábado OS QUATRO EVANGELHOS (II) 259

foi feito para o homem e não o homem para o sábado. — 28. Assim, pois, o filho do homem é senhor também do sábado.

LUCAS: V. 1. Ora, sucedeu que num dia de sábado chamado o segundo-primeiro, passando Jesus por uns trigais, seus discípulos se puseram a cortar algumas espigas, a debulhá-las com as mãos a comê-las. — 2. Alguns fariseus então lhes disseram: Porque fazeis o que não é permitido fazer-se aos sábados? — 3. Jesus, tomando a palavra, lhes disse: Não lestes o que fez David quando, com os que o acompanhavam, teve fome? — 4. Como entrou na casa de Deus, tomou os pães da proposição, os comeu e distribuiu com os de seu séquito, muito embora só aos sacerdotes fosse lícito comê-los? — 5. E acrescentou: O filho do homem é senhor também do sábado.

N. 155. Já vos explicamos (n. 82, vol. 1º, pág. 428) os motivos por que Moisés instituiu o sábado, assim como o sentido e o alcance destas palavras de Jesus: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado". Não temos que voltar a estas explicações.

Por segundo-primeiro se designava o segundo sábado da primeira parte do mês.

Os pães da proposição, que só os sacerdotes podiam comer, eram os pães oferecidos no altar.

Lembrando aos fariseus o que fizera David, ensinava Jesus que nada do que Deus pôs à disposição do homem e lhe possa servir de alimento está defeso às necessidades da existência humana; que os pães da proposição, como o próprio sábado, estão submetidos a essas necessidades.

Aos fariseus, que pretendiam ter sido o homem feito para o sábado, com o exigirem a observância absoluta, desarrazoada, desse dia, perguntou Jesus: "Não vistes na lei que, no templo, os sacerdotes violam o sábado e não cometem pecado?"

Segundo a lei, o Hebreu, em dia de sábado, devia abster-se de todos os atos manuais, de tocar em qualquer metal. Ora, os sacerdotes, cumprindo os ritos do OS QUATRO EVANGELHOS (II) 260

culto, violavam o sábado no templo. Deveriam, pois, considerar-se culpados.

Digo-vos que está aqui o que é maior do que o templo, isto é: está aqui o representante da vontade divina.

Estas outras palavras, que Jesus recordava aos fariseus, dizendo-lhes que não tinham sabido e não sabiam compreendê-las: "Quero misericórdia e não sacrifício", significavam e significam, tirando-se da letra o espírito, que Deus, sempre indulgente com as suas criaturas fracas e falíveis, lhes dá a faculdade de se arrependerem e de repararem suas faltas.

Dizendo: "Não teríeis condenado inocentes", aludia às numerosas condenações proferidas contra os que, sob os pretextos mais fúteis, eram acusados de sacrilégio e lapidados sem compaixão.

Disse ainda que — "O filho do homem é senhor também do sábado" — por ter sido ele o primeiro que ousara atacar a inviolabilidade do sábado e também porque, mesmo para os seus discípulos, era mister que se apoiasse, a fim de os não revoltar, na origem da sua missão, origem que acabava de recordar declarando: "Está aqui o que é maior do que o templo": — o representante da vontade divina.

N. 156. Em face e em conseqüência do advento da era do Cristianismo do Cristo, da era espírita que se inicia com a nova revelação trazida aos homens pelos Espíritos do Senhor, como deve ser entendido e praticado o dia de sábado?

Aproximam-se os tempos em que não se adorará mais a Deus nem no cume da montanha, nem em Jerusalém; em que os homens serão os adoradores que o pai deseja, seus adoradores em espírito e em verdade. Aproximam-se, mas ainda não chegaram, os tempos em que os homens estarão unidos por uma só crença, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 261

pela fé espírita, que assim se resume: Deus, único, uno, criador universal: — o pai; Jesus, Espírito puro e perfeito, protetor e governador do vosso planeta e da sua humanidade, vosso mestre: — o filho; os Espíritos do Senhor prepostos por Deus à obra do progresso do vosso planeta e da sua humanidade, trabalhando nela sob a direção de Jesus: — O Espírito Santo.

Aproximam-se os tempos, mas ainda não chegaram, em que, adoradores do pai em espírito e verdade, os homens compreenderão que no coração, quando puro, está o único e o verdadeiro templo de Deus; que o Cristo está onde duas ou muitas pessoas se reúnam em seu nome, isto é: formulem com fé, humildade e amor, abstração feita de todos os cultos exteriores que ainda os dividem e separam, a prece do coração e não dos lábios somente, pratiquem a instrução em comum.

Aproximam-se, mas ainda não chegaram, os tempos em que os homens compreenderão que a lei divina se contém toda nestes mandamentos: "Amai-vos uns aos outros", "amai a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos", procedendo sempre com os vossos irmãos, em qualquer emergência, como quereríeis que eles procedessem convosco; em que compreenderão que, sob os auspícios e a ação desse duplo amor, é que devem praticar, conformemente às lições de Jesus, explicadas e desenvolvidas em espírito e em verdade pelos Espíritos do Senhor, as leis morais de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade, justiça, amor e caridade.

Semelhantemente ao dos Hebreus, obra meramente disciplinar e transitória, os cultos exteriores, derivados das instituições e interpretações humanas a que a missão terrena de Jesus deu lugar, ainda separam os homens que, entretanto, hão de constituir, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 262

pela fé espírita, um só rebanho com um único pastor — o Cristo, vosso protetor, governador e mestre.

Estais numa época transitória e, até que se operem a reforma e a transformação dos cultos exteriores, a unificação dos homens pela fé espírito, pela adoração do pai em espírito e em verdade, forçoso será que se tenham em conta os aludidos cultos, do ponto de vista do sábado.

Esse dia, destinado ao descanso do corpo, deve pertencer de modo especial a Deus e muitos meios tendes de lho consagrardes.

Elevai ao pai, com mais fervor e mais amiúde, os vossos pensamentos, pois que nesse dia menos os perturbam as necessidades da vida. Sejam mais numerosas as vossas boas obras. Lembrai-vos, quer começando, quer terminando a vossa semana, das pobres criaturas que, sob as vistas de Deus, esperam de seus irmãos socorros. Santificai, portanto, esse dia reservado ao repouso, tornando mais útil este mesmo repouso. Imitai vossos irmãos do espaço cujos instantes todos se assinalam por uma obra útil. Repousai o corpo dos árduos trabalhos da semana, o Espírito — dos fatigantes estudos filosóficos ou científicos, o coração — das preocupações com os interesses materiais.

Começai o dia oferecendo-o ao Criador, santificai-o, primeiro, fazendo preces fervorosas por vós mesmos e por vossos irmãos; prestai a Deus a homenagem pública do vosso culto. Vós, espíritas, qualquer que seja o templo onde pratiqueis o culto exterior a que pertençais pelo nascimento, prestai a Deus o culto da vossa adoração em espírito e em verdade. É um exemplo que dareis aos irmãos que vos cercam, conhecedores da vossa fé, das vossas crenças e para os quais, por menos adiantados do que vós, o culto externo ainda é um freio necessário. Servireis ao mesmo tempo de motivo de emulação aos mais tíbios, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 263

que, tendo despertados os sentidos pelas práticas exteriores e pelas imagens materiais, serão levados a pensar no seu Criador.

Depois, ide levar aos vossos semelhantes o alívio, as consolações que puderdes. Ide aos que vos ofenderam e pedi-lhes esqueçam vossas faltas. Ide aos que vos feriram cruelmente nos vossos interesses, na vossa felicidade, no vosso orgulho, levar-lhes o perdão e a paz.

Ide aos enfermos pobres, animai-os à submissão, esclarecei-os e dai-lhes esperança.

Ide aos desgraçados que carecem do necessário à vida e socorrei-os como puderdes. Para isso, filhos do nosso amor, bem-amados nossos, imponde-vos todos os dias, no correr da semana, uma pequena privação atinente às vossas faculdades, à vossa posição. Levai essa oferenda aos deserdados e, se não estiverdes em condições de fazê-lo, se, por muito restritos, os vossos recursos não vos permitam retirar deles coisa alguma, ide ao menos levar consolações aos que sofreram de quaisquer males.

Ide, filhos nossos, santificar o dia do Senhor pelas boas obras, pelas resoluções firmes e, ao fim desse dia, agradecendo a Deus o bem que houverdes podido fazer, pedi-lhe a graça de, no futuro, poderdes fazer mais e verificai, no fundo de vossa alma, se obrastes tão santamente quando podíeis.

Ide, procedei assim e as bênçãos do Senhor descerão sobre vós.

Não esqueçais nunca que o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado.

Repetimos o que já vos dissemos (n. 82, 1? vol., pág. 429): Repousai vossos corpos dos trabalhos que os fatigam, não repouseis nunca os vossos corações do bem que lhes cumpre fazer. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 264

MATEUS. Cap. XII, v. 9-14. — MARCOS, Cap. III, v. 1-6. --LUCAS, Cap. VI, v. 6-11

Cura da mão paralítica, em dia de sábado

MATEUS: V. 9. Dali saindo, veio Jesus à sinagoga deles. — 10. Aí se achava um homem, que tinha seca uma das mãos, e, para acusarem a Jesus, lhe perguntaram: É permitido curar em dia de sábado? — 11. Jesus lhes respondeu: Qual, dentre vós, aquele que, tendo uma ovelha e vendo-a cair num fosso em dia de sábado, não pegará nela para retirá-la de lá? — 12. E não vale o homem muito mais do que uma ovelha? Sim, é permitido fazer o bem em dia de sábado. — 13. E disse ao homem: Estende a tua mão. O homem a estendeu e ela ficou sã como a outra. — 14. Os fariseus, porém, saindo dali, se reuniram em conluio contra ele, cogitando do modo por que o perderiam.

MARCOS: V. 1. Jesus entrou de novo na sinagoga. Como aí se achasse um homem que tinha seca uma das mãos, — 2, eles se puseram de observação para ver se Jesus, o curaria em dia de sábado, a fim de o acusarem. — 3. Disse então Jesus ao homem que tinha a mão seca: Vem aqui para o meio. — 4. E perguntou: É permitido em dia de sábado fazer o bem ou o mal, salvar ou tirar uma vida? Eles se calaram. — 5. Perpassando então por eles o olhar, tomado de cólera, aflito pela cegueira de seus corações, disse ao homem: Estende a tua mão; o homem a estendeu e ela ficou sã. — 6. Os fariseus se retiraram logo e, com os Herodistas, fizeram um conciliábulo buscando meio de o perderem.

LUCAS: V..6. Entrando num outro sábado na sinagoga, começou a ensinar. Lá estava um homem cuja mão direita era seca. — 7. Os escribas e os fariseus o observavam para ver se ele curaria em dia de sábado, a fim de o acusarem. — 8. Jesus, conhecendo--lhes os pensamentos, disse ao homem, que tinha a mão seca: Levanta-te e fica de pé aqui no meio. 0 homem se levantou e ficou OS QUATRO EVANGELHOS (II) 265

de pé. — 9. Disse então Jesus: Pergunto-vos: É licito em dia de sábado fazer o bem ou o mal, salvar a vida ou tirá-la? — 10. Depois de olhar para todos, disse ao homem: Estende a tua mão; ele a estendeu e esta ficou sã. — 11. Cheios de furor, os escribas e fariseus perguntavam uns aos outros o que fariam a Jesus.

N. 157. Nenhuma explicação reclama o que, nestes versículos, se refere ao sábado e ao emprego que o homem pode e deve dar-lhe. Já dissemos tudo o que tínhamos a dizer a esse respeito.

Quanto à cura que Jesus operou na sinagoga, tratava-se de uma paralisia que atacara a mão direita do homem de quem se fala.

Nas traduções se lê: mão árida, mão seca. De acordo com o texto original corretamente interpretado, o caso era de mão paralítica.

Já por duas vezes (ns. 110 e 121, 2? vol.) explicamos as curas de paralisia feitas por Jesus. A mão paralítica, a que aludem os versículos acima, se tornou sã como a outra por ato da vontade do Mestre, que dirigiu, mediante a ação magnética da vontade e do olhar, para a mão doente e para o organismo do homem, os fluidos fortificantes. Não tendes visto o magnetismo operar pelo olhar?

Relativamente aos escribas e fariseus, nas traduções da narrativa de Marcos (v. 5) se diz que Jesus os olhou "tomado de cólera, aflito pela cegueira de seus corações". Palavras humanas. Não confundais nunca, nas narrações evangélicas, o que reproduz as impressões, as idéias, a opinião, as apreciações dos que se grupavam em torno de Jesus, daqueles a quem ele falava, com as próprias palavras do Mestre, com a sua pessoa, com seus atos.

A cólera jamais entrou no coração de Jesus.

A palavra do texto original, bem interpretada, pode ser tomada nas acepções de cólera e de indig- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 266

nação. Nesta última e não naquela é que deve ser entendida.

Os Hebreus não cessavam de falar e vós mesmos ainda falais de contínuo na cólera do Todo Poderoso a cair sobre o culpado. Como admitir-se que Deus e o Cristo, reprovando a cólera no homem, fossem dela passíveis? Jesus pareceu, aos homens que o cercavam, indignado por ver que os escribas e os fariseus resistiam voluntariamente aos esforços que ele empregava para os reconduzir ao bom caminho. Sofria, realmente, vendo que os Espíritos culpados a quem trazia a luz fechavam os olhos para não a perceberem.

Vossos anjos de guarda não se afligem com o vosso endurecimento? E os escribas e fariseus não tinham o livre arbítrio?

Não vos admireis das impressões penosas que Jesus experimentava, se bem tivesse a presciência do futuro.

Compreendei o que é a presciência de Deus, o que era a de Jesus como representante direto da vontade divina, em presença do livre arbítrio do homem.

Deus vê, sabe (como já o temos explicado) qual o estado do Espírito; sabe, vê e acompanha as fases de progresso, as fases sucessivas das existências que o Espírito tem a percorrer munido do seu livre arbítrio, usando-o para o bem ou para o mal, por impulso da sua vontade pessoal ou sob a influência oculta dos bons ou dos maus Espíritos, que ele atrai ou repele, conforme à natureza boa ou má de seus sentimentos, de seus pendores, de suas tendências.

Essa influência, sob a qual o Espírito se acha a todo instante, constitui a tentação a que ele pode ceder ou resistir, uma vez que é sempre livre de escutar ou não as boas inspirações, de as seguir ou não, de aceitar ou repelir as más. É sob a ação e os efeitos dessas influências que o assediam que o Espírito, no OS QUATRO EVANGELHOS (II) 267

pleno gozo do seu livre arbítrio, tem que avançar ou parar, avança ou pára, na estrada do progresso. Assim, pois, era sob a ação e os efeitos de tais influências que aos escribas e aos fariseus, no pleno gozo do livre arbítrio, cumpria escutar ou repelir os ensinos de Jesus.

Os escribas e os fariseus, que o rodeavam na sinagoga, eram, como Espíritos encarnados, muito empedernidos. Provavelmente, portanto, não aceitariam a luz, mas, nem por isso a luz deixava de ser, para eles, um meio de escaparem a cruéis expiações. Da parte do Senhor nunca há prevenção.

Em geral, os Espíritos encarnam procedendo livremente à escolha, tanto do meio, como do gênero das provações.

Em regra escolhem os meios que lhes são simpáticos. Ora, nos grupos que os fariseus, os príncipes dos sacerdotes, os escribas e todos os que exerciam qualquer autoridade entre os Judeus formavam a volta de Jesus, o orgulho reinava soberanamente e, por conseguinte, lhes tapava os olhos e os ouvidos. Mas, Deus, em sua bondade, lhes abria, como a todos, aquela nova via para que se purificassem. Seus anjos guardiães por eles faziam o que fazem por todos. Eles, porém, os repeliam pela sua vontade independente e, no pleno gozo do livre arbítrio, aceitavam as más influências, as inspirações dos maus Espíritos. Se é certo que nenhum resultado produziu o abrir-se-lhes, naquela existência, uma nova senda, não menos certo é que essa obra havia de dar frutos de purificação, após a morte deles e nas suas existências posteriores.

Nota da Editora — Nas traduções modernas, o versículo 5, de Marcos, diz: indignação, no lugar de cólera, e entristecido, em vez de aflito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 268

MATEUS, Cap. XII, v. 15-21

Missão do Messias. — Seus poderes. — Vias de purificação sempre abertas aos Espíritos culpados, que, como todos os outros, têm que chegar ao fim

V. 15. Sabendo disso, Jesus se retirou daquele lugar; muitos doentes o seguiram e ele a todos curou, — 16, ordenando-lhes que não o descobrissem, — 17, a fim de que se cumprissem estas palavras do profeta Isaías: — 18. "Eis aqui o servo que elegi, o meu bem-amado, em quem muito se compraz minha alma. Sobre ele porei o meu Espírito e ele às nações anunciará a justiça. — 19. Não discutirá, não gritará e ninguém lhe ouvirá a voz nas praças públicas. — 20. Não acabará de partir o caniço já quebrado e não apagará a mecha ainda fumegante, enquanto não alcance a vitória da justiça. — 21. E no seu nome as nações porão todas as esperanças".

N. 158. Despindo-se da letra o espírito, facilmente compreensíveis se tornam não só as palavras do profeta Isaías aos Hebreus, com referência ao Cristo, mas também a indicação do cumprimento dessa profecia relativamente aos fariseus que conluiavam contra Jesus, estudando os meios de que poderiam lançar mão para perdê-lo, inquirindo uns dos outros como contra ele atentariam, e ainda a proibição feita pelo Mestre aos doentes que o haviam acompanhado e que foram curados.

Jesus é servo e bem-amado de Deus, pela sua qualidade de Espírito puro e perfeito. Deus o elegeu quando o fez protetor e governador do vosso planeta. Nele se compraz, fazendo-o participar do seu poder, da sua justiça e da sua misericórdia, dando-lhe a investidura de vosso Mestre, encarregando-o de presidir à formação da Terra, de a guiar e conduzir, com tudo OS QUATRO EVANGELHOS (II) 269

o que nela se move e existe, com a humanidade que a habita, pelas vias do progresso físico, moral e intelectual, incumbindo-o de vos levar à perfeição que haveis de atingir.

Deus fez e faz que seu Espírito constantemente sobre ele pouse, comunicando-lhe diretamente a inspiração.

Pelo desempenho da sua missão terrena, Jesus anunciou às nações a justiça, mostrando-lhes a única linha de proceder segura e reta que conduz ao fim colimado. Ainda agora, chegados os tempos da era nova e regeneradora do Espiritismo, ele anuncia a justiça às nações por intermédio dos Espíritos do Senhor, os quais, em seu nome, desenvolvem e explicam, em espírito e em verdade, a boa nova que ele em pessoa pregou aos homens. Esses Espíritos também mostram a todos, novamente, aquela linha de proceder segura e reta, iluminando, em nome do Espírito da Verdade, a estrada do progresso, por onde todas as criaturas, tendo a guiá-las a luz espírita que se irradia do facho da verdade, podem avançar com passo firme, cultivando a ciência, a caridade, o amor: selos da aliança entre a fé e a razão.

Estas palavras do profeta, referentes a Jesus: Ele não discutirá, não gritará e ninguém lhe ouvirá a voz na praça pública, encerravam uma alusão ao hábito que tinham os Hebreus de se reunirem nas praças públicas a fim de deliberarem sobre assuntos graves, procurando cada um abafar com a voz a dos seus adversários, para que sua opinião prevalecesse. Jesus não discutiu desse modo, não gritou. Ninguém lhe ouviu assim a voz nas praças públicas. Ele, como já se vos tem dito, falou com autoridade, mas não da maneira por que falavam os escribas e os fariseus.

O "caniço já quebrado", a "mecha ainda fumegante" significam "os Espíritos culpados", nos quais uma tendência, por muito fraca que seja, há sempre para se melhorarem. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 270

Jesus "não acabará de partir o caniço já quebrado, não apagará a mecha ainda fumegante" como nunca o fez, porque, tendo todos os Espíritos que alcançar a meta, ele a nenhum culpado repele, até que venha a justiça, isto é: até que o Espírito, pela expiação, se despoje dos vícios que o tornam injusto, impuro. Assim como dais a Jesus o qualificativo de justo, na significação de puro, do mesmo modo, aqui, o termo injusto é empregado como sinônimo de impuro.

Não acabará de partir o caniço já quebrado e não apagará a mecha ainda fumegante, enquanto não alcance a vitória da justiça. Estas últimas palavras querem dizer: enquanto os Espíritos que encarnam na Terra não se tenham purificado, seja nesse planeta, ao tempo da sua renovação, seja nos mundos inferiores, para onde serão mandados a expiar suas faltas, durante séculos, os que, naquela época, se conservarem culpados e rebeldes. Sendo certo, porém, que todos os Espíritos hão de chegar ao fim para que foram criados, certo é também que Jesus não acabará de partir o caniço já quebrado, nem apagará a mecha ainda fumegante. Os que, na época da renovação da terra, se conservarem culpados e rebeldes, verão claramente que no endurecimento de suas almas e na sua voluntária cegueira está a causa de serem degredados para mundos inferiores. Neles se manifestará então, sob a ação do terror da expiação, do pesar e do remorso, uma tendência, por mais fraca que seja, para se melhorarem.

E as nações nele porão suas esperanças. Significam estes dizeres que todos compreenderão ser a sua moral a única que pode obrigar os homens a progredir. Todos confiarão na sua influência para atingir a perfeição. A revelação atual abre e inicia esta fase nova.

As palavras do profeta Isaías tinham de cumprir-se com relação aos fariseus que conspiravam contra OS QUATRO EVANGELHOS (II) 271

Jesus, por isso que eles eram "o caniço já quebrado" que o Mestre "não acabaria de partir"; e seriam, depois da morte, "a mecha ainda fumegante" que o Cristo não apagaria, porquanto lhes cumpria, como a todos os Espíritos, purificar-se pela expiação, despojando-se dos vícios que os faziam injustos.

E para que tais palavras se cumprissem mais depressa, Jesus proibiu aos doentes que o acompanhavam e foram por ele curados que o descobrissem. Fazendo-lhes essa proibição, queria o Mestre evitar que aqueles Espíritos culpados, excitando-se ainda mais, mais culpados se tornassem, expondo-se, conseguintemente, a expiações ainda mais duras. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 272

MATEUS, Cap. XII, v. 22-28. — MARCOS, Cap. III, v. 20-26

Subjugado. — Cego e mudo por efeito da subjugação. — Blasfêmias dos fariseus. Reino dividido

MATEUS: V. 22. Apresentaram-lhe então um homem cego e mudo, possesso do demônio. Ele o curou, de sorte que o homem começou a ver e a falar. — 23. A multidão estupefacta perguntava: Porventura é este o filho de David? — 24. Os fariseus, porém, ouvindo isto, diziam entre si: Ele expulsa os demônios por Belzebu, príncipe dos demônios. — 25. Jesus, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Todo reino que se dividir contra si mesmo será destruído e toda cidade ou casa que se dividir contra si mesma não subsistirá. — 26. Ora, se Satanás expulsa a Satanás, está ele dividido contra si mesmo; como poderá então o seu reino subsistir? — 27. Se é por Belzebu que expulso os demônios, por quem os expulsam vossos filhos? Estes, por isso mesmo, é que serão os vossos juízes. — 28. Mas, se expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus veio até vós.

MARCOS: V. 20. Entraram em casa e ai se aglomerou tão grande multidão que nem sequer podiam comer. — 21. Ao saberem disso os parentes de Jesus vieram para se apoderarem dele, dizendo que perdera o juízo. — 22. Os escribas vindos de Jerusalém diziam: Ele está possesso de Belzebu e expulsa os demônios pelo príncipe dos demônios. — 23. Jesus, porém, tendo-os chamado, lhes dizia por parábolas: Como pode Satanás expulsar a Satanás? — 24. Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir. — 25. Se uma casa está dividida contra si mesma, não pode subsistir. — 26. Se, pois, Satanás se rebelar contra si mesmo, estará dividido, não poderá subsistir e terá fim.

N. 159. Aquele homem "possesso do demônio", isto é: subjugado por um mau Espírito, estava cego e mudo por efeito da subjugação. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 273

O Espírito obsessor, lançando-lhe sobre os órgãos da visão e da audição os fluidos de que dispunha, combinando seu perispírito com o do subjugado, lhe paralisara aqueles órgãos e o deixara, por essa forma, privado momentaneamente do uso das faculdades de ver e ouvir.

Jesus o curou pela ação da sua poderosa vontade, afastando o obsessor. Por meio da ação magnética restituiu ao estado normal, instantaneamente, graças aos fluidos que penetraram no homem, os órgãos sobre que atuava o Espírito mau.

O homem, que se achava cego e mudo por efeito da subjugação, expiava desse modo graves abusos da palavra anteriormente cometidos e expiava também o não ter sabido aproveitar-se da luz que se lhe concedera.

A multidão, presenciando um fato que não lograva compreender nem explicar, tomada de espanto e de admiração, perguntava: Porventura este é o filho de David? porque predito fora que o maior dos profetas descenderia da linhagem de David e ainda porque as interpretações hebraicas consideravam o filho de David como um libertador material.

As palavras que Jesus dirigiu aos escribas e aos fariseus e bem assim as que, com relação a ele, proferiram os que eram, no entender dos homens, ou se intitulavam seus parentes, alcançavam tanto o presente quanto o futuro; tinham, pois, um alcance tanto espírita, quanto evangélico. Foram ditas como lição, com ensino, necessário, naquele momento, aos apóstolos e aos discípulos; como ensino, como lição que frutificariam no futuro, na época atual do Espiritismo, assinalada pelo advento da nova revelação. As épocas se ligam e, quanto mais avançardes, tanto melhor compreendereis a ligação que existe entre o aparecimento de Jesus na terra e a presente manifes- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 274

tação dos Espíritos. Tal aparecimento, como o sabeis desde que vos revelamos a origem do Mestre, foi uma manifestação espírita produzida por aquele que, como protetor e governador do vosso planeta e da sua humanidade, veio lançar os fundamentos básicos da vossa regeneração. A atual é também uma manifestação espírita. Produzem-na os Espíritos enviados ao vosso meio, para continuarem e desenvolverem a obra do Messias.

Jesus, para que o compreendessem e sobretudo o escutassem, apropriava sua linguagem ao estado das inteligências, às idéias em voga, aos preconceitos e tradições dos homens a quem falava. Por isso é que empregava as expressões Belzebu, Satanás, príncipe dos demônios, diabo, que para ele não tinham, como não devem ter para os homens, quando compreendidas em espírito e em verdade (vós o sabeis), mais do que um sentido figurado, servindo para designar os Espíritos maus que, depois de haverem falido na sua origem, conforme já o explicamos, permanecem nas sendas do mal, praticando-o contra os homens.

Acusado de usar dos poderes do Espírito das trevas para realizar as obras admiráveis que praticava, Jesus aponta aos fariseus e aos escribas, que o acusavam, seus próprios filhos, Hebreus como eles, dotados daquela faculdade, se bem que em grau muito inferior.

De fato, entre os Hebreus, havia alguns homens de escol, Espíritos em missão naquele meio, como há sempre, em todas as nações, para mostrarem "o melhor" no centro mesmo do que exista de "pior".

Havia homens sinceramente piedosos, que de coração obedeciam à lei de Moisés, tendo em vista servir a Deus. Estes conseguiam, algumas vezes, por meio da prece e da perseverança, afastar os Espíritos malfazejos, que se manifestavam pela obsessão, ou pela subjugação. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 275

Como já o explicamos (n. 126), esses filhos dos homens se purificavam e elevavam acima de seus pais, constituindo-se assim os juízes naturais destes últimos.

Hoje, vós outros espíritas sois acusados pelos escribas e fariseus vossos contemporâneos, como Jesus o foi pelos de outrora, de obrar sob influência diabólica. Nós vos repetimos o que dizia Jesus: Nenhum reino dividido contra si mesmo pode subsistir.

Vós, filhos dos homens, podeis, pela fé, pela prece, pela sabedoria, aliviar vossos irmãos sofredores e repelir os Espíritos de trevas que venham instalar-se entre vós. Tratai, pois, de adquirir a elevação de pensamento, de dominar a carne, de levar a efeito a renunciação, meios pelos quais transformareis a prisão carnal, em que vos achais encerrados, numa veste flexível e maleável, e lograreis, cada vez em maior escala, expulsar os Espíritos maus e, ao mesmo tempo, purificar-vos, preparando, para as gerações que vos hão de suceder, guias esclarecidos que as conduzirão facilmente ao termo da viagem.

Coragem! praparai-vos, purificai-vos e não esqueçais nunca que um reino, que se divide contra si mesmo, não pode subsistir. Uni-vos e caminhai desassombradamente sob o estandarte que vos fizemos arvorar. Segui-o sempre, que nós marchamos à frente.

Mas, se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, dizia Jesus, é que o reino de Deus veio até vós.

A expressão — Espírito de Deus — considerada em relação a Jesus, significa, tirado da letra o espírito, a influencia direta que o Senhor sobre ele exerce. Em relação ao homem, vós espíritas deveis compreendê-la como designando os Espíritos purificados que o Senhor vos envia, na qualidade de medianeiros entre a sua vontade e os vossos Espíritos. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 276

Deus, o Senhor onipotente, é, como sabeis pelo que já vos dissemos, uno, único, indivisível. Esse o grande segredo que só revelaremos inteiramente quando houver soado a hora. Eterno, infinito, ele reina sobre todos os universos, na imensidade sem limites. Criando contínua e eternamente, é o pai de tudo e de todos, de tudo o que é, no infinito.

Para todos os mundos promulgou a lei imutável do progresso, mas a cada mundo deu a constituição que lhe era apropriada. Nem todos têm que passar humanamente pelas mesmas fases. Assim como há Espíritos (conforme já o explicamos) que nunca faliram, também há mundos que se conservaram sempre fluídicos e outros mais ou menos materiais, de acordo com as necessidades dos Espíritos a cuja habitação se destinam.

Quando chegar a ocasião de vos dizermos o que significam, em espírito e em verdade, estas palavras de Jesus: "Há muitas moradas na casa de meu pai", dar-vos-emos, acerca da natureza dos mundos, explicações que não damos agora, porque nos fariam sair do circulo em que presentemente nos devemos manter.

Cada mundo, cada planeta (já o dissemos), tem um Espírito de pureza perfeita encarregado de o dirigir e fazer progredir, depois de lhe haver presidido à formação. Tais Espíritos são perfeitos, não só do ponto de vista moral, como também do saber, considerado este em face da obra, da missão que lhes foram confiadas. Eles estão sempre em relação direta com Deus, podem aproximar-se do foco universal e, por intermédio deles, é que as vontades do Senhor onipotente se transmitem aos grandes Espíritos primeiramente e deste, passando pelos sucessivos graus da escala espírita, aos homens, por intermédio de seus anjos de guarda e dos bons Espíritos, com a rapidez do pensamento. E desse modo que o Espírito de Deus obra e desce até vós. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 277

Jesus, que tem a seu cargo a direção da Terra e da humanidade, é um dos que podem aproximar-se daquele foco, sendo, como já o explicamos, de uma essência que se conservou sempre pura, de perfeita e imácula pureza, visto que jamais faliu.

É quem, como servidor de Deus, vosso e nosso Mestre, preside aos destinos do planeta terreno, quem o governa e lhe acompanha a marcha com paternal solicitude.

Em relação direta com o Senhor, do mesmo modo que aqueles de seus irmãos que, sendo-lhe iguais em pureza, desempenham missões análogas à sua, ele recebe, sem intermediários, as vontades do onipotente. Neste sentido é que se pode dizer que só o pai conhece o filho e só o filho conhece o pai.

Inclinai-vos com respeito, reconhecimento e amor diante desse Salvador cheio de devotamento que, desde o instante em que o vosso globo saiu dos fluidos espalhados na imensidade, em que esses fluidos, para formarem um mundo, se reuniram pela ação da sua vontade divina, divina no sentido de ser ele órgão de Deus, velou sempre por vós com solicitude, através de todas as fases por que hão passado os vossos Espíritos, atraindo sempre, pela sua poderosa simpatia, para a Terra e para a humanidade, a proteção do Todo-Poderoso.

Amai, amai com todas as forças de vossa alma a Jesus que, para surgir as vistas dos homens, aceitou a encarnação, tomando um corpo fluídico, de cuja natureza e propriedade já tratamos, a fim de lançar as bases, os fundamentos da obra de vossa regeneração. Amai, amai com todas as veras da vossa alma a Jesus, que aceitou a encarnação, sendo embora de uma perfeição que se perde na noite das eternidades; que a aceitou, embora nunca houvesse merecido encarnar, como expiação, ainda que em mundos elevados, porquanto chegou à perfeição sem jamais OS QUATRO EVANGELHOS (II) 278

haver falido. Ele não teve que sofrer, por expiação, repetimos, a encarnação, mesmo em mundos elevados, onde se exilam, para resgatar suas faltas, por mais leves que sejam, os Espíritos que se conservaram puros na via do progresso até alcançarem grande elevação, mas que vieram a falir, se bem que ligeiramente, visto que diante do Senhor onipotente só a perfeição sem mancha alguma pode apresentar-se.

A menor fraqueza, tão mínima que com os vossos órgãos de percepção sois incapazes de a apreciar, constitui uma falta que o Espírito, adiantado no caminho do progresso, reconhece imediatamente e expia, por meio de uma encarnação mais ou menos material, mais ou menos fluídica, conforme ao grau do seu adiantamento, à extensão ou à gravidade da mesma falta. Todo castigo é adequado ao erro cometido. Uma falta que, por demasiado sutil, vos escapa, é uma ofensa ao Senhor onipotente e não escapa ao Espírito que, já bastante elevado, tem dela consciência antes mesmo de germinar, por assim dizer, no seu íntimo, e que se exila para expiá-la, privando-se temporariamente dos gozos infinitos do Espírito puro e livre.

Amai, amai com todas as forças de vossa alma a Jesus que, continuando a sua obra de regeneração, vem hoje de novo para, por meio da revelação atual, pelo Espírito da Verdade — estrada contínua de progresso moral e intelectual — conduzir-vos, de degrau em degrau, até ao Deus único e eterno, rei do céu e da terra, a quem deveis a homenagem e o tributo das vossas adorações.

"Mas, se expulso o demônio pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus, dizia Jesus, veio até vós."OS QUATRO EVANGELHOS (II) 279

O reino de Deus vem para aquele que, afinal, encontra o caminho que leva mais diretamente ao fim.

Para os Judeus endurecidos e prevaricadores da lei de Moisés, que por eles fora ainda mais deformada do que a lei do Cristo o foi pelo Catolicismo, aquele reino viera, a fim de que os que preparavam para si mesmos longa e dolorosa expiação achassem aberta diante de si a porta da esperança e o meio de chegarem ao bem pela linha mais curta.

O reino de Deus veio ainda para os que, em vez de simplesmente seguirem a lei de Jesus, o que fora bastante, a amoldaram, arrastados pelo orgulho e pelo egoísmo, às suas impurezas, fazendo de uma lei tão pura — para uns (os que se servem da religião como de um meio, os que só a praticam exteriormente e a afeiçoam às suas necessidades) elástica vestimenta, dentro da qual pudessem executar os movimentos mais desregrados; e, para os outros, uma geena a lhes tolher os movimentos numa constrição dolorosa. Estes últimos, no nosso entender, são os que tomam ao sério a religião, mas que, dotados de pouca inteligência, se adstringem a carregar todo o peso do jugo que lhes é imposto, por maior que seja esse peso.

Também para vós veio o reino de Deus, porquanto, depois de termos nós, os apóstolos e discípulos de Jesus, trabalhado no caminho que ele abrira, hoje, com a nova revelação e ajudados pelos nossos irmãos, os outros Espíritos do Senhor, o limpamos dos juncos, dos espinhos, das pedras agudas, estendendo-vos ao mesmo tempo as mãos para vos ajudarmos a avançar nele, tirando a venda aos que ainda têm a vista fraca e fazendo brilhar a luz para os que já a podem suportar.

Esperai: o reino de Deus se aproxima cada vez mais e cada vez maiores esplendores seus vos vamos mostrando. Aguardai, porém, o terdes a vista bastante forte, a fim de que a sua luz não vos ofusque. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 280

Fizemos que reunísseis aqui os v. 20-26 de Marcos aos v. 22-28 de Mateus, para evitarmos repetições, visto que um e outro relatam nos mesmos termos a acusação dos fariseus e dos escribas, assim como as palavras com que Jesus lhes replicou.

Em várias ocasiões, em diferentes lugares e em circunstâncias diversas, os fariseus e os escribas acusaram a Jesus de ser agente de Belzebu, de Satanás, do príncipe dos demônios, do demônio, do diabo.

Assim é que o que Marcos refere no trecho acima transcrito não ocorreu na mesma ocasião e nas mesmas circunstâncias em que se passou o que consta na narração de Mateus. O que Marcos relata se deu quando Jesus acabava de escolher os doze apóstolos e de lhes conferir o poder de curar as enfermidades e expulsar os maus Espíritos, chamados "demônios".

"Ao saberem disso, diz o Evangelho, os parentes de Jesus vieram para se apoderarem dele, dizendo que perdera o juízo."

Sabeis, pois já o temos dito, que, durante a sua missão terrena, Jesus tinha que passar e, para a sua família, como para os homens em geral, passava por ser um homem igual aos outros. A revelação feita a Maria e a José tinha que permanecer e permaneceu secreta até ao termo daquela missão. Nessa época, por efeito da mesma revelação, que encerrava veladamente a da origem espírita de Jesus, origem que a revelação atual vos deu a conhecer, os homens fizeram do Mestre um Deus, pois que entraram a considerá-lo como parte e fração do próprio Deus. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 281

Os Hebreus, pelo consórcio dos de uma tribo com os de outras, eram parentes quase todos, ou se intitulavam parentes uns dos outros. Em tais condições, Jesus, no entender dos homens, estava cercado de primos mais ou menos próximos.

Esses parentes, segundo os quais Jesus saíra do mesmo tronco que eles, achando-se nas mesmas condições de humanidade em que eles se encontravam, não podiam admitir que o Mestre se elevasse tão alto, que instituísse apóstolos e lhes desse tais poderes.

Eis porque resolveram apoderar-se dele, dizendo que perdera o juízo, que fora atacado de loucura.

Jesus personificava a doutrina que hoje renasce entre vós. Como sucede com todas as grandes e generosas idéias, ela foi mal compreendida. Daí veio a oposição que se lhe deparou, sobretudo entre os que, segundo os homens, desconhecedores da sua origem extra-humana, eram membros da sua família.

Não disse ele que ninguém é profeta no seu país? Não vedes, ainda agora, entre as famílias, muitos de seus membros apedrejarem os que não lhes seguem a rotina? O homem nega tudo o que não compreende e condena tudo o que o embaraça ou assusta.

Vós, espíritas, que, aceitando a nova revelação, saís da rotina, sois, como o foi Jesus pelos seus parentes e pelos outros homens, acusados de haver perdido o juízo, de estar atacados de loucura, dê vos achardes sob a influência demoníaca, segundo os escribas e os fariseus dos vossos dias. Como novos discípulos do Cristo, que, juntando à palavra o exemplo, pregais a doutrina do Mestre, que renasce explicada e desenvolvida em espírito e verdade pela nova revelação, oponde a essas acusações a paciência, a doçura, a indulgência, a firmeza, a coragem. Caminhai ousa- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 282

damente. O Cristo vela por vós, vos protege e manda que os Espíritos do Senhor vos guiem os passos. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 283

MATEUS. Cap. XII, v. 29-37. — MARCOS. Cap. III, v. 27-30. — LUCAS. Cap. XI, v. 21-23 e Cap. XII, v. 10

O forte armado. —Pecado remido. —Blasfêmia contra o Espírito Santo. — Tesouro do coração. Palavra ímpia. — Quem não está com Jesus está contra ele. —Pelo fruto é que se conhece a árvore

MATEUS: V. 29. Como poderá entrar alguém na casa de um homem forte e roubar-lhe as alfaias, se antes não o amarrar? Depois disto é que lhe pilhará a casa. — 30. Quem não está comigo está contra mim; quem comigo não entesoura — dissipa. — 31. Eis porque vos digo: Todos os pecados e todas as blasfêmias serão perdoados aos homens, menos a blasfêmia contra o Espírito Santo, que não o será. — 32. O que alguém disser contra o filho do homem ser-lhe-á perdoado; mas, não terá perdão nem neste século nem no futuro o que alguém disser contra o Espírito Santo. — 33. Se uma árvore for boa, bom será o seu fruto; se for má, seus frutos serão maus, visto que pelo fruto é que se conhece a árvore. — 34. Raça de víboras, como podeis, sendo maus, dizer boas coisas, uma vez que da boca só sai o que abunda no coração! — 35. O homem que é bom tira boas coisas de bom tesouro e o homem mau tira coisas más de mau tesouro. — 36. Ora, eu vos digo que os homens, no dia do julgamento, prestarão contas de toda palavra ociosa que houverem proferido. — 37. Porque serás justificado pelas tuas palavras e pelas tuas palavras serás condenado.

MARCOS: V. 27. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte e lhe roubar as alfaias, se antes o não manietar; só depois disso conseguirá pilhar-lhe a casa. — 28. Em verdade vos digo que aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados que hajam cometido e todas as blasfêmias que tenham proferido; — 29, mas, aquele que houver blasfemado contra o Espírito Santo não terá perdão na eternidade, será réu de eterno delito. — 30. Jesus falava assim, porque diziam: Ele está possesso de um Espírito impuro. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 284

LUCAS: V. 21. Quando um homem forte guarda armado a entrada de sua casa, em segurança está tudo o que ele possua. — 22. Porém, se outro mais forte vem e o vence, levará consigo todas as armas em que ele confiava e se apossará dos seus haveres. — 23. Aquele que não está comigo está contra mim e aquele que comigo não entesoura dissipa.

XII, V. 10. Se alguém falar contra o filho do homem, isso lhe será perdoado; mas, não terá perdão aquele que blasfemar contra o Espírito Santo.

N. 160. Jesus, como já o temos dito muitas vezes, falava aos homens daquela época a linguagem que lhes era adequada, a linguagem que, convindo ao momento, não comprometia o futuro, que, ao contrário, o preparava, salvaguardando-o. Para ser compreendido e impressionar a imaginação dos daquele tempo, usava de imagens materiais, que todas encerravam uma advertência, uma lição, um ensinamento.

Ele o disse: o espírito é que vivifica; as palavras que vos digo são espírito e vida. Para vós outros, chamados a receber a nova revelação e a compreender, por meio desta, o sentido e o alcance de tais palavras, é que elas foram pronunciadas. Sabei, portanto, tirar sempre da letra o espírito, a fim de apreenderdes o pensamento do Mestre, o sentido verdadeiro de seus ensinos.

Dizendo o que consta nos v. 29 de Mateus e 27 de Marcos, aludia Jesus ao pecado que, pondo cerco ao homem, o rodeia de seduções para dele se apoderar. E, uma vez que o haja empolgado, o despoja de todas as virtudes. Aquelas palavras eram, pois, emblemáticas.

(V. 21 e 22 de Lucas). O homem pode estar certo de vencer, desde que se mantenha forte contra si mesmo, vigilante sobre a sua consciência, sempre pronto a OS QUATRO EVANGELHOS (II) 285

combater os maus instintos, os maus pendores e as más paixões. Se, porém, se descuida, se se entrega à voluptuosidade, ao sono da consciência, nele penetram os vícios, o maniatam com suas perniciosas algemas e o escravizam. Tomam-lhe uma a uma as ar-mas, arrancando-lhe uma a uma as boas resoluções, as virtudes e, depois de o terem suplantado, voltam contra ele as suas mesmas armas, porquanto as virtudes perdidas se tornam vícios.

Quem não pratica o mal deve praticar o bem que lhe é oposto, por isso que quem negligencia em praticar o bem inevitavelmente cai no mal, que lhe é oposto. Aquele a quem falta a caridade não é egoísta, orgulhoso? Aquele que se esquece do seu Deus não se torna ímpio? O mesmo se dá com todas as virtudes que não são praticadas. Tomam-lhes o lugar os vícios, que elas, se cultivadas, destruiriam.

Estas palavras (Lucas, v. 22): "e se apossará de seus haveres" não são emblemáticas relativamente às inteligências para as quais falava o Mestre; são o complemento da figura material que ele apresentava aos Hebreus. Quem quer que, como ladrão, penetra na casa de outrem, o desarma e amarra, há de ter necessariamente um objetivo material. Por essa razão é que Jesus acrescentou: e se apossará dos seus haveres. Sem este acrescentamento os Judeus não teriam compreendido o motivo do proceder do ladrão, desde que do seu ato não colhia qualquer proveito.

Certamente os vícios que substituam as virtudes no coração daquele que adormece, confiante em si mesmo, não tiram proveito das virtudes destruídas, mas tiram-no da destruição delas, do seu banimento do coração em que floresciam, no sentido de que assim logram penetrar lá, onde, de outro modo, não teriam acesso, logram alojar-se lá onde não teriam entrado. Despojam, portanto, as virtudes do asilo que lhes fora preparado. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 286

(V. 30 de Mateus e 23 de Lucas). "Quem não está comigo está contra mim", declarou Jesus. Quer isso dizer: quem não segue a lei do Cristo, isto é, a doutrina moral que ele personificou, dela se aparta. Logo, está contra ele, pois que trilha senda oposta à que foi por ele traçada.

E quem comigo não entesoura — dissipa. Aquele, que não caminha pela estrada que Jesus abriu, não reunirá os tesouros que o Senhor reserva para os justos. Desviando-se dessa estrada, dissipa esses tesouros e perde precioso tempo.

(V. 31 e 32 de Mateus, 28 e 29 de Marcos, 10 de Lucas). Não vos admireis das ligeiras diversidades que se notam entre as três narrativas. Cada um desses evangelistas registrou palavras ditas por Jesus em lugares e ocasiões diferentes. Elas se encontram aqui reunidas unicamente para não estarmos a repetir explicações de ensinamentos dados quase que nos mesmos termos e para melhor fazermos realçar o pensamento do Mestre, tirando-o do conjunto das lições.

Como deveis compreender, Jesus repetia muitas vezes, aos Hebreus que o cercavam, os mesmos ensinos, sem contudo usar sempre das mesmas palavras. Ele, dizemo-lo mais uma vez, apropriava a lição à inteligência, às necessidades dos que a recebiam. Dai as ligeiras diferenças que se notam nas Escrituras. Cada evangelista narra fatos mais ou menos semelhantes ocorridos com pequenos intervalos, mas cujas particularidades não coincidem precisamente. Cada um, dentro do quadro que lhe foi traçado, relata, debaixo da inspiração mediúnica, o que viu, ou ouviu, ou soube por informação.

Disse Jesus:

"Todos os pecados e todas as blasfêmias serão perdoados aos homens, menos a blasfêmia contra o Espírito Santo, que não o será. O que alguém disser contra o filho do homem ser-lhe-á perdoado, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 287

mas não terá perdão, nem neste século, nem no futuro, o que alguém disser contra o Espírito Santo." (MATEUS, 31 e 32). — "Em verdade vos digo que aos filhos dos homens serão perdoados todos os pecados que hajam cometido e todas as blasfêmias que tenham proferido, mas, aquele que houver blasfemado contra o Espírito Santo não terá perdão na eternidade, será réu de eterno delito. " (MARCOS, v. 28 e 29). - "Se alguém falar contra o filho do homem, isso lhe será perdoado, mas não terá perdão aquele que blasfemar contra o Espírito Santo." (LUCAS, v. 10).

Por essa forma Jesus patenteava, em primeiro lugar, a diferença que há entre ele, não obstante a sua essência preciosa, a sua origem e a sua posição espíritas, e o Senhor onipotente.

Sabeis que, no entender dos Judeus, o Espírito Santo era a inteligência mesma de Deus. Falando, pois, ali, da blasfêmia contra o Espírito Santo, Jesus se referia à blasfêmia contra o Senhor onipotente que reina sobre todos os universos.

Consiste a blasfêmia em negar a Deus, em acusar de injustiça ou erro aquele que é todo amor, ciência e justiça, que é a verdade absoluta. Que crime se pode a esse comparar? A blasfêmia contra Deus não constitui a maior ofensa que se lhe possa fazer?

Se, numa família, os filhos se revoltam contra o irmão mais velho, ainda que este represente o pai, cometerão falta menor do que se insultarem o próprio pai, se o injuriarem. A mesma relação, pelo que respeita a Jesus, podeis estabelecer, lembrando-vos de que ele personifica a moral que pregou mais por exemplos do que por palavras.

Quanto a uma ameaça de penas eternas, feita pelo Mestre, não existe. Para os Hebreus, de acordo com os seus preconceitos, tradições e escrituras, os termos: — eternidade, na eternidade, eterno, eternamente, tinham dois sentidos, podiam ser tomados em duas acepções diversas. No sentido absoluto, quando empregados relativamente a Deus, desig- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 288

9 Êxodo, XV, v. 18; Miqueias, IV, v. 5; Esdras, II, v. 3; Josué, XIV, v. 9; Isaías, LVII, v. 16 (segundo a Vulgata).

navam a eternidade propriamente dita. No sentido relativo, quando empregados com relação aos homens, designavam uma duração imensa, mas, por maior que fosse, limitada, condicionada a ter fim9.

Ora, proferindo as palavras que acima citamos, constantes nos v. 10 de Lucas, 28 e 29 de Marcos, 31 e 32 de Mateus, palavras que a nova revelação explicaria umas pelas outras, tornando-as, quando reunidas todas, compreensíveis em espírito e em verdade; exprimindo-se daquele modo, Jesus entregava às interpretações humanas o conjunto delas. Os homens as interpretaram falsamente, dando ao vocábulo "eternidade" sentido absoluto, quando o Mestre o empregara em sentido relativo.

Não compreenderam que, no pensamento do Mestre, se tratava de uma eternidade relativa, de "mais de um século", de "mais do que o século vindouro", modo pelo qual objetivava ele dar uma idéia da extensão do castigo, da sua duração imensa, qualquer que fosse a palavra dita contra Deus, na intenção de negá-lo, de o acusar de injustiça ou de erro.

Não censureis, já o temos dito muitas vezes e repetimos, os que erroneamente interpretaram as palavras de Jesus. Tudo tem a sua razão de ser. As falsas interpretações humanas, devidas ao estado das inteligências, às necessidades da época e dos tempos que se seguiriam, serviram, como condição e meio de progresso, à atualidade de então e prepararam o futuro que se abre ante vós pela nova revelação.

Jesus se dirigia a homens cuja imaginação precisava ser despertada. Vede que o mesmo ainda hoje se dá: não usamos de idêntica linguagem para com todos vós. Adaptamo-nos muitas vezes às vossas OS QUATRO EVANGELHOS (II) 289

fraquezas, aos vossos preconceitos, a fim de vos conduzirmos gradualmente às verdades que, reveladas de chofre, poderiam determinar o vosso afastamento. Jamais chocamos inutilmente as crenças humanas, enquanto possam conciliar-se com o progresso da humanidade. Mas, desde que um Espírito fraco se apegue fortemente a tal ou tal dogma, a tal ou tal cerimônia, nós lhe dizemos: "O culto que agrada ao Senhor é unicamente o culto que vem do coração; a seus olhos nenhum valor têm os atos exteriores". Inversamente, ao homem fraco, que necessite de um apoio para sua crença, de uma barreira que o impeça de transpor certos limites, dizemos: "Servi, em consciência, ao Senhor; praticai com regularidade e devida atenção o vosso culto, qualquer que ele seja; cumpri zelosamente as vossas obrigações exteriores; mas, por isso, não vos descuideis do culto da alma, grato ao Senhor. Sois fraco e tendes necessidade de amparo; buscai-o onde costumais encontrá-lo; mas, buscai também o dos vossos amigos, os Espíritos do Senhor, que vos cercam e auxiliam, que sabem ser um único o objetivo que deveis alcançar: a felicidade na vida futura e a paz na presente existência".

Desta maneira conformamos os nossos ensinos com os preconceitos e fraquezas humanas. Para que, porém, não haja obscuridade nas nossas palavras, declaramos: Jamais os conformamos com os erros e faltas. Falamos a uns com doçura, a outros com severidade, apropriando nossa linguagem ao caráter e às disposições de cada um.

Ora, Jesus que era sábio por excelência, soube, muito melhor do que nós, tornar a lição compreensível, de modo oportuno e útil, aos Espíritos obstinados que o ouviam.

Não, não há, da parte de Jesus, ameaça de penas eternas. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 290

Compreendei bem, portanto, estas palavras:

"Aquele que houver blasfemado contra o Espírito Santo não achará perdão na eternidade, será réu de um delito eterno; não terá perdão nem neste século, nem no futuro."

Ele apropriava a palavra à inteligência. A falta acarreta um castigo que podeis considerar eterno, tendo em vista a medida de que usais para medir o tempo. O Espírito rebelde, que blasfema contra o seu Deus, tem que sofrer longas provações para voltar ao cumprimento do dever. Esse ato inaudito denota no Espírito um sentimento de rebelião e de orgulho que o levará a muitas quedas. Não concebeis que as diversas categorias de delito impliquem a idéia de maior ou menor perversidade? Necessariamente, quem cometer certa falta que, comparada a outra, seja leve, está mais perto de se arrepender, é menos radicalmente vicioso, ficando entendido que a diferença de culpabilidade resulta da intenção e não da carência de oportunidade.

Não há caso algum em que o Espírito fique absolutamente excluído do perdão. Apenas, relativamente, semelhante exclusão existe para o culpado, pelo temor, que este experimenta, de que ela seja real, à vista do castigo e da sua duração. Esta nada é, em face da eternidade, mas se afigura ser a própria eternidade àquele que nada vê para lá dos limites acanhados da sua inteligência.

Não tendes ouvido Espíritos culpados dizerem, por entre gemidos, que se acham condenados a "penas eternas" e não sabeis que a existência, neles, desta crença constitui um dos meios de os levar ao arrependimento?

Não vedes como? Eis aqui: o rigor e a duração do castigo consomem as más energias do culpado. Cansado de sofrer, aterrorizado com a perspectiva de dores sem fim, ele se volta para si mesmo, olha com OS QUATRO EVANGELHOS (II) 291

desespero para o seu passado, conta todas as faltas, todos os crimes que o precipitaram no abismo e, por fim, exclama: "Se houvesse de recomeçar!" Os Espíritos que o cercam principiam então a intervir, impelindo-o a pesquisar se terá que recomeçar e a saber como faria, se, de fato, houvesse de recomeçar. Pouco a pouco o arrependimento lhe vai penetrando no íntimo, fazendo nascer a esperança do perdão. Ao influxo desta esperança, o arrependimento se desenvolve, a expiação passa a ser suportada com paciência e resignação. Depois, à medida que aquele se torna mais sincero e profundo, vem surgindo o desejo de reparar, de expiar e de progredir, com o auxílio de novas provações. E Deus perdoa e concede ao culpado, que se arrependeu e submeteu, a graça da reencarnação, a fim de que retome o caminho da reparação e do progresso.

Quando Jesus falava, ou os evangelistas nas suas narrações falam do Espírito Santo, esta expressão, como já sabeis, designa os Espíritos puros, os Espíritos superiores, os purificados, os bons Espíritos, que desempenham junto dos homens as funções de órgãos do Senhor, de seus mensageiros, ministros ou agentes, conforme o grau da elevação de cada um. Servindo-se da expressão "Espírito Santo", quando tratou da blasfêmia contra Deus, Jesus o fez porque, como também já o dissemos, os Judeus entendiam por Espírito Santo a inteligência mesma de Deus. Em última análise, tudo vem a dar no mesmo, num caso e noutro, por isso que os Espíritos elevados não são menos do que o reflexo da vontade do Senhor onipotente.

O homem que blasfema contra Deus é um rebelde às inspirações do seu anjo de guarda e dos bons Espíritos, incorre em culpa grave e não obtém perdão enquanto permanece culpado e rebelde, correspondendo a eternidade do castigo à eternidade da falta. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 292

Se o Espírito permanecesse eternamente rebelde, seria réu de delito eterno, jamais obteria perdão na eternidade, nem além dela, para nos servirmos das expressões bíblicas. Mas, não pode ser e não é assim.

Por efeito da onipotência, da justiça, da bondade e da misericórdia infinitas do Senhor e de acordo com a promessa que Jesus fez, em nome do Deus de amor, na parábola do filho pródigo e quando disse: 'Meu pai não quer que nenhum destes pequeninos pereça; — vim salvar o que estava perdido; — sede perfeitos como é perfeito vosso pai que está nos céus; não há Espírito culpado e rebelde que, no curso da eternidade que se desdobra diante de si, não experimente o influxo das leis imutáveis do progresso e da perfectibilidade, do sofrimento e da expiação. Nenhum há que, usando do seu livre arbítrio, sob a ação da sua consciência, presa do remorso e do arrependimento, auxiliado, na erraticidade, pelos sofrimentos ou torturas morais adequados e proporcionados aos crimes e faltas cometidos, auxiliado pelas provações e expiações, deixe, com o tempo e mediante a reencarnação, de voltar ao aprisco como a ovelha tresmalhada; de voltar à casa paterna, como o filho pródigo, arrependido e submisso. Nenhum há que, purificado, não venha a ser um dia acolhido pelo pai da família, pelo Deus do amor e da misericórdia inesgotáveis.

(V. 33 de Mateus). Se uma árvore for boa, bom será o seu fruto; se for má, seus frutos serão maus, visto que pelo fruto é que se conhece a árvore. Por estas palavras dirigidas aos discípulos, Jesus lhes ensinava a conhecer os homens. Indubitavelmente, o homem de maus instintos praticará más ações. Se, porém, o virdes esforçar-se por fazer o bem, por cumprir os deveres que a humanidade impõe, podeis dizer: "a árvore é boa". E ficai certos de que, se for cultivada, melhor se tornará. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 293

(V. 24 e 25 de Mateus). "Raça de víboras, dizia Jesus aos fariseus, como podeis, sendo maus, dizer boas coisas, uma vez que a boca fala do que abunda no coração? O homem bom tira boas coisas de bom tesouro e o homem mau tira coisas más de mau tesouro."

Pelos termos "raça de víboras", apropriados aos tempos e aos homens, designava Jesus aquela raça de Espíritos inferiores e orgulhosos, que acreditavam poder alcançar, sem socorro, o céu e que não queriam receber luz alguma. A palavra emerge do coração, quando exprime abertamente a maneira de pensar. Se, porém, oculta o pensamento, ou lhe dá a aparência da doçura, sendo ele agressivo, a palavra é mentirosa, hipócrita e má. Por isso é que Jesus perguntava aos fariseus: Como é que, sendo maus, podeis dizer boas coisas? As palavras saem do tesouro do coração. Se o tesouro é mau, más serão as palavras e as ações, quer as primeiras exprimam abertamente a maneira de pensar, quer sirvam de disfarce à mentira, à hipocrisia ou à maldade.

(V. 36 e 37 de Mateus). "Ora, eu vos digo que os homens, no dia do julgamento, prestarão contas de toda palavra ociosa que houverem proferido. Porque sereis justificados pelas vossas palavras e pelas vossas palavras sereis condenados."

De acordo com o texto original judiciosamente interpretado, o que Jesus disse foi: "de toda a palavra ímpia".

As traduções preferiram os termos "ociosas, inúteis" para, dando maior extensão ao texto, fazerem que as palavras do Mestre abrangessem a todos e não somente aos blasfemadores. Essa alteração do original teve por efeito reprimir os costumes, pôr um freio à depravação da linguagem. Estendendo a sentença do Cristo até às palavras ociosas, circunscrevia-se a linguagem nos limites do necessário ou do justo. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 294

Sendo mister coibir as conversações mais que levianas, capazes de desviar as inteligências do fim elevado que se lhes propunha, necessário era que se batesse com força para alcançar esse objetivo. Daí vem o ter-se mudado a palavra, a fim de dar maior alcance à frase.

O dia do julgamento, em que os homens prestarão contas (já o explicamos) é aquele em que o Espírito culpado, após a morte, faz uma introspecção, observa a sua passada existência, seus crimes ou faltas e, tocado pelo remorso e pelo arrependimento, sofre a expiação, inevitavelmente seguida da reencarnação.

Nota da Editora — Em algumas traduções encontramos a expressão —Espírito Santo, no versículo 31, de Mateus; noutras, porém, somente se encontra a palavra —Espírito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 295

MATEUS, Cap. XII, v. 38-42. — LUCAS, Cap. XI, v. 29-32

Prodígio pedido pelos fariseus. — Resposta de Jesus. — Prodígio de Jonas. —Ninivitas. Rainha do Meio-dia

MATEUS: V. 38. Então, alguns dos escribas e fariseus lhe disseram: Mestre, quiséramos ver um prodígio por ti feito. — 39. E ele lhes respondeu: Esta geração má e adúltera pede um prodígio; nenhum outro lhe será dado senão o prodígio do profeta Jonas. — 40. Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre de uma baleia, também o filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra. — 41. Os ninivitas se levantarão no julgamento contra esta geração e a condenarão, pois que eles fizeram penitência ao ouvirem a pregação de Jonas; e, aqui, há mais do que Jonas. — 42. A rainha do Meio-dia se levantará podia do juízo contra esta geração e a condenará, pois que ela veio dos confins da terra para escutar a sabedoria de Salomão; e aqui, há mais do que Salomão.

LUCAS: V. 29. Disse então à turba que o cercava: Esta geração é uma geração perversa; pede um prodígio; não lhe será dado outro diverso do do profeta lonas. — 30. Assim como Jonas foi um prodígio para os de Nínive, também o filho do homem será um prodígio para esta geração. — 31. A rainha do Meio-dia se levantará, no dia do juízo, contra os homens desta geração e os condenará, pois que ela veio dos confins da terra para escutar a sabedoria de Salomão; e, aqui, há mais do que Salomão. — 32. Os Ninivitas se levantarão no dia do juízo contra esta geração e a condenarão, pois que eles fizeram penitência, atendendo à pregação de lonas; e há, aqui, mais do que Jonas.

N. 161. Aquela geração, que resistia a todos os esforços empregados para conduzi-la ao caminho era OS QUATRO EVANGELHOS (II) 296

má e adúltera. Era adúltera no sentido de desprezar a fé no seu Deus para se entregar a práticas materiais.

Não é este o lugar de vos explicarmos como se deu o que os homens consideraram a passagem de Jesus da vida material para a morte e a sua volta à vida espiritual. Dizei-nos, porém, se a sua ressurreição, depois de três dias e três noites de morte aparente, mas considerada real pelo vulgo, não constitui um "milagre", idêntico ao que se atribuiu a Jonas?

Dizemos :— que se atribuiu a Jonas, porque o fato que com este se deu foi referido aos Hebreus ampliado, comentado e desnaturado. Houve, da parte do narrador, erro e falsa interpretação quando disse: "que Jonas fora atirado ao mar; que Deus preparara um peixe imenso para engolir o profeta; que este passou três dias e três noites dentro de tal peixe; que o Senhor falou ao peixe e que este pela boca deitou Jonas na praia".

Jonas não foi lançado ao mar. Esteve, sim, três dias e três noites a ferros no fundo do navio que o levava. Um marinheiro devotado de lá o tirou e trouxe num bote até à praia onde o deixou. Salvou-o, portanto, a dedicação de um homem, que serviu de instrumento à Providência, pois que, por influência e inspiração espíritas, cumpriu a vontade de Deus, libertando Jonas das cadeias que o prendiam, trazendo-o num bote do navio e depondo-o na praia. A credulidade e a atração que exerce no homem tudo o que revista o caráter de maravilhoso deram origem à crença num acontecimento miraculoso.

O peixe outro não era senão o navio a cujo bordo se achava Jonas e a boca do peixe — o bote que o depôs na praia.

Dizendo: "Assim como Jonas foi o prodígio para os Ninivitas, também o filho do homem será um prodígio para esta geração", Jesus se colocava, sem- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 297

pre, no ponto de vista das crenças humanas, relativamente a Jonas e a si próprio.

Jonas, que era um homem igual aos demais, foi tido pelos Ninivitas como um ente excepcional na raça humana, visto que pudera viver dentro de um peixe e dali sair são e salvo, depois de haver passado lá três dias e três noites.

Para o vulgo, mesmo para os discípulos, Jesus era um homem igual aos outros, com um corpo de carne e ossos como os deles. Em tais condições, sua ressurreição e sua ascensão não podiam ser mais compreensíveis, nem menos miraculosas do que a volta de Jonas.

Vós, espíritas, que conheceis as causas e compreendeis, portanto, os efeitos, não podeis ver na "ressurreição" e na "ascensão" de Jesus mais do que uma conseqüência da sua missão e da sua organização fluídica. Uma e outra se explicam e tornam evidentes pela revelação, que vos trazemos, da origem espírita do Mestre, do seu aparecimento na terra e do corpo fluídico, ou perispirítico tangível, que ele tomou, com a forma ou aparência do corpo humano. Mas, os homens daquela época, repetimos, presenciando a "ascensão", o que viram foi um corpo, feito de matéria impura, elevar-se por si mesmo, para ir instalar-se eternamente lá onde tudo é espiritual.

Bem mais sensível era o milagre para os homens de então. Foi, por assim dizer, essa impossibilidade da reunião da matéria com a espiritualidade, que preparou a era em que entrais. Foi ela que, da crença nos milagres, afastou os pensadores. Tão inconcebível se lhes patenteou aquela reunião, que eles procuraram uma explicação possível para o fato e acabaram negando-o, por não poderem acreditar nele. Todos, porém, hão de aceitar a explicação simples e racional da tangibilidade conferida ao perispírito do Redentor. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 298

Roto o véu, compreendeis agora que Jesus, desde o momento em que não quis mais conservar aquela tangibilidade, haja, sob a aparência do corpo humano, mantido a sua essência etérea; haja podido sair do sepulcro sem arrombamento, não ficando lá nenhum fragmento de corpo material humano; haja podido apresentar-se a muitas pessoas em diversos lugares e retomar a tangibilidade, quando isso se fez preciso; haja, finalmente, voltado à plenitude das suas faculdades espíritas quando; elevando-se na presença de seus discípulos, voltou para a esfera etérea donde se exilara voluntariamente para vos convencer e vos salvar de vós mesmos.

(V. 41 e 42 de Mateus, 31 e 32 de Lucas). Dizendo o que consta destes versículos, tinha Jesus a intenção de, como sempre, ferir a imaginação dos Judeus por meio de um paralelo entre a época das Escrituras e a em que ele falava.

Com relação aos Ninivitas: Está bem visto que a comparação não era possível e não foi feita por Jesus senão com os que haviam tirado proveito da pregação de Jonas, permanecendo nas vias do Senhor, depois de nelas terem entrado. Com os que a receberam e para logo a esqueceram não fora possível estabelecer comparação alguma.

Com relação à rainha do Meio-dia: A rainha de Sabá viera das montanhas do Líbano, que, para os Hebreus, ficavam nos confins da terra, a fim de ouvir a Salomão, cuja grande reputação de sabedoria a atraíra. Depois de com ele haver conversado, de o ter ouvido, disse:

"Bem maiores do que a fama que chegou até mim são a tua sabedoria e as tuas obras. Felizes dos que te pertencem. Felizes dos teus servos, que estão sempre na tua presença e escutam a tua sabedoria! Bendito seja o Senhor teu Deus, que te dispensou as suas com- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 299

placências, que te colocou no trono de Israel e te fez rei, para reinares com eqüidade e distribuíres a justiça.”

Os Ninivitas que, aproveitando da pregação de Jonas, entraram e permaneceram nas vias do Senhor e a rainha do Meio-dia que, cedendo à impulsão que recebera, reconheceu a grandeza de Deus e a sabedoria daquele a quem Deus fizera rei, para reinar com eqüidade e distribuir a justiça, eram a condenação dos Judeus, que resistiam a todos os esforços de Jesus para os reconduzir ao bom caminho.

Depois de aludir às Escrituras, comparando o que elas narram com o que se passava em torno de si, Jesus chamou a atenção dos homens para a superioridade da sua missão, superioridade que só a nova revelação patentearia, na vossa época, em espírito e em verdade, e para a culpabilidade dos que se rebelavam contra suas palavras, seus ensinamentos, seus exemplos, dizendo: E há, aqui, mais do que Jonas; e há aqui mais do que Salomão.

Jonas e Salomão eram Espíritos em missão, mas de ordem inferior. Fora possível que Jesus se equiparasse a qualquer dos dois, sendo ele o Cristo de Deus e, como representante do Pai, o mestre, o rei do vosso planeta e da sua humanidade? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 300

MATEUS, Cap. XII, v. 43-45. — LUCAS, Cap. XI, v. 24-28

Dever, que tem o homem, de resistir aos maus instintos, às más paixões. — Respostas de Jesus ao que, do meio do povo, lhe disse uma mulher

MATEUS: V. 43. Quando o Espírito impuro tem saído de um homem, vagueia pelos lugares áridos em busca de repouso e não o encontra. — 44. Diz então: "Voltarei para a casa donde saí". E, voltando, a encontra vazia, limpa e ornada. — 45. Parte então de novo, arrebanha sete outros Espíritos ainda piores do que ele, entram todos na casa e passam a habitá-la; e o último estado do homem fica sendo pior do que o anterior. Assim acontecerá com esta geração criminosa.

LUCAS: V. 24. Quando o Espírito impuro tem saído de um homem, anda por lugares áridos em busca de repouso. Não o encontrando, diz: Voltarei para a casa donde saí. — 25. E, voltando, a encontra varrida e ornada. — 26. Vai-se, então, de novo, reúne outros sete Espíritos mais malvados do que ele e, entrando todos na casa, lá se instalam. E o último estado do homem fica sendo pior do que antes. — 27. Ora, sucedeu que, quando ele dizia estas coisas, uma mulher, elevando a voz do meio do povo, lhe disse: Felizes o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram! — 28. Jesus, porém, disse: Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a praticam.

N. 162. Jesus fazia ver aos homens que lhes cumpria estar sempre em guarda contra as más paixões que, repelidas a princípio facilmente, voltam depois com mais força e maior tenacidade.

Tomai, se quiserdes, por emblema das más paixões, os Espíritos imundos, na linguagem dos Evangelhos, os maus Espíritos, cuja influência vos temos ensinado a evitar. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 301

Aquele que, fraco de Espírito, cede com facilidade às más inspirações, por serem más as suas tendências, oporá, tomando boas resoluções, sério obstáculo aos esforços que empreguem os Espíritos malfazejos, no sentido de o arrastarem para o mal.

O Espírito que o influenciava se afasta e vai em busca de alguma outra inteligência que lhe seja mais fácil impressionar, a fim de se apoderar dela, tendo sempre, porém, debaixo das vistas aquele sobre quem exercia sua ação funesta e que fora obrigado a abandonar. Ora, assim note da parte deste um descuido, por menor que seja, um relaxamento das resoluções, volta prontamente a se apossar da sua antiga vítima. Se encontrar resistência, não podendo esta ser forte, pois que não nasce de um sentimento realmente puro, ele se obstinará e, se for preciso, chamará em seu auxílio os Espíritos inferiores, que o cercam e que o secundarão.

Não concluais, todavia, das nossas palavras que todas as vossas ações más, todos os vossos maus pensamentos sejam resultado de uma influência oculta. Se em vós não existir o gérmen do mal, não atraireis os Espíritos do mal. As vossas tendências, boas ou más, é que determinam a ordem dos Espíritos que virão grupar-se em torno de vós. Cercar-vos-ão os que simpatizarem com os vossos pendores.

Vigiai, pois, a todos os instantes os vossos mais secretos pensamentos, varrei cuidadosamente a vossa casa,- purificai a vossa alma e montai guarda à entrada do santuário, a fim de impedirdes a aproximação dos que não sejam dignos de nele penetrar. Vigiai e orai, oh! bem-amados, vigiai e orai.

(V. 43 de Mateus e 24 de Lucas). Os lugares áridos por onde erra o Espírito impuro, o mau Espírito, sem achar abrigo, são os homens purificados que não lhes dão entrada às sugestões. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 302

Busca repouso e não o encontra. Busca uma ocupação condizente com os seus instintos, tendências, ou caprichos e não a encontra. Jesus, não o esqueçais, falava aos Judeus e os Judeus acreditavam que o Espírito impuro habitava no subjugado. O Mestre os deixava nessa crença, a fim de que ainda mais horror lhes inspirasse a "possessão". Ora, falando para ser compreendido por aqueles homens, era natural que lhes figurasse o Espírito impuro a procurar repouso nos lugares áridos sem o encontrar, isto é: a rondar os homens fortes e a encontrá-los surdos às suas instigações. Aí tendes, espíritas, na altura do vosso entendimento, o espírito despojado da letra.

Tentando penetrar num homem, cuja alma se ache bem guardada, e não o conseguindo, sendo forçado a afastar-se sem lhe deparar um lugar onde possa repousar, aí tendes a lição na altura do entendimento dos Judeus a quem Jesus falava.

(V.44 de Mateus e 24 e 25 de Lucas). Aquele que, embora por muito pouco tempo, expurga a alma dos maus pendores, dá imediatamente acesso aos sentimentos bons, que se opõem aos maus instintos. As virtudes são o ornamento da alma. É preciso que, quando o Espírito impuro, o mau Espírito queira voltar para a casa donde saiu, a encontre limpa e ornada. Nutrindo sentimentos de real pureza, conservai vossa alma firmemente inacessível aos maus instintos, às más inclinações, sugestões e instigações.

Ornai-a de virtudes para que o Senhor encontre nela morada digna dele, para que lhe seja grato ampliar cada vez mais o vosso progresso moral e intelectual, concedendo-vos sempre a assistência e as inspirações dos bons Espíritos, cujo amparo e concurso obtereis, atraindo-os para junto de vós.

Nenhuma relação têm as nossas palavras com o "sacrifício da Eucaristia". Não admitais que o corpo do homem possa servir de morada, nem eterna, nem OS QUATRO EVANGELHOS (II) 303

temporária, à divindade, como o pretende a Igreja, cujos erros todos provieram (já o temos dito) e provêm das interpretações por ela dadas às Escrituras, de as haver sempre interpretado segundo a letra e nunca segundo o espírito, com menosprezo da advertência do Mestre. Não admitais que "o corpo e o sangue reais" (expressões da igreja romana) do Salvador se possam equiparar aos alimentos humanos e ficar, desse modo, sujeitos às leis da digestão no corpo do homem. Não admitais que o perispírito tangível de que Jesus se revestiu temporariamente, atendendo às exigências e à duração da sua missão terrena, vaso precioso que continha uma essência ainda mais preciosa, formado de fluidos que, na época da chamada "ascensão", foram restituídos aos meios donde haviam sido tirados, possa estar submetido àquelas leis. Não admitais que o Espírito de Jesus, essência sempre pura, de pureza perfeita e imaculada, faça do corpo humano sua habitação, não.

A comunhão do Cristo, simbolizada pela ceia, foi, como vos explicaremos quando chegar a ocasião, um último e solene apelo por ele feito à fraternidade. A comunhão dos discípulos era um repasto comemorativo, lembrança simbólica daquela outra comunhão.

Cristãos de todas as seitas, católicos, protestantes, gregos, aprendei o que vos ensina a nova revelação que Deus vos manda e que vos trazemos em nome do Cristo, isto é: que para o Espírito tudo deve ser espiritual, que o homem recebe "o corpo e o sangue" de Jesus apenas emblematicamente, "o corpo" para lhe alimentar a alma, "o sangue" para lavá-la de suas impurezas, mas que a matéria de modo algum participa desse "sacrifício".

Que tomeis as vossas refeições antes ou depois de tal "sacrifício", pouco importa. Das superfluidades OS QUATRO EVANGELHOS (II) 304

humanas é que cumpre vos abstenhais antes do ato da "comunhão", que deverá simbolicamente aproximar o vosso Espírito do daquele que, fazendo a sua aparição na terra, se abaixou até vós para vos elevar. Tal a abstinência que deveis praticar. Com o intuito de vos preparardes para essa festa de família, imponde-vos algumas privações que redundar possam em proveito, tanto material, como moral ou intelectual, de vossos irmãos. Imponde-vos mortificações morais; convidai para o repasto santo, três vezes santo, aqueles que se houverem afastado de vós ou de quem vos houverdes afastado; convidai-os pelo pensamento, se o não puderdes fazer de outra maneira, perdoando-lhes, de coração, as ofensas, tomando a resolução irrevogável de não mais guardar deles queixa alguma.

Praticai e renovai espiritualmente, em comum, esses repastos que os discípulos de Jesus realizavam, semelhantes ao em que haviam tomado parte com o Mestre e que continuaram a realizar até à época em que as paixões e os maus instintos forçaram a uma mudança, em bem da ordem, nas práticas seguidas, determinando a instituição da comunhão aparente, pois que quem se aproxima da mesa do Mestre, levando no coração um mau sentimento, incorre no crime de traição, como Judas Iscariotes.

Fazei o repasto emblemático, comemorativo, como o faziam os discípulos do Mestre. Fazei-o em comum, com a intenção, o desejo de praticar a fraternidade e praticando-a com todos. Convidai todos os vossos irmãos, Judeus e Gentios, abstraindo dos cultos que vos separem. Chegareis assim aos tempos preditos em que não se adorará mais o pai nem no monte, nem em Jerusalém; em que os homens, tornados todos espíritas verdadeiros e, portanto, verdadeiros irmãos, serão os adoradores do pai em espírito e em verdade, serão os verdadeiros adoradores que o pai quer ter. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 305

Chegareis assim ao tempo em que não haverá mais do que um só rebanho com um só pastor — Jesus, o Cristo de Deus, vosso Mestre, protetor e governador do vosso planeta e da sua humanidade.

(V. 45 de Mateus). "Parte então de novo (o Espírito impuro), arrebanha sete outros Espíritos ainda piores do que ele, entram todos na casa e passam a habitá-la; e o último estado do homem fica sendo pior do que o anterior". Depois de pronunciar estas palavras, cujo sentido e alcance conheceis pelas explicações que vos temos dado, Jesus acrescenta: "Assim acontecerá com esta geração criminosa".

A recaída é pior do que a moléstia. A geração de que falava Jesus dispunha de todos os meios para se esclarecer e progredir. Parte dela, tocada pelas prédicas do bom pastor, tentara reformar-se. Mas, a boa semente caíra sobre pedregulhos: as más paixões, um instante sopitadas, voltaram com mais força à antiga habitação, tornando a expiação mais longa e mais dolorosa.

Que o mesmo não suceda com a geração a quem o Cristo hoje se dirige, mediante a nova revelação. Disse ele: muito se pede àquele a quem muito se deu. Ora, os que repelem a luz que se lhes apresenta, os que a apagam ou fecham os olhos para não a verem, terão que prestar muito maiores contas do que os que vivem na ignorância e nas trevas.

(V. 27 e 28 de Lucas). A mulher que elevou a voz do meio da multidão falou, como médium, sob a inspiração momentânea de um guia que, desse modo, abriu ensejo à resposta de Jesus. Tudo que pudesse servir para o ensinamento do povo fora previsto. As palavras da mulher tinham todo cabimento, do ponto de vista das crenças humanas de então, segundo as quais Jesus era filho de Maria e de José.

Realmente, o fato de haver Maria, como os homens acreditavam, gerado e amamentado a Jesus, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 306

indicava da parte dela grande elevação. Esta porém, ela a alcançara antes que lhe fosse concedido desempenhar a missão de mãe do Salvador, ao passo que aqueles para quem Jesus pregava, pecadores e culpados, pouco até então haviam merecido, mas muito viriam a merecer, desde que recebessem com fé e pusessem em prática as preciosas lições que lhes eram dadas. Bem podia Jesus, portanto, dizer: Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a praticam. Ele antevia o progresso imenso que fariam os que sinceramente enveredassem pela nova estrada.

Também nós vos dizemos, oh! bem-amados: Felizes os que recebem a luz e se esclarecem com os seus raios, que escutam a palavra de Deus e a praticam em espírito e em verdade. Grande será deles o progresso. Iniciando-vos, desde a existência terrena, nos mistérios da vida, abreviais a duração das provas no estado de Espíritos livres; evitais sobretudo a expiação, pondo-vos em guarda contra vós mesmos; progredis, pois, desde a vida humana e ainda mais rapidamente progredireis quando voltardes à verdadeira vida. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 307

MATEUS, Cap. XII, v. 46-50. — MARCOS, Cap. III, v. 31-35. —LUCAS, Cap. VIII, v. 19-21

O irmão, a irmã e a mãe de Jesus são os que fazem a vontade de seu pai, ouvindo a palavra de Deus e pondo-a em prática.

MATEUS: V. 46. Estando ele ainda a pregar para a multidão, sua mãe e seus irmãos do lado de fora procuravam falar-lhe. — 47. Então alguém lhe disse: Tua mãe e teus irmãos estão ali fora procurando-te. — 48. Respondendo a esse que assim falara, disse ele: Quem é minha mãe e quais os meus irmãos? — 49. E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; — 50, porquanto, quem quer que faça a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.

MARCOS: V. 31. Sua mãe e seus irmãos, tendo vindo e ficado do lado de fora, o mandaram chamar. — 32. Ora, como a multidão o cercasse, alguém lhe disse: Olha que tua mãe e teus irmãos te procuram. — 33. Ao que perguntou ele: Quem é minha mãe e quais são os meus irmãos? — 34. E, olhando para os que se achavam sentados ao redor de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; — 35, porquanto, aquele que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.

LUCAS: V. 19. Sua mãe e seus irmãos vieram ter com ele, mas não puderam aproximar-se dele por causa da multidão. — 20. Disseram-lhe então: Estão lá fora tua mãe e teus irmãos que te querem ver. — 21. Jesus, respondendo, disse: Minha mãe e meus irmãos são os que escutam a palavra de Deus e a praticam.

N. 163. Não estando ligado a Maria por nenhum laço humano, Jesus patenteava aos homens os sentimentos de fraternidade e de amor que os deviam unir. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 308

Efetivamente, qual poderia ser o desejo do bom pastor que vinha à procura das ovelhas tresmalhadas? qual poderia ser o seu objetivo? — Reuni-Ias em torno de si. Todas, fossem quais fossem, eram dele bem-amadas.

Sendo, com relação aos homens, pela sua pureza e pelo seu poder, filho único do pai e vindo dizer-lhes: Sois todos, como eu, filhos de Deus, Jesus precisava demonstrar que punha em prática os ensinamentos que dava à multidão e provar que todos os seres humanos são de fato filhos de Deus e, por isso, irmãos dele Jesus, enquanto caminham nas vias do Senhor.

Referindo-nos a Jesus, acabamos de usar das expressões —filho único do pai. Ele o era e é, no sentido de ser, pela sua elevação espiritual, única relativamente à de todos os Espíritos que se acham ligados ao vosso planeta, quem lhe preside aos destinos. Desse ponto de vista e comparado a vós outros, Jesus pode e deve, já o temos dito, ser considerado filho único do Senhor. Sua essência pura, que nunca se desviou da linha do progresso, se aproxima da natureza do Criador universal. Seu poder ilimitado sobre quanto concerne ao orbe terreno participa do poder do supremo Senhor, com o qual ele, pela sua pureza, se acha em relação direta.

Maria e os chamados irmãos de Jesus o foram procurar, induzidos pela influência espírita de seus anjos da guarda e também levados pela idéia de que, devendo o Mestre atender à necessidade de alimentar o corpo, lhes cumpria ir à sua procura, para esse fim.

Conquanto fosse um Espírito muito elevado, Maria estava, até certo ponto, submetida à matéria que a envolvia e não compreendia que Jesus pudesse resistir a tão grandes fadigas sem tomar os alimentos que sustentam o corpo.

Tinha ela a intuição da sua sorte futura; mas, o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 309

passado se lhe apresentava, como a vós, coberto por um véu, o véu da carne.

Nunca será demais que repitamos, pois não o deveis perder de vista, o seguinte: Em virtude da revelação que lhes fora feita e que se conservou secreta, como devia acontecer, até depois de finda a missão terrena de Jesus, este, para Maria e para José, era um ente excepcional, grande aos olhos de Deus, por ser filho do mesmo Deus, e que encarnara milagrosamente, mas sem deixar de participar da natureza do homem e de estar sujeito às exigências, às necessidades da humana existência. Para os homens, ele era um homem igual aos outros, filho, por obra humana, de José e de Maria e como tal o consideraram enquanto durou a sua missão terrena e até à época em que, já finda essa missão, aquela revelação se tornou conhecida do povo.

A ida de Maria e dos chamados irmãos de Jesus à procura deste lhes foi inspirada para provocar, como provocou, a observação do Mestre.

Ao que lhe dissera: "Tua mãe e teus irmão te procuram", ele respondeu inquirindo: "Quem é minha mãe e quem são meus irmãos"? E acrescentou, apontando para os discípulos:. "Eis aqui minha mãe e meus irmãos, pois que aquele que houver feito a vontade de meu pai, a vontade de Deus — esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe; minha mãe e meus ir-mãos são os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática".

As versões de Mateus, Marcos e Lucas são exatas e se completam umas pelas outras: Jesus apontou com a mão para os discípulos que o cercavam e respondeu, deixando cair sobre o povo a atração poderosa do seu olhar, irradiação magnética que atraía os homens como o ímã atrai o ferro. Por esse gesto ele apresentava seus discípulos como exemplo e atraía para eles a multidão que os teria de imitar. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 310

Ao dar aquela resposta, o presente e o futuro se confundiam no seu pensamento. Deu-a, tendo por fim, atento o motivo que determinara a ida de Maria e dos que eram designados por irmãos dele, provar que a missão, a cujo desempenho se consagrara no meio dos homens, sobrelevava aos laços da família humana, às necessidades da natureza humana, que, no entender dos mesmos homens, se lhe faziam sentir. Em todas as ocasiões feria as inteligências.

Tinha também por fim, atentas as palavras que lhe eram dirigidas, mostrar veladamente que nenhum laço humano o prendia a Maria, nem, por conseguinte, àqueles com quem o supunham ligado por humano parentesco. Quis mostrar que não o ligava a Maria, nem aos que eram tidos por seus irmãos, nem aos seus discípulos, nem à multidão que o rodeava, senão um laço espiritual, um parentesco espiritual, um laço de parentesco e de fraternidade segundo o espírito e não segundo a carne: Quis ainda mostrar que mesmo esse parentesco e essa fraternidade, segundo o espírito, entre ele e os homens, assim como entre estes de uns para os outros, não eram reais nem verdadeiros, senão relativamente aos que houvessem feito a vontade divina, escutando e pondo em prática a palavra de Deus, de quem era ele o representante e o órgão.

Tinha igualmente por fim preparar os homens para, nos tempos preditos, receberem a nova revelação, que hoje vos trazemos e que, tirando da letra o espírito, lhes faria conhecer, em espírito e verdade, a sua origem espírita, as condições e o modo por que se deu o seu aparecimento na terra, sua missão, sua potencialidade e seus poderes como delegado e representante do pai, no que diz respeito ao vosso planeta, a cuja formação presidiu, tendo por encargo dirigir-lhe o progresso e levá-lo à realização de seus destinos, conduzindo a humanidade terrena à perfeição pelas vias do progresso, que são a caridade, o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 311

amor e a ciência. Por essa nova revelação, ficarão os homens sabendo, em espírito e verdade. que ele Jesus é de todos irmão e ao mesmo tempo senhor, pelo poder ilimitado que tem sobre quanto respeita ao mundo em que habitais.

Tinha, pois, também por fim preparar os homens para, quando chegasse o momento, abandonarem, esclarecidos pela nova revelação, a crença na sua divindade, crença que, previa-o ele, se havia de generalizar, uma vez terminada a sua missão terrena; de acordo com o estado das inteligências, com as impressões, aspirações e interpretações humanas, assim como com as necessidades da época. Correspondendo a essas necessidades e servindo para preparar os tempos de hoje, que então eram o futuro, para preparar o advento da era que se vos abre, tal crença seria, como foi, uma condição e um meio de progresso.

Disseram a Jesus: "Tua mãe e teus irmãos te procuram". Confrontando essas palavras com estas outras (Mateus, XIII, v. 55): "Não é esse o filho do carpinteiro; sua mãe não se chama Maria; não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?" com estas (Mateus, XIII, v. 56): "E todas as suas irmãs não se acham entre nós?" com estas ainda (Marcos, VI, v. 3): "Não é esse o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?" e com estas mais (Mateus, I, v. 25): "E ele (José) não a tinha conhecido quando ela pariu o seu primogênito, ao qual deu o nome de Jesus" — pretenderam alguns homens e ainda pretendem poder afirmar que Jesus teve irmãos e irmãs por obra de José e de Maria.

Há nisso um erro manifesto que, após as discussões travadas outrora e mesmo nos dias de hoje, não mais devera reproduzir-se. Diante da nova revelação no que respeita à origem espírita de Jesus, ao seu aparecimento na terra, à natureza e ao caráter da sua OS QUATRO EVANGELHOS (II) 312

missão no passado, no presente e no futuro, à elevação e à pureza de Maria e de José, à natureza e ao caráter da missão que os dois desempenharam, auxiliando a obra do Mestre, semelhante erro tem que desaparecer dos debates e controvérsias humanas.

aos olhos dos homens, mas não na realidade das coisas, existia parentesco próximo entre Jesus e os que eram chamados seus irmãos e irmãs.

Em hebreu a palavra — irmão — tinha várias acepções. Significava, ao mesmo tempo, o irmão propriamente dito, o primo co-irmão, o simples parente. Entre os Hebreus, os descendentes diretos da mesma linha eram considerados irmãos, se não de fato, ao menos de nome e se confundiam muitas vezes, tratando-se indistintamente de irmãos e irmãs. Geralmente se designavam pelo nome de irmãos os que eram filhos de pais-irmãos, os que agora chamais primos-irmãos.

Os chamados irmãos e irmãs de Jesus eram, segundo o parentesco humano que entre eles havia aos olhos dos homens, seus primos-irmãos.

Maria não era filha única; tinha uma irmã, que também se chamava Maria, mulher de Cleofas e mãe de Tiago, de José, de Simão e de Judas, que os homens tratavam de irmãos de Jesus.

Do mesmo modo, as chamadas irmãs deste eram suas primas co-irmãs, de acordo com o parentesco humano que, segundo os homens, havia entre elas e o Mestre.

Que importaria aos homens que Jesus tivesse tido irmãos e irmãs na humanidade, uma vez que a essência deles não podia ser igual à do Mestre, Espírito perfeito, que encarnara, para ser visto dos mesmos homens, tomando um perispírito tangível, com a forma ou a aparência do corpo humano, adequado às necessidades e à duração dá sua missão terrena?

Tal, porém, não podia dar-se e não se deu. Espíritos muito elevados, José e Maria sofriam o cons- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 313

trangimento do envoltório carnal que haviam aceitado, mas não estavam sujeitos a instintos de que já se haviam libertado. Exilados momentaneamente da verdadeira pátria, dela guardavam intuitivamente a lembrança e um único era o anelo de ambos: voltar para lá.

Nunca se deve acompanhar o curso de um rio de águas impuras. Deixai que os ímpios desnaturem os fatos mais sérios. Repetimos: Espíritos muito elevados, encarnados em missão, José e Maria não experimentavam as necessidades carnais da humanidade. Intuitivamente preparada para a missão que lhe cumpria desempenhar na execução daquela grande obra de regeneração, cujo desenlace constituiu exemplo para todas as raças humanas que, a partir de então, se sucederam, Maria foi e permaneceu sempre virgem. José, menos elevado do que ela, mas desempenhando também uma missão sagrada, compreendeu, pela revelação do anjo, qual o objeto da sua existência material e a ele se consagrou inteiramente.

Com a locução — "filho primogênito" — em que alguns homens se apoiaram para atribuir a Maria muitos filhos, verifica-se o que acabamos de apreciar com relação aos vocábulos — irmãos, irmãs. As interpretações humanas truncaram em falso. Filho primogênito o mesmo é que filho único, no verdadeiro sentido da palavra hebraica. Quando um único filho havia nascido, esse necessariamente era o primeiro. Ide ao texto hebreu, à língua hebraica, investigai a maneira por que os Hebreus dela usavam e achareis a significação exata das palavras.

Eles empregavam indiferentemente, na sua linguagem, a locução filho primogênito, tanto no caso de haver um só filho, como no de haver muitos, quando aludiam ao que primeiro nascera, quer outros tivessem nascido depois, quer não. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 314

No verdadeiro sentido da frase hebraica (Mateus, I, v. 25), a locução filho primogênito significa apenas que Maria não tivera antes outro filho. Jesus era, pois, o primogênito. O autor não previu as considerações e interpretações a que tal locução daria lugar. Sob este aspecto, sua contextura é defeituosa para o vosso entendimento.

O v. 25 do cap. I de Mateus teve por fim, exclusivamente, confirmar o que fora dito nos v. 18 e 24, resumindo o que deles se deduz, isto é: que José não tomou parte alguma na concepção do filho de Maria, nessa obra do Espírito Santo; que não se aproximara dela; que aquela concepção fora obra exclusiva do Espírito Santo. Já sabeis pela revelação que vos fizemos do modo por que Jesus apareceu na terra, o que significam essas palavras: — concepção por obra do Espírito Santo.

Assim, pois, a locução "filho primogênito" não objetivava senão certificar que Maria concebera sendo virgem. Absolutamente não foi empregada para exprimir a prioridade do nascimento de um irmão entre muitos, para registrar a primogenitura de um deles, fato que, na vossa jurisprudência, política, ou feudal, conferia, sob o título de "direitos de primogenitura", certos privilégios ao irmão mais velho.

Pelo que vos revelamos com relação à gravidez e ao parto de Maria, sabeis agora como se conservou ela virgem, não obstante a gravidez e o parto, pois sabeis que estes, como obra do Espírito Santo, como obra espírita, realizada por meio do magnetismo espiritual, foram apenas aparentes, tomando-os ela, entretanto, e os homens por fatos reais.

Jesus, portanto, sendo "filho primogênito", era o que chamais "filho único". Terminada a sua missão terrena, os Hebreus, por não quererem admitir que o Mestre tivesse tido a vida especial que lhe atribuíam não só a revelação que, conservada até então secreta, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 315

se tornara conhecida do povo, mas ainda as interpretações a que essa revelação dera lugar, tomaram a locução primogênito como indicando que ao de Jesus se seguiram outros nascimentos.

Vós outros cristãos vos apegastes ao sentido verdadeiro, que é o de filho único. Eis aí a explicação destas palavras de que nos servimos: — o que chamais filho único.

Nota da Editora — As traduções brasileiras, do Novo Testa-mento, quer a protestante da Sociedade Bíblica, quer a católica de Rohden, bem como a excelente tradução em Esperanto, não falam em primogênito. Dizem: "e não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus," "Kaj li ne ekkonis sin, gis fi naskis f:lon; kaj li donis al li Ia nomon JESUO. " OS QUATRO EVANGELHOS (II) 316

MATEUS, Cap. XIII, v. 1-23. —MARCOS, Cap. IV, v. 1-20 e 25. —LUCAS, Cap. VIII, v. 1-15 e 18; Cap. X, v. 23-24.

Parábola do semeador. —Explicação dessa parábola.

MATEUS: V. 1. Naquele dia, saindo Jesus de casa, foi sentar-se à beira mar. — 2. E grande multidão se lhe reuniu em torno. Entrando então para uma barca, ele aí se sentou, ficando a multidão na praia. — 3. E começou a dizer muitas coisas por parábolas, falando assim: Eis que o semeador saiu a semear. — 4. Enquanto semeava, uma parte das sementes .caiu à margem do caminho, os pássaros do céu vieram e as comeram. — 5. Uma outra parte caiu em terreno pedregoso, onde muito pouca terra havia; as sementes germinaram prontamente, pois que a terra ali não tinha profundidade. — 6. O sol, nascendo, crestou-as; e, como não tinham raízes, secaram. — 7. Uma outra caiu entre espinheiros que cresceram e a abafaram. — 8. Uma outra finalmente caiu em terra boa e as sementes frutificaram, produzindo aqui cem, ali sessenta, acolá trinta por um. — 9. Quem tiver ouvidos de ouvir, ouça. — 10. Os discípulos, aproximando-se, lhe perguntaram: Porque lhes falas por parábolas? — 11. Respondeu ele: É porque a vós vos é dado conhecer os mistérios do reino dos céus; mas a eles não. — 12. Aquele que tem, mais ainda se dará, ficando ele na abundância; mas ao que não tem se tirará até o que tem. — 13. Eis porque lhes falo por parábolas; é que, vendo, eles não vêem, ouvindo, não ouvem, nem compreendem. — 14. Neles se cumpre esta profecia do profeta Isaías: "Escutareis com os ouvidos e não entendereis; olhareis com os olhos e não vereis. — 15. O coração deste povo se embotou, os ouvidos se lhe tornaram surdos e os olhos se lhe fecharam, para que não vejam com os olhos, não ouçam com os ouvidos, não compreendam com os corações e, não se convertendo, não sejam curados por mim." — 16. Felizes os vossos olhos porque vêem, os vossos ouvidos, porque escutam; -17, porquanto, em ver OS QUATRO EVANGELHOS (II) 317

-dade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram, ouvir o que ouvis e não ouviram. — 18. Escutai, pois, a parábola do semeador. — 19. Do coração de todo aquele que escuta a palavra do reino e não a comprende vem o mau Espírito tirar o que nele foi semeado; é a semente que caiu ao longo do caminho. — 20. A que caiu em terreno pedregoso representa aquele que ouve a palavra e a recebe com mostras de alegria no primeiro momento; — 21, mas, não tendo raízes no seu coração, só por pouco tempo subsiste: sobrevindo as tribulações e perseguições por motivo da palavra, ele logo se escandaliza. — 22. A semente lançada entre os espinheiros representa aquele que ouve a palavra, mas em quem os cuidados do século e a ilusão das riquezas a abafam e impedem de produzir frutos. — 23. A que foi semeada em terra boa indica aquele que escuta a palavra e a compreende, aquele em quem ela frutifica, produzindo cada grão cem, sessenta ou trinta.

MARCOS: V. 1. Pôs-se de novo a ensinar próximo ao mar e como enorme fosse a multidão que ali se reuniu, ele subiu para uma barca e se sentou, ficando todo o povo na praia. — 2. Muitas coisas ensinava por parábolas, dizendo, segundo o seu modo de doutrinar: — 3. "Escutai: O semeador saiu a semear; — 4, e, enquanto semeava, uma parte das sementes caiu à borda do caminho; vieram as aves do céu e a comeram. — 5. Outra parte caiu em terreno pedregoso, onde pouca terra havia; as sementes germinaram logo, pois que pequena era a profundidade da terra; — 6, veio, porém, o sol, crestou as plantas e estas, por não terem raízes, secaram. — 7. Outra parte caiu entre espinheiros, estes cresceram e a abafaram, de sorte que ela não deu frutos. — 8. Outra, finalmente, caiu em terra boa; os grãos deram fruto; elevaram-se, multiplicaram-se e produziram cem, sessenta, trinta por um." — 9. E acrescentava: Ouça quem tiver ouvidos de ouvir. — 10. Quando com ele ficaram a sós, os doze que o seguiam interrogaram-no acerca dessa parábola, - 11, e ele lhes respondeu: Dado vos é a vós conhecer o mistério do reino de Deus; mas, para aqueles que são de fora, tudo se faz por OS QUATRO EVANGELHOS (II) 318

parábolas; — 12, a fim de que, vendo, vejam e não vejam e, ouvindo, ouçam e não compreendam, para que não se convertam e os pecados lhes sejam perdoados. - 13. Perguntou-lhes em seguida: Não entendeis esta parábola? Como podereis entender todas as parábolas? — 14. O semeador semeia a palavra. — 15. A margem do caminho ao longo do qual a semente caiu são aqueles de cujos corações Satanás vem arrancar a palavra logo depois de ter sido nos seus corações semeada. — 16. Semelhantemente, o terreno pedregoso são os que, ouvindo a palavra, a recebem jubilosos. — 17. Como, porém, nesses ela não cria raízes, dura pouco tempo. Em vindo as tribulações e perseguições por causa da palavra eles logo se escandalizam. — 18. Os outros, designados pela parte das sementes lançadas entre espinheiros, são os que ouvem a palavra, — 19, mas os cuidados do século, a ilusão das riquezas e as outras paixões, entrando em seus corações, a sufocam e ela não frutifica. — 20. O terreno bom onde a última parte das sementes é lançada são os que ouvem a palavra, a recebem e dela tiram frutos, na proporção de cem, de sessenta, de trinta por um. — 25. Mais será dado ao que já tem e ao que não tem se tirará mesmo o que tem.

LUCAS: V. 1. Algum tempo depois, ia Jesus de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, pregando e evangelizando o reino de Deus. Acompanhavam-no os doze, — 2, e algumas mulheres, que tinham sido livradas dos Espíritos malignos e curadas de enfermidades: Maria, apelidada — a Madalena, da qual sete demônios haviam saído; — 3, Joana, mulher de Cusa, intendente de Herodes; Susana e muitas outras que o assistiam com seus bens. — 4. Como o cercasse grande multidão de gente vinda de todas as cidades, disse ele esta parábola: — S. O semeador saiu a semear a sua semente e, enquanto o fazia, uma parte delas caiu à margem do caminho, foi pisada e os pássaros do céu a comeram. — 6. Outra parte caiu sobre pedras e, por falta de húmus, secou, logo depois de haver germinado. — 7. Outra caiu entre espinheiros que, crescendo, a sufocaram. — 8. Outra parte, finalmente, caiu em terra boa, germinou e frutificou, produzindo cem por um. E, dizendo isso, exclamava: Quem tem ouvidos de ouvir ouça. — 9. Os discípulos lhe pergun- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 319

-taram o que queria dizer aquela parábola. — 10. Ele lhes respondeu: Dado vos foi a vós conhecer o mistério do reino de Deus; mas, aos outros só por parábolas se lhes fala, a fim de que vendo não vejam e ouvindo não compreendam. — 11. Eis o que quer dizer esta parábola: A semente é a palavra de Deus. — 12. A que cai junto do caminho indica os que ouvem a palavra, mas de cujos corações Satanás a vem arrancar, pelo temor de que, crendo, eles se salvem. — 13. As que caem sobre pedras indicam os que, tendo-a ouvido, recebem com alegria a palavra: esta, porém, não cria raízes, porquanto eles crêem apenas durante algum tempo, retrocedendo assim chegam as tentações. — 14. A parte que cai entre espinheiros corresponde aos que escutaram a palavra, mas em cujos corações ela é abafada pelas preocupações terrenas, pelas riquezas, pelos prazeres da vida e não produz frutos. — 15. A boa terra onde cai a última parte das sementes são os que, ouvindo a palavra, a guardam nos seus corações bons e excelentes e dela tiram fruto pela paciência. — 18. Vede, pois, de que modo ouvis; porquanto, mais se dará àquele que já tem e ao que não tem se tirará até o que julgue ter.

X. v. 23. Voltando-se para os discípulos, disse-lhes: Felizes os olhos que vêem o que vedes; — 24, porquanto, eu vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vedes e não viram, ouvir o que ouvis e não ouviram.

N. 164. A parábola do semeador não precisa de explicações. A que Jesus deu aos apóstolos, na medida do que eles podiam e deviam receber, como encarnados, a fim de desempenharem suas missões, basta para que a compreendais. Entretanto, convém que, por meio de explicações especiais sobre alguns pontos, tornemos conhecidos e, tirando da letra o espírito, desenvolvamos, para vós outros espíritas e para os que hão de vir a sê-lo, o sentido e o alcance integrais do que disse Jesus aos apóstolos. Antes de tudo, porém, cumpre vos façamos compreender de que pontos de vista deveis encarar o que disse Jesus à multidão, ser- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 320

vindo-se da parábola, e o que disse aos apóstolos explicando-a, porquanto algumas das palavras daquele Mestre indulgente e bondoso, daquele bom pastor desejoso de não perder nenhuma das suas ovelhas, parecem desmentir os atos de toda a sua vida humana, humana no entender dos homens.

A geração que vivia ao tempo em que Jesus desempenhava a sua missão se compunha de Espíritos orgulhosos e fúteis, voluntariamente surdos e cegos, revoltados contra qualquer autoridade, Espíritos que, mesmo antes de encarnarem, recusavam todo amparo que lhes era oferecido para se tornarem melhores.

Filhos humanos dos Hebreus vindos do Egito, Espíritos que, havia séculos, passavam por provações, sem contudo perderem a tendência à murmuração e à revolta que caracterizavam os Hebreus desde os primórdios da formação de sua nacionalidade, os homens daquela época, ainda quando fossem capazes de receber sem véu a palavra do Mestre, não se lhe submeteriam, com o que incorreriam em maior culpa.

Já por ai podeis admirar a previdente bondade de Jesus, modelo de perseverança e de doçura, poupando ao merecido castigo o filho rebelde e temerário, evitando fazer-lhe uma imposição à qual sabia que ele se furtaria.

Recebendo velada a palavra de Jesus, os que estivessem dispostos a caminhar para a frente podiam, como o fizeram os discípulos, esforçar-se por lhe descobrirem o sentido oculto.

Os que, ao contrário, não quisessem curvar-se ao jugo daquela lei que lhes prescrevia uma reforma por demais pesada para suas naturezas más, seriam culpados apenas de indiferença, de não procurarem devassar os mistérios que de pronto não compreendiam.

Dizendo, pois: "não se lhes falará senão por parábolas e símiles, para que não se convertam", Jesus aludia aos que, cedendo a um primeiro impul- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 321

so, tentariam avançar, mas que, detidos bruscamente pelos seus maus instintos, fariam sem demora um recuo, que lhes viria a ser causa de grande castigo; porquanto, atentai bem, muito será dado ao que já tem, isto é: aquele que deseja progredir e se esforça por consegui-lo, de todos os lados receberá amparo; ao passo que àquele que pouco tenha, mesmo esse pouco será tirado. Quer isto dizer que este último, indiferente ao que lhe foi dado, negligente em guardar o que recebeu, deixará que as más paixões se apoderem do seu coração, que os vícios e males que o oprimirão durante séculos tomem o lugar das poucas virtudes de cuja posse já desfrutasse.

Devendo tornar-se pública a explicação que da parábola Jesus deu, em segredo, a seus discípulos, ela foi publicada pelas narrações evangélicas; como já o tinha sido pelos apóstolos e discípulos, mas somente depois de finda a missão terrena do Mestre, porque só então a massa popular, preparada por todas as palavras que ele pronunciara e por todos os atos que praticara durante aquela missão, até o momento da sua chamada "ascensão", se mostrou apta a ouvir com proveito, da boca dos apóstolos e dos discípulos, a explicação de tudo o que dissera o Cristo, explicação que era dada na medida do que ela podia suportar e do modo por que o devia suportar. Só depois de concluída a missão messiânica, a massa popular se mostrou apta a ter conhecimento daquelas palavras e atos pela narração evangélica, que na ocasião oportuna se lhe transmitiu. Essa narração tinha que ser, sob o império da letra, e foi, tanto naquela época, quanto no presente, como terá que ser no futuro, sob o reinado do espírito, o livro do progresso, a fonte donde jorram e hão de jorrar sempre a luz e a verdade.

(Mateus, v. 11-15; Marcos, v. 11, 12 e 25; Lucas, v. 10-18). Aqui tendes agora, despojado da letra o es- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 322

pírito, o pensamento do Mestre, sem mais incertezas no modo de entender os textos desses versículos.

"Dado vos é a vós conhecer os mistérios do reino dos céus — os segredos do reino de Deus; mas, A ELES, não, — esse conhecimento não lhes é proporcionado, senão por parábolas, — tudo se faz por parábolas. (MATEUS, v. 11; MARCOS, v. 11; LUCAS, v. 10)."

Aos apóstolos e aos discípulos era dado conhecerem o mistério do reino dos céus, os segredos do reino de Deus, porque, sendo seus Espíritos mais elevados do que os dos outros homens da época, eles se achavam aptos a espalhar as verdades que Jesus trazia ao mundo. Mas, para o fazerem, tinham que começar por compreendê-las, razão pela qual não lhes foi dado senão o que podiam e deviam comportar, para o desempenho da missão que lhes incumbia.

Com relação à época em que viveis, o mesmo sucede. Vossas inteligências progrediram e nós, trazendo-vos a revelação do mundo invisível, os mistérios do reino dos céus, os segredos do reino de Deus, vo-las faremos compreender, a fim de que possais espalhar por toda a terra esse conhecimento; a fim de que, como os discípulos do Mestre, possais ir de cidade em cidade, de povoado em povoado, pregar o arrependimento e dizer como eles diziam: "Apressai-vos, aproxima-se o momento!"

As expressões — reino dos céus, reino de Deus — compõem uma imagem destinada a materializar, por assim dizer, a felicidade dos bem-aventurados. A homens, que não viam mais do que a matéria, preciso era que se apresentasse uma figura material da outra vida, a respeito da qual nada perceberiam, se lhes fosse mostrada em toda a sua espiritualidade. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 323

Os mistérios do reino dos céus, os segredos do reino de Deus eram os meios, desconhecidos até então, de chegar-se àquela felicidade.

Antes das revelações feitas por Jesus, os homens nenhuma idéia clara formavam da outra vida. Por muito vaga, a intuição que dela tinham os havia deixado na indiferença, relativamente à existência e à felicidade que poderiam esperar no além-túmulo. Jesus veio levantar o véu e esclarecer as inteligências. Mas, apenas uma ponta do véu foi levantada; a luz permaneceu velada. Continuamos hoje a levantar o véu que vos oculta a outra vida. Conquanto ele não tenha sido ainda totalmente erguido, já a luz brilha com mais vivo fulgor, com o fulgor que os vossos olhos, tornados mais fortes, já podem suportar. Ela, porém, ainda não brilha em todo o seu esplendor, porque ainda não estais bastante maduros para uma revelação completa. Bem orgulhoso seria aquele que pretendesse haver sondado a profundeza desses mistérios, impenetráveis para as vossas inteligências humanas. Esperai: quando atingirdes a idade da razão, obtereis, vós espíritas, todas as revelações do mundo invisível. Preparai os vossos corações, alargai o âmbito da vossa ciência, desenvolvei as vossas inteligências e, em chegando o momento, conhecereis todos os mistérios do reino dos céus, todos os segredos do reino de Deus.

Conhecê-los-eis quando houverdes alcançado uma purificação moral completa e quando, sob a influência e o desenvolvimento progressivo dessa purificação moral, houverdes, também progressivamente, aprendido a conhecer a onipotência de Deus, sua justiça, sua bondade e sua misericórdia infinitas, suas vontades e suas obras na imensidade; quando houverdes adquirido a ciência dos elementos e das propriedades de ação dos fluidos, no que concerne à vida e à harmonia universais, a ciência dos meios que se OS QUATRO EVANGELHOS (II) 324

devem empregar para a obtenção das graças do Senhor, debaixo do ponto de vista do bem, que leva à felicidade, e do mal que, não evitado, leva à punição.

Ao que tem. mais ainda se dará e ele ficará na abundância. (MATEUS, v. 12; MARCOS, v. 25; LUCAS, v. 18).

Sabendo, como sabeis, que o Espírito, ao revestir um invólucro de carne, traz consigo o tesouro que pôde acumular nas suas existências anteriores, facilmente compreendereis que esse tesouro tanto mais depressa aumentará, quando mais sólidas forem as bases sobre que se constituiu. Aquele que nasce com o desejo ardente de rapidamente progredir se esforçará pelo conseguir e a luz lhe será tanto mais abundante, quanto maior seja o ardor com que deseje vê-la. Já o dissemos e repetimos, atentai bem: muito será dado ao que já tem e ele ficará na abundância, isto é: aquele que deseja progredir e se esforça por consegui-lo, de todos os lados receberá amparo.

Mas ao que não tem se tirará mesmo o que tem (MATEUS, v. 12 e MARCOS, v. 25). E ao que não tem se tirará até o que ele julgue ter. (LUCAS, v. 18).

Estas palavras precisam ser entendidas segundo o espírito e não segundo a letra, pois que, dirigindo-se aos discípulos e à multidão, disse Jesus: Ouça quem tiver ouvidos de ouvir.

O fim com que foram pronunciadas era tornar mais frisante, para as inteligências humanas, o pensamento de quem as proferia. Jesus assim se exprimiu para dar mais força à imagem.

Todo Espírito encarnado possui alguma coisa. Por pouco que haja progredido antes de chegar ao vosso planeta, sempre tem algum progresso feito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 325

O pensamento velado do Mestre era este: "àquele, que tem pouco, se tirará mesmo o que tenha; ao que nada tem, mas julga ter, se tirará mesmo o que julgue ter".

Ao que tem pouco se tirará mesmo o que tenha, porque, conforme já o dissemos, indiferente ao que obteve, negligente em guardar o que recebeu, deixará que as más paixões se apoderem do seu coração, que os vícios e males, que o oprimirão durante séculos, tomem o lugar das virtudes em cuja posse já estivesse. Efetivamente, da negligência na prática do bem nascem as raízes do mal. Quando, por indiferença, recusais a esmola ao desgraçado, não é porque seja mau o vosso coração que assim procedeis, sim por uma espécie de lassidão de espírito, que vos impede de atentar no bem que teríes podido fazer. Faltais à caridade. Aquele que, verificando ser mau o caminho por onde entrou, não trata, por indiferença, de se retirar dele, cai em todos os precipícios que o margeiam. Aquele que não é devotado se torna egoísta. O que não é caridoso se torna insensível. O que não é humilde de coração e de espírito se torna vaidoso e orgulhoso. O que não é submisso à vontade de Deus se torna rebelde e murmura contra seus decretos. O mal nasce sempre da negligência em praticar o bem. O Espírito não retrograda, mas permanece estacionário, o que equivale a uma retrogradação, pois que ele é de essência ativa e progressiva.

Ao que tem pouco se tirará mesmo o que tenha.

Aquele que não entesoura, que, ao começar a sua vida humana, pouco traz das anteriores existências, enlanguesce cada vez mais. Nenhum desejo nutre de progredir e, como nada adquire, perde, por isso que, para o Espírito, o estacionamento se torna, ao cabo de algum tempo, fonte de dores e remorsos. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 326

Tendes por destino progredir sem cessar; ide para diante. Pedi, pedi sempre, mas com humildade de coração e de espírito, desinteressadamente, sem outro móvel que não seja o amor a Deus e ao próximo, sem outro desejo que não o de progredir moral e intelectualmente, de trabalhar só para Deus, auxiliando o progresso moral e intelectual de vossos irmãos. Pedi, pois que, quanto mais pedirdes, tanto mais vos será concedido; quanto mais vos esforçardes, tanto mais se aplanarão as dificuldades. E neste sentido que mais se dá ao que já tem e que, de certo modo, se tira àquele que nada tem. Melhor falando: este é quem tira de si mesmo, porquanto a falta de progresso representa, para o Espírito, perda cem vezes maior do que, para o usurário, a do seu tesouro.

"E àquele que nada tem, mas que julga ter, se tirará MESMO O QUE julgue ter."

Por estas palavras queria Jesus combater o orgulho inato nos homens, os quais, por pouco que valham, se atribuem um valor fictício, muito acima do seu valor real.

Depois da morte, o Espírito, ao fim de certo tempo, vê claramente o que é e o que vale. O orgulho, considerado do ponto de vista dos obstáculos que opôs ao seu progresso e das faltas a que o arrastou, se lhe torna então uma fonte de dores e de remorsos. É também neste sentido que ao que nada tem, mas julga ter, se tira, de certo modo, o que julgue ter. Ou antes: é ele próprio quem tira de si, aos golpes da expiação.

"Eis porque lhes falo por parábolas: é que, vendo, eles não vêem, ouvindo, não ouvem, nem compreendem. Com relação a eles se cumpriu esta profecia do profeta Isaías: "Escutareis com os ouvidos e .não entendereis: olhareis com os olhos e não vereis. O coração deste povo se embotou, os ouvidos se lhe tornaram surdos e os olhos se lhe fecharam, para que não veja com os olhos, não ouça com os ouvidos, não compreenda com os corações e, não se OS QUATRO EVANGELHOS (II) 327

convertendo, não seja curado por mim." (MATEUS, v. 13, 14 e 15). Mas, para os que são de fora. tudo se faz por parábolas, a fim de que, vendo, vejam e não vejam, ouvindo, não ouçam nem compreendam; para que não se convertam e os pecados lhes sejam perdoados. (MARCOS, v. 12 e 22). Mas, aos outros, só por parábolas se lhes fala do reino de Deus, a fim de que, tendo olhos, não vejam e, tendo ouvidos, não compreendam. (LUCAS. v. 10).

A interpretação dessas palavras de Jesus foi falseada pela significação dos vossos vocábulos, assim como pelas repetições e traduções.

Vamos dar-vos, sem a menor incerteza quanto à inteligência dos textos, o pensamento do Mestre e o sentido das suas proposições.

Repetindo-o, diremos: Ouça quem tiver ouvidos de ouvir; porquanto, suas palavras, compreendidas em espírito e em verdade, não poderiam desmentir e não desmentem os atos de toda a sua vida, tida por humana pelos homens.

Para Jesus, pastor das almas transviadas, os homens daquela época se assemelhavam a frutos verdes que, expostos aos raios de um sol demasiado ardente, secam, em vez de amadurecer, razão por que o pomareiro trata de os abrigar dos ardores solares, a fim de que tenham tempo de desenvolver-se. Chegados ao ponto de maturação, o calor, a que com arte foram subtraídos, acabará de dourá-los com seus raios benéficos.

Muitos são chamados e poucos os escolhidos, disse Jesus, mas não no sentido que, interpretando-as de um ponto de vista humano, a Igreja romana deu a essas palavras, isto é: não no sentido de que o Mestre atraiu todos os homens para junto de si, com o fim de escolher um pequeno número deles e deixar que os restantes, em grandes massas, fossem levados para essas regiões de dores .onde só se ouvem "prantos e ranger de dentes". Ao contrário, os homens, frutos verdes OS QUATRO EVANGELHOS (II) 328

e duros, se aproximavam lentamente do sol benfazejo que os havia de desenvolver e madurar e que, para consegui-lo, atenuava o seu brilho e o seu calor.

Falais porventura a uma criança como falais a um homem? Podeis expor à criança as questões morais e filosóficas que lhe fareis compreender quando chegar aos vinte anos? Não. À criança falais de modo apropriado à sua inteligência que desponta, deixando-lhe, contudo, entrever que mais tarde direis muitas outras coisas, fazendo-lhe ver que a sua pouca idade a torna incapaz de apreender um raciocínio. Será com o propósito de lhe retardar o desenvolvimento que procedeis assim? Será porque, uma vez homem, este seja incapaz de compreender, de se instruir? Não. É que o fruto está verde e por isso o abrigais do calor e da luz, temendo que o excesso destes dois princípios benéficos, atuando muito cedo, o estiole em vez de o fortificar.

Jesus, que era a bondade por excelência, não podia, bem o deveis compreender, privar voluntariamente as criaturas humanas da salvação que ele mesmo lhes trazia. Ao contrário, para não as arrastar a faltas, deixava sempre aos Espíritos indolentes o recurso de não lhe compreenderem as palavras. Assim, as que se lêem acima, constantes nos citados versículos de Mateus, Marcos e Lucas, não devem ser encaradas senão como uma forma de falar às inteligências dos homens de então.

Os apóstolos, surpreendidos ante aquela linguagem velada, que se lhes afigurava confusa, procuraram a explicação do fato. A Jesus, porém, não era dado patentear-lhes o motivo por que assim procedia, uma vez que, tendo também eles de ser instrumentos da obra, só recebiam o que podiam e deviam suportar no momento, para o bom êxito da mesma obra, mediante o desempenho de suas missões, no meio que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 329

lhes estava preparado. Assim sendo, o Mestre lhes deu uma razão capaz de satisfazê-los, de os mover à piedade para com os que ele intencionalmente deixara na obscuridade da parábola e de os encher do mais ardente amor e do mais vivo reconhecimento para com aquele que os escolhera, a fim de os iniciar.

É evidente que quem viera para ensinar aos homens a expiação de suas faltas não iria voluntariamente obstar a que os culpados obtivessem o perdão de seus pecados. Mas, onde não houver arrependimento, não pode haver remissão de faltas. Jesus, prevendo as recaídas, evitara incorressem em mais grave falta os que, num ímpeto ardoroso e irrefletido, entrassem pelo novo caminho que se lhes abria. De fato, esses, embora aos olhos dos homens parecessem merecer a remissão de seus pecados, em falta mais grave incorreriam, porque, não tendo consistência nem fundo as suas novas crenças, eles de pronto cairiam num estado pior do que o precedente, tornando-se merecedores de mais severo castigo. Jesus cuidava de lhes poupar mais duras reprimendas. Com a sua bondosa previdência, poupava aos rebeldes as probabilidades de queda e, aos ingratos empedernidos, ensejo de praticarem novas ingratidões.

Como podeis imaginar, os milagres que o Cristo operava nos doentes grande influência tinham nos Espíritos. Muitos, porém, dos que no momento ficavam impressionados, se atinham apenas ao ato material e, assim como em geral pouco reconhecidos vos mostrais ao hábil cirurgião que vos livrou de um mal perigoso, também os doentes curados pelo médico das almas depressa esqueciam os socorros materiais e morais que dele recebiam. Jesus, por isso, evitava os "milagres" e usava de linguagem velada, sempre que falava onde sabia que suas palavras e seus atos não dariam fruto, tal a esterilidade da terra, capaz unicamente de produzir flores efêmeras. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 330

Espiriticamente o mesmo sucede. O Espírito encarnado que contorna a luz, sem procurar aproximar-se dela, será apenas punido pela sua indiferença. Mas, aquele que, atraído pelo clarão bendito, começa a se esclarecer e depois fecha os olhos e recua, terá que expiar a sua inconstância e a traição que praticou consigo mesmo. Não é que o Senhor lhe faça cair sobre a cabeça, especialmente, o peso da sua justiça. Ele expiará pelos remorsos, pela incessante visão do bem que teria feito, do progresso que teria realizado, os quais brilharão sem cessar aos seus olhos, como a presa que foge no momento em que vai ser apanhada.

A ninguém é lícito recuar, já o temos dito. Uma vez que entrastes no caminho, tendes que avançar constantemente, estendendo as mãos para a direita e para a esquerda, a fim de levardes convosco os que não possam ir sozinhos. Procedei, pois, com prudência e reflexão e dizei sempre aos que queiram seguir-vos: caminharemos continuamente para diante; quem pára — recua e quem recua — cai.

(V. 16 e 17 de Mateus e 23 e 24 de Lucas). Dizendo o que consta destes versículos, Jesus aludia ao Espírito encarnado. Os profetas e os justos de quem ele fala previam a vinda do Messias e felizes teriam sido, se ela se houvera verificado durante o tempo da encarnação deles.

"O caminho a cuja margem a semente caiu são aqueles que ouvem a palavra do reino e não a compreendem, que a escutam e de cujos corações, mal a têm escutado, o Espírito maligno, satanás, o diabo a vem arrancar, pelo temor de que esses, crendo, se salvem." (MATEUS, V. 18 e 19; MARCOS, v. 15; LUCAS, VIII, v. 12).

"A palavra do reino" — quer dizer: os ensinamentos dados por Jesus para que os homens aprendessem a merecer o reino dos céus. Conquanto não OS QUATRO EVANGELHOS (II) 331

fosse o próprio Deus, ele podia dizer que personificava a palavra dos céus, por ser de Deus o órgão que se fizera carne, no entender dos homens que o julgavam encarnado, como eles, num invólucro corporal humano, mas que, na realidade, se fizera carne, encarnando apenas visualmente num perispírito tangível, num corpo perispirítico incorruptível. Quanto às expressões — Espírito maligno, satanás, diabo, empregadas para exprimir a mesma coisa, são sinônimas. Como já o temos dito, designam figuradamente, de modo emblemático, os Espíritos maus, Espíritos de erro e de mentira, Espíritos inferiores, impuros, levianos ou perversos.

Falando do Espírito maligno, de satanás, do diabo, que arranca do coração do homem a palavra do reino, "pelo temor de que, crendo, o homem se salve", aludia Jesus aos Espíritos maus que se congregam em torno dos que não lhes resistem e se esforçam por impedi-los de sair da situação precária em que se encontram.

A crença humana na personificação de satanás, do diabo, com seu inferno eterno, se originou da necessidade de materializar os símbolos, a fim de os tornar perceptíveis à matéria; foi um freio, um meio de infundir terror salutar, durante os séculos que a humanidade terrena tem atravessado.

Como impedir que o Espírito humano modifique as verdades ao sabor das suas necessidades? Como impedir que o homem explore o homem? que o inteligente domine o crédulo, que o forte esmague o fraco e que, para consegui-lo, empregue os meios a seu alcance? Qual o freio mais próprio do que o terror, para ser usado naquela época de ignorância e de barbaria, em que começou o reino de "Lúcifer"? O terror era o meio de que se podia lançar mão, tanto contra o forte quanto contra o fraco; era um jugo que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 332

se aplicava igualmente a todas as frontes; era um freio que domava todas as naturezas.

Não reproveis que tal se tenha dado. O que, na antiguidade, se passou com os Hebreus e depois convosco tinha que ser assim. Impotentes teriam sido então a lei de amor e de meiga caridade que vos pregamos hoje, a lei natural e imutável da reencarnação, que vos revelamos, sem véu, em seu princípio e nas suas conseqüências, leis que, pela reparação, pela expiação e pelo progresso, vos mostram o caminho que tendes de percorrer, para entrardes, purificados e santos, no reino dos céus, isto é: para chegardes à perfeição; leis que vos mostram o Deus de amor, o Deus paternal e bom conduzindo-vos pela sua onipotência ao seu seio, sob a ação da sua justiça, da sua bondade e da sua misericórdia infinitas.

Ao fogo das paixões humanas foi preciso contrapor um fogo ainda mais ardente, capaz de abalar aqueles homens de ferro que, sem isso, se houveram estrangulado uns aos outros desapiedadamente.

O que se deu tinha que se dar. A fonte era boa, mas o homem a turvou e o lodo das paixões humanas continuou a escurecê-la.

Hoje, pela nova revelação, restituímos ao manancial a sua limpidez de outrora e a fonte de vida, em vez de se despenhar sobre pedras que seriam arrastadas pela torrente, vai deslizar tranqüila e clara por sobre dourado saibro que lhe formará o leito.

Nada mais dos vãos temores, úteis todavia naqueles bárbaros tempos! Abaixo a exploração do homem pelo homem! O ignorante deixará de ser presa do instruído, porquanto a ciência tem que se universalizar; o forte não mais esmagará o fraco, porquanto a força do primeiro não servirá senão para amparar o segundo; o poderoso não mais pisará a fronte do pequenino, porquanto, ao contrário, se abaixará cheio OS QUATRO EVANGELHOS (II) 333

de solicitude para tomar o outro nos braços e ajudá-lo a erguer a cabeça para o céu.

Cada século tem tido suas criações, destinadas todas ao progresso da humanidade. Comparai, julgai, aproveitai, mas não reproveis.

"O que sucede ao grão que cai em terreno pedregoso, onde há pouca terra, é o que se dá com aquele que ouve a palavra e a recebe com mostras de alegria no primeiro momento; não tendo ela, porém, raízes em seus corações, esses só por pouco tempo crêem: sobrevindo a tentação, eles se afastam, retrocedem e, em chegando as tribulações e perseguições, logo se escandalizam." (MATEUS, v. 20 e 21; MARCOS, v. 16 e 17; LUCAS, v. 13).

Os que, sobrevindo a tentação, se afastam, recuam, são os que cedem desde que se lhes apresente ocasião de reincidirem nos seus antigos transviamentos, tornando-se rebeldes e surdos à palavra de Deus, deixando-se levar de novo pela corrente de seus erros e faltas, influenciados pelos maus Espíritos, que seus maus pendores atraem e aos quais não sabem resistir.

Os que de pronto escandalizam, logo que cheguem as tribulações e perseguições por causa da palavra, são os que, baldos de energia, se impressionam ou amedrontam com as tribulações e perseguições e se retiram.

Com relação aos apóstolos e discípulos, Jesus aludia às tribulações e perseguições físicas e morais.

Com relação aos espíritas, as tribulações e perseguições são todas de ordem moral: são o ridículo, que muitos se esforçarão por lançar sobre a doutrina e seus sectários. Dizemos sectários, aludindo à falsa opinião, geralmente espalhada, de que vós, que simplesmente procurais a luz e a verdade, seguindo o caminho traçado por Jesus, formais uma nova seita. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 334

Aquelas tribulações e perseguições são ainda os mil obstáculos que se vos opõem, que se vos oporão por mais algum tempo, pois que, até aqui (1), amigos, caminhastes sobre rosas, apenas alguns espinhos apareceram. Vem próximo o momento das contrariedades sérias para a humanidade. A Igreja e seus adeptos se elevarão como barreiras, para vos deterem os esforços, barreira que será tanto mais temível, quanto parecerá que se some à vossa aproximação, para logo adiante se erguer mais ameaçadora. Vãos, porém, serão seus esforços. Contra ela se voltará o ridículo de que faz arma para vos combater. Sobre ela recairá o anátema que lançará sobre vós. Vê-la-eis, um dia, humilhada ante a inutilidade dos seus esforços, abrir-vos as portas e pedir-vos a luz que hoje tenta abafar em trevas.

É destas pequenas oposições que se amedrontam os que, baldos de energia, não ousam afrontar a opinião pública, quando a sentem contrária, fraqueiam na guerra de família que se vem travando e que cada vez mais ardente se tornará, guerra que nos faz hoje dizer-vos, como Jesus: não vos trazemos a paz e sim a divisão.

Não se tornem, pois, pedra de escândalo os que se encontram às voltas com essas oposições domésticas e não abandonem a pugna, se não querem perder a parada. Para vós, espíritas, a parada é a paz, é o progresso, é um adeus definitivo às misérias do vosso mundo. Não abandoneis, pois, a luta. Oponde a doçura aos ataques íntimos; a razão, a firmeza e a dignidade aos ataques exteriores. Tende por divisa: paciência e resignação.

Sustentados pela fé, vencereis todos os obstáculos que vos criem. Sob os vossos passos, eles se desman- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 335

charão como montículos de areia. Coragem! não escandalizeis, pois não tendes o direito de retirar-vos.

"O grão semeado entre os espinheiros representa aquele que ouve a palavra, mas deixa que os cuidados do século, as preocupações, a ilusão das riquezas, os prazeres da vida e as outras paixões a abafem e impeçam de dar frutos." (MATEUS, v. 18; LUCAS, v. 14).

Aqueles em quem desse modo a palavra é abafada e não dá frutos são os que tudo sacrificam aos instintos e apetites materiais, que dão causa à predominância da matéria sobre o Espírito, ou mesmo à escravização do Espírito à matéria.

"Os que são designados pela terra boa onde é semeada e cai uma parte dos grãos, são os que escutam a palavra de Deus, a compreendem, aceitam, guardam, põem em prática e fazem germinar pela paciência e frutificar na proporção de cem, de sessenta, de trinta por um." (MATEUS, v. 23; MARCOS, v. 20; LUCAS, v. 15).

A boa terra são os que, de conformidade com o seu desenvolvimento intelectual e moral, se esforçam por pôr em prática a palavra de Deus semeada primeiro pelo seu Cristo, depois pelo Espírito da Verdade. São os que a fazem germinar pela paciência, isto é: são os que, tendo maus pendores a combater, se aplicam com toda a perseverança em os combater e substituir pela boa semente.

A lei de amor é isenta de egoísmo. Jesus pregava às multidões, para que suas palavras fossem ouvidas e encontrassem a terra boa.

Do mesmo modo, vós outros, novos discípulos do Mestre, deveis hoje elevar a voz, sempre que puderdes esperar que ela seja ouvida.

O grão produzido pela semente lançada em terra boa tem que ser por sua vez semeado, a fim de que produza colheita abundante, eis o pensamento de OS QUATRO EVANGELHOS (II) 336

Jesus. Aquele, pois, que representa a boa terra, de cujo seio brotou o bom grão, deve fazer a colheita e empregá-la, semeando nos seus irmãos os grãos colhidos, o que quer dizer: operar neles, primeiro pelo exemplo, depois pelo ensinamento, pela palavra, o desenvolvimento intelectual e moral que adquiriu. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 337

MATEUS, Cap. XIII, v. 24-30

Parábola do joio semeado entre o trigo

V. 24. E lhes propôs outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou bom grão no seu campo. — 25. Enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e se foi embora. — 26. A plantação do homem germinou, cresceu e deu espigas, mas com ela cresceu também o joio. — 27. Os servos do pai de família vieram dizer-lhe: Senhor, não semeastes bom grão no vosso campo? Como é que nele há joio? — 28. Ele lhes respondeu: Foi um inimigo quem o semeou. Os servos lhe perguntaram: Quereis que vamos arrancá-lo? — 29. E ele respondeu: Não; receio que, arrancando o joio, arranqueis ao mesmo tempo o trigo. — 30. Deixai que um e outro cresçam juntos até à ceifa; quando chegar a ocasião de ceifar, direi aos ceifeiros. Arrancai primeiramente o joio e atai-o em feixes para ser queimado; o trigo empilhai-o no meu celeiro.

N. 165. Os Espíritos não se acham todos no mesmo grau de desenvolvimento. Entre vós, uns são elevados, enquanto que outros se encontram no início de suas provações morais. Assim sendo, fora cabível que, para operar-se a renovação de vossa geração espiritual, se condenasse toda a geração material a perecer num novo dilúvio, semelhante ao de que falam os antigos? Não. O joio cresce ao lado do bom grão. Depois, em cada colheita, o joio, para se purificar, é lançado ao fogo da expiação, ao mesmo tempo que o bom grão é guardado nos celeiros do Senhor.

Não vos equivoqueis quanto ao sentido das nossas palavras ao falarmos do dilúvio tal como é figurado. Quisemos tão-somente apresentar-vos ao espírito a idéia de uma calamidade geral. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 338

Se o dilúvio se houvera produzido nas condições em que o narram as tradições, não diríamos — semelhante ao de que falam os antigos. Não, não houve dilúvio, não houve cataclismo completo; houve apenas renovamentos parciais. As transformações sucessivas, por que a terra tem passado, desde que saiu do estado de fluidez incandescente até os vossos dias, são a obra de preparação e de progresso graduais dos reinos mineral, vegetal e animal e ainda do reino humano, à qual se seguirá, no futuro, a obra de depuração e transformação, por meios progressivos, novos, graduais, insensíveis e contínuos, dos fluidos planetários, minerais, vegetais, animais e humanos. Os elementos têm que mudar de natureza em cada nova fase que a humanidade atravessa. As matérias se depuram e progridem sob a ação espírita e o solo tem que satisfazer às necessidades das gerações humanas que o habitam.

As expressões — "o inimigo do pai de família", "o inimigo" (v. 25 e 28), indicando aquele que semeou o joio, eram as que estavam ao alcance dos homens a quem Jesus se dirigia. Não se fazia mister compreendessem o que lhes dizia o Mestre?

Este, servindo-se delas, aludia às inteligências do mal, encarnadas ou não, que trabalham por destruir no coração do homem as sementes que os bons Espíritos aí lançaram. O joio pode crescer ao lado do bom grão, porque este, ou seja — o coração puro, repele a semente má. O contacto com esta, portanto, nenhum prejuízo lhe acarreta.

A pergunta dos servos: "Quereis que vamos arrancar o joio?" respondeu o pai de família: "Não; receio que, arrancando o joio, arranqueis ao mesmo tempo o trigo (v. 28 e 29).

Ao compor este ponto da parábola, teve Jesus em mira refrear o zelo dos apóstolos que, levados pelo desejo de fazer progredir a humanidade, poderiam ir OS QUATRO EVANGELHOS (II) 339

longe demais. A força de quererem reprimir os abusos, poderiam chegar ao extremo de amedrontar os homens retos, porém simples, e de os afastar.

Nesse ponto dava ele ainda um ensinamento para o futuro. No ensinar as verdades eternas, toda a ciência está em apropriá-las às inteligências que as tenham de receber. Não sendo assim, um, por exemplo, que teria aceitado a moral, se lha houveram apresentado sob aspecto condizente com o seu ponto de vista, dela se afasta e a repele, ou ofuscado pela intensidade da luz que a envolve, ou atemorizado com as grandes dificuldades que lhe ela deixa antever.

(V. 30). A ceifa, de que fala a parábola, se dá na ocasião em que os Espíritos voltam à sua condição de origem, isto é: em que voltam ao estado de Espíritos, despojando-se de seus invólucros carnais. Regressando ao mundo espiritual, eles o fazem, ou no estado de joio que tem de ser queimado, ou no de bom grão que será recolhido ao celeiro do pai de família. Verifica-se a primeira hipótese, quando vão sofrer, na erraticidade, a expiação, a depuração pelo fogo das torturas morais e depois a reencarnação em mundos inferiores ao vosso, ou mesmo no vosso, conforme às tendências e à culpabilidade, para o fim de resgatarem as faltas e de progredirem mediante novas provações. A segunda hipótese se verifica quando merecem ir para mundos superiores ao vosso, onde continuarão a aperfeiçoar-se e a progredir.

Encarada por este duplo aspecto, a ceifa já foi, está sendo e será feita ainda durante longo tempo.

Por outro lado, considerada destes dois pontos de vista, a época da ceifa definitiva será, com relação ao vosso planeta, aquela em que ao joio não mais se permita crescer aí de envolta com o trigo, em que o primeiro será arrancado e lançado fora, pela expulsão OS QUATRO EVANGELHOS (II) 340

de todos os Espíritos que se tenham conservado culposos e rebeldes, os quais se verão compelidos a afastar-se desse mundo e a ir para mundos inferiores, desde que na terra não deva mais crescer senão o bom grão, desde que ela tenha passado a fazer parte do reino de Deus, o que quer dizer, desde que se haja tornado, exclusivamente, morada de bons Espíritos.

Os ceifeiros, no caso, são os Espíritos superiores, aos quais incumbe velar pelas expiações dos Espíritos culpados, na erraticidade, e classificar os que, por terem cumprido suas provas, mereceram ascender a mundos mais elevados do que o vosso. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 341

MATEUS, Cap. XIII, v. 31-35. —MARCOS, Cap. IV, v. 26-34. —LUCAS, Cap. XIII, v. 18-22

Grão de mostarda. — Fermento da massa. — Semente lançada à terra

MATEUS: V. 31. Propôs-lhes uma outra parábola, dizendo: O reino dos céus se assemelha ao grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. — 32. Esse grão, que é a menor de todas as sementes, quando cresce, torna-se planta maior do que todas as outras, torna-se árvore em cujos ramos os pássaros do céu vêm habitar. — 33. Disse-lhes também esta outra parábola: O reino dos céus se assemelha ao fermento que uma mulher toma e mistura com três medidas de farinha até que a massa fique inteiramente levedada. — 34. Jesus disse por parábolas todas essas coisas à multidão; não lhe falava sem parábolas — 35, a fim de que se cumprissem estas palavras do profeta: Abrirei minha boca para falar por parábolas; revelarei coisas que estão ocultas desde a formação do mundo.

MARCOS. V. 26. E dizia: O reino de Deus é como quando um homem lança à terra a semente. — 27. Quer o homem durma, quer vele dia e noite, a semente germina e cresce sem que ele saiba como; — 28, pois que a terra, por si mesma, produz primeiro a erva, depois a espiga e afinal o grão que cobre a espiga. — 29. E, amadurecido o fruto, passa-se-lhe a foice, pois é esse o momento da ceifa — 30. E dizia: A que compararemos o reino de Deus? Por que parábola o representaremos? — 31. Ele se assemelha a um grão de mostarda que, ao ser semeado, é a menor de todas as sementes que existem na terra. — 32. Uma vez, porém, semeada, ela cresce e se torna maior do que todos os arbustos; dá galhos tão grandes que os pássaros do céu se podem abrigar à sua sombra. — 33. E assim lhes falava por muitas parábolas, de acordo com o que eles podiam entender — 34. Não lhes falava sem parábolas; mas, a sós com os discípulos, tudo lhes explicava. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 342

LUCAS: V. 18. Dizia: O reino dos céus a que se assemelha e com que o compararei? — 19. Assemelha-se ao grão de mostarda que o homem toma e planta no seu horto; ele germina, cresce e se torna árvore grande, em cujos ramos pousam os pássaros do céu. — 20. E repetiu: Com que compararei o reino de Deus? — 21. Ele se assemelha ao fermento que uma mulher toma e mistura com três medidas de farinha até que a massa fique completamente levedada. — 22. E assim ia ensinando pelas cidades e aldeias a caminho de Jerusalém.

N. 166. Assemelhando e comparando, na parábola, o reino dos céus ao grão de mostarda, Jesus mostrava à multidão que, por mínimo que seja o ponto donde se parta para chegar ao céu, ele se pode desenvolver e produzir grandes resultados.

Esses o objetivo e a razão de ser da parábola do grão de mostarda, aplicada à época em que Jesus falava.

Seu pensamento, porém, abrangia o presente e o futuro. Despojando da letra o espírito e apreciando-a do ponto de vista espírita, ela comporta uma explicação mais ampla. A comparação do reino dos céus com um grão de mostarda, que se torna árvore grande, em cujos ramos os pássaros do céu vêm habitar, encerra uma figura alegórica. Nessa figura, o grão de mostarda representa o ponto de partida, a origem, o gérmen do planeta e da humanidade terrena, o estado rudimentar de um e outra; o crescimento oculto do grão, sua afloração, seu desenvolvimento e sua transformação em árvore simbolizam as fases por que passou, no estado latente, o vosso planeta durante a sua formação, que se operou, de acordo com as leis naturais e imutáveis, sob a ação espírita dirigida pela vontade inabalável do Senhor onipotente; simbolizam as fases da formação dos reinos mineral, vegetal, animal e humano, as do aparecimento, desenvolvimento e progresso desses reinos, as de depuração e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 343

transformação física do planeta e de transformação física, intelectual e moral da humanidade. Os ramos da árvore, onde os pássaros do céu virão habitar, indicam o grau de desenvolvimento que o planeta tem de atingir para se tornar morada de paz e de felicidade, que os Espíritos purificados virão habitar, para com ela continuarem a progredir por uma nova via ascendente, que os levará à perfeição, mediante o auxílio e o concurso dos Espíritos do Senhor, sob a direção do Mestre.

Formulando a parábola em que comparava o reino dos céus, o reino de Deus ao fermento que se mistura com três medidas de farinha para fabricar uma massa inteiramente levedada, figurou Jesus, para que os homens o compreendessem, o trabalho, secreto mas contínuo, da semente regeneradora que ele lançava nos corações. Os séculos a desenvolveram, mas, na maioria dos homens, ela apenas aflora. Quão longe estais ainda da época em que essa semente, como o grão de mostarda, se tornará árvore em cujos frondosos galhos se abrigarão os fiéis!

Precisando na parábola o número de medidas de farinha a serem misturadas com o fermento, Jesus só o fez para apropriar sua linguagem aos costumes da época. Aquela quantidade de farinha era a que as donas de casa levedavam de cada vez.

Tirando-se da letra o espírito e considerando-se a parábola do ponto de vista espírita, o reino dos céus, o reino de Deus, que nela é comparado ao fermento com que se leveda a massa de farinha, representa aquela semente que, pela sua doutrina moral, pelos seus atos, palavras e ensinamentos, Jesus lançou nos corações e que, por um trabalho secreto e contínuo, no passado, trabalho que no presente vimos ativar mediante a nova revelação e que prosseguirá no futuro, elevará o Espírito, fazendo-o atingir a perfeição, graças à qual lhe será dado gozar da felicidade OS QUATRO EVANGELHOS (II) 344

divina, onde quer que seja. A levedação da massa representa a meta que estará alcançada pelo Espírito quando houver adquirido aquela elevação, aquela pureza.

Todos tendes nos vossos corações a levedura que o Senhor neles depositou. Esperamos que a fermentação que provocamos e ativamos, na medida do que nos é prescrito, faça chegar a levedação da massa ao ponto que deve atingir. O fermento ainda se acha na massa e muito tempo passará até que ela fique inteiramente fermentada. Dizemos, como dizia Jesus: nossas palavras não passarão, mas as vossas gerações humanas se sucederão em grande número, antes que o fermento haja acabado de levedar a massa.

Regular tem que ser a marcha do progresso daqui por diante, como regular foi até aqui, idêntica, embora inversa, à da bola que desce da montanha. De fato, enquanto que a bola desce, o progresso inversamente galga a montanha. Seus passos são, a princípio, lentos e penosos; mas, pouco a pouco, vencidas as primeiras dificuldades, ele abre passagem mais facilmente e acaba por descobrir, cavado na rocha, o carreiro que o conduzirá ao cume. Desde então acelera a marcha e, aos saltos, como cabrito que caçadores perseguem, se lança em desabalada corrida, transpõe todos os obstáculos e chega afinal ao sítio bendito que buscava.

A marcha da bola que desce da montanha — símbolo do progresso que a galga — foi a princípio lenta, depois se acelerou pouco a pouco e, agora que chegou quase à metade do percurso que tem de fazer, sua rapidez aumenta na razão da impulsão inicial que recebeu. Em breve, descerá aos saltos para atingir o termo da descida. Mas, repetimos: por ora, ela se acha apenas a meio do percurso.

Não vos deis pressa, pois, em acreditar num próximo renovamento do vosso mundo. Trabalhai OS QUATRO EVANGELHOS (II) 345

com zelo pela melhoria moral e intelectual dos homens e, quando o trabalho moral se adiantar (não estais sequer no começo da obra e sim, apenas, no da sua concepção), vereis que o aspecto físico do planeta mudará. Antes, porém, que a habitação seja reconstruída segundo novos planos, mister se faz que os habitantes se achem em condições de nela entrar. Tudo se encadeia na obra divina: ao que é matéria só a matéria convém. Quando, progredindo moralmente, houverdes chegado a viver mais a vida espiritual do que a vida animal, vereis que o aspecto do vosso planeta irá mudando gradualmente. Sua constituição material se aperfeiçoará na mesma gradação. Mudando de natureza as necessidades do homem, outra passará a ser a destinação dos produtos do solo. A matéria não foi criada para o Espírito e sim para o corpo. Quanto menos a carne imperar em vós, tanto mais diminuirão as necessidades materiais e tanto mais, por conseguinte, o planeta se modificará, para adaptar-se às mudanças operadas na vossa natureza. Tanto a terra como a humanidade têm por destino progredir, sem cessar, para condições fluídicas. Esse o objetivo universal.

Comparando o reino de Deus à semente que o homem lança à terra e dizendo: Quer ele durma, quer vigile noite e dia, a semente germina e cresce sem que o homem saiba como, pois que a terra produz, por si mesma, primeiro a erva, depois a espiga e finalmente o grão que cobre a espiga; e, quando o fruto está maduro, passa-se-lhe a foice, pois é esse o momento da ceifa, Jesus mostrava que o Espírito do homem tem que passar, como a semente lançada à terra, pelas fases de germinação, de crescimento, de transformação, de desenvolvimento, de frutificação e tem que atingir a maturidade moral e intelectual, a fim de se pôr, chegado o tempo da ceifa, ao alcance das mãos dos ceifadores incumbidos da colheita para o reino de Deus. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 346

"Quer o homem durma, quer vigile noite e dia, ela germina, e cresce, sem que ele saiba como", disse-o Jesus, falando da semente lançada à terra, porque, na época da sua missão, os homens e especialmente aqueles que o ouviam cuidavam pouco de remontar à origem das coisas, de aprofundá-las para lhes seguirem a marcha. Notai que de todos os povos da antiguidade, o povo hebreu era um dos mais ignorantes. Aceitava, embora com repugnância, os progressos que se lhe impunham, já realizados, mas tão orgulhoso se mostrava da sua raça, que nada procurava alcançar por si mesmo.

Até hoje a semente divina germinou e cresceu sem que o homem soubesse como: o progresso se efetuou, sem que ele soubesse quais os secretos caminhos que lhe eram abertos pela influência oculta dos Espíritos do Senhor, secundados pelos Espíritos em missão na terra.

O homem, não fora a sua apatia, desde muito tempo houvera podido observar o trabalho da semente divina. Mas, à semelhança dos Hebreus orgulhosos e fátuos, os que obtiveram a semente deixaram-na crescer sem perscrutarem esse fenômeno.

A nova revelação, esclarecendo-vos acerca das influências que vos cercam, vem iniciar-vos nos meios de realizardes o vosso progresso e pôr-vos nas condições de compreenderdes os fenômenos da germinação e do crescimento da semente divina.

Nasça ou morra o homem, durma ou vele, o progresso continuará a sua marcha. Com o tempo e mediante a expiação e a reencarnação, o progresso dos culpados e rebeldes se operará, a luz espírita brilhará na terra e iluminará os passos de todos os homens. Ai dos que se conservarem voluntariamente cegos! Também eles progredirão, mas, para acompanharem a marcha do progresso, terão que sofrer, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 347

em planetas inferiores, as longas e dolorosas expiações que se houverem tornado necessárias a fazê-los melhorar moralmente.

Despido da letra o espírito, a parábola da semente lançada à terra é o emblema dos períodos que a humanidade terrena percorreu e transpôs na via do progresso, desde o aparecimento do homem na terra, assim como dos períodos que ela tem de percorrer e transpor para sua regeneração. O olhar profundo do Mestre sondava tanto o passado quanto o futuro. A erva que aflorou ao solo, produto da germinação da semente, designa o tempo escoado antes que Jesus aparecesse no mundo. A formação da espiga indica o tempo decorrido desde esse aparecimento, até os vossos dias. A formação dos grãos que cobrem a espiga, os próprios grãos já formados e o fruto ao qual, quando maduro, se passa a foice, por ser essa a época da ceifa, designam os tempos atuais e futuros da era do Espiritismo, que vem preparar e efetivar a regeneração da humanidade e as promessas que as proféticas palavras de Jesus encerram.

Desde que o homem apareceu na terra, o progresso das gerações humanas e a ampliação desse progresso, a germinação e o crescimento da semente que produz a erva e depois a espiga, foram auxiliados, de acordo com a vontade imutável de Deus, pela influência oculta dos Espíritos do Senhor, na erraticidade, e pelos Espíritos sempre superiores aos da massa geral dos homens, sucessivamente enviados em missão ao mundo, trabalhando uns e outros debaixo da direção do Mestre. Esses mesmos Espíritos vão agora auxiliar, conformemente à natureza e ao estado dos produtos, ao grau de fertilidade e de calor dos terrenos, a formação do grão, a maturação do que já esteja formado, a fim de que, em chegando a época da ceifa, por eles possa a foice passar, como já tem passado pelos que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 348

hão amadurecido e passa pelos que vão amadurecendo, desde que a nova revelação espargiu a sua luz na terra, pois para esses chegou a ocasião da sega.

Neste momento o grão se está formando, o grão amadurece e, em certas partes escolhidas, já se acha maduro ou já foi ceifado. Compreendei bem o sentido das nossas palavras: o Espiritismo nasceu há algumas horas apenas; contudo, em muitos lugares o grão já não está formado? Noutros, não começaram já os raios benfazejos do sol da verdade a produzir a maturação de muitos corações? Finalmente, em certos lugares escolhidos, os ardores vivificantes deste sol não maduraram já algumas espigas que cuidadosamente colhemos? A seara não está ainda toda madura; longe disso. Mas já se fazem colheitas parciais e o vasto campo que o Senhor nos confia apresenta terrenos mais férteis e mais quentes, melhormente preparados para o amadurecimento dos frutos.

O sol da verdade doura as espigas que se formam e os grãos se desenvolvem. Submetei, portanto, ao calor de seus raios as espigas com que contamos, a fim de que vão madurando até ao momento em que se haja de fazer a colheita. Deixai que nelas penetrem as fecundantes ardências com que o Senhor as banha e cada espiga madura se confiará às mãos dos ceifeiros.

Quando os feixes de espigas escolhidas estiverem formados, lançaremos de novo na terra esses grãos fecundos e eles então, penetrados do amor divino, fornecerão abundantes colheitas e tornarão produtivos os mais ingratos terrenos. Preparai, pois, as espigas que terão de fornecer as sementes. A alegoria é clara; deveis compreendê-la: os grãos fecundos são Espíritos purificados que descerão à terra em missão, para ajudar os encarnados a progredir moralmente e intelectualmente e passar pelas suas provas, trilhando o caminho traçado por Jesus e iluminado pela nova revelação. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 349

Vamos, filhos, purificai-vos, elevai-vos, curvai sempre as vossas frontes diante da majestade divina; abaixai-as tanto mais, quanto mais se houverem elevado os vossos corações.

Quando o fruto chega à maturidade, passa-se-lhe a foice, pois que chegou o momento da colheita, disse-o Jesus. Pois bem: quando estiverdes maduros, iremos buscar-vos para junto de nós, a fim de vos darmos, sob as vistas do Mestre e de acordo com a vontade do Senhor, as instruções que forem precisas para irdes auxiliar o amadurecimento do grão. E, passada por ele a foice, realizada a colheita, prepararemos a semente para a semeadura seguinte. Assim se efetivarão a depuração e o renovamento da geração humana.

Mateus, v. 34 e 35: O que, com relação à vida eterna, Jesus revelava aos homens sob o mistério e nas obscuridades da parábola, ainda não fora dito. Já vos explicamos esse ponto: os Hebreus acreditavam na imortalidade da alma, porém de modo vago; o Cristo veio dar corpo ao que não passava de uma sombra, tanto para os discípulos, como para os Judeus rebeldes.

"Jesus, diz MARCOS nos v. 34 e 35, falava aos da multidão e aos discípulos por muitas parábolas, de acordo com o que eles podiam entender; não lhes falava .sem parábolas: mas, longe da multidão, tudo explicava aos discípulos."

Ensinava aos discípulos o sentido em que deviam tomar as palavras que lhes dirigia; todavia, apenas lhes deixava entrever o que elas tinham de proféticas, não lhes dando mais do que eles podiam suportar como encarnados, nem mais do que deviam ter consigo para o desempenho de suas missões, sob o império e o véu da letra. Deixava velado tudo o que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 350

devesse permanecer secreto e oculto, para só ser descoberto e desvendado pela nova revelação, nos tempos em que os homens se houvessem tornado capazes de ir recebendo sucessivamente os ensinos dessa revelação, de maneira progressiva, na medida do que pudessem suportar. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 351

MATEUS, Cap. XIII, v. 36-43

Explicação da parábola do joio

V. 36. Tendo despedido a multidão, entrou Jesus em uma casa e os discípulos, acercando-se dele, lhe pediram: Explica-nos a parábola do joio semeado no campo. — 37. Ele respondendo, disse: Aquele que semeia o bom grão é o filho do homem. — 38. O campo é o mundo; os filhos do reino são o bom grão; os filhos da iniqüidade são o joio. — 39. O inimigo que o semeou é o diabo; o tempo da colheita é o fim do mundo; os segadores são os anjos. — 40. O que se faz com o joio, que é arrancado e queimado no fogo, far-se-á no fim do mundo. — 41. O filho do homem enviará seus anjos; Estes reunirão e levarão para fora do seu reino todos os que são causa de escândalo e de queda; — 42, e os lançarão na fornalha do fogo; lá haverá prantos e ranger de dentes. — 43. Então, os justos brilharão como o sol, no reino do Pai. Aquele que tiver ouvidos de ouvir, ouça.

N. 167. Estas últimas palavras de Jesus: " Aquele que tiver ouvidos de ouvir, ouça", mostram que ainda era velada a própria linguagem usada na explicação da parábola; deixam ver que, para a compreensão exata dos termos empregados naquela explicação, dos pensamentos que eles vestem, necessário é se tire da letra o espírito, se procure o espírito que vivifica, se não pare na letra que mata. Elas advertiam os homens de que tivessem cuidado com a maneira de entender a explicação que lhes era dada.

Os homens, porém, compreenderam e interpretaram as palavras de Jesus segundo a letra, de acordo com os preconceitos e tradições da época. Materializando as expressões do Mestre, falsearam-lhes a interpretação e o sentido.

A nova revelação, que vos trazemos, vem explicar, em espírito e em verdade, todo o pensamento do Cristo. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 352

(V. 37). Encarregado do progresso do vosso planeta e do da sua humanidade, isto é: do dos Espíritos que nele encarnem, Jesus, desde o aparecimento do homem na terra, vem semeando o bom grão e o semeará sempre; sempre trabalhou e trabalha na obra do vosso progresso, por intermédio dos Espíritos que o coadjuvam no desempenho da sua missão, e trabalhará nela até que aqueles Espíritos atinjam a perfeição, que os fará ocupar, dentro da hierarquia espírita, a categoria dos Espíritos puros.

Tendo vindo, pelas palavras que proferiu, pelos atos que praticou, pelos ensinamentos e exemplos que espalhou desempenhando a sua missão terrena, traçar a via do progresso, assentar as bases fundamentais da regeneração humana, Jesus veio, é claro, semear o bom grão.

Chamando-se a si mesmo de 'filho do homem", lembrava aquela missão que, aos olhos dos homens, era humana. Ao mesmo tempo, pela explicação velada que deu da parábola, apropriando às inteligências e às condições da época a sua linguagem que, pela letra, atendia às necessidades do momento e, pelo espírito, atenderia às do futuro, mostrava seu poder e sua soberania: como enviado de Deus; como tendo recebido de Deus a investidura de rei do vosso planeta, ao qual chama "seu reino"; como tendo debaixo da sua autoridade e às suas ordens os "anjos"; como tendo todo poder sobre a terra, que é "seu reino", e bem assim sobre as gerações humanas que nela se sucederão; como sendo quem, no fim do mundo, fará que "seus anjos" reúnam e levem para fora da terra, para fora do "seu reino", os filhos da iniqüidade simbolizados pelo joio, e quem os mandará lançar "na fornalha do fogo", onde haverá "prantos e ranger de dentes". Nessa ocasião, os filhos do reino, simbolizados pelo bom grão, já se havendo tornado justos, permanecerão no "seu reino" e aí brilharão como o sol. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 353

(V. 38). O campo simboliza o mundo, isto é: o vosso planeta e a humanidade terrena; os filhos do reino, simbolizados pelo bom grão, são os que tendem a progredir e se esforçam por consegui-lo; os filhos de iniqüidade, cujo símbolo é o joio, são os que cedem às más influências, por serem maus seus instintos.

(V. 39). O diabo, que semeou, semeia e semeará ainda por muito tempo na terra o joio e que figura na parábola como sendo "o inimigo" — são todos os Espíritos maus, Espíritos de erro ou de mentira, impuros, levianos, perversos (errantes ou encarnados) que, procurando exercer perniciosas influências sobre os homens,, trabalham por lhes obstar ao progresso, com o fazê-los evitar o bem e praticar o mal pelos pensamentos, palavras e atos; que trabalham por arrastá-los para fora das vias do Senhor. Estas vias são as que, de modo completo, se acham indicadas pelas seguintes palavras de Jesus, uma vez que sejam bem compreendidas e praticadas, em toda sua extensão, dos pontos de vista material, moral e intelectual, tanto nas relações sociais, como nas de família, como ainda no trato de cada um consigo mesmo; palavras essas que encerram toda a lei e os profetas: "Amai a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a vós mesmos; procedei sempre, em tudo, com os outros como quereríeis que procedessem convosco".

O fim do mundo, predito por Jesus e que, na parábola, corresponde ao tempo da ceifa, não é o que as interpretações humanas figuraram. Não se trata de um fenômeno repentino, como o imaginaram erroneamente quantos acreditaram que, de um instante para outro, o universo inteiro seria transformado, renovado.

O fim do mundo vem sendo preparado desde há muito e pouco a pouco se vai operando. Avançais para OS QUATRO EVANGELHOS (II) 354

a época em que, pela só influência da vossa presença, os Espíritos inferiores que encarnam na terra serão repelidos e fugirão para meios que melhor lhes quadrem. Os Espíritos inferiores, como sabeis, temem a presença dos Espíritos elevados. Não é natural que o homem devasso e vil se sinta embaraçado e pouco à vontade numa reunião de pessoas de escol, das mais instruídas e virtuosas? e não é natural também que volte, assim lhe seja permitido, para o meio de seus iguais? É o que se dará com os Espíritos inferiores, quando chegar o fim do mundo, isto é: quando, por se haverem as vossas naturezas elevado e mudado de ordem, subido na hierarquia espírita, tudo mudará em torno de vós. O joio terá sido, então, lançado ao fogo da purificação e o bom grão refulgirá aos olhos do pai de família.

Nessa época, em que o vosso progresso já será bastante para repelir os Espíritos inferiores que vos cercam, entrareis na fase espírita. Quer isto dizer que, tanto para o homem como para o planeta, a matéria se depurará, sem passar, contudo, às condições de fluidos puros. Compreendei bem todas as fases, todos os graus que, de modo mais ou menos material, mais ou menos sutil, separam os Espíritos encarnados nos diversos mundos que eles ocupam. Chegando à primeira fase espírita, à primeira separação da matéria espessa, entrareis numa categoria de Espíritos cujo invólucro leve difere inteiramente do vosso invólucro atual, sem, todavia, ser completamente fluídico. Será uma nova vestimenta, que tereis de mudar ainda muitas vezes, antes que chegueis à condição de poderdes habitar mundos fluídicos, o que sucederá um dia, porquanto não deveis acreditar que, alcançado esse ponto de adiantamento, estejais amalhados no planeta em que viveis. Ele também terá progredido, mas, nessa ocasião, todos os mundos, cuja categoria corresponda à dos vossos Espíritos, vos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 355

poderão servir de morada; não estareis adstritos a habitar estes de preferência àqueles.

O fim do mundo, compreendido como sendo a época da colheita, se apresenta dividido em três períodos distintos: o primeiro é o em que aos Espíritos inferiores foi e será permitido encarnar na terra para, por sucessivas expiações e reencarnações, se purificarem, passarem de "filhos de iniqüidade", que eram, a "filhos do reino".

O segundo é o em que o joio começará a ser separado do trigo, o em que os Espíritos que se mantiverem culpados, rebeldes, voluntariamente cegos, serão afastados do vosso planeta e deportados para planetas inferiores.

O terceiro é o em que, concluída a separação do joio e do trigo, estará acabado o afastamento dos Espíritos inferiores; é, portanto, o em que a terra se terá tornado morada de paz e de felicidade, de bons Espíritos já aptos a entrar na fase espírita, o que se efetuará conforme acabamos de explicar, e a avançar, sob a influência dos Espíritos do Senhor e de Espíritos encarnados em missão, na via do progresso, pela ciência, pela caridade e pelo amor.

Os segadores são, indistintamente, todos os Espíritos do Senhor, encarnados em missão, ou não encarnados, que trabalham na obra do progresso, da purificação e da regeneração da humanidade terrena. Facilmente se compreende que os que trabalham nessa obra sejam incumbidos da colheita.

(V. 40, 41 e 42). O reino do filho do homem é a terra com a sua humanidade. Quando uma e outra houverem chegado ao período de depuração e de progresso, no qual os Espíritos inferiores, culpados, rebeldes, voluntariamente cegos, serão afastados do vosso planeta e deportados para planetas inferiores, os anjos, no dizer de Jesus, "reunirão e levarão para OS QUATRO EVANGELHOS (II) 356

fora de seu reino os que são ocasião de escândalo e de queda e os que cometem iniqüidade". Os anjos de que aí se fala serão os puros Espíritos, os Espíritos superiores e não os encarnados em missão, porquanto a seleção e a classificação dos Espíritos que permanecerem culpados, rebeldes, se fará estando eles na erraticidade. Não esqueçais que, revestidos da libré de carne que trazeis, todos os Espíritos são mais ou menos falíveis, embora se trate dos que na terra se acham empregados na regeneração humana. Nenhum, pois, por aquela só razão, tem o direito de julgar seus irmãos também encarnados, de dizer a qualquer destes: "Tu és culpado, sou teu juiz", ou: "Falis-te e eu te condeno ou te absolvo". Um Espírito, por mais purificado que esteja, logo que toma o invólucro corporal humano, lhe sofre a influência mais ou menos forte. Sendo, desde então, mais ou menos falível, é-lhe interdito julgar. Portanto, os Espíritos puros, os Espíritos superiores são os que, livres de qualquer contacto humano, virão separar do trigo o joio.

Quanto a vós, obreiros que também trabalhais no campo do Senhor, contentai-vos com ajudar o mais que puderdes a maturação do grão. Exponde-o, quanto vos for possível, aos raios benfazejos da verdade; mas, não julgueis os vossos irmãos, não os julgueis nunca, pois que não estais em condições de perceber os secretos desígnios do Senhor, tolhidos como vos encontrais pelo véu da carne.

No fim do mundo, nessa época em que se operará a depuração gradual do vosso planeta, mediante a separação do bom grão e do joio, este ainda será queimado, como o terá sido antes. Entretanto, não mais poderá crescer ao lado do bom grão. Os "filhos de iniqüidade" serão ainda, como o foram sempre, no passado, submetidos à expiação, mas, daí em diante, não se lhes permitirá mais reencarnar na terra. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 357

10 Estas palavras foram mediunicamente ditadas no mês de fevereiro de 1863.

Os anjos, que o Cristo enviará, os afastarão do vosso planeta, levando-os para mundos inferiores, onde os classificarão de acordo com as suas tendências e a sua culpabilidade. Assim, uns irão para mundos de categoria abaixo da que o vosso então ocupará; outros (e ainda serão muitos) irão para planetas da mesma categoria que o vosso atualmente10.

Antes, porém, que lhes seja permitido reencarnar nesses planetas, serão lançados "na fornalha do fogo, onde haverá prantos e ranger de dentes", isto é: entrando em expiação, os Espíritos culpados, rebeldes, voluntariamente cegos, serão lançados ao fogo dos remorsos morais apropriados e proporcionados aos crimes e faltas que hajam cometido, como já o explicamos, verdadeiro fogo de purificação, que gera e desenvolve o arrependimento e o desejo da reparação por meio de novas provações.

Lá nesses mundos inferiores, longa e dolorosa expiação consumirá o joio, a má planta. Mas, o Espírito não é passível, como o joio, como a planta má, de ser, pelo fogo, reduzido a pó. Purificado pela ação do fogo regenerador, germina a boa semente que ele traz em si e das cinzas do joio brotam messes de bom grão. O joio será queimado tantas vezes quantas forem precisas, para que se torne bom grão, para que os "filhos de iniqüidade" se tornem "filhos do reino" e entrem a seu turno na classe dos 'justos".

Já o temos dito e agora repetimos, pela última vez: Quaisquer que sejam os versículos dos Evangelhos onde se leiam estas palavras — fornalha de fogo, geena, fogo de geena, prantos e ranger de dentes — elas significam sempre a expiação do Espírito, seguida da reencarnação, de novas provações, e são sempre emblemáticas.

(V. 43). "Então os justos brilharão como o sol no reino do pa”. Estas palavras têm um sentido figu- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 358

rado. A luz que brilha nos filhos do Senhor é a da verdade, da fé e do amor. Os filhos do Senhor são os justos, isto é: os Espíritos purificados, cujos perispíritos, por efeito da purificação, se tornaram mais luminosos, irradiando uma luz cuja pureza e cujo brilho correspondem ao grau da elevação alcançada. Os mundos superiores formam o reino do pai. O vosso planeta, desde que atinja a necessária elevação, lhes pertencerá ao número, constituindo, se quereis uma comparação humana, "uma das províncias do reino de Deus". OS QUATRO EVANGELHOS (II) 359

MATEUS, Cap. XIII, v. 44

Tesouro oculto

V. 44. O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto num campo; o homem que o achou o esconde e, cheio de alegria por o haver achado, vai vender tudo que possui e compra aquele campo.

N. 168. Aquele que recebe a palavra de Deus se sente tão feliz quanto o homem que acha um tesouro, se é que se pode estabelecer comparação entre sentimentos tão dessemelhantes.

Cumpre-lhe encerrar no coração essa fonte de riquezas eternas e esforçar-se por que nenhum dos vícios da humanidade lhe possa arrebatar o precioso tesouro.

Vai o homem e vende o que tem. Quer isto dizer: ele se despoja dos erros, dos maus instintos, dos maus pendores, dos vícios, numa palavra — de tudo que o prende à matéria, como os bens terrenos o prendem ao solo que os encerra.

E compra o campo: Faz, para conservar o tesouro espiritual, todos os sacrifícios que a humanidade exija. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 360

MATEUS, Cap. XIII, v. 45-46

Pérola de alto preço

V. 45. O reino dos céus ainda se assemelha a um negociante que procura belas pérolas; — 46, que, achando uma de alto preço, vende tudo o que possui e a compra.

N. 169. Esta parábola tem quase a mesma significação que a do tesouro. De fato, ela traça a imagem do homem que sinceramente procura a verdade e que, achando-a, recebendo-a, se desembaraça, sem hesitar, de seus erros, de suas fraquezas, dos maus instintos, dos maus pendores, dos vícios, dos apetites materiais, que, anteriormente, constituíam toda a sua riqueza ilusória e funesta, e dela, com a maior diligência, procura desfazer-se, empregando todos os esforços por conservar a pérola de alto preço que, como o tesouro, é a verdade que ele encontrou com o aceitar a palavra de Deus. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 361

MATEUS, Cap. XIII, v. 47-52

Parábola da rede lançada ao mar

V. 47. O reino dos céus se assemelha também a uma rede de pescar que, lançada ao mar, apanha toda espécie de peixes. — 48. Quando fica cheia, os pescadores a puxam para bordo, onde, assentados, se põem a separá-los, deitando os bons nos vasos e lançando fora os maus. — 49. Assim será no fim do mundo: os anjos virão e separarão os maus do meio dos justos; — 50, e os lançarão na fornalha de fogo, onde haverá prantos e ranger de dentes. — 51. Haveis compreendido todas estas coisas? Eles responderam: Sim. — 52. Disse-lhes ele então: Todo escriba instruído acerca do reino dos céus se assemelha ao pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e coisas velhas.

N. 170. Não temos necessidade de vos explicar o símile da pesca. Facilmente compreendeis que se trata da escolha dos bons e do afastamento dos maus. Ele deve ser entendido, compreendido, explicado, em tudo e por tudo, do mesmo modo por que o foi a parábola do joio. Podeis notar que muitas palavras têm o mesmo sentido. Foram ditas a homens diferentes, muitas vezes em ocasiões diversas, mas sempre com o mesmo objetivo.

Compreendestes bem tudo isto? perguntou Jesus aos discípulos. "Sim", responderam-lhe.

Eles haviam compreendido a parábola da pesca tal como lhes foi apresentada, isto é: como uma imagem da escolha que, pouco a pouco, se iria fazendo entre os Espíritos, a fim de que, no momento determinado, já não houvesse muitos Espíritos rebeldes a afastar.

"Todo escriba", disse-lhes também Jesus, instruído acerca do que concerne ao reino dos céus, se assemelha ao pai de família que do seu tesouro tira coisas novas e coisas velhas". OS QUATRO EVANGELHOS (II) 362

Por escriba designava Jesus o homem mais esclarecido do que as massas e encarregado de espalhar no meio delas as luzes contidas no tesouro da sua erudição e da sua inteligência.

Os escribas, vós o sabeis, eram, naquela época, os sábios, os eruditos. Espalhavam, ou melhor: tinham o dever de espalhar a luz; mas, não raro, a punham debaixo do alqueire.

Tira do seu tesouro coisas novas e coisas velhas aquele que se serve da ciência que recebeu dos tempos antigos para fortificar e, por assim dizer, tornar recomendável aquilo que ele quer fazer crido.

Assim, vós outros espíritas deveis, dentro dos limites da vossa instrução, das vossas faculdades, investigar as crônicas antigas, escrutar as lendas, desencavar os velhos manuscritos sepultados no fundo das bibliotecas seculares ou dos conventos avaros do que possuem — e, armados dos vetustos documentos que possuirdes, demonstrar aos tímidos, aos incrédulos, aos pseudo-sábios a autenticidade e a ancianidade da ciência que professais. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 363

MATEUS, Cap. XIII, v. 53-58. —MARCOS, Cap. VI, v. 1-6

Nenhum profeta é desestimado senão no seu país, na sua casa e entre seus parentes

MATEUS: V. 53. Tendo acabado de dizer essas parábolas, Jesus partiu dali; — 54, e, voltando ao seu país, os instruía nas sinagogas; de sorte que, tomados de admiração, eles diziam: Donde lhe vieram esta sabedoria e estes milagres? — 55. Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria e Tiago, José, Simão e Judas seus irmãos? — 56. E suas irmãs não vivem todas entre nós? Donde então lhe vêm todas estas coisas? — 57. Assim era que dele se escandalizavam. Jesus, porém, lhes disse: Nenhum profeta é desestimado senão no seu país e na sua casa. — 58. E não fez lá muitos milagres por causa da incredulidade deles.

MARCOS: V. 1. Dali saindo, voltou Jesus para o seu país, acompanhado pelos discípulos. — 2. E, chegando o dia de sábado, começou a ensinar na sinagoga; e muitos dos que o ouviam, admirando-se da sua doutrina, diziam: Donde lhe vieram todas estas coisas? Que sabedoria é essa que lhe foi dada? Como é que suas mãos obram tais maravilhas? — 3. Não é ele o carpinteiro filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E suas irmãs não estão aqui entre nós? E se escandalizavam dele. — 4. Jesus, porém, lhes disse: Nenhum profeta é desestimado senão no seu país, na sua casa e entre os seus parentes. — 5. E não pôde fazer lá nenhum milagre; apenas curou alguns poucos doentes, impondo-lhes as mãos. — 6. E se admirava da incredulidade deles. E lá ia percorrendo as aldeias dos arredores, a ensinar.

N. 171. Pelo que respeita aos que eram tidos por irmãos e irmãs de Jesus, pelo que se refere à maternidade humana de Maria e à paternidade humana de OS QUATRO EVANGELHOS (II) 364

José, segundo o modo de ver dos homens, nenhuma explicação mais temos que dar, além das que constam do n. 163. Já sabeis "quem é o filho", pela revelação, que vos fizemos, da origem espírita de Jesus, do modo e das condições em que se deu o seu aparecimento na terra, do que foram a gravidez e o parto de Maria, da genealogia do Mestre. Não temos que voltar a esses pontos.

(Mateus, v. 57 e Marcos, v. 4). Dizendo: "Nenhum profeta é desestimado senão no seu país, na sua casa e entre seus parentes", tinha Jesus o intento de lembrar aos que o ouviam o caráter e a missão de profeta que os outros homens lhe davam, pois que aqueles, supondo-o um homem como os demais, nas mesmas condições de faculdades e de poderes que eles, se surpreendiam profundamente com a sabedoria da sua doutrina, com as suas palavras, com os seus ensinamentos e com os fatos que produzia e que eram considerados "milagres".

Do ponto de vista espírita, essas palavras de Jesus encerram uma reflexão filosófica, cujo valor tendes podido verificar.

(Mateus, v. 58). E não fez lá muitos milagres por causa da incredulidade deles.

Não sabeis que a oposição dos Espíritos, encarnados ou não, prejudica a influência que se possa exercer? Jesus, se o quisesse, houvera dominado aquela influência contrária. Mas, que é o que conseguiria? Que aqueles Espíritos, voluntariamente cegos, fossem forçados a ver. Eles, porém, se obstinariam em fechar os olhos e desde então passariam a merecer castigo mais severo. Ora, o Mestre, com a doçura do seu coração, jamais provocou a revolta de qualquer Espírito, a fim de lhe poupar o remorso da falta.

(Marcos, v. 5). 'E não pôde fazer lá nenhum milagre; apenas curou alguns poucos doentes, impondo-lhes as mãos". OS QUATRO EVANGELHOS (II) 365

Acabamos de dizer que Jesus não pôde fazer milagres, porque não quis exercer autoridade sobre os Espíritos rebeldes. Assim, não houve impotência, mas ausência de vontade, o que, aos olhos dos homens, era tido por impossibilidade. Não sucede muitas vezes vos absterdes de fazer uma coisa, de ficardes sem poder executá-la, por se apresentar um obstáculo que não quereis destruir?

A versão de Marcos é equivalente à de Mateus. Ambos, em termos que pouco diferem, exprimem a mesma idéia.

(Marcos, v. 6). "E Jesus se admirou da incredulidade deles". Ê este um modo humano de exprimir a impressão, a opinião de homens que não viam no Mestre mais do que um homem igual aos outros. Jesus não tinha que se admirar, nem podia admirar-se da incredulidade dos que o ouviam, por isso que lia no pensamento de todos, observava os instintos e as tendências dos que compunham a multidão e via os Espíritos que atuavam neles, graças ao livre arbítrio de cada um, atraídos por aqueles maus instintos, aquelas tendências más. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 366

MATEUS, Cap. XIV, v. 1-12. —MARCOS, Cap. VI, v. 14-29. —LUCAS. Cap. III, v. 19-20 e Cap. IX, v. 7-9

Morte de João Batista. — Palavras que, ditas com relação a Jesus, confirmam a crença dos Hebreus na reencarnação

MATEUS: v. 1. A esse tempo chegou aos ouvidos do Tetrarca Herodes a fama de Jesus; 2, e ele disse a seus servos: Esse é João Batista; é o próprio João que ressuscitou dentre os mortos; daí vem o fazerem-se por seu intermédio tantos milagres. — 3. Herodes mandara prender a João, pusera-o a ferros e o metera na prisão, por causa de Herodíade, mulher de seu irmão. — 4. É que João lhe dizia: Não te é permitido tê-la por mulher. — 5. Herodes queria dar-lhe a morte: mas temia o povo, que considerava João um profeta. — 6. Porém, no dia do aniversário de Herodes, a filha de Herodíade dançou diante dele e lhe agradou; — 7, tanto que ele prometeu sob juramento dar-lhe tudo o que pedisse. — 8. Ela, industriada de antemão por sua mãe, disse: Dá-me, aqui mesmo, num prato, a cabeça de João Batista. — 9. Esse pedido muito aborreceu o rei, que, todavia, por causa do juramento que fizera e dos que com ele se achavam à mesa, mandou que lha dessem. — 10. Ao mesmo tempo ordenou que a João Batista cortassem a cabeça na prisão. — 11. E a cabeça de João foi trazida num prato e dada à moça, que a levou à sua mãe. — 12. Os discípulos de João vieram, carregaram-lhe o corpo, o sepultaram e foram comunicar tudo isso a Jesus.

MARCOS: VI. 14. Ora, o rei Herodes ouviu falar de Jesus, cuja nomeada se espalhara muito, e dizia: João Batista ressuscitou dentre os mortos; daí vem que tantos milagres se operam por seu intermédio. — 15. Outros, porém, diziam: É Elias; outros: É um profeta igual a um dos profetas. -16. Ouvindo isso, disse Herodes: Este homem é João a quem mandei cortar a cabeça e que ressuscitou OS QUATRO EVANGELHOS (II) 367

dentre os mortos. — 17. Herodes, tendo desposado Herodíade, não obstante ser ela mulher de Filipe, irmão dele, mandara prender a João, pusera-o a ferros e o metera na prisão por causa dela, — 18, porque João lhe dizia: Não te é permitido ter por mulher a mulher de teu irmão. 19. Desde então, Herodíade sempre lhe armava ciladas, desejosa de fazê-lo morrer, o que não conseguia, — 20, visto que Herodes temia a João por saber que era um varão justo e santo. Guardava-o, pois, e fazia muitas coisas aconselhando-se com ele e o escutava de boamente. — 2I. Afinal, chegou um dia favorável, do aniversário de Herodes, no qual este ofereceu um banquete aos grandes de sua corte, aos tribunos e aos maiorais da Galiléia. — 22. A filha de Herodíade teve entrada, dançou diante de Herodes e de tal modo lhe caiu no agrado, bem como no de todos quantos se achavam à mesa, que ele lhe disse: Pede-me o que quiseres e eu to darei. — 23. E acrescentou, jurando: Sim, o que me pedires eu te darei, ainda que seja a metade do meu reino. — 24. Ela, quando saiu, perguntou à mãe: Que é o que pedirei? Sua mãe lhe respondeu: A cabeça de João Batista. — 25. Ela se deu pressa em voltar à sala onde estava o rei e fez o seu pedido, dizendo: Quero que neste mesmo instante me dês num prato a cabeça de João Batista. — 26. O rei se aborreceu com esse pedido; mas, por causa do juramento que fizera e dos que com ele estavam à mesa, não quis desatendê-lo. — 27. Tendo ordenado a um dos da sua guarda que trouxesse a cabeça de João Batista num prato, o guarda foi ao cárcere e aí degolou a João; — 28, trouxe a sua cabeça num prato, deu-a à moça e esta a deu à sua mãe. — 29. Sabendo do ocorrido, os discípulos de João vieram, levaram-lhe o corpo e o puseram num sepulcro.

LUCAS, III. V. 19. Herodes, o Tetrarca, tendo ouvido de João uma censura por causa de Herodíade, mulher do irmão dele Herodes, e por causa de todos os males que fizera, — 20, juntou a todos os seus crimes o de meter a João num cárcere.

lX. V. 7. Herodes, o Tetrarca, tendo ouvido falar de tudo o que Jesus fazia, não sabia o que pensar, pois uns diziam — 8, que João ressuscitara dentre os mortos, outros que Elias voltara, enquanto outros afirmavam que um dos antigos profetas ressusci- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 368

tara. — 9. Herodes dizia: Pois que mandei degolar a João, quem é este de quem ouço dizer tais coisas? E procurava vê-lo.

N. 172. Aquelas palavras: "É Elias; — é João Batista que ressuscitou dentre os mortos; — é Elias que voltou; — é um dos antigos profetas que ressuscitou, ditas e repetidas como sendo o que a voz pública afirmava com relação a Jesus; estas outras, que o rumor público levara Herodes a proferir, falando de Jesus: "Pois que mandei cortar a cabeça a João Batista, quem é este? — Este homem é João Batista, a quem mandei cortar a cabeça; João Batista ressuscitou dentre os mortos, confirmam a existência, entre os Hebreus, da crença popular na reencarnação.

Com efeito, os homens não poderiam considerar a Jesus como sendo ou Elias, ou João Batista, ou um dos antigos profetas, que voltara a viver na terra, senão admitindo que a alma ou Espírito, quer de Elias, quer de João, quer de um dos antigos profetas, reencarnara em aquele novo corpo que, conforme então acreditavam, era obra humana de José e de Maria, os quais, como sabeis, passavam por ser o pai e a mãe de Jesus.

Não vos admireis de que Herodes tenha dito: "Pois que mandei cortar a cabeça a João, quem é este a respeito do qual ouço dizer tão grandes coisas" (Lucas, Cap. IX, v. 9); Este é João Batista; — João Batista ressuscitou dentre os mortos; — este homem é João Batista, a quem mandei cortar a cabeça e que ressuscitou dentre os mortos" (Mateus, v. 2; e Marcos, v. 14 e 16).

Herodes (deveis compreendê-lo) não ouviu falar de Jesus só uma vez. Conseguintemente, não fez só uma observação relativamente ao Cristo. As palavras que Lucas menciona foram as primeiras que a tal respeito Herodes pronunciou e que repetiu em diversas ocasiões. As que constam das narrativas de Mateus e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 369

de Marcos só mais tarde ele as disse e repetiu também, em ocasiões diversas.

Quanto ao que se refere à morte de João e às particularidades dessa morte, nenhuma explicação temos que dar. É uma simples narração de fatos.

Notai apenas que as narrativas de Mateus e de Marcos se explicam e completam uma pela outra. A filha de Herodíade não podia, de antemão, saber qual o efeito que a sua dança produziria no rei, nem que este lhe faria um oferecimento. Portanto, só depois que ouviu a promessa do Tetrarca, foi consultar a Herodíade. Para dizer a Herodes: Dá-me, aqui, neste mesmo instante, num prato, a cabeça de João Batista, sua mãe a industriara previamente, porquanto ela saíra e, depois de referir a Herodíade, não só o efeito que a dança produzira no rei, como também o oferecimento que este lhe fizera, perguntou-lhe: Que hei de pedir? respondendo Herodíade: A cabeça de João Batista, neste mesmo instante.

Esta explicação nós vo-la demos somente porque, lendo os vossos pensamentos, quisemos dissipar as preocupações do vosso Espírito, que julgava ver, naquele ponto, uma contradição entre as duas narrativas. Mas, não vos detenhais nunca ante tais futilidades destituídas de valor.

Que importaria, para a fé que professais, que Herodíade houvesse dito à filha, antes ou depois da dança, antes ou depois do oferecimento do rei, que pedisse a cabeça de João Batista? Herodíade e a sua filha haviam escolhido, tomando cada uma a sua parte, aquela temível prova e o meio em que deveriam suportá-la. Sendo essa prova superior às suas forças, tinham ambas por isso mesmo que sucumbir e sucumbiram.

Tendes dificuldades em compreender que o Senhor conheça antecipadamente quais os que sucumbirão? Assim é. A sua sabedoria, conhecendo a OS QUATRO EVANGELHOS (II) 370

fraqueza do Espírito, prevê a que transviamentos este, no uso do seu livre arbítrio, será levado por aquela fraqueza. Se um dos vossos filhos vos pedir o consentimento para desempenhar tarefa superior às suas forças e se obstinar nesse intento, não prevereis, ao conceder-lhe a licença solicitada, que a força ou a perseverança lhe faltarão? Condescendendo, apesar disso, qual o vosso objetivo, senão lhe dar ensejo de apreciar com justeza o seu valor real?

Herodíade e sua filha, depois daquelas provas a cujo peso sucumbiram, tinham que encontrar e encontraram, na expiação, mediante novas provações, uma fonte e um meio de purificação e de progresso. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 371

MATEUS, Cap. XIV, v. 13-22. — MARCOS, Cap. VI, v. 30-45. —LUCAS. Cap. IX, v. 10-17

Multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes

MATEUS: V. 13. Ouvindo a narração que lhe fizeram os discípulos de João, Jesus partiu numa barca e se retirou secretamente pra um lugar deserto. Ao saber disso, o povo deixou as cidades e o foi seguindo a pé. — 14. Quando ele saltou em terra, viu grande multidão e, compadecendo-se dela, curou os doentes. — 15. Como caísse a tarde, os discípulos se aproximaram e lhe disseram: Este lugar é deserto e a hora já vai adiantada; manda-os embora, a fim de que vão às aldeias comprar o que comer. — 16. Jesus, porém, lhes disse: Não é necessário que se afastem daqui; dai-lhes vós mesmos de comer. — 17. os discípulos replicaram: Não temos mais que cinco pães e dois peixes. — 18. Disse-lhes ele: Trazei-mos. — 19. Em seguida mandou que a multidão se assentasse na relva, tomou os cinco pães e os peixes e, olhando para o céu, os abençoou, partiu e deu aos discípulos, que os passaram ao povo. — 20. Todos comeram, ficaram saciados e ainda levaram doze cestos cheios dos pedaços que sobraram. — 2I. Ora, os que comeram eram em número de cinco mil, sem contar as mulheres e as crianças. — 22. Feito isso, Jesus ordenou aos discípulos que tomassem a barca e passassem para a outra margem do lago antes dele, que ficava despedindo o povo.

MARCOS: V. 30. Ora, os apóstolos, reunindo-se em torno de Jesus, lhe deram conta de tudo que haviam feito e ensinado. — 3I. E ele lhes disse: Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto, a fim de aí repousardes um pouco. É que eram tantos os que iam e vinham, que eles não tinham tempo para comer. — 32. Subindo, pois, para uma barca, retiraram-se para um lugar deserto. — 33. Mas, tendo-os visto partir e muitos tendo sido informados da OS QUATRO EVANGELHOS (II) 372

partida, grande multidão acorreu a pé de todas as cidades e chegou antes deles. — 34. Ao saltar da barca, vendo Jesus grande multidão, dela se compadeceu, pois era como rebanho que não tem pastor, e começou a ensinar-lhe muitas coisas. — 35. E como já se fizesse tarde, os discípulos se aproximaram dele e lhe disseram: Este lugar é deserto e a hora já vai adiantada; — 36, manda-os embora, a fim de que vão às cidades e aos povoados dos arredores comprar o que comer. — 37. Respondendo, disse Jesus: Dai-lhes vós mesmos de comer. Eles replicaram: Onde iremos comprar por duzentos denários pães que bastem pra lhes darmos de comer? — 38. Jesus perguntou: Quantos pães tendes? lde e vede. Depois de o verificarem, disseram eles: Cinco pães e dois peixes. — 39. Jesus então lhes ordenou que fizessem o povo sentar-se em ranchos na relva. — 40. Todos se assentaram formando diversos ranchos, uns de cem pessoas outros de cinqüenta. — 41. E Jesus, tomando os cinco pães e os dois peixes e olhando para o céu, abençoou e partiu os pães e os entregou aos discípulos para que os pusessem diante do povo; repartiu assim também os dois peixes com todos. — 42. Todos comeram e ficaram fartos. — 43. E ainda levaram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe que haviam sobrado, — 44, não obstante serem em número de cinco mil os que comeram. — 45. Em seguida, Jesus mandou que os discípulos tomassem de novo a barca, passassem para a outra margem do lago em direção a Betsaida, enquanto ele ficava despedindo o povo.

LUCAS: V. 10. De volta, os apóstolos relataram a Jesus tudo que haviam feito e Jesus, levando-os consigo, se retirou para um lugar deserto próximo de Betsaida. — 11. lnformadas disso, as turbas o seguiram e Jesus, recebendo-as, entrou a falar-lhes do reino de Deus e a curar os que precisavam ser curados. — 12. Ora, como o dia começasse a declinar, os doze vieram a ele e lhe disseram: Manda embora esta gente, a fim de que vá procurar alojamento e o que comer nas granjas e aldeias dos arredores, pois estamos num lugar deserto. — 13. Mas Jesus lhes disse: Dai-lhe vós mesmos de comer. Ao que eles replicaram: Só se formos nós OS QUATRO EVANGELHOS (II) 373

mesmos comprar comida para todo este povo, pois não temos mais do que cinco pães e dois peixes. — 14. Eram cerca de cinco mil pessoas. Disse então Jesus aos discípulos: Fazei que se assentem divididos em grupos de cinqüenta. -15. Os discípulos obedeceram e fizeram que todos se sentassem. — 16. Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu e os abençoou, depois os partiu e entregou aos discípulos para que os distribuíssem pela multidão. —17. Todos comeram, ficaram saciados e ainda encheram doze cestos com os pedaços que sobraram.

N. 173. Já vos temos falado da força de que dispunha Jesus, por efeito da sua potencialidade superior, para atrair os fluidos de que necessitava.

Pela ação da sua vontade poderosa sobre os Espíritos que o obedeciam pressurosamente, conseguiu ele, mediante transportes e o emprego de fluidos, multiplicar ao infinito a pequena quantidade de alimentos que os discípulos tinham à sua disposição. Preparados com os fluidos próprios à sua produção, os quais lhes davam as necessárias propriedades nutrientes, aqueles alimentos satisfaziam às exigências da matéria, bastando uma diminuta porção deles para saciar a fome mais devoradora.

Para que a multidão ficasse saciada, não bastaria que o Cristo o quisesse? Sem dúvida e para isso não lhe seria preciso mais do que reunir em torno dela os fluidos convenientes que, sendo aspirados, fariam cessar as exigências do estômago. Era, mister, porém, que, diante daqueles observadores materiais um efeito físico se produzisse. A multiplicação dos pães e dos peixes causou impressão muito maior do que houvera causado a vontade de Jesus atuando nos homens.

Para os apóstolos, os discípulos e a multidão foi com os pedaços em que Jesus dividiu os cinco pães e os dois peixes, pedaços que, multiplicados ao infinito, ele entregou aos apóstolos e estes distribuíram pelo povo, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 374

que todos se saciaram, dando ainda, depois de estarem todos satisfeitos, para encher doze cestos.

Foi isso que todos viram, esse o fato que se passara à vista de todos, o fato de que todos eram testemunhas e do qual todos haviam participado desde que comeram os pedaços dos cinco pães e dos dois peixes, partidos pelas mãos de Jesus e distribuídos pelos discípulos.

Foi isso e só isso o que viram, o que podiam atestar e atestaram.

Por lhes ser incompreensível e inexplicável, dada a ignorância de todos, dos apóstolos, dos discípulos e da multidão, relativamente à origem, às causas e aos meios ocultos que o produziram, o fato da multiplicação dos pães e dos peixes foi por todos considerado um "milagre". Foi e ainda o é pelos que se conservam estranhos à nova revelação.

Alguns homens, de coração simples e de espírito humilde, acreditaram na sua autenticidade, sem o compreenderem, firmados no testemunho dos apóstolos, dos discípulos e da multidão e na fé que lhes inspira a narração evangélica, baseada naqueles testemunhos.

Os outros ou fingiram acreditar por não ousarem negá-lo, ou o negaram e rejeitaram abertamente, encastelados na sua orgulhosa ignorância, pela simples razão de não o poderem compreender e não saberem explicá-lo.

E sem a nova revelação, que vos vem iniciar nos segredos de além-túmulo, na ciência espírita, que vos vem mostrar a origem, as causas e os meios ocultos por que se operou a multiplicação dos pães e dos peixes, este fato não seria ainda, para vós, um "milagre"?

Porventura vedes o que a todos os momentos se passa em torno de vós no mundo espiritual? Sem a nova revelação que vos trazemos, saberíeis que aquela OS QUATRO EVANGELHOS (II) 375

multiplicação se produziu pela ação espírita e pelo emprego de fluidos, uma vez que a ciência é impotente para comprová-la, por isso que não vê, não observa, não descobre senão com os olhos carnais? Saberíeis quais os meios ocultos que, com o auxílio daquele emprego, serviram para efetuar a multiplicação de que se trata?

Os evangelistas que, como os apóstolos, os discípulos e a multidão, não podiam compreender o fato, por ignorarem também a fonte, as causas e os meios que o produziram, se limitaram, e assim devia ser, a narrá-lo debaixo da influência mediúnica.

"Jesus, dizem eles, partiu com as mãos os cinco pães e os dois peixes, os deu aos discípulos e estes os deram ao povo; todos comeram e ficaram saciados e ainda levaram doze cestos cheios dos pedaços de pão e de peixe que sobraram".

Estas últimas palavras indicam que Jesus partia os pães e os peixes e dava os pedaços aos discípulos que os depositavam em cestos, onde os transportavam para distribuí-los pelo povo.

Os cestos eram os que as mulheres do Oriente costumam trazer à cabeça e que servem para o transporte de frutos e legumes, assim como para abrigá-las dos ardores do Sol. E muitas mulheres havia na multidão.

Antes que começasse a multiplicação dos pães e dos peixes, os discípulos, cumprindo o que Jesus lhes ordenara, haviam arrebanhado e colocado junto dele todos os cestos que as mulheres traziam.

Eis aqui agora como se operou a multiplicação: Tendo na mão os pães e os peixes, Jesus os envolvia em fluidos apropriados à produção de tais alimentos, fluidos produtores. Como deveis compreender, o Mestre, para multiplicá-los entre os seus dedos, atraía a si os fluidos próprios ao efeito desejado e os tomava visíveis e tangíveis, dando-lhes o aspecto, a forma, o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 376

sabor de pedaços de pão ou de peixes, pois que jamais os cinco pães e os dois peixes teriam fornecido pedaços, ainda que de tamanho mínimo, na quantidade que era precisa. Por esse meio ia ele substituindo nos pães e nos peixes as porções que deles tirava. Assim era que, com o auxílio dos fluidos produtores em que os envolvia, "multiplicava" os pães e os peixes e os pedaços em que os partia, pedaços que entregava aos discípulos e que estes colocavam nos cestos. No momento em que nos cestos eram depositados sob a forma de pedaços de pão e de peixe os produtos fluídicos obtidos por Jesus, logo a eles se juntavam os que os Espíritos, por sua vez, traziam e que imediatamente se tornavam visíveis e tangíveis. Esses fornecimentos de pedaços de pão e de peixes, os Espíritos os preparavam, nas mesmas condições dos que Jesus entregava aos discípulos, com o auxílio dos fluidos produtores e os depositavam, invisíveis, nos cestos vazios. A medida que os discípulos deitavam nestes os pedaços que recebiam de Jesus, aqueles Espíritos tornavam visíveis e tangíveis os pedaços que já lá haviam depositado. Assim, de um lado, Jesus e os Espíritos tiravam indefinidamente dos fluidos produtores, que o primeiro atraíra para junto de si, os elementos e os meios de multiplicação dos peixes e dos pães e, de outro lado, os discípulos tiravam dos cestos indefinidamente os pedaços de pão e de peixe cuja provisão se renovava por si mesma, mas sempre mediante a intervenção dos Espíritos prepostos à produção de tal efeito, que se verificava à medida que os discípulos ali depositavam os pedaços que recebiam de Jesus.

Foi por esse processo que, pela ação de Jesus e dos Espíritos superiores que invisivelmente o cercavam, se operou a multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes e que os pedaços partidos pelo Mestre pareciam às vistas carnais multiplicar-se infinitamente nas suas mãos e delas saírem para os cestos. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 377

Sabeis que o Espírito não deixa ver o objeto que ele transporta senão quando quer se veja que está operando, caso em que torna visível o fluido que envolve o mesmo objeto e que serve para efetuar o transporte. Mas, sabeis igualmente que o Espírito pode tornar, à sua vontade, invisível, aos olhos grosseiros do homem, o objeto que transporta, só o fazendo visível quando e como queira. Os fluidos que envolvem o objeto transportado não são visíveis, senão querendo o Espírito que o sejam. Fora disso, o Espírito passa despercebido assim como o próprio objeto, que ele não submete à vista do homem senão quando julga oportuno o momento.

Se o houvesse querido, Jesus pudera ter produzido, ele só, o fato. Mas, os meios empregados eram mais prontos e mais fáceis para a consecução do fim visado. Com efeito, não era mais fácil e mais pronto que os Espíritos que o cercavam depositassem invisíveis, nos cestos vazios, os produtos que eles mesmos preparavam e os fossem tornando visíveis à medida que os discípulos ali depositassem os produtos que recebiam do Mestre, do que fazer este sair de suas mãos para as dos discípulos tudo o que fosse preciso para encher os ditos cestos?

Os produtos da multiplicação, tendo recebido as formas de pedaços de pão e de postas de peixe, como tais foram comidos. Não há aí de que vos espantardes. Os sonâmbulos magnéticos não tomam a água, o vinho, ou qualquer alimento como sendo o que se lhes diga que são? Não sabeis qual seja o poder da influência espírita no homem? Não compreendeis que fosse muito grande, sobre aqueles homens, a de Jesus e a da falange inumerável de Espíritos que o rodeavam? Não tendes visto aparecerem, sem que ninguém saiba como, sob a forma de coisas materiais, próprias para a alimentação humana, produtos obtidos com o em- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 378

prego de fluidos produtores e que têm, para o homem, o aspecto, o sabor dos produtos humanos que representam?

Todos comeram e ficaram saciados e doze cestos, dizem os evangelistas, foram levados, cheios dos pedaços que sobraram.

Não se vos diz o que foi feito desses doze cestos, nem que os cinco pães e os dois peixes estivessem com os apóstolos. Não se vos diz igualmente se os pedaços que sobraram foram conservados.

Isso tudo pouco importa. Quaisquer que tenham sido a quantidade dos pães e dos peixes, as pessoas que forneceram os cestos e o destino dado a estes e ao que continham, o que é real é que o fato produzido por Jesus se verificou. Eis tudo o que importa se saiba.

Deveis compreender que, numa multidão tão numerosa quanto aquela, há sempre uma certa agitação. Terminada a distribuição dos pães e dos peixes, os apóstolos deixaram atirados ao chão os cestos de que se tinham servido para fazê-la e foram tomar a barca, a fim de se transportarem à outra margem, onde, conforme à ordem recebida, esperariam o Mestre, que ficava assistindo à dispersão do povo.

Mais preocupados com as suas necessidades espirituais do que com as do corpo, que no momento se achavam satisfeitas, os apóstolos não cuidaram de mais nada. A influência oculta que sobre eles era exercida lhes dirigia a atenção para aquilo que os pudesse interessar, sempre que se fazia preciso desviá-la de outros pontos. A ordem que Jesus lhes dera de passarem, antes dele, para a outra margem, tinha por fim preparar um novo fato que se devia produzir.

Na sua retirada, desordenada e confusa, aquela tão grande massa de homens, de mulheres e de crianças ia tropeçando nas cestas, algumas das quais foram OS QUATRO EVANGELHOS (II) 379

apanhadas vazias, enquanto que outras lá ficavam esmagadas, sem que ninguém se preocupasse com elas nem com o seu conteúdo.

Os fluidos componentes dos produtos fluídicos que, sob as formas de pedaços de pão e de postas de peixe, sobraram da distribuição, voltaram à fonte donde tinham sido tirados, logo que, sob a ação espírita, desapareceu dos mesmos produtos a tangibilidade e tudo entrou de novo na ordem da humanidade.

Tudo fora preparado e previsto para a execução das obras do Mestre.

Notai, por último, que a narração evangélica, feita sob a influência mediúnica, tratando do fato que acabamos de apreciar, reproduz mais uma vez, como convinha que se desse sempre, as impressões e as apreciações humanas. Notai também que Jesus, segundo decorre dessas impressões e apreciações, teve por fim, como sempre, despertar e chamar sobre si a atenção de seus discípulos e da multidão, por maneira que, acreditando todos, como acreditavam, ser ele de uma natureza humana igual à dos outros homens, ficassem vivamente impressionados por seus atos e palavras.

Nota da Editora — Convém ver —João, VI, 1:15. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 380

MATEUS, Cap. XIV, v. 23-33. —MARCOS, Cap. VI, v. 46-52

Jesus e Pedro caminham por sobre o mar

MATEUS: V. 23. Tendo despedido o povo, subiu a um monte para orar; e, ao cair da noite, lá se achava ele só. — 24. Entretanto, a barca era impelida de um lado para outro pelas ondas no meio do mar, pois o vento era contrário. — 25. Mas, na quarta vigília da noite, Jesus veio ter com eles, caminhando por sobre o mar. — 26. Ao vê-lo andando sobre o mar, eles se turbaram e diziam: É um fantasma e, apavorados, se puseram gritar. — 27. Logo, porém, Jesus lhes falou assim: Tende confiança; sou eu; nada temais. — 28. Pedro lhe respondeu: Senhor, se és tu, manda que eu vá ao teu encontro caminhando sobre as águas. — 29. E Jesus lhe disse: Vem, e Pedro, descendo da barca, andou sobre a água em direção a Jesus. — 30. Mas, vendo que o vento estava forte, teve medo; e como começasse a submergir-se, bradou: Senhor, salva-me! — 31. Ato continuo, Jesus, estendendo-lhe a mão, o segurou e lhe disse: Homem de pouca fé, porque duvidaste? — 32. Assim que subiram para a barca, cessou o vento. — 33. Então, os que estavam na barca se aproximaram dele e o adoraram, dizendo: És verdadeiramente o filho de Deus.

MARCOS: V. 46. Depois de haver despedido o povo, subiu a um monte para orar. — 47. Ao cair da noite, a barca se achava no meio do mar; e Jesus estava só em terra. — 48. Vendo que seus discípulos tinham grande dificuldade em remar por lhes ser contrário o vento, Jesus, por volta da quarta vigília da noite, veio ter com eles, caminhando sobre o mar; e queria passar-lhes adiante. — 49. Eles, porém, desde que o viram caminhando sobre o mar, supuseram ser um fantasma e começaram a gritar; — 50, pois que todos o viram e ficaram apavorados. Ele logo lhes falou, dizendo: Tranqüilizai-vos, sou eu, nada temais. — 51. Subiu para a barca. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 381

onde eles estavam e o vento cessou, e eles ainda mais espantados ficaram; — 52, visto que não tinham compreendido a multiplicação dos pães: é que seus corações estavam cegos.

N. 174. Facilmente deveis compreender o fato de Jesus andar sobre as águas. Do mesmo modo que o Espírito pode atravessar os ares, podia Jesus, unicamente pela ação da sua vontade, privar o seu perispírito tangível do cunho humano que lhe ele imprimira e dar-lhe as condições etéreas das nossas formas espirituais.

No momento em que, caminhando por sobre o mar, veio ter com seus discípulos, ele se colocara nas condições perispiríticas das aparições. Seu corpo perispiritual, conservando a aparência do corpo humano, a visibilidade e a tangibilidade, era, quando deu a mão a Pedro, mais levedo que a água, do que as ondas do mar, tendo-se em vista o peso especifico destas.

Seus discípulos, como se vos diz, julgaram tratar-se de um fantasma, quando o viram a caminhar sobre as ondas. Ficaram sem saber se o que viam era mesmo o Mestre ou uma simples aparição. E que, nessa ocasião, como acabamos de dizer, Jesus se colocara nas condições perispiríticas das aparições que alguns deles já tinham podido observar. Em todos os tempos o mundo invisível esteve sempre em comunicação com a humanidade. Suas manifestações, que os homens não compreendiam por lhes desconhecerem as causas, passavam, mesmo na época do Cristo, por ser ou fantasias da imaginação, ou obra dos Espíritos malfazejos, ou ainda uma graça especial que o Senhor se dignava de conceder a esta ou àquela de suas criaturas na terra.

Entre os idólatras, vós o sabeis, essas aparições deram lugar a uma multiplicidade de deuses e deusas, dos quais foi vítima a credulidade do povo, explorada pela ambição ou pela cupidez. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 382

Os Judeus, como os outros povos, tinham, nas suas famílias, médiuns videntes, que às vezes observavam a aparição de um amigo, de um parente, ou mesmo de alguns de seus patriarcas e profetas, pois, não o ignorais, os Espíritos podem revestir todas as formas.

Daí vem o não ter Pedro, que era médium audiente e vidente muito adiantado, muito desenvolvido, e médium também de efeitos físicos, podido reconhecer a Jesus e o haver tomado por um fantasma. Ele via no Mestre apenas a aparência inconsistente das aparições que já observara. Só quando Jesus o segurou pela mão verificou o apóstolo que era realmente o Mestre, pois ainda não tivera ensejo de experimentar a tangibilidade nas aparições.

Estando Pedro decidido, pela sua fé, a obedecer a Jesus, ordenou este, mentalmente, aos Espíritos que o cercavam, prepostos ao efeito de sustentarem o apóstolo sobre as ondas, que o sustentassem e assim pôde ele caminhar também por sobre o mar. Foi ainda obedecendo a uma ordem mental de Jesus que os mesmos Espíritos deixaram que ele se submergisse um pouco, no momento em que lhe voltava a dúvida.

Não era preciso que Jesus desse a mão a Pedro para que este, caminhando com ele sobre as águas, voltasse à barca. O amparo dos Espíritos prepostos à sustentação do apóstolo houvera bastado. Jesus, porém, querendo demonstrar a Pedro ser mesmo o Mestre quem ali estava e quem o sustentava pelo seu poder, lhe estendeu a mão. De fato, assim era, porque, se Jesus não o houvesse ordenado, os Espíritos não teriam auxiliado a Pedro a manter-se em equilíbrio caminhando pela superfície do mar.

Conforme há pouco dissemos, Pedro era, para nos servirmos de uma expressão consagrada, médium de efeitos físicos da mais alta monta. Assim, foi com o auxílio dos fluidos nele existentes que os Espíritos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 383

11 Atos dos Apóstolos, cap. Xll, v. 6 e 7.

prepostos lograram sustentá-lo, de modo que pudesse caminhar sobre as ondas. Foi ainda graças a essa mediunidade que ele conseguiu, auxiliado pelos Espíritos prepostos à realização desse outro acontecimento, libertar-se das correntes com que o ataram na prisão 11, fato que vos explicaremos quando chegar o momento.

Mas, quando mesmo Pedro não fosse médium de efeitos físicos, nem por isso teria deixado de ser sustentado pelos Espíritos prepostos e de caminhar, com o auxílio deles, por sobre o mar, uma vez que o Mestre o quisesse. Desde que tal fosse a vontade de Jesus, os Espíritos reuniriam em torno de Pedro os fluidos de que necessitavam para sustentá-lo e o fato se produziria exatamente como se deu.

Logo que Jesus e Pedro entraram na barca, cessou o vento. Cessou porque assim o ordenou Jesus mentalmente aos Espíritos prepostos ao governo dos ventos e das águas. Reportai-vos quanto a isto, ao que dissemos (n. 118, pág. 105 deste volume) com relação à tempestade que se desencadeou no mar e que por ordem de Jesus cessou.

Então os que estavam na barca se aproximaram dele e o adoraram, dizendo: És verdadeiramente o Filho de Deus.

Para o homem, fatos que tanto o surpreendiam não podiam provir senão do próprio Deus. Ora, sendo Jesus quem servia de intermediário para a produção dos fatos "milagrosos", o apelido que ele a si mesmo dava de filho de Deus lhe valeu imediatamente, aos olhos dos homens, o cunho da divindade. Sem atinarem com o sentido genérico das palavras — meu pai — que ele freqüentemente empregava, falando do Criador universal, os homens lhes deram de pronto OS QUATRO EVANGELHOS (II) 384

o sentido restrito e assim o consideraram como tendo sido gerado pelo próprio Deus, como sendo, portanto, uma personificação da divindade. Em conseqüência, adoraram-no, o que deu lugar ao erro, que tão profundamente se arraigou, segundo o qual Deus, querendo salvar a humanidade e resgatar-lhe as faltas, se oferecera a si mesmo em holocausto de propiciação. Aliás, foi bom que tal erro se houvesse generalizado, pois que serviu àquela época e preparou o futuro reservado à nova revelação.

O homem, sempre orgulhoso do seu valor pessoal, tão importante aos olhos do Criador se julgou, que entendeu só poderem suas faltas ser resgatadas por este em pessoa. Só Deus, isto é, só aquele que, por efeito exclusivo de sua vontade, segundo o modo de ver do próprio homem, precipitaria, se o quisesse, num completo caos todos os globos disseminados pelo espaço infinito, poderia operar tal resgate, mediante um sacrifício, imolando-se a si mesmo, rebaixando-se, conseguintemente, ao nível de suas criaturas indignas. Só assim, sem dúvida, a vitima imolada seria digna daqueles cujo resgate representaria o preço da imolação. Orgulho, orgulho do homem, que sempre se considerou o rei da criação, quando não é mais do que um miserável inseto que passa, por assim dizer, despercebido, como o mosquito que voa num raio de sol.

Mas, a nova revelação, erguendo o véu que ocultava às vossas vistas a luz e a verdade, vem, na época que o Onipotente predeterminou, quando as inteligências se desenvolveram e o progresso se realizou, dar-vos a conhecer "quem é o filho" e fazer-vos compreender quais o objeto e o fim da missão terrena de Jesus, a que título e com que objetivo é ele o representante do Pai, no que respeita à terra e à humanidade, mostrar-vos enfim que é o vosso protetor, vosso governador e vosso Mestre. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 385

"O espanto, diz a narração evangélica, de que se tomaram os discípulos quando viram Jesus caminhando sobre o mar, mais ainda cresceu, ao verificarem que o vento havia cessado logo que ele entrara na barca; pois, não tinham compreendido a multiplicação dos pães. porque o coração deles estava cego."

Estas últimas palavras — "porque o coração deles estava cego" significam: — porque não procuravam compreender.

Seus olhos ainda estavam velados. Para os discípulos, a multiplicação dos pães se produzira, a bem dizer, por si mesma, pois que os pães e os peixes que Jesus partia pareciam renovar-se incessantemente nas suas mãos, do mesmo modo que nos cestos os pedaços se multiplicavam sem eles poderem ver por que meios e sem mesmo procurarem inteirar-se do fato. Não vos sucede algumas vezes ser testemunhas de acontecimentos que, na aparência, se produzem com derrogação das leis comuns à humanidade, observá-los sem os compreenderdes e sem sequer fazerdes o menor esforço por consegui-lo?

O caminhar Jesus por sobre as águas e a tentativa de Pedro para fazer o mesmo impressionaram mais os discípulos do que a multiplicação dos pães, porque, para o entendimento humano deles, o primeiro fato mais surpreendia, por isso que mais perceptível lhes era a impossibilidade de qualquer criatura transformar a superfície móvel do mar em terreno capaz de lhe resistir ao peso. Concorrendo cada um daqueles fatos, reciprocamente, para avivar a impressão do outro, ambos concorreram para que seus olhos se desvendassem e eles acabaram compreendendo os dois acontecimentos que, num só dia, presenciaram.

Compreenderam-no, não porque houvessem adquirido o conhecimento de suas origens e causas e dos meios por que se produziram, porquanto só à nova revelação estava reservado dar esse conhecimento aos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 386

homens, mas porque apreenderam que tais acontecimentos denunciavam a ação de uma potência tão superior ao homem, que somente podiam ter por autor Deus, constituindo assim "milagres" operados pela própria divindade.

Não foi por não terem compreendido o fato material da multiplicação dos pães que os discípulos se encheram de espanto vendo Jesus caminhar sobre as ondas. Foi porque, na ocasião, não encararam aquele fato como obra do próprio Deus, conforme o consideraram posteriormente. Se assim o tivessem considerado logo que se deu, não se teriam admirado do outro. O primeiro "milagre" os houvera feito compreender do mesmo modo o segundo.

Nota da Editora — Convém ver João, VI, 16:24. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 387

MATEUS, Cap. XIV, v. 34-36. —MARCOS, Cap. VI, v. 53-56

Curas operadas pelo contacto com as vestes de Jesus

MATEUS: V. 34. Tendo atravessado o lago, vieram eles à terra de Genesaré; — 35, e, reconhecendo-os, os do lugar espalharam a notícia por todo o país e lhe apresentaram todos os doentes; — 36, e lhe pediam que os deixasse apenas tocar na fimbria de suas vestes; e todos os que as tocaram ficaram sãos.

MARCOS: V. 53. Tendo atravessado o lago, vieram à terra de Genesaré onde aportaram. — 54. Assim que desembarcaram, os habitantes do lugar reconheceram a Jesus. — 55. Transmitiram a notícia a todo o país e começaram a trazer de todos os lados os doentes em seus leitos, para onde quer que ouviam dizer que ele estava. — 56. Em qualquer lugar que entrasse, burgo, aldeia, ou cidade, punham os doentes nas praças públicas e pediam lhes fosse permitido apenas tocar a fimbria de suas vestes; e todos os que nelas tocavam se curavam.

N. 175. Já vos explicamos o poder magnético de que dispunha Jesus. O tocar-lhe nas vestes, fato que, devido à ignorância das causas e dos efeitos, os homens tinham por "milagroso", não passava de um meio material que lhes era indispensável.

A cura se operava pela ação da vontade daquele que exercia poder soberano sobre os elementos etéreos.

Os doentes se curaram todos, não por terem tocado na fímbria das vestes de Jesus, mas pela ação de sua vontade poderosa, como acabamos de dizer, pela ação magnética que ele exercia, pela emissão que fazia, sob o influxo desta ação, dos fluidos apropriados a cada espécie de doença, os quais eram dirigidos para o organismo do doente. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 388

MATEUS, Cap. XV, v. 1-20. MARCOS, Cap. VII, v. 1-23

Mãos não lavadas. — Tradições humanas. — Escândalo a desprezar. — Guias cegos. Verdadeira impureza. — O que vem do coração é que suja o homem, que o torna impuro.

MATEUS: V. 1. Então alguns escribas e fariseus que tinham vindo de Jerusalém se aproximaram de Jesus e lhe disseram: — 2. Por que transgridem teus discípulos a tradição dos antigos, não lavando as mãos antes de comer? — 3. Respondeu-lhes ele: E por que transgredis vós os mandamentos de Deus em obediência à vossa tradição? Deus disse: -4. "Honra a teu pai e a tua mãe"; e: "Seja punido de morte aquele que houver ultrajado a seu pai ou a sua mãe". — 5. Vós, porém, dizeis: Quem quer que haja dito a seu pai ou a sua mãe: "Tudo que ofereço a Deus vos é útil", satisfaz à lei, — 6, embora, em seguida, deixe de honrar e assistir a seu pai e a sua mãe. Tornastes assim nulo o mandamento de Deus pela vossa tradição. — 7. Hipócritas, bem profetizou de vós lsaías, dizendo: — 8. "Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. — 9. E pois em vão que me honram ensinando doutrinas e mandamentos dos homens." — 10. E, chamando para perto de si a multidão, disse: Ouvi e compreendei: — 11. Não é o que lhe entra pela boca o que suja o homem. — 12. Então, os discípulos, aproximando-se, lhe disseram: Sabes que os fariseus, ouvindo o que acabaste de dizer, se escandalizaram? — 13. Ele respondeu: Toda planta que meu pai celestial não plantou será arrancada pela raiz. — 14. Deixai-os, são cegos a conduzir cegos; ora, se um cego se faz guia de outro cego, cairão ambos no fosso. — 15. Disse então Pedro: Explica-nos essa nova parábola. — 16. Jesus lhe replicou: Também vós ainda sois tão baldos de inteligência? — 17. Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce ao ventre e é em seguida lançado em lugar OS QUATRO EVANGELHOS (II) 389

escuso? — 18. Mas o que sai da boca vem do coração e é o que mancha o homem, o torna impuro; — 19, pois que do coração vêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os roubos, os falsos testemunhos, as blasfêmias, as maledicências. — 20. Estas as coisas que mancham o homem; mas, comer sem ter lavado as mãos não o torna impuro.

MARCOS: V. 1. Alguns escribas e fariseus vindos de Jerusalém foram ter com Jesus; — 2, e, tendo visto seus discípulos tomarem a refeição com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado, os censuraram; — 3, pois os fariseus e os Judeus não comem sem terem lavado as mãos muitas vezes, guardando a tradição dos antigos. — 4. E quando voltam da praça pública não comem sem se haverem banhado, tendo muitos outros costumes mais, cuja observância lhes foi transmitida pela tradição e eles conservam, como o de lavarem os copos, os jarros, os vasos de bronze e os leitos. — S. Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e os escribas: Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos, comendo sem terem lavado as mãos? — 6. Jesus respondeu: Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, conforme está escrito: "Este povo me honra com os lábios, mas o seu Coração está longe de mim; — 7, é em vão que me honram ensinando doutrinas e mandamentos dos homens" — 8, pois, deixando de lado o mandamento de Deus, observais com cuidado a tradição dos homens, lavando os jarros e os cálices e fazendo muitas outras coisas semelhantes. — 9. E lhes dizia: Anulais totalmente o mandamento de Deus, para guardardes a vossa tradição. — 10. Assim, enquanto que Moisés disse: Honrai a vosso pai e a vossa mãe; e: Seja punido de morte aquele que houver ultrajado a seu pai ou sua mãe; — 11, vós dizeis: Se um homem diz a seu pai ou a sua mãe: "Tudo o que ofereço a Deus vos é útil", ele satisfaz à lei. — 12. E lhe permitis que não faça mais coisa alguma por seu pai ou sua mãe. — 13. Revogais assim a palavra de Deus pela tradição, que vós mesmos estabelecestes e deste modo fazeis muitas outras coisas semelhantes. — 14. Chamando novamente o povo para perto de si, disse: Ouvi-me vós todos e compreendei: — 15. Nada há do que existe fora do homem que, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 390

entrando nele, o possa manchar, tornar impuro; o que sai do homem é que o mancha e torna impuro. — 16. Se alguém tiver ouvidos de ouvir ouça. — 17. Logo que, apartando-se do povo, entrou em casa, seus discípulos lhe perguntaram o que queria dizer aquela parábola; — 18, e ele lhes disse: Tão pouco inteligentes ainda sois? Não compreendeis que tudo o que está fora do homem, entrando nele, não pode sujar, tornar impuro; — 19, pois que nada disso lhe entra no coração e sim desce ao ventre, donde as fezes da alimentação têm que ser expelidas e lançadas no lugar secreto? — 20. E acrescentava: O que macula o homem é o que sai do próprio homem; — 21, pois de dentro dos corações dos homens é que saem os maus pensamentos, os adultérios, as fornicações, os homicídios, — 22, os roubos, as avarezas, as iniqüidades, as felonias, o orgulho, os desregramentos. — 23. Todos estes males vêm de dentro do coração do homem e o mancham.

N. 176. Como Jesus, também nós vos dizemos: desconfiai das tradições. As palavras dirigidas pelo Justo aos fariseus com inteiro cabimento se aplicam aos tempos de hoje. Desconfiai das tradições, pois que elas deturparam a lei de amor, de perdão, de olvido das ofensas, de mútuo auxilio, que Jesus pregou. Dessa lei suave a tradição fez o que já fizera da de Moisés. Deixai, portanto, de lado a tradição. Retornai, retornai singelamente ao Cristianismo do Cristo, segui-lhe os conselhos fraternais, caminhai pelas sendas que traçou e deixai que os orgulhosos fariseus dos vossos dias se escandalizem. Eles falam e procedem com relação a vós outros espíritas exatamente como falaram e procederam com relação a Jesus os fariseus de outrora. Deixai se escandalizem, porquanto também serão forçados a abandonar suas tradições e a voltar para aquela lei, mãe de todas as virtudes. Preservai-vos de tudo o que vos possa sujar. Não pronuncieis nenhuma palavra, não pratiqueis ato algum que a vossa consciência condene, ainda que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 391

muito ligeiramente. Não vos entregueis a nenhum pensamento mau. Conduzi-vos com simplicidade, tirando boas coisas do bom tesouro do vosso coração e repartindo-as com os vossos irmãos, a fim de que por toda parte nasçam abundantes as virtudes e se encham de paz os corações.

Os Hebreus, fazendo um voto ou uma oferenda, podiam dispor, em favor do culto, de uma certa parte de seus bens. Desde então, pretextando que essa parte representava tudo o de que poderiam dispor em beneficio de seus pais, se consideravam dispensados de lhes prestar assistência. Alegavam, para se justificarem, que do que ofereciam ao Senhor os pais aproveitariam sob a forma de bênçãos celestes. Hipocrisia, tanto do ímpio, que desse modo profanava a divindade, quanto do sacerdote indigno, que tolerava e animava semelhantes profanações.

Esse o exemplo que Jesus escolheu para induzir os escribas e os fariseus a refletirem sobre o que chamavam — a tradição dos antigos, a rejeitarem tudo o que essa tradição encerrava de contrário à lei divina, tal qual o Senhor a revelara por intermédio de Moisés e dos profetas. Esse o exemplo que o Mestre escolheu para os reduzir ao silêncio, antes de dizer à multidão:

"Escutai-me e compreendei: Nada há fora do homem, que, entrando nele, o possa sujar, tornar impuro. Não é o que entra na boca do homem o que o suja, que o torna impuro; o que sai da boca do homem é que o suja, que o torna impuro. Se algum de vós tem ouvidos de ouvir, que ouça."

Os costumes aditados às leis reais é que constituíam a tradição dos antigos. O termo “costumes", aqui, indica — todas as doutrinas, prescrições, preceitos e mandamentos oriundos dos homens e por eles estabelecidos. Por leis reais designamos — as leis OS QUATRO EVANGELHOS (II) 392

12 Ver a este respeito a explicação dos mandamentos (Decálogo).

divinas que, em obediência à vontade do Senhor, foram reveladas aos Hebreus por Moisés, seja a que ele recebeu no monte Sinai, mediante uma manifestação espírita12, seja as que recebeu como médium inspirado, audiente, mediante, pois, manifestações espíritas também, porquanto, bem o sabeis, Deus não se comunica diretamente com os homens.

Vós outros cristãos tendes igualmente a vossa tradição dos antigos, representada pelas doutrinas, pelos preceitos, prescrições e mandamentos que os homens formularam, alterando, deturpando, falseando, com os seus acrescentamentos, a lei divina, que, em obediência à vontade de Deus, Jesus lhes revelou, mediante uma manifestação espírita, qual o foi o seu aparecimento na terra, seguido da aparente vida humana que teve, durante o desempenho da sua missão. Aquela lei, com exclusão de qualquer outra, se contém integralmente na palavra do Mestre, na palavra evangélica que, velada pela letra enquanto era isso necessário, constituiu a base, o fundamento e a fonte da nova revelação, que a vem explicar, tornar compreensível e desenvolver, em espírito e em verdade, na época marcada pelo Senhor para o advento do espírito que vivifica, em substituição da letra que mata.

Assim como Jesus veio combater, entre os Hebreus, a tradição dos antigos, arrancando desse modo toda planta que pelo pai celestial não fora plantada, também hoje o Espírito da Verdade, que representa o Cristo, complemento e sanção da verdade, vem, pela nova revelação, pelos Espíritos do Senhor, seus enviados, e mediante manifestações espíritas, combater entre vós tudo o que constitui a tradição dos antigos, arrancando igualmente toda planta que pelo pai celestial não foi plantada. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 393

O que Jesus disse aos escribas e fariseus daquela época se aplica aos escribas e fariseus de hoje, os quais, repelindo e rejeitando a nova revelação, trazida aos homens pelos Espíritos do Senhor, órgãos do Espírito da Verdade, se esforçam também por manter a tradição dos antigos, honram a Deus com os lábios, ensinando doutrinas e mandamentos humanos, com o que o honram em vão. Efetivamente, pode Deus admitir a pureza exterior, quando vê que o coração está sujo? Pode aceitar o culto dos lábios, quando vê que o coração se conserva frio? Pode abençoar o homem e perdoar-lhe, quando vê que este amaldiçoa e se vinga? Honrai a Deus, homens, do fundo dos vossos corações; submetei-vos, com simplicidade, à lei de amor que ele vos impõe; não sejais sepulcros caiados por fora; fazei que a pureza resida nas vossas almas, qualquer que seja o invólucro que a encerre.

"Toda planta que meu pai celestial não plantou, disse Jesus, será arrancada."

Dando esta resposta aos discípulos, que lhe diziam estarem os fariseus escandalizados, o pensamento de Jesus abrangia aquele momento e o futuro.

Com relação àquela época, havia nas suas palavras alusão às doutrinas e mandamentos humanos que a era hebraica produzira e que alteraram, desnaturaram, falsearam a lei divina do amor a Deus e ao próximo, lei que no Decálogo fora, por intermédio de Moisés, revelada aos Hebreus e que lhes traçara a via da moral, do dever, do progresso.

Com relação ao futuro, havia naquelas palavras uma alusão às doutrinas e mandamentos que o Mestre, com a presciência que tinha das fases e das condições do progresso humano, sabia que os homens viriam a promulgar, alterando, desnaturando, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 394

falseando a lei de amor, a moral sublime que os seus ensinamentos e exemplos revelavam e se resumiam nestes dois mandamentos, que ele não prescreveu para os limites acanhados de uma nacionalidade, mas para todos os homens da terra, dizendo que toda a lei e os profetas se acham neles encerrados: "Amai-vos uns aos outros; — amai a Deus sobre todas as coisas e ao vosso próximo como a vós mesmos"; — "procedei sempre com os outros como quereríeis que procedessem convosco". Quer isto dizer: não façais nunca aos outros, nem material, nem moral, nem intelectualmente, quer nas relações sociais, quer nas de família, quer no trato íntimo, seja por palavras, seja por atos, o que não quereríeis que vos fizessem; do mesmo modo, fazei aos outros todo o bem que desejaríeis vos fizessem, se na posição deles estivésseis.

Aludia ainda Jesus às doutrinas e mandamentos humanos que viriam alterar, desnaturar, falsear o culto, todo espiritual, que ele viera instituir na terra: culto interior da alma, consistindo na pureza do coração, na retidão da consciência e na prática das boas obras, tendo por símbolo divino e único a justiça, o amor, a fraternidade, a liberdade e a igualdade perante Deus e perante os homens, a unidade e a solidariedade humanas entre todos, Judeus e Gentios.

Aludia também às doutrinas e mandamentos que os homens estabeleceriam como fruto de suas interpretações e que alterariam, deturpariam, falseariam o sentido da revelação que, sob o véu da letra, fora dada de sua origem, e o sentido, igualmente velado pela letra, das palavras que ele pronunciara, originando-se de tais interpretações os preceitos materiais, disciplinares, que ainda hoje se observam, e os dogmas, outros tantos mandamentos de instituição humana, os quais, como aqueles preceitos, serão arrancados, pois são plantas que o pai celestial não plantou. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 395

Contudo, nada disso vos deve merecer censura. Tinha que ser assim, por efeito do livre arbítrio do homem e dos esforços e lutas do pensamento, de acordo com os preconceitos, as tradições e o estado das inteligências. Tais tinham que ser as condições e as fases do progresso humano.

Assim como a era hebraica preparou o advento da era cristã, também esta, sob o império e o véu da letra, preparou o advento da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita. O reinado da letra preparou o reinado do Espírito, ainda para vós futuro, que se inicia com a nova revelação, com a revelação da revelação.

Sim, toda planta que o Pai celestial não plantou será arrancada. Estais pelo Mestre prevenidos de que, seja qual for o motivo que daí tirem os fariseus de hoje para se escandalizarem, tudo o que não provier da fonte pura será rejeitado, a fim de que o homem recomece a sua trajetória e avance, guiado pela fé, pela esperança e pelo amor. Em nome de Jesus e repetindo-lhe as palavras, nós vos dizemos: Que os que têm ouvidos de ouvir ouçam, porquanto chegaram os tempos de se cumprirem estas palavras: a letra mata, o espírito vivifica.

O Espírito da Verdade vem começar e levar por diante aquela obra de luz, de progresso, de regeneração. Vem destruir as doutrinas humanas, os mandamentos humanos e reconduzir os homens ao Cristianismo do Cristo; vem recordar-lhes, explicando-o e desenvolvendo-o em espírito e em verdade, tudo o que Jesus disse; vem ensinar-lhes toda a verdade, progressivamente, na medida do que puderem ir suportando; vem encaminhá-los para a unificação das crenças. E não está longe o tempo em que as diversas opiniões se congregarão ao derredor de uma só verdade, esta: Deus, uno, único e indivisível, criador incriado de tudo que é; — Jesus, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 396

puramente Espírito, Espírito puro e perfeito, protetor e governador da Terra e da humanidade terrena; e os Espíritos do Senhor, Espíritos purificados, submetidos ao suave e bem-amado poder do nosso chefe, recebendo dele as ordens do pai comum e servindo de instrumentos da vossa regeneração e da vossa felicidade. É o que a palavra evangélica, sob o véu da letra, designa por: Pai, Filho e Espírito Santo.

O Espírito da Verdade vem reconduzir os homens à compreensão e à prática, em espírito e em verdade, da lei divina, tal como Jesus a revelou; vem, assim, reconduzi-los à prática da justiça, do amor e da caridade e, conseguintemente, à liberdade de pensamento e de ação, origem e meio de todos os progressos, à prática da igualdade perante Deus e perante os homens, pela observação de recíproca tolerância, pela simplicidade de coração, pela humildade de espírito, pelo desinteresse, pela renúncia de si mesmo, pelo devotamento, virtudes que trazem consigo a predominância do Espírito sobre a matéria, a afabilidade e a benevolência de todos para com todos, a severidade de cada um para consigo e a indulgência para com os outros.

O Espírito da Verdade vem induzir os homens a deixarem de adorar o pai no alto do monte ou em Jerusalém; vem torná-los de mais em mais, abstração feita dos cultos exteriores que ainda os separam e dividem, os adoradores que o pai quer ter, seus verdadeiros adoradores em espírito e em verdade.

"Deixai-os, dizia Jesus aos discípulos, falando dos fariseus de então, que rejeitavam a revelação por ele trazida aos homens, deixai-os, são cegos a conduzir cegos; ora, se um cego conduz outro cego, ambos cairão no fosso."

Estas palavras do Mestre se aplicam também aos fariseus dos vossos dias. Os que se obstinam em OS QUATRO EVANGELHOS (II) 397

caminhar nas trevas, arrastando consigo seus irmãos, sofrerão as mesmas penas que estes, até que abram os olhos. A expiação, porém, para os que houverem persistido em se fazer condutores de cegos, será mais longa e mais dolorosa do que para o cego que eles hajam conduzido e feito cair consigo no fosso. Que os que têm ouvidos de ouvir ouçam.

"Fora do homem, disse Jesus, não há coisa alguma que, entrando nele, o possa sujar, tornar impuro; o que o suja e torna impuro não é o que lhe entra pela boca, pois que isso não lhe vai ao coração e sim ao ventre, donde sai para o lugar secreto tudo o que, nos alimentos, se separa do que servia para a nutrição do corpo e deva ser expelido. O que sai da boca do homem é que o suja, que o torna impuro, porquanto o que sai da boca do homem vem do coração e do coração é que vêm e saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os roubos, os furtos, a avareza, a felonia, as impurezas, a dissolução, o olhar perverso, invejoso (a cobiça), os falsos testemunhos, as maldades (toda e qualquer ação má, culposa), as blasfêmias, as maledicências (toda e qualquer palavra que traduza um mau pensamento, quer contra o Criador, quer contra os outros homens), o orgulho, a altivez (fruto do grande apreço de si mesmo, do seu mérito pessoal, do ponto de vista da inteligência ou da condição social, sentimento que leva o homem a desprezar seus irmãos ou a tratá-los com sobranceria e desdém), a loucura (transbordamentos do Espírito, que levam irrefletidamente a excessos criminosos)."

Com esse ensinamento quis Jesus que os apóstolos e, por intermédio deles, todos os homens compreendessem que os preceitos relativos aos alimentos, à natureza destes, à prática do jejum material, das privações corporais, destituídas de utilidade e proveito para o próximo, eram e são vãos e inúteis aos olhos de Deus. Quis fazer-lhes compreender que só havia, que só há um jejum agradável a Deus e que ele OS QUATRO EVANGELHOS (II) 398

admite: o jejum moral, espiritual, que se resume na abstenção de tudo o que seja mal, isto é: de tudo o que, nos pensamentos, nas palavras e nos atos, seja contrário à lei divina, evangelicamente revelada, de justiça, de amor, de caridade, de fraternidade.

Não vos admireis de que os que chamaram a si a sucessão dos apóstolos, os que se declararam seus herdeiros e se disseram infalíveis, hajam, no que respeita aos mandamentos humanos, às práticas materiais, ao jejum material, enveredado pela senda dos escribas e dos fariseus. Não vos admireis de que, passados dezoito séculos após a explicação que, respondendo a Pedro, Jesus deu aos apóstolos, nos vejamos obrigados a repetir: "Como estais ainda baldos de inteligência! quão pouco inteligentes sois!"

A Igreja que os homens instituíram era humana e, portanto, obrou humanamente quando, atendendo às suas necessidades, fez se curvassem as frontes dos que lhe podiam criar embaraços, dominou a matéria por meio de leis materiais e obstou ao desenvolvimento das inteligências, que, do contrário, um dia compreenderiam que ela se transviara. A falta da Igreja não consistiu em haver usado do seu poder material numa época em que os homens precisavam de freios e em que só ela se achava nas condições de lhos impor. Qual então a sua falta? A falta da Igreja consistiu na sua inércia, no seu espírito estacionário e mesmo retrógrado. Os séculos passaram trazendo cada um o seu contingente de civilização, de progresso, de luz. Só a Igreja se obstina em manter sobre os homens o véu com que lhes cobre as inteligências; ela persiste em perpetuar a infância da humanidade, quando esta, em plena virilidade, se debate por lhe fugir aos entraves. Esforço vão o dela: a seu mau grado o homem usará da sua inteligência. E quantos, impelidos pela inteligência a que ela não quis amoldar-se, a repu- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 399

diaram, considerando-a demasiado velha para lhes satisfazer às aspirações da alma! Uns chamaram em seu auxílio o nada; outros esperaram, por não saberem nem negar, nem crer. Aproxima-se, porém, a hora da libertação. As faixas vão cair e o espírito humano, regenerado, esclarecido, esquecerá todos os maracás que a Igreja ofecere à infância, se armará francamente com as armas do Cristo e entrará na liça. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 400

MATEUS, Cap. XV, v. 21-28. —MARCOS, Cap. VII, v. 24-30

A mulher cananeiana

MATEUS: V. 21. Partindo dali, Jesus se retirou para os lados de Tiro e de Sídon. — 22. E uma mulher cananeiana, vindo dessa região, lhe bradou: Senhor, filho de David, tem piedade de mim; minha filha está sendo cruelmente atormentada pelo demônio. — 23. Jesus não lhe respondeu uma só palavra e seus discípulos, aproximando-se, lhe rogaram: Faze o que ela pede, a fim de que se vá embora, pois vem gritando no nosso encalço: — 24. Ele respondeu: Não fui mandado senão para as ovelhas perdidas da casa de Israel. — 25. A mulher afinal se aproximou dele e o adorou, dizendo: Senhor, socorre-me. — 26. Ele lhe respondeu: Não convém pegar do pão dos filhos e dá-lo aos cães. — 27. Replicou-lhe ela: Sim, Senhor; mas, os cãezinhos comem ao menos as migalhas que caem das mesas de seus amos. — 28. Disse então Jesus: Mulher, grande é a tua fé: seja-te feito como desejas. E no mesmo instante lhe ficou a filha curada.

MARCOS: V. 24. Dali partindo, foi Jesus para os confins de Tiro e de Sídon; entrou numa casa, desejando que ninguém o soubesse, mas não pôde ocultar-se; — 25, por isso que uma mulher cuja filha se achava possessa de um Espírito impuro, tanto que ouviu dizer achar-se ele ali, entrou e se lhe prostrou aos pés. — 26. Ela era gentia e de origem siro-fenícia. Suplicou-lhe que expulsasse da filha o demônio. — 27. Jesus lhe disse: Deixa que primeiro se saciem os filhos; pois, não se deve tomar do pão dos filhos para dá-lo aos cães. — 28. Ela, porém, respondeu: É verdade, Senhor; mas, os cãezinhos, debaixo da mesa, comem ao menos as migalhas das crianças. — 29. Ele então disse: Vai, que, por efeito do que acabas de dizer, já o demônio saiu de tua filha. — 30. Ao regressar a casa, verificou ela que o demônio saíra de sua filha, achando-se esta deitada no leito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 401

N. 177. Ai tendes uma apreciação da marcha do Cristianismo e da do Espiritismo que vem concluir a obra.

Jesus, que era todo amor e caridade, não repeliu a sério aquela mulher, nem o fez pelo fato de ela não pertencer à nação judia. Fê-lo para dar uma lição aos homens, mostrando-lhes que, por muito distanciado que se esteja das crenças cristãs, a fé em Deus pode operar o "milagre" que se lhe pede.

Que fora o que impelira a mulher a vir ter com o Mestre, senão a confiança que depositava na sua missão divina? Quem lhe inspirou a resposta que deu a Jesus, senão a sua fé viva, a sua confiança sem limites?

Podeis todos ser como a Cananeiana. Podeis todos, todos sem exceção, obter o que pedirdes, pela força e pela tenacidade da vossa fé. De nada serve que eleveis o coração a Deus, se, por não haverdes obtido logo o que pedistes, vos deixais abater e desanimais.

E necessária a perseverança na fé. Cumpre que o homem compreenda, como a Cananeiana, que o "milagre pedido se pode operar fora de suas vistas e que regresse com paciência a casa para verificá-lo. Falemos mais claramente e ao alcance de todas as inteligências: o que pedirdes com fé e perseverança sempre vos será concedido, mas nem sempre em condições que os vossos sentidos grosseiros possam no mesmo momento apreciar. Muitas vezes a graça humana que pedis não produz frutos senão na eternidade; mas, ficai certos que produz.

Compreendei bem quais o motivo e o fim que levaram Jesus a falar e a proceder com a Cananeiana da maneira por que se vos refere acima. Assim procedeu para dar uma lição e um exemplo, necessários àquela época e ao futuro. Fazia-se mister OS QUATRO EVANGELHOS (II) 402

chamar a atenção dos Judeus para a fé, a perseverança daquela mulher, cuja crença tanto diferia da deles. Cumpria também, para firmeza da obra empreendida, que, por mais algum tempo, ele deixasse medrar a crença na supremacia deles aos olhos do Senhor. Notai que só ao cabo da sua missão e unicamente aos discípulos disse Jesus que fossem pregar por toda a terra. Nas suas prédicas públicas nenhuma alusão faz aos Gentios, parecendo concentrar toda a sua atenção no povo judeu.

Para os Judeus, os filhos eram eles. Para Jesus, os filhos eram e são os que crêem e seguem a lei divina.

Ainda hoje, a Igreja, como os Judeus outrora, pretende ter o privilégio de constituir a família divina. Os Judeus que restam espalhados pela terra se consideram como os "verdadeiros filhos".

E vós? Não diremos que vós somente sois os filhos, que só das migalhas que deixais cair se alimentam, debaixo da mesa, os cãezinhos; mas vós os espíritas estais mais perto do que todos os outros de merecer o qualificativo de filhos de Deus.

Sede, pois, o que devem ser os que desejem usar dignamente desse grandioso título; tende fé forte e vivaz; tende a coragem das vossas opiniões e dos vossos atos; não transijais nunca com a vossa consciência; recebei o pão destinado aos "filhos", mas distribuí-o copiosamente com os "cãezinhos" que, famintos, pedem lhes seja permitido partilhar do alimento sagrado: o pão de vida e de verdade. Repetimos, porém: para isso é necessária uma fé viva, ativa e produtiva, que não descoroçoa com coisa alguma, que nada teme; é preciso um amor fecundo, que espalhe por toda a terra a semente santa e a force a dar bons frutos; é preciso, e aqui está para vós a maior dificuldade, uma abnegação completa, um absoluto OS QUATRO EVANGELHOS (II) 403

esquecimento das ofensas, uma caridade do coração e dos lábios, que não só perdoe, como ainda esqueça que tenha havido ofensa, um amparo, um concurso mútuos, mediante os quais o mais forte, o mais destro, o mais inteligente, o mais rico, sustente o que lhe é inferior, sem que este o perceba sequer. Disseram-vos, num falar criminoso, que a falta oculta era absolvida. Nós vos dizemos, em verdade, que o beneficio e o perdão ocultos são dez vezes maiores do que os que se ostentem ou reclamem agradecimentos.

Sede, pois, perfeitos, o bem-amados, quanto vo-lo permita a imperfeição da vossa natureza. Podeis muito, podeis mais do que ousais esperar. Ponde, portanto, em jogo todos os recursos da vossa inteligência, todas as forças da vossa alma para adquirirdes essa perfeição que vos exigimos. Ela se exalará dos vossos corações como fecundante perfume e nivelará, em toda a Terra, a condição humana, espalhando e fazendo frutificar em todos os corações as virtudes que vos pregamos.

Lançai, lançai em profusão as migalhas do pão que vos é dado, a fim de que os "cãezinhos famintos" se elevem à categoria de "filhos" do Senhor.

Deixai que se saciem os filhos, isto é, todos os homens de boa vontade que, sejam eles quais forem, sejam quais forem os cultos exteriores ou as crenças que os separem, buscam com fé a luz e a desejam receber. Deixai que se saciem antes dos cãezinhos que se conservam afastados da mesa donde caem abundantemente as migalhas do pão de vida e de verdade, que até rejeitam esse pão quando lhes é oferecido. Estes últimos são os que, incrédulos ou materialistas, intolerantes ou fanáticos, repelem a nova revelação, como os escribas e os fariseus repeliram a palavra do Cristo e depois a dos apóstolos.

Sim, os filhos, hoje, são os que procuram a verdade, esforçando-se por trilhar as sendas da justiça, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 404

da caridade, do amor, da fraternidade. Perante o Senhor, os homens não são nem católicos, nem cristãos, nem judeus, nem muçulmanos, nem pagãos, nem heréticos, nem ortodoxos. Eles se dividem apenas em submissos à lei divina e em rebelados contra ela. Quem quer que, em verdade, se esforce por andar nas veredas do Senhor, seja qual for a designação que lhe dêem, é filho do pai de família.

Quanto à cura da filha da Cananeiana, já demos as explicações necessárias tratando de assuntos análogos. Está entendido que ela se achava subjugada por um Espírito mau.

O obsessor a trazia sempre em movimento e a impelia a não se sujeitar aos hábitos humanos, isto é: aos hábitos que o homem mais ou menos civilizado se impõe. Jesus a libertou, ordenando mentalmente ao obsessor que dela se afastasse e a sua libertação se verificou no instante mesmo em que a ordem foi dada. Liberta da subjugação, a filha da Cananeiana retomou os hábitos próprios do seu meio e sentiu a necessidade de um repouso que havia muito não tinha. Daí vem que a sua mãe a foi encontrar deitada no leito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 405

MARCOS, Cap. VII, v. 31-37

Cura de um surdo-mudo

V. 31. Deixando as cercanias de Tiro, veio Jesus, por Sídon, ao mar da Galiléia, atravessando o território de Decápolis. — 32. Trouxeram-lhe um surdo-mudo e lhe pediram que impusesse as mãos nele. — 33. Jesus, fazendo-o sair do meio da multidão e levando-o para um lado, lhe pôs os dedos nos ouvidos e saliva na língua. — 34. E, levantando os olhos para o céu, suspirou e disse: Eph pheta, isto é: "abri-vos". — 35. Logo se abriram os ouvidos ao surdo-mudo e se lhe soltou a língua, entrando ele a falar distinta-mente. — 36. Jesus a todos recomendou que nada dissessem a ninguém; porém, quanto mais ele o proibia, tanto mais divulgavam o que viam. — 37. E cada vez mais admirados diziam: Ele tudo tem feito; tem feito que os surdos ouçam e que os mudos falem.

N. 178. Já por muitas vezes temos tratado de casos análogos.

Jesus, o grande médico das inteligências, atuava então sobre a matéria, impressionando os sentidos grosseiros e materiais do homem. Hoje, porém, diante da multidão imensa que é a humanidade, ele se aproxima dos surdos e dos cegos, toca-os com o seu bendito dedo e diz: Eph pheta.

Abri-vos, inteligências entorpecidas; abri-vos, olhos vendados pela matéria; abri-vos para escutar as vozes dos Espíritos do Senhor que vos trazem seus ensinamentos, que vos ensinam a sua lei; abri-vos para contemplar a aurora do novo dia, do dia em que vos é trazida, da parte do Senhor, a liberdade, que implica o uso livre da razão, a apreciação dos fatos e das coisas, a aplicação da ciência e a marcha progressiva em todos os terrenos. A liberdade é o oposto da escravidão. A liberdade que o Senhor vos concede é o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 406

despedaçamento das cadeias que a escravização humana vos impunha. Tende, pois, livre a consciência e não queirais outro guia que não seja o amor a Deus acima de tudo e ao próximo mais do que a vós mesmos.

"Para operar a cura do surdo-mudo, Jesus, diz o evangelista, lhe pôs os dedos nas orelhas e saliva na língua e, elevando o olhar para o céu, suspirou e disse: Eph pheta: abri-vos".

Foi um exemplo dado aos discípulos, aos homens. Por ato exclusivo da sua vontade, unicamente pela sua força magnética, podia o Mestre restituir ao surdo-mudo a faculdade de ouvir e de falar. Mas, tanto os discípulos como os que os seguiam precisavam concentrar suas forças e usar da prece para alcançarem o resultado almejado, obtendo dos Espíritos superiores o necessário auxílio, consistente em escolherem e lhes porem nas mãos os fluidos apropriados. Era, portanto, preciso que o Mestre lhes ensinasse os diversos meios que tinham ao seu alcance, quando houvessem de operar.

Que, de dentro da sua ignorância orgulhosa, os "espíritos fortes", que desconhecem completamente o poder magnético dos Espíritos puros, dos Espíritos superiores, a natureza, os efeitos e as propriedades de ação dos fluidos sobre o organismo humano, não tachem de impossíveis esses fatos autênticos chamados "milagres", os quais todos se enquadram na ordem da natureza e se produzem segundo suas leis.

O magnetismo prova a possibilidade de tais fatos. A surdez de nascença e, portanto, o mutismo que lhe é conseqüente, provém muitas vezes de uma relaxação do órgão respectivo e, às vezes, também, de uma obstrução. A ação fluídica, exercendo-se sobre o aparelho da audição, sobre o tímpano, quando se ache distendido ou espessado, o contrai ou dilata, conforme ao OS QUATRO EVANGELHOS (II) 407

caso, dispersa os fluidos que se tenham acumulado ou prendido nos tecidos e restitui ao órgão a flexibilidade que perdera. E, assim, o surdo, logo que começa a ouvir, deixa de ser mudo.

Não vos cause espanto haja falado incontinenti aquele homem, que jamais articulara uma só palavra desde que nascera.

Deveis compreender que as palavras não lhe saíam a princípio tão distintas como as vossas. Quaisquer que tenham sido, porém, as que pronunciou, bastaram para encher de espanto a multidão. Além disso, como deveis igualmente compreender vós outros espíritas, sendo aquela cura de grande importância para a aceitação da crença que Jesus viera difundir, os Espíritos que sempre o acompanhavam auxiliaram, no mesmo instante, por meio do magnetismo espiritual, o desenvolvimento da nova faculdade que ele acabava de dar ao homem e, por meio da inspiração, facilitaram a este o uso dela.

Demais, não estava junto dele o seu anjo de guarda? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 408

MATEUS, Cap. XV, v. 29-39. —MARCOS, Cap. VIII, v. 1-10

Multidão de doentes curados. — Multiplicação de sete pães

MATEUS: V. 29. Jesus, ao sair dali, veio costeando o mar da Galiléia e, tendo subido a um monte, lá se sentou.— 30. Logo dele se acercou grande multidão, onde havia mudos, cegos, coxos e muitos outros doentes que foram colocados a seus pés; e ele a todos curou; — 31, de sorte que a multidão se mostrava maravilhada por ver que os mudos falavam, que os coxos andavam, que os cegos enxergavam; e todos glorificavam ao Deus de Israel. — 32. Jesus chamou os discípulos e lhes disse: Faz-me compaixão este povo, pois há três dias está comigo e não tem o que comer; não os quero mandar embora em jejum, para que não desfaleçam pelo caminho. — 33. Os discípulos lhe disseram: Onde iríamos achar, neste deserto, pães que bastassem para saciar tão grande multidão? — 34. Jesus lhes perguntou: Quantos pães tendes? Sete, responderam eles, e alguns peixinhos. — 35. Ele ordenou ao povo que se sentasse no chão, — 36, e, tomando os sete pães e os peixes e rendendo graças, os partiu e deu aos discípulos, que por sua vez os deram ao povo. — 37. Todos comeram, ficaram saciados e ainda levaram sete cestos cheios dos pedaços que sobraram. — 38. Ora, os que comeram eram em número de quatro mil, fora crianças e mulheres. — 39. Tendo em seguida despedido o povo, Jesus tomou uma barca e veio para os arredores de Magadan.

MARCOS: V. 1. Naqueles dias, sendo de novo muito numerosa a multidão e não tendo o que comer, Jesus chamou os discípulos e lhes disse: — 2. Faz-me compaixão este povo, que há três dias está comigo e nada tem para comer. — 3. Se eu mandar que voltem para suas casas sem terem comido, desfalecerão pelo caminho, pois que vieram de longe. — 4. Os discípulos lhe responderam: Onde quem os possa fartar de pão neste deserto? — 5. Jesus perguntou: Quantos pães tendes? Eles responderam: Sete. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 409

— 6. Ordenou então ao povo que se sentasse no chão e, tomando os sete pães e rendendo graças, os partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem e estes os distribuíram pelo povo. — 7. Tinham também alguns peixinhos. Ele os abençoou e ordenou que do mesmo modo os distribuíssem. — 8. Todos comeram, ficaram saciados e ainda encheram sete cestos com os pedaços que sobraram. — 9. Os que comeram eram cerca de quatro mil e Jesus os mandou embora. — 10. Logo, tomando uma barca com os discípulos, veio para as bandas de Dalmanuta.

N. 179. Com relação às curas que Jesus operou, não precisamos repetir explicações já dadas a esse respeito. Entre os cegos e os mudos que lhe apresentaram, uns padeciam de cegueira ou de mudez por efeito de subjugação, outros por efeito de enfermidade física do organismo humano.

Já recebestes explicações concernentes aos dois casos. Sabeis assim que, no primeiro, a cura se operava pelo afastamento do Espírito obsessor e pela ação magnética que, fazendo cessar a perturbação causada pela subjugação e pela libertação, restituía no mesmo instante ao órgão da audição ou da palavra o estado normal. No segundo caso, a cura se operava por ato da vontade de Jesus e pela ação fluídica que resultava dessa mesma vontade poderosa e da sua força magnética. O mesmo se dava com todos os outros doentes. Quanto aos coxos, Jesus os curava também pelos meios magnéticos, restituindo aos músculos a elasticidade que lhes faltava.

Pelo que toca à multiplicação dos sete pães e dos peixes, já vos explicamos (n. 173), de modo geral, os meios pelos quais essa multiplicação se operava. Não temos que voltar a esse ponto. O que vos dissemos relativamente ao fato da multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes basta para que compreendais o fato análogo de que aqui agora se trata. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 410

Não vos admireis de que os discípulos hajam perguntado a Jesus: "Onde quem os possa fartar de pão neste deserto?" O fato anteriormente ocorrido já lhes não prendia mais a atenção.

Repetindo a multiplicação, quis Jesus, exatamente, impressioná-los com dois exemplos iguais, a fim de, mais tarde, lhes dar a conveniente explicação, falando do fermento dos Fariseus e dos Saduceus. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 411

MATEUS, Cap. XVI, v. 1-4 —MARCOS, Cap. VIII, v. 11-13

Recusa do prodígio pedido pelos Fariseus e Saduceus

MATEUS: V. 1. Os fariseus e saduceus se acercaram dele para o tentar e pediram lhes mostrasse um sinal no céu. — 2. Ele lhes respondeu: Ao cair da tarde dizeis: Fará bom tempo, amanhã, porque o céu está avermelhado; — 3, e ao amanhecer dizeis: O dia hoje será tempestuoso, pois o céu está de um vermelho sombrio. — 4. Sabeis portanto reconhecer o que pressagia o aspecto do céu e não podeis reconhecer os sinais dos tempos? Esta geração má e adúltera pede um sinal; nenhum lhe será dado senão o do profeta Jonas. E, deixando-os, se foi embora.

MARCOS: V. 11. Vieram os fariseus e começaram a discutir com ele, pedindo-lhe, para o tentarem, um sinal no céu. — 12. Jesus, dando profundo suspiro, lhes disse: Porque pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que nenhum sinal lhe será dado. — 13. E, tendo-os deixado, tomou de novo a barca e passou para a outra margem.

N. 180. Estes versículos carecem de importância.

Pelas palavras "fariseus e saduceus" — neles empregadas, os apóstolos designavam, de um modo geral, os incrédulos. Se bem que, sob o ponto de vista histórico ou religioso, os fariseus e os saduceus se diferençassem por outra coisa, que não apenas pela incredulidade, os discípulos, emparelhando-os, provaram que eles se assemelhavam como incrédulos, relativamente à missão e à doutrina de Jesus.

Os "fariseus e os saduceus" vieram ter com Jesus para o tentar. Quer dizer: para apanhá-lo em falta, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 412

13 Ver, para compreensão e explicação destas últimas palavras. o n. 161

pois não reconheciam poder no Mestre para fazer o que lhe pediam.

Pediram-lhe que mostrasse no céu um sinal, isto é, qualquer coisa de surpreendente, fosse o que fosse. Não tinham, quanto à natureza do sinal, nenhuma idéia assentada, mas desejariam que Jesus, por exemplo, detivesse o movimento dos astros, ou fizesse aparecer no firmamento uma visão qualquer. Aquele que, para acreditar, faz questão de ver não sabe muitas vezes dizer o que deseja se lhe mostre. E ainda quando obtivesse a satisfação desse desejo, mesmo à custa das leis naturais, isso não lhe bastara. Trataria de explicar o fato de um modo que se lhe afiguraria racional, dado o seu ponto de vista, e exigiria outra coisa.

As versões dos dois evangelistas se completam, reproduzindo ambas as seguintes palavras de Jesus: "Esta geração má e adúltera pede um sinal no céu; em verdade vos digo que nenhum sinal lhe será dado; nenhum sinal lhe será dado senão o do profeta Jonas"13. "Jesus, diz o evangelista, deu profundo suspiro". Apreciação humana. Jesus procurou chamar a atenção dos discípulos para o que havia de doloroso no orgulho e na cegueira daqueles Espíritos culpados, que se condenavam por tal forma a uma longa e cruel expiação.

Apartando-se daqueles homens incrédulos, orgulhosos, obstinados e rebeldes, o Mestre se foi embora: "deixando-os, Jesus tomou de novo a barca e passou para a outra margem".

N. 181. Será acertado dizer-se hoje: 1º que Jesus, com a antevisão do futuro, quando respondia aos fariseus e saduceus de outrora, estendia, em mente, a sua resposta aos incrédulos de agora, os quais, fazendo oposição à revelação espírita e hostilizando- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 413

a, pedem aos espíritas, por prova da veracidade dela, um sinal no céu, "um milagre", e que a esses novos fariseus e saduceus se aplicavam e devem ainda aplicar-se aquelas palavras: "Em verdade vos digo que nenhum sinal lhes será dado; 2? que o Espírito da Verdade, à semelhança do que fez Jesus com os fariseus e saduceus da época evangélica, deixa hoje esses incrédulos Espíritos, como os de então, orgulhosos, cegos, obstinados e rebeldes, sujeitos aos Espíritos do erro e da mentira?

Certamente. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 414

MATEUS, Cap. XVI, v. 5-12. —MARCOS, Cap. VIII, v. 14-21

Fermento dos Fariseus e dos Saduceus

MATEUS: V. 5. Seus discípulos, tendo passado para a outra margem do lago, se esqueceram de levar pães. -6. Jesus lhes disse: Vede bem, preservai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus. — 7. Ouvindo isso, os discípulos pensaram de si para si: É porque não trouxemos pães. — 8. Conhecendo-lhes o pensamento, Jesus lhes disse: Homens de pouca fé, porque haveis de estar pensando que vos falei por não terdes trazido pães? — 9. Ainda não compreendeis e não vos lembrais dos cinco pães para cinco mil homens e de quantos cestos enchestes com o que sobrou? — 10. Nem dos sete pães para quatro mil homens e dos cestos que levastes? — 11. Como pois não compreendeis que não vos falei de pão quando disse: Preservai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus? — 12. O discípulos então compreenderam que ele não lhes dissera que se preservassem do fermento dos pães e sim da doutrina dos fariseus e dos saduceus.

MARCOS: V. 14. Ora, os discípulos se esqueceram de prover-se de pães, de sorte que um único pão traziam consigo na barca. — 15. E Jesus lhes deu este preceito: Vede bem, preservai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes. — 16. Eles pensavam e diziam entre si: É porque não trouxemos pães. — 17. Jesus, conhecendo-lhes o pensamento, disse: Porque cogitais de não terdes trazido bastante pão? Ainda não sabeis, ainda não compreendeis? Ainda estão cegos os vossos corações? — 18. Tendo olhos, não vedes? tendo ouvidos, não ouvis? Perdestes a memória? — 19. Quando parti cinco pães para cinco mil pessoas, quantos cestos enchestes do que sobrou? Doze, disseram eles. — 20. E quando parti sete pães para quatro mil pessoas, quantos cestos de pedaços ficaram? Sete, responderam eles. — 21. E Jesus acrescentou: Como é então que ainda não compreendeis o que vos digo? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 415

N. 182. Os próprios discípulos vos explicam as palavras de Jesus, comunicando-vos a interpretação que eles lhes deram, em seguida à observação que o Mestre lhes fez.

Também vós, novos discípulos de Jesus, preservai-vos do fermento "dos fariseus e dos saduceus" e do fermento "de Herodes", isto é: preservai-vos de todas as inspirações do orgulho, preservai-vos de toda submissão covarde ao poder, sempre que este tente exercer qualquer ação sobre as vossas consciências ou sobre os vossos atos morais. Sede humildes de coração, submissos aos vossos superiores, quaisquer que estes sejam. Dai a César o que é de César, mas não esqueçais nunca que é Deus quem faz os Césares e que só ele tem direito sobre todos.

Repetimos: preservai-vos de toda submissão covarde ao poder, sempre que este tente exercer qualquer ação sobre as vossas consciências ou sobre os vossos atos morais. Deveis resistir, com respeito, mas também com firmeza, a qualquer oposição, venha donde vier, visando impedir que executem a vontade de Deus os bons Espíritos que se comunicam com os homens para, mediante a nova revelação, concluir a obra do Cristianismo do Cristo, regenerar a Humanidade por meio da luz e da verdade, implantar, pela prática recíproca da justiça, do amor e da caridade, a fraternidade universal, dando assim cumprimento a estas palavras de Jesus: "Tendes um único Senhor e sois todos irmãos".

Sim, por maior que seja a oposição e venha donde vier, deveis, com respeito, mas com firmeza, defender o exercício do vosso livre arbítrio, da vossa liberdade de consciência. A verdade tem que se difundir: não deixeis que a sufoquem ao nascer. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 416

MARCOS, Cap. VIII, v. 22-26

Cura de um cego

V. 22. Como chegassem a Betsaida, trouxeram-lhe um cego e lhe pediram que o tocasse. — 23. Tomando o cego pela mão, ele o conduziu para fora da aldeia e, passando-lhe saliva nos olhos e impondo-lhe as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. — 24. O homem, olhando, disse: Vejo a caminhar homens que parecem árvores. — 25. Jesus lhe colocou de novo a mão sobre os olhos e ele começou a ver, ficou curado, de sorte que via tudo distintamente. — 26. Jesus o mandou embora para casa, dizendo: Vai para tua casa e, se entrares na aldeia, não digas a ninguém o que te sucedeu.

N. 183. Jesus não se achava só; estava, como sempre, acompanhado. A recomendação que fez dizia respeito à visão do cego.

Da primeira vez que lhe impôs as mãos, o Mestre deu ao homem a vista espiritual. Viu ele então os Espíritos que se grupavam em torno de Jesus. Ao seu entendimento obscurecido esses Espíritos pareceram homens de gigantescas proporções. Pela segunda imposição das mãos, o Mestre curou os órgãos animais do homem e ele começou a ver, mas a ver apenas os outros homens seus semelhantes. A vista corporal lhe fora restituída. A proibição de Jesus se entendia, portanto, com a primeira visão. os discípulos ouviram as palavras do cego, por isso que, formando círculo em torno do Mestre, mantinham a multidão a certa distância.

Acabamos de dizer que, pela primeira imposição das mãos, Jesus desempecera no homem a vista espiritual. Expliquemos. Obedecendo à vontade do Mestre, o que mostra ter sido ele o autor do ato, os Espíritos que o cercavam fizeram com que o cego se OS QUATRO EVANGELHOS (II) 417

tornasse, na ocasião, vidente, desembaraçando-lhe da matéria o espírito. Para terdes a explicação deste fenômeno não precisareis mais do que recorrer à dos fenômenos magneto-espiritas. As coisas se passam em ambos os casos de igual maneira, só havendo a menos, no de que aqui se trata, o sono.

Falando dos fenômenos magneto-espiritas, não aludimos aqui unicamente ao magnetismo espiritual, mas também ao magnetismo humano empregado com o fim de desenvolver a vista espiritual. O Espírito, pelo contacto com os fluidos humanos que o cercam, adquire maior força. Seu perispírito, forrando-se, por assim dizer, com os eflúvios perispiríticos que o rodeiam, pode subtrair-se ao corpo que o envolve, o que lhe permite recobrar, momentaneamente, alguma liberdade.

O magnetismo ainda ensaia seus primeiros passos. O homem tem por demais desprezado o poder que o Senhor lhe pôs nas mãos; mal se dignou de lançar os olhos para a primeira página da introdução desse grande livro da ciência. Que o folheie com perseverança e lhe preste toda a atenção.

O magnetismo não constitui um jogo para divertimento dos curiosos; não é uma ciência ligeira destinada apenas a aliviar alguns sofrimentos. É um estudo grave, profundo, que reclama, para se tornar proveitoso, ilimitado desinteresse, fé viva, inesgotável amor ao próximo. Com esses três auxiliares, podereis, homens, colher ousadamente os frutos da árvore da ciência; repelireis horrorizados o mal e caminhareis a passos largos na senda do progresso.

Magnetizadores, a vós outros é que especialmente nos dirigimos. Trazeis em vós a fonte de todas as descobertas, de todas as ciências. Abri, trabalhando seriamente, as páginas desse grande livro e ai descobrireis todos os dias alguma beleza nova e vereis até onde pode chegar o poder do homem, quando tem a sustentá-lo o amor do bem, da verdade e do belo. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 418

O magnetizador sério, que trabalhe visando o progresso da Humanidade, deve pôr o máximo cuidado na escolha dos sonâmbulos que hajam de secundá-lo nas suas pesquisas. Um só não basta, pois que tal Espírito, adiantado num dos ramos da ciência, pode ser completamente ignorante no que respeita a outro. Não falamos aqui da ciência humana, porquanto o sonâmbulo que, na condição de encarnado, seja extremamente simples de espírito, poderá ser espiritualmente muito adiantado, desde que seja também simples de coração. E o desprendimento traz ao homem, como sabeis, inesperadas revelações, graças aos Espíritos superiores aos quais o sonâmbulo serve de instrumento.

Ao fazer a escolha dos sensitivos, deve o magnetizador ter a preocupação de encontrar corações puros e devotados que ele instruirá na ciência magnética, moldando-os desde o primeiro momento, a pouco e pouco, para o gênero de trabalho acorde com a aptidão que manifestem. Este, quando em êxtase, poderá ser o auxiliar de um químico; aquele projetará luz nas trevas da história; aquele outro resolverá problemas mecânicos sobre os quais a Humanidade tem encanecido sem lhes achar a solução. Mas, para chegar a semelhante resultado, cumpre que tanto o magnetizador como o magnetizado sejam puros de coração e não busquem na ciência uma exploração mundana. De outro modo, ambos verão falir suas esperanças e os Espíritos embusteiros lançarão seus lucilantes véus sobre as mais sérias questões, por isso que os Espíritos superiores não se aproximam senão do que é puro, de conformidade com as leis de atração espiritual, fluídica. Só aos que tenham o coração puro eles auxiliam nas suas pesquisas, nos seus estudos, dando-lhes a luz, a ciência, a verdade. Só prestam o seu concurso, repetimos, aos que, tendo em vista unicamente o progresso da Humanidade, trabalhem OS QUATRO EVANGELHOS (II) 419

com ilimitado desinteresse, fé viva e inesgotável amor ao próximo, jamais procurando na ciência um meio de levar a efeito mundanas explorações. esses são capazes e dignos de se constituírem, entre vós, os auxiliares de Deus e dos Espíritos superiores, no tocante à marcha e à realização do progresso.

Repetimos novamente: o magnetismo ainda está na infância. Estudai-lhe com afinco as tendências, as possibilidades, a fim de o desenvolverdes. Apoiai-vos nele e mais depressa atingireis o ponto culminante para onde se orientam todos os vossos esforços. Qual é, com efeito, o estado do sonâmbulo? O do Espírito quase liberto do corpo. Esta massa de carne nada mais fica sendo para ele do que um instrumento que lhe serve a transmitir-vos seus pensamentos, suas sensações: exatamente o que sois, para nós, vós outros evocadores e médiuns — simples instrumentos.

O estado sonambúlico, desenvolvido e produzido repetidamente, eleva o Espírito, habituando-o a se libertar da sua prisão, mesmo durante o estado de vigília. Deste modo, espalhando pouco a pouco em torno de vós seus eflúvios libertadores, habituareis o homem a viver, por bem dizer, fora de si mesmo. A atmosfera que vos envolve se impregnará desses fluidos humanos e, assim como a miragem que flutua no horizonte se avoluma com as nuvens que a cercam e se lhe agregam, também esses fluidos atrairão os fluidos ambientes que vos circundam, e apressarão o desenvolvimento das vossas faculdades e a emancipação das vossas almas.

Acabamos igualmente de dizer que o cego viu os Espíritos que se grupavam em torno de Jesus e que, ao seu entendimento obscurecido, esses Espíritos pareceram homens de gigantescas proporções, semelhantes a árvores pela altura do porte. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 420

Como a maioria dos que vivem na terra, ele desconhecia os efeitos do desprendimento espiritual. Não lhe foi possível, pois, inteirar-se do que se passava aos olhos do seu Espírito.

Os Espíritos que cercavam o Mestre, Espíritos aos quais mais tarde ele se referiu dizendo que, "se o quisesse, seu pai enviaria milhares de anjos para o servirem", não precisando apoiar-se no solo, se reuniam no espaço e, como a parte inteligente do ser é sempre o que mais atrai o olhar dos outros seres, o olhar espiritual do cego se dirigiu para a região superior dos que por ele eram vistos.

Nas aparições espíritas, ou no caso de desprendimento do Espírito do vidente, o que mais lhe prende a atenção é a sede propriamente dita do Espírito, a parte superior do corpo. Só depois de haver experimentado o contacto visual com essa parte superior do vulto é que o olhar do vidente desce e percebe o resto das formas, isto mesmo se for necessário, porquanto, na maioria das vezes, essas formas se apresentam indistintas, como que diluídas numa espécie de vapor.

As dimensões espíritas não são apreciáveis pelas medidas de que usais. Os Espíritos, librando-se no espaço, ultrapassavam as árvores na visão espiritual do cego. Suas formas imprecisas não lhe chamaram a atenção, por se achar esta voltada toda para as fisionomias que ele distinguia. Podemos acrescentar, para satisfazer à curiosidade minuciosa de alguns, que as formas humanas conservadas pelos Espíritos são geralmente mais amplas do que o eram na terra. Mesmo o homem, nos mundos superiores ao vosso, tem maior estatura do que vós outros e de muito maior pureza são as linhas de seu talhe.

Na terra, que ainda é um mundo inferior, um mundo onde ainda predomina a inferioridade moral, os fenômenos magneto-espíritas são amiúde obra de OS QUATRO EVANGELHOS (II) 421

maus Espíritos, tanto que produzem efeitos fluídicos violentos e dolorosos ou perigosos, tais como, em particular, as subjugações corporais, ou corporais e morais ao mesmo tempo. São também obra de Espíritos levianos, embusteiros, dando lugar a mistificações.

Tudo isso, porém, se passa debaixo da vigilância dos guias. Se produzem efeitos violentos, dolorosos, ou que pareçam perigosos, é que tais efeitos fazem parte da série de provações que o encarnado tem que sofrer. Sendo assim, os Espíritos protetores deixam que eles se produzam.

Tudo tem sempre um objetivo sério. Procurai, cuidadosamente, quais possam ter sido as causas determinantes da mistificação e deparareis ou com uma incredulidade sistemática, ou com uma confiança orgulhosa, ou com uma credulidade, uma inexperiência que precisavam esclarecidas para conduzirem à perspicácia e ao devotamento. Algumas vezes também é o caso de uma lição que convinha fosse dada às testemunhas, cuja atenção o encarnado se encarregara de despertar.

"A segunda imposição das mãos, dissemos, curou os órgãos animais do homem e este começou a ver, mas apenas os outros homens, seus semelhantes. A vista corporal lhe fora restituída".

A este respeito não precisais de explicação alguma. Já as tivestes, quando tratamos de casos análogos (ns. 121 e 178). Ao cego, cuja cegueira era acidental, mas antiga, a vista foi restituída pela vontade poderosa de Jesus, como sabeis, e pela ação de sua força magnética.

Para curá-lo, não precisava o Mestre de lhe passar saliva nos olhos nem de lhe impor as mãos. Também não era preciso que lhe desembaraçasse a visão espiritual e, para o conseguir, não se fazia mister igualmente que lhe passasse saliva nos olhos, nem que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 422

o submetesse a uma primeira imposição das mãos, como não era necessária a segunda, para o que o homem recuperasse a vista corporal.

Procedendo da maneira que se vos refere, os atos e palavras de Jesus tinham, como sempre, o objetivo de dar aos homens de então e aos do futuro um ensinamento, um exemplo.

Duplo era o seu objetivo com relação aos discípulos. Pondo saliva nos olhos do cego e fazendo-lhe as imposições das mãos, ensinava-lhes, conforme já o explicamos tratando do surdo-mudo (n. 178), os diversos meios de que dispunham para operar.

Desembaraçando a visão espiritual do homem e interrogando-o nesse estado de desprendimento, Jesus atraía a atenção dos discípulos (do mesmo passo que a dos homens vindouros, que são os da época atual da nova revelação) para os mistérios de além-túmulo, para a imortalidade da alma, para a persistência da individualidade após a morte, tendo em vista o conhecimento, que a mediunidade vidente dera a alguns deles, das aparições espíritas e que hoje dá a alguns de vós.

Desembaraçando a visão espiritual do cego, interrogando-o e restituindo-lhe em seguida a visão corporal, mostrava Jesus aos homens, principalmente aos que no futuro viriam a ser esclarecidos pela nova revelação, viriam a aceitar a luz espírita, que aquele, cujo Espírito se acha dominado pela matéria ou a ela escravizado, está moral e intelectualmente cego, do ponto de vista espiritual, espírita; que esse não poderá recobrar e não recobrará a vista, senão quando seu Espírito exercer domínio sobre a matéria, dela se desprender, isto é, se libertar para dominá-la; que deste modo é que começa o progresso moral a que o desprendimento da visão espiritual do cego servia e serve de símbolo; que no progresso moral está a fonte, o instrumento, a senda e o meio de realização do OS QUATRO EVANGELHOS (II) 423

progresso material e intelectual, tendo por símbolo a restituição da vista corporal ao mesmo cego, logo depois do desprendimento espiritual, que faculta ao homem, progressivamente, sob a influência espírita, o conhecimento dos mistérios de além-túmulo, as descobertas e os segredos da ciência divina, o descortino dos horizontes do infinito. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 424

MATEUS, Cap. XVI, v. 13-20. —MARCOS, Capítulo VIII, v. 27-30. —LUCAS, Cap. IX, v. 18-21

Palavras de Jesus confirmativas da reencarnação. Alusão às relações mediúnicas que podem existir entre os homens e as potências espirituais. Missão de Pedro na Igreja do Cristo. Verdadeira confissão

MATEUS: V. 13. Chegando às cercanias de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: Que é o que os homens dizem do filho do homem? — 14. Eles responderam: Uns dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros que é Jeremias, ou um dos profetas. — 15. Jesus lhes perguntou: E vós quem dizeis que eu sou? — 16. Simão Pedro respondeu: És o Cristo, filho de Deus vivo. -17. Jesus respondeu: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que isso te revelaram, mas meu pai que está nos céus. — 18. E eu te digo que és Pedro e que sobre esta pedra edificarei a minha igreja; e contra ela não prevalecerão as portas do inferno. — 19. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será também ligado no céu e o que desligares na terra será desligado nos céus. — 20. Ordenou em seguida aos discípulos que a ninguém dissessem ser ele Jesus o Cristo.

MARCOS: V. 27. Jesus partiu dali com seus discípulos para as aldeias dos arredores de Cesaréia de Filipe e pelo caminho lhes perguntava: Quem dizem os homens que eu sou? — 28. Responderam eles: Uns dizem que João Batista; outros que Elias; outros que um como os profetas. — 29. Disse-lhes ele então: Mas, vós, quem dizeis que eu sou? Pedro, respondendo, disse: És o Cristo. — 30. E ele lhes proibiu que o dissessem a pessoa alguma.

LUCAS: V. 18. Sucedeu que um dia, estando de parte a orar rodeado de seus discípulos, Jesus lhes perguntou: Quem diz o povo que eu sou? — 19. Eles responderam: uns — João Batista; outros OS QUATRO EVANGELHOS (II) 425

— Elias; outros — algum antigo profeta que ressuscitou. — 20. Disse-lhes ele: E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: O Cristo de Deus. — 21. Ele então lhes proibiu muito expressamente que o dissessem a pessoa alguma.

N. 184. Uma explicação especial se faz aqui necessária.

(Mateus, v. 13-17; Marcos, v. 27-29; Lucas, v. 18-20). São muito importantes estas passagens dos Evangelhos, por isso que têm um duplo objetivo: lembrar aos homens os princípios da reencarnação e não deixar se esquecessem das relações mediúnicas que podem existir entre eles e as influências espirituais.

Jesus sancionava assim, de antemão, o que estava reservado a ser posto em evidência, explicado e desenvolvido, em espírito e verdade, pela nova revelação, sob aquele duplo ponto de vista.

Ali se encontra, primeiramente, em poucas palavras, a confirmação desta grande verdade, ainda por muitos contestada e rejeitada: a reencarnação.

Consideremos o que disse Jesus a seus discípulos:

"Que é o que os homens dizem do filho do homem? — Quem dizem que eu sou? — Quem diz o povo que eu sou? —E a resposta dos discípulos: Uns dizem que és João Batista; outros que és Elias; outros Jeremias, ou algum dos antigos profetas."

Vemos pelas perguntas e respostas acima que a opinião pública atribuía a Jesus uma origem espiritual anterior àquela sua existência terrena, vendo nesta uma existência nova num novo corpo. Tal opinião, que abrangia a anterioridade da alma e a reencarnação, era geralmente partilhada, sem encontrar oposição. Por quê? Porque os Hebreus sabiam pelas tradições conservadas, embora confusamente, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 426

que o homem pode voltar muitas vezes à terra para concluir uma obra começada e interrompida pela morte humana.

Voltemos a Jesus: Vós outros, Católicos, Protestantes, chamados Ortodoxos, e Judeus, que não admitis a anterioridade da alma, a reencarnação, duvidais porventura da missão superior de Jesus?

Esse, Católicos, é o fundamento da vossa crença, pois que a fazeis remontar até ao trono do Eterno.

Vós, Judeus, sois forçados a admirar o caráter do reformador, embora maldizendo-o, pois ainda fazeis com ele o que vossos pais fizeram com os profetas. Todavia, concordais em que era um gênio superior, um homem animado de boas intenções — um reformador em suma.

Qual foi, Judeus, a resposta desse homem, que com a idade de doze anos causava assombro aos doutores da lei?

Dizei, zelosos Católicos, qual a resposta daquele que, descido do Pai para trazer a luz aos homens, conhecia, segundo a vossa doutrina, desde toda a eternidade, os segredos da natureza e da Criação?

Porventura, ele, que aos discípulos ensinava as verdades do alto, os repreende por motivo de uma heresia largamente espalhada?

Diz-lhes, por acaso, que a alma, criada para a carne em que habita, não pode nem deve mais voltar à terra, uma vez que a tenha deixado? Diz-lhes que, ao ser criada, a alma se une de tal modo ao corpo que, separada deste, não lhe fica mais pensamento humano algum, nem vida ativa — que ela se perde num infinito dificílimo de explicar, porquanto, segundo a Igreja católica, que destinação se há de assinar aos que morrem com a mácula do que essa Igreja chama pecado original?

As opiniões divergem a tal ponto que se torna difícil precisar as coisas. Exprimindo-nos, como OS QUATRO EVANGELHOS (II) 427

acabamos de fazê-lo, nós nos colocamos no ponto de vista da Igreja católica, ou, pelo menos, dos seus ministros. De fato: qual a sorte daquele que não recebeu o batismo? A condenação. Mereceu-a? Irá para os limbos, se viveu na ignorância. Há nisso, da parte de Deus, justiça? Que fez o recém-nascido para desmerecer aos olhos do Senhor? E, depois de batizado, que fez para ser colocado entre os eleitos? Que fez, para ir juntar-se a essas almas infantis condenadas a uma eterna neutralidade de sensações, a uma eternidade sem dores, mas sem alegrias, o homem íntegro e inteligente que, pelo "acaso, como dizeis, do seu nascimento", viveu desconhecendo o que fosse o batismo? Mandá-lo-eis expiar durante um lapso de tempo mais ou menos longo, no "purgatório", a culpa de haver nascido na obscuridade em vez de nascer na luz, a culpa de não ter adivinhado essa verdade católica que tantos outros conhecem e desprezam, por não encontrarem nela o que lhes satisfaça à inteligência? Eis aí porque, em nos colocando no ponto de vista da Igreja humana, ou, pelo menos, de seus ministros, dissemos ser difícil determinar as coisas, proceder a uma escolha entre tantas diferentes posições, inadmissíveis todas para o homem que reflete.

Não. Jesus, longe de repreender seus discípulos por se fazerem eco de um erro, longe de lhes dizer que a alma é criada para a carne em que habita, que não pode nem deve mais voltar à terra, se limita a lhes perguntar: E vós quem dizeis que eu sou? Nesta só pergunta não está a confirmação das idéias enunciadas? Formulando-a, não demonstrou o Mestre que admitia a possibilidade de ser ele João Batista, ou Elias, ou Jeremias, ou qualquer outro?

Por essa forma atendia ele ao presente, sem se descuidar do futuro. Como sabeis, sua palavra era e precisava ser velada quanto à reencarnação. Não havia chegado ainda o tempo de apresentar-se aber- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 428

tamente aos homens, em espírito e em verdade, esta lei natural e imutável nos seus princípios e nas suas conseqüências. Tal encargo estava reservado à revelação, que o Espírito da Verdade, por intermédio dos Espíritos do Senhor, vos traz hoje, isto é: no tempo designado para a era nova.

A resposta de Pedro: És o Cristo, filho do Deus vivo, o Cristo de Deus, isto é, o enviado do Senhor; assim como as palavras que Jesus lhe dirigiu: Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que te revelaram isto, mas meu pai que está nos céus; não foste tu que o disseste, foi meu pai quem to revelou", patenteiam, oh! bem-amados, a revelação toda, revelação que foi, naquele momento, de atualidade, pela mediunidade de Pedro, e também futura pelas relações mediúnicas dos Espíritos do Senhor com os homens. Estes, como Pedro, são hoje e serão no porvir, para a nova revelação, médiuns sinceros e humildes, instrumentos escolhidos para transmissores da verdade ao gênero humano.

Por que meio houvera o Senhor feito a Pedro aquela revelação? Não é claro que, na ocasião, Pedro foi o instrumento falante que serviu para revelar a verdade? Que foi Pedro, em tal ocasião, senão um médium falante?

Já temos dito que Pedro possuía em altíssimo grau as faculdades mediúnicas. Por isso mesmo foi ele e não outro quem serviu naquele momento.

Não vos apegueis às inspirações e revelações dos "santos", dos "padres da Igreja", para dizer: também eles eram médiuns, logo devemos crer cegamente nas suas palavras.

A vós, que compreendeis a verdade, podemos mostrar porque não vos deveis apegar às inspirações reveladas e tantas vezes mentirosas. Mas, para os incrédulos; que valor terão nossos esclarecimentos? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 429

Não sabeis que a influência espírita sempre existiu e que, em todos os tempos, houve médiuns, alguns tendo perfeito conhecimento da fonte e da causa da ciência que possuíam, outros de todo em todo inconscientes?

Foi assim, graças à mediunidade e com o auxílio das relações mediúnicas com os Espíritos do Senhor, que os apóstolos, os discípulos, os evangelistas operaram por toda parte os milagres da fé. Multiplicando-os, eles espalhavam a fé por entre os homens, ignorantes, materiais.

Médiuns de todas as espécies, os apóstolos e seus discípulos serviam de instrumento às grandes vontades superiores. Em seguida, serviram de instrumentos, como eles, seus discípulos, os primeiros padres da igreja do Cristo, não os que fazem ato de fé no clericato, mas os primeiros cristãos sinceros e devotados; que morriam ignorados e humildes, após uma vida de propaganda laboriosa e perigosa, sem jamais requestarem a publicidade, as honras espirituais.

Depois, pouco a pouco, a mediunidade foi ficando na sombra, porque era preciso que os acontecimentos seguissem seu curso, que se fundissem todos os povos, adiantados e atrasados, e também porque, vulgarizado no seio de povos bárbaros, aquele conhecimento teria ocasionado grandes desordens. Deus permitiu que o conhecimento das nossas relações com a humanidade caísse no esquecimento, porque os homens eram maus e se achavam cercados de maus Espíritos. Em contraposição a um que caminhava nas sendas do Senhor, milhares de outros, provindos do meio de Espíritos inferiores, se compraziam no contacto com estes, mantendo-se sempre no mesmo meio.

Daí o tornar-se a mediunidade, a pouco e pouco, entre todos os povos da cristandade, apanágio de reduzido número de criaturas e afinal o desaparecer quase inteiramente, ou ficar na sombra. Tão profundo OS QUATRO EVANGELHOS (II) 430

foi, de fato, o esquecimento em que caíram aquelas faculdades, que os que, por orgulho ou cupidez, tentavam explorá-las, eram tidos na conta de feiticeiros e como tais encarcerados ou queimados. Igualmente tratados eram, ou pelo poder e pelo braço seculares, ou pela Inquisição romana, como possessos do demônio ou como heréticos, no longo período que se seguiu aos primeiros tempos do Cristianismo e no qual dominaram as potências clericais, o absolutismo religioso, a ignorância, a intolerância, o fanatismo, quer os que de boa fé, porém submetidos a influências más, produzem efeitos físicos ou manifestações mediúnicas, quer os que, livres pensadores, mas debaixo de boas influências, proclamavam uma verdade, ensinamentos contrários às prescrições dogmáticas, disciplinares da Igreja humana, uns e outros médiuns conscientes ou inconscientes.

Repetimos, não vos apegueis às inspirações reveladas dos "padres da Igreja" e dos "santos", para dizer: "Também eles eram médiuns, logo devemos crer cegamente nas suas palavras".

Eram médiuns, sim, mas ignorais quanto a mediunidade é perigosa para quem não sabe servir-se dela?

Ignorais que o Espírito encarnado atrai a si os Espíritos que se lhe assemelham pelas tendências, pelas idéias preconcebidas ou sistemáticas, de acordo com os preconceitos ou as tradições do meio em que se ache; que, como médium, pode ser submetido a uma influência má, tornar-se instrumento, inconsciente e muitas vezes patente, de Espíritos embusteiros e, assim, instrumentos do erro ou da mentira, do mesmo modo que o pode ser dos bons Espíritos, quando escolhido, como o foi Pedro, para a revelação da verdade que o Senhor queira se faça conhecida dos homens, nos tempos determinados?

Ignorais também que a charlatanaria ou a exaltação do Espírito encarnado pode tomar ou inculcar OS QUATRO EVANGELHOS (II) 431

14 Ver, para explicação destas leis, O Livro dos Espíritos, parte III, cap. I a XI, ns. 614-892.

como fruto da inspiração o que não passa de produto de uma organização fraca ou má?

Imaginais se deva atribuir a influências benéficas e elevadas os jejuns, as macerações, as flagelações, que certos religiosos se impunham, as existências ociosas e inutilmente passadas longe do mundo, de suas tentações, de seus combates, mas também das suas vitórias, na prática de mortificações que só o "demônio" podia inspirar, pois que o Deus de amor e de bondade as repele?

Aquele, que confiou ao homem a vida como um depósito precioso que lhe cumpre conservar e do qual tem que prestar contas exatas, poderia aprovar as torturas que os solitários se infligiam e cuja única utilidade era abreviar-lhes, aos olhos dos homens, a existência; era mudar o objetivo e os fins de uma vida que o homem deve conduzir e dirigir, segundo a lei divina, pela prática da lei do amor, que o Cristo proclamou, dos mandamentos, que declarou encerrarem toda a lei e os profetas e que sancionou com as suas lições e seus exemplos? pela prática, portanto, das leis morais de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade, justiça, amor e caridade14, que, em seu nome, os Espíritos do Senhor vos explicam?

Não; não acrediteis cegamente nas palavras dos "padres da Igreja" e dos "santos", porquanto, se entre eles havia muitas vezes inspirações, mediunidade inconsciente ou patente, não raro também havia má influência, devida, já à exaltação de Espírito encarnado, já à fraqueza e precaridade da organização, já a tendências e idéias preconcebidas e sistemáticas, a preconceitos ou tradições do meio. Essa influência má era uma fonte de erros e embustes que tomavam, para a igreja humana, o caráter de "milagres" ou de "re- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 432

velações" do Alto, se vinham por intermédio daqueles cuja santidade era, aos olhos dela, manifesta pelo misticismo ou ascetismo e pela observância de todas as suas prescrições materiais, dogmáticas e disciplinares.

(Mateus, v. 18-19): Do ponto de vista espírita, portanto mediúnico, é que deveis considerar as palavras de Jesus registradas nestes versículos.

Pedro, médium desenvolvido e adiantado, era, nas mãos dos Espíritos do Senhor, um instrumento poderoso para a difusão da luz. Todos os discípulos do Cristo tinham utilidade, mas cada um na sua especialidade.

Pedro, ao contrário, dotado de uma organização física bastante maleável para se prestar a todas as influências mediúnicas, Espírito mais elevado do que os outros apóstolos fiéis, senão em pureza, pelo menos em inteligência, tinha mais amplo poder. Servia assim de pedra fundamental ao edifício. Sobre ele foi construída a Igreja do Cristo, que desse modo assenta em alicerces inabaláveis, porquanto a faculdade que ele possuía se vai espalhando e cada vez se espalhará mais. E, tal como a pedra principal do ângulo, todos, todos os verdadeiros espíritas e sobretudo médiuns sinceros e humildes, servireis para a construção desse edifício, trazendo cada um a sua pedra. E podereis, espalhando de mais em mais, ao derredor de vós, a luz que fordes obtendo, ligar também e desligar na terra e o Senhor ligará e desligará no céu.

Já vos dissemos em que sentido deveis tomar estas palavras. Elas não significam que o homem, pecador e sempre culpado, possa absolver ou condenar, proferindo na terra sentenças das quais não haja apelação; nem mesmo para Deus. Significam apenas que, conservando a integridade da alma e do coração, obtendo sempre e cada vez mais as luzes dos bons Es- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 433

píritos, vos tornareis cada vez também mais aptos a julgar das coisas da terra e das coisas do céu, a dirigir os vossos irmãos pelo bom caminho e a distinguir com segurança os que se desviam e os que marcham fiéis.

Ê preciso vos expliquemos e façamos compreender aos homens, em espírito e em verdade, as palavras de Jesus, cujo pensamento e sentido a igreja humana desfigurou, falseou completamente.

(MATEUS, v. 18): E eu te digo que és Pedro e que sobre esta pedra edificarei a minha igreja.

Estas palavras de Jesus, particularmente dirigidas a Pedro, constituíram o ponto de partida do erro, tão largamente aceito, da infalibilidade do “papa”, dito o sucessor daquele apóstolo, assim como da organização clerical, mas não do culto, que teve por base a emblemática ceia pascal.

Pedro, Espírito adiantado e devotado, além disso excelente instrumento mediúnico (era preciso que fosse assim), dispunha, por ser da vontade de Jesus e graças aos Espíritos superiores que o assistiam, de uma perspicácia que não podeis avaliar com exatidão. Seu olhar penetrante descia ao fundo das consciências, sondava os mais íntimos pensamentos. Não é certo que, ao dar começo à sua missão, ele se achava em comunicação com os emissários divinos? Ora, dotado de tal faculdade, ao seu alcance estava ligar e desligar na terra, pois que não fazia mais do que pronunciar, em voz humana, os decretos que espiriticamente lhe eram revelados. Mas, depois dele, quantos Pedros já se contaram entre os que se hão intitulado seus sucessores?

A Igreja do Cristo, em sua origem, foi a reunião dos fiéis escolhidos por Pedro e os outros apóstolos, que tinham consciência da superioridade do primeiro e obravam quase sempre de acordo com os seus com- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 434

selhos e sob a sua direção, no tocante à difusão da boa nova. Constituíam aquela igreja os sinceros e verdadeiros crentes (Judeus ou Gentios) que aceitavam a lei de amor que o Mestre viera pregar aos homens. Dizemos Judeus e Gentios, porque todo aquele que sinceramente crê no seu Deus e se esforça por cumprir a lei de amor, faz parte da Igreja do Cristo. Qualquer que seja o terreno que forneça a pedra, esta virá reunir-se ao monumento.

A Igreja do Cristo é o conjunto dos filhos do Senhor, filhos submissos e zelosos, que se reúnem pelo pensamento, quando não podem fazer de fato. Ela não está nos templos que os homens edificam, nos quais, segundo o dizer do apóstolo Paulo, Deus não habita.

Pertence à Igreja do Cristo aquele que, qualquer que seja o culto exterior a que a reencarnação o tenha submetido, trabalha com todas as suas forças por obedecer, constante, séria e porfiadamente, à lei divina, praticando o amor a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo, procedendo sempre para com os outros, em todas as circunstâncias, pelo pensamento, pela palavra e pelos atos, como quereria que, para consigo, os outros procedessem.

Sim, da Igreja do Cristo fazem parte todos os que se submetem à lei divina escrita no livro que no coração de cada um se acha depositado.

"Sobre ti, Pedro, edificarei a minha igreja.”

Pedro preside ao progredir da fé, ao desenvolvimento da inteligência, ao cumprimento das promessas de Jesus. Ele continuou no desempenho da sua missão espiritual, depois de haver cumprido a sua missão humana. Desempenhando esta, começou, com o auxílio dos outros apóstolos e dos discípulos que se OS QUATRO EVANGELHOS (II) 435

lhes associaram, a construir a Igreja do Cristo. Pelo desempenho da sua missão espiritual, prossegue na execução desta obra e a concluirá.

"E contra ela não prevalecerão as portas do inferno."

Compreendei o que exprimem estas palavras. Sendo a Igreja do Cristo o conjunto dos filhos do Senhor, não será atingido pelo sofrimento, pela expiação aquele que, tendo sabido manter a integridade do coração e da alma, se esforçou por cumprir, segundo a lei divina, todas as suas obrigações, todos os seus deveres para com o Senhor e para com os homens. Pedro, no desempenho da sua missão terrena, foi um discípulo enérgico, devotado, fiel até à morte. Quem quer que construa sobre tal base, não terá que temer as portas do inferno, isto é, a expiação e o sofrimento do remorso, pois que o seu proceder será reto e puro.

(MATEUS, v. 19): "E te darei as chaves do reino dos céus."

Dar-te-ei o conhecimento exato dos meios de chegar-se à perfeição moral.

"E tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo o que desligares na terra será desligado no céu."

Jesus, assim falando, abrangia nas suas palavras o momento em que as proferia e o futuro, referindo-se a Pedro. Do ponto de vista da missão humana desse apóstolo, elas significavam que, Espírito adiantado e devotado, excelente instrumento mediúnico, como já o dissemos, em comunicação com os emissários divinos, tendo, porque tal era a vontade de Jesus e graças ao auxílio dos Espíritos superiores que o assistiam, a faculdade de sondar o fundo das consciências, de perscrutar os pensamentos mais íntimos, Pedro ligaria e desligaria na terra, pronunciando, em linguagem humana, os decretos que lhe seriam revelados espiritualmente. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 436

Dos pontos de vista da sua missão espiritual e do futuro, que é a época atual em que se prepara a era predita do advento do espírito, aquelas palavras significam que Pedro, presidindo, como também já o dissemos, ao progresso da fé, ao desenvolvimento da inteligência, ao cumprimento das promessas de Jesus, ligaria e desligaria na terra, quando a faculdade que ele possuía durante a sua missão humana se fosse espalhando progressivamente e cada vez mais, para servir à nova revelação e à construção da Igreja do Cristo, igreja que o tem por pedra angular. Ligaria e desligaria, transmitindo, por intermédio dos verdadeiros espíritas e, sobretudo, dos médiuns sinceros e humildes, que seriam, como ele o foi, instrumentos mediante os quais os Espíritos superiores, os bons Espíritos, revelariam espiriticamente a verdade, o exato conhecimento dos meios de chegar-se à perfeição moral, pondo assim, gradualmente, os homens em condições de também ligarem e desligarem. Não quer isto dizer que Pedro os ponha em condições de absolver ou condenar, porquanto esse poder só o tem Deus e o seu Cristo, a quem o primeiro conferiu poderes ilimitados no tocante ao vosso planeta e que com ele se acha em relação direta. Quer dizer: em condições de viverem íntegros de coração e de alma, de obterem a assistência e as luzes dos bons Espíritos, de se tornarem por essa forma cada vez mais aptos para julgar das coisas da terra e das coisas do céu, para dirigir seus irmãos pelo bom caminho, para distinguir com exatidão os que se transviam e os que marcham fielmente.

Quanto ao fato de haver Jesus proibido aos discípulos que dissessem a quem quer que fosse ser ele o Cristo, filho do Deus vivo, o Cristo de Deus, bem deveis perceber o motivo de tal proibição: era necessário que os acontecimentos seguissem o seu curso. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 437

N. 185. Para exprimirmos, em espírito e verdade, o pensamento, o sentido e o alcance destas palavras de Jesus (v. 18): "E eu te digo que és Pedro e que sobre esta pedra edificarei a minha igreja, poderemos, resumindo numa fórmula tudo o que nos acabais de explicar acerca dos v. 18 e 19 de MATEUS, traduzir esses versículos da seguinte maneira: "Tu és Pedro e sobre ti, principal pedra angular, se apoiarão os homens; tu, que presidirás ao progresso da fé, ao desenvolvimento da inteligência e ao cumprimento das minhas promessas, congregarás esses mesmos homens, pedras também necessárias à construção da minha igreja, que será constituída pela reunião dos fiéis obedientes à lei do Senhor, de todos os que se esforcem por praticar, com integridade de coração e de alma, qualquer que seja o culto exterior de que se sirvam para adorar ao pai sobre a montanha ou em Jerusalém, o amor a Deus sobre todas as coisas e o amor ao próximo como a si mesmos, material, moral e intelectualmente; de todos os que se esforcem por observar a lei de amor e de fraternidade que trago ao mundo em nome daquele que me enviou, lei que os Espíritos do Senhor virão, de acordo com a minhas promessas e dirigidos por mim como Espírito da Verdade, explicar e desenvolver, nos tempos preditos, despojando da letra o espírito.

"E as portas do inferno não prevalecerão contra ela": O sofrimento e a expiação não atingirão a nenhum daqueles que, fazendo parte da minha igreja, se houverem esforçado por cumprir todas as suas obrigações, todos os seus deveres para com Deus e para com os homens?

"E te darei as chaves do reino dos céus": Dar-te-ei o conhecimento exato dos meios de chegar-se à perfeição moral?

"E tudo o que ligares na terra será ligado no céu e tudo que desligares na terra será desligado no céu": Enquanto cumprires a tua missão humana, sendo, como és, Espírito adiantado e devotado e, mais ainda, excelente instrumento mediúnico, estarás em relação com os emissários divinos. Por minha vontade e auxiliado pelos Espíritos superiores, que te assistirão, sondarás o fundo das consciências, os pensamentos mais íntimos; ligarás e desligarás na terra e tudo o que ligares e desligares na terra será ligado e desligado no OS QUATRO EVANGELHOS (II) 438

céu, por isso que pronunciarás, em voz humana, os decretos que te serão espiriticamente revelados. Depois de teres desempenhado a tua missão humana, prosseguirás no da tua missão espiritual; então ligarás e desligarás na terra e tudo o que ligares e desligares na terra será ligado e desligado no céu, por isso que a faculdade que possuíste durante a tua missão humana se espalhará, nos tempos preditos, progressivamente, para servir à nova revelação e à construção da minha igreja, cuja principal pedra angular és tu. Presidindo ao progresso da fé, ao desenvolvimento da inteligência e ao cumprimento das minhas promessas, ligarás e desligarás, transmitindo progressivamente ao mundo a verdade pelos verdadeiros espíritas e sobretudo pelos médiuns sinceros e humildes, que serão, como foste durante a tua missão humana, instrumentos dos Espíritos do Senhor, por meio dos quais será espiriticamente revelado o conhecimento exato, que te foi dado, dos meios de chegar-se à perfeição moral. Porás desse modo os homens, também progressivamente, em condições de ligarem e desligarem, como fizeste, mas não de absolverem ou de condenarem, porquanto esse poder só o têm Deus e o seu Cristo, a quem o primeiro conferiu poderes ilimitados no tocante ao planeta terreno e que com o pai se acha em relação direta; e sim de viverem íntegros de coração e de alma, de obterem a assistência e as luzes dos bons Espíritos, de se tornarem por minha vontade e com o auxílio dos Espíritos do Senhor, que os assistirão, cada vez mais aptos a julgar das coisas da terra e das coisas do céu, a dirigir seus irmãos pelo bom caminho, a distinguir os que se transviam e os que marcham fielmente?

Sim, como resumo do que vos dissemos em nome e da parte do Mestre.

N. 186. A Igreja romana, apropriando-se das palavras que Jesus dirigiu a Pedro, pretende ser a herdeira das promessas assim feitas àquele apóstolo, dos poderes e da missão que lhe foram conferidos; pretende que sobre ela unicamente deve a Igreja do Cristo edificar-se; que nas suas mãos estão as chaves do reino dos céus; que lhe assiste o direito de absolver e de condenar; que tudo o que absolve e vier a absolver na terra está absolvido e o será nos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 439

céus; que tudo o que condena ou condenar na terra, está ou estará condenado nos céus; que fora dela, da observância de seus dogmas e mandamentos. não há salvação, o que exprime por esta divisa dogmática: "Fora da Igreja não há salvação."

Já dissemos que as palavras de Jesus eram especialmente dirigidas a Pedro. Nenhum homem na terra podia ou tinha o direito de atribuir-se a si a herança dessas palavras.

A Igreja desnaturou e falseou completamente o sentido e o alcance delas, dando-lhes interpretações humanas conformes à letra que mata, sem lhes apreender o espírito que vivifica.

Só lhe assistia o direito de se apropriar daquelas palavras no seu verdadeiro sentido, que é o que, em nome do Mestre, vos acabamos de revelar espiriticamente, se houvera trilhado singelamente o caminho que Jesus traçou, como podem apropriar-se delas todos os que, Judeus ou Gentios, trilharem esse caminho, com a assistência, a inspiração e o concurso que os bons Espíritos dispensavam a Pedro. Ela, porém, se transviou, do que resultou ficar privada da proteção concedida aos "primeiros pais da Igreja", que não são (já o dissemos) os que fazem ato de fé no clericato, e sim os primeiros cristãos sinceros e devotados, que morriam ignorados e humildes, depois de uma propaganda laboriosa e perigosa, sem jamais buscarem a publicidade, as honras espirituais.

Volte a Igreja ao caminho de que se afastou, retomando as pegadas dos apóstolos, esclarecida pela revelação do Espírito da Verdade.

Dispa o pastor, o "sucessor" de Pedro a púrpura que o cobre.

Fazendo-se a pedra angular do edifício, reconstrua e sustente a Igreja, que sobre ele repousa, ou, pelo menos, devia repousar, e lhe será dado "ligar e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 440

desligar", no verdadeiro sentido destas palavras, trabalhar na verdadeira construção da Igreja do Cristo e participar da sua direção. A fé é humilde, teme o lustre e o fausto. Os esplendores da púrpura e do ouro perturbam a vista do chefe da Igreja, as pedras preciosas da tiara lhe fizeram esquecer o simples bastão, o burel e os pés descalços de Pedro.

Daí vem que a fé desertou, amedrontada, da Igreja e foi procurar abrigo entre os simples e os fracos. Abri-lhe os vossos corações, ela vos procura, chama e pede asilo. Não a repilais, oh! meus filhos. Quando os tempos forem consumados, os "sucessores" de Pedro descerão do trono para se assentarem no relvado do caminho.

Quando o cetro do "príncipe da igreja" houver cedido o lugar ao cajado do viajor, quando a púrpura houver caído e o burel cobrir os ombros daquele a quem os homens chamam o "Santo Padre" e os dos "príncipes da igreja", o que sucederá, pois que todos hão de voltar à humildade de que jamais se deveram ter apartado, então a fé, evolando-se dos vossos corações, se elevará grande e forte, para dominar ainda na Igreja do Cristo, e o "sucessor de S. Pedro" estenderá sua santa mão para abençoar o universo. E o universo lhe receberá a bênção quando ele houver dito:

AOS CATÓLICOS: "Levantai-vos; não sou mais do que homem, não sou mais do que vós outros; em verdade, creio que Deus não faz seleção de pessoas, que do seu agrado é todo aquele que o teme e cujas obras são justas, seja qual for a nação a que pertença";

quando houver dito, dirigindo-se a todos os homens indistintamente, qualquer que seja o culto exterior que professem:

"Deus me ensinou a não tratar de profano ou impuro a nenhum homem. Na terra, não chameis vosso pai a pessoa alguma, porquanto um ÚNICO pai tendes — o que está nos céus: não OS QUATRO EVANGELHOS (II) 441

chameis vosso mestre a pessoa alguma, porquanto UM só doutor tendes e UM só mestre: o Cristo e vós todos sois irmãos; segui os mandamentos, as lições e os exemplos do mestre, sua moral simples e sublime, esforçando-vos por lhe caminhar nas pegadas; amai a Deus, vosso criador, acima de todas as coisas e o próximo como a vós mesmos, porquanto nestes dois mandamentos ESTÃO ENCERRADOS toda a lei e os profetas; amai-vos uns aos outros, porquanto o fim visado por todos os mandamentos é a caridade, que nasce de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé sincera, que se traduz em palavras e atos; lembrando-vos de que a cada um será dado de acordo com as suas obras e de que todos, pelas suas obras e de conformidade com estas, serão julgados. Rejeitando todas as doutrinas e mandamentos humanos, não adoreis MAIS ao pai nem sobre o monte nem em Jerusalém. E vós, Judeus e Gentios, não vos diferenceis, abstração feita dos cultos exteriores, no seio da grande família humana; tornai-vos, desse modo e de mais em mais, sob o império das leis de amor, de fraternidade, de unidade, os verdadeiros adoradores que o pai reclama, seus adoradores em espírito e em verdade. QUANDO isso se verificar, não haverá MAIS que um só rebanho e um só pastor; o Cristo e a Igreja do Cristo estará edificada, porquanto vós todos sereis filhos do Senhor. Trabalhai, pois, na obra comum da regeneração, por isso que todos vós sois chamados a pertencer ao número dos ELEITOS."

Orai para que assim seja, meus filhos. Nós trabalhamos cheios de zelo e os tempos se aproximam. Que o Senhor sobre vós estenda a sua poderosa mão.

Pedro vos abençoa.

N. 187. A Igreja romana pretende que, como sempre, o Espírito Santo a assiste e inspira; considera-se infalível e pretende que, por efeito dessa infalibilidade, nunca poderia ter-se enganado, nunca se enganou e não se enganará jamais; e, fundada nessa pretensa infalibilidade, proscreve a revelação espírita, que o Espírito da Verdade traz para a nova era por intermédio dos Espíritos OS QUATRO EVANGELHOS (II) 442

do Senhor, dizendo que essa revelação vem destruir o que ela chama — a Igreja, seus dogmas e mandamentos.

Pretensão humana, fruto do orgulho e da ambição, pretensão cega e falsa, que nenhum homem que pense pode tolerar.

Para admitir-se a infalibilidade da Igreja, fora preciso admitir-se como infalíveis os homens que a têm composto.

Não admitais que a influência misteriosa sob a qual praticais os vossos atos sérios se faça sentir em vós, quando não vos mostrais dignos de um contacto elevado.

O "Espírito Santo", debaixo de cuja influência pretendem estar "os príncipes da Igreja", quando ditam suas leis, não desceria a animar corpos impuros, sepulcros caiados. E quantos nem se dão ao trabalho de caiar-se!

O "Espírito Santo", isto é, essa influência oculta que guia o homem pela vontade do Senhor, não atua senão quando o homem se faz digno, dela.

Nos concílios houve jamais unidade de vistas? Os príncipes e maiorais da Igreja eram unânimes nas suas maneiras de ver, nas suas decisões? E acreditais que a justiça, a eqüidade, o que eles chamam: "a inspiração do Espírito Santo", tenham estado sempre do lado da maioria? Porventura, estiveram desse lado a verdade, a fé, a virtude? Não.

As opiniões, nos concílios, não se mostravam divididas? Ora, se os seus membros fossem todos inspirados pelo Espírito Santo, haveria divergências de opiniões?

As sentenças, que proferiram, apresentaram sempre o cunho, que deviam trazer, da eqüidade e da justiça? Ao contrário, as mais das vezes o que nelas se nos depara não são os interesses materiais e pessoais envoltos no manto da religião? a vingança e a má fé armadas com a cruz para, em nome da intolerância e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 443

do dogmatismo que o divino modelo proscrevera, acusar de heresia e condenar os inocentes?

Onde estava a inspiração, quando havia debates? onde o Espírito Santo e quais as suas funções?

Não vos equivoqueis quanto ao sentido destas palavras de que acabamos de usar: "O Espírito Santo, debaixo de cuja influencia pretendem estar "os príncipes da Igreja" quando ditam suas leis, não desceria a animar corpos impuros, sepulcros caiados".

Exprimimo-nos assim, para usarmos dos termos de que se serve a Igreja romana. Poderíamos ter dito "os Espíritos superiores", os "bons Espíritos", pois que sabeis, pela nova revelação, que "Espírito Santo" é apenas uma designação simbólica, indicativa da falange sagrada dos Espíritos do Senhor. A Igreja, porém, não admite isso, persiste em espalhar a falsa crença dos Hebreus, ensinando que o Espírito Santo é o próprio Deus, é uma fração, se bem que indivisível, do grande todo. Tínhamos, pois, que nos cingir aos termos de que ela usa. Dizendo que "o Espírito Santo não desceria a animar corpos impuros", quisemos referir-nos, sempre do ponto de vista católico, ao fato de ser o corpo do homem ocupado pelo Espírito Santo.

N. 188. A Igreja romana pretende que a confissão auricular, por ela organizada e ainda praticada, foi instituída por Jesus; que ele a quis e prescreveu, conforme se deduz das palavras que dirigiu a Pedro (MATEUS, v. 19) e a seus apóstolos (JOÃO, XX, v. 22-23), e que essa confissão é, portanto, "obrigatória".

Mais uma vez — pretensão humana; erro oriundo de haver a Igreja considerado como dirigidas a si palavras que o eram especialmente a Pedro e aos apóstolos e de lhes ter, do mesmo passo, desfigurado e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 444

falseado o sentido e o alcance. Estas palavras de Jesus aos apóstolos: "Os pecados serão perdoados àqueles a quem os perdoardes e serão retidos àqueles a quem os retiverdes" lhes foram então dirigidas como conseqüência do que o Mestre lhes acabava de dizer: "Recebei o Espírito Santo", dando-lhes, com a assistência e o concurso dos Espíritos superiores que os guiaram no desempenho de suas missões, o poder de, em linguagem humana, pronunciarem os decretos que lhes seriam espiriticamente revelados.

Não, não, Jesus não instituiu a confissão tal qual a Igreja a organizou. Ela teve que chegar a isso, como ides ver. O ponto de partida era racional; mas, a origem da confissão está no ato de humildade que todo cristão tinha que praticar, confessando publicamente a seus irmãos as faltas que cometera ou premeditara.

O ponto de partida se encontra nestas palavras de Jesus aos discípulos: "Confessai-vos uns aos outros", palavras cujo sentido era: "Dai, uns aos outros, abertamente, testemunho da vossa fé, nada ocultando, a fim de que mutuamente vos ampareis".

Baseado nessas palavras, que Jesus nos encarregou de vos repetirmos tais quais as pronunciou e que, conquanto nenhuma autenticidade humana tenham, pois não foram impressas com aquele sentido, os discípulos ouviram dele e as repetiram — foi que Tiago disse aos primeiros cristãos (Ep. V, v. 16): "Confessai vossas faltas uns aos outros e orai uns pelos outros. Foi ainda em conseqüência delas que Paulo, o apóstolo dos Gentios, disse (Ep. aos Hebreus, III, v. 12-13 e X, v. 24-25):

"Tomai cuidado, meus irmãos, para que algum de vós não caia num desregramento do coração e numa incredulidade que o separe do Deus vivo. Antes, exortai-vos todos os dias, uns dos outros, enquanto durar este tempo que a Escritura chama hoje, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 445

para que algum de vós, seduzido pelo pecado, não caia no endurecimento. CONSIDEREMO-NOS uns aos outros, A FIM de nos excitarmos reciprocamente à caridade e às boas obras. Não nos retiremos das assembléias dos féis, como alguns se acostumaram a fazer, mas, EXORTEMO-NOS uns aos outros, pois vedes que o dia se aproxima."

Os irmãos que compunham as primeiras assembléias cristãs confessavam em voz alta, diante de todos, as faltas que haviam cometido, as fraquezas, os desfalecimentos a que tinham sucumbido. Esta a origem da confissão, que se tornou, pouco a pouco, restrita e acabou não sendo mais ouvida senão por um só, ao qual, criação e instituição humanas, foi atribuída a missão de absolver ou de condenar. Mas, nos primeiros tempos em que se praticou esta decisão, ao confessor, que deixou de ser aquele que proclamava sua fé, suas fraquezas, seus desfalecimentos, suas faltas em público, para se tornar o confidente de seus irmãos, cumpria, sem mencionar os culpados, submeter os fatos ao julgamento de uma assembléia composta do bispo, dos diáconos da igreja, e comunicar ao penitente a sua absolvição ou a condenação de que fora objeto. Dadas, porém, as delongas que a extensão do Cristianismo e o número dos penitentes tornavam cada vez mais difíceis de ser vencidas, o poder de julgar foi inteiramente posto nas mãos do confessor.

Estas palavras de Jesus aos discípulos: "Confessai-vos uns aos outros" significavam que, praticando a igualdade humana, a fraternidade completa, aquele que acabava de fazer a sua confissão sincera diante de seus irmãos reunidos ouvia em seguida, por sua vez, a confissão de cada um dos assistentes: de réu passava a ser juiz.

Semelhante confissão, feita com sinceridade, refreava os homens, pelo temor que lhes causava o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 446

terem de desvendar um pensamento duvidoso que fosse, inspirava-lhes recíproca indulgência. Cada um temia o julgamento de seus irmãos e, conseguintemente, pregava pelo exemplo a caridade fraternal. Acreditais, porém, que fora possível conservar-se a prática de tal confissão?

Arrastados pelos novos vícios de uma era nova, os homens se afastaram pouco a pouco das assembléias cristãs e a confissão das faltas teria cessado de existir, se a houveram mantido em toda a sua pureza primitiva. Tornou-se então preciso restringir o auditório.

A confissão passou a ser feita diante de pequeno número de fiéis escolhidos entre os íntegros. Depois, como a licenciosidade aumentasse, imperiosa também se tornou a necessidade de diminuir ainda mais o número dos confessores. Limitou-se mais o número dos ouvidos que teriam de receber a confissão das faltas. Assim foi que se chegou a não as confiar senão a um só homem.

Deu causa igualmente a este resultado o se ter o abuso insinuado entre os que eram escolhidos para ouvir as confissões dos seus irmãos e guiá-los. Entraram a especular, traindo segredos que juravam guardar e deles faziam vergonhoso uso.

Esclarecido zelo animava os discípulos de Jesus e seus primeiros imitadores. Guiados pelos Espíritos do Senhor, sempre prontos a lhes mostrar a verdade por meio da inspiração, tinham eles o poder de ligar e desligar.

Seus sucessores, indignos dessa proteção, transviados da fé, não se conformaram todavia com perder a prerrogativa da infalibilidade e também qui- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 447

seram ligar e desligar. Mas, os laços com que vos prenderam as almas nunca as impressionaram e muitas das que por esses laços foram despedaçadas deixaram traços profundos. Infalível só o é Deus. Os Espíritos não participam da sua infalibilidade, senão na medida das inspirações que dele recebem, imediata ou mediatamente, segundo a ordem hierárquica. Seja qual for o Espírito que tome um corpo de carne, isto é, que sofra a encarnação humana, está sujeito às fraquezas da carne. Resistir-lhes-á mais ou menos, porém as experimentará sempre.

Falando dos discípulos de Jesus e de seus primeiros imitadores, dissemos que, animados de esclarecido zelo e inspirados pelos Espíritos do Senhor, tinham o poder de ligar e desligar. Dissemo-lo no sentido de que, como já o temos explicado, se achavam em condições de julgar da pureza ou da culpabilidade dos que lhes pediam conselhos. Justo era, por conseguinte, da parte deles, o julgamento. Mas, nenhum se arrogou jamais o direito de julgar sem apelação, de absolver ou de condenar.

Não é certo que, se encontrardes um malfeitor, lhe direis: Não cometas essa ação culposa, incorrerás na sanção da lei e sofrerás tal ou tal repressão? Ao saberdes da morte voluntária de um de vossos irmãos, não pensais imediatamente que longa e penosa lhe será a expiação? E se vos achardes perto dele no momento escolhido para a consumação do ato de desespero, que o condena a penas cruéis, não lhe direis: "Detém-te, insensato; o gládio está suspenso sobre a tua cabeça, teu futuro será prenhe de torturas, verás a todos os instantes o teu corpo mutilado exprobrar-te o lhe teres privado da existência que te estava confiada; detém-te, em nome do teu Deus, em teu nome mesmo"? Porque podeis dessa maneira prevenir vossos irmãos e prever a sorte que lhes está reservada? Porque, com o código numa das mãos e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 448

com os ensinamentos espíritas na outra, podeis prever o castigo que será infligido a tal ou tal falta.

O mesmo se dava com os apóstolos e com os discípulos que, tendo recebido a luz, eram inspirados e guiados pelos Espíritos do Senhor.

Acabamos de dizer: "Com o código numa das mãos e com os ensinamentos espíritas na outra", porque figuramos dois exemplos, um em face das leis humanas, outro em face das leis divinas.

No caso em que advertis o malfeitor prestes a cometer um ato repreensível, previsto e punido pela lei humana, tomamos para exemplo um ato humano passível de castigo que o vosso código humano permite prever.

No outro caso, são os ensinamentos espíritas que vos levam a advertir o homem prestes a cometer um ato cujas conseqüências, por ser este repreensível aos olhos de Deus e passível do castigo de Deus, prevedes, graças à luz que vos traz a revelação espírita.

N. 189. Que se deve pensar da confissão auricular, tal como a Igreja romana a instituiu?

Tem que cessar, mas ainda não chegou o momento.

Para as almas desejosas de caminhar nas sendas do Senhor, é ilusória. Para os Espíritos fracos é um freio.

Desgraçadamente, também constitui às vezes um abuso, pois que, no seio da humanidade, por toda parte, o mal está ao lado do bem. Em contraposição a uma criatura tímida e dócil que um bom sacerdote amparará com seus piedosos e esclarecidos conselhos, cem haverá (e poderíamos multiplicar o número) que não procuram o confessionário senão para preencher uma formalidade que o rito exige; muitos que dela riem e fazem objeto de escândalo; muitos que deixam de praticá-la por terem descoberto que seus diretores espirituais são homens falsos, que abusam do caráter OS QUATRO EVANGELHOS (II) 449

sacerdotal, imiscuindo-se nos segredos das famílias, para daí auferirem qualquer vantagem, mas nunca no interesse de seus penitentes; que se esforçam por afastar o Espírito de seu confitente das grandezas e da justiça de Deus, a fim de o enclausurarem num círculo de miúdas práticas e de idéias mesquinhas que o enleiam, impedindo-o de voar para o trono do Senhor.

Dia virá, já o dissemos, em que essas práticas materiais desaparecerão, em que os homens reconhecerão que devem amar o seu Deus com a sinceridade nos corações. E o melhor meio de o amar é caminhar nas suas sendas. A submissão às vontades do pai é a melhor prova de amor que o filho lhe pode dar.

Todo o culto então consistirá numa adoração sincera, da qual nada afastará o crente, na prática das boas obras, do amor, da caridade, da fraternidade. Tendo-se tornado adoradores do pai em espírito e verdade, os homens, seguindo a trilha da luz e da ciência, se entregarão à pesquisa, sempre progressiva, da verdade, cheios de humildade, de desinteresse, sem obedecerem a outro móvel que não ao desejo do progresso pessoal e do progresso coletivo, na ordem moral, na ordem física e na ordem intelectual. Todos, Judeus e Gentios, se reunirão nos templos, abstração feita dos cultos externos que por enquanto ainda os dividem e separam, a fim de entoarem louvores ao Altíssimo, celebrarem sua glória e sobretudo seus benefícios. Mas, a presidência dessas assembléias solenes será confiada ao mais digno, eleito pelo voto unânime de todos. Os homens, nessa época, rivalizarão em amor e virtude, pois que o eleito da assembléia, o chefe dos crentes, estará certo da proteção dos Espíritos do Senhor e suas revelações serão iluminadas e isentas de dúvidas e de incertezas.

Então, ó bem-amados, a confissão terá deixado de ser lei da Igreja e constituirá uma necessidade da alma. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 450

Aquele que se sentir perto de uma fraqueza virá publicamente pedir a seus irmãos o amparo de suas preces, comparecerá naquelas assembléias, onde haverá um só coração e uma só fé, para rogar aos Espíritos protetores que o livrem dos maus pensamentos e lhe sustentem o ânimo periclitante.

Coragem, ó bem-amados; chegará o dia do reino de Deus, não duvideis. Não desanimeis por motivo da lentidão com que ele vem. Os materiais ainda não estão todos prontos, mas os obreiros já se acham entregues à obra, já talham as pedras que hão de ser utilizadas na edificação do templo do Senhor.

N. 190. A Igreja romana pretende ter, por meio da confissão auricular que ela instituiu, o poder de ligar e desligar, de perdoar e de reter os pecados, "não, ao que dizem seus ministros, por uma simples declaração do que Deus faz no pecador, MAS por um ato jurídico e por uma sentença proferida com a autoridade de um juiz, DESLIGANDO pela excomunhão, pela recusa e pelo adiamento da absolvição, ratificando Deus nos céus o julgamento dos ministros do culto católico, quando julgam segundo as regras que lhes ele prescreveu pela sua palavra e pela sua Igreja."

Orgulho. Que outra coisa senão o orgulho levou o homem a se arrogar semelhante poder?

Criatura ínfima, sujeita a todas as vicissitudes da matéria, enlaçada por todos os liames do vício, que outra coisa senão o orgulho levou o homem a acreditar que Deus, servindo de instrumento cego e complacente a suas vinganças, a seus instintos, à sua política, lhe ratificaria, sem mais exame, as decisões?

O orgulho insensato é que leva o homem a só duas coisas saber fazer: ou negar o seu Deus, ou colocar-se no lugar dele.

Volte a Igreja ao caminho e continue a percorrê-lo do ponto onde a deixaram Pedro e os apóstolos, os discípulos e seus primeiros imitadores, e então achará a Igreja do Cristo, cuja edificação eles começaram e o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 451

Espírito da Verdade vem, progressivamente, acabar, por meio da nova revelação.

Compreenda ela o verdadeiro sentido das palavras que Jesus dirigiu a Pedro e aos apóstolos, sentido que espiriticamente vos revelamos em nome do Mestre, e então, como os verdadeiros espíritas, também trabalhará, inspirada pelo Espírito da Verdade, na edificação da Igreja do Cristo. Só então poderá, realmente, ligar e desligar, o que não quer dizer — absolver ou condenar a seus irmãos, e sim tornar-se pelo seu viver moldado na integridade do coração e da alma, pela obtenção das luzes dos bons Espíritos, cada vez mais apta a julgar das coisas da terra e das coisas do céu, a dirigir os homens, abstração feita dos cultos exteriores, pelo bom caminho, que é o dos mandamentos que Jesus declarou encerrarem toda a lei e os profetas, e a distinguir, com exatidão, os que se desviam e os que marcham fiéis. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 452

MATEUS, Cap. XVI, v. 21-23. —MARCOS, Cap. VIII, v. 31-33. — LUCAS, Cap. IX, v. 22

Predição. — Palavras de Pedro. —Resposta de Jesus

MATEUS: V. 21. Em seguida começou Jesus a declarar aos discípulos ser preciso que ele fosse a Jerusalém, que aí sofresse muito dos anciãos, dos escribas e dos príncipes dos sacerdotes; que aí fosse morto e ressuscitasse ao terceiro dia. — 22. Pedro, chamando-o de parte, se pôs a repreendê-lo, dizendo: Tal não aconteça, Senhor; nada disso te sucederá. — 23. Jesus, voltando-se para Pedro, lhe disse: Afasta-te de mim, Satanás, tu me és motivo de escândalo, pois que não tens o gosto das coisas de Deus e sim o das coisas dos homens.

MARCOS: V. 31. E começou a lhes declarar ser preciso que o filho do homem sofresse muito e que fosse rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que fosse morto e que ressuscitasse três dias depois. — 32. Como falasse abertamente dessas coisas, Pedro, tomando-o de parte, começou a repreendê-lo. — 33. Jesus, porém; voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Tira-te da minha frente, Satanás, pois que não tens o gosto das coisas de Deus e sim o das coisas dos homens.

LUCAS: V. 22. E acrescentou: É preciso que o filho do homem sofra muito e que seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que lhe seja dada a morte e que ressuscite ao terceiro dia.

N. 191. (Mateus, v. 21; Marcos, v. 31; Lucas, v. 22): Tendo descido à terra para dar aos homens a maior prova, o maior exemplo de amor e de abnegação que na terra pudessem existir, cumpria que Jesus preparasse seus discípulos para aquele ato im- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 453

portante da sua missão, a fim de que, aos olhos de todos, naquela época como no futuro, ficasse demonstrado que sua "morte" e sua crucificação estavam previstos, não foram acontecimentos puramente humanos.

Usando das expressões — "ser morto", "ressuscitar" —, dizendo ser preciso que lhe dessem a morte e que ressuscitasse, o Cristo se servia de linguagem que os homens pudessem compreender. Tendo o seu corpo a aparência do corpo humano, cumpria-lhe sofrer a metamorfose da morte. Depois, deixando no esquecimento o corpo de carne que parecia trazer, cumpria-lhe mostrar-se aos homens, para que ficasse comprovada a sua identidade. Preciso era, pois, que os homens fossem prevenidos do acontecimento que sobreviria, a fim de o apreenderem, porquanto os próprios discípulos não teriam compreendido o fato do reaparecimento de Jesus no meio deles, se o não houvessem encarado do ponto de vista da ressurreição, no sentido que davam a este termo.

Notai que, para os Hebreus, a ressurreição consistia no regresso da alma a um corpo de carne, a um corpo material, sem indagarem se se tratava sempre do mesmo corpo, sem inquirirem da origem nem do fim de tal corpo. Jamais se preocuparam com essa questão. Mas, tanto os discípulos como os Hebreus compreendiam a "ressurreição" anunciada por Jesus, como tendo que ser a volta da alma ao mesmo corpo. Essa a razão por que a Tomé permitiu ele pusesse a mão na abertura que lhe fizeram de um lado e os dedos nas chagas que os cravos lhe abriram nas mãos e nos pés. Para esse efeito, seu corpo fluídico de natureza perispirítica retomara, com a tangibilidade, a consistência, a aparência de um corpo humano.

Pela revelação que vos foi feita, conheceis a natureza do corpo de Jesus, de Jesus que era sempre Espírito, mesmo quando revestia aquele perispírito OS QUATRO EVANGELHOS (II) 454

tangível para, submetendo-se às necessidades da sua missão terrena, estar visivelmente entre os homens. Não houve nem morte, nem ressurreição, no sentido dado a essas expressões. Houve simples aparência de uma e outra coisa.

Foram todos morais os sofrimentos que o Mestre suportou na cruz. O que das chagas lhe saía era uma combinação puramente fluídica com as aparências de sangue. Bem sabemos que estas revelações vão alarmar grande número de Espíritos que muito se atêm às torturas físicas do grande modelo que vos foi enviado. Mas, indispensável é se resignem a ver em Jesus somente um Espírito, superior a todos os outros que concorreram para a formação do vosso planeta, que hão cooperado, cooperaram e cooperarão nas suas transformações, na realização de seus destinos, no seu progredir para a perfeição. Que se resignem a ver nele apenas um puro Espírito, que revestiu uma forma visível aos homens, mas cujos sofrimentos foram todos morais, resultantes do amor que consagrava e consagra a seus protegidos, por vê-los tão endurecidos. Dissemos: a seus protegidos, porque, como sabeis, ele é o protetor e o governador do vosso planeta. Nessa qualidade, experimentava o sofrimento que causa a urna mãe carinhosa o ter que punir o filho bem-amado.

Sim, vivendo o Cristo entre os homens vida espiritual, apenas revestido de um perispírito tangível com a aparência do corpo humano, a sua crucificação e bem assim todos os atos materiais praticados contra ele, não só por ocasião do sacrifício do Gólgota, como antes, nenhum efeito físico-humano tiveram. Nem de outro modo podia ser, pois que não havia a matéria do homem terreno.

E num Espírito que se apresentava visível e tangível poderiam tais efeitos produzir-se? OS QUATRO EVANGELHOS (II) 455

Atentai bem nos sentimentos que animavam a Jesus, na missão que viera desempenhar, no exemplo que dava aos homens. Ele se limitou a pronunciar em voz alta as palavras que serão mais tarde objeto de explicações nossas e que assim se resumem: "Está tudo cumprido, eis-me aqui, Senhor". E ele as pronunciou a fim de mostrar aos homens, por meio de um exemplo prático, a resignação, a obediência e a submissão que lhes cumpre ter diante das vontades do soberano Senhor. O brado que soltou não foi tampouco um brado de sofrimento. Ao "render a alma" (está claro que apenas no entender .dos homens), semelhante brado tinha por fim chamar-lhes a tenção para aquele momento supremo e fazer-lhes compreender, por uma expansão de alegria e não de angústia, a felicidade do Espírito que se desprende do grosseiro invólucro, para elevar-se ao seu Criador.

Os homens interpretam aquelas diferentes manifestações de acordo com as suas sensações pessoais. Regulando-se pelo que experimentariam em situação análoga, atribuíram as mesmas sensações ao Cristo, em quem não viam senão a parte material, acreditando-o possuidor de um corpo completamente material, idêntico aos seus.

Dissemos ser preciso que se resignem a ver no Cristo simplesmente um Espírito, isento por conseguinte das sensações materiais e físicas, porque sem dúvida a maioria dos homens dirá: "Que mérito era o dele em se submeter a tais torturas, se não experimentava o sofrimento físico?" Não compreendem os que assim falam que o sofrimento, na essência espiritual, é mais forte e mais vivo do que o possam ser, para os vossos corpos, quaisquer sofrimentos humanos. Jesus sofreu, oh! sim, sofreu cruelmente, não na sua "carne", mas em seu Espírito. Cada pancada do martelo nos cravos que lhe traspassavam as mãos e os pés fluídicos, mas tangíveis, lhe ia ferir a sensibilidade e OS QUATRO EVANGELHOS (II) 456

lhe fazia correr da alma o sangue mais precioso: o sangue do amor e do devotamento que vos consagra.

Homens carnais que nada mais vedes além das convulsões da carne, nunca vos sucedeu experimentar sofrimentos morais que de bom grado trocaríeis por todas as torturas da Inquisição?

A quantos pais e mães não tem acontecido verem o filho amado pagar com a mais negra ingratidão, com o abandono, com os maus tratos e mesmo com o crime, a ternura e a dedicação que lhe votavam? Se, em tal caso, lhes fosse oferecida a troca do sofrimento moral por uma dor física, ainda que das mais agudas, não aceitariam? Pois bem! o divino modelo, que por vós subiu ao Calvário, que padeceu por vós, sofreu, sofreu muito. Porém, não chegou ainda o momento de entrarmos nestas particularidades. Voltaremos a este ponto.

Quanto ao fato de haver o corpo de Jesus desaparecido do sepulcro, sabeis que o Mestre, todas as vezes que se achava longe das vistas humanas e não era solicitado pelas exigências de sua missão terrena a estar visível entre os homens, privava da tangibilidade o seu perispírito tangível e lhe restituía a aparência fluídica etérea, tornando-se invisível, conservando-se, todavia, os elementos que o compunham, prestes a se reunirem quando lhe aprouvesse. Então, seu Espírito puro e livre voltava para o espaço, para as regiões superiores.

Conforme o explicaremos oportunamente, Jesus fez que no sepulcro fosse achado o seu perispírito tangível, semelhante ao corpo humano, tal como fora retirado da cruz e depositado lá por José de Arimateia. Assim, o corpo perispirítico estava no sepulcro quando os príncipes dos sacerdotes e os fariseus compareceram, a fim de selarem o mesmo sepulcro e lhe porem guardas, depois de se certificarem de que o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 457

corpo lá se achava. Logo que tais precauções foram tomadas, o sepulcro ficou vazio. Jesus tirou ao seu corpo de natureza perispiritual a tangibilidade, fê-lo retomar a aparência fluídica, etérea, sob a qual era invisível aos homens, e saiu do sepulcro, pois que, como sabeis, para o Espírito não há obstáculos, nem barreiras.

Desde então, repetimos, seu Espírito puro e livre voltou para o espaço, para as regiões superiores, conservando-se os elementos do seu corpo fluídico, instrumento da sua missão terrena, prontos a se agregarem outra vez, quando ele o quisesse, a fim de se apresentar de novo, "ressuscitado", no entender dos homens, de reaparecer, nas condições e circunstâncias de que mais longe trataremos e ser visto até à época da sua chamada ascensão. Nessa época, tendo concluído a sua missão na terra, deixou definitivamente aquele corpo de natureza perispirítica, que lhe servira para desempenhá-la, voltando seus elementos fluídicos aos meios donde haviam sido tirados. A partir de então, retomou ele, como Espírito, Espírito puro e perfeito, o desempenho da sua missão espiritual, na qualidade de protetor e governador do vosso planeta, missão que neste momento desempenha entre vós por meio do Espírito da Verdade e da nova revelação.

(Mateus, v. 22-23; Marcos, v. 32-33): Vamos agora explicar-vos as palavras que Pedro dirigiu a Jesus, ao acabar este de predizer os seus sofrimentos, sua "morte" e sua "ressurreição", e também a resposta do Mestre ao apóstolo. Do mesmo modo que os médiuns atuais, Pedro nem sempre estava debaixo de uma influência estranha e, desde que isso se verificava, seu Espírito agia livremente, como o fazem os vossos. Foi, pois, como homem que ele se viu presa do temor de perder o Mestre bem-amado. Naquele momento, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 458

ficou entregue às suas próprias inspirações, como em outras ocasiões diversas. A influência dos Espíritos do Senhor que o dirigiam não se fazia sentir incessantemente. Não era possível que ele se visse sempre impedido de usar do seu livre arbítrio. Porventura supondes fosse a inspiração dos bons Espíritos que o levou a negar o Mestre?

Notai que Pedro ficava entregue a si mesmo todas as vezes que a seu lado estava Jesus para lhe corrigir os desvios e lhe ensinar a desconfiar da fraqueza da carne. O desempenho da sua missão humana ainda não principiara. Sua condição era ainda a do aluno que, sob as vistas do mestre, experimenta as forças e reconhece que nem sempre estas lhe bastam. Logo, porém, que o Cristo concluiu sua missão terrena, começou a de Pedro e dos outros discípulos e desde então se tornou incessante a assistência dos Espíritos superiores, incumbidos de os guiar, a fim de que se desse o que devia dar-se.

Passemos à severa resposta de Jesus. Todo Espírito encarnado é, conforme já o temos dito, falível, pela só razão de ser encarnado. Ora, Jesus queria que Pedro se mantivesse em guarda contra as fraquezas humanas, que sempre induzem a criatura a não sentir o gosto das coisas de Deus e a só ter o das coisas dos homens.

A expressão Satanás de que o Mestre usou com relação a Pedro, num sentido puramente figurado, significa a má influência. Pedro procurava desviar o Mestre de seu dever, personificava desse modo a má inspiração.

Respondendo ao apóstolo por aquela forma, apropriada ao momento e ao futuro, quis também Jesus lembrar a todos os que lhe ouviram as palavras, aos que as leriam e aos que as hão de ler, que a vontade do Senhor tem que predominar sobre qualquer outra vontade e que todos, encarnados e não encar- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 459

nados, temos que nos curvar às suas leis, com submissão, respeito e amor. Mantende-vos, pois, em guarda contra as fraquezas humanas; uni-vos, uni-vos numa santa comunhão de pensamentos; confessai-vos sinceramente uns aos outros, isto é: exortai-vos uns aos outros, a fim de vos esclarecerdes, de vos amparardes mutuamente, fazendo a confissão das vossas fraquezas, sondando os vossos mais secretos pensamentos. Sede dulçurosos e humildes de coração, mas que a doçura em vós seja a que atrai o culpado para lhe conceder a graça, ou para obter-lha. Sede humildes de Espírito, mas que a humildade em vós seja essa humildade séria e profunda que impele o que a possui a se tornar pequenino diante de seus irmãos; a receber prazerosamente um conselho, venha donde vier; a não se julgar nunca acima de seus semelhantes, nem pelo dinheiro, nem pela posição social, nem pelas faculdades, nem pela inteligência, nem pelas virtudes; a procurar, ao contrário, dissimular o seu valor aos olhos dos outros, a fim de os não amedrontar e de não lhes fazer sombra. Sede submissos à vontade do vosso pai, demonstrando, porém, uma submissão cheia de reconhecimento, que com alegria recebeis as provações que lhe apraza enviar-vos, quaisquer que sejam. Sede submissos como o foi Job e mais ainda. Estejam vossos lábios, vossas almas sempre prontos a bendizer de todas as decisões do Senhor.

Não choreis nunca, homens, e menos ainda vós outros espíritas, que recebestes a luz bendita, senão de reconhecimento. São estas as únicas lágrimas que a fé pode derramar.

Ide em paz, ó bem-amados, sondai as vossas consciências e que o fundo delas esteja sempre limpo às vistas do Senhor.

N. 192. Por estas palavras que dirigiu a Pedro: "Afasta-te de mim, satanás; tu me és motivo de escândalo, pois que não tens o OS QUATRO EVANGELHOS (II) 460

gosto das coisas de Deus e sim das coisas dos homens", teria querido aludir Jesus: 1? aos que se encarregariam de continuar a obra de Pedro e dos discípulos e que, entretanto, devido à falibilidade de todo Espírito encarnado e às fraquezas humanas, haviam de expor a lei evangélica às fases de erros e de materialidade, por que tem passado, deturpando-lhe o sentido e o objetivo, afastando-a das linhas puras, simples e doces da sublime moral do Mestre, por efeito dos dogmas e mandamentos humanos, do orgulho, da intolerância, do fanatismo, do espírito de dominação, do despotismo religioso e também por efeito do gosto das coisas dos homens, isto é: das honras, do fausto, das dignidades, do poder, dos favores e vantagens de ordem espiritual e temporal, que não são coisas de Deus? — 2? a todos os que, nos tempos atuais da era nova, se mostram hostis e rebeldes à revelação espírita, como hostis e rebeldes à revelação do Cristo se mostraram os escribas, os fariseus, os príncipes dos sacerdotes e seus adeptos?

Sim. Como sabeis, Jesus possuía a presciência do futuro, das fases e condições dos progressos vindouros e todas as suas palavras tinham e têm ainda que alcançar o presente e o porvir. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 461

MATEUS, Cap. XVI, v. 24-28. —MARCOS, Capítulo VIII, v. 34-38 e IX, v. I —LUCAS, Capítulo IX, v. 23-27

Meios e condições sem os quais não se pode ver na terra o reino de Deus, em todo o seu poder

MATEUS: V. 24. Disse então Jesus a seus discípulos: Se alguém quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me; — 25, porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá e aquele que perder a vida por minha causa a encontrará. — 26. De que serve a um homem ganhar um mundo inteiro e perder a alma? Que preço dará o homem para recobrar sua alma? — 27. Pois o filho do homem tem que vir na glória de seu pai, com seus anjos; e então dará a cada um de acordo com suas obras. — 28. Em verdade vos digo: Alguns há, entre os que aqui se acham, que não morrerão sem ter visto o filho do homem vindo ao seu reino.

MARCOS: V. 34. E, chamado para junto de si o povo e os discípulos, disse: Se alguém me quiser acompanhar, renuncie a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me; — 35, porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá, mas aquele que perder a vida por minha causa e do Evangelho a salvará. — 36. Pois, de que serviria a um homem ganhar um mundo inteiro e perder a alma? — 37. E que daria o homem em troca da sua alma? — 38. Aquele que de mim se envergonhar e das minhas palavras, nesta raça adúltera e pecadora, desse o filho do homem também se envergonhará, quando vier, acompanhado dos santos anjos, na glória de seu pai. — IX, 1. E acrescentou: Em verdade vos digo que, entre os que aqui se acham, alguns há que não morrerão sem que tenham visto chegar o reino de Deus em seu poder.

LUCAS: V. 23. E dizia a todos: Se alguém quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me; — 24, porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá e aquele OS QUATRO EVANGELHOS (II) 462

que perder a vida por minha causa a salvará. — 25. Pois, de que serviria a um homem ganhar um mundo inteiro, fazendo-o em seu detrimento, e perder-se? — 26. Aquele que se envergonhar de mim e das minhas palavras, desse o filho do homem também se envergonhará, quando vier na sua glória, na de seu pai e dos santos anjos. — 27. Em verdade vos digo que, entre os que aqui se acham, alguns há que não morrerão sem que tenham visto o reino de Deus.

N. 193. Compreendei as advertências de Jesus. Sabeis que o devotamento absoluto, a submissão sem limites são as condições únicas mediante as quais chegareis à perfeição relativa que a humanidade pode alcançar. Não era demais, portanto, que ele insistisse neste ponto. Nunca o deveis perder de vista.

Quanto à promessa que fez a seus discípulos, afirmando-lhes que a geração deles não passaria e que muitos dentre eles não morreriam sem ter visto aquelas coisas, vós espíritas deveis apreender o sentido em que cumpre sejam tomadas estas palavras. Como as interpretarão os doutores em teologia? No sentido figurado? Que significação se lhes há de então atribuir? No sentido literal? Onde então achar a verdade delas e a realização do que afirmam?

Para vós, que ouvis e recebeis a revelação que vos faz o Espírito da Verdade, essas palavras, no seu verdadeiro sentido, que é o que espiriticamente se vos revela, eram dirigidas à categoria dos Espíritos que, encarnados naquela época, tinham de chegar, de reencarnação em reencarnação, ao tempo em que o reinado de Deus se estabelecerá realmente na terra, em que o filho do homem, aquele Espírito devotado e meigo, se mostrará em todo o seu esplendor aos homens, bastante puros para lhe poderem suportar o fulgor espírita. As palavras — "não morrerão" foram empregadas para tornar a frase compreensível às inteligências dos que as escutavam, uma vez que OS QUATRO EVANGELHOS (II) 463

seus Espíritos não podiam apreender, em toda a extensão, a lei do retorno do Espírito à terra e uma vez também que ainda não era tempo de serem esclarecidos a tal respeito.

A maior parte dos Espíritos aos quais Jesus se referia, falando dos que viveriam na terra ao tempo da sua vinda, serão nesse tempo Espíritos purificados e se acharão reencarnados em missão.

Compreendei bem o sentido, em espírito e verdade, de todas as palavras do Mestre, para as quais se vos chama, neste momento, a atenção, palavras que, veladas pela letra, eram apropriadas aos tempos e às inteligências da época, que por elas tinham que ser tocadas e impressionadas: Desde o momento em que se entrega aos gozos materiais, o homem entra para a categoria dos que perdem a alma pelos bens mundanos, dos que a "vendem ao demônio", na frase tantas vezes repetida e mal compreendida. Para vender-se ao demônio e perder a alma, não é necessário que o homem faça, com "o anjo das trevas", isto é, com os maus Espíritos, pactos escritos em caracteres de sangue. Basta que, ultrapassando os limites do necessário, se entregue inteiramente aos instintos materiais da humanidade; pois que, assim, desce abaixo dos irracionais, por ele tão desprezados, mas que, entretanto, guiados por um instinto que também vós possuís, jamais saem dos limites que as necessidades da vida lhes traçam.

O homem não se pertence. Sua existência corporal humana é um empréstimo que o Senhor lhe faz, um meio que lhe concede de se depurar e de mais facilmente chegar até ele. O homem, portanto, assim como não deve apegar-se ao tesouro que afadigosamente conseguiu formar, tampouco se deve apegar ao corpo que traz, pois nenhum dos dois irá com ele para o outro mundo, nenhum dos dois lhe servirá de nada no outro mundo. Ambos, porém, nesse mundo OS QUATRO EVANGELHOS (II) 464

de provações, constituem um meio, que cada um tem de se experimentar a si mesmo, de cumprir suas obrigações para com Deus pela gratidão, para com seus irmãos pela caridade, para consigo próprio pelo desinteresse e pelo bom emprego de seus bens.

Nem ao corpo, nem ao tesouro deveis apegar-vos exclusivamente, pessoalmente. Cumpre que o vosso corpo constitua para vós, bem como o ouro que tendes em giro, apenas um meio de serdes úteis aos vossos irmãos. Tudo, pois, deveis fazer tendo em vista o adiantamento deles, sem que nenhum cálculo egoístico vos detenha, sem que leveis em conta o embaraço, as contrariedades, os inconvenientes que vos advenham das obras que possais realizar, em bem dos vossos irmãos, com o auxílio do vosso corpo, do mesmo modo que não deveis pensar nas privações que vos imporeis dispondo do vosso ouro em beneficio deles. Todavia, preciso é que nem de um nem de outro useis com prodigalidade, mas com critério e ponderação. Tudo, na vossa vida, deve estar submetido a este grande regulador: a razão, razão esclarecida pelo facho do amor e da verdade. Se vos dignardes de consultá-la seriamente, ela nunca vos deixará sem resposta; mostrar-vos-á sempre a linha reta, sábia e segura.

Não custareis de certo a compreender que de nada serve a um homem fazer na terra todos os sacrifícios, desde que não viva conformente às vontades do Senhor. De que lhe vale, de fato, objetivando a sua felicidade pessoal, sujeitar-se a todas as privações, a todas as macerações que um ritual mesquinho impõe, se lhe falta a caridade para com seus irmãos, o reconhecimento para com o seu Deus, se só o egoísmo o impele a procurar "salvar" a sua alma, se não cogita, para chegar ao bem, da alegria que, observando-lhe os esforços, seu Deus experimenta? Sob a influência de tal egoísmo não se assemelha o homem à criança que, tendo tido a promessa de uma recompensa se OS QUATRO EVANGELHOS (II) 465

bem cumprir os seus deveres, a isso se apega de todo o coração, ao ponto de não repousar nem dar tréguas ao seu esforço, enquanto não põe a mão no prêmio prometido; e que, não existindo o prêmio ou duvidando dele, cai de novo na indolência e na indiferença, pouco se incomodando com o amor e a satisfação do pai?

Não vos preocupeis, homens, com os vossos corpos mais do que for necessário, nem com as vossas almas de um ponto de vista pessoal. Cuidai dos primeiros como de instrumentos que vos são indispensáveis, a fim de que se prestem, o mais tempo possível, às exigências da causa comum.

Que as vossas almas sejam como as virgens que cercais de cuidados, de ternuras, de vigilância, para as entregardes puras às mãos daqueles que as venham desposar. Que o vosso objetivo, em qualquer ocasião, seja sempre o bem geral dos vossos irmãos, tanto na ordem material, quanto na ordem moral e intelectual, seja sempre a satisfação do vosso Deus.

Não vos pergunteis nunca: que progresso tenho feito para a felicidade eterna? Perguntai antes: que alegria tenho proporcionado ao pai eterno, que espreita todas as minhas ações, todos os meus pensamentos, que rejubila por ver germinar em mim a semente da verdade e do amor, lançada por ele em minha alma?

Oh! filhos bem-amados, que todos os vossos atos, que todos os vossos pensamentos tenham a guiá-los a gratidão ao vosso Deus e o amor aos vossos irmãos; que jamais o egoísmo, o interesse pessoal, manche a pureza das vossas consciências.

"Aquele que se envergonhar de mim e das minhas palavras, nesta raça adúltera e pecadora, disse Jesus, desse se envergonhará o filho do homem, quando vier na sua glória, na de seu pai e dos santos anjos, pois ele tem que vir e a cada um dará de acordo com as suas obras. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 466

Estas palavras do Mestre abrangiam o passado, o presente e o futuro. Referem-se especialmente aos que, na era nova que se abre diante de vós, depois de terem conhecido a verdade, disfarçarem, pelo respeito humano, ou ocultarem suas convicções. Notai que não censuramos, aqui, aqueles que se vêem, mau grado seu, constrangidos, pelas suas posições sociais, a calar durante mais ou menos tempo seus pensamentos secretos. Esses devem, como os outros, espalhar a verdade, mas com prudência e medida, por isso que, muitas vezes, comprometendo suas existências materiais, comprometeriam igualmente o bom êxito do seu empreendimento. Falamos, sim, dos que temem o ridículo, os gracejos malévolos, dos que não ousam afrontar as atoardas de um meio contrário e se submetem, rindo com os que riem, motejando com os que motejam, receosos de que se lhes diga: Também sois deles! A esses Jesus se dirigirá como se dirigiu a Pedro e, quando o compreenderem, o mal estará feito e a expiação se seguirá. Assim como Pedro, desde que compreendeu, chorou, também os que houverem repelido a Jesus por temor dos homens compreenderão e expiarão. Com relação a eles, isso não será passageira fraqueza pelo desfalecimento da carne, mas prolongado ato da vontade. A expiação se regulará pela duração da falta.

Sim, dos que se hão envergonhado de Jesus, desde o seu aparecimento na terra até hoje, também o filho do homem se envergonhou. Esses, porém, não estão mortos. Expiaram primeiramente, depois lhes foi permitido reencarnar, de sorte que fizeram parte das gerações de Espíritos que se têm sucedido no vosso mundo, formando as gerações humanas. Consentido foi que o joio continuasse a crescer ao lado do trigo, para no cadinho da reencarnação tornar-se, a seu turno, bom grão, por meio da reparação e do progresso. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 467

Ainda em vossos dias, neste período da era nova do Cristianismo do Cristo, da era espírita, que vai seguir o seu curso, até à época em que começará a separação do joio e do bom grão, de todos os que dele se envergonharem o filho do homem se envergonhará. Isso se há de dar, porque o respeito humano, de que acima falávamos, ainda existirá e se produzirá. Como outrora, os que se envergonharem de Jesus expiarão, mas não morrerão. Ser-lhes-á também permitido reencarnar na terra, visto que o joio tem que continuar ainda a crescer ao lado da boa semente.

Dos que dele se houverem envergonhado, Jesus se envergonhará até que a separação do joio e do trigo esteja acabada, até, portanto, ao momento em que ele virá ao "seu reino", na sua glória, na de seu pai e dos santos anjos, isto é, dos Espíritos que nesse momento o cercarão, Espíritos que são os que o assistem na sua missão e que têm trabalhado pelo progresso do vosso planeta, no qual se estabelecerá então o reino de Deus em seu poder. Nessa ocasião, todos os Espíritos que até aí se conservaram culpados, rebeldes, morrerão para o vosso planeta. Quer isto dizer que não lhes será mais permitida a reencarnação na terra. Eles se verão degredados para planetas inferiores, onde, como condição necessária a que se melhorem moralmente e progridam, a expiação corresponderá à duração da falta.

Também nessa ocasião é que Jesus dará a cada um de acordo com as suas obras. Estareis depurados, tereis progredido, mas não vos encontrareis todos no mesmo grau de desenvolvimento. Se não fora assim, de que serviria o julgamento, considerado do ponto de vista da recompensa? que utilidade teria tido a separação do joio e do trigo, encarada do ponto de vista da expiação e da depuração, que há de preceder àquela separação. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 468

MATEUS, Cap. XVII, v. 1-9. — MARCOS, Cap. IX, v. 2-10. LUCAS, Cap. IX, v. 28-36

Transfiguração de Jesus no Tabor. — Aparição de Elias e de Moisés. — Nuvem que cobriu os discípulos. — Voz que saiu dessa nuvem e palavras que proferiu

MATEUS: V. 1. Seis dias depois, Jesus chamou a Pedro, a Tiago e a João irmão de Tiago e, afastando-se com eles, os conduziu a um monte elevado. — 2. E se transfigurou diante deles; seu rosto resplandeceu como o sol, suas vestes se tornaram como a neve. — 3. E eis lhes apareceram Elias e Moisés, que com ele falavam. — 4. Disse então Pedro a Jesus: Senhor, estamos bem aqui; se quiseres, faremos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. — 5. Pedro ainda falava quando uma nuvem luminosa os cobriu e uma voz, que da nuvem saía, disse: Este é meu filho dileto em quem hei posto todas as minhas complacências; escutai-o. — ó. Ouvindo isso, os discípulos caíram de rosto em terra, presas de grande temor. — 7. Jesus se aproximou, tocou-os e lhes disse: Levantai-vos e não temais. — 8. Erguendo então os olhos, eles a ninguém mais viram senão somente a Jesus. — 9. Quando desciam do monte, Jesus lhes fez esta recomendação: Não faleis a pessoa alguma do que vistes, até que o filho do homem tenha ressuscitado dentre os mortos.

MARCOS: V. 2. Seis dias depois, Jesus chamou de parte a Pedro, a Tiago e a João e os levou consigo a um alto monte e se transfigurou diante deles. — 3. Suas vestes se tornaram brilhantes e alvíssimas como a neve, de uma brancura tal como nenhum lavandeiro na terra poderia conseguir. — 4. E lhes apareceram Elias e Moisés a falarem ambos com Jesus. — 5. Disse Pedro então a Jesus: Mestre, aqui estamos bem; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. — 6. Ele não sabia o que dizia, pois todos três estavam aterrorizados. — 7. Uma nuvem se formou e os cobriu; e dela uma voz saiu, dizendo: Este é meu filho OS QUATRO EVANGELHOS (II) 469

muito amado, escutai-o. — 8. Logo, porém, olhando a volta de si, a ninguém mais viram, senão a Jesus. — 9. Quando desciam do monte, Jesus lhes ordenou que a ninguém falassem do que tinham visto, até que o filho do homem houvesse ressuscitado dentre os mortos. — 10. E eles guardaram segredo do fato, excogitando entre si o que quereria dizer: até que o filho do homem ressuscite dentre os mortos.

LUCAS: V. 28. Cerca de oito dias depois de haver dito essas palavras, Jesus chamou a Pedro, a Tiago e a João e subiu a um monte para orar. — 29. E, enquanto orava, mudou-se-lhe o semblante; suas vestes se tornaram alvas e resplandecentes; — 30, e eis que dois homens com ele falavam, a saber: Moisés e Elias, — 31, que apareceram cheios de glória. Falavam-lhe da sua saída do mundo, a verificar-se em Jerusalém. — 32. Pedro e seus dois companheiros, que haviam adormecido, despertando, viram a majestade de Jesus e os dois homens que com ele se achavam. — 33. Sucedeu que, quando estes se iam afastando de Jesus, Pedro, não sabendo o que dizia, propôs: Mestre, aqui estamos bem; façamos três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. — 34. Quando ele ainda falava, veio uma nuvem e os cobriu; e, como a nuvem os envolvesse, amedrontaram-se. — 35. E uma voz saiu da nuvem dizendo: Este é meu filho bem-amado; escutai-o. — 36. Enquanto a voz falava, Jesus estava só. Os discípulos se calaram, nada disseram a ninguém, por então, do que tinham visto.

N. 194. Respondendo a esta pergunta que Jesus dirigira a seus discípulos: "E vós, quem dizeis que eu sou"? já, algum tempo antes, havia Pedro dito, sob a influência espírita, sob a inspiração mediúnica: "És o Cristo, filho de Deus vivo, o Cristo de Deus", e Jesus lhe replicara: "Não foste tu que o disseste, foi meu pai quem falou em ti".

A manifestação que se produziu no monte, em presença de Pedro, Tiago e João foi uma estupenda OS QUATRO EVANGELHOS (II) 470

manifestação espírita, que teve por fim mostrar a elevação espiritual de Jesus, afirmar a sua missão como Cristo, filho de Deus vivo, Cristo de Deus, e estabelecer, sob um véu que a nova revelação mais tarde levantaria, as promessas para o futuro.

Retomando, durante alguns momentos, à vista dos discípulos, por meio da transfiguração, os atributos da sua natureza, se bem que velados, pois de outro modo eles não teriam podido suportar-lhes o brilho, Jesus lhes dava uma idéia da sua elevação espiritual e da glória da vida que eles ambicionavam.

A presença de Moisés e Elias, visíveis para os discípulos, foi um meio de lhes ferir a imaginação e de, por assim dizer, confirmar diante deles a elevação espiritual do Cristo, como sendo o Messias prometido. Moisés e Elias tinham ambos prometido o Messias. A presença dos dois santificava e sancionava, aos olhos dos apóstolos, a missão que Jesus desempenhava, mostrando-lhes essa missão em toda a sua santidade.

A voz que saiu da nuvem e que disse, ainda presentes Moisés e Elias, embora suas figuras já começassem a apagar-se, como que sumindo-se pelo afastamento: "Este é meu filho bem-amado em quem pus todas as minhas complacências, escutai-o", afirmava, desse modo, em nome do onipotente, do pai, a missão de Jesus como sendo o Cristo, filho de Deus vivo, o Cristo de Deus, o Messias prometido.

Do ponto de vista do futuro, isto é, da época atual em que começa a era nova do Cristianismo do Cristo, a era espírita, a presença de Moisés e Elias consagrava, para todos, a intervenção dos Espíritos junto dos homens; era a manifestação espírita revelada aos apóstolos, era (conforme a nova revelação o explicaria e faria compreender nos tempos preditos, que são os vossos) a promessa para o futuro. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 471

Jesus prometera a seus discípulos que sua lei se estenderia por sobre toda a terra e que todos os homens se congregariam em torno da bandeira que eles arvoravam. Ora, os discípulos necessariamente achariam que a duração da existência humana era por demais insuficiente para o desempenho dessa tarefa. Assim sendo, a presença de Moisés e de Elias, que também haviam empreendido a regeneração da Humanidade e fizeram promessas para o futuro, teve por fim ensinar aos apóstolos como e em que condições eles continuariam a obra que tinham empreendido.

Jesus também consubstanciava em si promessas para o futuro. Moisés e Elias prometeram o Messias, Jesus prometeu outro Consolador, o Espírito da Verdade, a revelação espírita, pela intervenção dos Espíritos do Senhor junto dos homens, intervenção que teve a consagrá-la, para todos, a presença de Moisés e de Elias no monte, em colóquio, diante dos discípulos, com o mesmo Jesus transfigurado. Desse modo se patenteou aos homens a glória, cujos caminhos teriam que ser abertos e preparados pela revelação espírita, glória que esta mesma revelação terá que realizar, a fim de que Jesus, como Espírito da Verdade, como complemento e sanção da verdade, possa, cumprindo suas promessas, aparecer e descer, em todo o seu fulgor espírita, ao vosso planeta, já então depurado e transformado, descer ao seio dos homens, já regenerados e purificados.

A narração dos mesmos fatos, isto é, da transfiguração de Jesus, da aparição de Moisés e de Elias, do envolvimento dos três discípulos por uma nuvem de onde saía a voz e das palavras ditas por essa voz, feita pelos três evangelistas sob a influência mediúnica, reflete impressões, apreciações e interpretações humanas. Cada um dos discípulos, relatando aqueles fatos, exprimiu as suas próprias sensações OS QUATRO EVANGELHOS (II) 472

e cada um dos evangelistas referiu o que lhe foi relatado.

Pedro, Tiago e João, obedecendo às ordens de Jesus, guardaram segredo do ocorrido. Só depois de concluída a missão terrena do Mestre, cada um narrou os fatos tais como se haviam passado consigo, de acordo com as sensações que lhe produziram e como a sua inteligência pôde apreender. Pelas narrativas dos três é que os fatos se divulgaram.

As três narrações evangélicas, coordenadas e reunidas, reproduzem, no conjunto, esses fatos como se passaram para os três discípulos, relativamente as suas inteligências.

Vamos coordená-las e reuni-las numa só para, em seguida, explicarmos sucessivamente, de acordo com a ciência espírita, em espírito e em verdade, os fatos narrados.

Jesus subiu a um monte para orar; chamou a Pedro, Tiago e João, levou-os consigo e os conduziu, sem mais ninguém, a um lugar à parte, nesse monte."

Jesus chamou e levou consigo Pedro, Tiago e João, porque, de todos os apóstolos, eram os que apresentavam disposições físicas mais favoráveis a torná-los aptos, mediunicamente, à manifestação espírita que se ia produzir, como devia suceder. Deus, já o temos dito e repetimos, nada espera do que chamais — o acaso. Tudo estava previsto e preparado para o desempenho da missão do Mestre na terra. Entrava no quadro dessa missão o serem os fatos, que teriam de passar-se no monte, presenciados por Pedro, Tiago e João, cujas encarnações se verificaram nas condições necessárias a que tudo quanto estivesse dentro das linhas de suas missões pudesse realizar-se e se realizasse.

"Chegados ao monte, enquanto Jesus orava. Pedro, Tiago e João foram mergulhados no sono. " OS QUATRO EVANGELHOS (II) 473

Não se trata aqui do sono ordinário, natural. Os três apóstolos ficaram nesse estado de torpor, que os médiuns experimentam quando se produz uma forte manifestação espírita. Foram envolvidos pelos fluidos que os Espíritos prepostos à manifestação lançaram sobre eles, a fim de os tornar aptos a ver. Sublinhamos as palavras a ver, porque só Pedro possuía a faculdade da vidência. Os dois outros, menos desenvolvidos, tiveram, sob a influência magneto-espírita, que ser postos em condições de ver com o Espírito a manifestação espiritual. Esta parte da narração evangélica é devida ao relato que Tiago e João fizeram das sensações que experimentaram. O evangelista referiu o fato tal como lhe foi narrado.

Despertando, eles viram.

Tendo-lhes sido, pelo desprendimento, desembaraçada a visão espiritual, eles ficaram aptos a ver os Espíritos de Jesus, de Moisés e de Elias, os quais logo se tornaram visíveis, e a manifestação se produziu.

"E Jesus, estando ainda a orar, se transfigurou diante dos três. Eles viram a sua glória: o aspecto do seu rosto se tomou muito outro, resplandeceu como o sol; suas vestes se tornaram resplendentes, brilhantes de luz. brancas como a neve, de uma brancura tal que nenhum lavandeiro na terra jamais seria capaz de a igualar."

Para os discípulos, para as suas inteligências, dada a ignorância em que se achavam das causas e dos efeitos, Jesus, semelhantemente ao homem que tira o manto quando este o estorva, se despojara, momentaneamente, do invólucro, que para eles tinha a aparência do corpo humano, e também das vestes que o cobriam.

Certo, se o quisera, Jesus teria podido despojar-se de suas vestes humanas, fazê-las desaparecer, tornan- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 474

do-as invisíveis a olhos terrenos, como fazia sempre que voltava para o espaço, para as regiões superiores, o que acontecia quando se achava longe da vista dos homens, quando o desempenho da sua missão na terra não exigia que estivesse presente no meio destes. Teria podido igualmente privar da tangibilidade o seu corpo de natureza perispirítica e, conservando-o intangível, atrair a si os fluidos necessários a se tornar visível aos três discípulos com o aspecto, as formas, as aparências sob as quais cumpria que se mostrasse transfigurado. Retomaria depois a aparência corporal do homem e as vestes humanas, quando a nuvem cobriu os discípulos, que, cheios de assombro, caíram de rosto em terra, momento esse que Moisés e Elias aproveitaram para se subtraírem à vista dos três. Nada, porém, se faz sem utilidade ou necessidade e sem objetivo. Quais foram, então, a utilidade, ou a necessidade e o objetivo que determinaram passarem-se as coisas como se passaram?

A fim de operar a transfiguração, Jesus, por ato da sua poderosa vontade, atraiu a si os fluidos apropriados à produção dos efeitos que os três discípulos deviam ver. Com esses fluidos cobriu ele a aparência corpórea que lhe davam o seu perispírito tangível e as roupagens humanas que o revestiam e tomou, para serem vistas pelos discípulos, a forma e as aparências sob as quais queria mostrar-se-lhes. Deveis compreender que, mostrando-se-lhes transfigurado, Jesus se colocou ao alcance da observação dos discípulos. Efetivamente, ao ver destes, o perispírito tangível do Mestre, que para eles era um corpo humano, desapareceu. Foi como se Jesus houvera despido as vestes que trazia e tomado outras. Vós, porém, deveis compreender que as vestes com que Jesus se apresentava não podiam dissolver-se para se tornarem fluidicamente luminosas, como o pode um perispírito tangível. Jesus, portanto, o que fez foi cobrir aquelas OS QUATRO EVANGELHOS (II) 475

vestes de fluidos luminosos que, sem ofuscarem os olhares humanos dos três discípulos, lhes dessem todavia uma idéia da glória que ambicionavam.

Para eles, o rosto de Jesus resplandeceu como o sol, mas apenas quanto ao brilho. Não tendo podido suportar as irradiações do semblante do Mestre, os discípulos as compararam às fulgurações do sol, cuja luz os forçava a baixar os olhos. Jesus, porém, não se lhes apresentou "em toda a sua glória", em todo o seu fulgor espírita, em todo o seu esplendor. Ele se vestiu de escuro, por assim dizer, cobrindo-se de fluidos que, para olhos humanos, eram luminosos, mas de fato muito sombrios, relativamente à humanidade que lhe é própria.

Quanto ao brilho luminoso e à nívea alvura que as suas vestes tomaram por efeito dos fluidos que as envolveram, que as cobriram, o que houve foi apenas uma combinação fluídica, produzindo a aparência de roupagens, como sucede toda vez que um Espírito se apresenta com a forma corporal aparentemente vestida.

Lestes que "a alvura das vestes de Jesus era tal, que nenhum lavandeiro na terra poderia jamais igualá-la". Estas palavras precisam ser entendidas, segundo o espírito, no sentido de que ninguém na terra poderia jamais igualar ao Cristo em elevação. Ainda quando haja alcançado a perfeição sideral, isto é, se tenha tornado puro Espírito, o homem do vosso planeta. será sempre menos adiantado do que Jesus, ser-lhe-á inferior em ciência universal.

Jesus, como já o dissemos, retomou em parte, naquele momento, diante dos discípulos, os atributos da sua natureza. Ora, não sabeis que quanto mais elevado é o Espírito, mais luminoso parece às vistas humanas?

Para nós, para todos os Espíritos elevados, essa emanação luminosa nada tem de ofuscante, como não OS QUATRO EVANGELHOS (II) 476

o tem para vós outros um semblante ou um corpo mais ou menos belos. Apenas nos serve para comprovar a elevação dos Espíritos que nos cercam, do mesmo modo que pela tez verificais se um homem nasceu nas regiões glaciais ou nas areias do deserto.

Quanto mais elevado é o Espírito, tanto mais brilhantes parecem a sua luminosidade, a sua alvura, tanto mais suave, luminosa e nívea é a sua emanação.

Os mundos, considerados do ponto de vista do estado que lhes é próprio e do progresso planetário, estão sempre em relação com o estado e o progresso dos Espíritos que os habitam. São materiais ou espirituais, classificando-se de materiais os que servem de habitação aos Espíritos que encarnam na matéria. Quanto aos outros, não os há que sejam especialmente espirituais. Todos o são, desde que não mais os habitem Espíritos encarnados na matéria, isto é, Espíritos que revistam corpos materiais.

No que respeita aos mundos; sejam de ordem material, sejam de ordem espiritual, tantas são as suas gradações, dos pontos de vista da sua sucessão na categoria dos mundos, da sua progressividade e da sua utilidade como mundos intermediários, que não se lhes pode formar a escala, quer se trate de ir dos mundos materiais aos que se acham no estado fluídico, quer se trate de ir destes, que são os em que cessou a materialidade, aos que atingiram o estado de pura fluidez.

À medida que os mundos se depuram, a luz que os cerca se vai descolorindo por transições insensíveis, vai do vermelho ao azul e ao branco, passando por gradações sucessivas e intermédias de tons, que apreendereis atentando no que pode dar a paleta de um pintor. Notai que as chamas, quando as alimenta um corpo material, se colorem de nuanças diversas e parecem, por assim dizer, materiais, ao passo que as que provêm da inflamação de um gás são mais tê- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 477

nues e mais brancas. Naturalmente, quanto mais elevado é o planeta, tanto mais branca e brilhante é a sua luz. Os mundos espirituais, que apelidais de celestes, aos quais têm acesso os puros Espíritos, mundos que atingiram o estado de pura fluidez, são, na hierarquia dos mundos, os que projetam luz mais branca e mais brilhante.

Também entre os puros Espíritos, que, em pureza, são todos iguais, por haverem chegado todos à perfeição moral, há hierarquia, conforme já o explicamos (1º vol., n. 60, pág. 326), sob o ponto de vista da ciência universal. Todos, através da eternidade, se aproximam de Deus, sem, todavia, jamais poderem igualar o Criador incriado, eterno, infinito, Ser dos seres, Espírito dos Espíritos, tão sutil, tão resplandecente de alvura e de luz, que nenhum dos Espíritos puros mais elevados pode abrangê-lo com o olhar, nem lhe suportar as irradiações, quando se avizinha do foco da onipotência para receber a inspiração das vontades do soberano Senhor, do pai de tudo o que é.

O arco que se forma nas nuvens e a que dais o nome de arco-íris, arco que Deus, por intermédio de Moisés, seu enviado, indicou aos Hebreus como sendo "o sinal da aliança perpétua entre ele e todas as criaturas vivas da terra”, é, em espírito e verdade, tirado da letra, que o vela, o espírito: o emblema — do progresso, dentro da unidade e da solidariedade, de todos os mundos e de todas as essências espirituais, em todos os reinos da natureza, quer materializadas, quer encarnadas no estado material ou no estado fluídico, quer perispiriticamente incorporadas, quer errantes na imensidade; é o emblema da marcha ascendente, una e solidária, de todos os mundos e de todas as essências espirituais a todos os graus da escala. Não esqueçais que, para os Hebreus, a terra era a criação inteira, não passando o céu, o firmamento, de acessórios integrantes da mesma terra. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 478

O fenômeno da transfiguração, que Jesus realizou, não foi, como indicador de poder físico, um prodígio extraordinário, conforme pensais. Já não vos dissemos que Jesus não se mostrou em todo o seu esplendor, que ele se cobriu de fluidos, luminosos para olhos humanos, mas sombrios em comparação com a luminosidade que lhe era própria?

Dessa faculdade, desse poder dispõem todos os Espíritos elevados. Todos são aptos a produzir o mesmo fenômeno em condições correspondentes ao grau de elevação a que tenham chegado. Nós, como todos os Espíritos elevados, podemos alcançar o mesmo fim, desde que isso seja necessário e permitido. Assim é que podemos, primeiro, fazer-nos visíveis e tangíveis sob a forma humana; depois, operar a transfiguração, reunindo à volta de nós os fluidos luminosos necessários, tornados visíveis aos olhares humanos, fluidos esses, porém, sempre inferiores aos que correspondem à nossa elevação espírita.

Também no seio da vossa humanidade se pode produzir, como sabeis, o fenômeno da transfiguração. Esta, todavia, nenhuma relação tem com a que Jesus, Espírito apenas revestido de um perispírito tangível, realizou e que só os Espíritos elevados podem igualmente realizar. Dar-vos-emos ainda, ao concluir o presente capítulo, explicações a esse respeito.

"Ao mesmo tempo que viam a Jesus transfigurado, Pedro, Tiago e João viram dois homens, a saber: Moisés e Elias, que lhes apareceram a falar com Jesus, cheios de glória."

Moisés e Elias se tornaram visíveis aos apóstolos, cheios de glória, por isso que, como todos os Espíritos superiores, eles eram luminosos sob a forma ou a aparência humana.

Para reconhecerem a Moisés e Elias os discípulos não precisaram do socorro da inspiração, como quan- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 479

do Pedro respondeu a esta pergunta do Mestre: "E vós quem dizeis que eu sou?"

No caso de Moisés e de Elias, eles viram e isso lhes bastou. Moisés apareceu com o sinal que mostrara aos Hebreus: as duas chamas sobre a cabeça. A tradição falava delas e os apóstolos o reconheceram por esse sinal. Quanto a Elias, não ignorais que a tradição referia ter esse profeta, no momento em que fora arrebatado para o céu, deixado o manto que trazia a Elizeu, seu discípulo e sucessor em Israel. Não ignorais tampouco que os Judeus jamais se apresentavam em público, numa solenidade qualquer, sem ser envoltos no manto que usavam. Ora, apresentado-se Elias ao lado de Moisés, sem o manto, os discípulos logo compreenderam de quem se tratava. Compreenderam, porquanto, como sabeis, Pedro e seus companheiros eram Espíritos adiantados, tolhidos pela carne, é certo, mas cujas inteligências, em dados momentos, a dominavam.

"Moisés e Elias falavam a Jesus da sua saída do mundo, fato que tinha de verificar-se em Jerusalém."

Isso foi apenas uma explicação dada aos homens, uma interpretação humana, que a compreensão do fato fez necessária. Foi o resultado das apreciações ou comentários a que deu lugar a presença de Moisés e de Elias, em circunstâncias tais que aos discípulos pareceu que eles falavam com Jesus. Foi ainda o resultado da interpretação destas palavras do Mestre: "Até que o filho do homem haja ressuscitado dentre os mortos", interpretação que o evangelista, sob a influência mediúnica, teve que registrar, conforme à narração que lhe fizeram os três discípulos, cada um exprimindo suas próprias sensações. Segundo o comentário que chegou a Lucas, Jesus recebera de Moisés e de Elias, que lhe apareceram cheios de glória, as necessárias instruções. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 480

Jesus, que tinha a presciência do futuro, já havia predito sua ida a Jerusalém, sua morte e sua ressurreição. Nada tinha que aprender com Moisés e Elias relativamente a esses sucessos vindouros. Os três discípulos, tão perturbados ficaram com a manifestação, que perguntavam entre si o que queriam dizer estas palavras do Mestre: "até que o filho do homem haja ressuscitado dentre os mortos".

A presença de Moisés e de Elias nada teve que aberrasse dos fatos ordinários. Ambos estavam sempre junto de Jesus. Naquele momento apenas se tornaram visíveis. Não só Moisés e Elias, porém muitos outros Espíritos ainda mais elevados, estavam, como estão hoje, constantemente ao lado do Mestre, aguardando a manifestação de suas vontades para agirem.

O fato de somente Moisés e Elias se terem tornado visíveis explica-se pela circunstância de haverem ambos prometido o Messias e pela de que só a presença deles era necessária, atentas às tradições dos Hebreus, à manifestação e ao fim que ela visava.

"Ao afastarem-se Moisés e Elias, disse Pedro a Jesus: Mestre. estamos bem aqui; se quiseres, faremos três tendas, uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias; ele não sabia o que dizia, pois estavam assombrados."

A proposta de Pedro para a construção de três tendas era ainda uma conseqüência dos erros hebraicos. Pedro via Moisés e Elias "ressuscitados" em corpos que supunha carnais e queria conservá-los junto do Mestre bem-amado. Ele estava perturbado. Como deveis imaginar, a manifestação não durou muito tempo.

Ao que se afigurou aos discipulos, já Moisés e Elias se iam embora, quando Pedro propôs a Jesus construir as três tendas. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 481

Essa foi a sensação que eles tiveram, em conseqüência, ao mesmo tempo, da crença, filha dos erros hebraicos, de que Moisés e Elias haviam "ressuscitado" e traziam corpos carnais e da ignorância em que estavam das causas e efeitos espíritas. O que na realidade se passou é que, quando os discípulos supuseram que Moisés e Elias se iam afastando, estes começaram de fato a desaparecer das vistas deles, cuja tensão de espírito se enfraquecia. Para realizarem o desaparecimento aos olhos dos discípulos, Moisés e Elias se foram sumindo no ar, dando, porém, a impressão de que desapareciam por efeito do afastamento.

"Pedro ainda estava falando, quando viu uma nuvem que, tomando-se espessa e luminosa, os cobriu e de repente uma voz que saía da nuvem se fez ouvir, dizendo: "Este é meu filho bem-amado em quem hei posto todas as minhas complacências, escutai-o." Ouvindo essas palavras, os discípulos caíram de rosto em terra e foram presas de grande temor. Enquanto a voz se fazia ouvir, Jesus se aproximou deles, os tocou e disse: Levantai-vos e não temais; erguendo então os olhos e olhando logo para todos os lados, viram unicamente a Jesus, que se achava a sós com eles."

A nuvem luminosa que, fazendo-se espessa, cobriu os discípulos, não era senão a massa dos fluidos que os cercavam, os quais, reunidos e tornados para eles visíveis no estado luminoso, os envolveram.

Já vos demos a este respeito explicações, quando tratamos da luz que envolveu os pastores.

No momento em que Jesus tocou os discípulos e lhes disse: Levantai-vos e nada temais já Moisés e Elias se lhes haviam feito invisíveis. Pedro, Tiago e João, libertos da influência mediúnica, de posse novamente da vista corporal humana, não viram a mais ninguém, além de Jesus. E que o Mestre, dispersando os fluidos que atraíra a si, tornando-os de novo OS QUATRO EVANGELHOS (II) 482

incolores e invisíveis para olhos humanos, fizera cessar os fenômenos e os efeitos da transfiguração, de modo que ficou ali outra vez sozinho junto dos discípulos e com a mesma aparência que tinha quando, na companhia deles, subiu ao monte, isto é: com a que tinha, sempre que as exigências de sua missão terrena o obrigavam a estar presente entre os homens — a aparência da corporeidade humana.

"E, ao descerem do monte, Jesus lhes ordenou que a ninguém falassem do que acabavam de ver, até que o filho do homem houvesse ressuscitado dentre os mortos. — Eles guardaram segredo sobre o fato e, por então, a ninguém disseram o que tinham visto. E entre si perguntavam o que quereria dizer isto: até que o filho do homem haja ressuscitado dentre os mortos."

Não vos admireis de que, perturbados como ficaram, os discípulos inquirissem entre si o que teria querido Jesus dizer por estas palavras: — até que o filho do homem haja ressuscitado dentre os mortos. Eles não compreendiam o que isso significava, pela razão de que a reencarnação passara para a categoria das superstições, embora ainda houvesse quem nela acreditasse. Compreendiam que, decorridos séculos, uma alma voltasse a habitar outro corpo, tanto assim que compreenderam houvesse podido a alma do profeta Elias vir habitar o corpo de João Batista, filho de Zacarias e de Isabel. Mas, não logravam compreender que Jesus pudesse recomeçar imediatamente outra existência no mesmo corpo. De acordo com o que pensavam, o reaparecimento da alma só se dava mediante sua união com a matéria. Ora, de um lado, Jesus, para eles, estava revestido de um invólucro corpóreo idêntico aos dos outros homens, sujeito, como os destes, à morte real e, sendo assim, o Mestre não poderia retomar a existência, senão voltando sua alma ao cadáver. Neste sentido é que entendiam a palavra OS QUATRO EVANGELHOS (II) 483

"ressurreição". Por outro lado, ignoravam a natureza perispirítica do corpo de Jesus, a qual só pela atual revelação deveria ser e foi divulgada, explicada. Inteiramente desconhecidas lhes eram as combinações do perispírito e da tangibilidade.

Jesus proibiu a Pedro, Tiago e João que falassem a pessoa alguma do que tinham visto, até que ele houvesse ressuscitado dentre os mortos, porque, se os discípulos divulgassem imediatamente os fatos que presenciaram, antes de ocorrido o reaparecimento, a chamada "ressurreição" do mesmo Jesus, ninguém lhes daria crédito. Cumpria que o testemunho deles, com relação ao que se passara no monte, fosse aceito pelos homens, os quais, concluída a missão terrena do Mestre, tinham que ver nele, por efeito dos fatos realizados e das revelações que então se divulgariam e espalhariam, um homem igual aos outros, revestido de um corpo material humano, mortal e perecível, e, ao mesmo tempo, o filho de Deus milagrosamente encarnado.

Só nos resta agora explicar-vos o fenômeno da transfiguração do ser humano.

Este fenômeno, já o dissemos e repetimos, nada tem de comum com o que, na sua qualidade de Espírito revestido de um corpo perispirítico, Jesus produziu e que só os Espíritos elevados podem também produzir.

O homem por si só não pode operar o fenômeno da transfiguração. Indispensável lhe é para isso o concurso de seus irmãos errantes.

A transfiguração se produz igualmente, ou pela vontade do encarnado, ou independente da sua vontade, a seu mau grado, tanto tendo ele consciência do fenômeno, como não a tendo. No primeiro caso, a vontade do encarnado obra atraindo a si os Espíritos cujo concurso lhe é necessário. Para consegui-lo, não precisa fazer evocação alguma. Basta-lhe a vontade de OS QUATRO EVANGELHOS (II) 484

se transfigurar, desde que haja necessidade de que essa transfiguração se opere, isto é, desde que haja um fim sério a alcançar, para que os Espíritos que lhe são simpáticos o venham auxiliar.

Quando a transfiguração se verifica independentemente da vontade do encarnado, a seu mau grado, ele não passa de instrumento dos Espíritos que provocam o fenômeno, instrumento muitas vezes inconsciente, sobretudo se, por lhe ser estranha a ciência espírita, ignora as causas e os efeitos de tal manifestação.

Em geral, para a realização do fenômeno da transfiguração concorrem o perispírito do encarnado e o do Espírito, ou os dos Espíritos que produzem o fenômeno. Em virtude desse concurso, dessa adição de perispíritos, há uma combinação fluídica, por isso que o Espírito toma de empréstimo ao encarnado uma parte do seu fluido animalizado. O Espírito que opera mistura o seu perispírito com o do encarnado e este, envolvido assim em fluidos perispiríticos combinados, toma a aparência que o primeiro lhe queira dar. Coberto de tais fluidos, que não lhe é dado ver nem sentir, mas que sobre ele se estendem formando uma espécie de campânula, o encarnado toma, para os que presenciam o fenômeno, a aparência que o Espírito entenda de lhe dar, seja qual for. Mascarado pelos fluidos que o envolvem, não o podeis ver, senão como vo-lo queiram mostrar.

Falando dos fluidos, acabamos de dizer que "o encarnado não os sente, nem os vê". É que alguns encarnados, submetidos às influências que produzem o fenômeno, ficam num estado análogo ao estado magnético ou sonambúlico. Outros, como sucede com os médiuns, sentem a influência que os força, pela ação fluídica, a dirigir o olhar para tal ou tal ponto, sem terem consciência da mudança de aspecto que lhes foi imposta. Sentem que falam, quando por si mesmos não o teriam feito, mas não percebem quem lhes põe OS QUATRO EVANGELHOS (II) 485

nos lábios as palavras. Sentem, finalmente, que obram sem intervenção de suas vontades, nem de suas faculdades, mas não sentem nem vêem o agente que os impulsiona, que os envolve e transforma. Dá-se com eles o que se dá com o médium psicógrafo, que sente o braço impelido por ligeira pressão, mas não sente nem vê quem lhe atua no braço, para pô-lo em movimento, desde que não se trate de um médium também vidente, ou de um encarnado que possua a faculdade da vidência, da qual o Espírito use para se lhe tornar visível. No caso da transfiguração, o encarnado não sente nem vê o perispírito do Espírito, quando este torna visível e tangível a forma corpórea por ele mesmo produzida.

Só para os assistentes essa forma corporal é visível e tangível, a menos que uma causa fortuita exija que aquele que se transfigura a sinta e veja. Em tal caso, poder-se-ia, colocando-o defronte de um espelho, tornar-lhe visível aquela forma. Mas, semelhantes experiências pouca utilidade têm.

Pelas combinações fluídicas de seu perispírito com o do encarnado, pode o Espírito, que opera a transfiguração, não só tornar visíveis e tangíveis aos assistentes todas as aparências, que julgue conveniente mostrar-lhes, senão também dar ao paciente os traços fisionômicos, o olhar, o som da voz e até as maneiras habituais de falar da pessoa cuja aparência corporal queira reproduzir por meio da transfiguração. Para tudo isso conseguir, o operador se utiliza dos órgãos visuais e vocais daquele que lhe serve de instrumento, como se utiliza de seus membros para agir de qualquer modo. Se é preciso, os Espíritos se reúnem, a fim de alcançarem o objetivo visado. Mas, para tanto se faz mister que o paciente tenha em si latentes muitas mediunidades, o que é raro, principalmente agora. O futuro, porém, desenvolverá essas faculdades nos homens. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 486

Em casos como o que acabamos de figurar, a ilusão é tal que os assistentes acreditam estar vendo, ouvindo e apreciando, em seu modo de proceder, a pessoa cuja aparência se lhes mostra pela transfiguração.

O Espírito que opera também pode, com o concurso de outros Espíritos que se lhe reúnem, visando esse resultado e mediante combinações e ações fluídicas exercidas sobre o paciente, dar-lhe a forma e a aparência de uma pessoa morta, com todos os sinais e caracteres da morte. Tal é ainda aqui a ilusão, que os assistentes acreditam ter diante dos olhos o morto cujo aspecto aparente se lhes mostra.

Seja qual for a aparência que apresente o transfigurado, seja, por exemplo, a de uma pessoa mais alta e mais robusta, seja a de uma criança, o peso natural do paciente não se altera, desde que para isso não concorram os Espíritos e que só a aparência tenha mudado. Somente com o concurso dos Espíritos aquele peso pode variar para mais ou menos.

Se não houver esse concurso, isto é, se não houver ação espiritual tendente a modificar o peso, a aumentá-lo ou diminuí-lo, se só a aparência mudou, o peso se conserva o mesmo. E facilmente deveis compreender a razão disso: é que, em tal caso, a quantidade de matéria, no corpo do paciente, não aumentou nem diminuiu. O aumento do peso natural não poderia provir senão do adicionamento dos perispíritos dos Espíritos que se comunicam, ao do paciente, da adição, aos deste, dos fluidos que o envolvem e operam a sua transfiguração. Ora, os fluidos mediante os quais nós operamos são ponderáveis para nós, mas, atualmente, são, para vós, imponderáveis. Não vos são mais ponderáveis do que o era o ar para vossos pais, antes que se inventassem os instrumentos apropriados a pesá-lo. O ar foi sempre pesado, entretanto vossos pais não o podiam pesar e o consi- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 487

deravam uma essência sem peso nem capacidade. O mesmo se dá atualmente convosco, relativamente aos fluidos por meio dos quais operamos a transfiguração.

O fluido universal é um composto de fluidos diversos, formando uma única massa donde extraímos as partes de que necessitamos. Ele recebe a destinação que lhe é necessária e se amolda a tudo, conforme aos casos. Esses diversos fluidos são para nós ponderáveis, tanto na massa do fluido universal, como quando dela separados, constituindo o produto das extrações ou combinações que o Espírito realiza. Tudo tem peso na natureza, que é a fórmula e a síntese de todas as criações orgânicas e inorgânicas, assim do ponto de vista fluídico, como do ponto de vista material.

Os diversos fluidos de que se compõe o fluido universal, especialmente aqueles com que o Espírito opera a transfiguração, todos ainda imponderáveis para vós outros, não serão reconhecidos como ponderáveis, tal qual sucedeu com o ar que agora sabeis que o é, senão por meio de instrumentos e processos que ainda desconheceis e desconhecereis por muito tempo. Todavia, lá chegareis, porquanto grandes mistérios se vos desvendarão, quando conhecerdes as propriedades e o valor dos fluidos que vos cercam. A fim de alcançar esse conhecimento, faz-se mister que o homem aprenda a elevar-se através das camadas de ar que, para ele, são o que os mares distantes são para o camponês que jamais saiu da sua cabana.

Na depuração moral achareis o caminho desse progresso. Na depuração moral e no progresso intelectual se vos depararão os degraus por onde subireis a tais alturas. A primeira vos granjeará mais poderoso concurso, porque vos tornará aptos a compreender a ciência sem dela abusar. A aquisição do saber vos será então facilitada. E, quanto mais aprenderdes, tanto mais facilmente vos elevareis. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 488

Só com o concurso e pela ação dos Espíritos prepostos pode o peso natural do paciente variar para mais ou para menos. O aumento e a diminuição desse peso são produto de uma ação espírita e fluídica exercida pelos Espíritos. Dizemos — pelos Espíritos — porque, para a realização de tais fenômenos, é necessário o auxílio de muitos Espíritos.

Para efetuar aumento ou diminuição de peso no paciente transfigurado, os Espíritos que o cercam e envolvem atuam fluidicamente, servindo-se dos meios de que usam para fixar no solo uma mesa leve, ou para levantar, como se se tratara de uma pena, um peso considerável.

Se querem obter aumento de peso do transfigurado, aqueles Espíritos tornam pesados os fluidos que o envolvem.

Se, ao contrário, o que querem é a diminuição de peso, os mesmos Espíritos o sustêm.

Assim, quando dão ao paciente a aparência de uma pessoa mais alta e mais robusta, eles, tornando mais pesados os fluidos, lhe produzem, desde que isso seja necessário, um aumento de peso que, para os assistentes, corresponda à diferença existente entre a pessoa cujo aspecto se lhes mostra e o mesmo paciente.

Assim também, quando a aparência dada a este é a de uma criança, os Espíritos operam nele a diminuição do peso, sustendo-o, de modo que, sendo preciso, ele tenha um peso correspondente ao talhe da criança que aparenta ser.

Nestes casos, em havendo ação dos Espíritos, o peso varia, correspondendo à aparência, uma vez que isso seja necessário. Do mesmo modo, se também for necessário, podem os Espíritos produzir aumento de peso, quando o paciente, alto e robusto, tenha a aparência de uma criança e diminuição de peso quando, sendo uma criança, tenha a aparência de uma pessoa alta e robusta. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 489

Para, desse modo, produzir a transfiguração e os diversos efeitos que vimos de apreciar, não pode um Espírito obrar sozinho e o concurso dos perispíritos é indispensável, sempre que o Espírito, ou os Espíritos que operam são pouco elevados, sempre que o são tanto ou pouco mais do que vós. Eles então se servem dos elementos de mediunidade que encontram ao seu dispor. Assim como, para produzir ruídos ou outros efeitos físicos dessa natureza, é necessário o concurso de perispíritos análogos, também, para produzir-se a transfiguração, o paciente deve apresentar as disposições, as condições ou aptidões físicas necessárias a tal efeito. Quais sejam essas disposições, condições ou aptidões não podeis compreender, porque isso se prende à combinação dos fluidos perispiríticos e ainda não chegou a ocasião de entrarmos nesse estudo. E de simples intuição que, posto de parte o concurso dos perispíritos, o Espírito é o único agente do fenômeno. Porventura, quando ouvis estranhos ruídos, tendes dúvida de que o Espírito que os produz seja, no caso, o agente, o provocador?

Os Espíritos elevados, para operarem a transfiguração do ser humano, podem prescindir da existência de aptidões físicas no paciente. Gostam, porém, de encontrar neste condições favoráveis à obtenção do que desejam.

Se o encarnado não tem as aptidões físicas necessárias, recorremos aos fluidos que desejamos empregar e neles o envolvemos. Lançamos, por assim dizer, sobre o paciente de que nos servimos uma cobertura, que lhe dará a aparência que ele deva apresentar por efeito da transfiguração.

Assim é que, por meio dos fluidos luminosos, que tornamos visíveis aos olhares humanos, podemos colocar o paciente em condições de apresentar uma luminosidade tal, que lhe faça perder a habitual aparência humana. Podemos mudar-lhe esta aparência, dando-lhe, para ser visto pelos assistentes, aquela OS QUATRO EVANGELHOS (II) 490

que o momento nos indique ser a que mais lhes fira as imaginações. Desse modo podem alguns seres encarnados, como pacientes transfigurados, chegar não a um ponto de transfiguração tão elevado como o em que Jesus se apresentou aos três discípulos, mas a um ponto próximo desse, uma vez que o permitam suas disposições morais e físicas.

Diremos mesmo que as disposições morais só são necessárias debaixo de certo ponto de vista, por isso que, sendo preciso ferir as imaginações, podemos utilizar-nos de um instrumento indigno, mas no qual encontremos as aptidões físicas convenientes. Da mesma forma que vos servis de um instrumento imperfeito até que descubrais um bom, caso em que abandonais o que não preenchia senão uma apenas das condições precisas, e passais a fazer uso do que as reúne todas, também nós abandonamos o instrumento que só possui as qualidades materiais, isto é, as disposições físicas, logo que podemos servir-nos de outro, bom, que reúna as disposições morais e físicas necessárias. Deparando-se-nos um encarnado que preencha, do ponto de vista moral, as condições desejadas, estamos sempre prontos a fazer todos os esforços para remediar ao que lhe falte fisicamente. Mas, quão poucos sois os que possuís a fé assaz forte, a elevação dalma assaz grande, a renúncia assaz poderosa, a caridade assaz benigna, para nos atrair suficientemente!

Estes casos de transfiguração ainda são mais raros do que os que emanam de Espíritos da vossa elevação, ou pouco mais elevados do que vós, os quais, mesmo esses, são, como já o dissemos, raros, muito raros.

Nota da Editora — Conversando com os mortos, Moisés e Elias, ordenando a retirada de obsessores e, finalmente, ele mesmo aparecendo depois da morte e dando instruções aos apóstolos, Jesus revogou a lei antiga e promulgou o Espiritismo. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 491

MATEUS, Cap. XVII, v. 10-13. —MARCOS, Cap. IX, v. 11-13

O Espírito de Elias reencarnado na pessoa de João, o Precursor, filho de Zacarias e de Isabel

MATEUS: V. 10. Seus discípulos então lhe perguntaram: Porque é que os escribas dizem ser preciso que Elias venha primeiro? — 11. Jesus lhes respondeu: Em verdade Elias tem que vir e restabelecer todas as coisas. — 12. Mas, eu vos digo que Elias já veio; eles não o conheceram e contra ele fizeram tudo o que quiseram. Assim também farão sofrer o filho do homem. — 13. Então, seus discípulos compreenderam que ele lhes havia falado de João Batista.

MARCOS: V. 11. E o interrogavam, dizendo: Porque é que os fariseus e os escribas dizem ser preciso que primeiramente venha Elias? — 12. Jesus lhes respondeu: É verdade que Elias tem que vir primeiro e restabelecer todas as coisas; que sofrer muito e ser desprezado, como está escrito a respeito do filho do homem. — 13. Mas, eu vos digo que Elias já veio e que eles o trataram como lhes aprouve, de acordo com o que a respeito dele fora escrito.

N. 195. Deveis compreender o fim e o alcance das palavras de Jesus em resposta à pergunta que lhe dirigiram os discípulos. Chamando-lhes a atenção para a volta de Elias na pessoa de João Batista, Jesus assentava as bases da revelação espírita, revelação que, mais tarde, no colóquio com Nicodemos, deixaria veladamente entrever e que depois os Espíritos do Senhor fariam aos homens, nos tempos marcados por Deus, explicando-lhes, em espírito e verdade, a lei natural e imutável da reencarnação, seu princípio fundamental, suas regras, seus fins e suas conseqüências.

Talhava assim Jesus a pedra angular em que repousaria o edifício do futuro. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 492

Aquelas suas palavras, cobertas pelo véu da letra, pouca importância tinham, é certo, para os apóstolos, dada a natureza da época em que foram ditas, assim como para as gerações que se seguiram até aos vossos dias. Grande influencia, porém, teriam que exercer no futuro, sob o império do espírito. Naquele momento, apenas ratificavam as profecias dos livros antigos. Os apóstolos não precisavam do apoio da reencarnação. Se bem esta não constituísse lei entre os Hebreus, estava, todavia, como já o explicamos, no domínio das crenças da maioria deles. Verdade é que já "os espíritos fortes" a haviam combatido, cobrindo-a de ridículo, atribuindo-a a erros da superstição, fazendo enfim, séculos antes de Jesus e até à sua época, o que fizestes depois e fazeis ainda, isto é: pondo a luz debaixo do alqueire, para que o seu brilho não torne patentes, aos olhos de todos, tantos segredos que a alguns convinha ficassem ocultos. Jesus, pois, ressuscitou essa velha crença, ressuscitando Elias na pessoa de João Batista.

Ele proclamou assim, segundo o espírito e em verdade, a reencarnação do Espírito (da alma) de Elias no corpo de João, o Precursor, filho de Zacarias e de Isabel, mostrando a todos a lei natural e imutável do renascimento, lei essa da qual aquela reencarnação era apenas um exemplo e uma aplicação, entre vós, na ordem geral da natureza, pelo que respeita ao reino humano.

Não vos admireis de que os discípulos, aludindo ao que diziam os escribas e os fariseus: ser preciso que primeiro viesse Elias, tenham feito a Jesus aquela pergunta. Lembrai-vos do que eram então os discípulos de Jesus, todos saídos de ínfima classe social. Admirar-vos-íeis de que pergunta semelhante vos dirigisse algum dos vossos operários, que não soubesse ler e que não houvesse aprendido da história sagrada mais do que as poucas palavras baldas de sentido OS QUATRO EVANGELHOS (II) 493

15 Os Reis, liv. 4°, cap. II, v. 1-18.

com que a ela se refere o catecismo? Ao tempo do Mestre, a ciência teológica era, dentro da Igreja hebraica, o que ainda é nos dias de hoje: uma luz que se oculta, para que não esclareça a multidão e não lhe patenteie todas as feridas que a Escritura, essa pobre desfigurada, recebeu das interpretações humanas.

Falando de João Batista, disse Jesus a seus discípulos, com referência aos escribas e fariseus: E eles não o conheceram, isto é: não compreenderam que aquele que pregava o arrependimento e o advento do Reformador era o Elias que o Antigo Testamento prometera.

Por estas palavras: Eu vos digo que Elias já veio e eles não o conheceram; contra ele fizeram tudo o que quiseram, conforme tinha sido escrito; e é assim que, farão sofrer o filho do homem", os discípulos compreenderam que o Mestre lhes falava de João Batista, porque tais palavras lhes chamaram a atenção para o único homem que, aos olhos deles, podia preencher todas as condições do precursor prometido.

A letra da tradição15 parece contrária à palavra de Jesus, que os discípulos compreenderam, relativa à volta de Elias à terra, à reencarnação de seu Espírito no corpo de João. Explicada, porém, em espírito e em verdade, a tradição confirma, em todos os pontos, o que disse o Mestre.

A razão e a ciência humanas, esbarrando na letra e não sabendo achar o espírito, rejeitam o que, pela sua ignorância, não podem explicar. Os Espíritos do Senhor vêm exatamente, pela nova revelação, projetar sobre tudo e por toda parte a luz e a verdade. Segundo a tradição interpretada ao pé da letra, Elias fora, à vista de Eliseu, arrebatado e, encarnado e vivo, subira ao céu num turbilhão.

Como, então, seria possível que, continuando OS QUATRO EVANGELHOS (II) 494

Elias a viver encarnado, no céu, onde tudo é eternamente Espírito, a viver lá a vida material do homem, experimentando todas as necessidades peculiares a essa vida, seu Espírito (sua alma) reencarnasse no corpo de João, o Precursor, filho de Zacarias e de Isabel?

Quem quer, dentre vós, que pense, sente logo que, entendida assim segundo a letra, constituindo um desmentido às palavras de Jesus e conduzindo às mais inadmissíveis e absurdas conseqüências em face da razão e da ciência, aquela tradição não exprime a verdade.

A realidade das coisas, a verdade, ei-las aqui, segundo a mesma tradição, mas entendida, explicada em espírito e verdade:

Elias e Eliseu, sob a influência e a ação espíritas, eram, conforme os casos e as necessidades das missões que um e outro desempenhavam, médiuns videntes, inspirados, audientes e, como tais, instrumentos das vontades do Senhor.

Prevenido mediunicamente do seu próximo fim, portanto do termo próximo da sua missão terrena, inspirado e guiado pelos Espíritos do Senhor, Elias se afastou do meio dos homens, levando consigo seu discípulo Eliseu, a fim de prepará-lo para a revelação a que ia servir de instrumento, desempenhando entre os Hebreus a missão de profeta. Não sabendo até que ponto a mediunidade se poderia desenvolver em Eliseu, ao pedido que este lhe fez de ser o seu sucessor, para guiar e corrigir o rebanho de Israel, Elias respondeu: "Se me vires, terás o que me pedes". O mesmo era que dizer a Eliseu: "Se a faculdade mediúnica está em ti bastante desenvolvida, tu me verás em ocasião que outros olhos não o conseguiriam e isso será o sinal de que o Senhor te aceita para meu sucessor".

Caindo das alturas, o raio consumiu o corpo material de Elias e seu Espírito, revestido do peris- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 495

pírito que conservava ainda os caracteres e a forma do corpo de que acabava de separar-se, se elevou no espaço, em direção às regiões superiores, visível ao olhar mediúnico de Eliseu, e depois desapareceu, tornando-se-lhe invisível. As nuvens de vapor que se escapam das locomotivas, dos fornos das usinas, e se elevam no espaço não são a princípio visíveis para os vossos olhos carnais, depois não se vão sumindo, até desaparecerem inteiramente, tornando-se-vos de todo invisível?

"Quando eles, prosseguindo seu caminho, dizem as Escrituras, marchavam conversando, eis que surge um carro de fogo, puxado por cavalos de fogo, e os separa um do outro, subindo Elias ao céu num turbilhão. Ora, Eliseu via e exclamava: Meu pai, meu pai, vós, o carro de Israel e seu guia. Depois disso nada mais viu."

Naquele momento, pois, Eliseu teve, como havia de suceder, visão mediúnica. O carro de fogo e os cavalos de fogo representam o raio que fulminou o corpo material, humano, de Elias, ao mesmo tempo que o seu invólucro perispirítico se elevava sob os olhares do discípulo atento. Como não ignorais, os Espíritos do Senhor se servem muitas vezes dos elementos como meio de realizar atos determinados pela sabedoria divina.

Não vos espanteis de que o raio tenha tomado, para a visão mediúnica de Eliseu, as aparências ou a forma de um carro de fogo puxado por cavalos de fogo. Não é verdade que o raio toma, às vossas vistas, diversas formas? Não cai, ora como um globo ígneo, ora como uma barra, como lâminas torcidas, etc.? Eliseu o viu, naquele caso, conformente à disposição em que os Espíritos do Senhor o haviam colocado para ver, pois que ele acreditou, como devia acontecer, que Elias fora arrebatado pelo carro e pelos cavalos de fogo. Dissemos que os Espíritos do Senhor o dispuseram a ver as coisas sob aquele aspecto. Essa proposição nossa não vos pode causar estranheza, porquanto sabeis que, por meio de uma ação espírita OS QUATRO EVANGELHOS (II) 496

exercida sobre o cérebro do médium, os Espíritos conseguem que este veja o que eles queiram seja visto, com as aparências que dão às combinações fluídicas apropriadas à visão mediúnica.

Não vos surpreendais, tampouco, de que, no instante mesmo em que o raio lhe consumiu o corpo material, Elias, Espírito elevado encarnado em missão, se haja inteirado do que acabava de passar-se e se tenha tornado, sob a forma humana da qual vinha de ser separado, visível ao olhar mediúnico de Eliseu. Nenhum esforço era necessário para isso, pois, como sabeis, o perispírito conserva o aspecto, a forma do corpo que o revestiu, sobretudo no momento em que acaba de separar-se deste. Mesmo, portanto, que se tratasse de um caso ordinário, não teria havido mais do que simples ação mediúnica da parte de Eliseu. Mas, ainda quando se fizesse necessário um ato de vontade, um esforço qualquer, imaginais que a Elias, preparado como estava para uma separação imediata do corpo em que habitava e sendo como era um Espírito muito elevado, fosse preciso tempo para se inteirar do seu novo estado? Não vedes que a maior parte dos vossos irmãos, iniciados na nova revelação, recobram instantaneamente, uma vez desencarnados, suas faculdades espíritas?

À visão mediúnica de Eliseu se afigurou que o carro e os cavalos de fogo subiam como um turbilhão, isto é: qual coluna de vapores luminosos que, diante de seus olhos, rodopiasse, como as nuvens que o furacão açoita.

Deveis compreender que, vivendo numa época em que se ignoravam os efeitos do raio, a Eliseu não acudisse a idéia de procurar os vestígios do corpo de Elias, vestígios que, aliás, não encontraria. Os Espíritos prepostos lhe desviaram de semelhante pesquisa o pensamento, fazendo-o ver Elias a subir para o céu num turbilhão. OS QUATRO EVANGELHOS (II) 497

Daí vem que, aos que lhe propunham ir procurar o seu mestre, respondia ele: "Não o façais".

Nada obstante, muitos insistiram em procurar Elias. Não o encontraram, dizem as Escrituras.

Ao regressarem esses, Eliseu lhes ponderou: "Não vos havia eu dito que não o fizésseis?" Os Espíritos prepostos ocultaram de todos os pesquisadores os vestígios do corpo consumido.

Deus, com a sua presciência e sabedoria infinitas, apropria aos tempos, às inteligências, às necessidades de cada época, de cada era, os acontecimentos, os atos, as revelações, fazendo que se produzam nas condições mais convenientes à marcha lenta, porém regular e sempre progressiva da vossa humanidade.

Em face da resposta que, quando interrogado relativamente a Elias, lhes deu o Mestre, seus discípulos compreenderam que João Batista era Elias, o mesmo Elias que as profecias anunciavam como devendo ser o precursor do Cristo.

O que, porém, Jesus naquela ocasião não podia nem devia dizer e que agora tem que ser dito é o seguinte: Moisés —Elias —João Batista — são uma mesma e única entidade. Estamos incumbidos de vos revelar isso, porque chegou o tempo em que se tem de "realizar" a "nova aliança", em que todos os homens (Judeus e Gentios) se têm que abrigar debaixo de uma só crença, da crença — em um Deus, uno, único, indivisível, Criador incriado, eterno, único eterno: o Pai; em Jesus Cristo, vosso protetor, vosso governador, vosso mestre: o Filho; nos Espíritos do Senhor, Espíritos puros, Espíritos superiores, bons Espíritos que, sob a direção do Cristo, trabalham pelo progresso do vosso planeta e da sua humanidade: o Espírito Santo.

Sim, Moisés, Elias e João Batista são um só; são o mesmo Espírito encarnado três vezes em missão. Esse Espírito, quando foi Moisés, preparou a vinda do Cristo e a anunciou veladamente; quando foi Elias, OS QUATRO EVANGELHOS (II) 498

deu grande brilho à tradição hebraica e anunciou, nas suas profecias, que teria de ser o precursor do Cristo; quando reencarnou em João, filho de Zacarias e Isabel, foi esse precursor.

Essas três figuras eram o emblema da tríplice missão desempenhada em três épocas diferentes, e, por meio da aparição de Moisés e de Elias no Tabor, aos três discípulos, foram postas ao alcance das inteligências humanas, ensinando Jesus aos homens que João Batista era Elias, que voltara à terra.

Moisés, Elias e João foram sempre o mesmo Espírito reencarnado, mas não a mesma personalidade humana, a mesma individualidade terrena.

Assim é que, no Tabor, quando da transfiguração de Jesus, um Espírito superior, da mesma elevação que Elias e João, tomou a figura, a aparência de Moisés.

Tais substituições se dão quando necessárias — por Espíritos da mesma ordem.

A reencarnação esteve esquecida durante longo tempo. Convinha que tal acontecesse, porque se tornou preciso que um véu fosse lançado entre os homens, cheios de vícios, de charlatanices, de superstições, e os mistérios de além-túmulo, até que a humanidade, pelos progressos realizados, se mostrasse apta a apreender esses mistérios e a lei natural e imutável da reencarnação, que lhe seria pelos Espíritos do Senhor revelada, em espírito e verdade, no seu fundamento e nas suas conseqüências. Aqueles mistérios e esta lei desvendam aos homens as sendas da expiação, da reparação e do progresso, sempre abertas ao Espírito, que, trilhando-as, chegará à perfeição moral e também à realização de seus destinos, por efeito da justiça de Deus, cujos tesouros de bondade e misericórdia infinitas são inesgotáveis.

No seu diálogo com Nicodemos, Jesus deixou intencionalmente envolto em sombras, obscuro, o prin- OS QUATRO EVANGELHOS (II) 499

cípio da reencarnação, aguardando a luz espírita que, mediante a nova revelação, viria patenteá-lo em todo o seu brilho, mostrando-o, ao mesmo tempo, incrustado, sob o véu da letra, em diversos pontos, nos seus ensinos.

Tudo tem a sua razão de ser na marcha dos acontecimentos. Quantos abusos não se houveram originado do contacto, consciente e voluntário, dos Espíritos com a humanidade!

Ainda agora, quando as vossas inteligências estão mais desenvolvidas, os vossos Espíritos mais fortes, mais instruídos, que de práticas ridículas da parte de uns, da de outros que confiança absurda! E, no entanto, deveríeis todos estar maduros, pois que se aproxima o tempo da colheita.

Pelo transviamento de tão grande número de espíritas, podeis julgar do que teria acontecido outrora.

Não vos socorrais do argumento de que a influência espírita existia igualmente, então como hoje.

Existia, sim, mas em termos muito diferentes. Na sua maioria, os ignorantes e culpados da terra, quando volviam ao estado de Espíritos livres, isto é, quando na erraticidade, eram conservados na ignorância da faculdade, que possuíam, de se aproximarem dos encarnados.

Somente os que se haviam, em comparação com os outros, elevado e desprendido da matéria, podiam usar daquela faculdade. Hoje, todos dela fazem uso, porque lhe podem e devem compreender os efeitos.

Servimo-nos há pouco da expressão — na sua maioria — porque havia naquela época e houve sempre, tanto no período cristão, como no período hebraico, em todas as épocas e em todos os lugares, Espíritos que se constituíram instrumentos das provações e expiações dos encarnados.

Os que então eram de elevação superior à destes atuavam sobre alguns dos homens menos maus, a OS QUATRO EVANGELHOS (II) 500

fim de os elevar e tornar guias dos outros. O Senhor não vos confiaria uma arma perigosa; mas, também não seria capaz de deixar-vos expostos, sem defesa, aos golpes dessa mesma arma.

Hoje, estais aptos a compreender e a vos manter em guarda. A criança, se se aproxima de armas perigosas, fere-se; o homem as maneja e delas tira partido.