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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Povos Primitivos e Manifestações Supranormais-Ernesto Bozzano

 

Índice do Blog 

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Ernesto Bozzano

Povos Primitivos e Manifestações Supranormais

Título original em Italiano

Poppoli primitivi e manifestazioni supernormali

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William Holman Hunt

A Ponte Vecchio

Conteúdo resumido

Ernesto Bozzano tem por objetivo demonstrar que entre os povos primitivos atuais os fenômenos metapsíquico (animismo e mediúnico) apresentam-se em todas as gradações, em tudo semelhantes as pesquisas científicas feitas pela civilização moderna. Vão desde fenômenos físicos - como movimento de objetos sem contato algum, ruídos insólidos, estrondos, levitações, transfigurações, materializações - até a fenomenologia prevalentemente psíquica como a transmissão do pensamento, a telepatia, a clarividência no presente, no passado e no futuro, o desdobramento, a forma humana esférica, a aparição de mortos, as comunicações como os desencarnados e suas respectivas formas de exteriorização, clariaudiência, possessão, voz direta.

Apresentação

O autor reúne nesta monografia uma série de casos reconhecidamente selecionados e documentados, acerca de manifestações supranormais entre os atuais povos primitivos: selvagens e não selvagens.

Trata-se de uma análise acurada de documentos sobre a telepatia, a clarividência no presente, no passado e no futuro, a levitação humana, os aportes, a voz direta, as materializações, as aparições dos vivos e dos defuntos e outras manifestações metapsíquica que se realizam, na maior parte, entre os povos selvagens.

O que acima de tudo importa notar é que os fenômenos manifestados naqueles povos são, em tudo, análogos aos que se verificam junto a nós, povos civilizados. Isso torna-se-á particularmente evidente porque o autor teve o cuidado de reviver, continuamente, ou de citar, em verdade, os casos semelhantes da casuística européia-americana.

A seriedade da documentação é tal que induz a refletir-se também sobre a fenomenologia aparentemente embaraçosa, tal, por exemplo, os fenômenos da Licantropia.

Com a leitura desta obra, pode-se, portanto, ter uma idéia de algumas importantes categorias da Metapsíquica.

Esta exposição comentada cientificamente, sem possibilidade de objeção e provida de casos também moderníssimos, não deixará de interessar, além do mais, a outros cultores da Metapsíquica, como antropólogos, etnólogos e psicólogos.

Estes últimos encontrarão uma concepção totalmente nova acerca da gênese da idéia da sobrevivência entre nós e entre os selvagens; idéia que foi sempre referida - com o princípio da escola de Spencer e partidários - sobre casos banais como fenômenos do sonho, do eco, da própria imagem refletida na água etc. Entretanto, na realidade, ela tem origem nos fatos controlados e indiscutíveis como são os fatos metapsíquicos que se realizam entre os povos selvagens de maneira idêntica como entre nós.

A importância e a originalidade dessas demonstrações de Bozzano não passarão despercebidas por alguns. Elas assinalam o início duma concepção totalmente nova nos confrontos da antropologia psicológica.

Gastone De Boni

Prefácio

Vida e Obra de Ernesto Bozzano no Cinqüentenário de sua Atividade Metapsíquica

No presente ano - 1941 - ocorre o cinqüentenário da atividade científica de Ernesto Bozzano, um dos mais sagazes, ativos, eruditos e geniais cultores da Metapsíquica: numa palavra, o pioneiro desta Ciência.

Exatamente por isso, pensei que o melhor modo de honrar esta sua bodas de ouro de estudioso, seria o de publicar, numa série de volumes, a Coletânea de suas monografias que tão meritória fama lhe causaram em todo o mundo.

A dita Coletânea, que foi publicada fora da Itália, reunida numa série interminável de volumes, não havia nunca sido publicada entre nós porque havia aparecido, em diversos anos, na bela revista Luz e Sombra.

Ela preenche, portanto, uma lacuna no setor da Metapsíquica italiana, tanto mais porque assinalará o início de um mais vasto programa.

Isto posto, acredito-me no dever de dizer qualquer coisa sobre a vida e a obra deste infatigável pesquisador.

Bozzano nasceu em Gênova, a 9 de janeiro de 1862. Desde os primeiros anos, demonstrou um amor apaixonado pelo estudo, tanto que, aos quatro anos, importunava sua mãe para que lhe ensinasse a ler a respeito de uma importante obra sobre a história genovesa. E embora uma criança de quatro anos não estivesse à altura de compreender aquilo que tentava, todavia, lembra-se ainda hoje do amor com que sustentava nas mãos aquele grosso e misterioso volume.

Foi mandado para uma escola técnica, mas embora fosse evidente sua vocação para aprender, seu pai impediu-o de estudar. Muitas foram suas lágrimas, mas a paixão de saber não se extinguiu; pelo contrário, aguçou-se sempre mais e o firme propósito de conseguir igualmente a formação de uma grande cultura e de tornar-se alguém na vida, fez se uma lei para aquele rapaz.

Principiou, como muitos jovens, com um período literopoético, publicando até dois livrinhos de versos sob o pseudônimo de Ligurio Itálico. Mas não tardou a sobrevir nele, irresistivelmente, a necessidade de tudo investigar, de tudo saber: literatura, filosofia, psicologia, fisiologia, astronomia, geologia, paleontologia e todas as ciências naturais em geral constituíram o estudo assíduo da sua juventude até a idade de trinta anos.

Sua paixão literária teve início na idade dos doze anos e, embora muito jovem, prosseguiu sistematicamente nesse estudo. Leu, com imenso amor, uma história da literatura italiana, a de Maffei, dirigindo sua educação para essa disciplina e iniciou com o estudo dos trecentistas, que se punha a ler na biblioteca da Universidade de Gênova, tornada por muitos anos o seu domicílio. E, assim, por meio dessas leituras, prosseguindo de século a século, com um método que não padecia objeção, foi formando-se nele uma grande erudição literopoética.

Profunda impressão provocaram em seu ânimo as leituras do Gerusalemme Líberata, do Ossian, na tradução magistral de Cesarotti, da Feroniade de Vincenzo Monti. Desse modo, passaram pela sua mente todos os nossos maiores poetas e literatos, desde os primeiros dos nossos grandes até Parini, Fóscolo, Monti, Giusti, Aleardi, D'Annunzio.

Tendo lido também nas traduções de Maffei e de Isola os poemetos de lorde Byron, que o haviam entusiasmado, decidiu empreender o estudo da língua inglesa, cujos primeiros rudimentos havia aprendido na escola técnica. E dedicou-se com tal ardor ao estudo dessa língua que, depois de apenas quatro meses, estava em condições de ler e compreender muito bem os célebres poemetos.

Do mesmo autor, leu em seguida o Manfredo, drama fantasioso, realístico, pujante e o Don Glovanni, poema de satânicos contrastes; duas criações que lhe causaram grande impressão e que centuplicaram sua admiração por aquele grande gênio.

Vem depois a vez de Milton, Shelley, Moore e de Shakespeare. Deste último fez um estudo tão aprofundado que o pôs em condições de ler correntemente os dramas pujantes na língua fora de uso para ele.

Como eu já disse, também os estudos científicos fascinaram-no desde os primeiros anos de Bozzano. De fato, já na idade de quinze anos, seu interesse foi atraído para as grandes ciências, naquela ocasião do início de formação, como a astronomia, a paleontologia, a psicologia e a filosofia científica.

Mas, sobre todas as coisas, um grande problema o prendia e o fascinava: sua convicção íntima do Problema do Ser, do Mistério da Vida, do Mistério da Personalidade Humana, do Porquê da Existência.

Desse modo, veio implantando-se para Bozzano um período de tempo que pode chamar-se o seu decênio filosófico e que vai de 1882 a 1892.

Ao longo desse decênio, procurou penetrar no pensamento dos maiores filósofos, de Platão a Hegel, de Descartes e Lotze a Rosmini e Gioberti; mas essas longas e laboriosas indagações no domínio da filosofia nada lhe trouxeram de concreto; assim ele entrou, mais do que nunca, no abismo da Dúvida. À sua primeira rebelião de não crer por um ato de fé, acrescentou-se uma segunda, com a qual rejeitava em massa todos os postulados metafísicos sustentados no vazio e equiparáveis, em tudo e por tudo, aos verdadeiros e mesmos atos de fé no ambiente filosófico.

Volta-se, então, para a filosofia científica, em sucessão ininterrupta e com um ardor mais do que apaixonado, leu, releu e anotou, do início ao fim, as obras dos seus luminares: de Büchner, Moleschott, Vogt, Feuerbach, Haeckel, Huxley Comte, Taine, Guyau, Le Dantec, Morselli, Sergi e Ardigò, extraindo os postulados positivistas da pesquisa científica para, em seguida, compará-los com os seus e organizá-los numa síntese negativista formidável.

Mas o estudo filosófico que exerceu, desde o primeiro momento, o maior fascínio na mente de Bozzano foi o do sistema de Herbert Spencer, o grande filósofo inglês que ele considerava como o Aristóteles dos tempos modernos. Realmente, o sistema spenceriano consistia numa formidável síntese de todo o saber cientifico e numa grandiosa e sucessiva utilização de como criar um edifício filosófico - próprio para explicar todo o universo.

Durante dois anos consecutivos, ele dedicou-se apenas a estudar, anotar e classificar o conteúdo total do importante sistema filosófico spenceriano, no qual todas as peças do conhecimento humano convergiam, trazendo sua contribuição para a compreensão científica do universo criado.

Aconteceu que o tormentoso Problema do Ser pareceu resolvido para o nosso autor, e a resolução podia ser resumida nestas palavras: "O positivismo mecanicista de Herbert Spencer era a Verdade de Bozzano investigada com tão apaixonada tenacidade".

Daquele momento, ele transformou-se no apóstolo do seu ídolo, polemizando com qualquer um que ousasse duvidar dos postulados mecanicistas daquele gigante do pensamento, ganhando, por causa dessa sua atividade, o título de Spenceriano da Itália.

Desse modo, a tal ponto Bozzano tornou-se positivista convicto que parecia, no seu critério, inverossímil que pudesse existir uma pessoa culta, dotada de uma medida normal de senso comum, que desse crédito à existência e à sobrevivência da alma. E não se limitava apenas a pensar desse modo, mas escrevia também artigos apaixonados e audaciosos na sustentação de suas convicções.

Entretanto, o grande ano que determinaria toda a futura orientação de sua vida, entre um livro filosófico e outro, estava se avizinhando. Devia ser 1891.

Nesse mesmo ano de 1891, recebeu uma carta do professor Ribot, diretor da Revue Philosophique, na qual informava que havia recebido uma nova revista intitulada Annales des Sciences Psychiques, da qual era promotor o professor Charles Richet - grande fisiólogo francês - e como diretor o doutor Darieux.

O professor Ribot exortava-o a ler atentamente o conteúdo e a manifestar seu parecer sobre o assunto, pois que se tratava de um novo ramo de pesquisa psicológica, tendente a demonstrar a possibilidade de que o pensamento fosse transmissível a distância, de cérebro para cérebro.

Contudo, a leitura dos primeiros fascículos da revista em causa produziram uma desastrosa impressão no seu critério de positivista intransigente, pois parecia-lhe um escândalo científico que certos representantes da Ciência oficial discutissem seriamente a transmissão do pensamento de um continente a outro, a aparição de fantasmas telepáticos de natureza verdadeira e de casos reais de infestação.

Seus conceitos, já profundamente radicados, de positivista materialista, impediam-no de assimilar a nova verdade, embora esta última resultasse estar fundamentada sobre dados de fatos que não padeciam objeção.

E assim aconteceu que ele escrevesse uma "carta de fogo" ao professor Ribot, declarando insensato o conteúdo da nova revista e expressando sua admiração pelo fato de que estudiosos que possuíam um nome no campo científico, acreditassem em semelhante mentira.

Eis que quando seu ânimo de indagador havia se aquietado, em razão de estar persuadido de ter resolvido o problema, apareceu na Revue Philosophique um longo artigo do professor Rosenbach, de Petersburgo. Nele o autor lançava-se com violência contra a intrusão do novo misticismo na Arca Santa da psicologia oficial, explicando, ao invés, os fatos novos com a hipótese alucinatória, combinada com uma "fortuita coincidência", imaginação exaltada e outras desse gênero.

Mas essa refutação do professor Rosenbach pareceu-lhe, de repente, um tanto deficiente e insustentável, e produziu em seu próprio ânimo o efeito contrário àquele que fora proposto pelo autor do artigo em questão. Entretanto no fascículo seguinte da Revue Philosophique, mostrou-se favorável a um artigo do professor Charles Richet, no qual eram rechaçadas, ponto por ponto, as afirmações e considerações erradas do professor Rosenbach, artigo que serviu para reforçar muito a sua convicção sobre a realidade dos fatos e sobre o grande mistério que envolvia as manifestações.

Foi esse o fato que fez Ernesto Bozzano compreender que, se a argumentação para uma oposição à nascente Nova Psicologia era a do professor Rosenbach, então tinham mesmo razão os outros, visto como esses últimos valeram-se de fatos, enquanto os primeiros opunham aos fatos somente uma argumentação negativista e nada mais.

Um imenso problema a resolver apareceu então diante de Bozzano; tratava-se, nada mais nada menos, de enfrentar, sob bases absolutamente novas na história de todos os tempos, o Problema da Alma, da Morte, da Sobrevivência. Ele, como filósofo, uma vez tomando consciência de que o problema podia ser seriamente situado, não podia também, nem de longe, pensarem negligenciá-lo: o grande Enigma devia ser resolvido, fosse embora nos termos permitidos pelas limitações humanas, em toda sua extensão e profundidade.

O "dado" já estava riscado. Naquele momento - ano de 1891 - inicia-se o grande e fecundo trabalho do nosso autor, por meio do qual, através de cinqüenta anos de pacientíssimas pesquisas, conseguiu demonstrar, sob dados de fato sem possibilidade de objeção, a sobrevivência humana e a comunicação dos mortos com os vivos.

Naquele mesmo ano aparece, por obra de Marillier, a tradução francesa do livro Phantasms of the Living (Fantasmas dos Vivos), levando o título modificado de alucinações Telepáticas foi justamente essa obra - constituída de uma porção enorme de casos escolhidos e documentados com seriedade sem precedentes por Gurney, Myers e Podmore - que acabaram por convencer Bozzano da real existência dos fenômenos telepáticos.

O primeiro passo estava dado! Mas sua fé de positivista-materialista não fora ainda suficientemente abalada, pois a explicação científica dos fenômenos telepáticos, segundo a qual tinham origem nas vibrações do pensamento que viaja ao infinito em ondas concêntricas, satisfazia suficientemente o seu critério de neófito.

Com essa concessão, porém, - como Bozzano mesmo me escreveu - ele tinha inconsciente, mas efetivamente, penetrado duma vez na sua Via de Damasco, pois que essa primeira concessão feita ao assunto da fenomenologia supranormal, havia-o fatalmente encaminhado a um novo setor de pesquisa, que deveria conduzi-lo em direção diametralmente oposta à do positivismo materialista que ele havia professado com tanto entusiasmo e tenacidade.

O período de crise de consciência já se lhe estava aberto, e a primeira sacudida às suas aquisições científicas foi dada pelo imponente tratado de Alessandro Aksakoff, publicado em Lipsia, em 1890, em edição original, sob o título Animismus und Spiritismus, aparecido inesperadamente, e em seguida traduzido em língua francesa.

Seguiu-se, então, para Bozzano, um período de certo modo penoso, de perturbação moral, pois, embora a nova orientação filosófica se realizasse no sentido duma fé científica, de há longo tempo mais confortadora do que aquela até então professada, não obstante, ele não podia assistir, sem desconforto, a demolição cruel de todo um sistema de convicções filosóficas adquiridas lentamente e ao preço de longas meditações e pelas quais já estava encerrada a adaptação ética e psicológica de seu espírito.

Na afanosa busca da nova verdade, leu as obras dos autores mais conhecidos dessa época, como Allan Kardec, Delanne, Denis, D'Assier, Nus, Gibier, William Crookes, Wallace, Du Prel e Brofferio. Mas verificou, de repente, que o problema que se manifestava diante de seus olhos era de tal maneira grande que precisava ir até o fundo e remontar às origens históricas do grande movimento.

Foi assim que escreveu para Londres e para Nova Iorque para procurar as principais obras publicadas sobre as origens do movimento, até 1870, época na qual as indagações começaram a ter pesquisadores também na Europa. Com a chegada das obras requeridas, começou para ele o período verdadeiramente fecundo da sua sistemática atividade no campo metapsíquico.

Desse período, ele conserva ainda uma indelével lembrança, pois, exatamente através destas pesquisas feitas com fervor e perseverança, conseguiu assentar sob bases científicas, de modo inabalável, suas novas convicções espiritualistas.

Entre as obras que mais exerceram decisiva influência sobre o nosso autor, posso citar as seguintes: Robert Dale Owen: Footfalls on the Boundary of another World (Transpondo os Limites de um Outro Mundo); Robert Dale Owen: The Debatable Land between this World and the next (A Terra de Contrastes entre este Mundo e o Próximo); Epes Sargent: Planchette, the Despair of Science (Planchette, Desespero da Ciência); De Morgan: From Matter to Spirit (Da Matéria ao Espírito); doutor Wolfe: Startling Facts in modern Spiritualism (Fatos Surpreendentes no Espiritismo Moderno).

Sobre a história do movimento espirítico encontrou, pelo contrário, um grande auxílio na obra verdadeiramente magistral de Emma Hardinge Britten: Modern American Spiritualism (O Moderno Espiritualismo Americano). Para a história dos precursores do mesmo campo, valeu-se, com proveito, da obra em dois volumes de William Howitt: History of the Supernatural (História do Sobrenatural).

Sob o ponto de vista da fenomenologia mediúnica de efeitos físicos, os relatos de mrs. Speer sobre as famosíssimas sessões experimentais com William Stainton Moses (anos 1892-1893, da revista Light, relatos preciosíssimos, mas que nunca vieram à publicação em volumes, nem mesmo na Inglaterra) foram os que exerceram a maior eficácia sobre as suas convicções com respeito à intervenção indubitável dos mortos também nos fenômenos de ordem física do mediunismo superior.

***

Entretanto, uma vez formada uma visão total do problema espirítico, Bozzano quis também experimentar; e foi assim que, de acordo com o dr. Giuseppe Venzano, fundou o Círculo Científico Minerva, em Gênova.

Ambos foram conduzidos ao diretor do Século XIX, Luigi Arnaldo Vassallo (conhecido pelo pseudônimo de Gandolin), para manifestar-lhe seu propósito e para rogar-lhe, ao mesmo tempo, que fosse o presidente. Vassallo aceitou logo, pedindo uma única condição: que se experimentasse com critérios rigorosamente científicos. Como era esse o principal objetivo justamente de Bozzano e de Venzano, o ajuste foi estabelecido imediatamente.

Por empenho de Vassallo, também o professor Enrico Morselli, da Universidade de Gênova, ficou sócio, atraído pela promessa de que deveria poder experimentar com a Paladino. Depois dele, entrou, nesta mesma lista, também o professor Francesco Porro, da Universidade de Gênova.

Sob essas ótimas bases, foi fundado o Círculo Científico Minerva que, de janeiro de 1899 a 1904, teve quatro anos de vida gloriosa, fazendo que falasse dele toda a imprensa italiana e estrangeira. Lá se realizaram quase todos os fenômenos físicos de alto mediunismo, compreendendo a materialização contemporânea de seis figuras claramente visíveis por todos.

O Círculo Científico Minerva dissolveu-se logo em razão dos dissabores havidos entre os sócios que teriam querido assistir todos juntos - eles eram 70 - as experiências com Eusapia Paladino e com aqueles que se encontravam nos grupos nos quais foram descobertos ótimos médiuns. Ele que era absolutamente contrário ao desenvolvimento regular das experiências a se realizarem, não podia permitir isso. Entretanto, a atividade experimental do Círculo foi a causadora da seguinte série de publicações: os relatos do professor Porro publicados em folhetos no Século XIX os relatos do professor doutor Venzano, que vieram à luz numa série de fascículos da Revista de Estudos Psíquicos, dirigida por Cesare Vesme; os dois grossos volumes (1.040 páginas completas) do professor Enrico Morselli sob o título (Torino,1908); e, por último, a obra de Ernesto Bozzano: Hipótese Espíritica e Teórico-Científica (Gênova, 1903), num volume de 500 páginas.

Sempre com respeito às experiências, lembrarei que ele tomou parte ativa nas sessões de "voz direta", realizadas em Millesimo, com a poderosa mediunidade do marquês Centurione-Scotto, nos anos 1927-1928. Nessas sessões, além da voz direta, realizaram-se os mais variados fenômenos da casuística metapsíquica, tais como telecinesia, materializações, desmaterializações e aportes. Contudo, para maiores informações a respeito, restam os relatos publicados por Bozzano nos anos 1927-1928, de Luz e Sombra.

No entretempo, um fato trágico havia perturbado a paz de Bozzano: sua adorada mãe morreu de um carcinoma, a 3 de julho de 1892, em Gênova. Ele se ocupava apenas há dois anos de estudos mediúnicos espíritas e, apesar de haver lido muito e também experimentado um pouco, permanecia, apesar disso, titubeaste, perplexo, cético sobre o que se referia à interpretação espiritualista dos fenômenos.

Suas convicções positivistas-materialistas estavam tão profundamente arraigadas nele para poderem ser facilmente removidas pela força das novas investigações. Dez anos de estudos filosóficos assíduos e ininterruptos, profundos e sistemáticos, haviam demolido totalmente para Bozzano a interpretação espiritualista do universo. Somente a concepção mecanicista duma sumidade como a do filósofo Herbert Spencer dominava soberanamente seu pensamento.

Tal foi a sua perplexidade e a dúvida nesse período de transição do materialismo para o espiritualismo, atravessando um lúcido intervalo no qual entrevia a nova verdade, que se refletiu nas cinco poesias escritas naquele ano, em memória de sua santa mãe, poesias inspiradas como um verdadeiro desabafo à sua inconsolável dor por tê-la perdido.

Reporto-me aqui aos versos:

Ah! Por muitos anos persegui com ânsia

Também a Esfinge que se chama Verdade.

Mas o horizonte ampliava-se e o Infinito

Esta além dos confins: tudo é mistério,

A lei é o ignoto; e eis que um vislumbre

De nova ciência avança cautamente,

E um novo Credo surge; aí com essa luz,

Rápida brota a flor da Esperança.

E a seguinte poesia, intitulada Crepúsculo, termina com a quadra:

Oh! Que a um inútil imortal

Torna a invocar a sorte;

A Iside oculta ao réprobo

Revelará um sol morto.

A Nova Ciência e o Novo Credo constituíam o surgimento dos estudos espíritas - com todas as conseqüências teóricas que deles derivavam - aos quais, como já disse, Bozzano se dedicava, há cerca de dois anos, quando sua mãe morreu.

Nessas penosas agitações de espírito ele perseverou ainda por um ano, depois da morte da mãe, até quando aconteceu assistir a uma modesta sessão mediúnica que alterou toda sua ulterior dúvida.

Ele fazia parte de um pequeno grupo de experimentadores que se reuniam semanalmente em casa do chanceler comunal de Gênova, o sr. Luigi Montaldo. Servia de médium a esposa dele, a senhora Attilia, elegante escritora de fábulas para crianças e de contos para os jovens, sob o pseudônimo de Fata Nix. Tinha uma mediunidade de psicografia de ordem superior, pela qual manifestava-se uma entidade que não queria dizer quem era e assinava com pseudônimo de Nerone, dando conselhos morais, sociais e psicológicos elevadíssimos. Alguns resumos dessas comunicações foram publicados por Bozzano numa revista de Roma, dirigida pelo publicista Enrico Carreias.

Na tarde da qual se trata, lá encontravam-se cinco pessoas: o casal Montaldo, o senhor Felice Avellino, o doutor Venzano e Bozzano. Era a tarde do dia do aniversário em que falecera sua mãe.

De improviso, a senhora Montaldo exclama: "Oh! Mas que coisa está me acontecendo? Sinto-me como que circundada por uma influência do paraíso! Oh, que calma, que serenidade, que felicidade me invade! Indubitavelmente está presente uma entidade muito elevada, puríssima, angelical". E, assim dizendo, começou a escrever poucas palavras que, com um impulso automático, dirigiu a Bozzano. Ele lê e permanece aturdido; estavam escritos os dois últimos versinhos da epígrafe que naquela mesma manhã Bozzano havia pendurado num quadrinho na sepultura da mãe, por ocasião do primeiro aniversário da sua morte. Os versinhos são estes:

Agora e sempre

Invocando-te, oh! mãe.

Sua comoção não teve mais limites. Sentia, ou melhor, tinha a absoluta certeza de que, ao seu lado, achava-se sua mãe. Mas há outra coisa. Naquela época, ele estava com o ânimo muito opresso com os desgostos sérios e íntimos, tão íntimos que não lhe foi possível externá-los na presença do grupo. A única criatura que teria podido ser-Ihe uma boa conselheira era a mãe. Experimentou dirigir-lhe uma pergunta mentalmente e eis que obteve imediatamente a resposta, formulada porém, em tais termos, que somente ele, Bozzano, podia compreender o sentido, (como freqüentemente sucede nas sessões mediúnicas quando a entidade comunicante não quer revelar aos outros, mas apenas ao consulente, um fato íntimo ou um segredo).

Mais do que nunca, comovido e trêmulo, dirigiu uma invocação mental sobre um conselho. Este foi rapidamente dado e foi de tal forma que o levou a supor não haver nenhum equívoco. Depois do que, foi ditado: "Estou contente contigo. Continua no nobre caminho em que sei que te engajastes. Esta é a tua missão na terra. Beijo-te".

Foi este o pequeno acontecimento pessoal que dissipou para sempre as suas dúvidas filosóficas, dúvidas que persistiram, embora profundamente conspurcadas, não obstante o preparo metapsíquico dos dois anos precedentes (1891-1893).

A propósito da frase: "É esta a tua missão na terra", pronunciada pela entidade afirmando-se mãe de Bozzano, quero recordar um curioso episódio biográfico.

De volta dum passeio nas montanhas de Gênova, Bozzano, jovem de 18 anos, encontrou uma cigana que ofereceu-se para ler-lhe o destino. Embora não estivesse disposto a acreditar, não soube negar e escutou a seguinte profecia: "Vejo-te muito velho, entre os 70... os 72... os 74... os 76... depois vejo nublado... Agora estás comprometido com uma bela senhorita que não é das nossas... não é da nossa: raça! Tu, porém, não a desposarás... não a poderás desposar... porque ela casará com um outro. Tu estudarás durante toda tua vida... Escreverás muitos e muitos livros... Escrevê-los-ás sobre um assunto que é como este pelo qual agora eu te falo! Justo este assunto! Tornar-te-ás o apóstolo de um grande ideal espiritual... entre livros e livros escritos por ti. Toda tua vida será dedicada, trocando a família por um alto Ideal...".

Essa foi a profética exposição da adivinha, que foi duma impressionante precisão. De fato, Bozzano estava realmente comprometido com uma senhorita que não era da nossa raça (termo impróprio mas expressivo) porque era francesa, e não a pôde desposar porque ela, viajando para Paris, desposou lá um oficial da guarda republicana. A outra predição depois, relativa à missão particular de estudioso e seu verdadeiro e próprio apostolado a favor dum alto Ideal, realizou-se dum modo inconcebivelmente surpreendente.

De fato, não se podia pensar que ele tivesse sugestionado nesse sentido, consciente ou subconscientemente, a sensitiva, visto como ignorava, aos 18 anos, qual deveria ser seu futuro destino e, sobretudo, não podia pensar em tornar-se o apóstolo duma ciência da qual ignorava até a existência.

As particularidades com respeito à sua idade, aconteceram na maior parte. A adivinha tinha lentamente computado o numero de anos, assegurando que só depois dos 76 "via nublado". Hoje, Bozzano tem 79 anos.

No período que vai de 1891 a 1921, Bozzano, sempre em Gênova, continuou incessantemente sua preparação com método e perseverança. Mas os inúmeros amigos que possuía em sua cidade distraíam-no do estudo assíduo além dos limites, fosse por requisitarem-lhe explicações ou elucidações no tocante à casuística mediúnica, fosse pela procura de auxílio no estudo do mediunismo.

Estando as coisas assim, ele não podia produzir, durante esse período o quanto teria podido e querido. O professor Morselli, por exemplo, estava freqüentemente em sua casa porque, devendo compilar os dois grossos volumes Psicologia e Espiritismo, e não possuindo nenhuma classificação analítica e poucos casos sobre a matéria, encontrava tudo quanto lhe era necessário nos compêndios de Bozzano que generosamente fornecia a Morselli - embora fervoroso antiespírita - todo o material útil.

Mas, em 1922, seu irmão adquiriu uma vila em Savona, numa bela situação em uma colina em frente ao mar. Lá estabeleceu-se também o nosso autor que, daquele momento em diante, achando-se numa cidade na qual era desconhecido por todos e por isso completamente livre dos amigos e das obrigações, pôde dedicar, alma e mente - no sentido mais literal do termo - àquela ciência que o grande filósofo e psiquista francês professor Charles Richet havia chamado de Metapsíquica.

A série das suas mais importantes monografias sobre o assunto iniciou-se mais exatamente na sua residência em Savona e, depois daquele tempo, de 1922 em diante, sua produção tornou-se uma inexaurível atividade.

***

Leva uma vida de verdadeiro frade. Levanta-se ao amanhecer e depois de um pouco de jardinagem na estação propícia, senta-se à mesa ou à máquina de escrever, no amplo quarto do torrão do palacete e lá passa 14 horas por dia, ou anotando e classificando novas obras de Metapsíquica, ou despojando-se de seus volumosos compêndios para escrever novos trabalhos.

A propósito desses compêndios é oportuna uma explicação. já no fim da época em que se ocupava com filosofia, Bozzano havia sentido a necessidade de classificar analiticamente o inteiro conteúdo da obra que lera. Essa necessidade fizera-se sentir, mais do que nunca, imperiosa na Metapsíquica, na qual tratava-se de ter presente, em breve tempo e em ordem, toda uma enorme casuística que, provindo dos fenômenos simples anímicos, iam até aos espiríticos, ou àqueles de mediunismo superior. E porque tratava-se quase sempre de precisar precisar em um campo em trabalho de formação, então a necessidade de classificar analiticamente o material metapsíquico mundial tornava-se uma necessidade imprescindível.

Sucedeu que ele empreendeu, com a paciência digna dum frade, a classificação de toda sua biblioteca, seja dos livros, seja das revistas publicadas em todo o mundo e, se pensamos que Bozzano colocou em ordem em compêndios todo o material contido nos livros de sua biblioteca que continha cerca de 3 mil livros, compreende-se como havia sido necessário o sacrifício da jornada completa de 50 anos de vida!

Mas, fazendo assim, ele havia se colocado de frente ao mundo metapsíquico, numa posição de todo particular, porque todos os estudiosos sérios do mundo - estivessem ou não de acordo com ele na interpretação dos fatos - estiveram sempre de acordo ao julgá-lo o maior erudito vivo no campo dos estudos metapsíquicos.

Para dar uma amostra do tipo de classificação analítica, adotada por Bozzano aos 50 anos, a esta parte, compilei a classificação analítica deste volume que, se bem que executada com o meu critério pessoal ditado por uma experiência metapsíquica que dura 18 anos, contudo, não se afasta muito do método seguido pelo nosso autor.

Como se pode claramente perceber, o material psíquico resultou numa subdivisão em vários capítulos, nos quais, para facilitar a coluna numerada, encontra-se o conteúdo teoricamente importante das páginas correspondentes. Dessa maneira, percorrendo rapidamente um capítulo especial, tal como, por exemplo: Telepatia, Clarividência ou Aportes, pode-se ter diante dos olhos, numa visão sinótica, tudo quanto de interessante sobre o assunto especial foi dito no livro objeto da nossa atenção.

Compreende-se logo que, sem esse trabalho metódico e paciente de preparação, não é absolutamente possível pôr-se a escrever qualquer coisa sensata duma matéria tão difícil e árdua como a Metapsíquica.

Essas considerações explicam suficientemente porque Bozzano levou bem nove anos de preparação antes de pôr as mãos na caneta. De fato, seu primeiro artigo intitulado Espiritualismo e Crítica Científica - no qual rechaçava, sob a base de fatos, a hipótese formulada pelos opositores contra a interpretação espiritualista das manifestações dos defuntos -, só apareceu em dezembro de 1899, na Revista de Estudos Psíquicos dirigida por Vesme. Seus dotes naturais de escritor acessível, e sobretudo claríssimo, serviram de complemento para essa sua preparação sem igual.

Como polemista, alcançou uma enorme notoriedade. Basta recordar sua polêmica com o professor Enrico Morselli em seguida à publicação de sua grande obra em dois volumes Psicologia e Espiritismo; com o dr. William Mackenzie, provocada pela publicação de seu livro MetapsÍquica Moderna; com o professor R. Lambert, em seguida à sessão de "voz direta" de Millesimo, tida com o marquês Centurione-Scotto; e finalmente, aquela famosa com René Sudre, em seguida à publicação do livro Introduction à la Métapsychique Humaine. Para responder a este último, fê-lo com um livro de 238 páginas que saiu em Nápoles, em 1927, com o título: Pela Defesa do Espiritismo.

Porquanto nos tenhamos posicionado na questão histórica e não polêmica, limito-me, com essa indicação, a não querer entrar no mérito dos argumentos discutidos.

***

Não é absolutamente possível dar uma lista da produção de Bozzano, pois que se trata de centenas e centenas de artigos espalhados pelas revistas metapsíquicas publicadas em todo o mundo. Mas, se for feito o cálculo com o lápis na mão, resultam as seguintes cifras: cinco mil páginas em oito livros e monografias e outras cinco mil páginas de artigos variados e pequenos estudos em monografias. Publicando-se toda a sua Opera Omnia - quanto quis o professor Richet insistindo para que isso fosse feito na Itália! -, numa série de volumes do formato atual, haveria um número bastante próximo dumas 15 mil páginas! É preciso convir que se trata dum número respeitável.

Deverei, portanto, limitar-me a registrar somente seus principais trabalhos à máquina ou suas monografias:

1) O Espiritismo Diante da Ciência - Gênova, 1901 (54 págs.);

2) Hipótese Espirítica e Teoria Cientifica - Gênova,1903 (509 págs.);

3) Casos de Identificação Espirítica - Gênova, 1909 (370 págs.);

4) A Propósito da "Psicologia e Espiritismo" do professor E. Morselli - Luz e Sombra, 1909 (39 págs.);

5) Fenômenos Premonitórios - Luz e Sombra, 1912 (223 págs.);

6) Fenômenos de Telestesia - Luz e Sombra, 1920 (55 págs.);

7) Os Enigmas da Psicometria - Luz e Sombra, 1921 (84 págs.);

8) Fenômenos de Telecinesia em Relação com os Eventos de Morte- Luz e Sombra, 1922 (46 págs.);

9) Música Transcendental - Luz e Sombra, 1922 (59 págs.).

10) Animais Manifestações Metapsíquicas - Luz e Sombra,1923 (89 págs.); Cidade de Pieve, 1941 (278 págs.);

11) Comunicações Mediúnicas entre os Vivos - Luz e Sombra, 1924 (130 págs.);

12) Fenômenos de Obsessão e Possessão - Luz e Sombra,1926 (41 págs.);

13) Manifestações Supranormais entre os Povos Selvagens - Luz e Sombra, 1926 (105 págs.);

14) Pela Defesa do Espiritismo - Nápoles, 1927 (238 págs.);

15) Pensamento e Vontade, Forças Plasticisantes e Organizadoras- Luz e Sombra, 1927 (68 págs.);

16) Premonições, Precognições, Profecias - Luz e Sombra, 1927 (165 págs.);

17) Primeiras Manifestações de "Voz Direta" na Itália - Luz e Sombra, 1929 (142 págs.);

18) A Crise da Morte nas Descrições dos Mortos Comunicantes - Nápoles, 1930 (216 págs.);

19) Algumas Variedades Teoricamente Interessantes de Casos de Identificação Espirítica - Luz e Sombra, 1930 (87 págs.);

20) Aparições de Mortos no Leito de Morte - Luz e Sombra, 1906, 1920; Cidade de Pieve, 1930 (122 págs.);

21) Literatura do Além - Cidade de Pieve, 1930 (63 págs.);

22) Visão Panorâmica ou Memória Sintética na Iminência da Morte - Cidade de Pieve, 1931 (47 págs.);

23) Gemas; Amuletos, Talismãs - Cidade de Pieve, 1931 (22 págs.);

24) Fenômenos de Aportes - Luz e Sombra, 1931 (124 págs.);

25) Crianças Videntes e Aparições de Mortos - Cidade de Pieve,1931 (26 págs.);

26) Marcas e Figuras de Mãos Escaldantes - Cidade de Pieve, 1931 (41 págs.);

27) William Stainton Moses e a Crítica Científica - Cidade de Pieve, 1931 (58 págs.);

28) A Propósito das Revelações Mediúnicas - Cidade de Pieve, 1931 (37 págs.);

29) A Propósito de Fantasmas Materializados e de Revelações Transcendentais- Cidade de Pieve, 1931 (32 págs.);

30) Materializações de Fantasmas de Tamanhos Minúsculos - Cidade de Pieve, 1932 (24 págs.);

31) Criptestesia e Sobrevivência - Cidade de Pieve, 1932 (37 págs.);

32) Telepatia e Psicometria em Relação à Mediunidade Mrs. Piper - Luz e Sombra, 1911 - Cidade de Pieve, 1933 (59 págs.);

33) Simbolismo e Fenômenos Metapsíquicos - Luz e Sombra, 1907 - Cidade de Pieve, 1933 (85 págs.);

34) Mediunidade Poliglota (Xenoglossia) - A Pesquisa Psíquica,1933 (176 págs.);

35) Rápida História das Batidas Mediúnicas - A Pesquisa Psíquica, 1933 (40 págs.);

36) Em Defesa dos Fenômenos Mediúnicos de Efeitos Físicos- Cidade de Pieve, 1933 (24 págs.);

37) Fenômenos de Bilocação - Luz e Sombra,1911 - Cidade de Pieve, 1934 (132 págs.);

38) Fenômenos de Transfiguração - A Pesquisa Psíquica, 1934 (49 págs.);

39) Experiência Mediúnica e Acontecimentos de Mortes nas suas Relações com Fenômenos de Infestação - A Pesquisa Psíquica, 1935 (51 págs.);

40) Fenômenos de Infestação - Luz e Sombra,1917- Cidade de Pieve, 1936 (247 págs.);

41) Manifestações Olfativas de Ordem Patológica, Telepática, Supranormal - A Pesquisa Psíquica, 1936 (58 págs.);

42)Telepatia, Telemnesia e a lei da "relação psíquica" Cidade de Pieve, 1938 (33 págs.);

43) Personalidades Mediúnicas que se Declararam Personalidades Subconscientes - Cidade de Pieve, 1x40 (33 págs.);

44) Romancistas de Gênio e Heróis de Roma Considerados em Relação com a Pesquisa Psíquica - Cidade de Pieve, 1940 (35 págs.);

45) A Faculdade Supranormal - Milão, Bocca, 1940 (138 págs.);

46) Investigação sobre Manifestações Supranormais - Cidade de Pieve, 1931 - Vol. I (197 págs.);

47) Idem, idem, 1931 - Vol. II (214 págs.);

48) Idem, idem, 1932 - Vol. III (261 págs.);

49) Idem, idem, 1933 - Vol. IV (201 págs.);

50) Idem, idem, 1938 - Vol. V (207 págs.);

51) Idem, idem, 1940 - Vol. VI (200 págs.);

52) Animismo ou Espiritismo- Cidade de Pieve, 1938 (292 págs.).

O seu renome mundial caminha pari passu com o aparecimento de suas monografias que foram publicadas na revista italiana Luz e Sombra, dirigida pelo professor Ângelo Marzorati (dita revista mudou o nome para A Pesquisa Psíquica quando assumiu a direção o professor Antonio Bruers), que se difundiram imediatamente no mundo, traduzidas em quase todos os idiomas.

O leitor espantar-se-á talvez ao saber que Bozzano tornou-se um dos escritores italianos mais traduzidos e conhecidos no mundo. Eis aqui uma rápida vista de olhos.

O primeiro da lista é o Brasil, com a tradução em língua portuguesa de todas as suas monografias e de todos os seus artigos publicados nas revistas metapsíquicas italianas, inglesas e francesas.

Em segundo lugar, vem a Espanha, na qual foram, por sua ver, traduzidos todos os seus livros. O curioso é que dentre eles alguns foram traduzidos em língua catalã que é a língua da Catalunha separatista.

Em terceiro lugar, vem a França, com a publicação de seus volumes difundidos pelos maiores editores, sem contar os artigos originais da Revista Espírita, a Revista Metapsíquica e Psíquica. Em quarto lugar, vem a Inglaterra, com alguns alentados volumes, assim como um enorme número de artigos, também originais, na revista Light, Psychic Neves e Two Worlds. Em quinto lugar, vem a Alemanha, com muitos volumes traduzidos, um dos quais sob o título: Fenômenos de Infestação, que teve um verdadeiro e especial sucesso de livraria. Vêm depois a Holanda, a Romênia, a Grécia e a Iugoslávia com as traduções em sérvio. Para que se tenha uma idéia da notoriedade que Bozzano conquistou no mundo, limito-me a lembrar que, no Brasil, a Revista Psíquica chamou-o de o São Paulo da Nova Ciência da Alma e que na Alemanha, o dr. Emílio Mattiesen - o grande e infelizmente falecido escritor alemão de Metapsíquica - era chamado o Bozzano da Alemanha, pelo que glorificava-se desse título!

Mas, passo a passo em que a celebridade de Bozzano difundia-se no ambiente metapsíquico mundial, cada vez mais vinha aumentando o número de cartas que lhe chegavam de todos os recantos do globo. Como ele pôde me dizer muitas vezes, isto era e é para ele uma verdadeira calamidade, porque responder, como era seu hábito fazer, umas 200 cartas por mês, é sempre uma empresa estafaste e pesada, tanto mais que muitas daquelas cartas provinham de filósofos, ou literatos, ou cientistas, ou, seja como for, personalidades eminentes nos vários campos do conhecimento humano e tratar de dar respostas, em tantas páginas, muito meditadas, datilografadas, pode-se afirmar que eram verdadeiras monografias. Os próprios metapsiquistas escreviam-lhe solicitando informações sobre livros ou assuntos particulares, certos de que uma resposta do grande erudito dessa ciência chegaria logo.

Outras cartas, ao invés, provinham de pessoas humildes e desconhecidas, atormentadas, vindas de uma mãe, ou um pai, ou uma esposa angustiada pela perda duma pessoa querida. Todas estas cartas consistem em pedidos de auxílio e demonstram que os nossos queridos não estão abandonados na estrada da vida, mas que vivem e que poderemos um dia revê-los.

Ele foi realmente o consolador de milhares de almas aflitas e também estava desejoso de prestar contas, no lado científico, da sobrevivência humana.

***

Sua principal atividade de escritor foi dedicada à bela revista italiana Luz e Sombra, da qual é oportuno falar um pouco de sua história. O industrial milanês com. Achille Brioschi, nascido no já distante 1860, encontrou-se, em Milão, com Ângelo Marzorati, em 1899, logo depois de ter sido atingido por uma grande desgraça: a morte da esposa. Estando os dois unidos pelo mesmo ideal de afirmação da espiritualidade da alma, de ser investigada sob bases positivas, fundaram a Revista, cujo primeiro número apareceu no Natal de 1899. A Marzorati foi entregue a direção, enquanto o benemérito Brioschi assumia a presidência e não apenas o ônus da manutenção material da Fundação.

Essa proteção a um ideal, que só atingiu após 40 longos anos, permitiu a constituição e a vida de um Instituto de Estudos Psíquicos (até hoje em atividade) e que, muito conhecido na Itália e muitíssimo no Exterior, honrou o nome de nosso país fora das fronteiras porque se referia a esse campo de pesquisa. De 1900 a 1931, ano de sua morte, Marzorati foi diretor da Revista e teve como colaborador e redator chefe o professor Antonio Bruers, hoje secretário da Academia da Itália. Estudioso, com grande cultura filosófica, cujos escritos (reunidos agora num volume impresso pela editora Zanichelli, com o título A Pesquisa Psíquica), foram sempre marcados pelo estudo das conseqüências particulares que a Nova Ciência introduzia no domínio filosófico.

Morto Marzorati, a direção foi assumida por Bruers, que mudou o velho glorioso nome de Luz e Sombra por esse tecnicamente moderno de A Pesquisa Psíquica. Mas, em 1934, chamado para outros encargos, deixou nas mãos de Brioschi a direção da Revista, que continuou regularmente as suas publicações, sob a direção do ar. Fede Paronelli, redator-chefe. Foi exatamente pela inexaurível atividade de Paronelli que Brioschi pôde instituir uma série de conferências de caráter espiritual, fosse na sede do próprio Instituto, fosse no Círculo Filológico de Milão, entre os assinantes que de 300 elevaram-se para 1.000. A colaboração de Bozzano à revista Luz e Sombra - A Pesquisa Psíquica iniciou-se em fevereiro de 1906, com o primeiro fascículo da monografia Aparição de Mortos no Leito de Morte, e continuou ininterrupta até setembro de 1939, ano em que, por causa das exigências da guerra, as publicações foram suspensas. O número de páginas escritas por ele, nos 34 anos da revista, dizem da importância de sua colaboração. Esse montante - de fevereiro de 1906 a setembro de 1939 - foi de 3.702 páginas.

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O estouro da Segunda Grande Guerra, com a conseqüente limitação do intercâmbio cultural, não diminuiu inteiramente sua atividade de escritor. Assim, não recebendo mais livros nem revistas, decidiu empregar seu tempo numa empresa verdadeiramente grandiosa e bem mais pesada. Foi o refazimento total e a ampliação de suas velhas monografias publicadas, na maior parte, em revistas (na Itália, especialmente na Luz e Sombra - A Pesquisa Psíquica), com o fim de adiá-las segundo as exigências dos tempos atuais.

Dedicou-se com tal vigor, não obstante sua já avançada idade, a tão dura tarefa que, de setembro de 1939 até hoje - setembro de 1941 -, pôde preparar oito monografias que constituíram cada uma - quando foram publicadas na presente Coletânea de Estudos Metapsíquicos- um volume de 200 a 400 páginas.

Quando Bozzano tiver levado a termo o adiamento de todas suas monografias - em número de umas 45 -, então os estudiosos da Metapsíquica - seja lá como pensem a respeito da interpretação dos fatos - saberão admirar um monumento perene.

Proponho-me, com a presente Coletânea de Estudos Metapsíquicos, justamente esse preciso objetivo conseguido, embora limitadamente, pelas atuais e futuras contingências da guerra.

É oportuno observar que as convicções a que Bozzano chegou, não posso absolutamente atribuir a uma espécie de misticismo congênito, perturbador de todo julgamento sereno. Nada disso, porque Bozzano não se tornou um místico e não o poderia ser, visto como, por longos anos, havia milhado nas fileiras dos materialistas, a cujas idéias estava ligado, pois que a análise sistemática e profunda dos fatos agora à sua disposição, não lhe podia permitir outras conclusões senão aquelas de Büchner, Moleschott, Le Dantec, e de Ardigò. E se ele abraçou, pois, a causa diametralmente oposta, deve-se, não a um misticismo congênito apriorístico, porém, à resultante duma investigação analítica, pacientemente sistemática, conduzida sobre milhares e milhares de casos seriamente avaliados e documentados e não apenas tais para rompê-lo com o materialismo e para conduzi-lo ao espiritualismo; casuística tão importante para permitir-lhe criar um edifício metapsíquico verdadeiramente imponente, e de tal forma a desafiar por, pelo menos um século, as inevitáveis injúrias do progresso humano.

Compreendo que, à parte todo materialismo, haja quem possa acreditar na espiritualidade e na sobrevivência da alma, por intuição natural de quem tem orientação mental de constituição espiritualista. Mas hoje, as exigências da mentalidade moderna são geralmente tais que requerem a demonstração lógico-experimental de uma disciplina qualquer. Igual exigência se fazia sentir também pela demonstração da sobrevivência humana, tanto mais que a filosofia não teve inteiro êxito para trazer à humanidade pensante uma segura certeza sobre nosso destino futuro; tarefa grandiosa essa que devia pesar sobre a nova Ciência da Alma - a Metapsíquica - que, sob a base dos fatos e do resultado lógico-analítico, teve êxito, pela primeira vez, na história do progresso e do pensamento humano, em colocar diante do homem a prova segura da continuidade de sua vida no ambiente espiritual.

Será útil notar que a obra integral de Bozzano seja considerada como uma grandiosa penetração e um sistemático estudo analítico sintético da fenomenologia mediúnica, no domínio da qual ele nunca deixou de explorá-lo, indagando sistematicamente todo o vastíssimo campo das variadíssimas categorias de fenômenos.

Toda sua monografia é um capítulo desta sistemática exploração no domínio da Metapsíquica. Todas suas monografias reunidas juntas constituem quanto de mais precioso foi jamais escrito sobre o árduo tema e, ao mesmo tempo, constituíram a mais documentada coleção de fenômenos supranormais, analisados, comparados e sabiamente comentados que existe no mundo.

Só uma categoria metapsíquica que até hoje ele não fez objeto duma monografia particular é a categoria dos fenômenos que versam sobre condição da vida no ambiente espiritual (embora se possa ler as menções no volume A Crise da Morte nas Descrições dos Mortos Comunicantes que logo farei publicar), ou melhor, ele já havia aprontado todo o material para tratar desse tema, mas um dia, desanimado com a aversão demonstrada por Vesme a respeito, jogou tudo no fogo, sendo de opinião de que os tempos não estavam ainda maduros. Mas, porque a dita categoria será - embora desprezada e contrariada também por muitos metapsiquistas - uma das mais importantes teoricamente da Pesquisa Psíquica num próximo amanhã, desejo que, para coroamento de sua grandiosa obra, apareça antes que ele encerre o capítulo de sua vida terrena, num seu volume, também esse importante capítulo da Metapsíquica.

***

Cinqüenta anos de pesquisas perseverantes e ininterruptas no domínio da Metapsíquica permitiram a Bozzano uma penetração no assunto que nenhum outro estudioso pôde fazer. Sua conclusão é exata: somente a hipótese espírita consegue dar razão aos fatos considerados na sua totalidade. A essa conclusão de Bozzano já haviam chegado numerosos pesquisadores sérios e competentes. São suficientes apenas os nomes de Myers, Crookes, Wallace, Lombroso, Brofferio, Lodge, Flammarion, Delanne. De resto, o problema é logicamente colocado duma tal maneira que não se trata de discutir qual das duas hipóteses explica os fatos: se é aquela anímica ou aquela espírita: existem ou não existem os fatos supranormais objeto da Metapsíquica?

Uma vez resolvido esse problema no sentido afirmativo - e ninguém pôde até agora sustentar o contrário - só permanecem duas alternativas como a todos primeiro pareceu, porém, uma só é a hipótese espirítica que permanece no final das análises. De fato, admitindo, outrossim, que se queria dar razão à total fenomenologia mediúnico-espírita, recorrendo às hipóteses anímicas, segundo as quais tudo quanto acontece é o resultado de faculdade transcendente insita na subconsciência humana e emergente ocasionalmente, também admitindo isso, nada mais se fará do que chegar-se à hipótese espírita por um caminho mais longo, ao invés de ir diretamente, visto que, se a faculdade insita na alma humana é a tal ponto portentosa para se poder conhecer o presente, o passado e o futuro, e ser necessariamente onisciente, onividente e onipotente, então isso significa admitir para a alma os mesmos atributos que são concedidos na interpretação espiritualista dela. Se ela é onipresente, onividente e onipotente, então, será também espiritual, independente do organismo físico, imaterial, imortal.

Com isso saber-se-á ter chegado igualmente ao ponto que se desejava justamente excluir, demonstrando indiretamente que, se uma alma com esses requisitos existe - como é admitido na hipótese anímica - então nada proíbe que ela sobreviva e que seja a própria sobrevivente que se manifesta.

Tudo isso sem contar a enorme incongruência lógica contida na hipótese anímica; incongruência capaz de fazer abalar todo o edifício por ela construído e que pode ser expressa nos seguintes termos: Se a alma é, por hipótese, partícipe dos atributos divinos da onipresença, da onividência e da onipotência - atributos que se os concede somente para não admitir que são os mortos que se manifestam - então, como pode ela conhecer tudo, menos uma só coisa que é exatamente ela mesma a causa dos fenômenos que, fraudulentamente, atribui-se aos mortos? Como aceitar uma onisciência de tal caráter, a mostrar-se sem limites, se a alma ignora o ato mais elementar da sua atividade, isto é, que ela mesma é que produz, e ao mesmo tempo, mascara para si mesma os fatos? Estas considerações fazem claramente entender que se se quer rejeitar o espiritismo, entrincheirando-se atrás do animismo, acaba-se por conceder à alma atributos divinos - que era exatamente aquilo que se desejava evitar - e que se chega igualmente ao espiritismo, mas através do caminho indireto do animismo.

Daí ser necessário deduzir que existem fenômenos anímicos como existem os espíritas: que o animismo e o espiritismo são termos complementares de uma mesma questão, a ponto de a um faltar a base sem o outro, visto como as manifestações espíritas são a expressão da atividade da alma na fase do desencarne, como as manifestações anímicas o são na fase da encarnação; que, enfim, elas resultam ser a expressão da espiritualidade e imaterialidade da alma.

Diante dessas graves e decididas objeções contra a hipótese anímica, entendida como a explicação total dos fatos metapsíquicos, pode-se juntar uma outra não menos resolutiva que é: "Por que todas as manifestações vêm como se fossem o próprio espírito dos mortos que se comunicam?"

É inútil observar que os "animistas extremados" não puderam mais justificar teoricamente este fato que na sua hipótese acaba num enigma definitivo e inextricável.

***

Querendo, portanto, exprimir em poucas palavras à síntese conclusiva do pensamento de Bozzano, fa-lo-ei, reportando-me a suas mesmas conclusões, que eu resumo de um seu artigo publicado na International Psychic Gazette, (maio, 1930).

"Todo aquele que se perca em discussões ociosas, empreenda pesquisas sistemáticas sobre fenômenos metapsíquicos e nelas persevere por longos anos, acumulando um material imenso dos fatos, para depois aplicar nos mesmos os métodos de investigação científica, deverá acabar infalivelmente por convencer-se de que os fenômenos supranormais constituem um complexo admirável de provas anímicas e espíritas, todas convergentes para um centro a favor da demonstração rigorosamente científica da existência e sobrevivência do espírito humano".

Essas são as conclusões sobre uma investigação imposta sob bases absolutamente novas, não só adaptadas ao clima mental do presente milênio, vale dizer, sob bases lógico-experimentais.

Hoje, portanto, a penetração analítica dos fenômenos supranormais e do mediunismo superior permite atingir a demonstração positiva da sobrevivência humana, com todas as conseqüências teóricas que derivam dela.

Nesse sentido está compreendida a obra completa do Pioneiro e Apóstolo - Ernesto Bozzano - oferecida à Itália e ao mundo intelectual, em 50 anos de incessante e apaixonada atividade, obra que permanecerá no tempo a serviço dos futuros investigadores da Metapsíquica que o professor Charles Richet não hesitou em definir como a Rainha das Ciências e a Grande Esperança. Ela está destinada a desvendar a Ciência da Alma.

Verona, setembro de 1941

Gastone De Boni

Introdução

Se se consultam as obras dos mais eminentes antropólogos e sociólogos, nota-se como todos estão de acordo em reconhecer que a crença na sobrevivência do espírito humano é universal.

E. B. Tylor, na obra: Primitive Culture, observa que "a menor regra com que se define uma religião, consiste na crença da existência de entidades espirituais", crença que se encontra "no meio das raças humanas mais atrasadas com as quais chegamos a entrar em relações suficientemente íntimas". Além do mais, salienta como "a crença nas entidades espirituais implica, no seu pleno desenvolvimento, na crença da existência de uma alma sobrevivente à morte do corpo".

E prossegue assim: "Esta crença é a base fundamental de toda a filosofia das religiões, a começar pelas religiões dos selvagens mais distantes, para terminar naquelas dos povos mais adiantados na civilização; e a própria crença constitui-se na mais antiga e universal das filosofias".

Grant Allen observa por sua vez: "A religião contém em si um elemento muito mais antigo que não a própria religião, não só mais fundamental e mais persistente do que qualquer crença em Deus ou nos Deuses. Vale dizer, outrossim, mais antigo que o costume de favorecer os Deuses e os 'espíritos' com rituais e presentes. Esse elemento é a crença na sobrevivência dos mortos. Ora, é sob essa primitiva crença universal que se fundaram todas as religiões". (The Evolution of the ldea of God, pág.42).

Brinton observa: "Quero aqui demonstrar que existem religiões, a tal ponto rudimentares, onde não há nem templos, nem altares, e nem pregadores. Mas não me é possível demonstrar que se descubra alguma que não ensine a acreditarem entidades espirituais que se comuniquem com os homens". (Religions of Primitive People, pág. 50).

Goblet d'Alviella assinala: "As descobertas nesses últimos vinte e cinco anos, especialmente nas cavernas da França e da Bélgica, demonstraram dum modo decisivo, como já na época do 'mamute', o homem praticava rituais fúnebres, acreditava na sobrevivência da alma e possuía 'fetiches' e talvez ídolos". (Hibbert Lectures, pág. 15).

Powers escreve aos Californianos: "Estou absolutamente convencido de que a grande maioria dos índios da Califórnia não tem nenhum conceito sobre um Ser Supremo... Por outro lado afirmo, com conhecimento de causa, que não existe nenhum vocábulo dos índios equivalente a Deus... Eles crêem, contudo, na existência de numerosos espíritos, especialmente espíritos atrasados: alguns na forma humana; outros que se encarnaram em quadrúpedes e pássaros...". (Tribes of Califórnia, págs. 413-414).

Huxley escreve: "Há povos selvagens sem um Deus no verdadeiro sentido da palavra, mas não os há, em nenhum momento, sem 'espíritos'. (Lay Sermons and Adresses, pág.163).

Herbert Spencer conclui: "Nós encontramos, por toda a parte, a idéia da sobrevivência do espírito após a morte do corpo, com todas as múltiplas e complicadas concepções que delas derivam. Encontramo-las idênticas tanto nas religiões árticas como nas tropicais; tanto nas florestas da América do Norte como nos desertos da Arábia; tanto nos vales do Himalaia como nas ilhas da Polinésia. Essa idéia é expressa com a máxima clareza da parte de raças tão divergentes, que os técnicos julgam que sua transformação tenha acontecido antes da atual distribuição de terras e da água; tanto entre as pessoas de cabelos lisos quanto entre as de cabelos crespos e de cabelos pixaim; tanto entre a raça branca quanto entre a amarela, a vermelha e a negra; tanto entre os povos mais distantes quanto entre os bárbaros semicivilizados e os da vanguarda da civilização". (Sociologia, vol. II, pág. 689).

As citações aqui expostas referem-se ao pensamento dos mais eminentes antropólogos e sociólogos, pelo que não me parece o caso de juntar outras para corroborarem nesta asserção, teoricamente eloqüentíssima, de que os homens de ciência encontram-se de acordo ao reconhecer que, se de um lado se pode afirmar que existem povos que ignoram a existência de Deus, de outro lado, parece demonstrado que todos os povos da Terra partilham da crença na sobrevivência do espírito depois da morte do corpo, senão que, estes mesmos homens de ciência não se acham mais de acordo quando se trata de indagar a gênese dessa crença universal. Entretanto, nenhum deles chegou a conclusões satisfatórias a respeito.

Herbert Spencer entreviu a verdade, mas como ignorava as manifestações metapsíquicas, foi constrangido a formular induções incompletas e insuficientes, contentando-se com a afirmação de que a crença na sobrevivência da alma leva à origem dos sonhos, combinada com as experiências de ver a distância a própria imagem refletida na água e de observar a própria sombra acompanhar os movimentos do corpo. Como se vê, estas induções demonstram como a poderosa mentalidade de Herbert Spencer achava-se dirigida para o caminho certo, embora não houvesse podido atingir a meta na falta do material virgem dos fatos supranormais, indispensáveis para orientá-lo na pesquisa.

Isso que não fez Herbert Spencer, tentou-o, com sucesso, o conhecido antropólogo Andrew Lang, publicando a obra The Making of Religion, na qual ele aplica os métodos da análise comparada das crenças dos povos primitivos com relação às manifestações telepáticas, telestésicas, clarividentes, infestatórias etc., consideradas em relação com as idênticas e hodiernas manifestações que se realizaram espontaneamente e experimentalmente entre os povos civilizados. E das análises feitas, valeu-se dos resultados cientificamente obtidos que não padeciam objeção, para sugerir as necessárias modificações nas teorias dos antropólogos que, negando toda a fé nos relatos dessas manifestações entre os selvagens, não levaram em conta formular as suas induções sobre a gênese da crença na sobrevivência da alma e da evolução das religiões.

Na introdução da sua obra Lang observa: "Meu escopo é o de examinar as coisas ditas 'práticas supersticiosas' e as correspondentes ‘crenças' dos selvagens, recorrendo ao método da análise comparada. Para tanto, confrontei a prova etnológica na ordem das crenças e hábitos dos selvagens com a melhor prova da 'transmissão do pensamento', de 'alucinações verídicas', da 'personalidade alternativa' e, dizendo que se realizavam entre os povos civilizados, seja espontânea ou experimentalmente. Tudo isso levanta a objeção da validade da prova etnológica por mim adotada, objeção importante e que me preparo para rechaçar, observando que os relatos dos selvagens sobre esse aspecto estão indubitavelmente à altura de muitos outros entre as melhores provas sobre as quais estabelecem suas induções os antropólogos. De modo que, aos opositores, não resta senão rejeitar em massa todas as provas, declarando-as 'mentiras dos exploradores' e dos 'missionários'.

Sendo que a melhor prova de sua autenticidade reside na sua admirável concordância - certamente não premeditada - com todas as outras narrações episódicas análogas, seja de qualquer parte donde elas provenham e em qualquer tempo em que tenham ocorrido. Quando os relates a que se referem os exploradores antigos e modernos, cultos e incultos, místicos ou céticos, concordam na sua modalidade de manifestação, vimos com isso a dispor do melhor critério de prova que a antropologia está em condições de fornecer. Ainda, quando nós praticamente verificamos como essas centelhas de luz viva, iluminando as trevas da antropologia, cintilações desprezadas até hoje, que não apenas existem agora nas superstições populares das raças européias, mas são testificadas por centenas e centenas de episódios ocorridos com pessoas vivas respeitáveis, cultas e responsáveis, não poderíamos logicamente ter em nenhuma conta essas eloqüentíssimas concordâncias, continuando incipientemente a sentenciar que semelhantes episódios, quando se dão entre os povos civilizados, são a sobrevivência das superstições dos selvagens e nada mais".

São essas as considerações de Lang. E, ao preparar-me para fornecer um ensaio de classificação das manifestações supranormais que se realizam entre os povos primitivos e selvagens, a mim só resta invocar, como desencargo de consciência, as razões mesmas invocadas pelo antropólogo citado, observando que, se não é possível tornar válidos os episódios que me disponho a referir, recorrendo às testemunhas diretas dos protagonistas e dos testes, não obstante deve-se ter na maior conta o fato de que as narrações dos exploradores e dos missionários não só concordam admiravelmente entre si, e também nos seus mínimos particulares e com as narrações dos episódios correspondentes que se realizam hodiernamente, e se realizaram sempre entre os povos civilizados, de modo que não há quem não veja como essas eloqüentes concordâncias sobre a modalidade de manifestações estranhas e inusitadas - concordâncias muito numerosas para poder-se explicar com a cômoda hipótese de "coincidência fortuita" - levam logicamente a reconhecer a autenticidade dos fatos.

É verdadeiramente interessante ressaltar como as manifestações supranormais entre os selvagens não só concordam com a modalidade de manifestação com as correspondentes que se realizam entre os povos civilizados, mas que entre os selvagens e os civilizados encontra-se também perfeita concordância nos procedimentos em uso para a escolha dos sujeitos melhor indicados para tornarem-se "feiticeiros", de um lado, e "médiuns" de outro; como também nos sistemas empíricos de "treino" adotados para favorecer a emergência de faculdades supranormais subconscientes nos novos adeptos.

Como constatamos entre os Zulus, os Esquimós, os Samoiedi, os "feiticeiros-médicos" são escolhidos na classe que na Europa fornece os melhores sujeitos hipnotizáveis; vale dizer, entre os jovens psicopatas, ou nervosos, ou histéricos, ou também epiléticos, que depois são submetidos a longas e metódicas práticas de "treinamento", entre as quais são de praxe os longos jejuns, um isolamento rigoroso nas cavernas, a ingestão de drogas especiais, a aspiração de vapores exalastes das brasas ardentes, mais a prática diária de métodos de auto-sugestão e auto-hipnose.

Quando aos iniciados foi concedida suficiente preparação, então, o chefe da tribo experimenta a capacidade supranormal deles, recorrendo a métodos análogos àqueles dos povos civilizados. Assim, entre os índios peruanos, os Apaches, os Hurons, os Iroqueses, os Australianos, os Mahoris e os indígenas da Polinésia, o método mais em voga é a "visão no cristal", em que um globo de cristal é, em regra, substituído por um vaso ou por uma cabaça cheia d'água, dentro dos quais o examinando deve olhar com as pupilas imóveis. Em outra tribo, experimentam os iniciados escondendo, sem dizer nada, vários objetos num lugar qualquer e convidando-os a encontrá-los. Aqueles que, dentre os iniciados, superam essas provas, são proclamados "feiticeiros".

Na circunstância das comunicações com os espíritos dos mortos, os parentes reúnem-se em círculo ao redor do feiticeiro médium, tendo o cuidado de conseguir a mais perfeita obscuridade na choupana, precisamente como se pratica nos círculos experimentais dos povos civilizados. Quando não se faz a obscuridade, então o feiticeiro toma o lugar dentro de uma pequena choupana que serve de gabinete mediúnico, e os experimentadores seguem-no, ficando ao seu redor.

Em várias tribos do Canadá, entre os Samoiedi, os Australianos e os Esquimós, vige o costume curioso de enrolar o corpo inteiro do feiticeiro com uma grossa corda de liana, outro gênero de atadura, a fim de convertê-lo nas condições duma múmia egípcia. Lang supõe que esse uso, combinado com o fato de que nos povos nos quais o praticam tem-se o costume de enrolar desse modo os cadáveres antes do sepultamento, com o significado simbólico de pôr o vidente nas condições dos mortos, para que ele venha mais facilmente a entrar em relação com eles.

Não me prolongarei ulteriormente nesse propósito porque, com base em tudo o que se vem expondo, parece suficientemente demonstrado que as manifestações supranormais, que se realizam entre os selvagens, devem ser consideradas manifestações reais, corretas e indiscutíveis, tanto quanto as análogas que se realizam entre os povos civilizados, já que, se assim não fosse, não se verificaria a perfeita concordância, ora levantada, entre as duas ordens de manifestação, seja do ponto de vista dos critérios pelos quais são escolhidos os sensitivos, seja aquele dos sistemas empíricos, com os quais surge de preferência a emersão da faculdade subconsciente nos iniciados, ou seja, em relação à modalidade pela qual manifesta-se a mesma faculdade.

Isso posto, não terei outra coisa a observar. Apenas, que vou retificar uma indução errônea na qual esbarra o amigo metapsiquista Cesare de Vesme na sua erudita Historie du Spiritualisme Experimental. Entretanto, ele, admitindo que os antropólogos e etnólogos encontram-se de acordo ao reconhecerem que não existem povos primitivos que não crêem na existência dos espíritos, julga, pelo menos como tendo descoberto, que são os povos primitivos onde a crença nos espíritos proveio de uma concepção abstrata sobre a existência de uma força misteriosa e impessoal, fora de qualquer crença espírita-anímica.

Ele resume nestes termos sua concepção: "Em primeiro lugar, o espanto imenso na presença de certos fenômenos físicos, fisiológicos e psicológicos. O homem primitivo pensa que deve existir uma 'força misteriosa oculta', imanente no Universo, que penetra em toda a parte, fazendo germinar, crescer, frutificar as plantas, desenvolver o embrião nos animais, tornar adultas as crianças, o nascer e o pôr-do-sol. Trata se, de acordo com o homem primitivo, de uma 'força X', muito misteriosa, que ele denomina Mana, força primigênia, independente de qualquer doutrina".

Assim, segundo Vesme, é manifesto como essa concepção torna-se muito abstrata, muito filosófica para a mentalidade rudimentar dos selvagens que, na realidade, são incapazes de pensar abstratamente e, ao invés, são levados a personificar tudo, dando uma alma até para uma pedra. É isso que demonstram as investigações antropológicas, em base das quais se nota que, nas tribos selvagens, domina soberana a interpretação antropomórfica dos fenômenos da natureza e não mais a interpretação da natureza com base na abstração filosófica.

O único antropólogo que havia aludido a algo análogo a Vesme sobre a interpretação do Mana, foi o professor Goblet d'Alviella. A ele responde Marcel Habert, observando-lhe: "Passa pela minha mente uma nuvem de dúvida: o Mana o Orenda não são talvez concepções muito abstratas para dever-lhes considerar o princípio do qual partiram os selvagens para chegar aos 'espíritos'? - Mesmo isso, essas objeções, tornando-se fundamental e psicologicamente verdadeiras, parecem decisivas.

Fica-se observando que não existem circunstância de fato que autorizam a concluir que, nas tribos atrasadas dos selvagens, a concepção do Mana preceda ou havia precedido a crença espírita anímica. É verdade, porém, que as duas concepções estão constantemente associadas.

Isso estabelecido, apresso-me a declarar que a discussão em curso é praticamente inútil e isso enquanto parecer inexata também a afirmação, segundo a qual o Mana dos selvagens resultaria numa concepção abstrata do ser. Em realidade, a palavra Mana, de resto, resulta num apelativo com o qual os povos primitivos designam a força misteriosa da qual valiam-se os feiticeiros-médicos para obter curas e realizar prodígios. Apelativo que corresponde ao outro de criptestesia, usado pelos povos civilizados para designar a mesma faculdade supranormal que se realiza, de forma idêntica, em todas as raças humanas: civilizadas, bárbaras, selvagens. Finalmente, tanto a primeira designação quanto a segunda, derivam simplesmente dos nomes, não pelas explicações e ainda menos pelas abstrações.

O etnólogo-mitólogo Max Freedom Long, que foi o único a pesquisar a fundo a concepção do Mana, chegando a conviver durante um ano com as tribos da Polinésia e do Havaí, definiu essa concepção nestes termos: "Os Kahunas (feiticeiros-médicos da Polinésia) designam a palavra Mana (que não tem equivalente na língua inglesa), como a existência de uma 'força vital', da qual se valem e que é comparável à nossa força elétrica. Essa força vital, à guisa da voltagem na corrente elétrica, parece ser utilizável em três graduações diversas. O Mana, com a mais baixa voltagem, resultaria naquilo que é inerente às coisas da natureza, a começar pelos cristais minerais, para terminar no organismo humano. O Mana de voltagem média viria irradiado dos centros de raciocínio da mente humana e o Mana de voltagem elevada emanaria dos centros das faculdades supranormais da mesma mente, aquela que põe o homem em condições de penetrar no futuro e de materializar e desmaterializar os objetos trazidos e levados.(1)

(1) Por ocasião da morte de Ernesto Bozzano, veja meu prefácio no volume 8 da Coletânea de Estudos Metapsíquicos: De Mente para Mente.

A substância mediúnica que os povos ocidentais denominaram ectoplasma é conhecida dos Kahunas que consideram-na uma modalidade do Mana. Essa substância pode ser retirada de qualquer matéria física, tanto mineral como vegetal e animal; como mesmo da água, do ar e do fogo. Os Kahunas subtraem essa força acumulando a em grande quantidade, para depois servirem-se dela nas suas operações mágicas. Eles, além do mais, capacitam-se de que um espírito pode recolher, ao seu redor, essa força, em quantidade suficiente para estar em condições de mover e transportar objetos e cumprir outras várias empresas. Então, quando os Kahunas conseguem capturar e manterem servidão um grupo de espíritos de nível baixo, prevalecem-se disso para mandar alguns deles para qualquer lugar, para executarem suas ordens. Nesse caso, antecipadamente os nutrem com Mana para aumentara potência..." (Ver págs. 100-101).

Como parece no trecho citado, a concepção de Mina (idêntica para a substância em qualquer região habitada pelos povos primitivos), resulta inextricavelmente ser semelhante à crença nos espíritos que serviriam de criados do homem e a serviço dele; contudo, provém diretamente da realização das manifestações supranormais entre os povos primitivos. Sendo assim, então, essas manifestações das quais emerge uma vontade operante provida de poderes mágicos, poderiam sugerir a quem sofresse a influência da autoridade do feiticeiro-médico, como também aos que assistiam, a idéia da presença invisível dos agentes espirituais. Essa a origem positiva e racional da crença nos espíritos, crença assentada entre os selvagens sob a base concreta dos fatos. Quanto à origem da outra concepção a respeito da existência duma força vital operante nas práticas mágicas, parece, entretanto, evidente que ela foi sugerida à mente do selvagem pelas mesmas práticas e não pela meditação filosófica sobre o mistério do Universo. Sobretudo, sucede que essa concepção tomou corpo depois do advento da espirítica. Ou, se se quiser, simultaneamente com ela: nunca antes.

De resto, assim como a tese fundamental que relata o presente trabalho, tem por fim precisamente demonstrar, sob a base dos fatos, verdades tão manifestas, não é o caso, por ora, de acrescentar posteriores considerações.

Passo, portanto, à classificação dos casos, começando por uma rápida excursão pelo vasto campo dos fenômenos físicos, ou prevalentemente físicos, de ordem supranormal.

I

Pancadas e Quedas, Movimentos de Objetos a Distância (Telecinesia), Levitação Humana

As manifestações de natureza acima indicada ocupam um lugar respeitável na origem das crenças anímicas dos povos primitivos, e Lang tem razão quando afirma que uma das principais causas que deram origem à religião fetichista entre os selvagens, provém da observação dos fenômenos de objetos que se moviam sem contato na presença dos feiticeiros.

Ele escreve: "Agora procuraremos demonstrar como provavelmente o Fetichismo (crença de que um espírito anima ou governa objetos inanimados, ou se comunica por meio deles), tenha origem nos eventos que talvez não sejam normais, ou que, pelo menos, parecem supranormais para os selvagens... Havíamos visto qual é a razão pela qual um selvagem pressupõe que um espírito more numa certa relíquia inanimada, como num crânio ou em outros restos humanos; mas, como ele pôde chegar a presumir que um espírito habite num pedaço de madeira ou numa pedra?...

Charles Darwin viu duas mulheres feiticeiras na ilha de Keeling, que haviam vestido uma pesada colher de madeira à guisa de uma boneca, colher que antecipadamente haviam colocado sobre a tumba de um seu querido defunto. Ora, aconteceu que, a cada retorno do plenilúnio, aquela colher se animava, saltando e dançando convulsivamente, como fazem as mesinhas nas modernas sessões espíritas...

John Bell, na obra Journey in Ásia, cita o episódio de um Lama mongol a quem lhe haviam sido roubadas diversas peças de damasco. O método a que ele recorreu para descobrir o culpado foi o seguinte: sentou-se numa cadeira e esta, serpenteando e saltando, transportou o até a tenda do culpado. Em circunstâncias semelhantes, os indígenas crêem ingenuamente que a cadeira seja animada por movimentos espontâneos.

Mr. Rowley informa que, em Mangajah, um feiticeiro, propondo-se a descobrir um criminoso, pôs-se a praticar cerimônias mágicas com dois bastões de madeira que colocou entre as mãos dum jovem. Ele prossegue assim: "De um momento para outro, os bastões começaram a agitar-se violentamente entre as mãos do jovem. Depois, forçaram-no a girar vertiginosamente como se estivessem em delírio e, por fim, escaparam-lhe das mãos, indo rolar no chão, aos pés da mulher dum chefe, que foi logo denunciada como culpada...

Duff Macdonald, descrevendo as práticas mágicas em uso entre os Yaos, observa: "Os feiticeiros entregaram a um homem um bastão que, depois de algum tempo, começou a agitar-se como se estivesse animado e, finalmente, ele arrastou quem o segurava, em grande velocidade, na direção do ladrão ou do culpado...".

Esta última façanha, em país selvagem, lembra outras análogas na Europa, e especialmente a do famoso Jacques Aymar de Lyone, descobridor de assassinos mediante a "varinha divinatória".

O doutor Codrington encontrou na Melanésia um costume análogo. Nesse lugar, crêem explicitamente que os bastões sejam movimentados por espíritos. O mago e uma outra pessoa pegam o bastão, cada qual por uma ponta, perguntando qual é o espírito que atormenta o consulente. Quando o espírito obsessor é chamado, o bastão se agita violentamente.

Entre os Zulus, manifestações semelhantes assumem aspectos curiosos. Já havíamos narrado a anedota dum Zulu, de nome John que, tendo um shilling para gastar, consultou um feiticeiro, a quem depois não quis pagar, porque a resposta titubeante do mesmo não o satisfez, reservando o seu dinheiro para uma outra manifestação mais meritória. Ele se dirigiu a um médium de nome Unomantshintshi, que adivinhava por meio dos Umabakula, bastõezinhos dançantes que são descritos, como segue, pelo mesmo Zulu consulente: "Quando falam 'não', eles caem por terra; quando falam 'sim', levantam-se e dançam ao redor animadamente; depois pularas eras cima da pessoa que veio consultá-los e firmam-se no ponto em que se encontra a enfermidade do consulente. Se ela se encontra na cabeça, eles pulam sobre a cabeça... Nós tínhamos mais fé nus Umabakula do que nos feiticeiros. Mas, vê-se que são poucos...".

De qualquer modo, John ficou plenamente satisfeito; pagou seu shilling e voltou ao acampamento. Esses bastõezinhos têm o comprimento de um pé. Não parece que se acredite que são movidos por espíritos, como não parece que são considerados como fetiches. Tylor cita uma forma bastante familiar entre os selvagens de experiências com pêndulo. Entre os Karens, é suspenso um anel por um fio sobre a bacia metálica. Os parentes do defunto aproximam-se, um depois do outro, e batem na bacia. Quando chega a vez daquele que é o mais querido do defunto, o espírito se manifesta, dando arrancos no fio, torcendo-o até arrebentá-lo e fazendo cair o anel na bacia". (Lang, ob. cit. págs. 147-151).

Neste outro trecho, trata-se de preferência dos fenômenos fônicos. Sobre eles, refere-se Luiz Jacolliot, presidente da Corte de Justiça de Chandarnagar, na Índia, no seu livro Occult Science in Índia. Ele experimentou por muito tempo, na própria casa, com um célebre faquir, de nome Cavindasamy, assistindo a manifestações notabilíssimas, rigorosamente controladas.

Do ponto de vista aqui considerado, eis o que ele tem para contar: "O faquir estendeu ambas as mãos na direção dum grande vaso de bronze cheio d'água. Transcorridos cinco minutos, o vaso começou a balançar na sua base. Depois, começou a se aproximar do faquir, rastejando devagar e sem se sacudir. À medida que a distância diminuía, ressoavam sobre o vaso de bronze golpes metálicos, sempre mais freqüentes e sonoros, como se fossem pancadinhas duma vara de aço. Em certos momentos, as pancadas seguiam-se muito rápidas e apressadas, transformando-se em um barulho semelhante a uma chuva de granizo sobre um teto metálico...

Acrescente-se que uma vez, depois dum meu convite, as pancadas converteram-se num rumor contínuo, como o rufar dum tambor; em seguida, sempre após o convite, transformaram-se no tique-taque regular dum poderoso relógio de pêndulo".

Hereward Carrington que cita esse trecho em seu livro The Story of Psychic Science (pág. 235), observa a respeito: "Vou comparar a descrição exposta com a seguinte, de William Crookes, na qual se descreve um fenômeno análogo, ocorrido com o médium D. D. Home: "De repente, ouviram-se pancadinhas sobre o pergaminho estendido, como se fossem atirados duros grãozinhos de areia. E em cada volta que aconteciam essas percussões, os fragmentos do material lá depositados saltavam visivelmente... Em certos momentos, aquelas pancadinhas tornavam-se rápidas e precisas como as de um 'roquete de indução', enquanto, em outros momentos, eram ritmados e lentos como os 'segundos' de um relógio de pêndulo...".

Tomo este outro exemplo, que trata preponderantemente de fenômenos de telecinesia, do livro do doutor Gibier, Le Spiritisme Fakirisme Occidental (págs. 67-68), é um exemplo bastante mais complexo do que os outros que o antecederam. O magistrado-chefe do Estado de Wisconsin escreve nestes termos ao governador do mesmo Estado, senhor Tallmadge: "Na semana que transcorreu, tive uma conversa com L. John Du Bay, a quem já conhecia. Ele passou quase toda a vida no meio dos índios e foi, por muitos anos, agente da Companhia Americana do Comércio de Peles. Contou-me incidentes semelhantes, os quais provam que comunicações com os habitantes do outro mundo são muito familiares aos índios. Entre outras coisas, disse-me que, em várias circunstâncias, viu um "doutor" índio construir uma cabana especial, com estacas profundamente enterradas no solo, que depois recobriu com peles de veado, com o fim de formar três pequenas tendas, as quais não podiam comportar senão uma pessoa sentada. Essas tendas eram colocadas cerca de dois pés de distância uma da outra. Numa, o doutor depunha os seus calçados; na outra, as suas polainas e, na do meio, entrava ele mesmo.

Isso feito, qualquer índio que quisesse conversar com um dos seus valentes defuntos, formulava as próprias perguntas e, nesse instante, as tendas começavam a balançar fortemente, como se fossem movidas em algum lugar no seu interior. E faziam-se ouvir vozes que saíam de uma ou da outra e, às vezes, de todas as três ao mesmo tempo. Essas vozes não eram inteligíveis senão para o doutor, que se encarregava de traduzi-las. Du Bay disse-me que, muito freqüentemente, ele havia agarrado aquelas tendas, fazendo uso de toda sua força para fazer parar os movimentos, mas sempre inutilmente e que nessas situações, ele não havia nunca deixado de erguer imediatamente a pele que encobria a porta para assegurar-se de que no interior dela não estivesse alguém".

Sob o nosso atual ponto de vista, devo ressaltar, nesse episódio exposta, o fenômeno dos movimentos de tendas entre os quais não era algum fenômeno de telecinesia notabilíssimo mas que se encontra muito freqüentemente nas narrações dos exploradores e dos missionários e que igualar-se-á aos melhores do gênero, obtidos com médiuns europeus, como D. D. Home e Eusapia Paladino.

Vou apenas, nesta oportunidade, dar relevo, outrossim, a outro importante fenômeno de voz direta, o qual, por sua vez, manifesta-se bastante freqüentemente nas experiências dos feiticeiros, ou médicos selvagens e dos quais forneceremos mais outros exemplos notáveis. É inútil acrescentar que, entre os povos civilizados, obtém-se hodiernamente manifestações semelhantes e igualmente maravilhosas.

Por isso é que se atribuiu, no conjunto dos episódios expostos, ser preciso acrescentar que Lang colheu numerosos exemplos do gênero, tendo como local as tribos selvagens mais discrepantes do mundo e dos quais se tira o ensinamento de que os fenômenos de telecinesia realizam-se com mais freqüência entre os povos selvagens que os que existem entre os povos civilizados e que naturalmente é devido ao fato de que, no ambiente selvagem, foram constantemente favorecidos e desenvolvidos com as curas, enquanto que em ambiente civilizado foram unanimemente reprovados durante séculos pelos doutos e pelos profanos, como míseras superstições da mais crédula ignorância, por essa razão lograram ver condenado ao ostracismo científico um catálogo de pesquisas importantíssimas, que interessa igualmente à física, à fisiologia, à psicologia e à antropologia...

***

Em louvor da absoluta genuinidade dos fenômenos de telecinesia que se realizam entre os povos selvagens, e, sobretudo, em louvor daqueles que mais pareceram suspeitos e que são os movimentos das tendas em cujo interior se encontra um feiticeiro-médico, irei reproduzir o testemunho de um desses feiticeiros, convertido ao cristianismo; testemunho importante, pois que foi feito no leito de morte, a pedido de um missionário.

Na obra de Emma Hardinge, Modem American Spiritualism (págs. 485-487), lê-se o seguinte episódio narrado pelo missionário William M. Johnson, protagonista do mesmo episódio. Ele escreve: "Wau-chus-co fora um notável Ches-a-kte, ou adivinho, que morreu no ano de 1840, na ilha Round, próximo de Macinac. Durante mais de dez anos, levou uma vida exemplar, de perfeito cristão e pertencia à Igreja Presbiteriana... Tendo sido informado de que sua morte se avizinhava, fui visitá-lo. Cumprimentou-me, dizendo: 'Entra, entra, meu Nosis (sobrinho)'. Sentei-me ao lado dele, acendendo o cachimbo para lhe dar prazer, e depois lhe disse: 'Meu caro... Ne-me-thomis (avô), tu estás muito velho e muito fraco e não podes esperar viver por longo tempo. Quererás dizer-me a verdade acerca de tuas práticas nas vezes em que te fazias de adivinho? O que era que movia a tenda na qual profetizavas? E quem era que profetizava?'. Ele permaneceu um momento em silêncio e depois respondeu: 'Meu Nosis, és quase da minha gente. Sei que estou para morrer. Dir-te-ei toda a verdade. Deves saber que na juventude, para tornar-me adivinho, submeti-me a jejuns durante dez dias seguidos, como é costume da nossa tribo. E quanto mais meu corpo se tornava fraco pelo jejum, tanto mais crescia o poder do meu espírito, da minha alma. Numa única visão, eu abarcava uma vastíssima extensão de países... Em seguida, um espírito superior vinha conversar comigo, exortando-me a recorrer a ele nos momentos que eu considerasse necessário. Logo depois, vinha minha mãe trazer-me alimento e, então, punha fim ao grande jejum.

A primeira vez que profetizei foi numa expedição guerreira.

Havíamos ido em direção a Chicago, e o chefe temia que o inimiga pudesse atacar de surpresa. Estávamos desprovidos de víveres. O momento era urgente. O chefe pediu-me insistentemente para escrutar o futuro e finalmente consenti. Depois de achar-me preparado, me introduzi na tenda Ches-a-Kee, e, de repente, a presença de um espírito fez-se notar pela violenta oscilação para a frente e para trás que aconteceu na tenda. Então, os chefes guerreiros exclamaram: 'Espírito, revela-nos onde se encontram nossos inimigos'! E eis que minha visão espiritual estendeu-se sobre vastíssimas regiões por mim desconhecidas e de maneira que todos os objetos eram visíveis para mim. Vi que nossos inimigos estavam nas suas aldeias, desconhecendo o perigo que se lhes oferecia. Vi também uma região vizinha na qual abundava a caça. Referi tudo isso aos guerreiros que me consultavam. Um dia depois disso, achamos lá alimento em quantidade, caçando na região por mim vista, e, poucos dias depois, vencemos os inimigos e voltamos para nossas aldeias com os troféus da vitória.

Daquele dia em diante, exercitei freqüentemente meus poderes na tribo a que eu pertencia. Para satisfazer aqueles que duvidavam, eu permitia que me amarrassem como melhor quisessem. Algumas vezes colocavam um homem dentro da tenda, que oscilava e vibrava igualmente, tão logo se manifestava um espírito, enquanto a carda com que haviam me amarrado, desfazia-se, deixando-me livre. Freqüentemente, via ao longe um globo de luz na abertura colocada no vértice da tenda e algumas vezes apareciam espíritos. As palavras que me dirigiam eram ouvidas por todos, mas só eu as compreendia... Meu Nosis, agora eu me tornei um fervoroso cristão e meus dias estão contados. Isto que te disse é a verdade, toda a verdade. Eu não soube explicar o poder que me foi conferido e não sei descrevê-lo, mas não era eu que movimentava a tenda. Entrava em comunicação com seres sobrenaturais, ou inteligências pensantes, ou espíritos que agiam na minha mente ou sobre minha alma e revelavam-me isto que descrevi."

Esta é a interessante declaração feita no leito de morte pelo Pele Vermelha adivinho, convertido ao Cristianismo, há cerca de dez anos. Ela, portanto, assume um valor de testemunho a favor da genuinidade dos fenômenos das tendas oscilantes, também quando lá no seu interior se encontra o doutor-feiticeiro. De resto, foi visto que, no caso precedente, os movimentos da tenda aconteciam no interior dela mesma, quando não havia ninguém; e foram conhecidos muitos outros casos análogos de tendas fortemente vibrantes, em condições de manifestações inconciliáveis com a hipótese de fraude. Sem contar que essa hipótese irão é sustentada por alguma façanha dos bastõezinhos animados, anteriormente referida. Em suma, deve-se concluir que a genuinidade dos fenômenos de telecinesia que se realizam entre os povos selvagens, resulta, de qualquer modo, demonstrada.

***

Isto estabelecido, passo a referir dois casos importantes de levitação humana. Tiro este primeiro episódio de um relato que o etnólogo R. W. F. Johnson enviou ao journal of the American SPR (1937, pág. 229).

Ele declara: "Desde os mais remotos tempos da história dos povos, os viajantes que se aventuraram em distintíssimos e desconhecidos países, voltaram contando haver assistido a experiências maravilhosas de ordem supranormal. Todavia, houve sempre os céticos endurecidos, prontos a contestar a verdade do que narravam concordemente os viajantes. E hodiernamente também em que viajar para quaisquer regiões do mundo é empresa fácil, os exploradores e os missionários continuam a contar a mesma maravilha, mas os falsos eruditos de todos os grupinhos não se rendem, não discutem, não refletem e escapam, atribuindo-lhes a fantasia muito fervorosa de observadores incompetentes.

O escritor, contudo, sabendo resguardar-se, à sua volta, da condenação dos falsos eruditos, sente o dever de referir duas importantes experiências a que pôde assistir no norte da Índia, por obra dos poderes extraordinários de dois iogues, experiências que o levaram a inferir que, se os nossos cinco sentidos valem ainda para alguma coisa, então, isso que se observa coletivamente e em grande quantidade, deve considerar-se como tendo efetivamente acontecido.

Em primeiro lugar, pude assistir a uma levitação humana, que se deu em circunstâncias que indubitavelmente não foram preparadas antes. Fui convidado para uma recepção que o governador civil da Índia oferecia ao chefe da tribo da província de Peshawar. Na recepção, estava incluído um entretenimento no qual um iogue executava toda sorte de truques com cartas, à maneira dos prestidigitadores. Entretanto, ele fez assistir também à levitação duma menina que ele havia trazido. Estava junto com todos, no meio dum prado coberto de ervas, que servia de palco para o jogo de cricket. Nessas condições experimentais certamente não era possível cometer enganos.

A menina colocou-se por terra, reclinando a cabeça sobre a mão direita e entregou-se ao descanso como o duma pessoa deitada na cama. Seu outro braço estava esticado ao longo do corpo, com a mão que apertava um bastãozinho de bambu, delgado como um lápis e que estava fincado no chão, à guisa duma estaca para sustentar ervilhas. O iogue pôs-se a fazer alguns passes magnéticos ao longo do corpo da menina que logo caiu em transa. Então, o corpo dela, rígido, começou a elevar-se lentamente, até alcançar a altura de quatro pés. O único contato que a menina tinha com o chão era feito com sua mão, que tinha conseguido elevar-se do corpo, escorregando passivamente ao longo do bastãozinho. Não é preciso fazer-se notar que aquele débil bastãozinho não poderia suportar o peso duma menina, sem que resultasse ser fisicamente impossível para ela manter-se no ar, com o corpo na horizontal. Os espectadores foram convidados a passar as mãos em torno do corpo da menina que flutuava no ar, assim como também a apalpar-lhe o mesmo. Foi isso que valeu para convencer a todos, de maneira decisiva, que nada existia que pudesse sustentar no ar aquele corpo. Repito, ainda uma vez, que essa experiência teve lugar no meio dum campo coberto de ervas. Em suma, a menos que se pretenda que todos fôssemos hipnotizados, a levitação dum corpo humano por nós observado torna-se um fato positivamente correto. Saliento, enfim, um particular interessante no caso exposto: é que nosso iogue havia feito levitar uma menina quando normalmente é o corpo do próprio iogue que sustenta a levitação.

Os espectadores discutiram por longo tempo esse prodígio a que haviam assistido, chegando à conclusão de que todos haviam observado exatamente os mesmos particulares no desenvolvimento do fenômeno. Os espectadores europeus foram concordes em reconhecer haverem assistido a um fenômeno inexplicável pela ciência oficial, enquanto alguns dentre eles acabaram exclamando: Só Deus poderá explicá-lo!. Quanto aos indianos, não demonstraram surpresa nenhuma, limitando-se a explicar que os iogues submetem-se desde a infância a uma severíssima disciplina do corpo e do espírito, com a finalidade de adquirirem poderes supranormais, na base dos quais - segundo os indianos - nada é impossível para um Iogue.

Este é o interessante caso a que pôde assistir o etnólogo Johnson e parece-me que os falsos eruditos, aos quais ele alude, deveriam desta vez reconhecer lealmente encontrarem-se em presença de um caso de levitação humana, efetivamente objetivo e indubitavelmente certo; uma vez que se os falsos eruditos mencionados possuíssem noções adequadas no domínio da pesquisa hipnótica, saberiam quanto será difícil, também para um poderoso hipnotizador, sugestionar pela primeira vez, qualquer sujeito, pois que não se conhecem exemplos de experiências nas quais um hipnotizador houvesse provocado o estado de 'credulidade hipnótica', não apenas no próprio sujeito, mas simultaneamente, em todos aqueles que assistiam a própria experiência. Ora, no nosso caso, os assistentes eram um grupo numeroso de pessoas inteligentes e cultas. Isto explicada, parece-me que não é o caso de se acrescentar mais nada a esse respeito.

Referindo-me às funções do bastãozinho, leve como um lápis, plantado no solo, direi que os Iogues explicam como isso não seja necessário, mas que, em certas circunstâncias, torna-se útil adotá-lo, porque o bastãozinho facilita a levitação, mantendo o contato entre o corpo levitado e a superfície do solo, do qual se desprendem correntes invisíveis de força centrífuga, as quais, sendo absorvidas pelo organismo magnetizado do sujeito, contribuem para mantê-lo suspenso no ar.

Finalmente, viu-se que o relator fala de duas experiências que ele se sente no dever de referir, malgrado a hostilidade inevitável dos falsos eruditos. E é provável que, se ele teve o cuidado de se precaver contra a crítica cios mesmos, apostrofando-os com merecida censura, isso não foi especificado no episódio exposto, bastante assimilável também pelos falsos eruditos, bem como pelo outro incidente de viagem por ele referido, no qual parece muito mais prodigioso. Reservo-me citá-lo na categoria que a ele compete que é a dos sortilégios.

***

Retiro este segundo episódio de levitação humana do número de outubro de 1904, da North American Review, no qual foi publicado o relato do explorador A. Kellar que naqueles dias voltava duma longa viagem na África do Sul (Zululand).

Ele, entre outros, conta o seguinte episódio: "No Nathal, vi um feiticeiro que provocou a levitação dum jovem Zulu, agitando um punhado de ervas por cima de sua cabeça. Era de tarde, e ao redor do fogo do meu acampamento havia se juntado um grupo de faquires aos quais fiz ver alguns dos meus truques de prestidigitação que os interessaram mediocremente. Depois do que um deles afastou-se para retornar em companhia de um 'doutor' em feitiçaria, com aspecto repulsivo e que foi o protagonista do fenômeno que me proponho narrar.

Ele se fez, bastante tempo, primeiro de rogado, antes de decidir-se a dar uma prova dos seus poderes. Mas, finalmente, pegou uma espécie de bastão e o fixou na extremidade duma correia de couro, do tamanho aproximado de dois pés. Então, um jovem indígena, alto e atlético, cujos olhos fixavam-se ansiosamente nos do feiticeiro, pegou o seu bastão de nós, fixou-o na extremidade de uma correia de couro análoga à outra e igualmente com o comprimento de dois pés.

Isso feito, os dois homens começaram a girar esses engenhos em torno de suas cabeças, mantendo uma distância de cerca de seis pés entre eles e conservando-se em silêncio. Estavam ambos totalmente iluminados pela forte luz do fogo. Quando os bastões entravam em contato um com o outro, produziam uma centelha, ou uma chama que parecia passar de um para o outro. E, na terceira vez., nessas centelhas produziu-se uma explosão, em seguida da qual o bastão do jovem Zulu ficou em pedaços e ele caiu de bruços no chão, privado dos sentidos...

Então, o feiticeiro ajuntou uma porção de ervas longas, cujo caule estava distante cerca de três pés. Ficando longe do fogo, fez essa porção girar em torno da cabeça do jovem Zulu que jazia como morto, todo iluminado pelo fogo. Pouco depois, vi aquela erva tornar-se incandescente, embora o feiticeiro estivesse distante mais de vinte pés do fogo, e depois inflamar-se e arder lentamente, crepitando forte. Então o feiticeiro aproximou-se bastante do corpo exânime do indígena, passando levemente aquelas ervas em chamas diante do seu rosto, à distância de um pé. Para meu profundo espanto, aquele corpo elevou-se lentamente do solo e flutuou no ar, cerca de três pés de altura. Elevava-se e abaixava-se conforme os passes feitos com o feixe ardente fossem lentos ou rápidos. Quando o feixe consumiu-se pelo fogo e caiu por terra, carbonizado, também o corpo do jovem Zulu recaiu por terra. Bastaram alguns passes magnéticos feitos com as mãos pelo feiticeiro para que ele despertasse e se pusesse de pé, sem dar sinal de haver, de forma nenhuma, sofrido por causa desse experimento a que havia sido submetido".

Não é o caso de se salientar que os fenômenos de levitação do corpo humano se realizaram sempre e se realizam hodiernamente nos povos civilizados. É suficiente acenar para as famosas levitações de San Giuseppe da Copertino, D. D. Home, de William Stainton Moses e, mais recentemente, do célebre médium islandês Indridi Indridason.

O que há de novo no episódio exposto é a modalidade inusitada da qual se vale o feiticeiro Zulu para alcançar o objetivo. Não será inútil recordar que a modalidade da qual se valem os sensitivos ou os médiuns para provocar a realização dos fenômenos supranormais dessa espécie variam ao infinito e diversificam-se grandemente de um povo para o outro, o que, porém, não apresenta valor teórico, tratando-se de métodos empíricos que não tem outra eficácia senão a de favorecer a emersão das faculdades supranormais subconscientes. E para tal escopo, todos os métodos equivalem-se na condição de que quem os adota creia cegamente na sua eficácia.

Aqui, não apenas nos encontramos diante de circunstâncias episódicas que não posso considerar no mesmo pé da variedade habitual dos métodos empíricos predisponentes a uma dada forma de manifestações supranormais, já que o fenômeno do bastão, daquele que se fazia de sujeito, demonstra que, nas práticas do feiticeiro, entrava, de alguma maneira, a eletricidade sob forma de saturação eletromagnética do bastão, ou do sistema nervoso dos protagonistas. Tanto mais se se considera a analogia, que o fenômeno em exame apresenta com o outro dos raios globulares, que explodem como bombas, assim como havia explodido o bastão do indígena.

Querendo prosseguir nesse esboço elucidativo do fenômeno, poder-se-ia torná-lo válido recorrendo a uma outra analogia de natureza igualmente eletromagnética, observando que, do mesmo modo no qual um ferro imantado, (vale dizer, eletrizado atomicamente), atrai um pedaço de ferro não imantado, assim o feiticeiro, saturado de eletromagnetismo, atraía e levantava o corpo negativamente eletrizado do sujeito. Além disso, com essa hipótese se explicaria facilmente também o fenômeno de incendiarem-se espontaneamente as ervas nas mãos do feiticeiro, fenômeno que aconteceria pelo encontro de duas correntes elétricas contrárias; efeito a todos familiar no sistema caseiro de iluminação elétrica.

Observo, não obstante, que toda a vez que se acolhessem essas explicações - bem entendido, a título de hipótese de trabalho e nada mais - permaneceria também a necessidade de se resolver o mistério dos médiuns europeus que se elevam no ar por virtude própria. Vale dizer, sem intervenção dum feiticeiro ou hipnotizador que funcionam como ímã humano.

E aqui paro com as induções porque o prossegui-las conduzirão longe do escopo do presente trabalho que consiste - entre outros - em demonstrar, com base nos fatos, que todos os fenômenos pesquisados pelos hodiernos cultores da disciplina metapsíquica, realizam-se de forma idêntica entre os povos selvagens com a conseqüência teórica que deles derivam.

II

Leitura do Pensamento, Telepatia Propriamente Dita e Clarividência Telepática

Passando a expor exemplos de manifestações supranormais de ordem inteligente, ou prevalentemente como tais, começo pelos fenômenos de Leitura ou Transmissão do Pensamento a pequena distância, para, em seguida, deter-me mais longamente sobre variados e interessantes episódios de "transmissão, ou recepção de notícias e eventos ocorridos naquele intervalo de tempo, a distâncias algumas vezes enormes", acontecimentos muito comuns entre as povos primitivos.

Retiro este primeiro exemplo de leitura do pensamento a curta distância, do livro de Henri De Monfreid: La Guerra nell Ogaden (Milão, 1936). Retomo os fatos que precedem o acontecimento. Nos tempos em que reinava na Abissínia o imperador Nenelik, o engenheiro Cappucci trabalhava na Etiópia, a serviço da Itália e tinha com ele um jovem etíope de nome Tadessa, por meio de quem enviava ao seu destino mensagens secretas sobre política.

O relator prossegue: "Tadessa não pensava realmente trair sua pátria, levando aquelas cartas misteriosas; fazia simplesmente seu dever de empregado. Uma vez, durante uma de suas viagens, deteve-se para repousar, a pouca distância de Ankober, na casa dum chefe abissínio. Naquele país bárbaro, a hospitalidade é tão natural que não se precisa nem pedir.

Naquele dia, fora descoberto um roubo e o lebascia, chamado com urgência, estava para entrar em transe, com o fim de revelar quem era o culpado. A bizarra prática em questão está ainda em uso na Abissínia e tem força de lei. As revelações do lebascia não se podem contestar e a acusação que ele formula é inapelável. O lebascia é uma espécie de médium, geralmente predisposto aos fenômenos nervosos e deve conservar-se virgem. Esta última condição é indispensável para que possa entrar nele o espírito divino que, como se sabe, gosta de manifestar-se aos puros.

Ao amanhecer, é ministrado ao sujeito uma espécie de cozimento, no qual estão contidas também folhas de datara. Uma mistura dessas pode ocasionar a morte de um homem normal. Mas o lebascia deve ter adquirido, como Mitridates, uma imunidade parcial. De fato, ele é preso unicamente duma sensação de embriagues, durante a qual parece participar verdadeiramente da vida de um outro mundo. Age, então, como um sonâmbulo, por todos os lugares onde houve o roubo, apalpa, roça de leve, cheira e acaba por achar a coisa roubada, se está escondida, e depois, o ladrão, se estiver presente.

Tadessa devia assistir com os outros à cerimônia porque ninguém pode sair da casa antes que o lebascia tenha falado. Sentia-se inquieto por causa da mensagem secreta escondida no cano de sua espingarda e pensava insistentemente nela. Havia-a depositado num ângulo do tucul, escondendo-a com o sciamma (capote). Aquele pensamento insistente foi certamente a causa da desventura que caiu sobre o pobre Tadessa.

O lebascia, quando se apresentou diante dele, parou. Todos os presentes ficaram impressionados, segurando a respiração. O médium afastou-se de Tadessa e, sem hesitar, foi pegar o cano que estava embaixo do sciamma. Certamente que o verdadeiro ladrão, naquele momento, não acreditava nos próprios olhos. Ninguém compreendia porque o lebascia fora ido pegar aquele cano de espingarda, pertencente a um homem vindo de longe e insuspeito de ser o autor do furto, porque o roubo havia sido perpetrado no dia anterior. Mas o lebascia é guiado pela mão de Deus, nenhum ato dele pode ser em vão. De qualquer modo, ele havia abandonado o objeto que lhe havia chamado a atenção por um momento e continuava sua misteriosa investigação. Sendo assim, o viajante, hóspede por uma noite, já estava fora do assunto. Contudo, o dono da casa teve a idéia de examinar o cano da espingarda do viajante, numa extremidade da qual, numa fenda feita com uma faca, estava enfiada uma carta. Ele examinou-a curiosamente, tentando adivinhar porque o lebascia esteve interessado por alguns segundos naquele gobensa (bastão). Notou que a extremidade inferior do cano da espingarda estava tapada com cera. Tirou a cera com a unha do polegar, descobrindo o esconderijo no qual estava oculto um rolinho duma carta. Aquele rolinho despertou suas suspeitas, tanto mais que naquela carta estavam traçados caracteres desconhecidos, seguramente italianos. O chefe abissínio mandou prender logo Tadessa e mandou imediatamente o escrito para o ghebi de Menelik, em Addis Abeba.

Dois dias depois, também o engenheiro Cappucci foi aprisionado e acorrentado. A mulher indígena, que há poucos dias tinha tido um filho, teve permissão para levar diariamente a comida para o engenheiro italiano. Precisava também ajudá-lo a comer, porque ele estava acorrentado no pulso direito que estava fixado na roda de ferro que lhe apertava o tornozelo e por isso não podia servir-se senão com a mão esquerda. Pode-se imaginar que tortura tornou-se a vida para um homem obrigado a estar sempre curvado sobre si mesmo, sem poder nunca esticar-se...

... Sua mulher partiu para Addis Abeba e obteve a graça da imperatriz Taitú, sempre boa e generosa... mas do pobre Tadessa não se teve mais notícia..."(Ver págs. 21-23).

O caso exposto não requer comentários, porque está claro, para qualquer um, que se trata dum fenômeno de percepção do pensamento que, naquele momento, vibrava intensamente na mente do trêmulo Tadessa. De modo que as condições de transe permitiram ao lebascia captar-lhe o segredo. Foi isso que o havia induzido a dirigir-se, sem hesitar, para o lugar onde jazia a espingarda na qual se ocultava a mensagem fatal. Entretanto, nesse ponto, surge uma pergunta: Por que o lebascia não revelou aquilo que manifestamente sabia? Por que decidiu-se, ao invés, a repor a espingarda no seu lugar, sem revelar o segredo? Dir-se-ia que havia agido dessa maneira por um sentimento humano para com o pobre mensageiro, tanto mais que a coisa não dizia respeito ao autor do roubo do qual estava encarregado de descobrir.

***

Este outro episódio, de certa forma análogo ao precedente, assinala agora um progresso na amplitude da faculdade de Clarividência. Retirei-o da Light (1929, pág. 574).

Mrs. Toye Warner Staples, que viveu por muitos anos na África do Sul, trata do tema sobre manifestações supranormais entre os povos primitivos e se detém para falar da notabilíssima faculdade de um feiticeiro-médico, cafre, de King's William Town, que possuía uma licença para executar suas faculdades curadoras, licença que obteve porque os seus melhores clientes eram europeus. De resto, a lei não tinha podido culpá-lo porquanto oferecia-se gratuitamente e executava seus poderes no sentido benéfico.

Mrs. Warner Staples menciona os seguintes episódios que se referem ao assunto aqui considerado:

"Aconteceu uma vez que um empregado do comércio foi encarregado de levar um maço de cartas que continha 500 libras esterlinas, de um Banco de Alice rara um outro Banco de Peddie. Havia viajado a cavalo e voltou em tristes condições, com as roupas em pedaços, dizendo ter sido assaltado no caminho por um bando de cafres que o haviam roubado... As investigações da polícia tendo sido consideradas inúteis, o espoliado recorreu às faculdades supranormais de Jajula. Este último, informado do fato, permaneceu algum tempo em profunda concentração e, em seguida, informou que ele via que o empregado não fora de fato roubado mas que, ao contrário, havia ocultado o dinheiro no buraco dum formigueiro. Dito isto, Jajula foi direto, sem hesitação, a caminho do formigueiro mencionado, onde o dinheiro foi achado e recuperado. Naturalmente, depois disso, o empregado foi preso e condenado.

Entretanto, foi na cidade de King's William que o magistrado do lugar - Mr. Dick Moll - não queria saber de acreditar na existência das faculdades supranormais das quais Jajula fornecia prova sobre prova. Pelo que, um dia, penso:z em acabar com essas superstições, recorrendo a um estratagema: fez ocultar, por um homem de sua confiança, um maço contendo dinheiro, num lugar conhecido só por ele e pelo homem que o havia ocultado. Em seguida, enviou-o a Jajula, dizendo-lhe ter sido roubado. Este último iniciou as práticas psíquicas necessárias para chegar ao estado de clarividência. Contudo, o mais bonito foi que exclamou: 'Ah! Percebo que quereis me enganar. O dinheiro não foi roubado; sabeis que o haveis escondido. Agora vos conduzirei ao lugar'. E o cafre, seguido de uma multidão de curiosos, dirigiu-se rapidamente ao local, indicando o ponto preciso onde se encontrava o dinheiro. Depois do que, indicou, no meio da multidão, aquele que fora encarregado de ocultá-lo".

No primeiro dos episódios expostos, não foi dito se estava, ou não, presente nas práticas do cafre também o empregado infiel; mas com base no desenrolar do episódio, pode-se deduzir que o empregado não estava presente, visto como, caso contrário, o cafre não teria deixado de assinalá-lo, assim como havia assinalado, entre a multidão, aquele que havia escondido o dinheiro do falso roubo.

E de qualquer modo, se se admitisse que o culpado não estava presente, então o caso assumiria o aspecto dum fenômeno de recepção a distância da mente do culpado (clarividência telepática), visto que o culpado não podia pensar, com muito medo, nas práticas mágicas que naquele momento se desenvolviam em seu prejuízo.

Não ainda, contudo, seria lícito fazer prevalecer a telemnesia (leitura a distância na subconsciência dos outros), fenômeno dos mais raros e sempre contestado, que subentende que o sujeito distante não pensa totalmente no caso de que um médium o apanhasse nos recessos mnemônicos da subconsciência.

Retiro da Light (1906, pág. 177) este terceiro exemplo de Leitura do Pensamento que é um exemplo construtivo que contém dois incidentes, o primeiro dos quais, segundo as intenções do feiticeiro-médico, deveria conduzir à descoberta de um culpado e o segundo deveria revelar aquilo que, naquele momento, acontecia numa região distante (clarividência telepática). Mas em ambos faliu o objetivo, resultando, ao invés, ótimos casos de leitura do pensamento do consulente.

O antropólogo mr. Douglas Blackburn refere o que segue: "Durante meu longo tempo de residência no Transvaal e no Nathal, tive a oportunidade de observar e estudar os feiticeiros-médicos cafres, pelo que não me proponho analisar suas pretensões dos dotes na medicina, se bem que poderei referir sobre o assunto alguns episódios surpreendentes, que vão muito além de demonstrar que, no meio duma boa dose de charlatanismo, existe um substrato de genuína habilidade no tratamento de certos casos especiais, quais sejam as mordeduras das serpentes venenosas, a desinteria e outras enfermidades locais. Por exemplo, seria desejável que alguma pessoa qualificada na medicina assumisse o encargo de investigar a faculdade maravilhosa, mas incontestavelmente verdadeira, que revelam alguns desses doutores na tarefa de conservar a aparência juvenil, ou melhor, de retardar a velhice nas jovens eleitas esposas dos seus chefes.

Isto me basta porque o objetivo do presente artigo é contar uma experiência que - para mim mesmo - vale para explicar muitas maravilhas que deixaram perplexos os europeus que testemunharam a prova do farejar os culpados. Eis o meu caso pessoal: 'Eu estava ocupado com a investigação duma grande extensão rochosa em forma de V, em busca de pinturas e desenhos dos selvagens Bushmen. Tratava-se dum amontoado de rochas que se estendiam pela montanha, com a forma duma estante, da maneira dum imenso triângulo eqüilátero. Enquanto estava absorvido nessa tarefa, vi a minha espingarda, que estava encravada numa fenda da rocha, num embrulho de pele de tigre, e logo a reconheci porque eu a havia depositado na escuderia. Minhas suspeitas caíram sobre um jovem cafre de péssimo caráter, que me trazia a correspondência, e que por isso passava freqüentemente pela localidade onde a pele roubada tinha sido escondida.

Alguns dias depois, chegou naquelas paragens um feiticeiro-médico viajante; a simples título de passatempo, disse-lhe que, se ele fosse capaz de descobrir o autor dum roubo, eu o recompensaria com meia coroa. Não lhe forneci particulares, salvo um.a informação generalizada de que o furto havia sido cometido. Uma trintena de indígenas veio presenciar o espetáculo do "farejamento" do culpado. Entre eles, encontrava-se o jovem do qual eu suspeitava, de modo que redobrei as precauções para não fornecer involuntariamente ao feiticeiro qualquer traço revelador, mediante um olhar ou uma palavra.

O feiticeiro começou seus esconjuros, gesticulando, murmurando palavras misteriosas e traçando com o bastão diagramas no terreno, consistindo de linhas curvas irregulares, que depois tornavam-se triângulos. Continuou por algum tempo a traçar e desfazer diagramas, emitindo gritos guturais e proferindo certas frases sugestivas que eu conservei bem na memória, mantendo-me constantemente diante dele, a fim de que nada ele pudesse adivinhar pela expressão do meu rosto. Transcorridos alguns minutos, avançou resolutamente para os espectadores, apontando o bastão na direção de várias pessoas, mas constantemente demorando-se um pouco em frente ao jovem por mim suspeitado, que finalmente indicou como o culpado.

Dois dias depois, vim a saber que a pele roubada fora escondida na fenda por uma mulher indígena e que o jovem, por mim suspeitado, ignorava completamente toda a coisa. Não se deverá talvez concluir que o feiticeiro lesse inconscientemente no meu pensamento a suspeita injustificada que me fazia acreditar na culpabilidade daquele jovem?

Eis um segundo exemplo do gênero: Realizava-se na colônia uma partida de corridas especiais, durante as quais uma distinta senhora começou a escarnecer um pouco de mim, em razão da inabilidade que eu demonstrava em cavalgar o meu pônei que, entre parênteses, era muito novo e extraordinariamente medroso. Num momento de cólera, desafiei-a a competir com meu cavalo, fazendo o que eu não tinha sabido fazer. Ela era uma excelente cavaleira e aceitou, tirando o estribo da direita da sela e usando-a do modo como fazem as senhoras na colônia quando usam selas masculinas. O meu potro indomável não tardou a ficar assustado, lançando-se numa carreira furiosa no meio duma extensão de rochas agudas e perigosas e, em conseqüência, fazendo-me passar por momentos de grande ansiedade e remorsos, mas afortunadamente tudo acabou bem e a senhora voltou incólume da prova.

Alguns meses depois, a mesma senhora junto com seu marido, pensou em vir encontrar-me. E com essa finalidade, o marido mandou pedir-me para enviar um cavalo para sua mulher. Por causa dum deplorável mal-entendido, meu cafre entregou aquele mesmo potro que havia posto em perigo a vida da senhora. Fiquei muito contrariado, pensando, com razão, que um fato semelhante poderia ser mal interpretado. Passei, por isso, uma manhã muito nervoso. Depois do jantar, chegou ao país o mesmo feiticeiro-médico outra vez, coisa que de resto ele fazia freqüentemente. Pedi-lhe para jogar seus dol os (ossinhos para adivinhações), a fim de me dizer quem viria para me encontrar naquele dia. Depois dos habituais procedimentos preliminares de encantamento, anunciou-me que um branco inkoos (chefe) e uma senhora branca (inkozizan) estavam a caminho, acrescentando que a senhora estava vestida toda de branco (na ocasião da corrida perigosa a senhora vestia um traje de cavaleira todo branco). Continuou dizendo que ela montava um potro indomável, descrevendo um episódio de fuga desordenada e perigosa, em tudo análoga ao que ocorrera alguns meses antes.

Quando meus visitantes chegaram, achei que a senhora vestia um traje inteiramente escuro e que na viagem não lhe havia ocorrido incidente algum. Está, portanto, claro como também desta vez o feiticeiro-médico havia lido meu pensamento que - enquanto ele atirava os seus ossinhos - estava exatamente voltado para o acontecimento por ele visualizado e descrito. (Assinado: Douglas Blackburn).

Nos episódios expostos, parece indubitável que o feiticeiro-médico cafre, por um fenômeno de interferência, muito comum nessa espécie de experiência, extraiu inconscientemente a notícia fornecida pela mente do consulente, que pensava naquele momento nos eventos sobre os quais deveriam desenrolar-se as provas pedidas ao sensitivo. Notável a particularidade do feiticeiro que descreveu uma senhora vestida de branco que era o caso em que pensava o consulente no momento. Ora, assim como o consulente não podia pensar precisamente no traje usado naquele dia pela senhora em discussão, deve inferir-se que o pensamento sintético do consulente havia se transformado na mente do feiticeiro, numa correspondente alucinação representativa e também cinematográfica do evento total.

Posto isso, deve reconhecer-se que, se a experiência do "cheirar" o culpado e a outra da "visão a distância" faliram, não se deve atribuir a causa à deficiência das faculdades clarividentes do cafre-feiticeiro, bem como à inexperiência do consulente, a quem competia manter-se mentalmente passivo antes do que pensar nos eventos sobre os quais o sensitivo devia se referir. Reconheço que, dando contas das circunstâncias nas quais se desenvolveram a mesma experiência, tornava difícil que ele pudesse manter-se absolutamente passivo sobre os assuntos que o preocupavam naquele momento. Com maior razão reconheço, outrossim, que, se também vivesse havido êxito, sua mente sempre vibrante, com preocupações mal reprimidas, seria igualmente suficiente para provocar o mesmo fenômeno de interferência na faculdade divinatória do sensitivo.

Tudo isso já foi demonstrado com base na análise comparada dos fatos. É precisamente por isso que, cientificamente falando, não se dá como valor de prova aos episódios de clarividência telepática ou de telestesia nos quais o consulente é informado sobre os acontecimentos sobre os quais se exerceram as faculdades do sensitivo, e nos quais o sensitivo não revela particulares verdadeiros ignorados pelo consulente e por todos os presentes.

De qualquer modo, vou tomar nota de que os incidentes expostos testificam, de maneira concludente, que o feiticeiro-médico cafre possuía indubitavelmente faculdades psíquicas de natureza supranormal; e que, do nosso ponto de vista, representa um importante objetivo já conseguido.

Ao mesmo tempo, os mesmos incidentes valem para demonstrar como entre os selvagens encontram-se as mesmas formas de interferência subconsciente que acontecem entre os povos civilizados em análogas circunstâncias; concordância teoricamente interessante, já que termina numa boa prova de interferência recíproca, a favor da genuidade dos fatos.

***

O que segue é um outro episódio interessante de transmissão involuntária de pensamento que assume, claramente, a forma telepática de sensação-emoção percebida a distância.

Retirei-o da obra de G. A. Mockton, do Tribunal Civil da Nova Guiné, intitulada Some Experiences of a New Guinea Resident Magistrate. Ela contém alguns episódios interessantes de manifestações supranormais entre os indígenas. O episódio seguinte ocorreu com o próprio relator, quando fazia parte duma expedição militar nos confins da colônia.

Ele escreve: "A noite era clara, esplêndida, estrelada, e os homens, cansadíssimos, dormiam profundamente no acampamento. Bushmai estava estendido embaixo da minha amaca. Uma hora antes do amanhecer, despertei-me sobressaltado, em condições inexplicáveis duma superexcitação nervosa e chamei Bushmai, sem obter resposta. Ainda mais superexcitado, saltei da amaca, apertei nas ilhargas o cinturão com o revólver, peguei a espingarda e atravessei o acampamento no qual todos dormiam profundamente, caminhei em direção ao sentinela para assegurar-me de que ele fazia uma boa guarda. O primeiro que encontrei foi Bushmai, que andava para frente e para trás nos confins do acampamento, com o machado no ombro. Gritei: 'Por que não foi dormir?' Respondeu: 'Durante o sono cheirei o perigo.' Depois acrescentou: 'Também o senhor reparou?' Sim, observei, mas não saberei dizer qual o perigo que me sobressaltou.' Ambos prosseguimos em direção do sentinela e encontramos no posto o sargento que parecia inquieto e agitado, tanto quanto nós. Perguntei-lhe: 'Sargento, como é que está aqui ao invés de estar dormindo? Resposta: 'Comandante, acordei cheirando perigo e tive o pensamento de reunir um grupo de soldados; mas agora não vejo motivo.' Esperamos juntos o despertar do dia, agachados em volta duma pequena fogueira, e depois da troca do sentinela, resolvemos repousar um pouco.

Durante o dia, fui informado de que o chefe inimigo Maisina havia sabido que minha coluna tinha acampado um dia antes na foz do Laku e, perto do amanhecer daquela mesma noite na qual havíamos experimentado sensações de perigo, havia enviado três colunas de soldados, em três localidades diferentes, contra a nossa, com o objetivo de apanhar-nos de surpresa e massacrar-nos. Mas os soldados chegaram ao posto quando nós tínhamos ido ao campo naquele momento e só tinham encontrado a fogueira parcialmente ainda acesa. Se rios houvessem surpreendido, não duvido que teria havido um massacre por causa da ação imprevista e inesperada. - Este é o fato. Deixo aos psicólogos a tarefa de explicar como jamais um ataque projetado contra um acampamento, abandonado há poucas horas, havia podido repercutir sobre os nervos de três homens, a quatro milhas de distância e como tinha podido abalar o sono apenas destes três, além dum sentinela que dormia no acampamento".

Os quesitos que o egrégio magistrada-relator coloca diante da competência dos psicólogos, resultam teoricamente de fácil solução, já que o primeiro deles pode-se responder observando que os fenômenos de transmissão telepática do pensamento que segundo as idiossincrasias peculiares aos percipientes combinadas com as circunstâncias. do ambiente, possam assumir forma visível, auditiva, olfativa, tátil,. emocional, por muito tempo aceitas definitivamente pela ciência, porquanto ninguém está em condições de elucidar o mistério da sua realização. Quanto ao segundo quesito, pode-se responder, observando que, se numa centena de homens igualmente interessados num grave acontecimento que os ameaça, somente três recebem telepaticamente o aviso antecipado, significa que esses três são sensitivos e que os outros não o são.

***

Passando a expor alguns breves exemplos de telepatia propriamente dita, chamo a atenção preliminarmente sobre a circustância notável de que entre os selvagens existe, na generalidade, a crença que quando se percebe o fantasma dum ser vivo, este está para morrer ou já está morto. Ora, assim como com base na análise comparada dos fenômenos telepáticos que se realizam entre os povos civilizados, acontece que 95% dos mesmos se realizam no leito de morte da pessoa cujo fantasma aparece a distância, não se deva por isso inferir que a análoga crença dos selvagens seja a condição direta da experiência. Em mérito às poucas exceções desta regra (e na qual no máximo quem se manifesta é um ser vivo imerso no sono), observo como também iguais exceções são notadas nos selvagens que, não obstante, asseguram saber distinguir um fantasma dum vivo do dum moribundo ou de um defunto; isso quando o fantasma dum vivo, que está ainda saturado de fluidos vitais, parece notavelmente mais denso do que aquele do moribundo e muito mais denso daquele dum defunto.

Isto é precisamente o que afirmam os videntes dos povos civilizados.

A propósito da firme crença dos selvagens a respeito do presságio de morte implícito nas aparições dos vivos, Lang narra este episódio curioso, colhido por ele, na obra de Pollack: Manmers of the New-Zealanders (pág. 268): "Um chefe Maori encontrava-se há algum tempo longe da família, empenhado numa guerrilha de tribos. Um dia, sua mulher viu o fantasma que, mudo e pensativo, entrou na cabana, indo sentar-se perto do fogão. Ela correu imediatamente à procura de testemunhas, mas quando voltou com elas, o fantasma havia desaparecido. Depois de algum tempo, a senhora casou-se novamente porque, após a aparição ocorrida, ela estava bem certa da morte do primeiro marido. Entretanto, este não tardou a reaparecer vivo e são. Quando ele soube do que ocorrera, perdoou a mulher e foi de parecer que ela havia agido com base num acontecimento que, na tradição Maori, era considerada válida como prova da morte".

E. B. Tylor, na obra Primitive Culture (vol. 1, pág. 450), narra o seguinte episódio telepático: "Um grupo de indígenas havia deixado sua vila para uma ausência um tanto longa, tratando-se duma expedição para a caçada de javalis. Uma noite, enquanto estavam todos reunidos em torno duma grande fogueira num descampado, apareceu a figura de um seu companheiro que havia ficado enfermo na vila. A aparição foi vista por apenas dois do grupo e, à sua exclamação de terror, desapareceu. Quando os caçadores voltaram para a vila, foram informados de que o seu companheiro, que aparecera na floresta, havia morrido no mesmo dia em que o viram".

Lang refere-se a este outro caso, comunicado diretamente a ele por mr. Tregear, autor do livro Maori Comparative Dictionary. "Um chefe Maori, muito inteligente, contou-me o seguinte: Vi, na minha vida, somente dois fantasmas. Quando era menino, mandaram-me a Auhland, para a escola dos brancos e, uma manhã em que me encontrava na cama, imerso no sono, acordei sobressaltado porque alguém havia me segurado pelos ombros, sacudindo-me. Olhei e vi meu tio curvado sobre mim. Fiquei surpreso porque o sabia distante, em Bay of Island, e por isso lhe dirigi análoga pergunta. Mas ele ficou transparente e se dissolveu. A mala postal que chegou trouxe-me a notícia de sua morte.

***

Passaram-se muitos anos e não vi mais nenhum fantasma, nem também quando morreram meu pai e minha mãe, embora eu estivesse ausente de casa. Finalmente, um dia, enquanto estava sentado atento numa leitura, vi projetar-se sobre o livro uma sombra escura. Levantei os olhos e vi um homem interposto entre mim e a janela, que me voltava as costas. Todavia, observei que ele era um Maori e o cumprimentei, exclamando: 'Olá, amigo!' Ele voltou-se e então reconheci nele um outro meu tio Ihaka. Mas apenas o reconheci, ele começou a ficar transparente e sumiu, como já havia acontecido com o primeiro fantasma. Eu estava bem longe de pensar na morte de meu tio, que eu havia deixado poucas horas antes, são e forte. Pouco depois, eu soube que ele tinha ido à casa um missionário onde havia comido, junto com outros brancos, um prato confeccionado com carne em conserva, deixada 24 horas na caixa depois de havê-la aberto. Com isso, morreram todos envenenados. Isso é o quanto posso testemunhar pessoalmente sobre fantasmas" (Lang, ob. cit., págs. 113-714).

Relato um último episódio telepático que coligi da mesma obra (págs. 174-115). Mr. Francis Dart Fenton relata: "Dois serradores - Frank Philip e Jack Mulholland - estavam ocupados em derrubar árvores na missão do reverendo R. Maunsell, nas vizinhanças da baía de Awarod, localidade absolutamente deserta e paludosa. Tinham consigo como ajudante um indígena Maori, que provinha de Tihorewan, vila situada numa outra extremidade do rio, cerca de seis milhas de distância. Enquanto Frank e o indígena trabalhavam com a serra numa árvore, o indígena parou, exclamando: 'Por que vieste?' e, assim dizendo, olhava na direção de Frank. Este perguntou: O que 'O ouvi dizer?' O indígena respondeu 'Não falo contigo; converso com meu irmão'. Frank acrescentou: 'E onde se encontra?' - Ao que disse o indígena: 'À tua direita'. Depois, dirigindo-se novamente ao irmão: 'O que você quer?' - Frank voltou-se mas não viu ninguém. Também o outro não viu mais nada, mas largou a serra, dizendo: 'Vou para casa porque meu irmão morreu'. - Frank sorriu e lembrou-lhe que o havia deixado com ótima saúde cinco dias antes. Mas o indígena Maori não respondeu mais. Entrou imediatamente na canoa, dirigindo-se para a outra margem remando. Quando alcançou o ponto de atracar, encontrou uma pessoa esperando-o para anunciar que seu irmão havia morrido".

Os casos telepáticos expostos tornaram-se em tudo análogos aos que se realizaram entre os povos civilizados e as observações há pouco referidas acerca da conclusão a que chegaram os selvagens, conclusão que, por sua vez resulta absolutamente idêntica àquelas a que chegaram os povos civilizados, bastam para demonstrar que a existência das manifestações supranormais dessa natureza é familiar a quaisquer povos da Terra, com as conseqüências teóricas que delas derivam. Abstenho-me, portanto, de acumular outros exemplos do gênero.

Passando a tratar de casos de Clarividência Telepática (leitura à distância no subconsciente dos outros), coloco em relevo como eles são bastante freqüentes em ser confundido com a clarividência no presente, enquanto que esta última deveria somente manter-se assim, quando reveste a forma de telestesia (percepção direta a distância de objetos, ambientes, paisagens, em condições de rejeitar que o vidente tenha atingido aquilo que descreve dos recessos mnemônicos do subconsciente dos outros).

Noto, outrossim, que o maior número dos episódios de clarividência telepática entre os povos primitivos refere-se a façanhas de adivinhos que se dedicam à procura de culpados; quer dizer, que nesse caso esses episódios são análogos aos outros citados anteriormente, porquanto eu os havia classificado nos grupos dos fenômenos de telecinesia e de leitura do pensamento por consideração de que neles a particularidade mais interessante consistia respectivamente em movimentos de objetos sem contato ou na leitura do pensamento dos presentes.

Naqueles, pelo contrário, que andei citando, a particularidade mais interessante consiste no fato de que o culpado que se procurava estava sempre longe, quando todos os presentes ignoravam quem seria o culpado e não nutriam suspeitas de ninguém, excluindo desse modo qualquer interferência sob a forma de leitura do pensamento.

Tomo este primeiro exemplo da Revista de Estudos Psíquicos (1903, pág. 309): "O engenheiro Ministro dos Negócios do Exterior do imperador Menelick, num colóquio havido com o diretor da Neue Zuricher Zeitung, forneceu interessantíssimas informações sobre adivinhos, Lobasha, ou descobridores de delinqüentes na Abissínia.

São crianças da idade de 12 anos, no máximo, que são colocadas em estado hipnótico que permite descobrir os delinqüentes permaneceram impunes.

O engenheiro cita esses casos, quase inacreditáveis, da descoberta de réus, averiguados pessoalmente por ele.

Num caso de incêndio doloso em Addis Abeba, foi logo chamado ao local um Lobasha. Ele pôs-se a beber uma tigela de leite na qual foi jogado um pó verde. Depois, ele pôs-se a fumar um cachimbo com tabaco mesclado com um pó negro. O menino caiu, então, em estado hipnótico. Depois de alguns minutos, levantou-se vivamente e pôs-se a correr para Harrar. Correu deste jeito durante dezesseis horas, sem parar. Chegando próximo de Harrar, o Lobasha deixou bruscamente a estrada, entrou num campo e, com a mão, tocou num Galla que estava trabalhando, que confessou ser o réu.

Um outro caso que foi pessoalmente examinado pelo imperador Menelick e pelo engenheiro foi o dum assassinato seguido de roubo cometido perto de Addis Abeba. O Lobasha foi conduzido ao local do delito e posto em condições psíquicas especiais. Por algum tempo, andou ao redor da localidade em que se encontrava;em seguida, dirigiu-se para Addis Abeba, penetrando numa igreja, e beijou o chão; depois, foi para uma outra, fazenda o mesmo. Permaneceu num lugar em que havia água - o contato com a água dissipou o encantamento - e o menino despertou. Foi novamente hipnotizado e partiu de novo. Passou pertinho de algumas cabanas e chegou na soleira de uma delas. Parou e despertou de novo. O dono da cabana estava ausente e, assim que chegou, foi preso. No princípio, negou ser o autor do delito, mas quando voltaram para a cabana, alguns objetos pertencentes à vítima fizeram-no confessar.

O culpado foi conduzido diante de Menelick que exigiu que narrasse minuciosamente o que havia feito depois de cometido o delito. Viu-se, então, que seus atos correspondiam às peregrinações feitas pelo Lobasha. Ele disse que, tomado de remorsos, havia se conduzido sucessivamente a duas igrejas, prostrando-se e beijando o solo.

Menelick, querendo obter uma outra prova das faculdades do Lobasha, pegou algumas jóias pertencentes à imperatriz. Fez depois vir o Lobasha que, no princípio, correu pelos aposentos da imperatriz, mas depois entrou nos de Menelick; passou, em seguida, para outro quarto e, finalmente, caiu sobre a cama de Menelick.

O engenheiro não soube dar uma razão a esse dom misterioso que parece reservado a uma tribo designada, ou melhor, a uma raça especial, cujos membros estão espalhados um tanto pela Abissínia.

É bom lembrar que um método semelhante para descoberta dos culpados foi atribuído aos egípcios, há uns quarenta séculos se tanto. A propósito dos episódios expostos, será útil lembrar que, quando afirmei que os mesmos eram elucidados pela hipótese da clarividência telepática, pretendi unicamente afirmar que aquela era a hipótese menos lata aplicada aos fatos dessa natureza; o que não significa que havia de ser sempre a mais atendível. No nosso caso, se se analisam os fenômenos em questão, encontram-se particularidades não conciliáveis com ela. Assim, como exemplo, se essa hipótese é presumivelmente verdadeira no primeiro caso, em que o Lobasha hipnotizado corre rápido para o culpado, e o indica, tocando-o, no segundo, ao invés, o Lobasha segue automaticamente por todas as etapas percorridas nas ações praticadas pelo assassino, depois de consumado o delito, até que a sucessão dos eventos por ele percebidos, o conduzem à cabana do réu. Nesse caso, pareceria mais razoável presumir que o sensitivo havia atingido a finalidade, seguindo, automaticamente, no passado, as pegadas do réu; nessas circunstâncias, tratar-se-ia de um fenômeno de clarividência no passado, conseguido psicometricamente. Quer dizer, em conseqüência do tato de que o sensitivo havia sido conduzido ao teatro do delito, o que teria servido para estabelecer a relação psíquica entre a subconsciência do sensitivo e o ambiente ainda saturado das vibrações específicas consecutivas ao delito consumado naquele lugar.

***

Também por este outro episódio, análogo ao anterior, pode-se afirmar que o fenômeno da clarividência telepática ultrapassaria a fronteira da clarividência no presente.

Retiro do Journal of the American SPR (1937, pág. 61). Foi originariamente publicado na revista das Missões Africanas: East Africa, e o relator do episódio é o padre Luseur.

Trata-se, também desta vez, dum grande roubo de provisões que, em julho de 1918, foi perpetrado em prejuízo das missões de Mwembe, na África Oriental portuguesa. Os três serviçais indígenas encarregados de guardar as provisões negavam ser os autores e foram eles que propuseram fazer vir um feiticeiro para ir ao encalço do ladrão.

O padre Luseur continua assim: "O feiticeiro era um homem de estatura mediana e muito magro. Parecia bastante inteligente e a única particularidade que revelava eram os seus olhos que, sem dúvida, irradiavam o brilho dum poder mágico. Sua presença correspondia bem às suas funções e era fácil deduzir-se que seria realmente capaz de hipnotizar e incutir temor nos indígenas.

Entrou no ambiente no qual havia acontecido o roubo e pôs um chifre de gazela na cabeça, de modo que a ponta do chifre avançava pela testa. Naquela ponta, ele havia fixado uma pena. Tirou do saco uma pequena grinalda formada de barbantes entrelaçados dos quais pendiam toda sorte de unhas de animais. Dentro da grinalda havia uma outra análoga, um pouquinho menor, ornada com dentes de animais. Amarrou tudo com um barbante, para depois atirá-lo sobre o ombro direito. Depois, prendeu uma vara de bambu do tamanho duns quatro pés e meio, com um diâmetro de duas polegadas, no meio da qual havia um furo no qual ele inseriu uma garrafinha contendo uma mistura de sua própria lavra. Apanhou, com a direita, uma cabaça que continha pedras e, sacudindo-a violentamente, produziu um rumor semelhante ao badalar duma campainha, ao mesmo tempo cantando um estribilho monótono: 'Kalandola, katandiza; kalandola, katandiza; Kalandola Meiza' (Mestre, ajuda-me; Mestre, ajuda-me; Mestre, ajuda Meiza). Meiza era o seu nome.

O feiticeiro havia trazido consigo dois ajudantes que pegaram firme com as mãos a vara de bambu de um dos chefes, enquanto o outro chefe colava-se ao chão. De repente, a vara começou a dar fortes golpes no terreno; depois, voltou-se bruscamente, arrastando literalmente atrás dela, os dois homens ao redor da cabana. O feiticeiro seguia a vara sem pressa e cantando ainda com mais fervor: 'Kalandola, katandiza'. O bambu, depois de haver conduzido a comitiva ao redor da cabana, voltou ao ponto do qual havia partido. Em face disso, feiticeiro anunciou que o ladrão não morava naquele lugar. Ele era um estrangeiro. Recomeçou, portanto, sua monótona cantilena. De improviso, o bambu, sempre seguro pelo ajudante, parou traçando linhas e círculos no pó. O feiticeiro começou a estudar círculos e linhas, informando: 'O ladrão fugiu para o ocidente. Precisamos, pois, atravessar dois riachos antes de alcançar sua aldeia'. Dito isso, fez soar violentamente sua campainha, repetindo a costumeira cantinela. Então, o bambu iniciou uma corrida, traçando um sulco no pó. De tanto em tanto, parava, permanecendo em posição ereta. Chegou a um riacho e pouco mais além a um segundo riacho. Depois, chegou num ponto onde se bifurcavam os caminhos. O bambu parou, dando fortes golpes no solo. O feiticeiro informou: 'O bambu parou. Provavelmente o ladrão terá ocultado neste ponto algum encantamento, com a finalidade de impedir que continuássemos nessa investigação'. Cavou naquele ponto, encontrando efetivamente um chifre de gazela. O feiticeiro observou que ele teria substituído naquele ponto um encantamento muito eficaz, e tirou do saco uma pequena cabaça em forma de garrafa, jogando nela uma mistura misteriosa e espalhou tudo naquele mesmo ponto. Depois do que acrescentou: 'Agora podemos prosseguir'. O bambu retomou sua corrida até chegar a uma aldeia. Lá chegados, o bambu dirigiu-se sem hesitação para uma cabana na qual, na frente, estava acocorado um homem. 'Este é o ladrão', sentenciou o feiticeiro. O bambu entrou na cabana, andando rápido na direção duma cama de palha feita de lianas entrelaçadas. A cama foi revolvida, e então o bambu pôs-se a bater furiosamente no solo. 'Cave neste ponto', ordenou o feiticeiro. Assim foi feito e, a um pé de profundidade, se encontrava o embrulho da coisa roubada. Levaram-no logo a Mwembe e descobriram que se tratava precisamente das provisões roubadas. O ladrão, apanhado em flagrante, confessou a própria culpa".

O diretor do jornal comenta assim: "O episódio exposto parece muito sugestivo quando se encontra nele todos os elementos das práticas espíritas. O feiticeiro invoca o seu guru e a vara de bambu comporta-se do mesmo modo como as mesinhas mediúnicas sob as mãos dos experimentadores... Acontece que se se admite ser o feiticeiro um médium, então o episódio não parece nem mais nem menos extraordinário do que aquele que resulta de experiências análogas nos povos civilizados, salvo, naturalmente, a prática mágica executada pelo feiticeiro. Mas é claro que o essencial consiste na intervenção de espíritos coadjutores, com a realização de fenômenos físicos compreendidos para alcançar um dado objetivo; o que corresponde ao que se realiza nos povos civilizados".

Essas as considerações do comentarista. Quanto às práticas mágicas, por si mesmas grotescas e absurdas, usadas pelos feiticeiros, permanecendo o que se disse anteriormente, vale dizer que elas não se revestem de outro significado senão o de favorecer a emersão das faculdades supranormais subconscientes. Sendo assim, todos os métodos se equivalem, com a condição de que quem o adota creia cegamente na sua eficácia. E as operadas pelo nosso feiticeiro eram por demais complexas e absurdas, mas se o feiticeiro acreditava cegamente, por tradição, então elas tornavam-se praticamente válidas para ele.

De qualquer modo, do nosso ponto de vista, o que importa consiste na circunstância de que nenhum dos presentes sabia quem era o autor do roubo, e malgrado isso, o feiticeiro chegou a descobri-lo e a identificá-lo à distância. Como eu observei no caso precedente, também desta vez dever-se-ia inferir que isso se poderia conseguir quando o feiticeiro tinha se conduzido ao ambiente em que havia acontecido o roubo. Quer dizer, no ambiente no qual o ladrão havia imprimido indelevelmente no éter do espaço o ritmo das próprias vibrações vitais, o que vale para estabelecer a relação psíquica entre a subconsciência do feiticeiro e a do culpado, como acontece nas experiências de psicometria, nas quais a influência deixada no objeto, (isto é, no éter interatômico contido no objeto) da pessoa distante, que o havia empregado, vale para estabelecer a relação psíquica entre o sensitivo e a subconsciência da própria pessoa, dando lugar às portentosas revelações que se consegue com a psicometria. Em suma, também no nosso caso, tudo concorrem para demonstrar que se trata, ainda e sempre, dum processo psicométrico, de forma larval, no qual o objeto empregado pela pessoa distante para identificá-la é substituído pelo ambiente em que tinha operado uma pessoa distante para identificá-la.

Encontra-se aqui, portanto, a presença dum autêntico fenômeno de clarividência telepática, em tudo análogo àqueles que se obtêm entre os povos civilizados, seja com a mediunidade clarividente, seja com a psicometria do ambiente.

Compreende-se logo que poderia também ser aplicada no caso em exame a interpretação espírita dos fatos e isso conforme o postulado de Aksakof, segundo o qual todos os fenômenos metapsíquicos, dos mínimos aos máximos, possam resultar ora anímicos e ora espíritas, segundo as circunstâncias; pelo que é fato que no nosso caso não se encontram particularidades que nos demonstrem e, em conseqüência, não pareceria legítimo fazê-lo.

***

Resta-me esclarecer uma outra seção importante do mesmo tema que é o da clarividência telepática considerada em multiformes modalidades com as quais se realiza, visto como assume a forma de "transmissão e recepção de notícias a grandes distâncias", forma dominante entre es povos selvagens, como também entre os povos semicivilizados e civilizados da Ásia.

Tanto os antropólogos quanto os historiadores das conquistas coloniais européias na Ásia, África e América, manifestaram sempre um justificado espanto na presença de manifestações semelhantes que eles não podiam contestar e muito menos explicar com o conhecimento de que dispõe a psicologia oficial. É de fato manifesto que só se admitindo a existência no homem de faculdades supranormais subconscientes, assim como a existência de indivíduos sensitivos, predispostos pela natureza a exercê-las em circunstâncias especiais, só desse modo se chegaria a dar-lhes razão.

No journal of the American SPR (1919, págs. 584-589), mrs. Bloch publicou um interessante artigo sobre o assunto.

Ela escreve: "Há alguns anos aproximadamente, a minha atenção foi atraída para o problema da transmissão de notícias entre os povos não-europeus. Está demonstrada, com exatidão absoluta, que na época da grande Amotinação indiana, a notícia do evento divulgou-se dum canto a outro da Índia, no intervalo de menos de duas horas. Naquele tempo, não existiam telégrafo, nem telefones e a mala postal era levada através da jungle e as paradas nas montanhas eram feitas a pé pelos carteiros, com o corpo guarnecido com campainhas que tilintavam, afugentando as feras pelos caminhos.

Certamente não existe uma explicação científica capaz de esclarecer o mistério da rápida difusão das notícias duma tribo para a outra, atravessando enormes distâncias como são as que existem nos continentes africano, americano e asiático, sobre as quais só resta recorrer às explicações telepáticas ou clarividentes, ou algo semelhante.

Recentemente, recolhi de narrações concordantes e interessantes do gênero, de viva voz, de pessoas que viveram no Japão, entre os índios do México, assim como as de um engenheiro que viveu muito tempo na Nigéria. De modo que meu interesse no assunto, tendo-se reavivado, conduziu-me a escrever ao explorador e grande caçador de feras - mr. Cyrill Campbell, em outros tempos correspondente de guerra do Times, que reside na África há muitos anos. Ele enviou-me um longo e interessante relato a propósito...

Segue no texto o relato mencionado que contém alguns episódios de verdadeira e evidente clarividência no presente, que serão citados a seu tempo. Em louvor aos incidentes de telegrafia sem fio aqui considerados, mr. Campbell refere-se a um caso pessoal, no qual, durante uma expedição no país dos Ashantes, separou-se de seus companheiros, dirigindo-se, em marcha forçada e ininterrupta, para a costa onde, lá chegando, soube por um indígena da morte dum seu companheiro.

A notícia tornou-se verdadeira e não havia possibilidade do indígena ter sido informado por vias normais, levando-se em conta que mr. Campbell tinha chegado à costa após uma enorme jornada.

Mr. Campbell assim prossegue: "O massacre duma expedição de brancos na região dos Benin foi conhecido pelos indígenas da Costa do Ouro duas horas depois da tragédia.

O afundamento do couraçado Vitória chegou ao conhecimento dos indígenas muito tempo antes que a notícia fosse telegrafada para nós.

Um magistrado de King-Williamstown contou-me que, durante uma guerrilha na fronteira, o filho dum chefe, que se encontrava entre os combatentes, apresentou-se na corte com a cabeça raspada (ele era empregado do escritório). O magistrado, sabendo que aquilo era um sinal de luto para os nativos, perguntou quem tinha morrido. O jovem respondeu que seu pai tinha sido morto no último combate na fronteira, designando também a localidade onde jazia seu cadáver. O magistrado não podia acreditar nas suas palavras, visto como, para ele, não havia chegado telegrama da frente. Mas os telegramas não tardaram a chegar e forneciam particularidades sobre o encontro havido e confirmavam em tudo as afirmações do jovem indígena.

Outro caso recente: Às nove horas da noite, doma das segundas feiras passadas, um jovem pastor foi atacado num campo por um touro furioso. Defendeu-se com um forcado de ferro e, na trágica luta, assim como o touro, que o jovem deixou mortalmente ferido, ambos estavam, antes das dez horas da manhã, mortos. As doze do mesmo dia, o inquilino do senhor B., residente a 48 milhas de distância da cena do drama, escreveu ao proprietário senhor A. uma carta sobre negócios na qual se lia este post scriptum: 'Neste momento, os meus cafres informaram-me que nosso pastor matou o touro vermelho de Devon com uma faca grande e que ambos morreram. Alimento esperanças de que se trata duma mentira dos cafres'. Esta carta havia sido enviada ao proprietário por um mensageiro a cavalo, às 12h30".

Mr. Campbell assinala que, nos dois últimos casos citados, a notícia viajou em menos da metade do tempo requisitado para que fosse levada a cavalo, bastante veloz, sem contar que se trata dum país quase virgem e sem estradas. Depois, acenando para uma outra faculdade dos indígenas, a do instinto de orientação, ele observa: "Pegue um indígena Bushman, venda-lhe os olhos firmemente, transporte-o a alguma distância, atravesse campos, florestas e águas; depois, liberte-o e ele voltará rápido ao ponto de partida. Os selvagens possuem o instinto de orientação como os pombos-correio. Analogamente, mr. Lerche (um engenheiro com vasta experiência sul-americana), disse-me que, quando explorava as florestas virgens do interior do Brasil, havia encontrado com surpresa que, por mais longas, tortuosas e errantes fossem as marchas realizadas no dia, através da floresta, seus índios sabiam sempre dirigir-se rapidamente ao acampamento que servia de base para eles, precisamente como a agulha magnética da bússola se dirige infalivelmente para o pólo magnético".

A propósito dessa última faculdade dos selvagens, lembro-me de que na monografia sobre Enigmi della Psicometria (caso IV, Luz e Sombra, 1920, págs. 239/42), expôs um incidente interessantíssimo, do qual podia se deduzir, de maneira um tanto sugestivo, que o instinto de orientação dos pombos-correio consistia num fenômeno sui generis de visão a distância. Sendo assim, então, com maior razão dever-se-ia concluir analogamente na categoria o instinto de orientação dos selvagens.

Ao mesmo tempo, repito que não é possível resolver o outro quesito que verteu do fato de que entre os povos selvagens, ou também somente da raça não-européia, as notícias difundem-se com fulminante rapidez, sem recorrerem analogamente a qualquer modalidade sui generis de telepatia ou de clarividência, ou de clariaudiência, segundo os casos. Isso aparecerá de modo definitivo nos episódios multiformes e altamente sugestivos que me disponho a referir.

***

O seguinte episódio refere-se à guerrilha que em 1914 se desenrolou na colônia alemã, simultaneamente com a Grande Guerra européia.

Retirei-o da Light (1930, pág. 437), e foi originariamente publicado na Revista das Missões: East Africa. O correspondente inglês da revista encontrava-se naquele tempo prisioneiro dos alemães em Kilimatinde, na colônia oriental pertencente a esses íntimos e é ele que refere o que segue: "A companhia dos soldados indígenas residente em Kilimatinde havia sido enviada para o fronte de Mosci-Ashura. Uma tarde, nos acantonamentos indígenas, soaram gritos, lamentos e choros desesperados que se prolongaram a tal ponto durante a noite, que encolerizaram o comandante, que enviou uma ordem de parar. Eram as mulheres dos guerreiros enviados ao fronte que se comportavam assim. Malgrado a ordem recebida, continuaram com um prosseguimento continuo dos seus choros e lamentos. Haviam explicado que pranteavam a morte de seus respectivos maridos, mortos nos combates no fronte. Sabendo disso, o comandante tentou acalmar esse desespero, dizendo que seu choro não tinha razão de ser porque, se tivesse havido um combate, ele teria sido informado por telegrama, pelo capitão da companhia, senão que este ultimo havia informado durante o dia que nada havia sucedido a ser assinalado. Malgrado essas animadoras notícias, as mulheres não se convenceram e, durante a noite e no dia seguinte, continuaram na sua crise de períodos de choro e lamentos.

Finalmente, no terceiro dia, veio um telegrama atrasado, que informava que o combate acontecera efetivamente. Seguia a lista dos mortos. A telegrafia sem fio dos negros havia vencido a telegrafia com fio dos brancos.

No episódio exposto, a deficiência de maiores particularidades precisas impediu a apreciação do valor teórico. Não se sabe se foram todas as mulheres dos guerreiros no fronte as que compareceram à cerimônia fúnebre de lembrar genericamente os seus maridos mortos na batalha, ou se, ao invés, fossem apenas as mulheres dos mortos que assim se comportaram. Nesse segundo caso, o fenômeno de clarividência telepática tornar-se-ia espantoso. No primeiro caso, não deixaria de parecer importante, mas dentro dos limites dos episódios do gênero.

Esses outros episódios - o primeiro dos quais é análogo ao precedente - são ainda mais notáveis pela precisão dos dados e pela enorme distância na qual se realizaram os eventos visualizados.

Retirei-o do livro do explorador inglês Calvert Wells: Light on the Dark Continent (pág. 177).

Ele resume: "De todos os fatos interessantes por mim observados entre os indígenas da África Central, nenhum pode ser mais maravilhoso e perturbador do que seu sistema de telegrafia sem fio. Enquanto que entre os povos civilizados só há pouco tempo contemplavam com espanto o prodígio do Rádio, os povos primitivos, desde tempos imemoriais, foram sempre capazes de receber e enviar mensagens a centenas de milhas de distância, praticamente com um processo instantâneo...

Durante a guerra com os Boers, em cujo território não existiam meios de saída para transmissão de notícias, se era regularmente informado em Bulawayo sobre o que sucedia em Ladysmith, a 500 milhas de distância, a qualquer hora de intervalo de tempo dos acontecimentos.

Em 1903, todos os homens válidos eram enviados a Zomba (Nyassalandia), na Somália, para uma expedição punitiva. Um único oficial permanecia atrás para a vigilância do acampamento. Certa vez, após a janta, lá pelas três horas da manhã, ele ouviu gritos e choros no acampamento dos guerreiros casados. Mandou um guarda informar-se sobre o que estava acontecendo e este voltou contando que a nossa expedição na Somália tinha sofrido inesperadamente uma tremenda derrota, na qual haviam morrido seis sargentos maiores indígenas.

No devido tempo, veio a se saber que o combate tinha sido em Berbera, quer dizer, a duas mil milhas de distância de Zomba, às 2h30 da tarde do mesmo dia. Além dos sargentos maiores indígenas supra-indicados, foram mortos o coronel e numerosos oficiais brancos, enquanto o batalhão foi quase todo aniquilado. A notícia do desastre foi conhecida em Zomba meia hora depois do acontecido! Eram requeridas, ao invés, algumas semanas para receberem-se notícias por meio dos correios costumeiros.

Esse outro incidente aconteceu com um amigo do relator. Encontrava-se na África, empregado numa grande plantação de café, cujo proprietário era um coronel. Este último foi um dia à caçada de elefantes e alguns dias depois, um chefe indígena que pertencia à fazenda, comunicou a notícia que o coronel havia matado um elefante às 9h00 daquela manhã. Eram 10h30. Naturalmente, o amigo do relator indagou do indígena o que havia feito para saber disso, mas este limitou-se a dar um sorriso misterioso e observou: 'Recebi a notícia' e não quis explicar-se melhor.

Depois de alguns dias, o coronel voltou e confirmou haver matado um elefante na manhã do dia indicado pelo indígena, precisamente às 9h00 da manhã.

Soube-se depois que o chefe indígena gozava duma grande reputação na sua tribo pelas suas qualidades de vidência no presente, no passado e no futuro. Ele não tomava drogas de nenhuma espécie, mas, depois da segunda refeição, caía freqüentemente no sono, durante o qual recebia mensagens de vidência através do espaço e do tempo".

O relator observou: "Enquanto entre os povos civilizados só há pouco tempo vêem com surpresa o prodígio do Rádio, os povos primitivos, desde tempos imemoriais, foram sempre capazes de receber e expedir mensagens a centenas de milhas de distância, isso praticamente num processo instantâneo".

Ora, assim como o fato é incontestável, não significa que a analogia com o Rádio poderia apenas resultar unicamente numa analogia, senão a explicação autêntica do fenômeno.

No mecanismo do Rádio nota-se que as vibrações fônicas humanas e musicais vêm transformadas em vibrações elétricas do aparelha transmissor, na forma em que elas viajam instantaneamente pelo espaço em ondas esféricas. De modo que são infalivelmente captadas por todos os aparelhos homólogos sintonizados no mesmo comprimento de onda, aparelhos que cumprem uma função diversa da do transmissor, transformando as vibrações elétricas nas mesmas vibrações fônicas humanas e musicais que haviam gerado o dado sistema de ondas elétricas viajoras.

Sucede que, se assim se passa no mecanismo do Rádio, deveria haver algo semelhante no mecanismo psíquico, misteriosíssimo, da subconsciência humana. Vale dizer que, quando a faculdade subconsciente de um sensitivo já se encontra em relação psíquica com pessoas distantes que estão sob uma grave crise emocional, isso correspondendo à sintonização do mesmo comprimento de onda dos aparelhos de Rádio, deveria determinar o mesmo fenômeno de reversão, em que o aparelho humano receptor captaria as vibrações psíquicas geradas pela crise emocional na qual se encontra a pessoa distante que, inconscientemente, funciona como agente, transformando-as em representações visuais-auditivas, reproduzindo no seu sensório os acontecimentos dos quais foram gerados.

Vou ressaltar neste ponto que tudo isso é quanto já se estabeleceu nos fenômenos de telepatia propriamente dita.

***

Retiro os seguintes episódios duma conferência que o doutor G. B. Kirkland, oficial médico do governo da Rodésia, fez em Londres, sobre Magia degli Africani, conferência interessantíssima, reproduzida nos maiores jornais ingleses e que a Light, da qual me valho, reproduziu na íntegra (1935, pág. 54).

Dr. Kirkland observa: "Estranho paradoxo verdadeiramente este dos povos ocidentais os quais, à medida que avançam na civilização, regridem, outro tanto, no conhecimento sobre a verdadeira natureza da psique humana, ou, se se quiser, sobre o quanto eles se retardam no conhecimento autêntico a esse respeito...".

Depois desse preâmbulo, ele passa a referir numerosos episódios da ordem supranormal por ele colhidos e alguns observados pessoalmente. Referindo-se ao assunto aqui considerado, ele observa: "Pressupõe-se no Ocidente que o fenômeno da difusão prodigiosa de notícias entre os indígenas, explica-se com o fato de que eles, por meio do 'tom-tom' de tambores, transmitem uma espécie de alfabeto Morse. Mas tudo isso é pura fantasia. São unicamente tribos que recorrem ao tom-tom dos tambores para o agrupamento dos guerreiros ou para outras grandes ocasiões, mas tudo se limita a isso... É verdade, porém, que os indígenas possuem muitos outros sistemas para transmitir as notícias. Vou citar dois exemplos do gênero que me dizem respeito.

Veio trazido ao hospital um indígena com o fígado atingido por uma facada com que um outro indígena, alcoolizado, o havia ferido, sem nenhum motivo.

Ele perguntou: 'Estarei ainda vivo amanhã?'. Assim dizendo, parecia muito calmo porque a morte não causa medo aos indígenas. Somos nós, civilizados, a quem ela assusta e essa é uma das tantas desvantagens da vivência dos civilizados. Respondi-lhe francamente que isso era improvável.

Ele ainda observou: 'O sr. acredita que haverá tempo de rever os meus familiares?' De qualquer modo os advirtirei que venham logo". Aconteceu, porém, que a família chegou ainda em tempo para encontrá-lo vivo e isso malgrado habitasse numa aldeia distante umas 28 milhas. Note-se que, nesse caso, posso garantir que não funcionaram os tom-tons dos tambores.

Agora reflitamos um momento. Primeiro: 28 milhas (perto de 50 Km) para percorrer pelas florestas e caminhos impraticáveis, requerem, neste país, 9 horas de marcha. Segundo: Não havia possibilidade nenhuma de avisar a tempo os parentes a fim de que acorressem ao leito de morte. Terceiro: Sucede que o moribundo devia possuir, em si mesmo, um aparelho SOS, para a transmissão imediata do fato ocorrido e o chamado urgente aos seus familiares. Note-se, a propósito, que o diálogo acima, entre o moribundo e eu, tinha ocorrido na hora do ocaso e, antes do alvorecer, sua família estava reunida à volta do seu leito".

Eis o segundo episódio mais espantoso ainda. Uma tarde, em que me encontrava trabalhando, veio a mim um sargento indígena que devia entregar o relatório militar para a Companhia. De repente, vi-o saltar e ficar excitadíssimo, para depois me anunciar: "Inkoos, o homem atleta está morto. Um elefante rompeu seu peito com a tromba".

Ora, Marefu, o homem atleta achava-se na caçada aos elefantes, a 100 milhas de distância. Perguntei-lhe se sabia dizer-me quando isso aconteceu. Ajuntou: "Durante o ocaso". Naquele momento o sol estava no ocaso...

Apressei-me a fazer avisar os parentes, a nenhum dos quais passou pela cabeça contestar o fato, pois que as manifestações dessa natureza são comuns no país.

Ademais, o acontecimento tornou-se absolutamente verdadeiro em todos os particulares.

Declaro que essa capacidade dos indígenas parece tão surpreendente quanto perturbadora. Eles podem, se assim desejarem, arrancar os segredos de qualquer um, compreendendo naturalmente os brancos. Desses últimos, eles conhecem todas as qualidades, mas também conhecem todos os sinais dos crimes contra os povos subjugados e eles resumem tudo numa síntese desoladora para a moralidade dos brancos.

O primeiro dos incidentes expostos parece teoricamente precioso quando resulta duma percepção de eventos ocorridos a distância, sem dúvida uma "transmissão intencional do pensamento a distância que é, como dizer, um fenômeno de telepatia propriamente dota, revelando com isso a real natureza psíquica do misterioso fenômeno da transmissão de notícias entre os povos primitivos.

O segundo incidente torna-se um complemento do primeiro, que parece, por sua vez, um fenômeno de percepção telepática imediata dum evento dramático ocorrido a distância, percepção devida à relação psíquica que já unia o agente ao percipiente, sob a forma de convivência e amizade.

O primeiro incidente revive na mente alguns incidentes análogos de transmissões telepáticas intencionais entre os vivos, incidentes por mim citados na monografia sobre casos dessa natureza, e o segundo lembra alguns outros episódios característicos de telepatia, nos quais aparece ao percipiente a visão cinematográfica de acontecimentos que se realizam a distância e nos quais o protagonista é pessoa vinculada afetivamente a ele. Assim, como exemplo, num caso citado no Phantasms of the Living da Society FPR, acontece ao percipiente visualizar, de repente, o espetáculo duma faísca que cai diante do cavalo montado pelo seu pai, lançando uma chuva repentina de centelhas. E algumas horas depois, chega o pai a cavalo e conta o mesmo incidente terrificante, ocorrido no instante preciso em que ele visualizava o filho.

Ora, analogamente, no nosso caso foi imprevista ao percipiente a visão dum elefante que, com a tromba esmagava o peito dum seu amigo.

Daí procede que, pelos resumos desses exemplos que se correspondem, ocorridos nos casos de comunicações telepáticas entre vivos, tanto no sentido da transmissão quanto no da percepção de acontecimentos realizados a distância, pode-se considerar estabelecida a verdadeira natureza das transmissões de notícias entre os povos primitivos: eles, no fundo, não tornam nem mais nem menos misteriosos os casos comuns de telepatia propriamente dita. Assim, pois, é de se ressaltar que, os povos primitivos que têm empiricamente cultivado, por séculos, essa faculdade inerente à subconsciência humana, se tornam mais avançados ao usá-la para os mesmos fins como acontece com os povos civilizados. O dr. Kirkland tinha mesmo razão.

***

O caso seguinte trata igualmente dum evento de caçada grande, percebido a distância, mas com particularidades que implicam manifestações supranormais de outra natureza.

Retirei-o do livro intitulado In Africa dal Capo al Cairo, do antropólogo Lídio Cipriani (págs. 440-445).

Narra que, encontrando-se no Congo Belga, região de Ituri-Nellè, na aldeia de Mangbettu, decidiu, juntamente com o sr. Fontaine, residente há muito tempo em Mangbettu, ir à caçada de búfalos. Acompanhados por três guias indígenas, chegaram, ao amanhecer, depois de longa marcha, numa clareira na qual pastavam uns quarenta búfalos. Dispararam contra a manada nove balas de espingarda, matando quatro.

E continua assim: "Não é muito freqüente, certamente, matar quatro búfalos em poucos instantes, disparando nove balas como havíamos feito. Os indígenas que nos serviam de guias ficaram contentíssimos, tanto mais que sabiam que receberiam uma boa porção de toda aquela carne e, cheios de alegria, arremessaram com força a lança no corpo das vítimas, atirando, por prudência, de uma certa distância, para melhor se convencerem de que estavam mortos...

Como o calor se tornara excessivo, o sr. Fontaine retirou-se para a sombra duma árvore e eu pus-me a afastar os muitos insetos atraídos pela presença dos quatro búfalos mortos. Todavia, dois dos nossos homens haviam partido à procura de gente de sua aldeia que pudesse ajudar a levar dali aquela carne. Nós, com o terceiro homem, permanecemos à espera no local. As horas passavam e, sob um sol ardente, os nossos búfalos logo incharam como odres, dos quais só apareciam as patas, as cabeças e as caudas. Esta íntima particularidade, unida ao número das balas disparadas, tem sua importância para avaliar o que segue. Imersos na relva alta, os quatro animais, embora inchados, eram visíveis apenas vistos do alto, e para fotografá-los juntos, deveria ser necessário derrubar a vegetação que se metia de permeio. A aldeia de onde as pessoas viriam era muito distante, pelo que nos dispusemos a esperar muito.

Quase cinco horas já haviam transcorrido quando, do outro lado daquele previsto por nós, vimos surgir um grupo duns quarenta indígenas... Não pequena foi nossa surpresa em ouvir sua narração, tratando-me corretamente por sr. Fontaine. Não se tratava dos nossos homens, mas de outros que, de muito longe, haviam ouvido nossos disparos. Para terem razão quanto aos disparos, narraram que se dirigiram ao seu feiticeiro, homem reservado, capacitado para opinar sobre coisas extraordinárias. Pretendiam realmente ter sabido por ele da morte dos quatro búfalos e sobre nossa intenção de doar a carne para os indígenas. A história pareceu-me pouco persuasiva, embora enfeitada com particularidades de vários gêneros, entre as quais o de terem sido guiados por ele, com toda a segurança, na direção certa do lugar onde os búfalos jaziam. Mais verossímil me parecia, pelo contrário, ter havido um acordo com os nossos dois homens que partiram primeiro e um desejo dos novos indígenas que chegaram de justificarem com aquela história, sua vinda sem serem convidados. Não escondi, então, num tom de gracejo minhas convicções; mas eles, com aquela sinceridade própria de todos os negros, insistiam nas suas afirmações e asseguravam não ter recebido nenhuma notícia pelos nossos homens que haviam partido noutra direção... O fato apresentava-se desse modo muito misterioso.

Soube que o suposto feiticeiro, ou adivinho, fazia parte do grupo que tinha chegado e pedi que me indicassem. Percebi, então, como ele agitava alguma coisa diante da orelha esquerda. Curioso, aproximei-me dele e tive tempo para ver que, na mão esquerda, tinha um pequeno objeto de madeira de aparência insignificante. A pedido do sr. Fontaine, justificou a posse do objeto, inventando uma nova história, pronunciada com a maior naturalidade a respeito de algo admitido pelo senso comum. Aquele objeto servia-lhe, nada menos, de ligação com os espíritos dos quais podia ouvir a voz, esfregando-o e aproximando da orelha as duas partes das quais o objeto se compunha. Envolvido num forro feito de casca de árvore, ou melhor, num pedaço de pano de lã obtido ao trabalhar no preparo de certas plantas, como desde os tempos imemoriais fazem os indígenas do Uelè, o objeto mantido úmido num feixe de folhas frescas, colocado sob o pano de lã, fazia ouvir um grito agudo devido ao atrito feito ao girar um pedaço cônico de madeira compacta dentro duma fôrma bastante suficiente para contê-lo. De acordo com o feiticeiro, aquele grito agudo traduzia-se para ele em palavras claras e assim recebia as mensagens do lado de lá! Solicitado por mim para dar uma prova da sua... faculdade, não se fez de rogado e, na mesma hora, apressou-se a pedir uma recompensa, fiel ao inveterado hábito de todos os indígenas africanos, aos olhos dos quais os Brancos são os mais generosos dos homens. Indicou-me os quatro búfalos ainda deitados na relva, distantes dele e dos seus acompanhantes e indicou-me, de longe, um, depois outro e com exatidão, como sendo dois machos e duas fêmeas. Essas últimas, disse-me, estavam prenhes, mas numa delas o vitelinho era apenas do tamanho de seu punho, enquanto que o da outra era já maior, e me pedia como presente para comê-lo como um delicadíssimo alimento.

Não fiz objeção nenhuma à proposta, mandando abrir o ventre dos dois animais para confirmação da sua resposta, para que os homens por nós chamados fossem também junto. No entretempo, procurei por minha conta compreender de que modo o adivinho poderia ter recebido o sinal. Nenhuma dúvida de que o estado de extremo inchaço devido ao calor escaldante teria impedido a qualquer um semelhante diagnóstico, pronunciado com tanta segurança, enquanto nenhum de nós havia pensado em tal possibilidade.

As coisas começavam a tornar-se interessantes e suscitavam em mim uma imensa curiosidade. Para o sr. Fontaine, pelo contrário, a narração parecia aceitável, porque sabia, por experiência própria, que os indígenas do local eram capazes de semelhante prodígio e de muito mais ainda! Ferozes canibais em outros tempos e ainda não amansados, eram dos que acreditavam no uso de adivinhações parecidas também para a pesquisa de suas vítimas humanas destinadas à panela. Para aproveitar essa espera, fotografei o adivinho e alguns de seus companheiros e negociei também o objeto divinatório. O búfalo inteiro e não apenas o feto seria dado ao adivinho se ele tivesse preconizado a verdade. Em troca, eu teria aquele objeto para tornar-me adivinho por minha vez, e para evitar uma surpresa, tomei posse logo dele. Não obstante, pela inigualável troca seu proprietário não demonstrou entusiasmo.

É supérfluo dizer o resto. O adivinho tinha razão em todas as particularidades e eu fiquei com uma grande interrogação dentro de mim...

Em Paris, pude levar aquele objeto para doá-lo ao Institut Métapsichique Internationale, sediado em Paris, por iniciativa italiana, presidido por um personagem ilustre da ciência francesa, Charles Richet, onde me expuseram muita coisa com relação às minhas dúvidas...".

Assim termina seu relato o antropólogo Lidio Cipriani. Aquilo que em Paris presumivelmente lhe haveria explicado o doutor Osty, que o objeto do qual se servia o feiticeiro para as suas adivinhações tinha a sua razão de ser; não só por si mesmo, mas porque o feiticeiro acreditava cegamente na sua portentosa eficácia no sentido desejado, e que pelo efeito de auto-sugestão facilitava a emersão das faculdades supranormais subconscientes do feiticeiro-adivinho. Assim como psicologicamente ele evidentemente pertencia à classe dos audientes, a emersão nele das faculdades divinatórias realizavam-se sob forma duma voz subjetiva a qual parecia confundir-se com os chiados do objeto por ele manipulado, pelo que ele havia inferido que, se os outros percebiam unicamente os chiados, então isso significava que a tradução dos chiados, na linguagem dos espíritos, somente ele podia ouvi-la.

De qualquer modo, é fato que ele não só percebeu à distância o que disparos significavam, dirigindo-se logo àquela parta, seguido pelos outros com a esperança de participar dos despojos; mas chegando no lugar, soube dizer, sem ver os búfalos, o sexo dos mesmos, e o que é mais importante, revelar, dum modo preciso, que as duas fêmeas estavam prenhes e designar também o grau de desenvolvimento dos fetos. Ora, esses últimos particulares exorbitam dos limites da clarividência telepática para converterem-se em episódios autênticos de visão através dos corpos opacos, modalidade esta íntima pertencente à categoria dos fenômenos de telestesia (percepção a distância das coisas inanimadas e isso em condições de rejeitar que o sensitivo tinha atingido o que está registrado nos recessos mnemônicos da subconsciência dos outros).

Tiro o episódio seguinte da Revue Spirite (1932, pág. 476).

Mr. Stéphane Faugier, encarregado pelo governo holandês de proceder a uma investigação sobre os cortadores de cabeças da ilha de Borneo, apresentou um trabalho magistral sobre costumes das tribos em questão, no qual se lê este episódio:

"A aldeia está em efervescência;o velho sangue que parecia estancar-se na inação, acordava. Está se preparando uma audaciosa e perigosa expedição. A guerra de tribos está para ser retomada e a tribo da qual o chefe é Tundo, encontra-se reunida, pronta para a ação na praça da aldeia. Tundo fala, inflamando a imaginação dos jovens. Se partirá imediatamente para a guerra e cortar-se-ão, então, muitas cabeças. Tundo não tem mais do que pronunciar a ordem de marchar, quando surge esbaforida uma mulher gritando: 'O tambor fala'!

Os guerreiros assombrados param, e Tundo precipita-se para a cabana onde se encontra o tambor falante. Agacha-se sobre a esteira, observando intensamente o instrumento que está suspenso no forro do teto por uma Gordinha de palmeira. Suas paredes de madeira, vazias, vibram abertamente. Não se percebeu rumor nenhum, mas o tambor e a pele esticada do mesmo vibram docemente, sem interrupção, como uma panela enorme em ebulição. Com a mão esquerda, Tundo toca delicadamente o tambor, fazendo-o girar lentamente sobre si mesmo, como se faz para orientação no dispositivo dum Rádio. Quando o tambor ganha uma orientação leste-oeste, as vibrações cessam bruscamente, para depois retomarem quando a orientação aproxima-se da direção norte.

Tundo anuncia:

- A mensagem vem de Kolam.

- E que coisa dizem em Kolam?

- Não chego a interpretar bem. Nossos velhos sabiam muito bem interpretar as vibrações do tambor, mas estão todos mortos. De todo modo, quem fala deve ser o ancião da tribo. A mensagem é longa e complexa, mas em substância, ela aconselha, de modo claro e explícito, para suspender nossa marcha.

De tarde, chegaram os mensageiros da tribo mencionanda para anunciar que os soldados holandeses haviam se posto em marcha para dispersar os invasores; fato que havia induzido a tribo invasora dos Olo-Ott a retomar o caminho do norte. Uma vez mais, os brancos haviam mantido a ordem no país".

O redator da Revue Spirite comenta nestes termos: "Não é por certo perturbador, na sua simplicidade, esse episódio em que o pensamento agisse voluntariamente numa distância relativamente enorme sobre a pele esticada dum tambor, fazendo-o vibrar? Surge manifestamente que nesse caso o tambor-antena funcionava como aparelho receptor, rudimentar, duma telegrafia sem fio, muito mais maravilhosa do que a conhecida por nós, e esta outra forma, ainda não praticada no ambiente civilizado, que se chama telepatia... É para pasmar e assombrar... A natureza forneceu instrumentos maravilhosos, mas o difícil está no saber empregá-los...".

As reflexões do redator da revista são apropriadas. Mas o que torna o episódio interessante, consiste no fato de que, desta vez, o impulso telepático, antes de resultar de ordem subjetiva, quer dizer, de pura transmissão de pensamento de cérebro para cérebro, agiu fisicamente sobre a matéria, fazendo vibrar a pele esticada dum tambor. Na casuísta telepática se enumera um bom número de episódios análogos, embora permaneçam sempre entre os mais raros da mesma casuística.

Myers teria feito objeto dum estudo especial e teria concluído que, em circunstâncias semelhantes, não podendo unicamente tratar-se de pura transmissão telepática do pensamento, dever-se-ia presumir que o agente, em união com a transmissão do próprio pensamento, devesse inconscientemente projetar algo de substancial no sentido etérico, implicando uma invasão psíquica no ambiente no qual se orientava o pensamento, determinando, com isso, seja visão do próprio fantasma perceptível coletivamente por todos os presentes, seja uma ação física qualquer sobre a matéria. E esse seria o caso no episódio exposto.

Essa espécie de manifestações foi designada por Myers com a denominação de fenômenos de psicorragia.

III

Clarividência no Presente, no Passado e no Futuro

Parece, na verdade, empresa árdua esta de dispor ordenadamente, numa classificação, os casos pertencentes à presente subdivisão pois que, a maioria dos mesmos, contém incidentes discrepantes, assinaláveis nos três grupos de manifestações enumeradas, como não apenas também em parte classificáveis mais ou menos legitimamente no grupo da Clarividência Telepática. Interpretação esta última que poderia julgar-se a mais atendível nesses episódios complexos e intrincados que irei citando.

Contudo, essas hesitações nas classificações não parecem superáveis e assim sendo, no fundo, são os fatos que contam (embora sua distribuição ordenada torne-se indispensável para facilitar o estudo), os leitores pensarão o mesmo ao assinalar a que categoria lhes pareceu a mais indicada.

Começo com dois episódios de Visão através dos Corpos Opacos, fenômeno que pertence agora à Clarividência no Presente (telestesia).

Tiro esse episódio do livro do prof. Beonio-Brocchieri, Cieli di Etiópia (págs.114-115). O autor havia sido convidado pelo Corriere della Sera, na região da Dancalia, para descrever as operações militares naquele setor.

Ele escreve: "Na aldeia em que me encontrava, vivia uma espécie de santarrão indígena, que ajudava algumas vezes a estabelecer as coligações. É também rapidamente mencionado no livro de Franchetti: o negro Abdalla-Issa. Um homem de se ficar de olho nele desde o primeiro dia com especial atenção. Abdalla-Issa vivia numa cabana redonda, revestida de esteiras, de acordo com o uso local... Não se movia nunca do seu tugúrio... Na lembrança dos homens, todos o haviam sempre visto ali, estirado no chão, à direita da entrada, com a cabeça apoiada numa pedra, braços abandonados ao longo do busto, olhos fechados, boca fechada, imobilidade absoluta. Eu mesmo fui conduzido um dia para vê-lo e causou-me sinistra impressão. Uma espécie de múmia seca. Estava ali há 20, 50 ou 100 anos, ninguém sabia. Estava morto, vivo, embalsamado, ninguém sabia. Entre os indígenas, porém, era geral a convicção de que o "morto", à noite, punha-se, de pé, num salto, e saía de casa sob a forma de animal: hoje, chacal, amanhã, hiena, depois, víbora etc.

Isso aumentava o fascínio misterioso de Abdalla-Issa, homem astuto e inteligentíssimo.

O dia em que, junto com Franchetti, vimos aparecer o jovem Litta, ele o cumprimentou com tanta cerimônia, falando aquele italiano com os verbos no infinito, que constituía a língua típica dos indígenas.

Depois, com ares de desprezo, lhe disse: 'Tua casa, no país onde resides, foi feita assim e assim' e descreveu-lhe, por gestos e sinais, a planta da casa, na rua Pântano I, em Milão: o terreno, as colunas, as escadarias e outras coisas ainda. Poderia ser um truque? O tratante talvez tivesse reconstruído todas essas coisas, ouvindo atentamente alguma conversa. Mas parecia estranho que fosse assim. Poucos dias depois, chegou de Assab um correio com uma carta lacrada para o senhor tenente. Abdalla-Issa estava presente e estava com o ombro apoiado na parede, olhos velados e imóvel, mãos enfiadas no cinturão. Quando Litta estava a ponto de rasgar o envelope, o negro apressou-se, como para detê-lo, e disse: 'Esta é uma carta de tua mãe. Tua mãe diz que teu filho esteve um pouco doente mas agora tudo já acabou. Tudo bem'.

Aberta a carta e lido o que estava escrito, achou-se ser o conteúdo igual àquele que o negro havia adivinhado um instante antes".

Noto que o primeiro dos incidentes expostos pode-se justificadamente atribuir à leitura na subconsciência do tenente Litta. O segundo incidente, ao contrário, exclui, de maneira categórica, essa explicação, visto como o tenente Litta ignorava o conteúdo da carta que lhe chegava naquele momento da Itália.

Tratar-se-ia, portanto, de leitura no envelope fechado, quer dizer, dum fenômeno de telestesia. Além disso, não foi dito que o adivinho soubesse lerem italiano. Sabia falá-lo a seu modo, mas não é provável que tivesse aprendido a lê-lo. E, se assim fosse, então esse incidente assumiria o aspecto dum fenômeno interpretado como psicometria, no qual a carta dirigida ao tenente houvesse servido para estabelecer a relação psíquica entre o negro adivinho e aquele que havia escrito a carta. Nesse caso, também o primeiro incidente poderia indicar a mesma origem, a exemplo do qual a presença do tenente Litta teria servido para estabelecer a relação psíquica entre o adivinho e a moradia do tenente, mesmo em Milão.

Essa espécie de adivinhações é comum nas experiências psicométricas e foram colocadas em evidência pelo escritor na monografia sobre Enigmi della Psicometria.

Esse segundo episódio, que tirei da revista La Ricerca Psichica (1936, pág. 234), é em tudo análoga à anterior e é o próprio prof. Beonio-Brocchieri que o cita numa correspondência com o Corriere della Sera, depois da publicação do seu livro. Essa correspondência é datada do campo de Aba, em Dancalia, momento no qual, tendo a expedição alcançado a meta, foram despedidos os indígenas que haviam servido de carregadores e guias para a coluna em marcha.

Ele observa: "Mas um daqueles selváticos quis, a todo custo, permanecer na coluna, oferecendo os serviços como prático e como guia. É, por exemplo, um tipo formidável, que ninguém conseguiu ainda entender, mas que se torna utilíssimo porque tem um instinto misterioso da água e descobre os mananciais. Um outro tipo, saído do buraco da cratera dum vulcão... rogou para segui-los. É considerado um santarrão; cura, não se sabe como, as chagas tropicais dos ascaris, com um olhar e faz cessar os calafrios da febre. Dizem que ressuscita os mortos e que, à noite, quando roda no bosque, faz as plantas falarem... Tu o vês: um pedaço de filibusteiro, torto, mal feito, caolho, gago e beberão. Ontem, um avião trouxe a correspondência da Itália, e o motorista, apenas descido do aparelho, entregou uma carta para o comandante, como de hábito. Enquanto esse se preparava para abrir o envelope, o santarrão disse tranqüilamente: 'Esta carta que está para ser aberta, te anuncia a doença de um teu irmão; mas te informa também que agora está melhor e logo vai sarar'. O comandante começou a ler e arregalou muito os olhos. Exatíssimo. Estavam cinco brancos na tenda, que se entreolharam sem respirar...

Era o primeiro atendente do chefe (um moleque de dezesseis anos) que advertiu sobre a aproximação do trimotor S. 81, com uma antecipação de nove ou dez minutos, no momento em que apareceu no horizonte, isto é, à distância de quase cinqüenta quilômetros. Gente misteriosa, gente mágica. Agradável viver entre eles".

Também pelo incidente exposto, tornam-se apropriadas as conclusões formuladas pelo que precedeu: não poderia, de fato, encontrar-se explicação melhor do que a psicométrica, por esses misteriosos prodígios que se realizaram entre os povos primitivos. Tanto mais que, nesse caso, é mais do que presumível que o santarrão torto, caolho, gago, não soubesse ler na nossa língua, presunção mais do que legítima, visto que as tribos africanas não conheceram jamais o uso da escrita das linguagens que falamos.

Saliento ainda que a brilhante página do professor Brocchieri vale também para demonstrar a variedade de mistérios psicológicos prodigiosos, presentes na mente dos povos primitivos. Sendo assim, é de augurar-se que, com o nosso ingresso civilizador na Abissínia, se desenvolvam pesquisas sobre a psique dos primitivos, pesquisas portadoras de fecundos conhecimentos preciosos para a ciência e o conhecimento aprofundado do espírito humano, considerado no seu complexo integral: consciente e subconsciente.

Até agora, pelo contrário, a ciência oficial limitou-se a indagar magistralmente sobre o setor consciente da psique humana, ignorando totalmente a existência dum setor subconsciente, muito mais vasto e maravilhoso. Erro deplorável, que deu origem e domínio à concepção materialística do ser. Nenhuma dúvida para qualquer pessoa que se limite a considerar as funções da psique no estreito círculo da personalidade consciente; para qualquer, isto é, que ignore a existência duma ciência que pesquisa, ao invés, as faculdades subconscientes da psique humana; nenhuma dúvida que, para qualquer pessoa que se comporta assim, tudo converge para demonstrar que o "pensamento é função do cérebro". Assim pensava também eu, quando milhava entre as fileiras do positivismo-materialista, e também hodiernamente reconheço que tinha razão de pensar assim, pois, confinado nesse círculo de indagações, a teoria materialista é fortíssima e com maior razão absolutamente inabalável.

Assim, daquele dia em diante, sob o horizonte de tudo o que se pode saber do ser humano, surgiu o alvorecer radioso da nova Ciência da Alma que foi denominada de Metapsíquica, a quem foi transmitida a tarefa gloriosa de inverter radicalmente as conclusões a que chegam os propugnadores da teoria materialista, demonstrando, sob a base dos fatos, que o homem é um espírito também encarnado, e que a teoria materialista não é mais do que o fruto acerbo de conclusões apressadas, com as quais pretendia-se, em boa-fé, formular conclusões gerais, em base a investigações parciais, antes mesmo, parcialíssimas.

Retiro o caso seguinte da Light (1933, pág. 241). Mrs. Glen Hamilton, de Winnipeg, no Canadá, referiu-se a um interessante episódio de clarividência por intermédio duma mulher índia. O relato é longo, pelo que vou resumi-lo nas partes essenciais.

"Ela narra que, em 1903, no princípio do verão, o vescovo Newnham, da diocese de Moosonce, deixou sua residência de Moose Factory, para visitar alguns centros muito distantes da sua enorme diocese. Havia sido estabelecido que, pelo final de agosto, ele se encontraria num dado ponto duma baía distante, onde esperaria uma escolta de índios, com encontro marcado. Na data estabelecida, a escolta de índios encontrava-se no local, esperando inutilmente o seu retorno. Quando as provisões acabaram, os índios tiveram que voltar para Moose Factory.

Passou agosto, passou setembro e vescovo não voltava. Seus familiares se encontravam em grande angústia, tanto mais que no mês de outubro chegaria justamente o inverno e Vescovo não teria mais podido atravessar a baía em canoa, durante muitos meses.

Numa tarde de segunda-feira, no mês de outubro, a família encontrava-se reunida na sala de jantar, quando entrou esbaforida, a camareira, anunciando: 'Senhora, venha, venha Carlota, a índia, encontra-se na cozinha em condições de moshainy (clarividência). Todos correram para a cozinha para ouvir o que tinha para dizer a vidente. Lá, acocorada no pavimento, estava a velha balançando o corpo e murmurando: "Uma canoa, uma grande canoa deixou neste momento a baía de Rupert's House. Cinco homens estão na canoa. Um branco no meio deles, com o cabelo caído nos olhos, envolto num pesado capote. Uma bandeira esvoaça na popa. Grande chefe este; grande chefe".

A baía de Rupert's House ficava a 120 milhas de Moose Factory. Para atravessar a baía em canoa, levava-se três dias e não havia um outro meio de comunicação além desse... Naquele momento, eram 6 horas da tarde e ninguém, que não tivesse perdido o juízo, teria ousado, em outubro, fazer a travessia nessa hora, onde na baía era noite. Aconteceu que os familiares advertiram a vidente de que ela devia estar enganada. "Não, não", ela respondia, "a canoa está mesmo partindo neste momento. O homem branco está embrulhado nos seus indumentos, com o cabelo caído sobre os olhos. Não parecem novos os indumentos que usa. Talvez seja o nosso vescovo; talvez qualquer outro grande chefe branco. De qualquer modo, estou bem segura de que se trata de um grande chefe branco".

Decidiu-se, portanto, sair, de qualquer maneira, ao encontro, até perto do mar, do suposto grande chefe branco. Mas a espera foi em vão, e a família desiludida, e desolada estava para retomar o caminho de volta, quando se fez ouvir o grito dos índios: "Chiman! Chiman!". Todos surgiram de repente lá fora, mas a noite estava escuríssima. Não obstante, no silêncio da natureza, podia se perceber ao longe o deslizar dos remos que fendiam a água e que se tornava sempre mais distinto. Logo em seguida, percebeu-se ao longe a sombra duma grande canoa que se avizinhava da terra. Na popa, tremulava uma bandeira, quatro índios remavam, e sentado no centro da embarcação, com o cabelo caído sobre os olhos, envolto o corpo num amplo capote, via-se Vescovo. Era aquele quadro exatíssimo visualizado por Carlota.

Passada a primeira alegria do encontro, a esposa perguntou: "Quando foi que você embarcou em Rupert's House?" Vescovo replicou: "Segunda-feira, à tarde, lá pelas seis horas. Durante o dia, fui vítima duma forte dor de cabeça que me impediu de embarcar, mas eu me havia determinado conseguir a qualquer preço; assim eu disse aos meus índios que tencionava partir imediatamente". Carlota, portanto, tinha razão também nesse ponto!

É esse o interessante caso narrado por Mrs. Glen Hamilton, esposa do dr. Hamilton, em todos os pontos notável pela magnífica experiência de materialização conseguida no próprio círculo familiar. Materializações que foram possíveis de ser fotografadas numerosas vezes, sob vários ângulos de perspectiva, mediante cinco aparelhos colocados simultaneamente, em foco, sobre os fantasmas que apareceram.

Tratar-se-ia, no caso exposto, de clarividência no presente, quando não de clarividência telepática? Aqui se encontra como sempre a presença da hesitação. Todavia, a circunstância de que a velha vidente não conhecia o Vescovo da sua diocese, permanecendo em dúvida se se tratava dele, quando não dum outro grande chefe branco, essa circunstância testifica a favor da interpretação telestésica do fato, tendo-se em conta que, se fosse tratado de leitura a distância na subconsciência de Vescovo, nesse caso ela deveria ter reconhecido, sem sombra de dúvida, aquele com o qual se encontrava em relação psíquica direta e, pelo contrário, quando ela tivesse realmente avistado pela clarividência o quadro descrito, nesse caso era natural que, na obscuridade reinante no ambiente visualizado, ela não conseguisse reconhecer claramente pelas feições o homem branco que via ao longe.

Tiro o episódio seguinte dos Proceedings of the SPR (vol. XIV, pág. 345). O dr. J. Shepley que seguiu, na qualidade de médico, a expedição punitiva inglesa contra o chefe indígena Samory publica um longo relato sobre o Ocultismo na África Ocidental, do qual retiro o seguinte episódio, cujo protagonista é um indígena de nome Ferguson, que tomava parte na expedição, na qualidade de intérprete e tinha o dom de projetar a distância a própria inteligência (são essas as expressões por ele mesmo usadas) com o fim de obter informações.

Num período crítico, no qual a expedição militar esperava ansiosamente por reforços já anunciados e não chegados, Ferguson se ofereceu para obter informações a respeito. Dr. Shepley continua assim: "Nós paramos em Wa, esperando ansiosamente os reforços e as provisões que deveriam ter chegado há muito tempo. Ignorávamos o que havia sucedido à coluna enviada em nosso socorro. Nessa incerteza, Ferguson ofereceu-se para descobrir aonde se encontrava a tão esperada coluna. Quando tinha acabado suas práticas, ele contou ter descoberto uma expedição armada numa viagem de leste a oeste, numa certa região que, por motivos políticos, é melhor não nomear. Contou que essa expedição tinha consigo um só homem branco, enquanto que a nossa, esperada por nós, deveria ter três. Acrescentou que não conhecia ninguém da expedição, entretanto, que se se tratasse da coluna esperada, deveria ter reconhecido dois oficiais. Finalmente, observou que parecia ser novidade o uniforme usado por aqueles soldados. Tudo se tornava indecifrável para nós, já que sabíamos que não podiam ser da nossa coluna, em viagem através da região indicada por Ferguson. Mas a explicação do mistério se teve dois meses depois, quando, na evacuação de Wa, voltamos para a costa, encontrando no caminho a outra coluna comandada pelo capitão Donald Stewart, que nos avisou que, passando por uma certa aldeia, foi prudente investigar se era verdade a notícia que circulava entre os indígenas sobre uma coluna militar pertencente a uma outra nação, que tinha passado por aquela aldeia, de Este para Oeste, dois meses e meio antes.

Pode-se imaginar quanto, para mim, tornou-se interessante esta notícia.

Quando nos reunimos na aldeia indicada, achamos que a coluna militar estrangeira havia realmente atravessado do Este para o Oeste e que os componentes da mesma correspondiam, em todas as particularidades, à descrição dada por Ferguson, três meses antes, numa distância de 130 milhas".

Também no caso exposto, a hipótese da clarividência telepática não parece amoldar-se aos eventos, tendo em conta que o indígena Ferguson havia visualizado a distância uma coluna militar pertencente a uma outra nação (Alemanha). De modo que, não conhecendo ele nenhum dos homens que a compunham, não tinha podido entrar em relação subconsciente com nenhum. É de se notar, de fato, que uma das regras metapsíquicas fundamentais, que emergem das análises comparadas dos fatos, consiste na circunstância de que não se pode estabelecer a relação psíquica entre um sensitivo e uma pessoa distante por ele desconhecida, salvo por intermédio duma terceira pessoa presente, que conheça a outra distante, ou por intermédio dum objeto pertencente, há muito tempo, à pessoa distante (psícometria).

Faltando absolutamente essas condições no caso em exame, não significa que pela sua interpretação teórica dever-se-ia chegar à hipótese duma percepção supranormal direta da parte do indígena Ferguson, ou, para usar suas próprias expressões, a hipótese duma "projeção a distância da sua inteligência com o fim de obter informações". Tratar-se-ia, em suma, de telestesia (antes da clarividência no presente) e não, então, de clarividência telepática. E como reforço a essas interpretações, tornar-se-á útil ressaltar que as percepções do sensitivo limitaram-se exclusivamente à aparência exterior dos componentes da coluna militar descoberta; viu-se, isto sim, que nelas havia apenas um homem branco; e viu-se que os homens trajavam um uniforme por ele desconhecido; e viu-se que viajavam de Este para o Oeste. Mas não soube dizer quem eram, a que nação pertenciam e onde andavam; todas coisas que deveria conhecer, no caso de que tivesse colhido as próprias informações da subconsciência dos componentes da coluna militar visualizada.

Retirei o episódio seguinte do journal of the SPR (vol. 1X, pág. 60). O dr. R. W. Falkins, que foi o companheiro de Emin Pascia, em Kartum, publicou um relato intitulado De Kartum à Nascente do Nilo, que contém incidentes parecidos aos de ordem supranormal, entre os quais um episódio de clarividência no presente.

Ele escreve: "Não tinha recebido carta da Europa havia mais de um ano e estava naturalmente muito ansioso para recebê-las. Todavia, conformava-me, porque acontecia freqüentemente que muitas cartas a mim dirigidas deveriam estar colocadas em qualquer parte, mas que não podiam chegar a mim antes de alguns meses, por causa do Nilo que, naquela estação, estava atulhado de plantas boiando. Uma manhã, apresentou-se em nossa tenda um indígena que se encontrava muito excitado. Disse que o m'logo, ou adivinho do país havia, naquela noite, se transformado num chacal para ir visitar uma localidade chamada Neschera-er-Rek (que se encontrava a 550 milhas de distância de Lado, nosso acampamento daquele tempo), e lá havia visto dois pequenos barcos a vapor, num dos quais estava a nossa valise postal. Acrescentou que os barcos eram comandados por um pasciá branco, que descreveu minuciosamente. Não é preciso dizer que, nas condições normais, um homem não teria podido percorrer numa noite 550 milhas, nem mesmo em 20 noites. Escarneci da mensagem e do mensageiro, observando-lhe o absurdo que viera contar. Enquanto eu estava tomando café junto com Emin, este demonstrou-se propenso a dar fé ao que havia sido referido, e, como costume, rogou que ele fosse conduzido diante do adivinho em pessoa. Pouco depois, eles se apresentaram em nossa tenda e Emin dirigiu-lhe uma primeira pergunta em árabe. O adivinho respondeu:

- Sim, a noite passada estive em Neschera-ar-Rek

- Por que foi lá?

- Fui lá para cumprimentar alguns amigos.

- Que coisas você viu?

- Duas lanchas que chegavam de Kartum.

- Oh! Me parece fantasia sua. Você não podia ir e voltar numa noite de Meschera-er-Rek.

- Eu estive lá - respondeu serenamente o adivinho - e posso informar que nas lanchas se encontrava um homem inglês, de pequena estatura, gordo e com uma barba farta.

- Está bem; mas que coisa estava fazendo esse homem? Qual é a sua missão?

- Ele disse ser enviado do grande pasciá de Kartum, que lhe deu muitas cartas para o senhor. Amanhã ele prosseguirá, por via terrestre, e estará aqui numa trintena de dias.

O fato é que as notícias trazidas pelo m'logo foram absolutamente corretas. Depois de 32 dias, chegou um mensageiro inglês no nosso campo, portador de cartas para nós de Kartum. Não apenas, mas com base na descrição que o adivinho havia feito do mesmo mensageiro, nós havíamos compreendido que não podia tratar-se de outra pessoa senão de Lupton Pasciá; e de fato foi Lupton Pasciá que vimos chegar... Quanto ao adivinho, posso afirmar que ele, na condição de homem vivo, não tinha jamais se distânciado da própria aldeia". Pelo episódio citado, parece difícil ajuizar se se trata de clarividência telepática ou de telestesia. O adivinho afirmou ser levado espiritualmente (não tendo em conta o fato presumível de ser licantropia), no país distante do qual se tratava, com o fim de cumprimentar alguns amigos e ocorreu-lhe ver duas lanchas chegarem a Kartum. Podia acontecer que assim fosse, mas poderia também acontecer que a notícia por ele referida tivesse sido obtida conversando subconscientemente com o amigo distante com o qual se achava em relação psíquica.

Essa modalidade de conversação a distância entre duas personalidades subconscientes que se realiza incontestavelmente entre povos civilizados, pode-se conseguir experimentalmente e denomina-se comunicação mediúnica entre vivos, de modo que não há nenhuma razão para não se admitir o mesmo nessas manifestações dos adivinhos pertencentes aos povos primitivos.

Isso posto, dever-se-ia concluir que, se as cognições conseguidas pelo adivinho no caso em exame, não se devam atribuir a um fenômeno de clarividência no presente, também não deveríamos nem classificá-las como um fenômeno de clarividência telepática, mas provavelmente como um caso de conversação mediúnica entre vivos, na qual a personalidade subconsciente do adivinho, no sono, havia entrado em relação psíquica e havia conversado com a personalidade subconsciente do amigo distante, imerso, por sua vez, no sono.

Relembro que na minha monografia sobre Comunicações Mediúnicas entre Vivos, citei as importantes e decisivas experiências pessoais de William Stead a respeito, experiências em tudo análogas ao caso em exame.(1)

(1) - A monografia de E. Bozzano, sob o título: Comunicações Mediúnicas entre Vivos foi publicada com o título de De Mente para Mente.

O capitão Jonathan Carver, citado por Lang no The Making of Religion (págs. 142-145), viajando entre os peles vermelhas da América do Norte, esperava impacientemente a chegada duma expedição que deveria fornece-lhes víveres. Um Jossakeed, ou sacerdote indígena ofereceu-se para interrogar o Grande Espírito para obter informações.

Este o fato precedente. O capitão Carver assim continua: "Logo foi erguida uma tenda de campanha que, todavia, ficou descoberta (coisa insólita), de modo que qualquer um podia ver o interior. No centro, foi construído uma espécie de cesto grande, feito com varas colocadas suficientemente a certa distância uma da outra, para deixar ver o que havia dentro. A tenda foi iluminada com tochas, o corpo do sacerdote foi envolvido numa pele de veado, depois atado ao seu redor com quarenta metros de corda feita com a mesma pele, de modo que ele parecia uma múmia egípcia. Logo em seguida, ele foi colocado dentro do cesto grande. Eu o percebia perfeitamente e tive o cuidado de não desviar mais o olhar dele.

O sacerdote começou a murmurar palavras incompreensíveis, depois, a falar numa gíria dum dialeto muito pouco inteligível; em seguida, a berrar e rezar com espuma na boca, até que, depois de três quartos de hora, pareceu completamente exausto e fez silêncio. Mas, um instante depois, ergueu-se nos pés descalços, coisa que era considerada impossível, dada a maneira como ele estava todo amarrado pela corda de pele e começou a profetizar. Ele anunciou: 'O Grande Espírito não me disse quando os mercadores chegarão, mas amanhã, pouco depois do meio-dia, chegará à terra uma canoa na qual estarão pessoas que te dirão quando os mercadores devem chegar'.

No dia seguinte, um pouco depois do meio-dia, uma canoa chegou a um local distante, cerca de uma milha e os homens nela embarcados vieram dizer que haviam encontrado a expedição dos mercadores, pelos quais haviam sido encarregados de contar que chegariam dois dias depois, o que de fato aconteceu".

Quando se analisam e estudam os casos de clarividência em geral, acha-se que se diversificam quase sempre entre eles da maneira como se realizam. De modo que a explicação teórica que se adota para um, não se concilia com o outro.

Analisando o caso exposto, vou pôr em relevo, acima de tudo, que o sacerdote indígena, antes de entrar em relação com a expedição dos mercadores por ele procurada, entrou em relação com a tripulação de uma canoa que havia encontrado os mercadores. De modo que, antes de anunciar a chegada dos primeiros, anunciam a chegada dos segundos, acrescentando, porém, que eles eram portadores de notícias referentes aos primeiros. E essa última informação verdadeira indica que o sacerdote adivinho não havia unicamente visualizado a distância (telestesia) uma canoa no lago, que se dirigia para o acampamento, mas que tinha essencialmente adivinhado a mensagem da qual os homens que a levavam eram portadores. - Clarividência telepática, então? Provavelmente, embora parcial e indireta.

O episódio seguinte contém incidentes que pertencem a três modalidades de vidência aqui consideradas: Clarividência Telepática, Telestesia e Precognição.

Tiro-o do livro do rev. Padre Trilles, missionário do Santo Espírito, livro intitulado: Fra i Pigmei della Foresta Equartoriale. O rev. Padre consegue penetrar intimamente na vida e nos costumes da tribo de pigmeus, começando por aprender a língua, o que lhe permitiu ganhar a inteira confiança daquela raça desconfiada, até agora fechada às indagações psicológicas dos europeus. A narração que segue foi intitulada pelo autor de O Espelho Mágico.

Ele narra: "No país dos pigmeus, a doença, quando não tem origem nos espíritos, são obra de inimigos do doente, os quais lançaram o malefício sobre ele...

No passado, os espelhos mágicos do pigmeu adivinho consistiam num pedaço de cobre tornado brilhante à força de alisá-lo e poli-lo. Muitas vezes, na falta de cobre, ele se valia dos mananciais da floresta onde eles se expandiam num espelho de água tranqüilo... Hoje em dia, o espelho de cobre, ou a água da fonte, estão quase esquecidos. A civilização ultrapassou também esta parte e o adivinho pigmeu vale-se, para os mesmos alvos, de alguns dos nossos espelhinhos redondos, portáteis, que se vendem por bom preço nas feiras das aldeias européias. Porém, não basta possuir um espelho; pura torná-lo mágico é preciso consagrá-lo".

Segue, nesse ponto, a descrição da consagração; dum espelho do gênero que o rev. Trilles havia oferecido ao adivinho.

Depois do que o relator prossegue assim: "Alguns dias depois da consagração do espelhinho mágico, aconteceu queixar-me com o adivinho sobre o furto duma caixa de carne em conserva, furto insignificante por si mesmo, mas que naquele momento me desagradava por causa da pequena reserva de víveres de que eu dispunha. Isto entendido, o adivinho foi à cata do espelhinho mágico e, depois de haver executado fórmulas especiais de encantamento, declarou-me claramente: 'Vejo o ladrão. É o tal dos tais' e disse o nome dum jovem pigmeu da minha companhia. Em seguida, acrescentou: 'De resto, podes vê-lo tu mesmo no espelho'. - Assim me comportei e, para meu imenso espanto, vi refletir-se distintamente no espelho o vulto do presumível ladrão!

Dirigi-me logo para ele e, interrogando-o com brandura, consegui fazê-lo confessar: era mesmo ele o culpado!

Compreende-se logo que, para nós europeus, o último incidente exposto se explicaria com a sugestão; mas ... é para se ficar perplexo. Eis outro incidente no gênero: "Numa das minhas viagens através da floresta, junto com Monsenhor Le Roy, o adivinho da aldeia onde pernoitávamos descreveu, dum modo inacreditavelmente preciso, o caminho tortuoso por nós percorrido na floresta, o descanso tirado por nós, os vários encontros ocorridos, a qualidade dos alimentos consumidos e, sobretudo, as conversas; uma delas Sue estava muito fora dos hábitos. Havíamos descoberto uma pequena tartaruga e monsenhor observou: 'Para a nossa refeição da tarde poderá bastar'. - Tínhamos ambos uma fome feroz, pelo que repliquei, gracejando: 'No caso dela não bastar, acrescentaremos a cabeça do nosso guia'. Falamos em francês, língua que o adivinho realmente não conhecia. E apesar de não se mover de sua aldeia, ele nos havia visto e seguido no espelho mágico e havia ouvido e compreendido as nossas palestras feitas numa língua por ele desconhecida, inclusive a frase por mim proferida!

Numa outra ocasião, encontrava-me conversando com um adivinho pigmeu. Naquele momento, eu esperava os meus homens que deveriam reunir-se comigo na piroga para trazerem-me provisões e possivelmente a caça. Casualmente, eu tinha de mencionar de passagem o fato ao adivinho, observando: 'Quem sabe se estamos ainda muito longe e se estarão caçando pelo caminho?' - Ele ajuntou: 'Nada mais fácil que eu te dizer'. - Tomou seu espelhinho mágico, concentrou-se um momento, pronunciando alguma fórmula de encantamento e depois informou-me: 'Neste momento, os teus homens encontram-se no ângulo do rio (a uma distância de um dia de piroga). O mais alto dentre eles atirou neste momento com uma bala de fuzil, num grande pássaro que caiu ferido na água. Agora os teus remadores fazem força nas remadas para alcançá-lo e capturá-lo. Eles te trazem as provisões que requisitaste'.

Quando meus homens chegaram, aconteceu que tudo quanto havia descrito o indivíduo era verdade: o tiro de fuzil dado na curva do rio, o grande pássaro atingido, ferido e recuperado na água, as provisões requisitadas. E isso, repito, havia acontecido a um dia da nossa piroga...".

Um outro método de adivinhação em uso entre os pigmeus é esse muito difundido em toda a África: o lançamento dos ossinhos. O rev. Padre Trilles conta o seguinte caso pessoal, conseguido com esse método, no qual a clarividência se exerce no futuro. "Pouco a pouco, o adivinho se exalta; canta, girando vertiginosamente; em seguida, curva-se em arco de círculo para trás, bate violenta e repetidamente a cabeça no chão; depois pula e salta. Comportando-se assim, ele entra num estado de semitranse. Então, emergem suas faculdades divinatórias e vê-se-lo imitar o movimento dos caçadores que descobriram a presa na grande caçada iminente ao elefante. Segue-se uma mímica expressiva, realística, impressionante na luta travada com o enorme paquiderme: o adivinho está identificado com os caçadores e com o ambiente. Depois do que, lança os ossinhos do destino para cada um dos caçadores, designando-os pelos nomes e, em seguida, lança-os para as mulheres que permaneceram em casa, vaticinando a cada uma o que a grande caçada lhes trará: alegria, desprazer ou luto. Em seguida, vem a vez dos filhos, aos quais preconiza se ainda verão seus pais, ou se ficarão órfãos. A real eficiência com que o adivinho mimetiza o que haverá na caçada ao iniciar-se é tal, que dá a ilusão de que os eventos futuros se desenrolam realmente diante dele. No ato em que os caçadores lançam suas zagaias sobre a presa, o adivinho descreve as façanhas de cada um, mencionando quem foge e quem ataca; em seguida, assiste ao espetáculo horrendo de um caçador arrebatado pela tromba, esmigalhado, esmagado pelo paquiderme moribundo; nada há a fazer por esse homem. - Finalmente, ele exalta os vencedores e nomeia os vencidos dessa grande partida para a caça sempre perigosa".

Depois da tal visão realística dos acontecimentos ainda não acontecidos, o rev. Trilles observa:

"E agora vem a circunstância mais impressionante de todas as outras, que é que essas representações se realizaram em todos os mais minuciosos detalhes, tanto pela localidade na qual deveria acontecer, como pelos homens mortos na luta, pelos que foram feridos, pelo número de elefantes mortos, pelos elefantes que conseguiram salvar-se, e pelo número de dentes de marfim obtidos. Tudo verdade! Tudo acontecido!".

Assim termina a narração do missionário que se abstém de tentar penetrar o grande mistério implícito nos acontecimentos descritos e observados pessoalmente por ele mesmo. Prudentemente, limita-se a referir os fatos, deixando para os peritos no assunto a dura tarefa de desentranhar a causa.

De minha parte, não cuidarei certamente de penetrar na causa dos fenômenos interessantes por ele pessoalmente observados, assim como elucidar a modalidade do desenvolvimento, recorrendo aos métodos de pesquisas científicas da análise comparada e da convergência das provas.

E, para começar, observo que o episódio do adivinho que vê ao longe, no espelho mágico, a efígie do ladrão maroto que havia surrupiado um objeto do missionário, deverá considerar-se um belo caso de clarividência telepática e nada mais. Assim como se descobre no mesmo caso uma particularidade teoricamente desconcertaste qual seja que o missionário, olhando no espelho mágico viu, à sua volta, a efígie distintíssima do ladrão. Como explicar um tal fato? Viu-se que o rev. Trilles observa a propósito que, no ambiente europeu, seria considerada essa particularidade como um fenômeno de sugestão transmitida pelo adivinho ao consulente. Depois do que, acrescenta com dúvida: "mas... é de ficar perplexo". - E a perplexidade do relator parece justificada. Em primeiro lugar, porque o fato da transmissão duma alucinação, por uma pessoa normal e incrédula, é uma empresa, a tal ponto árdua, que não existem exemplos no gênero cm toda a casuística hipnótica. O fenômeno poderá realizar-se exclusivamente por obra dum poderoso operador que exercesse seu fascínio hipnótico sobre um individuo excepcionalmente sensitivo; mas nem sobre isso existem exemplos. Conhece-se, pelo contrário, um bom número dos que a alucinação é transmitida por sugestão verbal, a sujeitos há muito tempo submetidos a experiências hipnóticas, e depois predispostos a sofreram as conseqüências também ao despertar. Em segundo lugar, a hipótese de sugestão parece mais do que nunca discutível enquanto que, em experiências análogas da visão no cristal entre os povos civilizados, encontra-se muitas vezes o mesmo fenômeno de imagens surgidas para o sensitivo, que são vistas algumas vezes por todas as pessoas presentes.

O que pensar-se? Não é possível dar-se razão ao fenômeno se não se admitir que as visões no cristal, quando são observadas coletivamente pelo sensitivo e pelos presentes, devem se tornar de certo modo objetivas; nesse caso, o agente transmissor da visão alucinatória verdadeira não deverá mais originar-se no sensitivo e isso quando a imagem permanece visível no globo de cristal, mesmo também quando o sensitivo se retrai para permitir aos presentes observá-la à sua volta.

Isto é também quanto realça o dr. Nandor Fodor na sua monumental Encyclopedia of Pyschical Science, para depois concluir como segue: "O quesito desconcertante para se resolver permanece aquele que versa sobre a possibilidade em que algumas vezes essas visões deviam resultar, de qualquer modo, objetivas. De fato, em muitos casos, parece que seja assim. Conhecem-se exemplos em que as imagens no cristal ampliam-se se observadas com uma lente de aumento. Em outras circunstâncias, foram vistas refletidas num espelho, ou foram observadas por algumas pessoas. Por fim, consegue-se também fotografá-las. Portanto, no cristal, alguma coisa de etérico vibrava. Tratar-se-ia, portanto, por concluir-se que, em semelhantes contingências, as visões no cristal tinham por agentes entidades desencarnadas. Nesse caso, a projeção dessas imagens no cristal resultariam num dos tantas métodos a que recorrem os defuntos para entrar em relação com os vivos. O que também é demonstrado pela circunstância de que muito freqüentemente, no cristal, aparecem mensagens escritas, nem sempre por imagens; mensagens que aparentemente parecem transmitidas pelo defuntos" (Ver pág. 74).

No que diz respeito aos outros episódios narrados pelo rev. Trilles, encerro com breves comentários.

No segundo dentre eles, no qual o adivinho segue pelo espelho mágico a viagem dos dois missionários na floresta, escutando até as conversas, tudo concorre para demonstrar que a clarividência telepática ultrapassa as fronteiras freqüentemente da telestesia. Enquanto que a circunstância do adivinho entender uma conversa feita numa língua ignorada, não representa nada de excepcional, podendo-se obter à vontade o mesmo fenômeno nas fases profundas da hipnose; isso quando o sujeito, em condições sonambúlicas, percebe e interpreta as vibrações do pensamento, e não apenas as palavras. E as vibrações do pensamento, sendo idênticas em todos os cérebros, tornam-se independentes das línguas nas quais são expressados os pensamentos.

Também no terceiro episódio, no qual o adivinho descreve os revezes dos remadores na piroga no rio, resulta num misto de clarividência telepática e de telestesia.

Quanto ao último episódio, ele se acha na presença de um dos muitos casos do gênero nos quais os sensitivos, os sonâmbulos e os médiuns preconizam os acontecimentos futuros nas suas mais minuciosas particularidades. Casos teoricamente desconcertantes não apenas pelas vicissitudes maiores vaticinadas, como pelas vicissitudes secundárias, menores, às vezes literalmente insignificantes, preconizadas junto com as maiores, como se o acontecimento com cada um dos homens fosse inexoravelmente determinado em todos os seus mínimos particulares. Perspectiva essa contra a qual se rebela a razão humana.

Contudo, não é difícil entrever uma solução diferente para tais visualizações precognitivas, insignificantes; soluções que, porém, não se poderiam retomar sem diminuir o valor, pelo que envio as duas monografias por mim publicadas sobre fenômenos premonitórios, nos quais esse formidável enigma é discutido sob a base de fatos.

Ainda um exemplo de Clarividência no Presente, que contém elementos de Clarividência no Futuro. Tiro do livro do doutor Gibier Le Spiritisme, Fakirisme Occidental (págs. 67-68).

O magistrado-chefe de Wisconsin escreve nestes termos ao governador daquele Estado: Mr. Talmadge:

"Na semana passada, tive ocasião de conversar longamente com L. John Du Bay, que passou quase toda sua vida no meio dos Índios e foi, por muitos anos, agente da Companhia Americana para o comércio de peles... Citou-me exemplos notáveis do poder clarividente dos doutores índios. Há alguns anos, quando ele se achava na região das cataratas, (Wisconsin), aguardava um outro comerciante amigo que devia chegar duma região ao norte do Lago Superior. Esperava-o, inutilmente, há vários dias, e não sabia o que pensar, quando o doutor adivinho ofereceu-se para anunciar, de antemão, o momento preciso no qual chegaria o seu amigo. Du Bay aceitou a proposta, apesar de ser incrédulo sobre o sucesso da empresa.

O doutor adivinho sentou-se na relva e cobriu a cabeça com uma indumentária própria. Depois de alguns minutos de recolhimento, levantou-se e disse: 'Amanhã as nuvens cobrirão o céu, mas quando o sol entrar no ocaso, avistarás um espaço, sem nuvens, no ocidente, e no meio desse espaço o sol resplandecerá. Olha para aquela parte na direção da língua de terra que se estende no lago e verás chegar o amigo'.

No dia seguinte, como ele havia prenunciado, o céu cobriu-se de nuvens e permaneceu nublado até o pôr-do-sol, momento em que as nuvens se rasgaram no ocidente e despontou o sol. Du Bay olhou no ponto em que o adivinho havia indicado, mas não viu aparecer ninguém. Ele voltou-se para o doutor-adivinho, começando a duvidar dele. Este respondeu simplesmente: 'Vai ver'. - Sentou-se novamente, como da primeira vez; permaneceu concentrado um instante, depois levantou-se, informando: 'Dentro de cinco minutos o verás'. - Depois de cinco minutos, seu amigo apareceu naquele ponto e, pouco depois, estava com ele".

Como já se ressaltou, também por esse episódio a hipótese da clarividência telepática e da telestesia não bastam para dar-lhe razão, já que nele vem interpolar-se um elemento precognitivo, sob a forma duma profecia meteorológica sobre o tempo que devia fazer no dia seguinte, com um particular notável que, próximo do entardecer, as nuvens abrir-se-iam no ocidente e o sol apareceria naquele espaço.

Estando assim as coisas, torna-se oportuno observar que, assim como os casos de clarividência no presente, que se acham combinados com incidentes telepáticos, telestésicos, retrocognitivos e precognitivos, constituem quase que a regra da casuística em exame, se é levado a inferir que, por razões de classificação, é indispensável subdividir em categorias os fenômenos em questão, não obstante tudo concorrer para demonstrar que se trata, em realidade, duma única faculdade supranormal do espírito, capaz de se manifestar em todas as suas formas por nós ressaltadas e em outras e outras ainda.

O caso seguinte tem data bem antiga e o reproduzo para melhor fazer emergir a uniformidade das manifestações metapsíquicas realizadas em qualquer época.

Emma Hardinge, na sua apreciada obra Modern American Spiritualism (págs. 483-484), refere-se a alguns interessantes episódios supranormais que tratam da história sobre a guerrilha franco-inglesa contra os Peles Vermelhas.

Eis o primeiro caso: "Alessandro Henri, feito prisioneiro dos índios na guerra de 1759, contra os ingleses, conta que um dia Sir William Johnson mandou uma mensagem aos Peles Vermelhas, convidando seus chefes, aquartelados nas vizinhanças das quedas de Santa Maria, a se dirigirem ao forte do Niágara para a conclusão da paz.

Tratava-se duma decisão muito importante para ser abandonada à sabedoria dos homens. Fizeram-se, portanto, os preparativos necessários para consultar o espírito da Grande Tartaruga. Começou-se por construir uma espécie de casa, ou wigman, dentro da qual foi erguida uma tenda especial para uso do sacerdote e o recebimento do espírito. Essa tenda tinha o diâmetro de cerca de quatro pés; era feita de peles de veado, estendidas sobre sólido estrado construído com pequenas estacas cravadas na terra, a uma altura de dois pés. Tinha altura de dez pés; espessura de oito polegadas e fortemente consolidada com traves oblíquas de madeira. As peles eram firmemente amarradas ao estrado com cordas de couro, e cobriam-no inteiramente, salvo numa pequena parte, na qual foi deixada uma pequena abertura pela qual devia introduzir-se o sacerdote. Este não tardou a chegar, em condições de completa nudez. Introduziu-se de gatinhas na tenda e, quando sua cabeça desapareceu dentro da abertura, a sólida e maciça construção começou a vibrar fortemente, assim como, logo, a pele que estava na porta desceu atrás dele. Foi quando começaram a se ouvir no interior barulhos de vozes humanas e bestiais de toda espécie; eram gritos selvagens, latidos de cães, uivos de lobos, lamentos piedosos, choros desesperados, gritos agudíssimos de dor. Notavam-se, além disso, palavras articuladas, mas numa língua desconhecida de todos os presentes.

Pouco depois do horrível concerto, sucedeu um silêncio sepulcral. Em seguida, fez-se novamente ouvir uma voz bastante fraca e rouca, semelhante ao ganir dum cãozinho. Apenas isso aconteceu, os índios aplaudiram com entusiasmo, exclamando que, finalmente, havia chegado o chefe dos espíritos, a Grande Tartaruga, que não mentia jamais. Eles haviam antes assobiado e investido contra as outras vozes ouvidas, tendo reconhecido nelas sucessivamente a presença bem patente de maus espíritos, mentirosos e enganadores dos homens.

Durante o espaço de hora e meia, outros sons e vozes e cantos fizeram-se ouvir numa sucessão contínua dentro da tenda; mas, ao invés, não se fez mais ouvir a voz do sacerdote. Quando tudo cessou, só o sacerdote falou, anunciando a presença do espírito do Grande Tartaruga, que consentia em responder às perguntas pelas quais estavam tão ansiosos por pedir. Com esta feliz notícia, o chefe da tribo introduziu na tenda uma grande quantidade de tabaco. Era aquela a oferta propiciatória, já que os índios imaginavam que os espíritos amassem o tabaco tanto quanto eles próprios. A oferta foi graciosamente acolhida e, em conseqüência, o chefe convidou o sacerdote a perguntar se os ingleses preparavam-se, ou não, para declarar guerra aos índios, e se no forte do Niágara havia muitos soldados.

Apenas o sacerdote pronunciou a pergunta, a tenda foi fortemente sacudida e continuou a agitar-se com tal violência que eu esperava vê-la cair. Supunha que tudo aquilo fosse o prelúdio da resposta do espírito, mas o sacerdote, dando um grito terrível, anunciou que o Grande Tartaruga havia partido sem responder. Transcorreu um quarto de hora de trágico silêncio. Eu, impaciente, me perguntava qual poderia ser o desenvolvimento posterior da cena dramática. E o desenvolvimento foi que o espírito voltou e pronunciou um longo discurso, com voz idêntica àquela precedentemente ouvida, que para nós era incompreensível. Quando o espírito acabou, o sacerdote traduziu o conteúdo das memoráveis palavras. Veio-se a saber que, no breve intervalo em que esteve ausente, o espírito havia atravessado o lago Huron, dirigira-se ao forte do Niágara e de lá a Montreal. Que no forte do Niágara não havia visto muitos soldados, mas que, descendo o rio S. Lourenço até Montreal, havia avistado o rio literalmente ocupado por batéis apinhados de soldados, tão numerosos quanto as folhas das árvores e que se dispunham a combater os índios.

Com essa tremenda notícia, o chefe da tribo quis saber como os teria recebido Sir William Johnson no caso de que resolvessem visitá-lo. O espírito respondeu que Sir William Johnson havia enchido suas canoas com presentes: cobertores, caldeiras, fuzis, pólvora e balas, além de grandes barricas de rum, tão grandes que o mais robusto dos índios não teria podido carregá-las. Finalmente, adiantou que cada um voltaria são e salvo à sua aldeia.

A venturosa profecia foi acolhida com uma explosão de alegria delirante e os aplausos não tinham fim. Cada um gritava: 'Também eu vou lá! Vamos todos lá!'

Durante o desenrolar da grande consulta, estive sempre em guarda para assegurar-me de que lá não seria possível haver conivência; porém, tive de convencer-me da absoluta genuinidade dos fatos.

A expedição dos chefes da tribo ao forte do Niágara foi demorada, e a narração do evento, contida na história de Drake, testifica como se realizou, em todos os particulares, a profecia do espírito 'que não havia jamais mentido'.

É de se notar que desta vez a manifestação assume o caráter duma sessão mediúnica propriamente dita, com a presença dum médium colocado dentro dum gabinete escuro e não só com a intervenção dos costumeiros espíritos mistificadores.

É verdadeiramente interessante perceber que, entre os índios de há uns 170 anos ou tanto, fossem já plenamente informados acerca da intervenção freqüente nas sessões mediúnicas de espíritos mistificadores, quer dizer, que já se estivesse sido feita experiência um século antes do advento da Metapsíquica entre os povos civilizados.

Quanto aos nomes de animais com os quais os índios designam os espíritos comunicantes, ressalto como isso depende do uso de designar os mesmos com os mesmos nomes que tinham em vida; e por essa razão quando se fala do espírito de um Grande Tartaruga, significa unicamente a presença do espírito de um chefe defunta, que levava em vida o nome de Grande Tartaruga.

Parece ademais teoricamente sugestiva a circunstância de que, quando o chefe da tribo pergunta igualmente sobre as forças inimigas, o sacerdote-médium permanece dramaticamente desiludido e desanimado ao ver o espírito sair sem responder. Essa circunstância tende a se fazer presumir que o fenômeno de clarividência exposto não se originasse na personalidade subconsciente da médium, mas, ao invés, fosse obra duma entidade efetivamente externa ou espirítica. Pressuposição que não deveria surpreender, já que parece racional que, se na subconsciência humana existem em estado latente faculdades supranormais capazes de perscrutar o presente, o passado e o futuro, então, tais faculdades, deverão exercer-se mais do que nunca livremente em ambiente espiritual, depois da crise da morte. E, sendo assim, não há aí razão para não aceitar que as personalidades espirituais dos mortos comunicantes haviam alguma vez se valido do serviço dos próprios parentes ou amigos vivos. Em outros termos, é racional presumir-se que isso que pode acontecer num ambiente transcendental, com um espírito encarnado, deva poder acontecer, muito mais facilmente, com um espírito desencarnado. O que equivale a dizer que os fenômenos anímicos e os fenômenos espiríticos não representam senão os dois aspectos duma única atividade funcional inerente às faculdades transcendentais do espírito, atividade que pode oscilar dum para o outro campo dos médiuns, ou conforme sua idiossincrasia pessoal, combinada com as condições do ambiente.

Tudo isso seja dito em resposta a certas críticas que pretenderiam que, se se permite a explicação subconsciente para uma parte das manifestações da clarividência, então é supérfluo e absurdo fazer intervir, de uma outra parte, os espíritos dos mortos. Bem ao contrário, ao invés, o comportar-se desse modo parece racional, indispensável e de acordo com as regras de pesquisa científica, já que os métodos da análise comparada aplicada as manifestações metapsíquicas puseram em evidência que qualquer fenômeno mediúnico, do trais simples ao mais elevado, pode resultar indiferentemente anímico ou espírita; e em conseqüência que, pela interpretação teórica dos fenômenos metapsíquicos, se é levada a decidir, caso por caso, conforme a circunstâncía de lugar, tempo e de condições nas quais cada episódio se realiza.

O caso seguinte veio publicado por extenso na revista Borderland de William Stead (1895, pág. 154). Não possuindo essa publicação, devo limitar-me a referi-la no amplo resumo que deu o dr. Ermacora na Rivista di Studi Psichici (1895, págs. 286-287).

Ermacora escreve: "Em Borderland (abril, pág. 154), é referido o caso de dois ingleses residentes no Transvaal que, encontrando-se numa caçada, cerca de 400 milhas ao norte de Pretória, encontraram um feiticeiro ou médico cafre e, por puro objetivo de passatempo, pediram para tirar sua sorte.

Então, ele despejou na terra um saquinho contendo fragmentos de vidro, de ferro e de louça, ossinhos, pedrinhas etc. - Fixando esses objetos e voltando-se para um dos consulentes, disse que, dois ou três anos antes, ele havia atravessado as grandes águas para ir ao país dos brancos e que lá havia tomado por esposa uma senhorita que depois morreu e que agora ele estava prometido a uma outra senhorita de Pretória, mas que, malgrado seu afeto, não se casaria porque o pai dela havia retirado a palavra dada por causa dos escassos meios financeiros do prometido.

Ora, era perfeitamente verdade tudo quanto se referira ao passado e ao presente e, quatro meses depois, realizou-se o que havia referido sobre o futuro.

Depois, o feiticeiro jogou as pedrinhas para o outro consulente, mas imediatamente ele recolheu-as no saco, negando-se a dar sua resposta. Diante da insistência do interessado, ele então jogou, mas para se deter de novo. Acossado pela pergunta, respondeu que via ao longe notícia brutal e não queria causar-lhe tristeza. O viajante, ainda mais estimulado pela curiosidade, intimou-o a jogar de novo e comunicar-lhe o que ele lia.

O feiticeiro obedeceu e depois de ter contemplado, hesitante, por alguns minutos aqueles objetos, disse: 'Tu resides a meia hora de caminho do outro lado de Proot-Dorp, é casado e tens dois filhos, a menor das quais está tão gravemente doente que os médicos dizem que não poderá viver e sua mãe caminha à volta dela, excitadíssima, tendo-a nos braços dizendo: Ela morrerá antes que seu pai volte a tempo para revê-la ainda uma vez!'

Não se passaram mais do que seis semanas depois que os dois caçadores voltaram e o relator do caso já havia esquecido o triste presságio do cafre. Mas quando entrou em casa, a esposa, indo-lhe ao encontro com a criança, recebeu-o com estas palavras: 'Oh, Tom, como estou contente por teres voltado! Porque a nossa pequenina Violet ficou tão doente que os médicos a deram por morta'.

Então ele se lembrou do feiticeiro cafre; pegou o caderninho de lembranças no qual havia registrado as comunicações havidas e indagou da mulher em que período do mês a menina havia estado doente. Verificou que as duas datas coincidiam exatamente.

Perguntou também à mulher se ela se recordava de haver pronunciado algumas frases especiais no período de maior perigo e ela respondeu que, carregando nos braços a criança e passeando pelo quarto, não podia pensar e nem pronunciar outras palavras senão estas: 'Oh, minha querida, temo que o papai não te verá nunca mais!"'.

No referido episódio, a lucidez do feiticeiro cafre estendeu-se simultaneamente a uma esfera de conhecimentos supranormais que dizem respeito ao presente, passado e futuro dos consulentes. Isso demonstra ainda uma vez como essa tríplice forma, na qual se realizam as manifestações em exame, provenha de uma única faculdade supranormal subconsciente; entretanto, no nosso ponto de vista, concorre para demonstrar, outrossim, como também essas complexas e perturbadoras manifestações realizam-se de modo idêntico em qualquer povo: civilizado, bárbaro e selvagem.

Não será inútil recordar que a operação Mágica de jogar os ossinhos e as pedrinhas, nada mais é que um método empírico, análogo a todos os outros, do jogar as cartas ou do olhar no cristal, ou no copo, ou na clara de ovo, ou no café; todos métodos que não têm, em realidade, outro valor senão o de predispor o sensitivo, que crê cegamente no poder mágico do seu método, a entrar num estado mais ou menos de auto-hipnose, estado favorável para a emersão das faculdades supranormais subconscientes.

O episódio que me proponho referir compreende, como o precedente, o presente, o passado e o futuro dos consulentes.

Retiro do Journal of the American SPR (1919, pág. 585). Lá, Mrs. Bloch publica um interessante artigo do qual tive já ocasião de extrair alguns episódios relativos à rápida transmissão de notícias entre os povos selvagens. Nele, Mrs. Bloch reproduz uma longa relação a ela mesma endereçada pelo viajante e grande caçador africano, Mr. David Leslie.

Este escreve: "Tinha mandado na frente meus coadjutores indígenas para a caça aos elefantes, com instruções precisas para que, num dia preestabelecido, deveriam todos achar-se numa localidade já designada. Cheguei no local na data indicada mas lá não encontrei nenhum dos caçadores. Tendo muito pouco o que fazer, fui consultar um doutor ou adivinho, que gozava duma excelente reputação como profissional. Fui lá unicamente a título de passatempo, para certificar-me de que ele acertava alguma coisa. Logo de início, o doutor refutou trabalhar para mim, dizendo que não tinha relações com os negócios com os brancos, mas, por fim, deixou-se convencer e disse que 'havia aberto as portas do espaço e viajado através dele', - até mesmo à custa de abandonar a vida. Dito isso, perguntou os nomes dos caçadores e o seu número. Fiquei um momento hesitante, mas depois dei as informações requeridas. O doutor acendeu oito pequenas fogueirinhas - uma para cada caçador - e jogou nelas raízes que queimaram, exalando uma fumaça nauseabunda. Depois, tragou um pó e caiu num sono profundo, cerca de 10 minutos, durante os quais seus membros agitavam-se convulsivamente. - Quando despertou, espalhou as cinzas do primeiro fogo, e, olhando para ele, descreveu o semblante do homem que era representado por aquele fogo, observando: 'Este homem foi morto pela febre e seu fuzil está perdido'. - Em seguida, passando para o outro fogo, informou que o segundo caçador havia matado quatro elefantes e descreveu a forma e as proporções das presas. Diante do terceiro fogo, anunciou que aquele caçador fora morto por um elefante, mas que tinham conseguido recuperar o fuzil. Em seguida, prosseguiu descrevendo as generalidades pessoais e os resultados da caçada dos outros, acrescentando que não saberia se tornariam às suas casas antes de três meses e que haviam seguido um itinerário realmente diferente daquele preestabelecido.

Em resumo: as palavras do doutor-adivinho resultaram ser absolutamente verídicas em todos os particulares.

Ora, se se considera que os caçadores em exame se encontravam dispersos numa vasta região distante umas duzentas milhas, e que o doutor não sabia que eu viria consultá-lo, compreender-se-á que as notícias fornecidas por ele não poderiam certamente ter sido obtidas por vias normais".

Como se viu no caso citado, o doutor-adivinho recorreu a um método bem diverso do anterior para provocar em si mesmo as condições de clarividência. Acendeu foguinhos; jogou neles raízes aromáticas; tragou uns pós que o fizeram cair no sono e em convulsões, para depois despertar e ler nas cinzas dos mesmos foguinhos as informações requeridas pelo consulente. Os métodos desse gênero são na verdade inumeráveis, tanto entre os povos selvagens como entre as nações civilizadas, antigas e modernas, já que, como se disse, tratam-se de métodos puramente empíricos, tendo unicamente um valor de auto-sugestão.

Sob um outro ponto de vista, é de se ressaltar o fato do adivinho cafre que, depois de haver negado o trabalho, declarando não desejar ter relações com os negócios dos homens brancos, deixou-se convencer e declarou que tentaria a prova, até à custa de abandonar a vida. Como argumentar sobre essa última afirmação?

O perigo de morte é absolutamente excluído nas experiências análogas entre os povos civilizados. Estando as coisas nesses termos, a afirmação em questão deveria explicar-se tendo em conta métodos empíricos usados pelo cafre, para provocar em si mesma condições favoráveis para as manifestações clarividentes. Ele, quer dizer, não se sentindo preparado para entrar em relação com a personalidade subconsciente dos brancos, teria pensado que, para chegar a estabelecer essa relação, necessitava aprofundar mais as condições preliminares do sono provocado, engolindo uma dose maior do seu misterioso pó que provocava o sono letárgico e convulsões, com o presumível perigo de não acordar mais.

Citarei, por último, um caso de clarividência no qual ela se exerceu unicamente para o futuro, mas de modo realmente notável. O caso é digno da maior fé, pois que quem o refere é o célebre viajante e missionário africano doutor David Livingstone.

No seu livro Missionary Travels (pág. 86) escreveu assim: "O aventureiro Sebituane foi coagido pela tribo dos Matabele a ir procurar, a seu gosto novos locais para morar com essa mesma tribo. Ele tinha em mente descer o rio Zambesi, a fim de tomar contato com os brancos. Entretanto, Tlapane, o feiticeiro que 'tinha relações com a divindade tutelar da tribo', indicou, ao invés, o ocidente, virando o rosto para aquele lado. Tlapane, como pretendia profetizar, preparava-se para se esconder dos olhos de todos até o plenilúnio. Encerrava-se provavelmente em alguma caverna, onde talvez caía num sono mesmérico ou hipnótico, e de onde saía pronto para vaticinar. Nessas circunstâncias, ele, batendo os pés, saltando, gritando de modo peculiar e violento, e batendo na terra com a clava (para evocar os espíritos de debaixo da terra), estabelecia em si mesmo uma espécie de crise ou êxtase, durante o qual ele aspirava ignorar completamente tudo o que proferiam seus lábios; e quando essas condições eram genuínas, provavelmente ele afirmava a verdade.

Tlapane, assim, criou em si mesmo o estado de possessão, e em seguida, voltou-se para o oriente e disse: 'Desta parte, oh, Sebituane, eu vejo um fogo flamejante que deves evitar para não seres queimado. Os Deuses te aconselham: Não andes por aquela parte'. Em seguida, voltou-se para o ocidente e disse: 'Vejo uma cidade e uma nação de homens negros. São os homens da água e seus rebanhos são vermelhos... Vejo perecer tua tribo. Procura exterminar os homens negros; poupa tua futura tribo porque irás governá-la'.

Acabaram aqui seus bons conselhos e nada mais. Eis que ele se vira para um dos chefes, exclamando: 'Tu, oh, Ramosini, perecerás com toda tua aldeia; e se Mokari partir primeiro, perecerá primeiro. Tu, Ramosini, serás o último a morrer'. - Em seguida, predizendo para si a mesma desventura: 'Os Deuses concederam aos outros dessedentarem-se com água límpida e boa, e me dessedentarão com água amarga. Eles me chamaram e eu irei com eles'.

Ora, sucedeu que, algum tempo depois, suas aldeias foram destruídas, que Mokari morreu, que Ramosini morreu, que Tlapane, o feiticeiro, morreu, e que Sebituane, obedecendo ao vaticínio, voltou errante do ocidente, onde foi atacado pela tribo Boleiana, que ele venceu, respeitou e governou-a". (Citado por Andrew Lang no livro The Making of Religion, pág.136) .

Este notabilíssimo episódio foi referido pelo dr. Livingstone e a sinceridade profética do pobre adivinho Tlapane torna-se indubitável pelo fato de que predisse a desgraça para ele próprio. O que, teoricamente falando, se reduz a um dos mais perturbadores mistérios que se ligam aos fenômenos premonitórios. Eis aqui, de fato, um sensitivo-clarividente a quem se manifesta uma visão precisa e verídica sobre as vicissitudes que atingiram um chefe aventureiro e sobre o modo como ele devia se conduzir para fazê-lo atingir um final alegre, visão que contribuía eficazmente para fazer conseguir o alegre final vaticinado, mas ao mesmo tempo, e para o que se refere ao mesmo clarividente, a visão mencionada, antes de contribuir para guiá-lo e protegê-lo, revela inexplicáveis lacunas do modo como informá-lo sobre o triste acontecimento que o esperava, mas de não informá-lo inteiramente sobre o modo como comportar-se para evitá-lo; se bem que para conseguir o objetivo, seria suficiente uma visão rápida sobre a influência duma invasão inimiga na própria aldeia.

Ora, se se considera que, do ponto de vista do perturbador mistério mencionado, o caso tratado é superado por outros numerosos episódios por mim referidos no livro sobre Fenomini Premonitori, em base dos quais emerge, de maneira incontestável, que essa espécie de lacunas e de reticências que nas manifestações premonitórias, longe de resultar imperfeições nas faculdades clarividentes dos sensitivos, são, ao contrário, intencionais, predispostas, desejadas, como se não fosse permitido impedir o curso dos destinos humanos. Se se considerar tudo isso, pode apresentar-se à mente uma formidável interrogação: "Se essas lacunas, essas reticências, são intencionais, predispostas, desejadas, então qual é a vontade que se manifesta em numerosos incidentes premonitórios?".

No livro supra-referido, eu também me expresso a propósito dum caso análogo ao anterior: "Do ponto de vista do positivismo materialista, a característica em exame torna-se inexplicável, considerando que, se não existem o mundo espiritual e a sobrevivência, e a faculdade premonitória fosse exclusiva herança duma subconsciência autônoma, condicionada às leis da psicofisiologia, nesse caso a personalidade subconsciente, não só não teria motivo para ocultar as circunstâncias essenciais dum evento futuro à personalidade consciente, mas, na grande maioria das vezes, teria um interesse supremo de revelá-lo, porque fazendo-o, protegeria a personalidade consciente (depois a si mesma), de um grave acidente ou da morte. Como então conceber uma subconsciência onisciente, independente, dona absoluta de si e do próprio futuro, que, todavia, possuindo os meios de preservar da morte a parte consciente de si mesma, oculta-lhes acuradamente, ou obrumba-lhes em símbolos impenetráveis até de um evento consumado, com a intenção precisa de deixá-la morrer e de deixar-se morrer? Para uma consciência autônoma, destinada a extinguir-se com a morte do corpo, um procedimento igual, pareceria, além de tudo, absurdo e louco. E se, apesar de tudo, o fenômeno se realiza, tudo isso significa que essas reticências intencionais, inconciliáveis com a existência encarnada da personalidade humana, tinham em vista uma finalidade ultramundana e assim forçosamente reconduzidas à hipótese espírita.

Já disse: quando se quer iludi-la, só se consegue subentendê-la.

Naturalmente, semelhantes conclusões conduzirão a formular uma outra formidável interrogação com respeito à existência duma Fatalidade em oposição à Liberdade humana, mas não é possível tratar num comentário um tema desses. Limito-me a observar a propósito, com base na análise comparada dos fenômenos premonitórios, que tudo concorre para demonstrar que a solução do grande quesito deva cair nesta fórmula: Nem Livre-Arbítrio nem Determinismo absolutos durante a existência encarnada do espírito, porém, Liberdade Condicionada.

Voltando ao nosso tema, vou anotar o fato de que os fenômenos premonitórios de ordem complexa e perturbadora, no sentido aqui considerado, que se verificam nos povos civilizados, encontram perfeita correspondência nos fenômenos análogos que se verificam entre os povos primitivos.

IV - Fenômenos de Infestação

É escassa a messe dos fatos colhidos na categoria dos Fenômenos de Infestação entre os povos primitivos, já que os antropólogos, etnólogos e sociólogos, assim como os exploradores e os missionários aludem a eles bastante freqüentemente, mas quase sempre só de passagem, sem se demorarem em citar por extenso um caso do gênero. Todavia, os poucos episódios registrados nas minhas classificações, referem-se às modalidades mais freqüentes e características com as quais se realiza a casuística em exame, como as infalíveis "pedradas", tão freqüentes em ambientes civilizados, as batidas, as quedas, os estrondos fantasmagóricos, o eco de passos pesados que passeiam pelos ambientes infestados e as aparições de fantasmas em localidades onde foram realizados delitos, massacres e sacrifícios humanos.

Começo citando alguns trechos nos quais se mencionam de passagem, sumária e genericamente, as manifestações infestatórias entre os povos primitivos e selvagens, sem nada referirem por extenso.

Lang, à página 128, de seu livro The Making of Religion, citando David Leslie, observa:

"Ele nos fornece algumas provas, 'em primeira mão' sobre a localidade infestada entre os Zulus. Os 'esemkofu, ou fantasmas de pessoas mortas por algum tirano, foram vistos ou ouvidos pelos próprios indígenas que informaram Leslie. Acrescentou ter sido alvo, certa vez, de pedradas na localidade infestada pelos esemkofu, da maneira como se verifica nos fenômenos de poltergeist europeus. Necessário distinguir entre os esemkofu que são espíritos perturbadores e errantes, depois infestadores da localidade na qual viveram e os Ihlozi que são, pelo contrário, espíritos daqueles que morrem normalmente, e que recebem dos Zulus os sacrifícios nos rituais".

Também o doutor J. Shepley já me havia citado anteriormente no seu apreciado estudo sobre o Ocultismo na África Ocidental (Proceedings of the SPR, Vol. XIV, pág. 343), alude nestes termos sobre manifestações de infestação: "Conhecem-se pelos indígenas muitos relatos de localidades infestadas por espíritos de defuntos, mas abstenho-me de ocupar-me com eles porque não tive mais ocasião de investigá-los... As aparições de fantasmas nos cemitérios são consideradas pelos indígenas corno acontecimentos normais e afirmam com naturalidade que são os espíritos dos defuntos sepultados lá. Essas aparições dão-se comumente à noite, e manifestam-se de várias formas, às vezes assumindo, de maneira tangível ou fantomática, as características pessoais que tinham em vida. Porém, o mais freqüente é assumirem formas indefinidas de aparições de sombras ou nuvenzinhas luminosas ou opacas, segundo os casos.

As aparições dessa natureza incutem terror aos indígenas, que consideram perigoso virem a opôr-se a elas, preconceito este ultimo que determina algumas vezes casos de falsas personificações de fantasmas com objetivos interesseiros. Pensam, além disso, que vindo a altercar com um fantasma, ele lhe fará mal; mas não têm êxito em descobrir os motivos pelos quais se presume que eles causariam o mal. Quis mencionar de passagem os relatos sobre fantasmas que povoam os cemitérios para ilustrar como procedem as idéias dos indígenas quanto ao assunto. Tanto mais que posso afirmar ter tido ocasião de certificar-me pessoalmente da existência nos cemitérios de aparições em forma de nuvenzinhas luminosas, aparições que eu mesmo vi, e que me foram mostradas como sendo aquelas que os indígenas consideram a alma dos mortos".

As nuvenzinhas de que fala o doutor Leslie, presumivelmente identificam-se com os bem conhecidos fogos-fátuos dos nossos cemitérios, o que, de resto, não contradiz realmente a opinião dos selvagens de que os fogos-fátuos são almas de defuntos, opinião coincidente com a do vulgo.

Não ignoro que, entre as pessoas consideradas cultas e despreocupadas, esteja difundida a opinião de que fogos-fátuos são apenas chamas de hidrogênio, ou mistura de outros gases que exalam dos cadáveres recentemente enterrados. Mas isso é fantasia, já que a química não conhece a existência dos gases que assumem a aparência de pequenas chamas, e muito menos chamas permanentes, vagando aqui e ali, opostas ao vento que sopra, - como se o vento não existisse para eles - e que, algumas vezes, divertem-se seguindo, por um longo percurso, um transeunte.

Lombroso, no seu livro Ricerche sui Fenomeni lpnotici e Spiritici (pág. 295), menciona de passagem os fogos-fátuos nos seguintes termos: "Nos cemitérios e nos sítios onde se deram mortes repentinas, Stainton Moses constatou um grande número de fantasmas que se apinhavam à passagem do médium. Isso explica (porque a química não pôde explicar), a freqüência nos cemitérios dos fogos-fátuos que, muitas vezes demonstram, nos retornos em dadas horas ao encaminharem-se para um ponto bem determinado e sempre igual, a expressão duma verdadeira vontade...".

Como se vê, Lombroso propende decisivamente pela explicação espírita dos fogos-fátuos.

O episódio que segue diz respeito a um caso de pedradas infestatórias.

O doutor Gerstacker é autor do livro sobre suas viagens ao interior da ilha de Java, que está resumido na Light (1908, pág. 219), e no qual se lê este parágrafo: "A chuva de pedras lançadas por mãos invisíveis é um fenômeno igualmente comum e que os nativos da ilha de Java possuem na sua língua uma palavra especial que o designa. O governador da colônia não tinha filhos, e havia adotado uma menina indígena de dez anos. Um dia, quando a menina passeava no jardim, começou a chover ao seu redor pedras que pareciam descer do céu. Ela foi depressa refugiar-se na casa, que imediatamente foi cercada pelos soldados da guarda. Mas a chuva de pedras continuou a cair, e desta vez dentro de casa, atravessando evidentemente o teto. Choveram tantas que encheram alguns cestos. Como disse, as pedras pareciam cair do céu; eram do tamanho dum limão, e entre elas se achavam algumas frutas de mango, fresquíssimas. Foram logo enviados soldados para perto da árvore do jardim de onde as frutas haviam sido arrancadas e encontraram raminhos cortados, por onde ainda saía seiva dessas plantas".

Nada de excepcional na realização do episódio exposto. Limito-me, portanto, a salientar como os vários incidentes nele descritos correspondem exatamente aos outros incidentes do gênero que se realizam nos casos de poltergeist entre os povos civilizados. A menina indígena presumivelmente era médium, o que tornou possível a realização esporádica do fenômeno.

O episódio que segue trata ainda de um lance de pedras infestatórias, porém teoricamente mais importante que o precedente.

Ocorre-me de já tê-lo citado no livro sobre Fenomeni d'Infestazíone, mas não posso eximir-me de reproduzi-lo na presente seção na qual se consideram os fenômenos de poltergeist que se realizam nos povos primitivos. Proponho-me, não obstante, a relatar o caso com novos e importantes comentários e que isso valha para justificar sua reprodução.

Extraí o caso do journal of the SFR (vol. XII, pág. 250), e quem o conta é Mr. W. G. Grottendrieck, membro da sociedade mencionada.

Ele, na data de 27 de janeiro de 1906, enviou o seguinte relato:

"...Em setembro de 1903, pude assistir a um fenômeno anormal, que pude observar com a maior acuidade em todos os particulares. Tinha terminado a travessia da jungle de Palembang e Djambi (Sumatra), com uma escolta de 50 indígenas javaneses, com o fim duma exploração, e voltando ao ponto de partida, encontrei minha habitual residência ocupada, pelo que precisei transportar meu saco-leito para um outro casebre não ainda pronto, construído com estacas amarradas entre si e coberto com grandes folhas secas e superpostas com kadjang. O casebre estava situado bastante longe da outra residência que pertencia à Companhia dos Óleos, a cujo serviço me encontrava.

Estendi o saco-leito sobre o pavimento de madeira, coloquei perto o mosquiteiro e logo dormi. Lá pela uma hora da manhã, despertei sonolento por causa do rumor dum objeto caído perto do meu travesseiro, do lado de fora do mosquiteiro. Dois minutos depois, eu estava completamente desperto e conservava-me atento para verificar que coisa continuava a chover lá do alto, e percebi pedrinhas negras, de dois centímetros de comprimento mais ou menos. Levantei-me, acendi a lâmpada colocada aos pés da cama e, pondo-me em guarda, descobri as pedras que vinham do forro do teto e descreviam uma curva parabólica, caindo perto do meu travesseiro.

Dirigi-me para a outra sala para acordar o rapaz malaio que estava comigo, ordenando-lhe que fosse inspecionar a jungle ao redor do casebre. Enquanto ele fazia isso, eu ajudava na busca, iluminando as folhagens com uma lâmpada elétrica. Nesse entretempo, as pedras não haviam cessado de cair lá dentro. Quando o rapaz voltou, mandei-o olhar a cozinha, e para melhor inspecionar a queda das pedras, pus-me de joelhos ao lado do travesseiro, tentando pegá-las no ar. Mas a empresa tornou-se impossível, pois que parecia que as pedras desviavam no ar e logo escapavam de ser agarradas. Então, trepei sobre a estacada que dividia meu quarto do do rapaz e, examinando o teto de onde elas provinham, convenci-me de que saíam pelo estrado das folhas de kadjang, e que não estava furado de forma nenhuma. Tornei a tentar a prova de pegá-las na abertura naquele ponto, mas sempre inutilmente.

Quando desci, entrou o rapaz para dizer-me que na cozinha não havia ninguém. Eu, porém, estava convencido de que em alguma parte deveria esconder-se um mistificador e, armando-me dum fuzil Mauser, disparei cinco tiros da janela para dentro da jungle. Consegui o objetivo contrário, pois que, lá de dentro do casebre, começaram a chover com mais freqüência as pedras.

Consegui, porém, despertar completamente o rapaz que, aos primeiros disparos, parecia vagoroso e sonolento. Somente que, quando ele viu cair as pedras, gritou que quem as lançava era o demônio, e foi tomado por um tal susto que fugiu numa carreira, atravessando a jungle no âmago da noite. Apenas ele desapareceu, cessou a queda das pedras, mas o rapaz não voltou mais, e o perdi para sempre. As pedras não apresentavam em si nada de particular, salvo que, ao tocá-las, eram mais quentes do que o normal.

Quando o dia despontou, encontrei as pedras sobre o pavimento e descobri, sob a janela, os cinco cartuchos que disparei. Quis tornar a examinar o forro do casebre no ponto pelo qual as pedradas saíam, mas nenhuma descoberta, nem mesmo a sombra duma fenda no estrado das folhas de kadjang. No pequeno espaço de tempo que durou o fenômeno, haviam caído 18 a 22 pedras. Pus algumas no bolso e guardei-as por muito tempo. Mas, na última viagem, se extraviaram. No princípio, julguei poder tratar-se de pedras meteóricas, visto que, ao contato com elas, acontecia estarem bastante quentes, mas, nesse caso, como explicar o caso de que atravessaram o forro do teto sem furá-lo?

Em conclusão: o pior que me tocou nessa aventura foi que, com a fuga do rapaz, fui constrangido a preparar o meu almoço e a renunciar ao pão torrado e ao hábito da xícara de café".

Em resposta às perguntas dirigidas pelo conselho diretor da Society FPR, o sr. Grottendrieck acrescentou novos esclarecimentos, entre os quais anoto os seguintes:

"Encontrava-me sozinho com o rapaz no casebre que era completamente circundado pela jungle.

Do ponto de vista de fraude, o rapaz está fora da questão, tendo em conta que, quando me dirigi a ele para despertá-lo (ele dormia no pavimento vizinho à porta), caíram duas pedras, uma depois da outra, e eu as vi e as senti caírem, porque a porta estava aberta.

As pedras caíam com notável lentidão, de modo que diante da suposição defraude, surgiria qualquer coisa de misterioso para explicar. Dir-se-ia que se demoravam no ar, descrevendo uma curva parabólica e batendo no chão com força. E também o barulho que produziam era anormal, porque era muito forte em relação à lentidão da queda.

Eu disse que o rapaz apareceu para mim sonolento até o momento no qual os tiros o despertaram e esse seu estado se adivinhava pelos movimentos feitos com uma lentidão anormal. Havia se levantado, entrado na jungle e havia retornado, comportando-se de maneira extraordinariamente lenta. E a lentidão dos seus atos tinha me produzido a idêntica estranha impressão já citada pela lentidão com que caíam as pedras".

São esses os trechos essenciais dos relatos enviados pelo sr. Grottendrieck. É de notar-se as circunstâncias em que as pedradas cessaram com a fuga do rapaz e que ele apareceu em estado de sonolência (presumivelmente em condições de transe), circunstância que não deixa dúvida sobre as relações de causa e efeito existentes entre a presença do rapaz e a realização dos fenômenos.

De qualquer modo, no caso em exame aparecem logo as não poucas modalidades de realização de ordem maravilhosa, combinadas com os índices sugestivos duma intencionalidade e duma vontade oculta. Desta última natureza, apareceriam os particulares das pedras que caíam todas num espaço circunscrito e desviavam-se no ar para não se deixarem pegar. Não menos extraordinária a particularidade de demorarem-se no ar as pedras, nas suas saídas através dum espesso estrado não furado de folhas de kadjang, e de sua demonstração de calor ao contato.

Acontece que, se os fenômenos foram bem observados (e não há razão para se duvidar disso), logo se encontra nesse caso, a modalidade de realização suficientemente misteriosa para perturbar o critério de quem se sentisse propenso a atribuir em todos os fenômenos de poltergeist causas exclusivamente anímicas ou subconscientes.

É de se notar que as modalidades supranormais com que se realizaram os fenômenos no caso exposto, não são nada excepcionais, mas acontecem todas em outros casos do gênero, corroborando para o acontecimento. A mais rara resultaria na do brusco desvio dos projéteis para não se deixarem apanhar; todavia, isso se deu por três vezes nos casos citados no meu livre sobre Fenomeni d’Infestazione.

Menos rara, porém sempre pouco comum, se tornaria a outra, consistindo na relativa lentidão com que as pedras descreviam no ar a sua parábola (lentidão da qual se teve confirmação no fato de que, se assim não fosse, o relator não teria experimentado apanhá-las no vôo); além disso, isso acontece cinco vezes nos casos que citei no livro mencionado.

Em virtude da circunstância dos projéteis que saíam dum ponto no qual não existiam furos para deixá-las passar, ressalto que, malgrado seu aspecto maravilhoso, essa circunstâncía de fato acontece com relativa freqüência nos fenômenos de poltergeist. E no livro citado, reproduzi alguns exemplos, lembrando, a propósito, que a mesma circunstância se encontrava nos fenômenos de aportes, no caso em que a personalidade mediúnica operante tinha constantemente e concordemente explicado que isso se dava por um ato de uma vontade, por força da qual se determinava a desintegração, quase instantânea, dos objetos trazidos, seguido igualmente da sua reintegração instantânea. Salvo uma variação ocasional do fenômeno, que não mudava em nada os processos mencionados, é que na segunda das circunstâncias, a personalidade mediúnica invertia os processos em exame, desintegrando e reintegrando um buraco na porta, na janela, nas paredes, e introduzindo desse modo um objeto no ambiente hermeticamente fechado, sem desintegrá-lo.

Repito que todas as personalidades mediúnicas operantes são, e foram sempre, concordes em explicar desse modo a realização do fenômeno, a começar pelos espíritos guias de Moses e D' Esperance e para terminar, com os das nossas sessões decenais do Círculo Científico Minerva, de Gênova.

Ora, não há quem não veja como essa unanimidade nas explicações fornecidas reveste-se dum alto valor probatório, já que se deveria inferir que, se as personalidades mediúnicas são concordes na explicação fornecida, isso significa que atingem todas uma experiência comum, sem contar que, se se produzem fenômenos de aportes, dever-se-ia logicamente admitir que elas devam saber como fazer para destrinchá-los; e isso seja dito tanto para querer-lhes considerar personalidades subconscientes como para considerar personalidades espirituais.

Ora! Malgrado as considerações expostas e por todos notadas, também entre as fileiras dos mais cultos e eminentes espiritualistas, encontram-se dissidentes nesse assunto. Assim, por exemplo, Sir Oliver Lodge e o engenheiro Stanley De Brath, na sua qualidade de físicos, não querendo aceitar o fenômeno da desintegração e reintegração da matéria, duvidam ainda da existência dos fenômenos de aportes, assim como duvidam dos fenômenos de poltergeist, nos quais inclui essa circunstância de fato.

Tudo isso por considerações a priori, de ordem científica que vertem do fato de que o prodígio da desintegração instantânea da matéria requeriria uma soma de energia, a tal ponto formidável, que para qualquer um que seja versado em física aplicada, essa consideração se transforma numa objeção mais ou menos insuperável. Assim se exprimem o engenheiro De Brath e Sir Oliver Lodge, aos quais juntou-se recentemente um outro físico italiano, o meu amigo professor Tito Alippi. Ele, por idênticas razões, conclui nos seguintes termos: "De onde é extraída a quantidade de energia, enorme, muito além do que qualquer um pode afirmar, necessária para desmaterializar o corpo, e para onde vai aquele outro tanto (de energia) que deverá reaparecer na materialização?" (La Ricerca Psichica, 1939, pág. 332).

Não serei eu certamente que ousarei discutir a energia física com três sumidades na especialidade dessa parte da ciência, com quem se pode saber e aprender, e assim declaro compreender toda a força de sua objeção que verte da enorme dispersão da energia que se requeriria para obter a dissociação e reintegração quase instantânea de qualquer corpo; mas... assim como os fatos são fatos, sucede que é preciso inclinar-se diante deles, resignando-se também a não compreender.

Portanto, não querendo, nem podendo discutir em contrário com os eminentes professores mencionados, não me resta senão recorrer à analogia, sob a base dos fatos, que valem para demonstrar, logicamente, até para um profano em Física, que, depois de tudo, a personalidade mediúnica poderá ter razão, e não a nossa pequena ciência continuamente em elaboração.

Eis um exemplo do gênero que me ocorreu na mente neste momento:

Se se bate com um martelo num cartucho com dinamite, os elementos que o compõem tornam-se instantaneamente em estado livre, desprendendo toda a tremenda energia nele latente. Mas, ao invés, se se aproxima um pequeno fogo no cartucho de dinamite, ele queima e consome-se inocuamente à maneira duma "vela química", nos fogos de artifício; quer dizer que os elementos que o compõem tornam igualmente ao estado livre, sem desprender a tremenda energia nele contidos.

O professor Alippi se pergunta: "Para onde vai a enorme energia que deverá reaparecer na materialização do objeto trazido?". Ao que contraponho esta outra interrogação: para onde vai essa tremenda energia latente na dinamite, e que não mais se desprende se se recorre a uma chamazinha para fazê-la desintegrar os elementos?

Mistério imperscrutável em ambos. Mas com isso, é racional inferir que o que sucede para a energia latente na dinamite, deve suceder para a energia latente na matéria do objeto trazido; e, em conseqüência, nada melhor do que contentar-se em concluir, observando que a energia latente na matéria pode manifestar-se e não manifestar-se, conforme os processos operatórios a que se recorra. No nosso caso, os processos em ação seriam psíquicos, antes do que físicos; daí a radical diferença nos efeitos.

Esta me parece uma solução cientificamente legítima do quesito em exame, visto como, se é verdade, como indubitavelmente é verdade, que em base no conteúdo da minha monografia sobre Fenomeni di Apporto (no qual foram escolhidos de preferência fenômenos obtidos a pedido, ou à plena luz), não é mais lícito duvidar da existência dos fatos; assim como, pela mesma razão, não é mais lícito duvidar da veracidade das pedradas infestatórias, contendo particulares por nós discutidos. Se é assim, então os fatos são fatos e é inútil contestá-los, com base em induções a priori, que demonstram unicamente que, muito freqüentemente esquece-se que as nossas condições científicas são sempre cheias de lacunas, sempre imperfeitíssimas, o que autoriza a se inferir que uma solução científica da perplexidade em exame, deve existir, enquanto que o exemplo prático, supra-relatado, parece altamente eficaz ao sugeri-la.

Finalmente, como reforço do quanto foi exposto, quero ressaltar que, tanto pelo fenômeno de aportes quanto por aqueles das pedradas em ambiente fechado, o fenômeno do qual fala o relator, que ao apalpar as pedras caídas, ou os objetos trazidos, tinha-se freqüentemente uma sensação de calor, algumas vezes sensíveis, outras vezes intensas e algumas vezes fracas.

Ora, em virtude da lei física sobre a transformação das forças, é certa aquela que deveria suceder toda vez que as pedras e os objetos metálicos trazidos tivessem, de repente, um rapidíssimo processo de desintegração e reintegração. Quer dizer que, nesse caso, deveria realizar-se uma reação térmica mais ou menos notável, em conformidade com a diferente constituição molecular das pedras e dos objetos.

Parece-me, portanto, que esta última prova, de ordem rigorosamente científica, a favor da tese proposta, considerada em conjunto com a outra precedente, deverá convencer os eminentes dissidentes supramencionados acerca do fato de que a objeção por eles mantida quase insuperável, parece, ao invés, já agora superada, em base às condições expostas.

Retirei o seguinte episódio duma entrevista que o redator do Daily Express teve com o reverendo Weston, Vescovo de Zanzibar, que havia voltado de Londres, na primavera de 1923, para presidir o Congresso Anglo-Católico.

Ele, a propósito das manifestações supranormais entre os povos selvagens, referiu esta experiência pessoal: "Eu me encontrava numa choupana construída com uma terra amassada e comprimida - porque assim são as construções de todas as casas dos indígenas na minha diocese - e vi grandes pedaços de reboco arrancados violentamente das paredes e lançados para o ar. Como bem se compreende, fiquei no local absolutamente cético sobre o fato, de modo que quis que todas as pessoas saíssem do casebre para depois circundá-lo com um cordão de defesa. Malgrado isso, grandes pedaços de reboco continuaram se soltando violentamente dos muros e a projetarem-se espontaneamente contra o teto. Alguns deles foram também lançados para fora da porta e um pedaço veio atingir-me na cabeça.

Então, eu reentrei na cabana e comecei os exorcismos, pronunciando as preces dos rituais, e as manifestações cessaram imediatamente. A casa foi restaurada e nunca mais se renovaram nela os fenômenos de infestação...

Parece-me que, depois de haver assistido a semelhantes manifestações, seria irracional e absurdo continuar a sustentar que não existem espíritos no nosso meio. Aqui, na Inglaterra, é possível sustentá-lo, mas num país como Zanzibar, onde todos acreditam na existência dos espíritos, e no qual se pode dizer que a atmosfera está saturada dessa crença, a coisa é bem diferente..."

No caso referido, embora interessante, nada é considerado excepcional, visto como as particularidades descritas resultam em tudo análogas às que se realizam entre os povos civilizados, compreendido o incidente dos exorcismos, provados serem eficazes contra a infestação. Eficácia, porém, que devo acolher com a devida reserva, tendo em conta que, na maioria das vezes, os exorcismos não valem de nada.

Passo a referir um exemplo no qual as manifestações consistem no ruído de passos pesados que perambulavam no ambiente infestado, combinado com o fenômeno físico das portas que se abriam de par em par, ou moviam-se sem causa aparente.

Retirei da interessante obra de G. A. W. Mockton Some, Experiences of New Guinea Resident Magistrate, obra já por mim citada a propósito dum importante caso de transmissão telepática do pensamento, ocorrido pessoalmente com o autor, durante uma expedição militar africana. Também no episódio que me proponho referir o autor foi o protagonista.

Ele escreve: "Sentado à mesa, intentava formular um longo telegrama que absorvia completamente minha atenção. A mesa estava colocada no meio da sala e a minha direita e à minha esquerda, abriam-se duas portas que davam respectivamente para a varanda da direita e da esquerda. As portas estavam fechadas com trancas de madeira, que não teriam podido abrir-se espontaneamente como acontece algumas vezes com o costumeiro cadeado de mola. O pavimento da sala era constituído de sólidas tábuas pregadas, de madeira Teack, e o soalho da varanda consistia numas delgadas tabuinhas de palmeira amarradas com barbantes feitos no país.

Enquanto escrevia, fiquei ciente de que as portas se tinham aberto e, - sem refletir sobre o acontecimento - levantei-me, fechei-as e continuei a escrever. Alguns minutos depois, percebi passos ribombastes sobre o viaduto de madeira que conduzia à varanda. Depois, senti rangerem os mesmos passos no soalho de uma varanda. Em seguida, abriu-se uma porta e levantando os olhos, vi abrir-se também a outra porta, enquanto o rumor dos passos misteriosos atravessava a sala, passava para a outra varanda e passava de um para o outro viaduto. Eu estava de tal maneira absorto no importantíssimo telegrama que redigia que não tive tempo de refletir sobre o estranho caso, supondo vagamente que um dos servos indígenas - Poruma ou Giorgi - que estavam na cozinha, houvessem atravessado a sala. Logo, levantei-me automaticamente e tornei, pela segunda vez, a fechar as portas.

Eis que, pouco depois, os mesmos passos cadenciados começaram a ressoar distintamente no viaduto da esquerda; depois, a ranger sobre o soalho da varanda; em seguida, abriu-se uma porta e o passo que rangia, converteu-se num passo ribombaste de pés calçados com pesadas botas. De repente, escuto, estupefato, o rumor de passos que se faziam ouvir pertinho de minha cadeira, na direção da outra porta que se escancarou espontaneamente. O rumor dos passos voltou novamente a ranger na outra varanda, ribombando no viaduto da direita. Fiquei aturdido, mas depois duma rápida reflexão, concluí que toda essa coisa devia atribuir à imaginação e que, em realidade, eu não havia fechado a porta, mas somente pensado em tê-la feito. Não obstante, desta vez, estava bem seguro de havê-la fechado. Voltei ao trabalho; eis que repetiu-se, pela terceira vez, o mesmo inexplicável fenômeno. Levantei-me, peguei a lâmpada e perscrutei atentamente os pontos sucessivos do soalho sobre o qual ressoavam os passos, mas não descobri nada.

Fui à varanda e gritei para Giorgi e Poruma: 'Qual de vocês se permite divertir-se às minhas custas?' - Estava seriamente indignado; porém, antes que Poruma acorresse, ressoaram novamente os passos na sala. Poruma, chegando, ficou surpreso ao ouvi-los e observou: 'Não sabia que o patrão tivesse pessoas consigo'. - Respondi: 'Comigo não está ninguém, mas alguém diverte-se em abrir portas e a passear, dando voltas. Vá ver quem é'. Poruma observou humildemente: 'Oh, meu patrão, ninguém ousaria entrar no recinto do Governo para fazer brincadeiras ao seu representante, a menos que tenha ficado louco'. - Eu, também, me sentia profundamente indignado, porque, para mim, a única solução do mistério era a idéia duma brincadeira de mau gosto; pelo que, disse a Giorgi; 'Vá ao corpo da guarda para mandar vir todos os homens, juntamente com o comandante. Depois, dirija-se aos cárceres e envie-me Manigugu (o carcereiro) e toda guarda disponível. Por fim, vá ao porto e venha com todos os marinheiros da Siai (uma barca do Governo). Eu quero ir fundo nesta estúpida brincadeira".

O comandante e o corpo da guarda vieram e juraram que haviam fechado a cancela às dez horas; que antes dessa hora não havia entrado ninguém estranho ao Governo; que, até o momento em que Giorgi viera chamá-lo, ele havia permanecido na varanda, em companhia de amigos. De modo que ninguém teria podido passar sem ser notado.

Quando se reuniram o carcereiro e os homens da Siai, eu lhes disse que um miserável havia permitido apanhar-me nas suas zombarias, fazendo-me objeto de brincadeira desse gênero miserável e que eu pretendia que ele fosse descoberto e punido.

Eles começaram a explorar minuciosamente a casa, empresa muito fácil porque tratava-se de três salas apenas, mobiliadas com simplicidade espartana. Terminado isso, coloquei quatro homens, munidos com lanternas, debaixo da casa, que era construída sobre uma palafita da altura de quatro pés. Coloquei os outros de frente, dentro e dos lados, de modo que saberia ser impossível a um ratinho entrar na casa sem ser visto. Em seguida, depois de haver explorado por minha conta minha casa, fechei-me no estúdio, junto com Poruma e Giorgi.

Foi quando recomeçou a mesma história e, malgrado os cordões de guarda, e as precauções adotadas, os passos misteriosos alcançaram o estúdio, do modo igual ao primeiro. De preferência, o eco dos passos no viaduto era como os de um homem calçado com pesadas botas; em seguida, o eco dos mesmos passos rangedores na varanda. Mas assim como desta vez a varanda estava brilhantemente iluminada, tivemos a possibilidade de observar a depressão produzida pelos passos no soalho de tabuinhas e isto no ponto preciso onde se ouvia o rumor, como se o pé dum homem calcasse realmente naquele ponto. Voltei-me para os indígenas perguntando: 'Muito bem, que coisa pensam de tudo isso?' - Eles, como criados, responderam que 'assim como não podia tratar-se de um homem fugido da vigilância de toda a guarda, devia tratar-se do espírito dum defunto ou do diabo em pessoa'. - Ao que repliquei: 'Que seja o espírito dum defunto, ou do diabo em pessoa, para mim dá na mesma. Mas se ele quer dar-se ao capricho de brincar às minhas custas, esta noite brincará sozinho porque dormirei a bordo do Siai'.

No dia seguinte, fui ao encontro de Armit e lhe perguntei: 'Saberás informar-me sobre o fenômeno da casa infestada? Porque qualquer coisa semelhante sucedeu-me ontem à tarde na casa a mim cedida por Moreton'. - Armit observou: 'Moreton aludiu algumas vezes a acontecimentos dessa natureza, mas sempre o fez de modo muito vago e reticente. Esta noite proponho-me a fazer-lhe companhia e investigaremos juntos esse mistério'. - De fato, ele veio, mas nada ocorreu durante toda a noite e o fenômeno não mais se renovou. Um ano depois a casa foi demolida...

Quando Moreton voltou, eu o pus ao corrente de tudo quanto tinha sucedido e ele observou que, numa noite, enquanto dormia na amaca, fora por sua vez despertado pelos mesmos passos. Por isso havia perguntado, indignado, quem fora que se permitira zanzar daquela maneira. Mas por toda resposta, sua amaca fora violentamente atirada contra a parede. Ajuntou: guardei-me bem de não falar a ninguém porque eu estava sozinho e não queria expor-me ao ridículo.

Esses fatos, que considero meu dever relatar, o faço pelo preço que valham. Deixo aos leitores interessados nos fenômenos ocultos, ou nas pesquisas psíquicas, a tarefa de formularem a esse respeito as conclusões que melhor creiam. Quanto a mim, limito-me a declarar solenemente que tudo quanto escrevi é a pura verdade".

Este é o interessante relato dum eminente magistrado, adido ao governo da Nova Guiné. Para quem está a par dos fenômenos de infestação, a experiência ocorrida com o relator, num país selvagem, torna-se em tudo análoga a tantas outras que se realizaram em países civilizados. Todavia, seu caso parece notável por diversas circunstâncias: acima de tudo, pelo controle imediato e rigorosíssimo dos fatos que ele pôde improvisar, por causa da autoridade que lhe conferia seu cargo e, depois, pelo fato da audição e visão coletivas da parte de numerosas testemunhas dos mesmos rumores dos passos, combinados com as aberturas das portas fechadas a cadeado; e finalmente, pela circunstância de haverem três podido vigiar, à plena luz, os rumores dos passos, tão próximos, a ponto de poderem observar a depressão que se produzia no soalho da varanda, simultaneamente com o eco dos passos, como que se tratasse dum pé verdadeiro que calcasse naquele ponto, o soalho.

Isso é interessante, e não me lembro de haver nunca lido uma experiência tão circunstanciada do mesmo fenômeno.

Em louvor das presumíveis origens dos fatos, nada é possível inferir-se como válido quando não são notados os precedentes relativos à casa infestada, mas tudo concorre para demonstrar que aqueles passos cadenciados e ribombastes que persistiram a rodar em volta do relator, aquelas portas que persistiam em abrir-se, aquela amaca que, por toda resposta a uma pergunta formulada por quem se achava lá, foi lançada violentamente contra a parede, testificam a presença duma vontade que agisse no presente e isso presumivelmente com o objetivo de assinalar a própria presença para o novo proprietário, valendo-se dos meios dos quais dispunha; quer dizer, que não podendo fazer como queria, o fez como podia.

Isso explicado a título de esclarecimento genérico, não é caso de difundi-lo posteriormente a respeito, visto como os objetivos do presente trabalho são unicamente os de demonstrar, sob a base dos fatos, que entre os povos primitivos realizam-se todas as graduações das manifestações supranormais que acontecem entre os povos civilizados, com as conseqüências teóricas que delas derivam.

No episódio que segue, trata-se da visualização de fantasmas infestadores. Retiro do livro de Frank Hives Glimpses into Infinity. O autor foi, por longo tempo, comissário do Governo na Austrália; depois, na Nova Zelândia, em seguida, na África (na Costa dos Escravos e no interior da Nigéria) e finalmente na Ilha de Jamaica. Pode, deste modo, acumular uma experiência pouco comum acerca das manifestações supranormais entre os povos primitivos, e tanto mais que ele nascera um sensitivo que, desde a primeira infância teve de experimentar impressões e perceber visões que ele não compreendia, o que vale para explicar a freqüência das suas experiências dessa natureza entre os povos primitivos. Ele formula, a propósito, uma observação importante dado o fato de que a freqüência, quando não a ausência de manifestações do gênero, resultou sempre numa relação direta com o nível moral dos povos com os quais residia.

Ele escreve: "Durante os muitos anos transcorridos comigo na Austrália, não tive que experimentar impressões supranormais, ou manifestações infestatórias de nenhuma espécie, exceção feita com algumas experiências de clarividência no presente, durante o sono. Isso, presumivelmente, porque encontrava-me em país civilizado, e além disso imune aos dramas da barbárie, e em moradias novas e falto duma história qualquer que fosse. Na Nova Zelândia, sucedeu-me, entretanto, apenas uma única experiência do gênero. Mas quando fui mandado para a África Ocidental, e para a Ilha da Jamaica, onde tantos delitos e tantos massacres foram realizados pela barbárie invasora, manifestações de toda espécie acumularam-se na minha experiência. Sem dúvida, os 'espíritos proscritos', por mim visualizados, expiavam suas culpas no ambiente em que viveram e, provavelmente, se manifestavam a mim, com o intuito de solicitarem, de qualquer modo, sua redenção. Quando não, tentando, ao invés, controlarem-me segundo os seus fins". (Ver pág. 12).

O relato do caso ocupa vinte páginas do livro, de modo que deverei limitar-me a resumir os trechos essenciais.

Ele narra: ''`Recebi a ordem de transferir-me para o Comissariado de Warri District, (Costa dos Escravos)... À minha chegada, lá encontrei o comissário que eu ia substituir e permaneceria ainda uma dezena de dias à espera da barca na qual partiria. Decidimos empregar aquele tempo dando um giro de inspeção nas principais aldeias do distrito, o que me teria fornecido ocasião de conhecer pessoalmente os vários chefes das mesmas aldeias... Havia levado comigo víveres e utensílios que, provisoriamente, haviam sido colocados num bumgalow disponível, enquanto esperava ocupar a residência do Governo, quando o comissário fosse embora. Portanto, como no dia seguinte eu devia partir para esse giro de inspeção, decidi não desfazer as embalagens até a minha volta.

Esse bungalow compunha-se de dois grandes quartos com varanda, atrás dos quais estavam a cozinha, a despensa, o banheiro e os quartos dos serviçais... Era uma habitação que a ninguém poderia ter passado pela mente estar infestada.

Terminada minha entrevista de negócios com o comissário, voltei ao bungalow para ver se minhas ordens tinham sido executadas. Mas nem bem cheguei na soleira da porta, fui apanhado pelo usual calafrio do desconhecido, indício certo da presença, naquele ambiente, de algo que não era de origem humana. Compreendi, pois, estar num ambiente infestado. Aquele calafrio renovou-se no quarto de dormir, na sala de jantar, na varanda, por toda a parte daquela casa...

Malgrado isso, o pensamento de dever dormir naquele ambiente não me preocupava de forma nenhuma porque, já há muito tempo, havia contraído o hábito de conviver com semelhantes ocorrências e sabia que não correria risco nenhum. Depois do jantar, deixei livres os indígenas do meu séqüito, ficando comigo só o camareiro. Quando me dispunha a meter-me na cama, ocorreu-me observar que o indígena em questão; que estava a meu serviço há vários anos, olhava-me com uma expressão que transpirava ter alguma coisa para me dizer, mas que não ousava. Avisei-o, observando que se tivesse alguma coisa para me dizer que o fizesse.

Ele, com maneira hesitante, começou dizendo: 'Meu patrão, é melhor não dormir nesta casa. Ela tem má fama'...

Nesse ponto ele parou, à espera duma palavra minha. Mas eu não falei nada e ele prosseguiu assim: 'O sr. sabe, patrão meu, que quando eu lhe falar de casas de má reputação, sempre terei razão. E, ainda desta vez, eu o advirto de que esta casa não é boa'.

Indagado sobre por que razão ele assim pensava, respondeu: 'Senti no meu íntimo alguma coisa que me diz'.

Essa sua resposta era para mim duma eloqüência insuperável e muito pouco teria podido melhorá-la. Também eu senti alguma coisa no meu íntimo que me avisava da presença de um espírito sofredor. A dele era intuição, mais que sensação, mas compreendi logo o que ele tentava dizer. Contudo, a mim não convinha dar-lhe razão, por medo de que ele falasse com os outros do grupo, colocando-me em sério embaraço, porque eu sabia que seria rejeitado por todos por permanecer naquela casa. Portanto, disse-lhe que suas palavras eram pura fantasia, sem lógica... mas que podia ir dormir com os outros, o que ele fez rapidamente.

Apenas ele se foi, peguei a lâmpada e examinei cuidadosamente os quartos e reposteiros. Nada a assinalar... Então, fui para a cama, fechando a porta. Durante muito tempo esperei inutilmente o sono. O ambiente no qual me encontrava me oprimia... Desci da cama, acendi a lâmpada, fui para o escritório e comecei a examinar os documentos do comissariado. De repente, invadiu-me o calafrio do desconhecido, e percebi que estava para realizar-se uma manifestação. Olhei à volta, mas nada vi... Apenas na minha testa começou a soprar uma brisa gélida, que trazia um cheiro fétido pouco agradável... Não sabia se me decidia a levantar os olhos do documento que eu lia, mas quando a brisa começou a soprar forte, reparei nela uma respiração aflita e um suspiro. Olhando, percebi o vulto e a espádua dum negro que olhava por trás da rede metálica do mosquiteiro enquadrado na janela aberta. Aquele vulto estava claramente iluminado pela lâmpada colocada muito próxima. Dois olhos escancarados e sem vida pareciam procurar alguma coisa naquele quarto, e debaixo dos olhos, surgiam dois túmidos beiços exangues e abertos. Aqueles olhos não me olhavam, mas atravessando-me, fixavam-se no vácuo e eram vítreos como os dum cadáver. Sabia eu estar observando um ser que não estava vivo, mas sabia também que não podia fazer-me nenhum mal. Depois não foi medo o que experimentei; era antes um sentimento de repulsa e de horror. Escapou-me automaticamente a exclamação: 'Mas o que está acontecendo?' - Nenhuma resposta. O olhar vazio daquele vulto sem vida continuou a fixar-me no vácuo e atravessou minha pessoa: aquele ser ignorava minha presença. A distância entre nós era de menos de três pés. Não podia despregar o olhar daquele fantasma: era o fascínio duma serpente sobre o passarinho inerme...

De repente, a lâmpada, que até então iluminava claramente a cena, começou a enfraquecer rapidamente, como que se dela fosse subtraído o alimento. Fiz por levantar a torcida, mas notei que eu tinha os movimentos paralisados, coisa que me acontece freqüentemente em circunstâncias semelhantes. Fazendo um grande esforço de vontade, consegui mover o braço, fazendo o sinal da cruz diante do fantasma. Não saberei dizer porque me comportei assim, mas o fantasma desapareceu... Levantei-me, explorei novamente os locais que estavam todos em ordem. Mas quando estava para retomar meu lugar, percebi direto em mim o eco dum passo furtivo, como se um homem, com pés descalços, passeasse pelo soalho. Desta vez, acreditei na intrusão de um ladrão e me voltei dum salto, percebendo a forma dum indígena quase nu que se distanciava de mim, dirigindo-se para o dormitório. Hesitei um instante, porque não estava armado, mas quando o vi entrar no meu quarto, segurei-o por detrás, com força.

Lá chegando, não vi ninguém, apenas um rumor de louças que se chocavam umas nas outras quando cheguei na sala. Corri imediatamente e aí tornei a ver o mesmo fantasma que parecia olhar para cima com terror. Perguntei: "O que é que você quer?" - Nenhuma resposta, nem indício nenhum de haver ouvido. De repente, aquela forma levantou, com um gesto desesperado, os braços para o alto, curvando as costas como a proteger-se de algo que se precipitasse de cima. Em seguida, caiu por terra, tornando-se uma massa sem vida. Aproximei-me com a lâmpada para observar aqueles despojos inertes, e assim comportando-me, os vi desfazerem-se e desaparecerem rapidamente, começando pelas extremidades; a última a desaparecer foi a cabeça...".

Nesse ponto, o relator informou que, no dia seguinte, partiu, junto com o próprio servo, para o giro de inspeção no país, deixando na própria escolta indígena a ordem que deveriam dormir em turnos, dois de cada vez, no bungalow, para vigilância dos instrumentos.

Na sua volta, encontrou os próprios subalternos amotinados porque os homens que sucessivamente haviam dormido naquele ambiente, tinham ouvido o eco persistente de passos furtivos que passeavam nos locais, além de rumores de louças que se chocavam umas com as outras, e de cadeiras e mesas jogadas no chão com força.

Por sorte, o comissário, com o final do seu tempo vencido, embarcou de manhã, e o relator pôde tomar posse dos edifícios pertencentes ao governo.

Ele teve o cuidado de informar-se sobre os antecedentes da casa infestada e assim escreveu: "Um antigo nosso intérprete, nativo do país, informou-me que aquele bungalow fora construído num terreno dum antigo cemitério que tinha fama de ser a morada de espíritos sofredores. Acrescentara que, quando no local onde foi edificado o bungalow, uma enorme trave do forro do teto caíra das mãos dos operários, despencando e matando, com um golpe, um homem estranho aos trabalhos que não deveria encontrar-se naquele lugar...

Eu não tive êxito em formar um conceito satisfatório sobre a origem da manifestação exposta. Se o segundo fantasma que me apareceu, e que vi cair no chão, como se fosse derrubado por uma qualquer chumbada do alto, era o espírito daquele que foi golpeado e morto pela trave em questão, por que então a vítima duma desgraça deveria transformar-se num 'espírito confinado', condenado a repetir indefinidamente a cena dolorosa da própria morte? - Mas, provavelmente, isso que me disseram não seria mais do que uma singularidade do acontecimento ocorrido, ao qual podia religar-se novamente ao evento ignorado pelo meu informante..." (Ver págs. 143-163).

A perplexidade teórica demonstrada pelo relator é mais do que legítima, e no terceiro volume do meu Indagini sulle Manifestazioni Supranormali, estudei um modo de aprofundá-la sob todos os aspectos.

Nos casos que correspondem a este em exame, no qual o espírito cumpre constantemente a mesma ação automática, demonstrando com isso ser uma sombra sem vida, que ignora a presença de quem o observa, a hipótese que melhor responde aos fatos será aquela da "psicometria de ambiente", segundo a qual, da mesma maneira na qual um sensitivo, apalpando um objeto saturado da "influência"vital da pessoa distante, é colocado com isto em relação psíquica com a mesma pessoa da qual percebe subjetivamente a semelhança, descrevendo a fisionomia, o caráter e o acontecimento de realce da sua vida, assim, analogamente, dever-se-ia interferir no nosso caso, observando que, quando num dado ambiente se desenrola uma cena dramática, as vibrações que se desprendem dos protagonistas do drama venham a ser absorvidas e guardadas em estado latente pelo éter circundante, com a conseqüência de que, quando acontece a um sensitivo encontrar-se naquele ambiente, sucede recolher as vibrações em questão que, no seu sensório, transformam-se nos revezes dramáticos que se desprenderam dele; pelo que o sensitivo verá desenvolver-se diante dele a cena cinematográfica do drama, assim como no mecanismo do fonógrafo as vibrações fônicas impressas no disco, transformam-se na voz ou na música que as havia gerado.

Isto explicado, apresso-me a acrescentar que, se é verdade o que se disse, pode-se considerar demonstrado sob a base dos fatos. Quer dizer que as propriedades maravilhosas do éter do espaço têm o poder de preservar e de conseguir reproduzir, diante da visão dos "sensitivos", a "sombra" dos personagens vividos; não obstante, é igualmente verdade demonstrada que as vibrações não possuem totalmente a virtude de ressuscitar para a nova vida a mesma "sombra", fazendo a agir no presente.

Isso seja dito, para recordar aos propugnadores de uma "psicometria que tudo explica", como isso torna-se inconciliável com o complexo dos fenômenos investigados, já que, quase todas as vezes, os fantasmas infestadores demonstram inteligência, não só conscientes do ambiente em que se acham, olhando no rosto os presentes, dando um sinal de aproximação, ou dirigindo de fato a palavra. Nesse caso, ocorre pensar bem em outra hipótese, se bem que de natureza diferente, subentendendo toda a presença real no lugar do defunto que se manifesta ou, pelo menos, uma ação telepática a distância do mesmo.

Reparo, além disso, como também, no episódio exposto, permanece um resíduo episódico que não se explica com a hipótese psicométrica. É que, se é verdade, como indubitavelmente é verdade, que a psicometria reproduz mas não cria, então como aceitar o eco dos passos perambulando pela casa, pelo rumor das louças chocando-se entre si, e das cadeiras e das mesas lançadas ao chão com força? Essas façanhas não se podem atribuir a vibrações latentes no éter, que se renovam, mas que tendem, ao invés, a demonstrar a presença no local duma vontade qualquer, que age no presente, com os próprios fins, presumivelmente para assinalar a própria presença aos vivos. Entretanto, bastante freqüentemente é claro que, comportando-se assim, não agisse do modo como queria, mas como podia.

As coisas estando assim, deveria dizer-se que não é exato presumir que os espíritos confinados repitam indefinidamente uma cena dramática de sua vida, mas sim, que eles voltam ao ambiente no qual viveram, para projetá-lo telepaticamente, na rara circunstância na qual eles estão cientes de que a projeção seria percebida por algum sensitivo lá presente, e isso com a finalidade de identificação pessoal, ou outros objetivos de natureza diferente.

Note-se também que, se se tratasse duma projeção telepático-espírita, então, explicar-se-ia o estado de inconsciência de tantos fantasmas infestadores.

Isso explicado, eu paro aqui, porque não é certo comentar um caso em que não seja possível desentranhar o intrincado tema em exame; tanto mais que o mesmo tema exorbita dos objetivos do presente trabalho, com relação aos quais o exemplo citado vale exclusivamente para demonstrar como também entre os povos primitivos encontram-se manifestações de fantasmas infestadores, idênticos em sua natureza aos que se observam entre os povos civilizados.

V - Apporto e Asporti (*)

(*) Apporto corresponde ao aporte quando o objeto vem de fora para dentro dum recinto; Asporti; quando o objeto sai do recinto para fora.

Na seção precedente, citei o caso Grottendrieck, no qual as pedras infestadoras caíam na cabana, atravessando um espesso estrado de grandes folhas de kadjang, intactas e impermeáveis. Foi isso que me ofereceu ocasião de comparar essa circunstância de fato com a outra análoga que caracteriza os fenômenos de apporto.

Em seguida propus-me prosseguir com os exemplos de apporti, obtidos entre os povos selvagens; mas tive a surpresa de descobrir que, na minha coleta, na qual estão registrados e classificados os fenômenos de ordem supranormal, chegados ao meu conhecimento em meio século de pesquisas, não existiam casos de apporto, ocorridos entre os povos selvagens africanos e norte-americanos (peles-vermelhas); havia unicamente fenômenos de apporto ocorridos entre os povos semicivilizados da Ásia e da Polinésia.

Mas, também sobre esse assunto, tenho a ressaltar que os exploradores e os missionários aos quais os mencionavam de passagem, faziam-no de forma genérica, quando não anedótica, sem atribuir-lhes importância e sem aprofundar o tema e, conseqüentemente, os episódios por eles citados não se podiam utilizar numa classificação científica. É pena, porque trata-se, quase sempre, de episódios que têm o cunho genuinamente supranormal. Unicamente dois desses episódios podem permanecer válidos também numa classificação científica, seja pelas circunstâncias de ambiente na qual se realizaram, seja porque foram suficientemente bem observados e descritos, seja, enfim, pela personalidade notável e apreciável dos relatores. Mas, para cúmulo da infelicidade, esses episódios foram já por mim publicados na monografia sobre Fenomini di Apporto.

De qualquer modo, não posso eximir-me de citá-los novamente, visto que, se me abstivesse, a presente classificação apresentaria uma lacuna, faltando totalmente nela a seção dos fenomeni di apporto.

Sobre o que se refere à inesperada circunstância a que se aludiu, em base da qual dever-se-á presumir que o fenômeno dos apporti torna-se desconhecido no ambiente selvagem africano e norte-americano, observo que essa circunstância é muito relevante, conquanto não se poderá atribuir à negligência dos exploradores e missionários, pois que, assim como eles mencionam em conjunto todas as graduações dos fenômenos supranormais que se realizam nos povos selvagens, não pareceria verossímil, tivessem todos omitido a indicação de um só desses fenômenos, ou de fenômenos presumíveis. Por outro lado, parece igualmente inverossímil atribuírem-se tais lacunas à menor potencialidade das faculdades supranormais nos feiticeiro-médicos africanos e norte-americanos. Sendo as coisas assim, dir-se-ia que isso depende das condições de ambiente no qual transcorre a existência dos selvagens em questão, existência primitiva, reduzida a sua mais simples expressão, privados das necessidades materiais, ou voluptuarios impelentes, pelos quais na sua mentalidade não podia brilhar a idéia de pedir aos "fetiches" trazerem seus objetos apanhados em outro lugar; quando, ao invés, parecia racional que lhes brilhasse na mente a idéia de pedir remédio para as suas enfermidades e para as mordidas das serpentes; de perguntar informações sobre rebeliões das tribos inimigas; sobre as zonas melhores para realizar uma boa caçada e boa pesca; sobre acontecimentos futuros não iminentes na sua tribo, e outras mais.

Termino citando um trecho retirado do livro do etnólogo Max Freedom Long Recovering the Ancient Magic (pág. 230), na qual ele aponta genericamente as manifestações que considerou como as que se realizaram entre os povos semicivilizados da Ásia e da Polinésia.

Ele observa: "Para as materializações de objetos que se 'concretizam no ar', o Kahuna entraria em relação com os espíritos Aumakua (Deidades ancestrais) que existiriam num ambiente espiritual saturado duma sublimada graduação; de Mana (fluido vital ou éter vitalizado), capaz de desintegrar e reintegrar nos seus elementos eletrônicos a matéria constituinte dum objeto qualquer, enquanto os espíritos Aumakua: possuiriam, apenas eles, o poder criador necessário à sua utilização... Qualquer objeto, como também o corpo dum ser vivo, podem, desse modo, vir a desintegrar-se, e introduzido sob uma forma fluídica no interior dum ambiente hermeticamente fechado, para aí reintegrá-lo, outro tanto, instantaneamente; quando não, pode vir desintegrado e transportado do recinto dum ambiente hermeticamente fechado, e transportado para outra parte, para, depois, vir de fora novamente para o ambiente do qual foram tirados. E tudo isso se daria, porquanto a matéria é constituída do mesmo Mana especializado existente no plano espiritual dos Aumakua. Do que sucederia que um objeto qualquer pode também ser criado no plano de Mana mencionado, para, em seguida, ser transportado ao plano físico. Em outros termos: tudo isso acontece porque a matéria é apenas força condensada, originada no plano transcendente do Mana sublimado".

Como se viu, com base nas explicações fornecidas, não se trataria unicamente de aporte de objetos existentes, mas algumas vezes de objetos inexistentes, criados desse modo no plano astral e trazidos ao plano físico. É isso que leva a recordar a famosa criação de "gemas" na experiência do rev. William Stainton Moses, durante as explicações fornecidas a propósito pelo seu espírito guia Imperator, correspondentes às dos Kahunas. Ele igualmente havia dito: "Nós tínhamos o poder de cristalizar as gemas, subtraindo-as dos elementos da atmosfera; enquanto que no vosso mundo as gemas cristalizam-se pela força dos processos da natureza".

Como se vê, Imperator fala de elementos subtraídos da atmosfera, e no caso dos Kahuna fala-se de elementos subtraídos do Mana sublimado que, quando está em relação com n éter do espaço, torna-se imanente na atmosfera.

Dum outro ponto de vista, observo que, baseado nas elucidações dos Kahuna, dever-se-á reconhecer que as intuições dos mesmos parecem notavelmente afinizadas com as modernas cognições científicas sobre que, em última análise, resultaria na constituição da matéria e sobre o que, em última análise, se manifestaria a propriedade do éter do espaço que - como disse - corresponderia ao Mana dos povos primitivos.

Isso tendo sido necessário, passo à citação de dois casos de aporte de que disponho, com relação aos povos semicivilizados.

A senhora Annie Besant, a notável presidente da Sociedade Teosófica, tratando, num longo estudo publicado nos Annales des Sciences Psychiques (1906, págs. 657-673), dos iogues indianos e dos métodos com os quais chegam a adquirir faculdades supranormais, menciona experiência dessa natureza executada em sua presença por um desses iogues.

Ela narra: "Ele estava quase nu, particularidade da maior importância quando se trata de fenômenos de aportes. Em verdade, ele não possuía mangas dentro das quais dissimulasse objetos, e todos os seus indumentos consistiam numa faixa de pano ao redor dos rins. As pernas e seu inteiro dorso, da cintura à cabeça, estavam despidos... Quanto aos utensílios empregados, consistiam numa mesinha por nós mesmos fornecida. Uma pequena caixinha de dois pavimentos, que ele colocou nas nossas mãos, e que foi minuciosamente examinada por nós, porque tratava-se duma tarefa muito delicada, e uma garrafa comum contendo um líquido claro, em tudo semelhante a água, mas que, acredito, não era água pura.

Tomamos lugar perto dele... - Por um momento, olhou para os convidados, um depois do outro, com um olhar penetrante, e quando chegou perto de mim, examinou-me com o máximo interesse, para depois dizer-me: 'Cuide de não me interromper e, sobretudo, não me faça oposição durante as operações'. - Prometi-lhe que me manteria completamente passiva. A esse respeito devo fazer notar que eu tinha também praticado a disciplina da ioga, pelo que deduzo que aquele homem tinha percebido e conseqüentemente havia entendido que eu podia fazer-lhe oposição se eu tivesse querido.

Então ele perguntou: 'Designem-me os objetos que desejam que eu traga aqui. O meu "espírito elemental" o fará chegar nesta cesta'. - Alguém pergunta se se pode trazer objetos de países muito distantes. Respondeu: 'Posso, se se tratar da Índia; mas não me será possível fazê-lo se se tratar de países de ultramar'. - Esses eram, portanto, os limites do seu poder. Então, um de nós observou: 'A cem milhas daqui há uma cidadezinha onde se fabricam uns doces muito especiais da Índia. Traga-nos esses doces'.

A manhã já ia adiantada, e aquele homem estava no nosso meio, em plena luz do dia. Pouco depois, ele abriu a caixinha e pôs-se a esvaziá-la, com as duas mãos, lançando sobre a mesinha os doces pedidos, e fez prontamente um montão deles, mais alto do que a caixinha. Foi-lhe perguntado de onde tinha origem aquela quantidade de coisas doces e ele respondeu que quem lhe trazia era o seu 'espírito elemental'. - Tratava-se precisamente daquele tipo de doces por nós requisitados. Distribuímo-los às crianças da aldeia que os saborearam com muito gosto".

Essa espécie de experiências tão difíceis de serem compreendidas por uma mente ocidental são, ao contrário, facilmente explicáveis pelo indiano que falará sobre a própria subconsciência entrada em relação com os "espíritos elementais"...

Este segundo episódio que retiro da revista inglesa The Occult Review (1923, pág. 339), é análogo ao precedente, porém, mais complexo.

A senhora Josephine Ranson, notável cultora das pesquisas psíquicas, refere que, numa estada feita num grande subúrbio, situado nas faldas do Himalaia, conheceu lá um jovem iogue, que fora iniciado desde a primeira infância, e com a mais severa formalidade de praxe, nos mistérios da ioga.

Ela prossegue assim: "Aquele jovem iogue era absolutamente contrário a fazer- propaganda dos seus mágicos poderes, mas conseguimos convencê-lo a fazer-nos conhecer alguma coisa, pois estávamos interessados séria e sinceramente nesses mistérios...

Ele escolheu uma tarde de terça-feira... dia em que adorava sua Divindade e, em conseqüência, possuía, em grau máximo, faculdades supranormais... Veio-nos diretamente da cerimônia da adoração. Estava só e com a indumentária reduzida ao mínimo. Sentou-se no meio de nós; a iluminação do ambiente permaneceu como estava, e todos nós nos sentamos em círculo no chão, colocando-o no meio.

O jovem iogue perguntou que coisa se desejava que ele fizesse. Alguém pediu o transporte de leite quente. Então, ele pediu emprestado um caldeirão pequeno com água da cozinha e um xale. Pôs o caldeirão diante dele no chão e cobriu-o com o xale. Logo em seguida, mergulhou a mão direita na água e, quando a retirou fora, levantou o braço, espargindo a água no ar com um impulso enérgico dos cinco dedos, que manteve uns instante abertos. Enquanto executava o rápido gesto, entoava em sânscrito, uma invocação (mantra). Sempre invocando sua divindade, com um outro gesto enérgico levou a mão a uma altura de um pé acima do caldeirão coberto com o xale, tendo os dedos abertos e imóveis no sentido horizontal. Foi então que percebemos o rumor dum líquido que jorrava dentro do caldeirãozinho; e, logo depois, removeu o xale. Ficamos estupefatos, porque o caldeirão estava cheio, nuns dois terços, de leite fervido e ainda muito quente.

Depois de algum tempo, pediu-se o transporte de fruta seca. O iogue pediu um prato da cozinha que depôs diante dele, sem cobri-lo com o xale. Repetiu o rápida gesto elegante de invocação, e no momento em que sua mão tornava a estender-se sobre o prato, apareceram nele cachos de uvas murchas e frutas secas de passas.

Pouco depois, um de nós pediu o transporte dum melão, embora os melões estivessem fora de época no norte da índia. Entretanto, depois da habitual invocação e do gesto que a acompanha, materializou-se, embaixo de sua mão, um grande melão verde. Parecia colhido há pouco tempo, porque da haste cortada pingava ainda a linfa.

Uma moça do grupo, a quem não agradava os doces indianos, pediu para que fossem trazidos doces europeus e possivelmente de chocolate. Nosso iogue não conhecia chocolate, como também não conhecia nem uma palavra de inglês, pois nunca havia entrado em relação com europeus antes da nossa chegada. De qualquer modo, disse que faria o melhor de sua parte para contentá-la, e que a moça lhe explicasse que coisa era chocolate. Ela pôs-se a explicar, mas evidentemente até chegar a um certo ponto, porque quando a invocação e os gestos correspondentes terminaram, materializou-se, no prato, um montão visível de doces que não eram de chocolate. Além disso, pareciam de velha fabricação e estavam também pouco limpos, de modo que não se apresentavam com aspecto muito atraente e os presentes não quiseram experimentar. Nosso iogue, vendo sua hesitação, desculpou-se pela sua incapacidade de satisfazer os seus desejos.

Afinal, pediu-se ainda fruta fresca e não tardaram a vir para o prato, sob o prestígio da mão do mago, um montão de maçãs, laranjas, e de romãs, que todos nós comemos com liberalidade. Ficaram ainda alguns que conservamos até quando apodreceram.

Naturalmente dirigimos muitas perguntas ao iogue acerca da natureza e extensão dos seus poderes mágicos. Respondeu com franqueza a algumas das nossas perguntas; a outras não respondeu, ou não pôde responder. Achando as pessoas tão sinceramente interessadas, observou que teria podido colocar-nos em condições de ver o que acontecia durante a realização do fenômeno. Explicou que sua 'iniciação', obtida com grandes sacrifícios que suportava, e a austeridade da vida que requeria, havia-lhe conferido autoridade sobre uma certa categoria de 'elementais', criaturas do mundo etérico, que obedeciam-no instantânea e cegamente.

Acrescentou que, se nós quiséssemos nos submeter a uma iniciação preparatória, que ele nos teria explicado, teria podido fazer-nos ver o que realmente se realiza durante as manifestações. A iniciação preparatória consistia em jejuar, em alimentar-se unicamente com substâncias especiais, de concentrar-se na meditação, evitando toda relação com outras pessoas. Tudo isso nos teria permitido ser suscetíveis de apurar nosso poder visual, ao ponto de ver ao longe as 'criaturas etéricas' que operavam para ele...".

Em louvor aos episódios contidos nos casos expostos, observo, sobretudo, que eles não apenas foram obtidos a pedido, mas realizaram-se à plena luz do dia, no primeiro caso, e num quarto normalmente iluminado, no segundo. Entretanto, os dois iogues apresentaram-se quase nus nas experiências; três condições de fato que concordam entre si e excluem toda possibilidade de fraude.

Quanto ao que se refere às relatoras, vejo que a personalidade notabilíssima da presidente da Sociedade Teosófica exclui, de forma categórica, qualquer dúvida acerca da veracidade de quanto ela afirma haver pessoalmente observado. Entretanto, a senhora Josephine Ranson, investigadora psíquica muito cotada, é esposa dum general do exército da Índia, e o que foi narrado concorda exatamente com o que contou a senhora Annie Besant.

Referindo-me aos fenômenos de aportes obtidos, observo que eles parecem indubitavelmente maravilhosos, mas não mais do que o são aqueles obtidos experimentalmente no Acidente. Uma circunstância interessante, que se encontra não raramente também entre nós, parece aquela dos aportes que, quando devem realizar-se à plena luz, muito freqüentemente mas não sempre, os médiuns, os iogues, e os kahunas da Polinésia recorrem a idênticas medidas de precaução, consistindo em cobrir com um pano o recipiente, ou o espaço onde deve realizar-se o fenômeno, quando não, valerem-se de caixinhas dentro das quais o fenômeno acontece. Dir-se-ia, isto é, que em tais circunstâncias do gênero, a obscuridade se torna indispensável para a rematerialização do objeto trazido em condições fluídicas.

Nas célebres experiências do gênero com a médium mme. D'Esperance, experiências por sua vez executadas com luz suficiente, a personalidade mediúnica de Yolanda cobria ela apenas com um pano o recipiente no qual deveria reintegrar a planta trazida. Mas, para muitos objetos trazidos, essa precaução não parece necessária, e viu-se que o segundo iogue havia também coberto com um pano o recipiente no qual devia realizar-se o fenômeno do aporte de leite quente, mas não o havia usado para os outros aportes, embora maravilhosos. Por quê? Infelizmente ninguém sabe nada, e será inútil esforçar-se para penetrar no mistério das diferenças existentes entre os objetos materializáveis à plena luz e os que requerem obscuridade. Aos posteros, a solução do mistério.

Nos incidentes referidos, é curiosa a circunstância do iogue que, ignorando que coisa fosse o chocolate, esforça-se como melhor pode, para realizar o desejo expresso duma moça, tendo êxito só na aparência, o que não impediu que o fenômeno de aporte obtido torne-se igualmente interessante, e talvez ainda mais sob o ponto de vista teórico, já que subentende-se no médium, ou se se quiser, em quem por ele operava - uma faculdade de pesquisa supranormal maravilhosa e, ao mesmo tempo, limitada pelas condições práticas da mente consciente do médium.

Noto ainda que, tanto no caso de Annie Besant como no da senhora Ranson, os iogues afirmam que os aportes se dão com o auxílio de "espíritos elementais", submetidos à sua vontade. Ainda mais que isso que eles dizem ver ao longe a obra, acrescentam como também os assistentes poderiam ver ao longe, toda vez que se submetessem às práticas disciplinares indispensáveis. Em suma, podia acontecer que se tratasse de visualizações puramente subjetivas e alucinatórias, mas... podia também acontecer que assim não fosse.

Lembro, a propósito, como também os kahuna da Polinésia afirmam a mesma coisa, porquanto falaram de "espíritos dos antepassados". Mas essa última diferença não tem importância e poderia também acontecer que ambos tivessem razão. O que importa é a afirmação unânime de que os aportes realizam-se por intervenção externa, afirmação que interessa, de modo especial, o escritor, o qual na sua monografia sobre Fenomeni di Apporto foi levado às mesmas conclusões, com base numa circunstância de fato importantíssima que caracteriza os fenômenos de aportes e é que, se se solicita à entidade que se manifesta para "trazer" um objeto sem valor, como, por exemplo, um "cartão de visita", obter-se-á facilmente o objetivo; mas se se pede uma "nota de dinheiro" tirada rapidamente do cofre de alguém, obter-se-á por resposta que a coisa não é possível porque tratar-se-á dum roubo; quando não, que é proibido à entidade operante fazê-lo. Sobre esse assunto, reporto-me ao livro em questão dos episódios nesse sentido. Disso infere-se que, se acontece assim, então os fenômenos de aportes não são obra das faculdades supranormais subconscientes, visto que, em tal caso, os tesouros dos cofres dos outros deveriam derramar-se aos pés dos experimentadores que o desejassem.

Mas, assim como um prodígio semelhante não se realizou nunca, e em tempo algum se realizará na prática, deverá reconhecer-se que essas severas restrições morais disciplinadoras dos fenômenos de aportes, subentendem necessariamente a presença no local duma entidade espiritual de grau elevado e, conseqüentemente rígida observadora dos ditames da ética. Quando não, a presença no local duma entidade espiritual qualquer, submetida a uma vontade dirigente superior que a inibisse de satisfazer a ansiedade culposa dos vivos.

Para posteriores discussões sobre o assunto altamente importante sob o ponto de vista teórico, os envio a citada monografia.

VI - Fascinação Hipnótica

A fascinação hipnótica pode ser considerado o fator sob o qual se concentra a prática da "Magia Negra" entre os povos primitivos, práticas com as quais reduzem à impotência serpentes e feras e chegam a perpetrar sortilégios de toda espécie. Entretanto, a auto-sugestão dos que crêem cegamente nas mesmas práticas, torna-se o segundo fator indispensável a fim de que o malfeito da Magia Negra atinja muita freqüentemente seus objetivos. Daí sucede que a prática em discussão não deve se encarar levianamente, isso em conseqüência dos fatores supramencionados.

Acresce, não obstante, como tudo concorre para demonstrar que, na prática da Magia Negra acontece o que se encontra nas manifestações supranormais do gênero, as quais, segundo as circunstâncias, possam todas resultar ora anímicas, ora espíritas; e, por sua vez, a prática da Magia Negra nem sempre resulta do fruto da fascinação hipnótica combinada com a auto-sugestão, já que, em circunstâncias especiais, surge indubitavelmente sua origem externa.

De qualquer modo, e fato que essa prática, na grande maioria dos casos, tem origem no potencial extraordinário que a fascinação hipnótica pode exercer em alguns indivíduos excepcionalmente dotados a esse respeito, potencial reforçado por um constante exercício no sentido maléfico.

Começo, portanto, a considerar a prática da Magia Negra nas suas relações com a fascinação hipnótica, e isso limitadamente quanto ao que diz respeito aos povos primitivos.

O que segue é um exemplo dentre os mais simples da fascinação hipnótica exercida pelo homem em animais.

Paul Brunton no seu livro intitulado A Search in Secret Índia (pág. 108), narra que, encontrando-se na pequena cidade de Berhampur, encontrou-se com um faquir que o fez assistir a horrível experiência de auto-lesão, depois de ter retirado duma cestinha, usando uma longa pinça de madeira, um enorme escorpião venenosíssimo, pondo-o em terra.

O autor prossegue: "Naturalmente o escorpião pôs-se imediatamente em fuga, mas o faquir traçou rápido no terreno, com o dedo índice, um grande círculo ao redor do animal. Eis que o escorpião quando apenas alcançava a linha traçada pelo faquir, parava bruscamente e retomava ânimo para ir para o sentido oposto. Mas, quando alcançava o obstáculo imaginário do outro lado, parava bruscamente como da primeira vez, e novamente buscava livrar-se do perigo na outra direção, mas sempre inutilmente. Contemplo estarrecido a cena e é inútil acrescentar que fiscalizo intensamente aquele homem à luz meridiana dum sol tropical. Mas não há nada a acrescentar: o fenômeno é verdadeiro e repete-se sem parar durante quatro ou cinco minutos, até quando fiz sinal ao faquir de estar plenamente satisfeito. Então, ele prendeu de novo o escorpião, levando o para o cestinho".

Como se vê, trata-se dum fenômeno de aparência bastante simples, mas que, em realidade, subentende uma questão formidável relativa aos poderes ocultos da vontade humana. Disso não se pode duvidar. Mas como se exerce, nessas contingências, o fascínio hipnótico gerado pela vontade do faquir? Este último agiu talvez telepaticamente ao vigiar o escorpião e inibindo-o de ultrapassar o círculo traçado, cada vez que o percebe avizinhar-se desse limite, ou o dedo do faquir deixou um fluido inibidor no círculo traçado, fluido suficientemente eficaz para ser percebido pelo escorpião e ser detido? - Ninguém sabe! Todavia, não se entrevêem outras explicações presumíveis sobre o curioso fenômeno; ou uma, ou a outra é a verdade, o que constitui, de qualquer maneira, um mistério muito sugestivo para se compreender.

O escritor havia citado o incidente descrito num seu trabalho publicado na La Ricerca Psichica (1938, pág. 253) e um assinante da revista, sr. A. Minghetti, enviou logo outro caso análogo, no qual fala dum tal famoso o Homem das Formigas, habitante de Ispra, no Lago Maior, conhecidíssimo nos arredores pela sua faculdade de libertar as casas da invasão das formigas. Tendo entre os dedos uma moeda considerada sagrada, traça um sinal ao redor da soleira da porta e da janela do quarto infestado pelas formigas e, daquele momento em diante, nenhuma formiga penetra mais naquele quarto.

O relator escreve: "Passados três dias, na minha casa não havia uma só formiga. Eu as via andar e voltar em longas filas pelas atéias, subir pelos muros, passar diante da soleira da porta e nas sacadas das janelas, porém, sem nunca passarem dos limites. - Digam o que quiserem: o Homem das Formigas tinha tido fé na sua promessa". (Ver pág. 428).

Citei esse outro incidente porque nele ressalta-se uma circunstância que tende a sugerir a interpretação fluídica do fenômeno. Da fato, nesta vez, a inibição persistiu depois que o Homem das Formigas não estava presente, o que vale para excluir a hipótese da fascinação hipnótica, e a confirmar a outra da persistência nos riscos traçados pelo sensitivo, de um fluido inibidor perceptível pelas formigas, o que parece espantoso. Por que, então, um exército de formigas e um enorme escorpião venenosíssimo haviam de se encontrar na impossibilidade de atravessar uma linha imaginária traçada pelo dedo dum homem? Que coisa desprendeu-se daquele dedo? Por que a grande persistência na inibição? Fluidos ou Vibrações? - Mais provável que se trate de vibrações, no caso de que deveriam ser recebidas do éter circundante, não já pelo ar (porque o ar é móvel e o éter imóvel).

Quantos mistérios para se resolver suscita um incidente supranormal de aparência insignificante!

Nas tribos selvagens africanas a Fascinação Hipnótica se exerce sobretudo para tornar inofensivas as serpentes venenosas e esta é também a prova crucial que se requer para serem considerados feiticeiros autênticos.

No livro do antropólogo-etnólogo Lidio Cipriani, intitulado In Africa dal Capo al Cairo, lê-se o que segue a propósito dos feiticeiros africanos: "Ninguém pode arrogar-se o direito de ser feiticeiro sem certas práticas preestabelecidas. Em regra, todo feiticeiro é um neuropata, que está predisposto a alucinações que ele acredita verdadeiras. Assim, como exemplo, começa a ver repetidamente em sonhos os Amatonga, ou espíritos ancestrais, desejosos de usá-los como intermediários para os vivos. Então, um feiticeiro já maduro faz exame e, se o julga apto, falo ingerir remédios que agravem os seus sintomas, e inicia-o nos mistérios conhecidos só pelos feiticeiros. Nesse entretempo, o neófito emagrece muito, e isso é bom porque os indígenas não têm fé nos feiticeiros gordos. Eis que, um belo dia, ele volta da floresta com uma serpente Piton enrolada em volta do pescoço ou do tórax, ou com alguma serpente venenosa nas mãos, reduzida à impotência por efeito dos seu encantamentos. Ninguém, então, duvida mais dos seus poderes e ele inicia o exercício da sua profissão".

O comandante Attilio Gatti, no livro Hidden Africa (A África Oculta), narra uma cerimônia de iniciação dessa natureza, que ele pôde assistir. Não possuindo o livro, devo limitar-me a referir o amplo resumo que da cerimônia publicou a Light (1934, pág. 4).

O comandante Gatti, na sua longa estada entre os Zulus, havia conquistado a amizade da famosa pitonisa Twadekili. As pitonisas representavam o mais alto grau de hierarquia dos "feiticeiro-médicos", trabalhando constantemente em companhia duma enorme serpente Piton, obtendo curas que são prodigiosas e que a seu devido tempo referiremos.

O comandante não conseguia compreender de que maneira quisessem as pitonisas procurar essas enormes serpentes campeãs Piton, e mais ainda, e como jamais se viu chegassem a reduzi-las a condições de obediência canina. Mas, uma noite, em que resplendia no céu a lua cheia, foi-lhe concedido assistir, na floresta, a iniciação duma jovenzinha de nome Ramini que deveria um dia suceder a Twadekili.

Ele escreve: "Apareceu na clareira a figura duma jovem alta e espigada, com os braços estendidos para a frente, que parecia arrastar-se no chão antes de trocar os passos. Atravessou a clareira iluminada pela lua cheia, pelo que tive oportunidade de observar que estava completamente despida, e que manifestamente se achava em condições de profundo sonambulismo... Meu cachorro, ao vê-la prosseguir à nossa volta, tinha dado um longo gemido, cheio de terror, e com a cauda entre as pernas, correu a esconder-se debaixo da tenda. Ela passou próximo do ponto em que me encontrava; desejei chamá-la e falar-lhe, mas algo mais forte do que minha vontade estrangulou as palavras na minha garganta. Movi-me para segui-la e um calafrio de horror me atingiu quando vi que se dirigia para um barranco que era a cova das mais perigosas serpentes. Aproximei-me da jovem para aconselhá-la a considerar aquilo que fazia, mas não tive tempo, porque apareceu diante dela uma enorme serpente Piton. Ereta sobre a cauda, balançava a cabeça maligna para frente e ao seu redor, a poucos passos de distância, com os pequeninos olhos flamejantes como rubis aos raios lunares. A jovem parou, permanecendo rígida um instante; depois emitiu um suspiro convulso e retrocedeu automaticamente, dirigindo-se com passos lentos e solenes para a cabana-tabernáculo, sempre com os braços estendidos à sua frente, e os olhos arregalados que pareciam fixar-se no vácuo... Atrás dela seguia a serpente Piton, um monstro enorme de dezoito pés. Mas aquele monstro horrível a seguia docilmente, inocuamente, como um cãozinho bem adestrado...

No dia seguinte de manhã, meu servo indígena acordou-me dum sono profundo para trazer-me, junto com o café, a seguinte mensagem: 'Twadekili encarregou-me de dizer que o homem sábio e sagaz também é discreto e prudente'. - Eu tinha entendido".

No interessante episódio exposto, o que pela teoria se deve ressaltar, consiste em que a jovem, em condições sonambúlicas, não teve necessidade de penetrar na cova das serpentes para ir procurar a Piton que deveria segui-la. Mas foi a Piton que, atraída a distância pelo fascínio hipnótico que se irradiava da jovem sonâmbula, foi oferecer-se a ela, submissa, obediente aos seus sinais.

Acrescente-se que, ao que parece, não são unicamente as serpentes que experimentam a distância o fascínio hipnotizante dos feiticeiros e das pitonisas, mas até as feras são atraídas a distância bem maiores da mesma maneira como aconteceu com a Piton em discussão.

Eis um exemplo dessa natureza. Retirei-o do livro de Geoffrey Gorer Africa Dances. Gorer, junto com um negro dançarino por profissão, percorreu em todos os sentidos as colônias francesas e inglesas da Africa Ocidental, com o fim de estudar a dança religiosa e nupcial dos indígenas. O livro por ele escrito é o resultado dessas investigações; mas compreende-se logo que, além do objetivo de estudo a que se havia proposto, pôde assistir a manifestações de toda espécie, entre as quais também a incidentes de fascinação hipnótica a distância. Os dois casos que se seguem são os mais extraordinários do gênero.

Achava-se com o negro Benga, em Abomey, cerca de mil milhas da Costa de Dakar, quando aconteceu assistir a uma das costumeiras práticas mágicas para a descoberta dum ladrão. Depois de meia hora de espera, durante a qual o feiticeiro não havia mais cessado de repetir em voz baixa as misteriosas fórmulas do ritual "viu-se chegar de carreira, esbaforido e arquejante, um homem que prostrou-se aos pés do feiticeiro, declarando-se culpado". - Aho, o chefe da tribo havia explicado que, em virtude das práticas mágicas realizadas, o ladrão foi forçado a vir assumir a falta, acrescentando que porém só bem poucos feiticeiros-fetiches estavam em condição de obter o prodígio.

O episódio torna-se assim um belo caso de fascinação hipnótica à distância, mas, no dia seguinte, deveria suceder bem outra coisa.

O relator escreve: "No dia seguinte, descobriu-se que, em mim e provavelmente também em Benga, havia-se encarnado o espírito dum feiticeiro do 'fetichismo de Agassou', (aquele cujo feitiço é a pantera), pelo que fomos admitidos - direi assim - como membros honorários daquela seita. Depois de ter passado uma noite no tugúrio-convento, nos foi dito que havíamos nos tornado membros da seita; mas era preciso ainda que fôssemos iniciados nos mistérios da 'feitiçaria da pantera', com a antecipada promessa solene de não falar mais com ninguém sobre o que houvéssemos visto e experimentado. Com base nisso, eu devia livrar-me da máquina fotográfica e entregar o caderno de notas e o lápis...

Desagradava-me o dever de ter mantido minha palavra porque teria muitos acontecimentos curiosos para narrar, mas... o último espetáculo oferecido aos chamados 'feiticeiros honorários da feitiçaria da pantera' não posso deixar de revelá-lo.

De manhã bem cedo, junto com o feiticeiro e os outros acólitos da seita, nos dirigimos para um campo aberto, no meio duma cultura de milho. Foi sacrificada uma galinha às 'mãos' das panteras e o feiticeiro entrou logo um canto monótono, a baixa voz, com fórmulas rituais perpetuamente repetidas. Nós dois ficamos à parte, mastigando folhas de 'cola' e observando. Depois de cerca de uma hora e meia, surge dum campo de milho uma magnífica pantera adulta, que continuou a avançar até alcançar o grupo dos adeptos ao redor do feiticeiro. Logo depois, apareceu uma outra, e ainda mais outras e outras. Enfim, contamos quinze no meio de nós. Chegavam de todas as partes. Antecipadamente, havíamos sido avisados solenemente de não tocar, por nenhum motivo, nelas e de não espantá-las, porque as panteras não haviam feito mal a ninguém, salvo aos malvados. Malgrado essas boas palavras, eu me sentia aterrorizado, e minhas pernas estavam tremendo, com um tremor convulso; mas fiquei quieto e imóvel no meu lugar.

O que aconteceu no final foi espantoso. Tão logo o feiticeiro cessou sua monótona salmodia, a baixa voz, as panteras, uma de cada vez, afastaram-se rapidamente em todas as direções.

É de se notar ainda que, a primeira pantera que chegara, havia devorado a galinha sacrificada.

Era essa a primeira vez em que, na África, eu vira, de longe, essas feras em liberdade. - O episódio aconteceu cerca de quinze milhas de Abomey..." (ver págs. 230-232).

O primeiro dos episódios relatados em que, por obra dos esconjuros dum feiticeiro, vale dizer, por obra da fascinação hipnótica que se desprende da poderosa vontade dum homem, assiste-se ao fato espantoso dum culpado que chega ofegante e arquejando, correndo a prostrar-se aos pés do feiticeiro, confessando a própria culpa. Se se assiste a isso, então um evento semelhante é, de per si, neste sentido, de pasmar, de tornar bastante menos inverossímil o segundo episódio, no qual não se trata mais de homens mas de animais que se submetem a distância, ao mesmo potencial de fascinação hipnótica.

A diferença, então, entre os dois fenômenos consistiria unicamente na seguinte constatação: que aquilo que se submete à vontade do homem, pode também dar-se com a submissão do instinto animal. Sendo assim, dir-se-ia que, se um homem culpado, provido de razão e de vontade própria não pode resistir ao impulso que o alcança de longe, constrangendo-o a vir correndo para se acusar, perdendo o fruto do roubo, e sujeitando-se às conseqüências, se assim é, então esse fato parece mais espantoso ainda do que aquele das serpentes Píton, e das feras, que, por sua vez, sofrem inconscientemente o mesmo fascínio subjugador.

Em outras palavras: o verdadeiro e inaudito prodígio revelador dos casos dessa natureza consiste no potencial insuspeitado da vontade do homem, capaz de agir a distância, submetendo à própria vontade homens e animais. Esses conhecimentos, ainda rudimentares nos povos civilizados, deveríamos aprendê-los em toda sua potencialidade positiva com os povos primitivos.

Termino com um episódio que registro - talvez erroneamente - entre os pertencentes à fascinação hipnótica, porquanto eu sabia que a essa interpretação opõem-se objeções teóricas sérias; mas... o episódio é a tal ponto inacreditável (embora que quem o referiu é digno de toda confiança), que prefiro deixar aos leitores a tarefa de classificá-lo de acordo com os critérios pessoais de cada um.

Retiro esse episódio do livro de W. B. Seabrook jungle Ways (Costumes da Jungle). O autor consegue recolher preciosas observações sobre os ritos, costumes, psicologia e filosofia dos povos primitivos. Conseguiu mais do que tantos outros quando começou a aprender a língua da Jungle, e em seguida, ele teve êxito ao persuadir uma famosa jovem feiticeira chamada Wamba a unir-se à própria escolta, fazendo a viajar numa cômoda amaca, carregada por duas estacas no ombro dos homens. Sucedeu que a presença da feiticeira no grupo do homem branco serviu para dissipar toda desconfiança dos chefes de tribo e o homem branco obteve poder para ver tudo e saber tudo.

Ele chegou um dia na aldeia dum grande chefe chamado San Dei, no momento em que ele celebrava as proezas do seu irmão, a quem sucedia no comando da tribo. Havia congregado para essa circunstância todos os feiticeiros a seu comando, que produziam prodígios de Magia Negra na presença do autor, entre os quais o seguinte que o autor antecipou com as seguintes observações:

"Na tarde daquele dia aconteceu o episódio mais estranho e embaraçoso de toda a minha experiência na África. Reluto quase de falar dela... Estava perplexo e desorientado, pois não dei nenhuma interpretação sobre o que tinha acontecido realmente ao assistir o fenômeno, mas depois de tê-lo visto, senti-me bastante mal e também custei a me refazer.

Tratava-se duma horrível experiência de Magia Negra, na qual duas criancinhas são trespassadas por espadas afiadas. A feiticeira Wamba teve êxito ao persuadir as duas crianças a deixarem-se trespassar. As crianças foram entregues aos feiticeiros que se fecharam com elas no recinto secreto, e lá permaneceram o dia inteiro. Chegada a noite, reuniram-se todos numa ampla praça da aldeia, iluminada de dia por numerosas tochas.

Os próprios indígenas pareciam, numa grande parte, nervosos, quase aterrorizados pelo que se estava preparando. Os velhos murmuravam que a experiência não devia ser permitida. San Dei havia-me dito: 'Trata-se de Alta Magia, mas é muito perigosa porque nem sempre as crianças se restabelecem das feridas recebidas'.

Mandaram as duas crianças juntas aos feiticeiros. Pareciam passivas, como se se achassem sob a ação de poderosas drogas; mas mantinham-se de pé, e iam adiante com os olhos escancarados e o olhar vago, como se estivessem em condições sonambúlicas. Eu quis apalpá-las; eram crianças que eu conhecia, em carne e osso. Junto comigo estavam feiticeiros que quiseram apalpá-las por sua vez, assim como quiseram tocar e examinar as espadas por eles a serem brandidas. Eram espadas de aço, aguçadas, afiadíssimas. Posto isso, os leitores compreenderão por que motivos repugna-me descrever o que vi, realmente com meus próprios olhos, junto com a multidão dos indígenas.

Os dois feiticeiros levantaram para o alto as espadas, mantendo-as firmemente em posição vertical com a mão esquerda; em seguida, com a direita, arremessaram-nas do alto sobre as crianças e as mantiveram sob a ponta da espada, tesas como borboletas nos alfinetes.

Aquelas crianças estavam ali, na minha frente, visíveis a todos, suspensas no alto, e as pontas das espadas viam-se aparecer do outro lado. A multidão horrorizada gritava. Todos puseram-se de joelhos; muitos cobriram os olhos com as mãos e algumas mulheres desmaiaram. Os dois feiticeiros carregavam ao redor da praça seus horríveis troféus, mantendo no alto, com os braços tesos, os dois corpinhos duros, inertes e fraquinhos como mortos. Mas realmente suas feridas não sangravam! - Depois dirigiram-se para o recinto secreto no qual desapareceram junto com as crianças...

Disseram-me que, 'se tudo tivesse corrido bem', dentro dum par de horas, eu poderia rever as duas crianças vivas e em condições normais. De fato assim foi. Depois de cerca de duas horas, as duas crianças foram conduzidas à minha presença, plenamente restabelecidas e vivas..." (Ver págs. 113-118).

O relator comenta assim: "Nesta prática selvagem, esconde-se uma grande interrogação para se resolver, interrogação em que até agora persistentemente tenho-me mantido calado, fugindo dela. Mas agora sinto que não devo mais fugir, embora discuti-lo parece-me bastante difícil... Para mim, a prática da Magia Negra dos feiticeiros africanos impõe um dilema insolúvel porque, dum lado, não acredito em milagres, e não admito que com a magia possa-se produzir materializações vivas e fenômenos físicos portentosos. Mas, por outro lado, estou seguríssimo de que, diante de certos fenômenos que vi, não existe nenhuma hipótese baseada em charlatanice, e sobre jogos de prestidigitação... Permitam-me que eu termine com um paradoxo: poderia dar-se que um dia fosse constrangido pela razão a acreditar na evidência dos fatos por mim presenciados... Até no fato dum homem que se transforma numa fera... mas o dia em que devesse admiti-lo, recusar-me-ia igualmente em consentir ter assistido a um milagre. E nesse ponto não transigirei nunca...".

A feiticeira Wamba disse que estou errado, mas com toda sua sapiência não pôde ajudar-me a compreender. Afirma, porém, que se eu consentir em permanecer com os seus, renunciando a tudo, até mesmo à mania de investir contra todos pedindo explicações, ela se empenhará em fazer-me compreender, mas me previne que, nesse caso, eu entrarei por um caminho que não tem volta...".

São esses os comentários do relator, dos quais se apreende que ele, por sua vez, permaneceu perplexo e desorientado, porque nenhuma interpretação do evento em exame está em condições de satisfazê-lo. - Precisamente quando acontece com quem escreve.

Limito-me, portanto, a fornecer a respeito as elucidações metapsíquicas que servem para esclarecer, até onde for possível, o mistério a se resolver; desse modo, ajudando a orientar corretamente o pensamento da investigação.

Em primeiro lugar: tendo registrado o episódio entre os pertencentes à fascinação hipnótica, sinto-me no dever de expor as objeções teóricas contrastantes com esses registros.

No caso em que o fenômeno pertencesse à categoria da fascinação hipnótica, então deveria inferir-se que a vontade dos feiticeiros chegou a hipnotizar e sugestionar, a distância, a multidão inteira dos espectadores, causando neles uma alucinação cinematográfica coletiva, pela qual acreditavam ter assistido a uma portentosa e horrível experiência de Magia Negra, onde nada de semelhante havia acontecido.

Ora! nada de mais gratuito e anticientífico numa semelhante explicação, já que, na casuística hipnótica, não existem exemplos de alucinações coletivas a distância por transmissão telepática do pensamento. O professor Enrico Morselli e o professor Richet são explícitos em condenar essa interpretação gratuita das percepções coletivas nas manifestações supranormais. Foram eles que nas suas obras declararam que na casuística do hipnotismo, como na patologia mental, não existem exemplos de alucinações coletivas por transmissão telepática do pensamento, acrescentando que conhecem-se unicamente raros exemplos de "alucinações coletivas" por sugestão verbal, especialmente entre a multidão invadida por uma psicose mística. O que é radicalmente diferente, sem contar que, assim como as alucinações por sugestão verbal subentendem a presença de sujeitos neuropatas, também se dá que entre a multidão acometida de psicose mística, aqueles que sofrem coletivamente o contágio psíquico, são três ou quatro indivíduos, jamais a multidão.

O professor Charles Richet no seu Traité de Métapsychique, exclui peremptoriamente essa hipótese da quantidade das autênticas e fá-lo nos seguintes termos: "Para desembaraçar-se dum fenômeno que turva nossa tranqüilidade científica, fala-se de 'alucinações'. O que em verdade é muito cômodo e muito simples. E quando isso não basta, então recorre-se às 'alucinações coletivas'. Mas não existem alucinações coletivas! Os alienistas não conhecem esse fenômeno". (Ver pág. 752, da 1ª edição, Traité de Metapsychique).

Tudo isso sob o ponto de vista teórico, e já é muito, porque deveria bastar para eliminar a hipótese alucinatória do número das aplicáveis ao caso em exame. Mas se se analisa o mesmo caso, surgem particulares que provam a realidade do que sucedeu. Assim, por exemplo, o relator informa com espanto que aquelas horríveis feridas de fato não sangravam. Ora, isso é o que se dá nos casos de auto lesões nos faquires indianos, que transpassam as faces com um alfinete; transpassam os músculos dos braços com um punhal; dilaceram o ventre, sem que das feridas escarra uma gota de sangue, enquanto os sinais das feridas desapareçam imediatamente, se se trata de alfinetes nas faces; cicatrizam em menos de um quarto de hora se se trata de ferimento com punhal; e em algumas horas de absoluto repouso e imobilidade se se trata de ventres dilacerados.

Disso, portanto, se deverá deduzir que as crianças estavam efetivamente sob a ação duma poderosa sugestão pós-hipnótica, nesse sentido, a elas transmitida pelos feiticeiros. E se é assim,então o fenômeno observado era autêntico. Sem contar que, se se tratasse de "alucinação coletiva", então a alucinação deveria ter-se desenvolvido normalmente em todos os particulares e, assim como normalmente os ferimentos sangram mais ou menos abundantemente, os espectadores deveriam ter percebido sangue que escorria das feridas imaginárias.

Finalmente, deve levar-se em conta a explicação fornecida pelo chefe da tribo San Dei, que disse que se tratava de Alta Magia, que porém era muito perigosa, porque nem sempre as crianças saravam dos ferimentos recebidos. O que equivale a dizer que às vezes as crianças morriam. Se isso acontece nalgum caso, então devia tratar-se de experiência autêntica de Magia Negra, visto como as alucinações não levam à morte.

VII - Magia Nega e Sortilégios

Esta seção da presente classificação promete tornar-se longa porque a principal finalidade pela qual os povos primitivos recorrem às práticas ocultas dos feiticeiros, resulta nos sortilégios de toda espécie, a começar pelos filtros amorosos, para terminar na supressão dos próprios inimigos.

Lembro, a propósito, que na introdução da seção anterior pude observar que a fascinação hipnótica, compreendida no sentido de sugestão a distância, tornava-se o fator indispensável para que o malfeito da Magia Negra atingisse seus objetivos, o que se verifica muito freqüentemente.

O professor Toye-Warner escreve: "A potência psíquica da sugestão hipnótica projeta um facho de luz às práticas de Magia Negra. Os sucessos e insucessos desta última explicam-se igualmente, pressupondo que nem todas as vítimas alcançadas pelo alvo são sensíveis na mesma medida à força psíquica deletéria que se desprende da vontade do feiticeiro. Uma circunstância importante para se ter sempre presente consiste em que, quando o feiticeiro procede a um esconjuro, torna-se ele mesmo parcialmente hipnotizado, o que o põe no estado de entrar em relação psíquica com a vítima...

Segundo minha opinião, a Magia Negra é capaz de perpetrar o mal em conseqüência da força psíquica liberada pelo feiticeiro, por obra da concentração da vontade, no propósito de invadir e dominar a personalidade subconsciente da vítima. Se minha teoria é correta, então, a defesa melhor em semelhante contingência, consistiria em contrapor à sugestão maléfica, uma sugestão neutralizante oposta. Na verdade, encontram-se exemplos também disso entre os selvagens, quando acontece freqüentemente que um feiticeiro é mais poderoso que seu adversário, consegue neutralizar a eficácia maléfica de um esconjuro..." (Psychic Research, 1930, pág. 472).

Noto que essa última observação, segundo penso, deveria corrigir-se, observando que muito freqüentemente, quando um feiticeiro consegue neutralizar a eficácia maléfica de um esconjuro, não se trata com isso duma potencialidade do feiticeiro neutralizados, mas da fé colocada no cliente na vontade de acertar sua vida. Se ele crê nisso cegamente, então, está salvo, mas nesse caso é a auto-sugestão que completou o milagre, não a potência superior do feiticeiro consultado.

Acerca dos métodos operados pelos feiticeiros e pelos povos primitivos em geral, para entrar em relação psíquica com indivíduos distantes, parece instrutivo o seguinte parágrafo que tirei do livro, pouco antes citado de Lidio Cipriani, In Africa dal Capo al Cairo (pág. 73): "Como se acredita nos poderes sobrenaturais dos feiticeiros, também se capacita de que, através de certas práticas mágicas, qualquer um pode agir para o bem ou para o mal sobre outras pessoas. Então, por exemplo, como um Zulu acredita poder fazer adoecer um inimigo. Procura cabelos e pedaços das unhas dele e fervem-nos num vaso com um pouco de água na qual são misturados poderosos remédios e especialmente o sangue de animais ferozes, como leões e leopardos. No momento da ebulição, põe-se a dançar em volta do vaso e, armado com uma lança, começa a dar golpes violentos dentro da mistura, nomeando, a cada golpe, um local diferente do corpo da vítima. Com isso, o inimigo adoece imediatamente de Ama Nseba, isto é, fica ferido e dolorido como se fosse despedaçado pelas garras das feras...".

Observo, por minha conta, como essas práticas dos povos primitivos contêm uma parcela de verdade psicométrica, empiricamente descoberta pelos indígenas. De fato, do mesmo modo como nas experiências de psicometria, põe-se na mão do sensitivo um objeto há muito tempo usado pela pessoa distante, com quem se deseja estabelecer a relação psíquica, assim também nas experiências dos povos primitivos são os cabelos e os pedaços de unhas da vítima que vão estabelecer a relação psíquica entre a subconsciência do agente e a personalidade subconsciente da própria vítima.

Nesse primeiro caso, se presencia o adoecimento imprevisto dum homem branco, por causa das práticas mágicas vingadoras de um feiticeiro.

Retiro o episódio dum livro apreciadíssimo na Alemanha, publicado pela senhora Margherita von Eckenbrecher, que se intitula Ciò che 1'Africa mi diede, e ció che mi tolse (Was Afrika mir gab und nahm, Berlim,1907). A relatora passou muitos anos na África ocidental, junto com seu próprio marido, proprietário duma importante plantação. Ela se achava continuamente em contato com as tribos selvagens daquelas regiões: Hotentotes, Boscimani, Herreros. Quando houve a revolta desses últimos, contra a dominação alemã, ela voltou para a Alemanha, onde publicou a interessantíssima obra em questão.

Eis o episódio que ela referiu sobre as práticas consideradas. Ela escreve: "Um dia, um oficial do exército colonial, residente no distrito de Kalabard, chegou em missão em uma aldeia de Boscimani. Depois da troca habitual dos presentes, retirou-se para sua tenda que mandara levantar nas adjacências da aldeia.

Pouco depois, foi encontrá-lo o feiticeiro-médico que, na aldeia, era um personagem onipotente. Apareceu na soleira da tenda, coberto com amuletos e outros objetos de feitiçaria e, esbanjando cumprimentos e salamaleques, disse ao oficial:

- Vim para receber o meu presente.

- Deixe-me em paz! Espécie de monstro amarelo. Você não vai receber nada de mim.

- Repito que vim aqui para receber o presente que me espera.

- Não lhe dou nada. Vá embora...

- Então não vai me dar nada?

- Repito que não. Você não é o chefe.

- É verdade; mas sou mais poderoso que o chefe.

- Toma: é fumo. E agora vá embora.

- Não me basta.

- Vá, vá! Digo-lhe: quero dormir.

- Está bem - disse o feiticeiro, movendo os lábios com um sorriso - vá dormir, então. Eu vou; mas não tardará muito que você me chamará. Então serei bem vindo; e você me cobrirá de presentes e me suplicará para eu permanecer aqui.

- Precisaria mesmo que o diabo se metesse com você.

- Isso mesmo que o diabo fará! Hi! Hi! Hi! - Eu. colocarei no teu ventre pedras que vão pesar muito... Oh! como pesarão! Hi! Hi! Hi! Te contorcerás com dores; te sentirás muito mal. Agora me vou, mas por pouco tempo. Hi! Hi! Hi!

Com os braços estendidos para o oficial, e os dedos das mãos abertos, o monstro amarelo saiu da tenda. O oficial deitou-se, adormecendo logo. Pouco depois, despertou, preso dum inexplicável mal-estar. Quis descer da cama de vento do acampamento. Parecia-lhe ter membros de chumbo e atormentavam-no atrozes cãibras no estômago. Começava a preocupar-se com o próprio estado, não sabendo o que pensar; mas depois recordou-se do feiticeiro e pôs-se a rir, pensando: 'Seria mesmo verdade que aquele macacão amarelo tinha poder para enviar-me as cãibras do estômago?' - Tomou alguns goles de conhaque, mas sem resultado. As dores ficavam cada vez mais agudas e tornavam-se intoleráveis. Passeava com furor para lá e para cá, no espaço livre da tenda, engolindo Bolinhos de conhaque. Quando havia esvaziado a garrafa, sem conseguir uma melhora sequer, chamou seu bambouse (doméstico), não querendo humilhar-se para enviá-lo ao feiticeiro-médico e o fez fazer uma enérgica massagem no ventre, mas sempre inutilmente. Nada servia para mitigar o mal.

A essa altura, o bambouse observou:

- Patrão, qualquer espécie de cura é inútil, e se desejas libertar-te desse mal, manda chamar o feiticeiro-médico.

Mas o oficial não queria saber disso.

Sem demora, da abertura da tenda apareceu a cabacinha rugosa do monstro amarelo.

- Eh, bem! Como vais de saúde? Tens talvez necessidade de mim? - Sai daqui, canalha!

- Está bem, eu me vou. Mas ficarei próximo daqui e poderás chamar-me.

E assim dizendo, desapareceu.

Contudo, o sofrimento do oficial chegou até ao paroxismo, e finalmente ele resignou-se a dizer ao doméstico: 'Vá procurar o feiticeiro'.

Mas o feiticeiro já se havia introduzido na tenda, arrastando-se como uma serpente e tomando posição, com um sorriso que parecia um escárnio, disse:

- Chegou a minha vez, eh? Agora tu me chamastes. Eis-me aqui, pronto para livrar-te das dores, se tu me deres aquilo que pedi.

O enfermo, gemendo, respondeu: 'Leve tudo o que quiseres, mas livra-me dessas cãibras...'

- Espere ainda um momento. Chegaremos lá... Hi! Hi! Hi! - Sei que já sofrestes bastante, mas suporta ainda um pouquinho. Tranqüilamente, começou a fazer seus preparativos, pulando na tenda, apanhando palhinhas e restos de toda espécie, com os quais fez um feixe a que tocou fogo, murmurando palavras de esconjuro. Depois, reativou aquele fogo, jogando dentro ervas de essências que produziram uma fumaça sufocante. Depois do que, pôs-se a dançar ao redor do fogo, gritando e gesticulando, ao ponto de cobrir-se de suor. Em seguida, parou bruscamente, dizendo:

- Já deves estar melhor, não é verdade?

- Sim.

Então recomeçou com mais ardor que antes, saltando e gritando como um possesso.

- Tu sentes ainda os efeitos do mal, mas o mal já está longe.

- De fato estou bastante melhor.

- Mas te sentes ainda dolorido, não é verdade?

- Sim, um pouco.

- Dá-me de presente aquilo que destes ao chefe.

- Leve tudo isso que quiseres.

O feiticeiro recomeçou a dançar furiosamente ao redor das brasas ardentes. Depois, parou bruscamente.

- Agora estás completamente curado de tudo.

- Sim, sinto-me bem.

- Agora compreenderás meu poder. Vai mais longe do que pensas. Também ele se estende ao homem branco que deve obedecer-me como qualquer outro.

Isso dito, o feiticeiro recolheu os presentes cobiçados e foi embora. Parecia a tal ponto prostrado e exaurido que dir-se-ia que estivesse por sua vez doente".

Este é o interessante relato da senhora Eckenbrecher que, em tudo, é análogo a uma multidão de outros episódios narrados pelos exploradores e missionários, episódios que se realizaram em várias regiões selvagens da África, da Ásia, da Austrália e da América. Estando as coisas nesses termos, o que pensar? Evidentemente deverá concluir-se que, se os fenômenos em questão se realizam tanto entre os povos selvagens como entre os povos civilizados, como se realizaram sempre através dos séculos, no meio de quaisquer povos que tinham uma história, então, tudo isso demonstra que o fenômeno em questão não se pode considerar inteiramente fantástico, e que um elemento de verdade substancial deva encontrar-se no meio da mistura de elementos espúrios dos quais foi revestido, e no qual foi abafada a fantasia do vulgo.

Essas conclusões são logicamente incontestáveis, mas resta permanecer-se na procura e isolar esses elementos da verdade. Para se conseguir o objetivo se requer, acima de tudo, liberar o terreno experimental da quantidade de episódios destituídos de quaisquer valores reais. Lembro, portanto, o que ressaltei anteriormente, que a prática absurda e grotesca com que o feiticeiros selvagens (à semelhança dos feitiços no ambiente civilizado), predispõem-se a suas empresas de Magia Negra, não são senão modalidades empíricas com o fim de provocar em si mesmos a emersão das faculdades supranormais subconscientes; de modo que, para conseguir o objetivo, todas as variadíssimas práticas em uso equivalem-se, com a condição que servem para que ele creia cegamente na sua eficácia.

Não é, portanto, o caso de se demorar para se convencer intimamente dos pressupostos mistérios implícitos no fato das palhinhas e dos restos recolhidos pelo feiticeiro e depois, queimados; ou, das suas danças loucas ao redor do fogo; ou das palavras mágicas de esconjuro proferidas;ou dos aromas lançados no fogo e assim por diante. Deve-se, ao invés, fazer exceção ao gesto final do feiticeiro no momento do primeiro encontro com o oficial, quando ele se retirou da tenda, olhando-o no rosto com os braços estendidos e os dedos abertos, acompanhando indubitavelmente o gesto com poderosa tensão da vontade concentrada no propósito que tinha em mente, de modo a estabelecer a "relação psíquica", ou "fluídica" entre ele e sua vítima. É notável a circunstância de que assim se comportavam os antigos magnetizadores em frente ao sujeito que pretendiam magnetizar, ou, mais modernamente, hipnotizar.

Com os esclarecimentos expostos, tendo desembaraçado o terreno experimental dos episódios peculiares destituídos de real valor, parece nitidamente que o mistério a resolver, a propósito dos casos de Magia Negra análogos a este em exame, reduz-se a perguntar-se se podem, ou não podem, existir na subconsciência humana, faculdades supranormais capazes de curar, ou de provocar enfermidades. A esse respeito surge o fato de observar que não seria, na verdade, para se surpreender no caso de que fossem assim, tendo em conta que as outras faculdades supranormais subconscientes, das quais se admite a existência, são nesse sentido tão poderosas que, se se aceitasse esta outra possibilidade, nada se acrescentaria ao mistério imperscrutável que envolve a personalidade espiritual humana.

Isso posto, acrescento que, com base nas análises comparadas dos fatos, tudo concorre para demonstrar como são confiáveis essas presunções, já que não seria lógico nem científico obstinar-se a negar a evidência do acúmulo dos fatos dessa natureza, que demonstram que, em realidade, existem sensitivos capazes de influir sobre estados de alma e sobre condições de saúde de pessoas distantes, com as quais elas tinham podido estabelecer a relação psíquica, (no máximo, psicometricamente mediante objetos pertencentes à pessoa distante a ser influenciada). É lícito presumir que essa influência se exerce na forma de transmissão telepática dos estados de ânimo, ora benéficos, ora maléficos; quando não, na forma de transmissão a distância de fluidos ou energias vitais que agem subconscientemente sobre o sistema nervoso dos sujeitos. O episódio aqui considerada convalidaria esta última hipótese, quando o feiticeiro saiu da prova exausto, a ponto de parecer doente.

Esse, portanto, seria o elemento de verdade existente nas práticas universais da Magia Negra e da Magia Branca. Estabelecido esse ponto, apresso-me a completar os esclarecimentos do tema, observando como tudo concorre para demonstrar que os limites potenciais das faculdades subconscientes dessa ordem de manifestações estão circunscritos. Conclusões a que se chega, com base nas análises comparadas dos fatos, que tendem a demonstrar que a esfera de ação da mesma faculdade vagueia pelo círculo restrito das curas de enfermidades que dependem prevalentemente das desordens do sistema nervoso; como, todavia, tendem a demonstrar que, nas práticas para a provocação de enfermidade a distância, é sempre questão de estados de mal-estar transitórios, simulando doenças que não existem, embora possam algumas vezes tornar-se moléstias e dores, enquanto que o sistema nervoso da vítima pode ressentir-se, provocando acessos de contrações espasmódicas, enxaquecas penosíssimas e também distúrbios generalizados do sistema digestivo.

Permanece um ponto escabroso para se considerar, que se mostra aparentemente também em franco contraste com as observações por ora formuladas. É que tudo concorre para demonstrar também, sob a base dos fatos, que não são raros os casos em que os esconjuros de morte perpetrados pelos feiticeiros alcançam o escopo. Mas também por isso apresso-me a acrescentar que, nessas circunstâncias, não se trata mais dos poderes mágicos possuídos pelo feiticeiro, mas, sim, dum fenômeno de auto-sugestão fatal, pela qual foi atingida a vítima que, estando absolutamente certa de dever morrer no tempo preestabelecido pelo esconjuro, morre efetivamente. E que essa fé cega nos decretos infalíveis dos esconjuros de morte, resulta na verdadeira causa da realização do acontecimento, que parece demonstrado pelo fato de que, quando a vítima ignorar ter sido condenada à morte, a morte não se dá mais.

Por isso é que os feiticeiros têm o cuidado de ir à noite traçar os sinais fatais na porta do tucul da vítima.

Isso explicado, vê-se claramente que os eventos de morte, aqui em discussão, não pertencem à classe dos poderes supranormais da subconsciência humana, mas entram na órbita clássica da psicopatologia universitária.

Este outro episódio é análogo ao precedente e eu o retirei da Revue Spirite (1931, pág. 553).

Mr. Réne Clavel, de volta da Polinésia, onde viveu muitos anos, publicou um longo relato a respeito de crenças e costumes dos indígenas daquele arquipélago. O caso que segue refere-se à circunstância de que o autor tinha descoberto entre os brotos crescidos debaixo duma grande árvore Tabu (sagrada), um esqueleto humano, próximo duma panela de ferro enferrujada. Um indígena forneceu-lhe as seguintes explicações a respeito: "Meu pai tinha um irmão chamado Karrère. Esse meu tio tinha uma filha chamada Tahiehao, prometida como esposa a Fahunni e deveriam casar-se depois da manipulação do Popoi (um alimento especial).

Mas lá no vale havia um jovem chamado Tunui que tinha querido casar com minha prima que era muito bonita. Havia-a pedido como esposa, obtendo uma recusa de meu tio e isso porque o pretendente era um jovem preguiçoso, mau, que não amava a pesca e que todos temiam.

Depois da recusa, Tunui havia jurado a muita gente que a coisa não aconteceria em paz e que não tardaria a dar a perceber de que coisa ele seria capaz... - Palavras de um enamorado a que ninguém deu importância.

Passaram-se alguns dias sem incidentes... Mas cerca de um mês antes da data fixada para as núpcias de minha prima, fomos informados, por uma mensagem enviada ao meu tio, de que sua filha Tahiehao tinha caído repentinamente doente. Eu estava presente e soube pela mensagem que minha prima sofria atrozmente de câimbras no estômago e de cólicas nas vísceras. Com essa notícia, meu pai ficou enfurecido, exclamando: 'É Tunui que se vinga, eu sabia que ele era um Nanikaha (feiticeiro). Apanhou o fuzil e foi rápido à casa de Tunui, aproximando-se cautelosamente para não ser descoberto. Surpreendeu-o no ato no qual perpetrava um encantamento, diante duma janela onde havia acumulado as mais disparatadas coisas: areia, pedras e cacos aguçados, ervas venenosas, cabeças de galo etc. etc. - Ordenou-lhe, sob pena de morte, fazer cessar imediatamente o sofrimento de Tahiehao, e Tunui teve de submeter-se. Então, meu pai foi para casa do meu irmão, encontrando sua sobrinha que havia se restabelecido em poucas horas.

Desgraçadamente, porém, Tunui foi atormentado pelos ciúmes e quis vingar-se, fazendo Tahiehao morrer... Dois dias depois, renovaram-se nela as dores e as cãibras. Logo meu pai reparou nisso e voltou à casa do feiticeiro; mas o feiticeiro não estava lá. Depois de longas buscas, encontrou-o debaixo da grande árvore Tabu, a árvore sagrada, onde se perpetravam os sacrifícios e à cuja sombra, ninguém que não fosse feiticeiro, tinha ousado penetrar. Friamente, sem discutir, meu pai matou-o com uma bala na cabeça...

Este foi o fim do último feiticeiro da nossa ilha... Alguns dias depois, Tahiehao estava plenamente restabelecida e tornou-se esposa de Fahunni.

Desse relato, parece que o esqueleto por mim encontrado era o de Tunui. Encontrei-o completamente escondido num emaranhado inextricável de brotos de plantas em crescimento, à sombra da árvore Tabu, de que ninguém tinha ousado aproximar-se. Lá, junto ao esqueleto, estava ainda a panela dos esconjuros, corroída pela ferrugem...".

Nada de especialmente relevante no caso exposto, salvo a observação instrutiva em que os casos de malefícios a distância apresentam todas as características comuns dos dois episódios citados, e são os que provocam constantemente os mesmos sintomas: cãibras no estômago e cólicas viscerais, como se fossem causadas pela ingestão de fungos venenosos.

O episódio que segue é que tirei do livro, pouco antes citado, de Beonio Brocchieri, Ciele di Etiopia. É muito curioso porque dir-se-ia que o feiticeiro havia tentado matar quem o havia feito prendê-lo, fazendo disparar inconscientemente uma bala de revólver contra si mesmo.

O autor refere: "Tendo sabido que o tenente Litta estava ferido, procurei encontrá-lo... 'Entremos em casa' - disse Litta - 'porque faz calor...'. Quando foi para dentro, deitou-se no angareb da esteira, ergueu a borda direita da calça. A coxa estava enfaixada e a faixa manchada de sangue.

"Entrada por aqui, saída por aqui." - Buraco limpo, ferida curada. Foi um casa de distração? Não se saberia nunca explicá-lo. Estava polindo a arma: estava Ardia, o tenente dos carabineiros, sentado ao lado, e De Martini na frente. Comentavam sobre a caravana, metralhadoras, abastecimentos para a primeira etapa, quando, de repente, "Pam"!...

- O que aconteceu? Quem está ferido? - perguntou Litta aos companheiros. Mas, entretanto, olha para o chão: é o buraco do projétil encravado no pavimento de madeira. Faz por levantar-se e encontra-se sujo de sangue. Então percebe que suas calças estão furadas em dois lugares. Um instante depois, uma pontada agudíssima, tremenda, quase a fazê-lo cair desmaiado. O músculo foi trespassado..." (págs. 133-134).

"... Litta é um companheiro muito querido, um camarada alegre. Stasera Ihe perguntou se não teria mais revisto o feiticeiro de Abdallaissa, que adivinhava o conteúdo das cartas e previa acontecimentos. Respondeu-me que fora preso poucos dias antes da partida da Banda, porque era suspeito de infidelidade e de insubordinação. Esse homem se acreditava invulnerável e intangível. Quando foi posto na prisão, torcia-se na terra, sibilando como uma serpente, com os olhos vesgos injetados de fogo, e disse que seria capaz de vingar-se e de disparar também com as mãos amarradas. - Poucos instantes depois, reentrando na sua cabana, Litta disparou acidentalmente contra si mesmo aquele tiro de revólver que, por pouco, não lhe custou a vida." (Ver pág. 144) .

Esse o incidente ocorrido ao tenente Litta, incidente que não se pode certamente atribuir a um instante de distração, já que, nesse caso, ele, depois do disparo, perceberia o que havia acontecido, enquanto que, pelo contrário, demonstrou estar inconsciente disso, para perguntar quem fora o atirador e se havia feridos. Ora, essa forma anormal de inconsciência é aquela que caracteriza a realização das sugestões pós-hipnóticas. Além disso, deve-se inferir que o tenente Litta havia disparado contra si mesmo em uma crise fugacíssima de hipnose oculta, induzida a distância, telepaticamente, pelo feiticeiro, que havia ameaçado vingar-se disparando, mesmo estando acorrentado. E se a vítima extraiu-a, ficando com uma ferida ligeiramente superficial, deve-se atribuir a um caso fortuito porque teria podido matar-se da mesma maneira inconscientemente.

Nesse outro curiosíssimo episódio, dir-se-ia que a fascinação hipnótica teria assumido a forma de telecinesia (ou, melhor, de psicobolia, como se explicará mais adiante). Retiro o fato da edição francesa do livro Tam-Tans, do explorador italiano Attilio Gatti, membro da Sociedade Real Italiana de Geografia e Antropologia. Ele narra sobre uma viagem em caminhão, na colônia portuguesa de Moçambique e refere-se assim: "... Dir-se-ia que fôramos vítimas duma feitiçaria ou duma maldição... Furiosos e sujos de óleo e de poeira, nós olhamos um para o outro, sem exprimir nossos sentimentos com palavras. O sol de Moçambique era abrasador e, pela segunda vez, em meia hora, um dos enormes pneumáticos do caminhão furou com um estrondo violento e melancólico. Tudo isso pareceu a todos nós incompreensível, porque os pneumáticos e as câmaras de ar eram novos e garantidos por milhares de milhas, quando tínhamos embarcado em Beira, há alguns dias apenas, e os tínhamos usado apenas umas duzentas milhas.

Qualquer um poderá observar que isso, depois de tudo, não é uma grande calamidade, mas com o calor sufocante que fazia, a empresa de consertar um pneumático tornava-se trágica... Pusemos mãos à obra e Bomba, o mecânico, com uma espécie de grunhido de raiva, ficou embaixo do caminhão, lutando heroicamente para pôr em ordem o cricco (cabrestante) onde devia colocar-se. Eu tinha subido na parte superior metálica do caminhão para tirar o estepe e saltei como um potro para não me queimar, porque o sol dos trópicos tinha aquecido o metal...

Enquanto se trabalhava em condições um tanto penosas, fez-se ouvir uma voz: 'Mussunga (senhor), a senhor vai conduzir-se até a Vila Pery?'

Do meu pedestal ardente, olhei para baixo. Quem assim perguntava era o mais velho dos três feiticeiro-médicos que estavam parados diante do caminhão... Aquele homem olhava-me com a majestade serena dum árabe, mas parecia fixar-me dum modo talvez preocupaste...

Não era aquela a primeira vez que havíamos encontrado aquele trio de feiticeiro-médicos. Uma hora antes, quando estávamos levantando acampamento, para retomar a viagem, eles surgiram, não se sabe de onde, e haviam-me dirigido a mesma pergunta. Eu tive de negar porque o caminhão já estava sobrecarregado de instrumentos de toda sorte, e as estradas eram péssimas. Meia hora depois, tive de reiterar a mesma recusa, porque o trio dos feiticeiras nos havia alcançado em razão duma primeira parada forçada.

Desta vez, eu estava propenso a colher seu pedido, fazendo a subir porque a expressão sinistra do velho feiticeiro causava-me um certo mal-estar. Mas antes que eu falasse, veio lá de baixo do caminhão um compassivo pedido: 'Comandante, não os faça subir porque o caminhão já está sobrecarregado'.

Aconteceu que tornamos a partir sem nem ao menos responder ao segundo pedido do velho feiticeiro.

Passaram-se dez minutos e aconteceu um terceiro estouro dos pneumáticos!

Furiosos, ofegantes e suados, retomamos a obra sem nem termos coragem de falar. Depois de algum tempo, apareceu o trio dos feiticeiros que iam mais adiante de nós, com passo lento e solene. Esperava-me um novo pedido. Nada feito. Desta vez, passaram à frente sem pronunciar nenhuma palavra, mas me fixaram com certos olhares de mau agouro que aumentaram meu mal-estar.

Disse aos meus colegas: 'Estou sentindo e me pergunto se esses feiticeiros não contribuem, de qualquer forma, no que está acontecendo... Começo a recear de que nos lançaram um malefício'.

'Estupidez!' - observou o professar; 'se Bomba tivesse examinado melhor os pneumáticos...'.

Bomba deixou cair o cricco (cabrestante), e aproximando-se do professor, com o rosto vermelho de raiva, exclamou: 'O caminhão estava e mantém-se em perfeito estado. Além do mais, foi o senhor que quis carregar o caminhão com todos os instrumentos científicos da África inteira'.

Deixei que brigassem e voltei ao trabalho, mas não podia libertar-me da sinistra impressão que me haviam causado os três feiticeiros médicos. Quem vive na África aprende coisas de pasmar.

Finalmente ficamos em situação de partir, mas procedíamos lentamente, com medo de outros estouros dos pneumáticos, pensando, com tristeza, que nesse caso para nós não restavam senão os estepes.

Conseguimos novamente, e ultrapassamos os três viajantes feiticeiros. Continuamos procedendo com a máxima prudência, mas eis que, de repente, sem causa de espécie nenhuma, o motor parou!

Bomba, furioso, mas quase chorando, exclamou: 'Maldito dia em que vim para a África!' - Examinou as velas; soprou no carburador; manipulou o magneto; tudo em perfeita ordem, mas o motor negava-se a pôr-se em marcha e nem se conseguia com muito custo que ele desse aquele pequeno estouro dum bom augúrio de que funcionaria.

Então decidi fazer uma experiência: disse a Bomba para deixar em paz o motor, à espera da chegada dos feiticeiros.

Bomba lançou-me um olhar em que transparecia que ele duvidava de que eu tivesse ficado doido. Mas, todavia, apareceu ao longe o trio dos feiticeiros. Pareciam dispostos a passar adiante, sem perguntar nada, mas eu gritei na direção do mais velho:

'Hei! Doutor-feiticeiro, se quiser subir com seus companheiros na parte superior, pode fazê-lo'.

Pararam. Olharam-me para assegurarem-se de que eu falava sério; depois, aceitaram, mais do que depressa, subindo lá no alto, enquanto o mais velho voltou-se para mim, vaticinando: 'Agora a tua viagem prosseguirá em paz'.

Assim que saímos, experimentei, com medo, 'colocá-lo em marcha'... A caso, ou magia? Coincidência ou sortilégio? - Eu não sei; mas foi verdade que nosso excelente motor partiu num instante em perfeita ordem. Todos nós nos olhamos na cara, e pela primeira vez naquele maldito dia, não pudemos mais evitar uma gostosa risada; bem que, para dizer a verdade, sob essa risada se escondia nosso espanto por tudo o que sucedera. A partir daquele momento, o motor continuou a funcionar perfeitamente e não houve mais estouros nos pneumáticos, de modo que percorremos as noventa milhas que nos separavam da Vila Pery numa velocidade espantosa, haja vista as estradas horríveis.

Chegados a Vila Pery, paramos num ponto onde deveria se erguer o acampamento, e os três feiticeiro-médicos desceram com prudência lá de cima, enquanto o mais velho nos cumprimentou, observando: 'Como te disse, a viagem terminou em paz'. - Ele havia pronunciado solenemente essas palavras, mas com a indiferença dum homem que pagou a recompensa devida. Depois do que, os três doutores-feiticeiros retomaram o caminho, com andar majestoso como os mensageiros do Destino.

Também Bomba cumprimentou-os pressuroso, com o mais afável dos sorrisos. Depois, voltando-se para mim, observou: 'Compreendo que, depois de tudo o que houve, convenci-me de que quanto àqueles senhores, é preciso tê-los como amigos'.

No caso citado, e pela regra da acatada teoria do doutor Tanagras, não se trataria mais de projeção de 'força psíquica', mas sim, dum fenômeno de psicobolia, quer dizer, da projeção de energia intra-atômica desprendida do subconsciente dos feiticeiros e, isto, por um ato de sua vontade. Energia capaz de exercer a distância, uma ação direta sobre a matéria, que no nosso caso, seria a parada do motor e os estouros dos pneumáticos".

O doutor Tanagras, no livro Le Destin et la Chance, desenvolve amplamente essa teoria, citando, a propósito, numerosos casos congêneres, entre os quais também o episódio aqui considerado. Indubitavelmente, ele exagera a importância da sua teoria até ao extremo absurdo, mas não carece dúvida de que ela contenha um fundo de verdade, já que, antes dele, essa verdade já estava demonstrada com base em experiências de gabinete. Assim, por exemplo, a senhorita Tomczyk, posta em condições de sonambulismo hipnótico pelo professor Ochorowicz, parava e depois retornava a movimentar a distância o pêndulo dum relógio, como também conseguia fazer cair a bolinha duma roleta no número sugerido pelo professor. Nessa última prova, porém, ela não era infalível, pois conseguia cinco vezes em sete, o que basta para explicar certas fases miraculosas de boa sorte em alguns bastante raros jogadores em Monte Carlo; sorte que os cálculos de probabilidade e as surpresas do acaso eram impotentes para explicar.

Ora, se se tem em conta as considerações expostas, então, o episódio mencionado parece legitimamente elucidativo com a hipótese da psicobolia, visto que, por um lado, os incidentes infelizes que se desenvolveram, um após outro, em menos de duas horas, coincidem com a recusa repetidamente contrária aos pedidos dos feiticeiros. Entretanto, por outro lado, tão logo satisfeito o mesmo pedido, tudo andou até ao término da viagem; contudo, essa última circunstância, de fato, adquire maior valor sobre as observações que o velho feiticeiro tinha veladamente vaticinado e, com a viagem terminada, tinha manifestamente querido provar ao comandante com uma outra frase análoga de reafirmação.

Este outro caso, de aparente psicobolia, torna-se muito espantoso por induzir quase a se dar razão ao dr. Tanagras quando afirma que as faculdades psicobólicas da subconsciência são capazes de tudo.

Os leitores recordam-se de que na primeira seção do presente trabalho que trata de fenômenos físicos de ordem supranormal, e, em conseqüência, também dos de levitação humana, citei um caso dessa última natureza referido pelo etnólogo R. W. P. Johnson, no journal of the American SPR (1937, págs. 229-233), no qual ele declarava: "Mesmo sabendo esbarrar por minha vez na condenação dos pedantes, sinto o dever de referir duas importantes experiências a que pude assistir no norte da Índia, por obra dos extraordinários poderes de dois iogues; experiências que me levaram a inferir que, se os nossos cinco sentidos valem ainda para alguma coisa, então o que observamos coletivamente, com muitos, deve considerar-se como tendo positivamente acontecido".

No primeiro desses casos, como disse-tratava-se de uma levitação humana, fenômeno que, embora raro, realizou-se sempre em todos os tempos, e hodiernamente vem sendo pesquisado e demonstrado experimentalmente; mas, entretanto, não se pode dizer o mesmo desse outro incidente de viagem ocorrido com o mesmo relator, incidente que parece muito mais prodigioso.

Ele escreve: "Nossa expedição caminhava muito lentamente, em lombo do burro, nos confins de Kashmir-Tibet, quando encontramos casualmente um santarrão, tão velho quanto sujo, sentado à sombra da única árvore existente num circuito de cinqüenta milhas. Tinha um braço imobilizado sobre a cabeça. Um da comitiva, distinto oficial do governo, conhecia a língua do país, e dirigiu-se para fazer perguntas ao santarrão. - Soube-se desse modo, que ele mantinha o braço naquela posição em que estava, há já doze anos, e que depois de cinco anos o braço permanecera imobilizado daquele jeito.

Passamos a manhã na companhia do velho e quando nos preparávamos para retomar a viagem, ele pediu dinheiro. Entregamos-lhe cinco rúpias, soma que lhe bastaria para viver três semanas, porém, ele teve a audácia de resmungar e protestar, pelo que lhe foi redargüido sobre sua ingratidão a essa recompensa. Recebeu com má vontade as nossas repreensões, respondendo, muito perturbado e demoradamente. O conteúdo do que disse consistia em que, assim como nós lhe havíamos dado generosamente alguma coisa, embora pouco, não seria o caso de que devêssemos morrer, mas todos, antes do pôr-do-sol, haveríamos de passar por uma crise terrível de medo.

Montamos em nossos burros e prosseguimos viagem, através da imensa planície coberta de areia que a separava da grande cadeia de montanhas que estava diante de nós... Viajávamos na direção norte-oeste, perto da montanha Nanga Parbat, que é a mais alta do mundo depois do Everest. A montanha ainda estava distante umas cento e cinqüenta milhas, mas, mesmo nessa distância, para se olhar o cume, precisava-se levantar os olhos a uns quarenta e cinco graus...

Havíamos atravessado cerca de dez milhas da planície arenosa, quando uma pedra da grossura duma cabeça de homem rolou com força e estrépito a dois metros daquele que cavalgava o primeiro animal; continuaram logo descendo, um depois do outro, dez ou doze projéteis análogos, que caíram entre as patas de seis burros. Quando ficamos restabelecidos do primeiro abalo do medo que sentimos, desmontamos das montarias para examinar as pedras. Eram quase esféricas, pesavam umas cinqüenta ou sessenta libras cada uma, e notava-se a sua superfície polida e sua uniformidade. Não havia nenhuma pessoa por lá e estávamos longe do santarrão cerca de seis milhas. Um excelente atleta teria podido lançar semelhantes projéteis a uma distância máxima de dez metros e nenhuma catapulta teria podido lançá-las a uns quinhentos metros. Agora podíamos ver ao redor, numas dez milhas, em todas as direções: não havia outra solução possível senão concluir que essas pedras haviam caído do céu.

Permanecemos a tal ponto impressionados com o caso extraordinário que, depois da refeição do meio-dia, decidimos voltar ao santarrão, que encontramos ainda sentado sob a árvore. Contamos-lhe nossa aventura, que recebeu com um sorriso de satisfação, mas em compensação mostrando-se muito benévolo conosco. Em seguida, acrescentou que deveríamos nos considerar afortunados por termos escapado do perigo de sermos lapidados. Depois do que, anunciou que era chegada a hora de dormir para ele, e nos despedimos.

O que pensar dum semelhante fenômeno? Como explicá-lo? Estou bem seguro de ter assistido a uma ação mágica do santarrão-iogue, mas, dito isso, não consegui nunca compreender a que poderes da subconsciência, ou a que intervenções celestes devemos atribuir essas manifestações".

Esse é o episódio espantoso narrado e pessoalmente observado pelo relator, em conjunto com um grupo numeroso de pessoas cultas e de homens de ciência.

Ao desejar explicá-lo com a hipótese do dr. Tanagras, deveria presumir-se que, da subconsciência do santarrão se desprendesse uma energia intra-atômica verdadeiramente alta. É verdade, porém, que os competentes em atomística afirmam que cinco gramas de cobre, dissociado atomicamente, contêm tanta energia intra-atômica, capaz de erguer um super-couraçado à altura de mil metros.

Aceite-se, portanto, para a energia. Mas dever-se-ia, outrossim, presumir que uma inteligência qualquer estivesse presente no local, visto que aconteceu o que o santarrão havia predito. Vale dizer, que a comitiva pouco liberal, a título de punição celeste, deveria experimentar uma crise de susto e nada mais. E foi assim: aquelas grandes pedras tinham juízo, e caíam entre as patas dos burros, sem fazer mal a ninguém. Qual era então a inteligência que dirigia a queda? - Os iogues responderiam: "São os espíritos elementais submetidos ao nosso desejo".

Não nos restaria senão aceitar por boa moeda essas elucidações, enquanto não se entrevisse outra possibilidade capaz de resolver, até certo ponto, o perturbador mistério. É que na casuística metapsíquica dá-se relevo a manifestações físicas que apresentam uma grande analogia com aquela em exame; são os fenômenos de aportes. Conhecem-se casos dessa última natureza, nos quais o objeto transportado de distâncias enormes era mais pesado e mais volumoso que as pedras aqui consideradas; com a complicação a mais que os fenômenos de aportes têm por característica invariável penetrar em ambiente hermeticamente fechados, o que subentende o outro fenômeno da desmaterialização e rematerialização quase instantânea dos elementos constituintes do objeto trazido (para discussão deste último ponto, ficamos na seção precedente sobre Fenômenos de Infestação, no qual se tratam e discutem-se fenômenos análogos).

Sendo as coisas assim, poder-se-ia também inferir que a caída das pedras, acontecida na expedição científica de que se trata, resulta num fenômeno correspondente ao de aportes, o qual, não obstante, sendo realizado ao ar livre, deveria denominar-se transporte e não aporte. De qualquer modo, para este caso de transporte, deveria igualmente subentender-se o fenômeno da desmaterialização e rematerialização dos elementos constituintes das pedras, sem o que seria difícil conceber-se o transporte a uma distância que indubitavelmente devia ser notável, porque o fato das grandes pedras, que eram todas de forma arredondada e lisas, demonstra que elas provinham de um terreno saibroso, duma torrente ou de um rio.

No caso em que se acolhesse essa outra versão do mistério em exame, se realizaria uma atenuante notabilíssima no aspecto espantoso do mesmo, e isso quando o fenômeno fosse comparável com outros fenômenos supranormais já muito conhecidos em Metapsíquica, não apenas cientificamente investigados, em que não fosse mais necessário recorrer à hipótese da psicobolia.

O caso que agora me proponho referir diz respeito a uma história de manifestações que, não obstante no fundo, resultaram ser da mesma natureza e são muito mais raros, tanto entre os povos civilizados quanto entre os povos selvagens, e consistem na transmissão voluntária a distância de sensações, emoções e alucinações, com o objetivo de atemorizar uma dada pessoa. Esse fenômeno na Metapsíquica é conhecido com o nome de feitiçaria experimental.

Sendo o fenômeno raro e pouco conhecido, considero oportuno ilustrar o episódio coligido da casuística dos selvagens, fazendo-o seguir dum outro episódio semelhante coligido da casuística européia.

Retiro o episódio do journal of the American SPR. (1918, págs. 312-327)

O relator protagonista é um oficial do exército inglês que, estando a serviço na Niassalândia, empreendeu a investigação dos fatos por ele referidos, por incumbência do comandante do corpo de tropas para lá deslocado. Seu relato assume, portanto, o valor dum relatório oficial.

Tratava-se de investigar o que havia de verdade sobre manifestações duma deidade selvagem, muito temida e venerada naquelas regiões, deidade denominada Mbona, tendo aos seus serviços uma sacerdotisa misteriosa e inacessível aos europeus na sua cabana-santuário.

O relato é rigorosamente documentado, com a reprodução das cartas que precederam e seguiram a apresentação do mesmo relato, e ocupa quinze páginas do journal da Sociedade Norte-Americana. Limito-me, portanto, a retirar a parte essencial, fazendo-o de maneira suficientemente coligada, porque a narração não teria nada a perder na sua eficiência.

Mr. Robert R. Racey refere o que segue: "Veio-me à notícia de que entre os indígenas da tribo Wanyanja existia uma espécie de servilismo mental para com um poder oculto, cuja influência era grande. Seguindo por essas pistas com diligência e circunspeção, vim a saber que, numa localidade denominada Manje, na direção da parte inferior do rio Shire, havia escolhido como sua residência, o espírito dum chefe defunto, cujo nome era Mbone, (ou o Bom); e que seus Mbewi (ou fiéis partidários) o veneravam como a um Deus. Os Mbewi conservavam o nome da única antiga família mantida como sagrada e agora quase extinta. Diziam que o chefe defunto Mbona tinha por costume comunicar-se com seu povo por intermédio da própria mulher que era uma negra; ou, então, diretamente, assumindo formas diversas. Diziam que ele aceitava com agrado os presentes e que retribuía regulando as chuvas. Diziam que ele produzia infiti, isto encantamentos. Que às vezes convertia-se em serpente e visitava própria mulher, enrolando-se com suas espirais ao redor do seu corpo. Diziam que podia transformar-se em cachorro, leão; leopardo, pássaro ou em qualquer outro animal.

Os europeus que desejavam aproximar-se do recinto sagrado deviam vestir um hábito de algodão celeste e deixar para o dono uma moeda de ouro. O poder espiritual do deus era tal que podia causa morte imediata a qualquer um que fosse bastante insensato em violar o santuário, ou provocar, dum outro modo, sua ira. Os indígenas tinham terror dele e tremiam de medo quando entravam em conta com aquilo que denominavam o seu poder espiritual, pela força qual ele se apossava deles e fazia-os falar e agir a seu beneplácito.

Estando eu interessado nos fatos, estava curioso de saber mais tendo tido ocasião de chegar, por algum tempo, nas proximidades santuário, procurei informar-me posteriormente, mas obtive apenas respostas evasivas...

Alguns dias depois, cheguei a saber onde se encontrava o santuário de Mbona e decidi ir visitá-lo. 'Tendo confiado a minha intenção alguns amigos indígenas, suplicaram-me que não fosse, dizendo que seria morto e que os responsáveis pela minha morte seriam aqueles que me houvessem indicado onde se erguia o santuário. Disseram-me que, alguns anos antes, dois europeus morreram na tentativa alguns outros foram mortos somente por haverem insultado de algum modo o santuário de Mbona. Disseram-me, enfim, que as pessoas bem intencionadas podiam consultar o espírito, favorecendo-o com presentes. Eu fiz compreender aos meus amigos indígenas que, por mim, não havia motivo para temer, já que se Mbona era bom - como eles afirmavam - então ele não havia de fazer nenhum mal; e, se invés, era mau, então eu não compreendia por que o veneravam.

Pus-me em viagem para a temida meta e quando me achava ainda em Nasanje, vale dizer, a cerca de catorze milhas do recinto sagrado, comecei a experimentar a estranha sensação de mal-estar geral, uma estranha dor localizada na nuca e um vago sentimento de que uma criatura invisível esforçava-se para submeter-me à sua vontade.

Pondo em ação toda a força da minha vontade, consegui dominar-me e finalmente triunfar sobre essa influência; mas continuei enfraquecido, embora me sentisse livre de distúrbios e dores. De qualquer modo, pensei que Mbona, ou seu aliado, dessa vez deveriam ter ficado frustrados.

No dia seguinte, depois de haver exortado longamente e encorajado os meus carregadores recalcitrantes, pus-me a retomar o caminho para o bosque sagrado de Mbona, e quando chegamos a cerca de quinhentos metros, minha atenção foi atraída para o prado, no qual vi, ou fui sugestionado para ver, aquilo que parecia uma enorme serpente que alcançava o tamanho de trezentos pés. Jazia inerte, e parecia que a cabeça estava destacada do corpo. Em seguida, meu espanto aumentou enormemente quando vi mais além, ou fui sugestionado para ver, um animal enorme sair dum grupo de árvores, lançar-se no ar sem usar asas, e descer perto de mim, agarrando-se com as garras, nos rochedos. Observei-o atentamente; tinha o corpo inteiramente branco e brilhante; a cabeça dum cavalo, os olhos rutilantes de fogo, as fauces abertas com uma língua grossa vermelho-escuro, e garras de leão. Tinha asas relativamente pequenas e uma longa cauda branca, com grossas tenazes nos terminais.

Vi que no bosque sagrado estavam dois agrupamentos de cabanas, num dos quais residia o espírito de Mbona, com sua mulher Salima, cercada de suas criadas. Na outra, vivia o chefe Mbango, que exercia a custódia e era empresário. Mbango estando ausente, seu filho Chatayika ofereceu-se para guiar-me ao recinto sagrado, avisando-me, acima de tudo, que eu devia vestir-me de algodão celeste e, se isso não fosse possível, então eu deveria tirar o capacete e os sapatos. Disse, ainda mais, que o meu atendeste indígena (que me persuadiu a vir com enorme dificuldade, e que se achegava perto de mim, batendo os dentes de medo), devia despojar-se completamente como ele, Chatayika, já havia feito.

O ar daquele bosque sagrado parecia estagnado, pesado, solene. As cabanas que se erguiam à sombra das árvores, demonstravam não ter sido restauradas durante anos. Mas apenas cheguei perto, veio-me ao encontro um homem que mostrava no rosto os sinais indubitáveis de possuir um grande poder mental e magnético. Perguntei-lhe se se podia ver Salima, e ele chamou uma criada dela, dizendo-lhe que fosse anunciar a Salima a presença dum visitante. A vila era toda cercada firmemente com canas e dir-se-ia que era perigoso ultrapassar a paliçada, mas eu avancei igualmente...

Diante de mim estava o bosque, que era o esconderijo dos animais alucinatórios por mim vistos. Prevalecia um ar pesado, insuportável, de cemitério. Os pássaros cantavam entre os ramos, mas de modo monótono, uniforme, que provocava sono. Havia lá três cabanas, uma das quais era ocupada por Salima, a outra, evidentemente por Mbona, embora demonstrasse não ter mais abrigado ninguém, e a terceira, servia para depositar as ofertas de alimento e de bebidas. Jorrava perto uma fonte de água.

Perguntei a uma outra criada se podia ver Salima. Respondeu que Salima não viria e que não se poderia vê-la, sendo ela de alta hierarquia para receber-me. Salima, não obstante, de dentro da cabana, dignou-se dirigir-me a palavra, cumprimentando-me com um "bom dia". Aproveitei essa boa ocasião para dirigir-lhe, por minha vez, a palavra, observando que eu tinha vindo para visitá-la, de modo que se ela era uma mulher má, podia permanecer fechada na cabana; mas, se ao invés, era uma mulher boa, por que não mostrar-se a mim que desejava tanto conhecê-la? De que então tinha medo? - Essas exortações se mostraram eficazes, pois Salima apareceu na soleira, vestida de algodão celeste e deu-me benevolamente a mão. Seu rosto era quase belo: olhos negros cintilantes, perfil bem delineado, aspecto indômito e voz doce e melodiosa. Em resposta às minhas perguntas, informou-me que seu marido Mbona estava ausente já há algum tempo, e que viria encontrá-la na forma humana. Disse que ele instruiu-a sobre o quanto ela deveria fazer saber ao seu povo, e sobre o modo pelo qual deveria responder aos interrogadores. Disse que ele tinha o poder de transformar-se em qualquer animal; como também fazer chover à vontade; de reduzir à miséria seus inimigos; provocar carestia; punir quem merecesse e assim por diante. Ele, em suma, era o deus de todos os povos do Senna, do Chicumba e do Wanyanja, exceto de uns poucos perjuros que haviam faltado com o seu voto de fidelidade. Disse, enfim, que Mbona tinha o poder de provocar, a distância, sentimentos de ansiedade, mal-estar e medo.

Sugeri que nosso Deus era muito mais elevado do que Mbona, e assim dizendo, acrescentei que a prova da superioridade do meu Deus devia-se a que eu não tinha experimentado sensação alguma de ansiedade e de medo, mesmo na presença de Salima e de Mbona, o que ela reconheceu lealmente. Não obstante, durante a conversação, comecei novamente a sentir-me invadido por uma poderosa influência misteriosa, como que se quisesse dominar minha vontade, ou hipnotizar-me, e reapareceu a dor na nuca, como da primeira vez. Rápido, recorri ao contra-ataque, usando toda a força de minha vontade e, pouco depois, consegui recuperar toda a minha independência de espírito, de maneira até mais completa do que a anterior. Realmente, quando isso se deu, sucedeu que o sol - contrariamente ao que me havia parecido - esplendia naturalmente no meio duma atmosfera normal; que o ambiente pesado do cemitério não existia e que os pássaros cantavam como cantam todos os outros pássaros.

Sentindo-me senhor de mim mesmo, quis examinar as mãos de Salima e de sua criada; julgando com base nas regras da quiromancia, aquelas mãos mostravam, sem dúvida, pertencer a duas grandes sensitivas clarividentes, embora esses sinais fossem muito mais acentuados em Salima que na criada. Pelo aspecto dessa última, via-se que ela tinha servido por muito tempo como sujeito hipnótico, até tornar-se quase imbecil. O que não impedia que as duas criadas tivessem um aspecto quase diabólico.

... Fora-me dito que Mbona era capaz de obsidiar, ou, quando não, tirar o espírito de alguém que não fosse bastante forte para se opor, para depois ele penetrar no corpo do indivíduo, ou nos corpos dum grupo de indivíduos, obrigando-os a executar a sua vontade. Por exemplo, era capaz de obsidiar um barqueiro de rio, fazendo encalhar o barco a vapor; ou, então, provocar esse mal-estar num outro indivíduo, para desmoralizá-lo completamente; e no país eram citados e apoiados esses fatos.

Os indígenas contavam que, algumas vezes Mbona apossava-se de algum deles, e esse então era obrigado a gritar: 'Eu, Mbona, peço vinho de palmeira para minha mulher Salima, ou alimento, ou algodão, segundo os casos..."'.

Esta é a parte essencial do relato oficial enviado ao comandante, major Pearce, pelo oficial Robert R. Racey. O comandante escreveu novamente ao relator, pedindo ulteriores elucidações, que deram lugar a um segundo relato do qual extraio alguns trechos complementares.

O relator escreve: "No relato oficial, não descrevi todas as coisas que vi, pensando ser inútil contar eventos que só podiam ter provocado incredulidade em certos ambientes...

Salima era mulher de meia idade, com feições negróides, mas refinadas. Foi gentil e afável comigo, dada a alta hierarquia a que pertencia. Indubitavelmente possuía em alto grau faculdades de clarividência, e um grande fascínio hipnótico. Ela, além disso, praticava a mediunidade no verdadeiro sentido do termo... Salima recebia os visitantes ficando escondida na cabana. Eu lhe perguntei quem lhe sugeria aquilo que ela respondia aos visitantes, e ela ajuntou que não era ela que respondia, porém, Mbona que se exprimia, transmitindo por ela, e que, algumas vezes, manifestava-se na forma humana...

Durante nossa conversação, Salima concordou que Wbona a havia, há algum tempo, abandonado e reconheceu que minha personalidade devia ser mais forte que a de Mbona, visto que eu não tinha mostrado nem ansiedade nem medo, circunstância absolutamente nova para ela. Eu lhe expliquei que minha invulnerabilidade era devida ao poder que o meu Deus me conferia, poder sobre-humano... e ela concordou também com isso... - Nós nos despedimos em termos quase amigáveis, com um bom aperto de mão...

Um dia, fui informado de que alguns trabalhadores europeus, pertencentes aos trabalhos da ferrovia, haviam projetado ir visitar o santuário de Mbona. Apressei-me a voltar a Salima para adverti-la de que corria perigo. Ela ficou terrivelmente impressionada e perguntou-me que coisa deveria fazer. Aconselhei-a a voltar para seu pai (um Mbewili), porque esse era o costume entre as pessoas do seu nível. Ela me disse não poder fazê-lo e que preferiria ir para Makwera. Concordei, ajudando-a a partir.

Quanto a Mbona, não saberei dizer se ele é considerado imortal ou não, e que idade teria. Manifestou-se a mim e a Salima, numa visão clarividente, e pareceu-me um negro já avançado em anos".

Ponho fim às citações, acrescentando que o professor Hyslop escreveu ao relator quando teve ulteriores informações sobre as formas alucinatórias dos animais por ele visualizadas. Da resposta do relator extraio este parágrafo: "A serpente e o dragão que me apareceram, eram visões clarividentes. Mas se a primeira eu a vi transparente, a outra, ao contrário, pareceu-me a tal ponto distinta e substanciosa que causou-me a impressão de que fosse assim análoga no nosso plano físico, para se tornar também discernível à nossa visão normal...".

O professor Hyslop comenta: "Nenhuma dúvida de que tais alucinações eram de natureza verídica e prova-o o fato de que os selvagens as haviam visualizado antes do relator... Por isso, o fenômeno torna-se sumamente interessante... É digno de nota que o caporal, sob as ordens do oficial em causa, confirma o incidente do dragão que pôde ver junto com seu superior...".

No interessantíssimo caso exposto, embora contenha incidentes de aparência maravilhosa, eles não fogem da modalidade pela qual se realizam as manifestações análogas entre os povos civilizados, manifestações bastante conhecidas e profundamente investigadas. A sacerdotisa Salima revelou-se uma médium negra que caía em transe, e do fundo de sua cabana falava aos consulentes por intervenção supranormal (ilusória ou genuína, não importa) do marido falecido Mbona. Ao que parece, suas faculdades mediúnicas não se limitavam a manifestar-se na forma oral, já que ela assegurava que Mbona manifestava-se às vezes na forma humana, ou, em outros termos, que às vezes materializava-se. Tínhamos visto, além do mais, que Mbona manifestou-se ao mesmo relator na visão clarividente, o que testifica, outrossim, que o tenente Racey possuía faculdades de sensitivo, como de resto afirma ele mesmo.

Resulta, além disso, que Salima possuía, em sumo grau, faculdades de fascinadora e hipnotizadora, e é sobretudo a esta classe de manifestações que deve atribuir-se a grande influência mental e moral por ela exercida nas tribos circunvizinhas. Não obstante, acontece que, na prática de sortilégios a distância, ela valia-se, também, da própria criada por ela propositadamente imersa em sono hipnótico. Havíamos visto que as práticas hipnóticas podiam transmitir a enormes distâncias e que o tenente Racey notou-as na primeira vez quando se encontrava a catorze milhas distante do santuário de Mbona. Nessas circunstâncias, foram notadas na forma de um mal-estar geral, com dores localizadas na nuca e um vago sentimento de subjugação hipnótica. A origem genuinamente externa desses sintomas está provada pelo fato de que os indígenas afirmavam que um dos poderes de Mbona era justamente aquele de incutir mal-estar, medo, ansiedade, a qualquer distância. O que foi indiretamente confirmado pelo outro fato das visualizações alucinatórias de animais monstruosos a quem, pouco depois, ficaram sujeitos o tenente e seu atendeste e não só do repetir-se a tentativa de hipnotismo, acompanhado dos mesmos sintomas quando o tenente encontrou-se em presença de Salima.

Não obstante, tínhamos visto como todas essas tentativas de sugestão hipnótica não alcançaram a finalidade, isso por efeito da força de vontade da qual deu prova o oficial na defesa da própria integridade mental; força de vontade demonstrada ser superior à de Salima. Mas, assim como Salima afirmou que um insucesso semelhante não lhe havia jamais ocorrido quando exercia as suas faculdades sobre os indígenas, torna-se, portanto, explicado e justificado o ascendente mental e moral que o santuário de Mbona exercia nos arredores sobre a tribo.

Naturalmente, e como acontece em semelhantes circunstâncias, a fantasia dos povos presta-se para criar lendas sobre manifestações reais. E assim se viu que, entre os poderes atribuídos a Mbona, havia também os fantásticos como o de regular a chuva à vontade, de punir culpados e de fazer morrer quem o ofendesse. Outra lenda de suas transformações e aparições, na forma de animal, tem origem manifesta nas análogas visões alucinatórias transmitidas a distância, pelo poder de Salima de sugestionar. É verdade, não obstante, que foi a própria Salima a afirmar o fato ao tenente Racey, e que poderia atribuir-se a uma mentira voluntária dela, com o fim de impressionar a mente de seu interlocutor, mas poderia também conter uma convicção sincera de Salima, tendo em conta que semelhantes manifestações - ditas de Licantropia - são freqüentes entre os selvagens.

Reservo-me para discutir mais adiante, na ocasião de análogas citações.

Sob um outro ponto de vista, observo que, dos fatos expostos, surge claramente como as práticas empíricas de sugestão hipnótica a distância tornaram-se, desde há muito tempo, mais desenvolvidas e impressionantes entre os povos selvagens do que as que aconteceram entre os povos civilizados. O que se explica com o fato de que entre os povos selvagens tais práticas misteriosas e incompreensíveis representam um meio poderoso para submeter os outros à própria vontade, conquistando influência moral e poderio material sobre indivíduos e povos. O que naturalmente não é possível conseguir num ambiente civilizado, onde a investigação científica despojou tais práticas do mistério transcendental do medo que o envolvia.

Noto finalmente que, nas tradições dos povos europeus, descobrem-se episódios em tudo análogos ao que foi exposto, que demonstra como a existência dos indivíduos fascinadores foi sempre notada nos povos civilizados através dos séculos. Nos apontamentos históricos da feitiçaria e da Magia Negra lêem-se, de fato, narrações de aparições a distância de animais monstruosos e de diabos carnudos e rabudos, por obra das práticas mágicas, com a mesma semelhança dos animais que apareceram ao tenente Racey por obra de Salima. Hodiernamente, em que a prática da Magia Negra, despojada de todo aparato diabólico, ficou submetida ao sério exame científico, denominando-a mais modestamente de práticas hipnóticas, puderam desenvolver experiências de feitiçaria experimental a distância que lembram muito de perto as de Salima.

Eis aqui uma mostra, que tiro dos Annales des Sciences Psychiques (1892, págs. 253-267 e 317-337).

O doutor A. Giboteau refere-se como, na sua qualidade de médico principal do hospitais de Paris, pôde encontrar-se com uma mulher, de nome Berta B., que vinha ao hospital trazer seu nenê doente. Quando ele a conheceu, ela já havia servido como sujeito magnético, ao secretário do barão Dupotet e, depois, como sujeito hipnótico para um colega do mesmo doutor Giboteau.

Assim prossegue no seu relato: "Berta disse-me que sua mãe exercia a feitiçaria e que vinham consultá-la para conhecer o futuro, ou para curar enfermidades. Ela mesma, em assuntos de feitiçaria, conhecia certas práticas profissionais bem diferentes das comuns. Por exemplo, ela sabia fazer extraviar-se na estrada um indivíduo, levando-o a confundir a direita com a esquerda, (alucinação do sentido do espaço), e eu mesmo quis fazer a experiência. Ela disse-me que, quando era menina, andava nos bosques com a mãe para colher morangos, e quando os tinha bastantes e se cansava, divertia-se com a mãe do jeito de fazê-la extraviar-se na estrada, encaminhando-a para casa. No nosso interior, esse poder é geralmente considerado obra de feitiçaria.

Na ilha de Cuba, os feiticeiros negros o fazem igualmente e sabem fazer pesquisas curiosas e interessantes sobre essa prática das quais posso, por experiência, poder garantir a realidade.

Uma outra vez, Berta ensinou-me como se devia proceder para fazer uma pessoa cair. O método é notavelmente racional. É necessário, antes de tudo, conhecer a pessoa que se deseja fazê-la cair; em seguida, falar-lhe e procurar influenciá-la e saturá-la com o próprio pensamento, até fazer que tenha medo. Isso conseguido, então, espesse para encontrá-la num caminho, segui-la, imitando seu modo de andar, e 'carregando-a' (este foi o termo por ela empregado para significar que precisava apossar-se mentalmente do sujeito, de modo a provocar nele uma certa sonolência, procedimento familiar para ela). Depois do que, visualiza-se uma corda esticada atravessada no caminho, a poucos metros da pessoa posta na mira. Segue-se exatamente os passos que ela vai dando e, no momento em que ela chega na corda, dá-se um passo em falso voluntário, que a pessoa mencionada é constrangida a repetir, caindo...

Berta gabava-se de transmitir alucinações, de fazer aparecer imagens de toda espécie e dela mesma aparecer. Duvido que ela nunca tenha tido êxito em projetar seu duplo; quanto às alucinações, uma tarde ela conseguiu fazer ver ao meu colega P., os picanços brancos que esvoaçavam em torno dele. Comigo, que sou bem pouco vidente, ela teve menos êxito. Uma tarde de verão, lá pelas oito, eu a esperava em minha casa e estava na varanda, olhando o caminho. Senti poderosamente sua presença nuns poucos minutos, e, por isso, não a vendo chegar, supus que ela estivesse demorando pelo caminho. Vi-a, de passagem, passar à minha direita, como um reflexo branco no muro. O reverbero do sol sobre um vidro da janela que se abre ou se fecha, imita bem o que vi, apenas não era sol, nem lua, nem farol aceso, pois ainda era dia. Continuei a sentir poderosamente a influência dela; de lá, ouvi no quarto de dormir dois pequenos gritinhos agudos, semelhantes aos gritos dos ratinhos. Compreendi que isso era obra de Berta que tentava me influenciar...

Pouco depois, ela chegou e tendo-a interrogado com as devidas precauções, contou-me que tinha querido fazer-me ouvir gritinhos semelhantes aos de seu nenê que tinha poucos meses.

Eis uma outra experiência na qual foi a sensação de medo que Berta quis transmitir-me. Uma noite, eu voltava para casa, lá pela meia noite. Quando estava no patamar da minha porta e estava pondo a chave na fechadura, disse a mim mesmo: 'Que amolação! Eis ainda uma das costumeiras proezas de Berta! Quer fazer-me ver alguma coisa assustadora no corredor. Verdadeiramente, isso é pouco agradável'. - Sentia-me, de fato, um tanto nervoso. Abri bruscamente a porta, fechando os olhos, e acendendo um fósforo. Depois, em poucos minutos, fui para a cama, apaguei a luz e coloquei a cabeça sob a colcha como fazem as crianças.

No dia seguinte, Berta perguntou-me se eu havia visto no corredor, ou no meu quarto, um esqueleto que me tinha assustado. Não há necessidade que eu diga que um esqueleto teria sido a última coisa capaz de assustar. De qualquer modo, seja dito francamente: não sou realmente medroso e devo mesmo confessar que, depois de dois meses de experiências com Berta, tinha ficado singularmente com medo, não apenas medroso com os males que poderiam me sobressaltar... e estou persuadido de que a minha covardia repentina era o resultado consciente e desejado dos esforços de Berta para ter-me sob sua influência.

Eis outro caso do gênero. Uma tarde, depois de ter conduzido Berta à sua casa, num coche, eu com o amigo P. reentramos na viatura no bairro latino. Chegando à rua Vaugirard, diante da grade do Luxemburgo, senti-me tomado dum medo tão extraordinário quanto absurdo. A rua estava magnificamente iluminada, não se via nenhum transeunte e o bairro, nessa hora, (meia-noite), era absolutamente seguro. De onde o medo que me havia invadido não parecia provocado por nenhuma causa: era o medo pelo medo. Disse ao meu amigo: 'é absurdo, mas estou tomado por enorme medo. Deve tratar-se duma proeza da Berta'. - O amigo sorriu, mas imediatamente observou: 'Estranho! Agora também estou. Tremo de medo. São coisas muito desagradáveis'. - Tais impressões persistiram implacavelmente até que chegamos ao portão do Luxemburgo; depois, desapareceram. Descemos da viatura no ângulo com a rua Soufflet, e apenas descido, o amigo P. observou: 'Veja! Veja! Não vê esvoaçar ao nosso redor alguma coisa branca?... Lá... bem diante de nossos olhos... Agora não está mais'.

- Eu não vi nada, mas senti poderosamente a influência de Berta.

No dia seguinte, encontrei-a no hospital e, logo que me viu, perguntou-me: 'Eh, bem? Não vistes nada?' - Pedi-lhe que me dissesse o que deveríamos ver. Eis sua resposta: 'Em primeiro lugar, vosso cocheiro confundiu a rua. Oh, afinal de contas, os dois não sentiram nada. Fi-los passar pela rua na contramão'.

Foi verdade que nossa viatura tinha atravessado um labirinto complicado de ruas do lado da rua Babilônia. Eu havia observado isso no momento, mas nada de preciso posso afirmar a respeito.

Berta assim continuou: 'Depois do que estiveram ambos cheios de medo'. - Quem, perguntei. - 'Primeiro o senhor; depois, Mr. P. Oh! medo de nada, sem razão, mas era mesmo um grande medo. Por último, o senhor tinha visto picanços que esvoaçavam ao redor dos dois, bastante próximos'.

A influência de Berta traduzia-se freqüentemente em manifestações singulares. Assim, por exemplo, ela provou impedir-me de tornar a subir o Boulevard Saint Michel e sucedeu-me repetidas vezes que, quando me encontrava nessa rua, eu me sentia repentinamente invadido pela sua influência e isso de dois modos: algumas vezes me atingia uma moleza toda especial nas pernas que ficavam subitamente como que paralisadas. Sentia como se tivesse tido nos ombros um peso muito grande demais para minhas forças. Se eu voltasse para trás, então sentia-me imediatamente leve e desembaraçado.

Outras vezes, acontecia, pelo contrário, sentir grande dificuldade para andar, como se tivesse que lutar contra um vento fortíssimo, ou melhor - já que a sensação estava limitada às pernas - contra uma corrente de água na qual eu estivesse submerso até a cintura. Estou muito interessado nessas impressões subjetivas que Berta me transmitia. Também nessas circunstâncias, se eu voltava sob meus passos, o efeito tornava-se inverso e a corrente me arrastava para o Sena, com tal veemência que eu precisava fazer força para não dar uma corrida.

Cada uma dessas impressões descritas tive que experimentar três ou quatro vezes.

O curioso é que cheguei a transmitir aos outros a mesma impressão. Assim, por exemplo, quando me encontrei com a sra. A., e fazíamos um trajeto juntos na rua, consegui influenciá-las nesse sentido, de maneira tão eficaz, que ela me pediu para desistir para não dar espetáculo.

Berta gabava-se, outrossim, de saber mudar os sentimentos e as inclinações das pessoas, de inspirar aversão ou simpatia, segundo os casos... Uma vez eu a vi nessa obra e cheguei à convicção de que ela tinha tido êxito nos seus objetivos. Trata-se do caso de mme. B., muito complexo e muito pouco esclarecedor para que o reproduza aqui. Direi unicamente que a senhora em apreço veio queixar-se a mim de que Berta havia inspirado a ela um tal horror físico por seu marido que, vendo-o entrar em casa, ela ficava com náuseas e quase chegava a passar mal. Malgrado isso, seus sentimentos afetivos para com ele não haviam realmente mudado. Uma vez mais, Berta demonstrava o caráter puramente experimental, e de certo modo grosseiro e brutal das ações por ela exercidas a distância. Ela não compreendia o pensamento íntimo das pessoas e não chegava ao fundo das suas almas, e por isso não chegava a influenciá-las nos seus sentimentos afetivos. Seu poder limitava-se às manifestações exteriores. Malgrado isso, estou seguro de que viver nas proximidades dela teria sido perigoso para a liberdade moral duma pessoa impressionável...".

E com isso, ponho fim às citações retiradas dos relatos do doutor Giboteau, embora conhecêssemos outros incidentes e outras observações interessantíssimas para revelar. Em base a quanto se vem expondo, os leitores puderam persuadir-se de que Berta se equivalia a Salima e, por conseguinte, que a feitiçaria entre os povos civilizados não difere da feitiçaria entre os povos selvagens, o que equivale a reconhecer-se que as manifestações em discussão aqui são indubitavelmente genuínas, reais, incontestáveis e que o grave erro da ciência oficial foi o de as haver, por tanto tempo, desdenhado e ignorado. Elas testificam que a personalidade humana possui faculdades extraordinárias de transmissão a distância da própria energia volitiva, sob forma de sugestões alucinatórias e influências mentais e morais de toda espécie, as quais podem prestar-se a finalidades benéficas, mas, do mesmo modo, a finalidades maléficas. E assim como tornaria ser perfeitamente vão e pueril deplorar a existência dos fatos, visto que ninguém pode suprimir o que existe em nós e fora de nós, então a única deliberação verdadeiramente racional e científica que se possa adotar é a convencer-se intimamente deles até onde for possível, tentando levar com vantagem para a humanidade, sob os auspícios da ciência, aquilo que nas mãos da ignorância pode, ao contrário, ser voltado para danos e para a violência dos fracos.

Voltando aos povos primitivos, depois desta longa mas instrutiva digressão, passo a referir ainda um episódio de feitiçaria experimental entre os índios peles-vermelhas da Califórnia, episódio único no seu gênero.

O etnólogo, doutor John P. Harrington do Smithsonian Institute (Estados Unidos), descreveu um dos mais estranhos espetáculos de luta que existem no mundo do esporte, pois que se trata duma luta na qual a arma adotada é o pensamento e na qual há vítimas por nocaute da mesma forma como as há nas lutas pugilísticas.

Ele escreve: "Os gladiadores são feiticeiros-médicos. Uma multidão enorme de espectadores, chegados de todas as aldeias vizinhas, assiste com enorme paixão ao espetáculo, prendendo a respiração e tremendo nas fases emocionantes da tensão psíquica.

Quando uma tribo decide derrotar uma competição semelhante, envia mensageiros às tribos vizinhas para indicar a data e convidar os assistentes. Nessas competições, os feiticeiros-médicos da tribo promotora da luta - no máximo cinco ou seis - aceitam como seus iguais, ou também como seus superiores, unicamente aqueles que tenham demonstrado uma habilidade especial na grande prova a superar. Dirigem-se, assim, aos feiticeiros-médicos visitantes, convidando-os a tentar vencê-la. Quando algum dentre eles sente-se pronto para aceitar o desafio, então, é traçada uma linha no centro do local do exercício e os feiticeiros-médicos da tribo promotora dispõem-se em fila ao lado da mesma. O que o lutador precisa cumprir, para ser proclamado igual ou superior aos promotores, consiste na simples empresa de atravessar a linha traçada.

O campeão designado retira-se para o terreno lamacento do bosque vizinho, desfaz-se das roupas que veste, enfeita-se com penas multicores, pronuncia palavras mágicas de encantamento e, em seguida, caminha resoluto, com passos majestosos, para a linha, no outro lado da qual se encontram os feiticeiros-médicos promotores, que têm por finalidade impedir, com a concentração do pensamento, que ele consiga atravessá-la. Enquanto ele se avizinha da linha, vê-selo encetar movimentos rápidos para o alto, como se com suas mãos apanhasse bolinhas num pulo. Ele está captando desse modo força espiritual, em virtude da qual espera sobrepujar o obstáculo formidável do pensamento coletivo e vencer.

Do outro lado da linha, também os feiticeiros da aldeia estão manipulando alguma coisa; mas nada se sabe a respeito porque trata-se dum segredo hermético.

À medida que o campeão do páreo avança, a multidão prende a respiração por causa da ansiedade com que segue a grande prova.

Ora, acontece bem freqüentemente que o campeão na liça, chegado na linha, seja tomado por uma crise de convulsões semelhantes à epilepsia. Desmaia no chão, torna a se levantar, torna a cair; refaz-se, cambaleando inseguro das pernas, mas finalmente consegue, com dificuldade, atravessar a linha.

Algumas vezes, pelo contrário, cai por terra, sem sentidos, nas condições dum coma, como se fosse golpeado por um formidável soco pugilístico.

Aconteceu algumas vezes, no passado, que aquele que caiu no chão, desfalecido, não se refez mais, ou então, morreu pouco depois.

Em tais eventos é-lhe tributado um faustoso funeral que faz parte integrante da festa celebrada para a grande prova da luta com o pensamento.

Pelo contrário, há lutadores que ultrapassam a linha sem dificuldade, e nesse caso, tributam-lhes honras pelo triunfo e são proclamados campeões absolutos". (Citado na Light, 1935, pág. 515).

Quem teria jamais imaginado que os índios peles-vermelhas da América chegassem a tais notabilíssimos conhecimentos empíricos em torno do poder do pensamento para chegarem a convocar uma competição para uma luta do gênero exposto!

Tudo isso certamente não honra a nossa ciência psicológica, tão atrasada numa comparação dessas por ignorar totalmente o quanto os povos primitivos conhecem há séculos.

Tais competições apresentam pontos de contato instrutivos com as empresas correspondentes de Berta e de Salima, mas de certo modo superam-nas porque, nas empresas das duas feiticeiras era questão de provocar alucinações a distância, ou incutir pavor, ou criar antipatias ou aversões; enquanto que nas competições em questão, verifica-se que o poder da vontade coletiva, em contraste com a vontade de um único indivíduo, pode chegar a tais extremos de potência para provocar, neste último, convulsões, estados comatosos e até mesmo a morte.

E já que no episódio exposto se aponta para casos acidentais, de morte por obra do puder do pensamento coletivo, disponho-me a enfrentar o escabroso tema dos casos de morte não mais acidentais, mas desejada e procurada, com a prática da Magia Negra.

Recordo-me que havia mencionado de passagem esse assunto a propósito de casos de enfermidades provocadas a distância por obra dos feiticeiros-médicos, casos de enfermidades de tal modo genuínos, e também muito comuns entre os povos primitivos.

Ao mesmo tempo acrescentei que as práticas de Magia Negra não chegavam nunca a provocar até a morte das vítimas, salvo nos casos em que a vítima acreditasse cegamente nos poderes dos feiticeiros de infligir a morte a distância; nesse caso, se as vítimas eram informadas de se acharem sob a influência fatal de uma maldição de morte, então elas morriam inexoravelmente, mas não pelo efeito das práticas mágicas, mas em conseqüência fatal da auto-sugestão.

Acrescento, a propósito, que os mesmos feiticeiros asseguravam que falhavam se a vítima ignorava ter sido condenada à morte, então as práticas mágicas falhavam na prova; motivo pelo qual eles não faltavam nunca, de qualquer modo, de dar ciência à vítima.

O dr. G. B. Kirkland, oficial médico na Rodésia do Sul (já citado por mim anteriormente, a propósito dum episódio de transmissão a distância de notícias), expõe os métodos em uso entre os feiticeiros para informar a vítima sobre a influência do esconjuro de morte que a tinha atingido.

Ele escreve: "Os casos de morte por obra das práticas mágicas são reais; eis os métodos em uso entre os feiticeiros para tornar ciente a vítima de que ela foi condenada à morte pelas práticas mágicas: O primeiro método denomina-se 'o aperto de mão da morte', e é um verdadeiro assassinato perpetrado diretamente a quem consulta o feiticeiro com esse fim. Alguém que queira desfazer-se dum inimigo, vai consultar um feiticeiro que lhe transmite o poder de matar sua vítima com um aperto de mão amigável. Essa pessoa encontra-se com a vítima, a qual apresenta a mão e a mantém afetuosamente apertada entre as suas por algum tempo. Em seguida, dá na mesma uma sacudidela, declarando brutalmente ao companheiro que ele foi condenado à morte pelas práticas mágicas. O pobrezinho não reage absolutamente porque crê cegamente que para ele tudo acabou. Retira-se com tristeza para sua cabana, onde enlanguece e morre em pouquíssimo tempo.

O segundo método torna-se estritamente ortodoxo e segue as regras postas em ação desde tempos imemoriais dos feitiços dos povos civilizados. Denomina-se a 'maldição da morte'. Nesse caso, o feiticeiro é remunerado com recompensas de presentes exorbitantes pela pequena empresa de acender um pequeno fogo no qual queimam os cabelos da vítima junto com ervas venenosas, grumos de sangue de feras, gordura humana e assim por diante. Isso tudo acompanhado de frases ritualísticas para as maldições de morte. A vítima, tão logo seja informada do que aconteceu, morre inexoravelmente no tempo prescrito.

Para nós, europeus, a coisa parece inverossímil; contudo, é assim. Eu vi jovens nativos, robustos e muito saudáveis, encolherem-se no chão diante da cabana, para aí extinguirem-se lentamente, inexoravelmente, em dose progressiva, na ausência de qualquer enfermidade.

O terceiro método, por mim observado pessoalmente, consiste na 'padiola da morte'. Nesse caso, vem envolvido com o feiticeiro, nas costumeiras cerimônias mágicas, um grosseiro enlaçado feito de plantas parasitas verdes e aplicado secretamente contra a porta da cabana da vítima. Se a vítima o arranca, ou toca-o, será tomada por um langor de morte e se extinguirá certamente, para depois ser transportada ao cemitério naquela padiola de lianas.

Essa espécie de esconjuro é o mais barato, mas o êxito não é muito seguro porque, se a vítima é advertida a tempo, então faz uma abertura na parede de argila endurecida da cabana e penetra dentro sem tocar na padiola, escapando desse modo da morte.

Reparo que a particularidade a se ressaltar, nas descrições que antecederam, consiste em observar que é sempre necessário que a vítima saiba que está condenada à morte, se se deseja que o esconjuro atinja o objetivo. Portanto, é esse último particular que revela de que modo agem as práticas da Magia Negra nos casos de morte". (Light, 1935, pág. 62).

Também o vescovo de Accra, na "Costa do Ouro" é do mesmo parecer sobre a existência de um fundo de verdade na Magia Negra e aponta um caso de morte perpetrado desse modo.

Ele escreve: "Colecionei e escolhi acuradamente todas as provas e testemunhas que lograram descobrir. Embora um grande número de coisas ditas como práticas mágicas resulte indubitavelmente em charlatanismo, que prospera no meio dos povos crédulos e supersticiosos, contudo, estou certo de que nessas práticas existe um substrato de verdade. Quando se esforça para explicar, com as leis da natureza, como isso se dá, permanece quase sempre um resíduo notável de fatos que não se explicam com as leis naturais...

Conheci um nativo robusto e sadio que foi golpeado por um esconjuro de morte. De repente, ele adoeceu e pouco depois se consumiu, sem reagir de maneira nenhuma. Os médicos europeus nada puderam fazer por ele, pois que afirmavam que nenhuma doença havia no seu organismo. Mas ele havia perdido toda esperança e foi por isso que morreu.

Para nada vale que os homens de ciência procurassem explicar tudo a seu modo. Acontece que precisam, ao invés, compreender os poderes psíquicos, purificá-los e levá-los para o serviço à humanidade..." (Psychic News, 1932, pág. 3 do nº 3).

Como se viu, também nesse caso de morte existia o precedente da vítima que tinha perdido toda a esperança; o que equivale a reconhecer-se que a vítima morreu pela auto-sugestão. Vescovo, o relator, não parece que havia mencionado de passagem a esperança perdida nesse ponto de vista; mas de todas as maneiras ela é indubitavelmente a causa dos casos de morte por sortilégio.

Nesse outro episódio, essa verdade emerge de modo claro para qualquer um. O conhecido metapsiquista Florizel Von Reuter resumiu uma narrativa do governador de Maga Mountains, distrito da Índia Inglesa, por ele feita ao Royal Anthropological Institute de Londres, dizendo respeito à crença dos indígenas na temporária transmigração dos espíritos de alguns iogues para organismos das feras (licantropia).

Num dado momento ele observa: "Quando o espírito está para tomar posse do corpo duma fera, o sujeito experimenta um entorpecimento dos membros e uma sensação de encurvamento ao longo da espinha dorsal, como se ele houvesse passeado muito tempo sobre quatro patas.

Se o animal, em cujo corpo ele está parcialmente transmigrado, permanece ferido, a ferida reaparece no corpo humano, e se se tratar duma ferida mortal, assiste-se invariavelmente à morte do indivíduo. Mas o que há de mais estranho consiste nisto: que ele morre unicamente quando percebe a morte da fera em questão. O que faz pensar num fenômeno de auto-sugestão". (Psychic News, 1932, pág. 12 do nº 6).

Aqui não se trata mais duma condenação à morte pelas práticas mágicas, porém, da crença na licantropia. Todavia, a fé cega do indivíduo que crê estar transmigrado em parte no corpo de uma fera, age com idêntico modo, provocando-lhe a morte, mas apenas quando o indivíduo percebe a morte da fera com a qual estava em parte identificado.

Depois do que foi exposto, parece-me que se possa considerar demonstrado que os casos de morte pela Magia Negra são devidos à auto-sugestão e nada mais. Todavia, por dever de relator, não posso eximir-me de ressaltar que na minha classificação estão registrados alguns episódios do gênero, com base nos quais sucederia que se realizam, às vezes, casos de morte por sortilégio em que a vítima ignora encontrar-se sob o influxo duma maldição de morte.

Disponho-me a citar dois únicos exemplos. Retiro o caso seguinte dum longo estudo de Hereward Carrington, publicado no Psychic Research (1930, pág. 464).

A senhora Irene E. Toye Warner, pertencente a British Anthropological Association, narra o seguinte caso ditado, por escrito, por quem havia assistido ao desenrolar dos fatos: "Eu me encontrava em Axim, na Costa do Ouro (África), quando veio encontrar-me o príncipe indígena Karatsupo, perguntando-me se nunca havia assistido às práticas mágicas chamadas Voodoos. Respondi negativamente. 'Então' - disse ele - 'aqui se apresenta uma magnífica oportunidade para assistir e, se eu o introduzir lá, não haverá dificuldade na permissão para presenciar os mistérios da seita. Lembre-se, porém, que assistirá a um espetáculo que poderia definir-se como infernal, bestial, repulsivo, o que não impede que tais práticas atinjam seus fins maléficos'.

Conformemente, depois do jantar, encontrei-me com o príncipe na cabana duma mulher duns quarenta e cinco anos. Com ela, estavam outras duas mulheres, que me pareciam ser suas filhas, com idade respectivamente de dezoito e vinte e três anos. A mulher olhou-me da cabeça aos pés, com manifesta desconfiança. Depois, dirigiu-me algumas perguntas e, por fim, murmurou: 'Será feito aquilo que se deve fazer'. - Evidentemente achou que eu era digno de assistir à cerimônia dos encantamentos.

Por intermédio do príncipe, explicou-me que elas haviam recebido uma grande quantia de dinheiro da parte dum exportador indígena que queria livrar-se dum seu concorrente branco que rapidamente o havia quase suplantado no comércio do óleo de palmeira.

Logo depois, teve início o bando de diabos infernais. Ervas venenosas foram queimadas em lugar de incenso, que produziram uma fumaça com mau cheiro insuportável. Depois, seguiram-se cantos ritualísticos e encantamentos durante as voltas daquelas três mulheres. Porém, especialmente o rosto da mais idosa, tornou-se o protótipo das fúrias infernais. Em seguida, chegou à vez dum pobre frango do qual foram arrancadas três penas da região do coração, para depois ser-lhe arrancado o pescoço com um gesto fulminante. Seguiram-se encantamentos repulsivos dos quais nada compreendi e nada digo porque pareceram-me diabólicos.

Depois do que, a mais jovem das mulheres cortou o lado do frango na região do coração, ensopando naquele sangue as três penas. Isso feito, correu ligeira à residência do homem branco e, em conivência com o empregado indígena, introduziu-se na casa e plantou as penas numa greta do muro de argila, proferindo os esconjuros do ritual e a maldição de morte.

O comerciante branco gozava de ótima saúde e todos os vizinhos o confirmam. Malgrado isso, no meio da noite, começou a berrar por causa de dores nas vísceras, agudíssimas, e continuou a berrar a intervalos durante toda a noite. Chegando a manhã, parecia ter melhorado, mas durante o dia as dores reapareceram a intervalos. Foi chamado um médico europeu que pertencia à Companhia para Concessão Aurífera... Mas os cuidados dispensados de nada valeram e, no terceiro dia, na hora em que haviam iniciado as práticas mágicas, ele morreu...".

Este segundo episódio eu retirei da revista Psychica (1932, pág. 43), na qual o respeitado metapsiquista Cesar de Vesme resume um longo relato de Jean Perrigault sobre a arte e as crenças dos selvagens da Africa Ocidental francesa, recentemente visitada por ele com esse fim.

Vesme, depois de ter resumido uma parte da narração, assim prossegue: "Mas o evento mais sensacional narrado por Jean Perrigault diz respeito a um caso de sortilégio que merece ser reproduzido quase integralmente.

Pessoas residentes no país aconselharam o viajante francês a ir consultar um serralheiro indígena, habitante de Koutiala, no Sudão, que tinha fama de grande feiticeiro. Este o relato de Perrigault: 'Entreguei ao serralheiro o hidromel' a cola vermelha e o galo vermelho de praxe. O serralheiro perguntou:

- Tens paz?

- Que coisa quer dizer? Que paz?

- Quero dizer se tens inimigos, homens que desejam teu mal.

- Dois eu tenho com certeza, mas estão longe daqui. Encontram-se na França. Pretendes talvez impedir que me causem dano?

- Sim.

Isso dito, o serralheiro pôs um pesado martelo para esquentar na forja e chamou seu ajudante. Em seguida, uma velha megera cinge-lhe os rins com um pano de linho branco e ele começa a recitar versinhos cabalísticos.

Subitamente, e com movimento de tal modo rápido, que não tive tempo de intervir, o ajudante pôs sobre a bigorna a cabeça do galo e o serralheiro, com um golpe brutal do martelo incandescente, achatou-a...

Tudo isso aconteceu em Koutiala, em dezembro passado. Declaro, sob minha honra, que apenas pus os pés na França soube da morte dos dois homens em que havia pensado diante da forja dos sortilégios. Tratava-se de duas mortes tão imprevistas, tão estranhas, que as pessoas que os conheceram ficaram em dúvida para atribuir esses casos de morte a causas diferentes daquelas que aparentavam. Pura coincidência, não é verdade? - Diacho! E bem isso que repito a mim mesmo, com teimosa insistência; longe de mim subtrair-me ao remorso inexistente dum gesto bárbaro ao qual eu não teria jamais consentido, e na eficácia do qual eu não queria absolutamente acreditar. Mas, por tudo isso que há em mim de forma inata e adquirida generosidade insurjo-me com esse pensamento de semelhante represália do selvagem.

Todavia, soa-me ainda ao ouvido a voz do ferreiro de Koutiala: "Se dentro dum mês não possuíres ainda toda paz, só resta voltar aqui e recomeçarei. Mas não haverá recomeço porque não terás de voltar".

Vesme comenta assim: "Evidentemente, para se excluir a hipótese duma coincidência fortuita, seria necessário conhecer os particulares sobre a morte das duas vítimas do sortilégio e não apenas a data dos eventos. De toda maneira, assim como está, este relato é já de per se suficiente para provocar um calafrio".

E o calafrio do qual fala Vesme ainda torna-se mais sensível, se se pensa que, na realidade, no caso em questão, não se estaria tratando duma simples coincidência fortuita de morte, mas de duas circunstâncias dessa natureza, o que torna menos verossímil a hipótese em discussão.

Não acrescento mais nada, pois que sinto e penso no assunto como o relator senhor Perrigault que "não queria acreditar na eficácia de semelhantes práticas mágicas de morte".

Termino este longo capítulo dos sortilégios maléficos, referindo-me a um sortilégio benéfico que, porém, está bem longe de ser provado sob a base dos fatos como o são infelizmente os sortilégios maléficos.

Aludo com isso aos feiticeiros provocadores de chuva e do bom tempo. Essa crença é comum em quase todos os povos primitivos e depois não pareceria correto passá-la em silêncio numa classificação que a encara do ponto de vista da crença.

Também Hereward Carrington, de quem todos conhecem o rigor científico com que indaga no campo do supranormal, dedica um capítulo do seu livro The Psychic World.

Ele começa assim: "Os leitores provavelmente se maravilharão e tornar-se-ão impacientes achando que eu me demoro ao tomar em consideração um fenômeno tão manifestamente absurdo por nós ocidentais. Não obstante, se se considera o tema sob o ponto de vista psicológico, ele assume um grande interesse e, na pior das hipóteses, esclarece com uma nova luz um lado dos prejuízos comuns a todos os povos primitivos. Sem contar que, nas investigações psíquicas, deveremos habituar-nos a levar em consideração as narrações de quaisquer fenômenos supranormais, ou tidos como tais, dos povos primitivos, não importa quão inacreditável eles pareçam a priori...

A explicação que do fenômeno forneceram as pessoas de bom senso, consistiram em observar que, quando num período de seca persistente intervém o feiticeiro com os seus encantamentos provocadores de chuva, acontece que muito freqüentemente eles adivinham, já que quanto mais se prolonga a seca, tanto mais torna-se iminente a chuva. E quando isso se realiza, o feliz evento é colocado a crédito do feiticeiro; porém, quando a chuva não chega, esse insucesso é rapidamente esquecido, ou interpretado de outro modo. - Ora, bem! essas presumíveis explicações dos fatos estão errados. Para o feiticeiro provocador de chuva, as perspectivas, pelo contrário, são bastante graves, pois que se a chuva não vem, pode dar-se que o primeiro insucesso traga-lhe unicamente um sério descrédito profissional; mas se ele erra na segunda vez, então é condenado à morte inexoravelmente.

Essa é a regra em quase todas as tribos selvagens. Com tudo isso, lá os feiticeiros provocadores de chuva são muito velhos e professaram essa prática por muitos anos... - Essas condições são de fato pelo menos curiosas e interessantes e não apenas merecedoras de serem tomadas em consideração...".

Heckwelder, no seu livro Account of the Indians of Pennsylvania, a propósito dum período de grande seca, conta: "As mulheres recorreram a um velho feiticeiro a fim dele fazer chover. Ele, depois de praticar as cerimônias apropriadas, declarou que a chuva cairia em quantidade suficiente. Depois dumas cinco semanas, o céu estava sem nuvens e estava igualmente livre delas quando o velho índio vaticinou a iminência da chuva. Mas, lá pelas quatro horas do mesmo dia, apareceram no horizonte nuvens escuras, sem acompanhamento de vento ou de raios, e começou a chover levemente, até que a terra ficou ensopada em quantidade suficiente".

Até aqui, Carrington, que cita outros episódios análogos ao precedente, todos, porém, interpretáveis quanto à perícia especial dos feiticeiros a respeito de indícios precursores das mudanças de tempo, diz que passam inobservados por quem não tem o objetivo dum estudo sistemático.

Mas Geoffrey Gorer, no livro Africa Dances, descreve um fenômeno análogo, muito mais espantoso.

Ele narra: "Quando visitamos o convento dos adoradores de Héviosso (o deus dos relâmpagos), fazia um dia esplêndido, sem uma nuvem no céu. Depois dos habituais sacrifícios diante do feitiço do deus, três sacerdotes caíram em transe dentro do convento-cabana, enquanto estávamos lá fora, procurando um pouco de sombra que podia oferecer o terreiro. De repente, através do azul do céu, viu-se serpentear a faísca dum raio, logo seguido dum tremendo barulho do trovão. Depois do que, continuaram a cair raios do céu límpido e o barulho sempre maior de formidáveis trovões, até tornarem-se simultâneos com os raios, começando com aquele peculiar estrondo impressionante que, nos trópicos, produzem os raios quando chove nas mais assustadoras vizinhanças.

Em seguida, gradativamente, raios e trovões se afastaram, tornando-se sempre mais fracos, até terminar num longínquo som surdo e contínuo. Tínhamos assistido ao desenvolvimento dum autêntico temporal dos trópicos, mas sem chuva e sem nuvens, enquanto o sol tinha continuado a resplandecer em toda sua magnificência". (Ver págs. 232-233).

Citei o episódio acima que é de pasmar porque a ele pôde assistir o relator em pessoa; mas... somos induzidos a perguntar se o relator em pessoa o assistiu realmente, ou acreditou assisti-lo. Na cabana-convento estavam três sacerdotes em transe. Tratar-se-á dum caso de sugestão alucinatória visual-auditiva?

Aquele era o santuário de Héviosso, o deus dos raios.

VIII - Licantropia

Sendo minha tarefa de conseguir possivelmente um êxito completo na enumeração das manifestações supranormais que se realizam entre os povos selvagens, não posso eximir-me de apontar uma classe de fatos, por sua vez mais que escabrosos, para tratar-se numa classificação científica, quando ela esbarra no domínio das mais deploráveis superstições que afligiram e afligem o vulgo de todos os povos. Pretendo aludir aos assim ditos fenômenos de Licantropia, (outra modalidade da Magia Negra), segundo os quais os feiticeiros africanos, de acordo com as crenças populares européias sobre o mesmo assunto, teriam o poder de transformar-se temporariamente em animais (pelo menos em lobos, hienas e chacais), para depois vagarem à noite, a fim de obter informações, desafogar os próprios instintos bestiais, ou praticar o mal.

Num episódio de outra natureza, por mim referido anteriormente, viu-se que uma médium negra de nome Salima afirmava que seu próprio falecido marido Mbona estava acostumado a voltar à Terra revestindo formas de animais. Nesse caso, tratar-se-ia também duma forma de Licantropia espirítica. Mas, em outro caso por mim citado, leu-se que um adivinho sudanês forneceu ao Emir Pascià informações precisas e verídicas sobre um mensageiro viajante, portador da valise postal, e que esse adivinho afirmava ter tido conhecimento do fato durante uma sua excursão noturna na forma de chacal. Aqui se trataria de um ser vivo que afirma transformar-se num dado animal.

Naturalmente, semelhantes afirmações, embora presumivelmente sinceras, poderiam facilmente explicar-se com a habitual teoria sugestiva, auto-sugestiva e alucinatória. Toda a vez que todos os episódios do gênero consistirem em afirmações vagas e gratuitas, como as precedentes, não hesitaremos um instante em aplicar à totalidade dos fatos a explicação em pauta. Mas, ao invés, não é assim, pois que se conhecem relatos de europeus residentes em países africanos que têm para contar experiências pessoais a respeito, o que aconselha a não se aventurar em juízos dogmáticos desse teor sobre tais assuntos. Tanto mais se se considerar que a história de que tudo se possa saber sobre o humano é constituí-lo dum desfilar interminável de preconceitos científicos que se deveriam denunciar, de sentenças inapeláveis que houve necessidade de refazer. É provavelmente em virtude dessas considerações que os componentes do Conselho Diretor da Society for Psychical Research de Londres, os quais, como todos sabem, demonstrando-se sistematicamente severíssimos antes de resolverem-se a acolher os fatos de ordem supranormal, não hesitaram em publicar recentemente uma breve notícia sobre fenômenos de Licantropia.

Por minha vez, portanto, decido-me a relatar o artigo que apareceu no número de julho de 1919 (págs. 88-91), do Journal of the SPR.

Mr. John Mostyn Clarke escreveu nestes termos à direção da Sociedade: "Espero que me será concedido por intermédio do jornal chamar a atenção dos leitores sobre um artigo que mr. Richard Bagot publicou no número de outubro do Cornhill Magazine, artigo intitulado A Hiena de Pirra. Assim, eu me sinto com a esperança de que algum membro da nossa Sociedade encontre-se em condições de trazer nova luz sobre o assunto interessante, com a possibilidade de ulteriores e mais decisivas investigações.

De modo que se trata duma boa ocasião para não se negligenciar novas pesquisas, porque contribuiriam para aumentar nossos conhecimentos metapsíquicos; nem que fosse iluminando-os no sentido negativo. Vale dizer, dissipando um erro que ameaça nossas mentes como um sonho mau.

O tema do artigo de que se trata é a suposição do poder que teriam alguns indígenas da Nigéria de revestirem à vontade formas animais; afirmação espantosa, embora existente nas tradições de todos os povos. O artigo de Bagot refere-se a algumas experiências ocorridas pessoalmente com o lugar-tenente F., e expostas por ele mesmo. Tudo convalidado com uma outra experiência absolutamente análoga ocorrida com o hoje falecido capitão Shott. Ambos os relatores narraram, com particularidades diferentes, haver matado homens indígenas quando eles vagavam pela floresta, transformados em supostas hienas. Pelos particulares com que se descreveram os fatos, não pela narração da grande impressão experimentada pelos oficiais que presenciaram as conseqüências trágicas da sua caçada à hiena, surge indubitável a imagem da verdade. De modo que se é levado mais do que tudo a perguntar se, no fundo disso tudo, não havia de se descobrir porventura um novo fenômeno psicofisiológico.

Eis, em resumo, o relato dos fatos a que alude o artigo em questão. Algumas hienas que vagavam no povoado foram golpeadas e feridas com espingardas; e, em todas as ocasiões, puderam seguir as pegadas das feras e, encontrando a mesma pegada, num dado ponto, cessavam bruscamente, para serem substituídas por pés humanos que dirigiam-se para a aldeia próxima. Não só uma, porém, toda vez que se matava uma hiena, um homem morria na aldeia vizinha, enquanto que os moradores da aldeia recusavam-se a deixar ver o corpo do defunto.

Na experiência do lugar-tenente F., a cerimônia dos lamentos e dos prantos fúnebres faziam-se ouvir na aldeia quase imediatamente depois que ele havia atirado e atingido uma hiena.

No relato do capitão Shott não se menciona este último fato. O animal por ele ferido era de "proporções enormes", o que tornava fácil seguir-lhes as pegadas. Ferido gravemente na cabeça, ele fugiu para os campos de trigo. Seguiram prontamente as pegadas que conduziram os caçadores a um ponto no qual eles "encontraram a mandíbula dum animal que jazia estirado próximo a uma poça de sangue".

Logo depois, as pegadas tomaram um caminho que conduzia à aldeia. No dia seguinte, os moradores da aldeia foram ao encontro do capitão Shott - e essa é a parte mais curiosa da aventura - para contar-lhe, sem sombra nenhuma de grande pesar, que ele havia matado seu Nefada (subchefe) que foi encontrado morto, com a extirpação de uma mandíbula, evidentemente estraçalhada por um tiro de espingarda.

Os indígenas explicaram que tinham visto e falado com Nefada quando ele, pelas suas declarações, dispunha-se a vagar pela floresta. Pouco depois, ouviram um tiro de carabina, logo em seguida, viram-no voltar com a cabeça envolvida nos próprios indumentos e vacilando como um homem gravemente ferido. No dia seguinte, eles foram visitá-lo para informarem-se sobre o que lhe havia acontecido e o tinham encontrado morto nas condições expostas. Ninguém se achava em casa porque ele, apenas chegado, tinha expulsado todas as suas mulheres.

Nefada tinha péssima reputação no país e sabia-se que ele era um notável homem-hiena, que se transformava numa enorme fera e que dava provas duma astúcia extraordinária.

O capitão Shott declarou explicitamente que ele, como bom militar, estava totalmente cético quanto a qualquer assunto supranormal, mas que agora sentia-se convertido em algo mais do que ser um crente quanto ao estranho poder ostentado por certos indígenas daquelas regiões.

Ele continua demonstrando como a morte do indígena em discussão não se poderia atribuir aos tiros por ele disparados. Para ulteriores particularidades, deixamos os leitores com o artigo descrito, porque não é certamente minha intenção contestar a verdade dos fatos.

Ora, à vista dos numerosos relatos sobre extraordinárias manifestações que sucederam na África, penso que a investigação dos casos análogos aos citados resultariam em grande interesse para a ciência em geral, e para as disciplinas metapsíquicas em particular. E no caso em que esses fenômenos se tornassem genuínos, deveria presumir-se que tais transformações tinham em conseqüência um poder de desmaterialização e de rematerialização numa forma inferior da série animal (nesse caso, o processo deveria sempre limitar-se das formas superiores às inferiores), e parece-me difícil cogitar sobre uma outra explicação dos fatos. Tudo isso, porém, o que significa do ponto de vista psíquico? Poderíamos dar razão de qualquer maneira a uma semelhante possibilidade?

Parece-me oportuno olhar tal aspecto do quesito, pressupondo-se que os fenômenos em questão contenham um fundo de verdade, tanto mais que se conhecem classificações de outras manifestações que nos chegam.

Pelo que me diz respeito, direi que o meu pensamento recorre de repente à teoria teosófica da "alma coletiva" para as formas inferiores de vida animal. Se por alma está condicionado o elemento "astral" da personalidade (e não me recordo de nunca ter ouvido formular diferença entre os dois termos), então, dever-se-ia dizer que n mesmo elemento, em primeiro lugar fracionável e partilhado por muitos indivíduos, torna-se mais tarde uma entidade sintética de cada uma individualidade de grau superior. Com base nessa teoria, exigir-se-ia um longuíssimo ciclo evolutivo que atingiria o grau da individualidade sintética, de modo que seria lícito presumir a existência duma vasta zona intermediária de seres que têm ainda tendência a voltar transitoriamente aos graus primitivos inferiores de desenvolvimento. Poderiam essas considerações servir, de qualquer modo, de explicação aos fenômenos em exame? Não é fácil certamente formar-se um conceito adequado sobre processos formidáveis da evolução sob o ponto de vista "astral", e de como ela havia operado para conseguir as variações biológicas. Mas indubitavelmente, do ponto de vista orgânico, deveria se concluir sobre algum instinto profundo da raça ainda não inteiramente extinto.

A tribo em questão - foi-me dito - não se alimenta quase mais de carne. Assim, ali uns de seus homens retornam, voluntariamente, ao estado de fera para caçar, nutrir-se de carne e também de cadáveres.

Naturalmente, não pode ser unicamente este desejo que o induz a transformar-se em fera, visto que tal desejo poderia satisfazê-lo mais facilmente se permanecesse como homem. Essa tendência, portanto, deverá investigar-se sobre alguma causa bastante profunda, qual seja a emergência imperiosa dum antigo instinto da raça, sobrepujado transitoriamente pela evolução recente.

No imenso período de tempo requerido para a evolução e a transformação da forma biológica, não são concebíveis linhas precisas de demarcação entre as espécies. De modo que, se se aceita a existência da zona intermediária supra-indicada, então deveremos assistir ainda, como assistimos, a manifestações estranhas e interessantes.

Toda vez que, pois, nos convencermos de serem possíveis essas transformações, nos voltarmos a analisar as particularidades do fenômeno, nos acharemos em presença de quesitos formidáveis. Assim, por exemplo, como teria se dado a transformação material do corpo? Que coisa sucederia à matéria estranha ao organismo como, por exemplo, os alimentos no estômago? No processo de volta à forma humana, o estômago duma hiena, que tinha conseguido uma bela caça, deveria encontrar-se repleto de elementos deletérios para um organismo humano. As roupas, além disso, se abandonadas no lugar da transformação, poderiam conduzir à descoberta do homem-hiena, que os indígenas tinham em conta dum malfeitor. Todavia, poderia dar-se que, antes de transformar-se, o homem-hiena escondia os poucos vestígios daquilo com que se vestia. No caso do capitão Shott, o homem-hiena voltou com a cabeça envolta nos próprios indumentos, sinal de que os havia deixado em alguma parte.

Reconheço que tudo isso parece fantástico para tornar-se objeto duma discussão científica. Não obstante, impõe-se discuti-lo: nem que fosse para averiguar os fatos e dissipar um erro.

Vamos adiante: agora é o quesito da mandíbula abandonada. Por que foi abandonada? Saber-se-ia dum ponto sobre o qual as forças astrais, ou as outras forças operantes demonstraram-se impotentes para modelar a matéria em vias de transformar-se? Parece-me que esse maravilhoso poder deveria ter também as faculdade de superar uma dificuldade secundária que é a de uma mandíbula quebrada. Como, então? Por que veio a morrer o homem-hiena? Pela norma da teoria, o corpo astral é invulnerável; entretanto, o homem-hiena morre depois de realizada a transformação e com a mandíbula arrancada. Devíamos, talvez, presumir que a mandíbula foi desse modo arrancada pelo tiro de espingarda, para resultar num membro morto antes da transformação?

E se o homem-hiena tivesse sido morto no local, que coisa teria acontecido ao seu corpo? Dos relatos em questão, apreende-se que, nos casos neles referidos, como em outros referidos pelos indígenas, os homens-hienas não morrem como hienas, mas como homens mesmo. Em semelhantes circunstâncias, não se encontrou nunca a hiena morta, e torna-se excepcional o caso exposto no qual se encontrou no lugar uma mandíbula arrancada.

Terminarei com uma observação do lugar-tenente F. - Ele escreve: "A minha experiência não basta para fazer chegar a uma conclusão qualquer, mas ela fornece indubitavelmente material para longas meditações". - Ora, eu também penso como ele, e é por isso que determinei a mim mesmo escrever a Society FPR, na esperança de que, como já disse, algum dos seus membros mais qualificados para discutir o quesito com sua autoridade, possam interessar-se e nos esclarecer a todos.

Noto que, no artigo em questão, são referidos outros incidentes do gênero, aos quais não aludirei para não alongar-me excessivamente". (Assinado: John Mostyn Clarke).

No artigo referido segue-se esta nota editorial: "As narrações referidas circunstanciadamente no artigo publicado no Cornhill Magazine tornam-se indubitavelmente muito notáveis. E depois de recebida a carta supra-referida de mr. Mostyn Clarke, havíamos escrito a mr. Richard Bagot que é membro da nossa Sociedade, perguntando se ele tinha recebido ulteriores informações que lançassem novas luzes sobre o assunto. Na sua resposta, mr. Bagot informa que, até aquele dia, não lhe haviam chegado relatos anteriores.

Depois do que ele continua: "Posso acrescentar que, no artigo em questão, reproduzi literalmente os relatos e a carta enviados ao oficial meu amigo (que ocupa um cargo importante no governo da Nigéria no Norte) pelos oficiais ingleses supra-indicados, e que a boa-fé desses últimos, e não apenas a autenticidade dos fatos está absolutamente correta. De resto, tive recentemente relatos de manifestações idênticas dos oficiais do exército italiano residentes na Eritréia e na Somália italiana. Noto, a propósito, como desses últimos episódios se saliente que, para o processo de metamorfose na Licantropia, seja necessário achar-se numa zona de terrico (camadas de terra) trazidas à superfície do solo pelas formigas negras. Os mesmos oficiais, em conjunto com esses caçadores africanos, asseguraram-me que os nativos da Somália e da Abissínia consideram perigoso dormir sobre um terreno revolvido pelas formigas negras. Isso com base na crença de que alguém que se comporte assim, torna-se suscetível de ser "obsidiado", ou "possuído" por algum animal selvagem. E que, quando uma forma de ou sessão se realizou uma vez, a vítima não é mais capaz de livrar-se inteiramente do perigo da recaída e é forçada periodicamente a assumir a forma, ou os costumes dum animal ou dum réptil". (Assinado: Richard Bagot).

Para completar a narração exposta, se requererá a reprodução do artigo publicado no Cornhill Magazine, ao qual se alude aos mencionados relatores, mas não me sendo possível reproduzi-lo, devo limitar-me a referir a esse respeito alguns particulares por mim coletados do resumo que fez a Light (1918, pág. 339) do próprio artigo.

Nele lê-se este parágrafo: "Um dos respeitáveis informantes de mr. Bagot é o oficial pertencente a um regimento muito conhecido, que na época da qual se trata no relato (julho-outubro,1915), tinha o comando dum corpo de tropas indígenas no norte da Nigéria. Lá ele estava acampado nas adjacências duma aldeia habitada por uma tribo de condição bastante inferior. Tendo havido várias depredações consideráveis feitas pelos animais, por obra das hienas, o oficial em questão armou uma cilada à noite, perto duma cabra amarrada e, quando apareceu uma hiena, antes que tivesse tempo de lançar-se sobre a presa, disparou dois tiros que a feriram, embora a fera conseguisse fugir.

Vinte e cinco minutos depois, fez-se ouvir na aldeia o batuque dos tambores que chamavam os moradores para uma cerimônia fúnebre, como é hábito entre os selvagens nos casos de morte. Quando os albores da manhã permitiram, o oficial decidiu seguir as pegadas da hiena ferida, achando que a marca das patas e os rastros de sangue dirigiam-se para a aldeia, até um ponto no qual estava uma área de terriço revolvido pelas formigas negras, na qual a marca das patas cessava para dar lugar à marca de pés humanos, que continuavam em direção à aldeia, até alcançá-la.

Pouco depois foi informado de que um homem influente da aldeia fora encontrado morto naquela noite, com um grande furo de projétil no corpo.

Ninguém soube dizer de que maneira isso aconteceu, porém, não foi permitido ao oficial ir ver o cadáver.

Em outras circunstâncias, nas quais ele havia puxado a espingarda, achou que, toda a vez em que a espingarda disparava, fazia-se ouvir o urro da hiena ferida e, pouco depois, seguia-se o rufar dos tambores da aldeia para uma cerimônia fúnebre, e depois os lamentos e choro para uma cerimônia de morte. Ao despontar o dia seguinte, quando seguia as pegadas da fera ferida, achava que as mesmas conduziam a uma área de terriço revolvido pelas formigas negras, na qual as marcas das patas se modificavam na forma de pés humanos que se dirigiam à aldeia, alcançavam-na e depois não continuavam. Evidentemente porque foram apagadas pelos moradores da própria aldeia...".

Esses os relatos sobre fenômenos de Licantropia que o Conselho Diretor da Society FPR "julga em sã consciência não poder se refutar em acolher"; e é forçoso convir que, se dum lado, o próprio Conselho tinha o dever científico de acolhê-los, do outro, porém, não deixa de ser verdade que aqui é apresentado num campo de pesquisa igualmente estranho, inusitado e espantoso, para aconselhar a qualquer um grande prudência antes de entrar-se neles com muita confiança.

Viu-se como o relator, mr. Clarke, observou que uma vez admitida a genuinidade dos fatos, "deveria presumir-se que tais transformações tenham a força dum poder de desmaterializar-se e rematerializar-se numa forma inferior da série animal".

- Assim é de fato e seria difícil cogitar sobre uma outra explicação do fenômeno.

Acrescento que, se se refletir ponderadamente sobre o assunto, a mente não pode deixar de recorrer às importantíssimas e sugestivas materializações de animais ocorridas em Varsóvia, com o médium Franck Kluski (um cavalheiro que se prestava por amor à ciência) e as quais tomaram parte o doutor Gustavo Geley, o coronel Ochorowicz, o professor Paulowski e os casais Mackenzie, diretores da revista inglesa Psychic Science.

Nessas sessões, materializavam-se cães, esquilos, uma fera em tudo análoga a uma leoa, uma grande ave de rapina e o famoso macaco que os experimentadores denominaram de Pitecantropus porque apresentava todas as características do homem pré-histórico designado com esse nome. Conseguiu-se fotografar a grande ave de rapina e a fotografia foi publicada na Revue Métapsychique (1923, pág. 31). Nela vê-se ao longe uma espécie de abutre, com as asas abertas, o olhar assustado, em atitude de defesa, o qual está empoleirado no ombro do médium, imerso em profundo "transe", com a cabeça deitada sobre o peito.

Ora, se se dá conta dessas espécies de materializações animais, por considerá-las em relação com a teoria "ideoplástica" sugerida por algumas modalidades de materializações conseguidas pelo professor Schrenck-Notzing e pela mme. Bisson, com os médiuns Eva C. e Willy S., então tudo isso concorre eficazmente para convalidar a hipótese de Clarke, tornando teoricamente admissível também os fenômenos de Licantropia.

Realmente, para explicação dos fenômenos das materializações análogas obtidas em Varsóvia, só posso formular duas únicas hipóteses: uma, que as formas animais que se materializaram nas sessões mediúnicas sejam determinadas por espíritos autênticos de animais mortos; a outra que resultassem, ao contrario, de criações biopsíquicas devido a faculdade “ideoplástica” inerente a personalidade humana subconsciente. Esta última e a explicação cientifica dos fenômenos em questão, e e também a “menos lata hipótese” aplicáveis aos mesmos. Sucede que, querendo ater-se a ela, deveremos conferir a personalidade humana subconsciente o poder de criar (subtraindo os elementos do médium, dos presentes e do ar ambiental), dos corpos organizados, sensientes e conscientes, dos animais de toda espécie.

Ora, admitir isso, equivale a reconhecer que a vitalidade e a inteligência das quais dão prova as materializações animais criadas pelo médium, representassem a vitalidade e a inteligência do médium, transfundidas em tudo, ou em parte, na forma efêmera criada e, assim sendo, então dever-se-á aceitar que o poder dos médiuns selvagens de transformarem-se em hienas vivas e atuantes, não passa duma modalidade do poder admitindo por todos os homens de ciência que não pretendem chegar até a hipótese espírita, mas que deve igualmente admitir-se pela escola espiritualista, tendo em conta que o Animismo e o complemento necessário do Espiritismo.

Isto posto, parece-me que, se se considera os fenômenos de Licantropia nas suas relações com os da “ideoplastia”, não deverá haver mais razão de se maravilhar de que entre os povos selvagens se descubram indivíduos-mediuns de graus inferiores, capazes de transformarem temporariamente em animais. Seria para maravilhar como o caso se eles conseguissem transformar em seres humanos superiores a eles, como, por exemplo, um homem branco - porque, nesse caso, o fenômeno entraria em contradição com uma das leis que governam as manifestações físicas e psíquicas do universo inteiro, que é a “Lei das afinidades”

Mas de fenômenos semelhantes não se teve mais noticia entre os povos selvagens.

Neste ponto considero oportuno reforçar ulteriormente os assuntos desenvolvidos, valendo-me duma citação retirada dum estudo desse tema dum competente metapsiquista, que expõe opiniões análogas as minhas.

Elas são do Doutor Nandor Fodor, que assim argumenta a respeito:

"O primeiro quesito que surge na mente consiste em indagar se as cognições adquiridas em torno dos fenômenos de 'materialização' oferecem analogia com os fenômenos de Licantropia. Ora bem! capacito-me de que é assim. As materializações de animais nas sessões mediúnicas tornam-se bastante freqüentes e a esse respeito não podemos com facilidade esquecer as experiências do doutor Geley com os médiuns Kluski e Guzie. O Pitecantropus, os cães, as aves de rapina eram, em certo sentido, fenômenos de Licantropia. Realmente, a substância do corpo do médium em parte prestava-se para construir a forma efêmera, mas viva, dum animal. Está claro que do ponto de vista do prodígio que pressupõe um tal fato, difere bem pouco dos processos de criações animais daqueles das criações humanas. Todavia, restaria ainda a perguntar se a subconsciência do médium é a única plasmada da forma animal, ou se, ao invés, não teríamos de admiti-lo, de qualquer modo, também aos "espíritos dos animais mortos"que se manifestaram.

Por tudo quanto existe nos conhecimentos adquiridos a respeito, não será de pasmar se aqueles médiuns negros conseguissem entrar em relação psíquica com um animal existente no lado de lá...

Se os animais sobrevivem, não acho nada de extraordinário pressupor-se que, nos médiuns negros, possam encarnar-se temporariamente, ou por seu intermédio materializarem-se os "espíritos de animais mortos".

Nesse caso, as materializações animais, vale dizer, os fenômenos de Licantropia, assumiriam o aspecto duma formidável realidade..." (Light, 1932, pág. 470).

E o doutor Nandor Fodor, em outros apontamentos na mesma revista, refere dois casos do gênero, vindos ao seu conhecimento e de um dos quais pôde assistir o doutor Kirkland, (já por mim repetidamente citado anteriormente em outros gêneros de manifestações supranormais).

A narração é longa e eu me esquivo de difundir a posteriori um tema indubitavelmente prematuro. Limito-me, portanto, a citar a última fase do episódio em discussão. O doutor Kirkland conta:... O feiticeiro-médico se desperta do 'transe' e retoma sua dança furiosa; mas logo cai por terra, novamente imerso em profundo transe. Eis que dois negros, um jovem e uma mocinha, começam a saltar à moda dos chacais, em volta do feiticeiro. E então o que sucedeu tornou-se um milagre. À medida que giravam saltando, eles iam gradativamente assumindo formas animais, até quando chegou o momento no qual percebi, de repente, diante de mim, dois autênticos chacais, que farejavam o feiticeiro-médico em transe com a curiosidade característica desses animais. Em seguida, saltaram para fora do círculo e entraram na floresta. - Esfrego meus olhos pensando que deveria tratar-se duma estranha fantasmagoria alucinatória...

Mas era ou não era? - Não sei. No dia seguinte, realizou-se uma coincidência impressionante: fui chamado a prestar assistência a uma mocinha indígena ferida em todo o corpo com profundos arranhões de chacais, caso absolutamente excepcional, porque, para mim, não tive nunca de curar indígenas com arranhões de feras. - O que pensar?

Repito que não sei nada e não afirmo nada". (Light, 1935, pág. 70).

E assim como, por minha vez, não sei o que pensar, apresso-me a concluir, observando que tudo quanto foi exposto deve compreender-se como uma exposição pura e simples do estado em que se encontram hodiernamente as pesquisas sobre o perturbador assunto, sem nenhuma intenção de perorar a seu favor, já que tomar partido a esse respeito pareceria indubitavelmente muito prematuro.

Portanto, vou esperar os fatos se acumularem antes de atingir-se uma legítima e fecunda pesquisa analítica e sintética dos mesmos.

IX – A Prova do Fogo

O ritual dos Caminhantes sobre o Fogo existe entre os povos semicivilizados e até civilizados da Ásia, especialmente na Índia, no Japão, no arquipélago do Havaí, da Sonda, das ilhas Fiji, Trindade e Maurício. Não existe, pelo contrário, entre as tribos selvagens da África. Tratando-se de um tema que não diz respeito precisamente aos povos primitivos e que, alem do mais, torna-se aparentemente monótono quando todos os casos se assemelham, serei rápido com breves citações referentes a alguns incidentes particularmente demonstrativos sobre a autenticidade indiscutível do fenômeno em si.

Max Freedom Long tratou a fundo o assunto no seu livro Recovering the the Ancient Magic, tema ao qual ele dedica a primeira parte desse mesmo livro e que coloca como base da sua tese acerca da realidade da antiga magia entendida como a demonstração da existência da subconsciência humana de faculdades supranormais capazes de realizar maravilhas aparentemente contrastantes com as leis da natureza.

Resultaria, além disso, que a faculdade de o organismo humano ficar invulnerável à ação do fogo, além de ser real, é transmissível.

Ele refere-se a alguns episódios torna evidência indiscutível. Assim, por exemplo, durante uma dessas exibições em que a sensitiva invulnerável era um japonês, ele, por intermédio do intérprete, fez saber aos espectadores que eles, por sua vez, podiam atravessar, incólumes, o espaço com as pedras ardentes, com transmissão antecipada, de sua parte, do poder mágico indispensável à ocorrência.

Dois jovens europeus ficaram com muita curiosidade para submeter-se à prova. O protagonista japonês fe-los descalçarem-se; em seguida transmitiu a invulnerabilidade pelo contato. Eles estenderam timidamente um pé sobre as pedras em brasa, achando com enorme surpresa que, apesar do calor irradiado pelas pedras ser de tal forma intenso para tornar-se quase intolerável nos seus rostos, nada de especial havia nas pedras. Então, audaciosamente, atravessaram o espaço abrasado, repetindo a prova três vezes.

Na ilha de Taiti, o doutor Hill pode observar um caso análogo. O chefe dos feiticeiros havia convidado os presentes para experimentar fazer a travessia, com a antecipada transmissão do próprio poder mágico. Um branco uniu-se aos indígenas que haviam aceito o convite. Ora, sucedeu que nem os pés nem as solas dos sapatos do branco foram, de forma alguma, atingidos pelo fogo, enquanto que, pelo contrário, seu rosto sofreu o efeito e sua pele rachou, lascou-se em escamas, e ele necessitou de alguns dias para que se renovasse.

Em Burma, na Índia, os sacerdotes do Deus Agnes deviam passar pela prova do fogo, antes de serem eleitos sacerdotes do Templo. Ora, aconteceu que um inglês, amigo do autor, dirigiu-se propositadamente a Burma, com um aparelho cinematográfico portátil e persuadiu um sacerdote, depois duma gorda esmola em beneficio do Templo, a escondê-lo em algum angulo do grande pátio, a fim de que pudesse assistir, sem ser observado, e filmar uma grande cerimônia do gênero que se estava preparando.

Quando para lá se dirigiu, tomando lugar atrás duma estacada de varas de bambu, bastante distantes do espaço abrasado, o calor irradiado era tal que, malgrado a proteção das varas, era quase intolerável. De qualquer modo, persistiu na sua intenção de filmar a interessante cerimônia, para depois fazer um filme na presença do nosso autor que observou, com vivo interesse, o desfile dos protagonistas-sacerdotes e catecúmenos - um dos quais faliu na prova e, quando foi retirado da fornalha, estava morto.

De repente, o nosso autor viu entrar no sacro recinto um pelotão de soldados ingleses. Perguntou, maravilhado, ao amigo o que vinham fazer os soldados naquele ambiente sagrado. O amigo respondeu: "Daqui a pouco irá saber". - De fato, terminado o ritual emocionante, viu os soldados ingleses lançarem-se sobre a multidão que, fanatizada pelo espetáculo a que haviam assistido, queriam jogar-se na fornalha: homens, mulheres, crianças! E os soldados tiveram de se cansar muito para impedir que os fanáticos se suicidassem, atirando-se no fogo.

Max Long termina observando: "Coloquei diante do tribunal da Ciência a causa dos caminhantes sobre o fogo, perguntando se se aceita tudo, ou em parte. Afirmo ter provado que a razão da Magia está firmemente baseada em fatos e que, quem quiser, pode fazer a prova como me sucedeu. Mas ao invés de investigar os fatos, os representantes do saber preferiram desdenhá-lo, seja explicando-os a seu modo, seja negando a existência. Afirmo, em seguida, que o filho primogênito do Saber universitário que se denomina Preconceito Científico é culpado perante todas as pessoas, as quais estão no direito de aguardar por juízos ponderáveis e imparciais. E essa é grave ofensa, porquanto resulta injustificada. Entretanto, concorre para reforçar nas pessoas as falsas prevenções pelas quais evitam, com horror, interessarem-se pelo assunto importantíssimo da Magia. Agora pretendo haver demonstrado que a Magia é um fato, e não mais uma superstição... (Ver págs. 20-65).

Parece-me que Max Freedom Long tinha razão e não apenas unicamente pelo que se refere à prova do fogo.

X – Feiticeiros-Médicos e seus Sistemas de Cura

O professor Edward Lawrence, do Royal Anthropological Institute de Londres, publicou no Journal of the American SPR (1925, pág 41), um longo estudo sobre os costumes dos povos selvagens, no qual se analisaram amplamente seus métodos de cura.

Ele escreve: “Nossos modernos conhecimentos sobre os povos selvagens levam-nos a concluir que tínhamos muito que aprender com os mesmos, especialmente no que se refere a cura das doenças. Sabíamos, de modo incontestável, que eles possuíam remédios eficazes contra enfermidades que as nossas receitas não conseguem curar. E se e verdade que esses remédios são constantemente associados às práticas de encantamento que tornou-se quase sempre superstições pueris, isso não impediu que seus remédios curassem. Podíamos sorrir com compaixão, relegando tudo as práticas selvagens de feitiçaria mas essa venda na nossa ignorância não impede que todo pesquisador serio repare que com isso não se explica porque as coisas ditas selvagens tem êxito onde nós não obtemos.

Um morador, durante muito anos, na África do sul, assegurou-me que alguns remédios em uso entre os Zulus, os Basutos e os Griquas, são a tal ponto miraculosos, que e inútil contestá-los e é insensato desdenhá-los. Ele escreve: Nenhum contra-veneno para as mordidas de serpentes se equivale em eficácia ao dos feiticeiros. Se eu fosse mordido por uma cobra, preferiria percorrer uma milha para consultar um doutor europeu. Fui curado duas vezes pelos feiticeiros de mordeduras de serpentes e, se bem que o remédio que me ministraram fosse repulsivo, livraram-me de toda a dor de cabeça em dois dias, uma vez, e em três dias, uma outra vez. Ora, todos aqueles que recorreram a médicos europeus, sofreram uma agonia de dor por algumas semanas. – Igualmente para os casos de cura da disentiria e dos cálculos urinários...”

Um pouco mais adiante, o professor Lawrence cita uma outra rápida cura doutra natureza que dessa vez aconteceu na Micronésia.

O escritor Robert Louis Stevenson foi levado, para fins de cura climática, a morar na ilha Gilbert, na Micronésia, e, quando chegou lá, foi atingido por um grave resfriado que, para a enfermidade de que sofria, era o de quanto mais perigoso lhe podia acontecer. Ele deixou-se persuadir a dirigir-se a um Terutak (feiticeiro indígena), que ele descreveu como sendo alto e robusto pescador de aspecto severo. Foi conduzido ao recinto sagrado, no meio do qual se erguia uma espécie de altar de pedra...

Stevenson continua assim: "Entrei no recinto sagrado junto com o feiticeiro e tomei lugar no altar, com o rosto voltado para o oriente. Durante algum tempo, o feiticeiro ficou atrás de mim, dando passes magnéticos no ar com um galho de planta. Em seguida, com o mesmo galho, batia levemente nas pontas dos meus cabelos, gesto que continuou repetindo, a breves intervalos, algumas vezes roçando com o galinho nos meus ombros e braços.

Durante minha vida, tentaram magnetizar-me uma dúzia de vezes, e sempre inutilmente. Mas, desta vez, ao contrário, ao primeiro toque sobre a ponta do meu cabelo com um galhinho de palmeira, e por obra dum homem que eu não enxergava, fui de repente invadido por um torpor invencível, os nervos se relaxaram, os olhos se fecharam e o cérebro ficou entorpecido. Tentei resistir instintivamente ao sono que me invadia; depois, quis resistir com a força da minha vontade e consegui; ou acreditei ter conseguido, porque o que aconteceu foi isto: eu me levantei, encaminhando-me automaticamente para minha casa, onde, lá chegando joguei-me na cama, caindo logo num sono profundo. Quando acordei, o forte resfriado havia desaparecido".

Esta que segue é uma outra cura de mordedura duma serpente.

"O reverendo Edwin W. Smith, autor dum importante tratado de etnologia sobre tribos selvagens da Rodésia, estava um dia revistando o conteúdo duma caixinha, não percebendo que atrás dela estava enrolada uma serpente. Ouviu o sibilo e sentiu-se mordido próximo dum olho. O servo indígena, às escondidas do reverendo, correu para chamar um feiticeiro-médico que, quando chegou, encontrou o paciente estirado no pavimento e se contorcendo, entregue a uma agonia de dor. O feiticeiro-médico havia trazido com ele folhas de Kabwengke, que colocou em infusão em água quente, para depois esfregar no olho do enfermo. Depois do que, pôs-se a assoprar repetidamente sobre esse mesmo olho. Fosse ou não fosse o efeito daquele sopro, o fato é que o paciente sentiu quase imediatamente atenuarem-se às dores, enquanto o olho inflamado, no qual todos os humores pareciam ter secado, começou imediatamente a lagrimejar abundantemente, e a inflamação se dissipou, cessando em pouco tempo toda a dor.

Em presença duma cura tão rápida e eficaz, é preciso convir que as raças humanas inferiores possuem conhecimentos terapêuticos ignorados pelos homens brancos. Não se deve esquecer que esses eficazes medicamentos de nossa farmacopéia os devíamos aos feiticeiros-médicos da América. Foram eles, e não os invasores, que descobriram a virtude terapêutica da coca, da salsaparrilha, da Jalappa, da China, do Guajacol.

Concluindo: não é inteiramente verdade que os feiticeiros-médicos sejam charlatães, e essa indigna calúnia deve ser eliminada. Os fatos demonstram bem o contrário, porquanto demonstram também que a medicina do selvagem está inextricavelmente combinada com práticas supersticiosas de toda espécie. A dificuldade consiste em separar a verdade do falso (journal of the American SPR).

Também o explorador italiano, comandante Attilio Gatti, no seu livro publicado em Londres Hidden Africa tem para contar histórias maravilhosas semelhantes de cura dos africanos.

Essa que segue refere-se à cura, quase instantânea, duma enfermidade nos olhos.

Ele narra: "Algumas vezes, encontram-se casualmente na África casos de curas realmente espantosas, que somente uma palavra poderia designá-los: Milagres; por enquanto evito esse termo ambíguo.

Uma vez, tive o prazer de seguir, do princípio ao fim, uma dessas curas no país dos Zulus. Tratava-se dum indígena que sofria duma grave enfermidade nos olhos e a maneira como foi curado faria sorrir qualquer oculista europeu, mas isso não impede que a cura tenha acontecido.

Os olhos do doente estavam inflamados, inchados e infectados a tal ponto de inspirar piedade e repulsa. Estava quase totalmente cego, e chegou à cabana do feiticeiro curvado e cambaleante, explorando a frente com o bastão e apalpando com as mãos.

O feiticeiro-médico começou as costumeiras invocações e gesticulações do ritual. Em seguida, levou para fora da cabana um frango branco e, segurando-o pela cabeça, traçou com o bico no pó uma complicada rede de garatujas, enquanto a desditosa ave batia as asas em espasmos. Gradativamente, seu bater de asas foi diminuindo até cessar por completo. Então, o feiticeiro aproximou-se do enfermo, pondo a ave sobre sua cabeça. O frango permaneceu rijo, absolutamente imóvel, com o pescoço e a cabeça estendidos, quase como em condições hipnóticas. Seguiram-se outras formas de encantamentos e de passes magnéticas; depois, com violência, o feiticeiro agarrou uma faca, decapitando o frango. O corpo da ave caiu, não sem, porém, sujar com seu sangue o rosto do enfermo.

Então a feiticeiro aplicou um cataplasma de ervas sobre os olhos dele e quando, depois de cinco minutos, ele retirou a cataplasma com um modo enérgico, para arremessar no rosto do paciente o conteúdo duma cabaça cheia d'água, a paciente aí nos olhou a todos com um par de olhos limpos de toda impureza, de todo inchaço e inflamação. Estava perfeitamente curado e tinha recuperado a vista. Também seu corpo recurvado e cambaleante levantou-se como por encanto, e aquela criatura que chegara derrotada uma hora antes, partiu vigorosa e cheia de júbilo".

Um outro explorador italiano, o antropólogo e etnólogo Lidio Cipriani, já citado anteriormente, tem alguma coisa para contar sobre curas dos feiticeiros africanos.

Ele, no livro In África, dal Capo ao Cairo (págs. 70-80) escreve nestes termos: “Parece certo que há alguma coisa de notável no êxito conseguido pelos feiticeiros em certos casos. Trago um exemplo que, devo acreditar nos meus olhos, pode dar lugar a alguma duvida. Refere-se a um fenômeno chamado por Bartels de Lactatio Serotina e assinalado agora por muitos viajantes entre os povos primitivos das mais diversas regiões do mundo, como os Irokesi (América do Norte), os Arawaki (América do Sul), os Maioris (Nova Zelândia), os Egba (África Ocidental), os Australianos (Austrália), os Eschimesi (Sibéria). - Todas as testemunhas concordam em afirmar que mulheres, entradas também há muito tempo na menopausa, foram postas em condições de dar, com sucesso, o peito para criancinhas, como estavam acostumadas aos avós e bisavós. O mesmo acontecerá a jovens mães que não tiveram filhos.

Uma dessas mais recentes descrições do estranho fenômeno se encontra no livro de Basedow (1925), intitulado The Australian Aboriginal. Ela narra que, numa tribo do distrito de Alligator River, tendo morrido a mãe dum menino em idade muito tenra, a jovem irmã da defunta, que nunca tinha tido filhos, adotou o órfãozinho. Ela teve seus seios tratados com cataplasma feitas com folhas duma certa árvore (Eugenia), amassadas com cinzas. Além disso, pedras aquecidas no fogo foram postas nessas cataplasmas, a pequenos intervalos, enquanto as glândulas mamarias e os tecidos circunvizinhos eram esfregados sem descanso, e os bicos eram amiúde postos entre os lábios do menino. Depois de alguns dias um liquido se formou nos seios e o pequenino pode nutrir-se sem inconvenientes.

Na Zululândia, houve um aleitamento desse gênero numa idosa mulher do distrito de Eshowe, com idade aparente de setenta anos. Ambos os seus seios estavam em atividade, mas, como Bartels citou num caso análogo, sem alcançar a riqueza de secreção própria duma mulher jovem...

Talvez ninguém saiba, ou nunca saberá, ou nunca saberá, como os indígenas da África Meridional, e em particular os Zulus, tem o êxito em obter o fenômeno; mas seus procedimentos pelos Australianos, se bem que o individuo que provoca seja sempre um feiticeiro...

Se estranha parece a um europeu a medicina Zulu, não menos estranho parecer o fato que curas da mesma natureza acarretam nos feiticeiros, algumas vezes, um aprofundado conhecimento das mais intimas funções do organismo, não transmitindo a nenhum deles e sendo praticado no mundo inteiro, entre os povos primitivo, pelas quais não pode ser uma questão de empréstimo cultural dum para o outro, pelas impossibilidades materiais, quais sejam as extensões de terra e de mar entre seus entrepostos, e insuperável com os limitados meios de locomoção de que pode dispor um selvagem.

Se bem investigada, parece-me assim que a medicina dos povos primitivos deva ser considerada digna de mais respeito do que aquele até agora concedido. Junto com os absurdos de toda espécie, é ele provavelmente o fruto duma experiência de milênios, se não talvez alguma coisas diversa que escapa a natureza, capaz de provocar fenômenos idênticos em disparatadissimas regiões do globo. Imperdoável que o homem civilizado deixasse perder todos os vestígios disso, sem extrair o quanto de bom possa existir neles.A civilização, avançando por toda à parte a grandes passos, está contaminando agora os últimos povos primitivos e com maior razão, muito no sentido indicado, já está perdido para sempre.

Até aqui se tratou de curas em que, nas práticas dos feiticeiros-médicos, e possível investigar um presumível elemento terapêutico verdadeiramente semelhante; é o que torna fácil retirá-lo das práticas supersticiosas nas quais encontram-se enterrado, chegando desse modo a formar-se um conceito bastante racional sobre as causas determinantes das curas obtidas. Mas a empresa torna-se muito mais árdua em relação a uma outra serie de curas do gênero, as quais pareceram verdadeiramente milagrosas, embora nelas não surjam traços de elementos terapêuticos afastados das práticas mágica. É a esta série de curas que provavelmente alude o professor Lawrence quando observou que, nos sistemas de cura dos feiticeiros-médicos, "a dificuldade consistia em separar a verdade do falso".

De fato, embora a gente se sinta preparada para tolerar, nos procedimentos terapêuticos dos selvagens, todo o instrumental inconcludente e bárbaro dos seus ritos supersticiosos, todavia, desejar-se-ia investigar sempre nos mesmos procedimentos alguma particularidade minúscula, ou qualquer ingrediente revelador, que valha para fazer-se entrever o elemento terapêutico positivo a que atribuir a virtude curados empiricamente descoberta pelos feiticeiros africanos.

Mas, infelizmente, raramente nada de tudo isso se consegue para se descobrir nos processos das curas a que se alude. Neles tudo resulta inconcludente e grotesco, o que não impede que as curas miraculosas aconteçam.

Assim estando as coisas, não há como refugiar-se na conclusão de que, se os relatos dos exploradores e dos missionários correspondem exatamente à verdade, então a virtude curados dos feiticeiros-médicos não pode depender das emanações vitalizantes, ou vibrações psíquicas desprendidas dos seus organismos, por efeito da fé cega que os sustenta acerca dos próprios infalíveis poderes mágicos. Ou poder-se-ia também induzir que as curas dependam da transmissão duma poderosa sugestão aos enfermos, sugestão determinadora duma auto sugestão de efeitos prodigiosos, assim como sucedeu nos santuários europeus de Lourdes, de Loreto e de Pompéia, e também na tumba dos Marabutti no Marrocos.

Noto, não obstante, que esse último pressuposto não resolveria integralmente o mistério, visto como muito freqüentemente trata-se de enfermos em condições comatosas, ou definitivamente aparentando estar mortos, e por isso não mais susceptíveis de auto-sugestionarem-se.

O primeiro pressuposto, ao contrário, venceria também essa perplexidade. Entretanto, se tornaria de certo modo fortalecido experimentalmente com base na seguinte observação do doutor Osty, a propósito das curas milagrosas de Lourdes.

Ele refere: "Interessante anotar uma constatação feita a esse respeito por uma distinta senhora, esposa e colaboradora de um dos mais eminentes cientistas dos nossos tempos. Essa senhora, duma grande lucidez mental, dedicada a obras de caridade, freqüentou, por muitos anos, o santuário de Lourdes, prestando-se a fazer descer os doentes graves na piscina. Isso lhe permitiu assistir a alguma cura imediata, dita 'milagrosa'. Ela me disse: 'todas as vezes que se realizou uma cura imediata na minha presença, eu me senti totalmente despojada de energia, e não apenas pela emoção, pois que não sou muito impressionável, mas por uma causa física que ignoro. Não se trata dum exaurir transitório, persistente por alguns dias, em que me sentia literalmente debilitada, com os membros entorpecidos; e, quando andava, experimentava a sensação de que meus pés passeavam sobre algodão'. - Ora, essa senhora é pessoa sadia e robusta, dona de seus nervos, e que jamais experimentou nada de semelhante, em nenhuma circunstância da sua vida". (Revue Metapsychique, 1937, pág. 9).

Nenhuma dúvida de que essa observação do dr. Osty convalida com o pressuposto segundo o qual, nos prodígios análogos conseguidos pelos feiticeiros africanos, desprender-se-ia de seus organismos uma espécie de emanação vitalizante, determinadora das curas imediatas. Isso ainda mais porque, nos relatos dos exploradores e dos missionários, encontram-se alusões análogas a propósito do fato de que, quando os feiticeiros conseguiam o prodígio duma cura imediata, nesse ponto pareciam prostrados, o que se diria que "os doentes que precisavam de rápida assistência eram eles próprios".

Isso dito, passo a citar alguns exemplos do gênero sobre o que aludimos. Bem entendido, a título puramente anedótico, sem pronunciar-se absolutamente sobre o mérito da sua verdadeira natureza.

Retiro o caso seguinte do livro do doutor George Lindsay Johnson The Great Problem. Ele residia em Durban, no Natal, (Sul da África), e conhecia pessoalmente o chefe da tribo Shembe, protagonista do seguinte episódio:

O doutor narra: "No distrito de Pheni encontra-se uma aldeia denominada Ekupakameni, a doze milhas de Durban, cujo chefe Shembe é um notável personagem pela sua inteligência, suas disposições amáveis, seu trato refinado e sua presença imponente. Sua aldeia é a mais limpa e bem construída, e não apenas a mais civilizada de todo Natal. Sua reputação é tal que, aproximadamente há três anos, alguns ingleses foram encontrá-lo para convidá-lo a vir com eles e às custas deles, à Inglaterra, onde tomaria parte num Conselho a realizar-se em Londres por iniciativa das Missões. Ele recusou-se, dizendo que sua missão devia desenvolver-se exclusivamente no meio dos povos de sua raça.

Enquanto estavam discutindo, chegou correndo um indígena, informando que uma mocinha fora mordida por uma áspide sibilante e estava morrendo. Shembe correu logo, seguido pelos ingleses. A mocinha moribunda jazia um pouco distante numa árvore sagrada, a cuja sombra o Chefe se dirigia freqüentemente para orar. Lá, ele passou, orando nestes termos: ‘ih, Grande Deus, concedei-me curar esta minha irmãzinha moribunda, uma vez que, se vós não lhe conceder-lhe a vida, meu povo perderá a fé’. – permaneceu um instante recolhido, depois disse: ‘Deus me disse para colocar o pé sobre o braço doente da minha irmãzinha’. – Assim dizendo, aproximou-se da jovem; mas aqueles que a acudiam, gritaram:”pai nosso, a jovem morreu”. – Por sorte, a noticia não era exata e nela ainda surgiam sintomas de vitalidade. De qualquer modo, ela manifestamente estava morrendo, e o braço ferido estava terrivelmente inchado e inflamado. Vendo isso Shembe voltou para a arvore sagrada, invocando novamente seu deus com intensa efusão. Depois avizinhou-se da moribunda e colocou o pé sobre o braço enfermo. – Para enorme espanto de todos, a jovenzinha tornou a si, levantou-se e os espectadores viram desaparecer, como por encanto, o inchaço e a inflamação do braço. Pouco tempo, a jovem voltou para sua cabana plenamente restabelecida, como se nada houvesse acontecido. Ao mesmo tempo, viu-se a áspide sibilante capturada enrolar-se sobre si mesma e morrer. Esse último fato foi o que mais impressionou os indígenas presentes, porque para eles isso demonstrava que o milagre ocorrido era obra de Deus, enquanto que o fato da cura instantânea da mocinha podia considerar-se um episódio habitual para eles.

Shembe, o feiticeiro-chefe, voltou-se para os ingleses, observando: “Esta é a minha resposta ao vosso convite de levarem-se a Inglaterra. Ide, entretanto, ao vosso país e contai aos vossos amigos isto que haveis visto”. Dito isso, estendeu sua mão e foi-se, com passo solene para sua aldeia, enquanto os ingleses o olhavam atônitos, em muda contemplação.

Conheço pessoalmente o chefe Shembe e garanto tudo quanto foi exposto. Todos os ingleses aqui citados concordam na maneira idêntica de descrever os particulares do prodígio ocorrido, pelo que se torna impossível ignorar o seu testemunho. Mas como explicar uma semelhante cura aparentemente miraculosa?... Shembe não fez mais do que rogar ao seu Deus e a jovem moribunda erguei-se nos pés, curada. Contudo, o que mais impressiona consiste no fato do inchaço e da inflamação do braço terem desaparecido como por encanto, sob os olhares atônicos dum grupo dos ingleses. Inútil tentar explicar um fato semelhante com as leis físicas, já que não se conseguirá nunca. Além disso, todas as testemunhas estão prontas para jurar na Corte de Justiça que o milagre aconteceu diante dos seus olhos.

Recordemos a esse respeito o aforisma de Alfred Russel Wallace: “Todas as vezes que os homens de ciência negaram os fatos positivamente correto, com base em considerações a priori, sempre estiveram errados”.(Ver pág. 222)

Esse outro caso se enquadra de modo altamente instrutivo num famoso milagre obtido há uns anos no santuário de Lourdes.

Retiro-o do livro de Max Freendom Long: Recovering the Ancient Magic, acontecido no Hawai.

“Uma idosa mulher, por todos conhecida como uma poderosa Kahuna (Maga), e considerada pelos indígenas uma santa, vivia num tugúrio numa praia marítima. Certa tarde, chegou a sua casa um carro cheio de visitantes. O carro caiu ao lado de uma vala da estrada e um dos visitantes escorregou do banco, caiu de mau jeito, fraturando uma perna acima do tornozelo. A velha Kahuna correu imediatamente para o ferido, apalpando a perna fraturada. O pedaço da tíbia aparecia do lado de fora da pele e pelas carnes esmigalhadas da perna, enquanto inchaço na articulação se havia iniciado. A velha forço o pedaço da tíbia para voltar o lugar, recomendando o paciente permanecer imóvel. Fechou os olhos por um instante; em seguida, reabriu-os, pronunciando com energia ‘as palavras de poder’: Vai, estás curado! – E assim foi! – O homem levantou-se, olhou espantado para a própria perna curada, e, exultante, seguiu os outros no tugúrio da ‘santa’.

Estava presente um amigo meu, que ficou profundamente impressionado com o acontecimento, que havia observado de perto, da perna fraturada e, e com tudo isso, não sabia como dar-se conta do milagre a que havia assistido – (Ver pág. 280).

A propósito do caso exposto, vou salientar que, no outro caso análogo ocorrido no santuário de Lourdes, os doutores encarregados do santuário esperaram a morte do milagreiro para extrai-lhe do esqueleto a tíbia fraturada e consolidada dum modo tão prodigioso; tíbia que foi colocada para analises cientificas sem nada acharem de particular: foi uma sutura óssea como todas as outras, embora fosse realizada em poucos minutos. Essa tíbia foi também fotografada e reproduzida em varias revistas católicas, não apenas em revistas científicas, já que o fenômeno era incontestável, embora aparentemente em contradição com as leis da natureza.

Digo “aparentemente”, porque está subtendido que, se o fenômeno realizou-se, deve pertencer às leis da natureza, embora a nossa ciência ignore também a existência das leis das quais dependem os fenômenos em exame, leis manifestamente psíquicas, não mais físicas.

Este outro episódio é referido belo explorador inglês Joseph Grad, no livro: Tralling through Siberia. Ele declara que entre os Esquimós, a profissão de Angarkut (Mago) é tida com muito respeito e confirma os genuínos poderes mágicos ou mediúnicos dos Angarkut em estado de transe, estado no qual colocam-se à vontade. Depois do que, ele continua assim: "Encontrava-me no refúgio de verão (Igloo) duma tribo de esquimós de Thutckuchi, no Oceano Ártico, em frente à ilha Wrangel. Estava lá com eles uma criança de seis ou sete anos que foi atingida por um forte ataque de 'orelhas grandes', doença freqüente nas regiões árticas. Tendo permanecido exposta ao ar, o mal se agravou, complicando-se com um tremendo resfriado, e nas primeiras horas da manhã a criança morreu.

Quando não havia mais dúvida da sua morte, a mãe, desoladíssima, prendeu dois cães no trenó e foi correndo para a moradia de um Angarkut que morava a poucas milhas de distância.

Algumas horas depois, ela voltou com o mago, que era famoso entre os esquimós por causa dos prodígios conseguidos. Os parentes e os outros todos trouxeram coisas que para eles eram de grande valor, como cães, peles e anzóis de pesca, para oferecerem como presentes ao mago no caso de que ele chegasse a ressuscitar a criança.

Por minha conta, tinha examinado a pequena morta, escutando-lhe o coração.

Nenhuma dúvida de que a criança estava morta.

O mago disse que todos deveriam abandonar o abrigo, eu, inclusive, deixando-o só com a morta. Em seguida, fechou os dois túneis de entrada e o respiradouro para a luz.

Do lado de fora, nós o ouvimos entoar um canto monótono; depois, urrar e gemer como um endemoninhado, persistindo nisso por quase uma hora. Depois, sucedeu-se um breve período de silêncio absoluto.

Em seguida ao que, vimos, de repente, sair de gatinhas, dum buraco do túnel de entrada, o mago seguido da criança rediviva! Ele tomou-a nos braços e a restituiu aos pais, sussurrando palavras misteriosas. Isso terminado, todos nós reentramos no abrigo e eu contemplava espantado a criança rediviva que parecia ainda fraca e atordoada. Permaneceu assim o dia inteiro, mas, na manhã seguinte, tinha readquirido sua vivacidade infantil e era, em tudo, a criança de antes". (Ver pág. 97).

Ainda um exemplo de ressurreição dos mortos e depois passarei a outro assunto, abstendo-me de comentá-lo. O comandante Attilio Gatti, no livro citado anteriormente Hidden Africa refere-se ao seguinte episódio do qual foi protagonista a famosa pitonisa Twadekili, amiga do comandante, aquela mesma a que se aludiu a propósito da fascinação hipnótica das serpentes Piton.

No período em que o comandante residiu por muito tempo no país dos Zulus, interessando-se por compreender as artes mágicas da pitonisa mencionada, viu um dia um grupo de Zulus, empoeirados e fatigados, vindos de grande distância, que iam consultá-la. Quatro deles transportavam, numa padiola, o corpo dum indígena, com a cabeça enrolada numa faixa ensangüentada. Soube-se por eles que o jovem, aparentemente morto, chamava-se Mosutu. Ele tinha tido fratura do crânio, ficando preso nas engrenagens duma pedra de moinho numa plantação de cana-de-açúcar.

Soube-se, também, que o ferido tinha sido visitado por um doutor branco, o qual havia declarado que o homem estava morto. Então eles o tinham transportado a um feiticeiro da campina, que lhe havia administrado um remédio, para depois mandar que o levassem ao sagrado recinto da pitonisa Twadekili, no máximo em três dias e a qualquer custo.

O comandante prossegue assim: "Eu me perguntei, atônito, que coisa poderia fazer Twadekili - embora conhecesse os prodígios por ela operados - na presença dum homem morto há três dias.

Olhei através do buraco oval do seu 'recinto sagrado' e vislumbrei o brilho das escamas da enorme serpente Piton. Twadekili estava curvada sobre o corpo do homem e a serpente tinha enrolado ambos entre as suas espirais, permanecendo em posição ereta na parte oposta, com a horrível cabeça no nível da de Twadekili, e olhando-a nos olhos. Nesse momento, foi empurrado um paravento de vime contra o buraco oval e não vi mais nada.

Todo aquele dia e toda a noite a pitonisa permaneceu fechada junto ao morto.

No dia seguinte, um repentino estrondo de rumorosa festividade chamou minha atenção. Apressei-me a ouvir e vi Twadekili que dançava, agitando no ar uma cauda de leopardo, circundada por uma vintena de indígenas que, gritando e aclamando entusiasticamente, dançavam como loucos. E eis o que a mim me parecia inacreditável, e que isso parecerá mais ainda a quem lê: no centro daquele círculo de dançarinos, juntamente com Twadekili, estava o morto redivivo e as faixas ensangüentadas que envolviam sua cabeça foram substituídas por uma cobertura de pele de leopardo.

A minha fé em Twadekili sofreu uma transitória queda: representava talvez uma parte duma comédia? Tinha substituído um homem vivo pelo cadáver que eu tinha visto transportar para o seu sagrado recinto?

Esperei que as danças e cantos festivos parassem e quando finalmente Twadekili ficou sozinha, dirigi-me a ela. Como sempre, ela antecipou minhas perguntas, e nessa vez, eu, li, na expressão e ela antecipou minhas perguntas, e nessa vez, eu li, na expressão do seu sorriso sarcástico, uma alegria triunfante diante do meu estupor.

Logo forneceu a explicação que eu tinha em mente para perguntar-lhe. Ela Explicou: “Quando Mosutu parecia ter morrido. O feiticeiro da campina lhe aplicou um remédio que, por três dias, havia preservado uma centelha de vida em seu corpo, de modo que os condutores tivessem tempo de transportá-lo para mim. Ele é filho dum grande chefe. Não deveria morrer e o nosso Deus maior Umkulum Kulu, restitui-o a vida por meu intermédio”.

Enviei imediatamente um correio ao proprietário da plantação onde havia ocorrido a desgraça. Dez dias depois, chegou um outro correio com a resposta. O proprietário (um branco) dizia: “São dois os casos: ou que eu e você somos dois basbaques que vemos vaga-lumes em lugar de lanternas, ou que, portanto, é mesmo verdade que Mosutu voltou e retornou seu trabalho na plantação, como se nada tivesse acontecido”. (Light 1934, pág. 4).

Essa é uma prova das curas prodigiosas e pasmosas que se lêem nos relatos dos exploradores e dos missionários. Como disse, abstenho-me de comentá-los, deixando aos leitores a tarefa de induzir e deduzir, de acordo com seus critérios lógicos, sobre o que na natureza parece racional, ou irracional, possível ou impossível, não esquecendo, porem o aforismo de Russel Wallace anteriormente mencionado.

XI - Corpo Astral, Desdobramento, Bilocação

A crença na existência dum Corpo Astral, ou corpo fluídico, sensiente e consciente, capaz de afastar-se do corpo físico durante o sono para separar-se definitivamente depois da crise da morte, é uma crença partilhada por todas os povos e em todos os tempos. Esse não é o momento para se discutir sobre as presumíveis origens dessa crença universal segundo os antropólogos, porque se o fizesse, levaria a digressões alheias ao tema aqui considerado, não apenas pouco edificantes do ponto de vista da penetração intelectual de tantos insignes cientistas que, ignorando a existência das investigações psíquicas, acham-se desorientados e impotentes para entrever a verdade.

Entre os povos que desenvolveram maiormente a doutrina do corpo astral, distinguiram-se os do antigo Egito e do Tibet.

Hereward Carrington, na sua obra The Psychic World, e a propósito dessa crença entre as povos primitivos, observa: "Do mesmo modo como os antigos egípcios acreditavam na existência do KA, e cujas viagens errantes e cujas provas a superar são descritas minuciosamente no Livro dos Mortos, também como no Livro dos Mortos tibetano, descobrimos uma descrição ainda mais minuciosa sobre as mudanças que aguardam o corpo astral no momento em que abandona definitivamente o corpo físico na crise da morte... O livro segue um itinerário correspondente ao dos egípcios mas, do ponto de vista hodierno, parece muito mais racional, e muitos dos seus ensinamentos correspondem, de modo impressionante, ao que o ocultismo e as investigações psíquicas tendem a demonstrar hodiernamente.

É o que aparece de modo especial no livro de Sylvan Muldoom Projection of the Astral Body (Livro para o qual também colaborei). Nele vem resumida uma longa série de experiências conduzidas recentemente nesse ramo de investigações, experiências rigorosamente controladas...

Agora parece altamente sugestivo descobrir que as observações feitas pelos sacerdotes tibetanos, há mil anos ou mais, acabou corroborando experimentalmente com base no que se patenteia nas experiências dum jovem norte-americano. Assim como parece inverossímil que essas concordâncias devam atribuir-se a coincidências fortuitas, sucede que ajudam a corroborar experimentalmente na existência do corpo astral. Existência, de resto, que foi sempre admitida pelos povos de todos os tempos, e constituísse a base de todos os ritos e de todas as doutrinas mágicas e ocultas..." (Ver págs. 256-258).

O que se vai expor pode bastar para fornecer uma idéia geral sobre um tema que me disponho a tratar sob o ponto de vista especial dos povos primitivos.

E começo por um grupo de manifestações iniciais que concorrem para demonstrar a existência do corpo astral sob uma forma pelo mesmo assumida em condições especiais, manifestações que se realizam tanto entre os povos selvagens quanto entre os povos civilizados, e consistem na visualização de "luminosidades globulares errantes", muito freqüentemente vistas saindo dos organismos humanos nas crises da morte.

Os dois incidentes que seguem, nos quais é precisamente uma questão de visões ou aparições em forma de globos luminosos entre os povos selvagens, resultam em manifestações com certo valor teórico, enquanto forem consideradas em relação com outras manifestações análogas entre os povos civilizados, e sobretudo em relação às inferências que, como disse, se possam tirar, de acordo com a sua presumível afinidade ou identidade com a forma assumida pelo "corpo astral", desdobrado ou desencarnado, em algumas fases da própria atividade extracorpórea. Desse ponto de vista, elas parecem teoricamente interessantes e sugestivas, já que corroboram para as conclusões as quais chega a esse respeito entre os povos civilizados.

Tiro o episódio seguinte da Light (1922, pág. 793). A senhora Beatriz Grimshaw, conhecida exploradora da Nova Guiné, publicou um artigo no Wide World Magazine, intitulado: Feitiçaria e Espiritismo entre os Papuas. Nele, a escritora descreve algumas curiosas práticas espíritas dos indígenas em que são familiares as "mesinhas falantes", por intermédio das quais obtêm comunicações importantes, em que eles limitam-se a perguntar, tendo como respostas "sim" e "não".

A autora observa: "Sou obrigada a reconhecer que nessas práticas há qualquer coisa de genuinamente supranormal. Mas, ao mesmo tempo, não tenho dúvidas de que essa 'qualquer coisa' é normalmente inferior ou maléfica, o que não impede que um supranormal exista nas mesmas praticas".

Mais além, a viajante cita uma entrevista com um feiticeiro Papua, que lhe assegurou haver assistido numerosas vezes à saída do espírito do corpo no momento da morte. Em resposta à pergunta acerca da forma assumida pelo espírito em semelhantes circunstâncias, o feiticeiro respondeu: "É em tudo semelhante a uma bola de futebol, senhora, a uma dessas bolas com que vossos meninos jogam entre si. É em tudo semelhante também a uma lanterna que ilumina com uma luz azul".

O diretor da Light faz essas observações: "Os espiritualistas estão por sua vez familiarizados com o mesmo aspecto do fenômeno; e é natural, mas não menos muito sugestivo que a observação aqui nos revele como a liberação do 'corpo astral' do 'corpo físico' apresente idêntica aparência, tanto quando se realiza entre os selvagens Papuas, quando se dê no leito de morte de um londrinense. São precisamente essas observações convergentes, concordantes, cumulativas, não apenas provenientes de todos os ângulos do globo, que concorreram para corroborar com o fenômeno, colocando-o sob bases cientificamente inabaláveis".

Eis um segundo episódio análogo ao precedente; o resumi dum artigo publicado nos Proceedings of the SPR (vol. XIV, págs. 343-347), do doutor em medicina J. Shepley, artigo do qual já extraí um interessante episódio de Clarividência no Presente, do qual foi protagonista um sensitivo da Costa do Ouro, de nome Ferguson, que seguia, na qualidade de intérprete, com a expedição militar da qual tomava parte o doutor Shepley. Este narra o seguinte: "Enquanto continuávamos nossa viagem para o interior, e algum tempo antes de abandonar a região da floresta, certa tarde, de repente, fomos colhidos pela noite durante a marcha e nosso guia não sabia qual a distância que nos separava da aldeia para onde íamos diretamente. Naquelas horas, marchávamos nas trevas, ao longo dum caminho na floresta, quando avistamos, através da densa folhagem, o clarão duma lanterna que, para nossa surpresa, parecia seguir nossos passos, acelerando a marcha quando fazíamos outro tanto e ralentando quando ralentávamos. A um dado momento, ela acenou para fora da jungle e tomou lugar em cima do nosso grupo de soldados. Um dos nossos homens tentou alcançar o condutor, mas inutilmente. Contudo, o indígena Ferguson avisava que o havia feito para não atrapalhar a prova, já que se devia deixar aquela luz sem ser perturbada. A impressão que permaneceu comigo sobre o fenômeno foi aquela dum centro de luz irradiante ao redor dum círculo luminoso, analogamente ao que produzia uma lanterna comum, embora eu não possa afirmar haver visto a luzinha duma lanterna. Se algum de nós se aproximava muito daquele centro de luz, ele prontamente se descarta para o lado, penetrando na floresta, para em seguida retornar o seu lugar diante de nós no caminho. Perseverou no trabalho de guiar por algumas milhas, e desapareceu subitamente quando alcançamos a aldeia para a qual nos dirigimos diretamente. Aquele centro de luz movia-se no ar mesmo como se fosse levado por um homem, embora não se visse ninguém. Perguntei aos indígenas explicações a respeito não se visse ninguém. Perguntei aos indígenas explicações a respeito e fui informado tratar-se dum ‘duplo’ (o Ka dos antigos Egípcios?) enviado em nossa ajuda para guiar-nos a aldeia.

Esse interessante episodio foi narrado pelo Doutor Shepley. Nenhuma dúvida pode subsistir acerca da genialidade supranormal do fenômeno, tendo em conta que, se todos os componentes da coluna em marcha viram o globo luminoso surgindo como seu guia na floresta, (o que demonstra a objetividade do fenômeno), não obstante ninguém chegou a ver quem o levava, circunstância esta última inadmissível, embora o globo luminoso fosse efetivamente levado por uma pessoa. Além disso, sabe-se que, quando alguém tentava alcançar o pressuposto portador da lanterna, vi-a descartar para o lado, refugiando-se na densidão da floresta; mesmo como se comportam os fogos-fátuos, e não apenas como os fantasmas dos defuntos quando alguém tenta alcançá-los, mas como deveria comportar-se uma pessoa real, para quem não podia existir motivos para subtrair-se aos testemunhos de gratidão dos componentes da expedição que haviam achado um guia seguro no portador da lanterna.

Tínhamos visto como os indígenas explicaram o fenômeno. Afirmando que o globo luminoso era um duplo, ou corpo astral, ou espírito, (não foi dito se dum vivo ou dum defunto), que ocorreu para ajudar a coluna em marcha, justo no momento em que ela estava em perigo de perder-se na floresta. Explicações que identificariam o fenômeno com o outro acima referido.

O tema torna-se teoricamente importante, pelo que será útil deter-se um pouco nele, por fazer surgir às concordâncias existentes entre os episódios expostos e outros análogos, conseguidos espontânea e experimentalmente entre os povos civilizados.

Noto, sobretudo, que o último episodio citado, que trata do aparecimento dum globo luminoso durante a noite, estando excluída toda coincidência mediúnica ou magnética com seres vivos, encontra numerosas confirmações em episódios análogos, ocorridos entre os povos civilizados, porquanto tinha sobre eles a vantagem notabilíssima da intencionalidade que aparentemente provocou a manifestação tendo ela se realizado no momento em que a coluna em viagem estava na iminência de perder-se na floresta, tendo-a praticamente guiado ao destino. Observando, entre parênteses, como essa magnífica prova da intencionalidade não seja certamente deslustrada pelo hipótese naturalística que exclui qualquer forma de intervenção exterior ou espíritica. A cujo propósito esclareço que, nos casos análogos que se realizaram em paises europeus, os globos luminosos que apareceram no campo, demonstram por sua vez, um certa intencionalidade, embora ela não alcance a eloqüência demonstrativa que surge do caso indicado, porque limita-se pelo menos ao fato de que os globos luminosos em discussão, como os fogos-fátuos, não se deixaram pegar pelos que queriam alcançá-los, ou apareciam em dadas horas da noite, seguindo, muito freqüentemente, uma trajetória bem definida, algumas vezes em contraste com o vento que soprava, e, em relação com tradições de dramas ocorridos naquela precisa localidade.

Edmundo Duchâtel e César de Vesme publicaram nos Annales dês Psychiques (1913, págs. 33-40), uma coleção notabilíssima de casos do gênero, nos quais os globos luminosos, que apareceram nas localidades, continuaram a manifestar-se por longo período de tempo e foram observados repetidas vezes por centenas de pessoas.

Noto entre esses, pela novidade de certos particulares, o caso publicado pelo professor M.T. Falcomer e a ele enviado pela condessa ida Correr, residente em Vo, na província de Padova, onde o globo luminoso aparecia. A condessa, juntamente com seus filhos, o marido e todos os habitantes do povoado, foi testemunha ocular do fenômeno que varias vezes pode observar a cerca de dez metros de distância e que continuava a manifestar-se na época em que escreveu ao professor Falcomer.

Ela narra: “Esse globo luminoso se ergue da terra entre os campos, depois passeia docemente pelo ar, numa altura de seis a oito metros. Em certos momentos se abaixa, e muitas vezes afasta-se e aproximando-se, como um a velocidade ideal. E do tamanho dum grande farol de luz elétrica. No inverno (porque são dez meses em que comparece a intervalos de alguns dias), os tolos fizeram uma graça de dispararem um tiro de espingarda. Então, depois, voltou dividido em dois e assim se mostrou por algumas tardes; em seguida voltou como um só. Mas dessa vez, disseram-me os camponeses, não tinha mais o volume dos primeiros tempos, e também a sua luz era menos viva. Porem, ontem à tarde, eu o admirei pelo magnífico resplendor, que tinha alguma coisas do clarão das estrelas. (Veltro, 1908, págs 591-594).

Passando a referir, com rápidas menções, incidentes mais demonstradores a favor da presumível identidade com que algumas aparições globulares luminosos se apresentariam com corpo astral dos vivos ou de defuntos, darei relevo, antes de tudo, a algumas observações experimentais com sujeitos hipnotizados.

Assim, por exemplo, o doutor Baraduc, num experimento de exteriorização da sensibilidade, depois de haver hipnotizado uma sonâmbula até ao estado em que ela perdera toda consciência da própria personalidade terrena, perguntou-lhe em que condições se encontrava seu espírito, ao que ela respondeu estar transformada num globo luminoso, vagando no meio das trevas. (Baraduc L' Ame Humaine, pág. 54).

Nas muito conhecidas experiências do coronel De Rochas com o sujeito Laurent, este, a um dado momento, sentiu que seu duplo tendia a assumir forma esferóide, e observou que, se se continuassem os passes magnéticos, ele teria acabado por assemelhar-se a uma lágrima, quer dizer, a uma esfera caudata, à semelhança dum cometa ou de um girino. (Annales des Sciences Psychiques,1895, pág. 271).

Quando Laurent foi adormecido junto com a senhora Mireille, "ele viu o duplo desta senhora em forma duma coluna luminosa que logo transformou-se num globo luminoso que conservou de um lado uma espécie de cauda, à guisa dum cometa". (Die Uebersinnliche Welt, agosto de 1896, pág. 271).

Vincenzo Turvey no seu livro The Beginnings of Seershlp, (págs. 226-228), relata que numa das suas costumeiras experiências de visualização clarividente à distância, um dos presentes viu seu corpo astral destacar-se do corpo somático, na forma dum globo luminoso.

Também Malvina Gerard, a notabilíssima sonâmbula de quem tratou longamente M. Sage nos Annales des Sciences Pyschiques, (1904, págs. 65-80 e 120-148), quando era levada à terceira fase hipnótica, "via os espíritos sob a forma de esferóides brancos, mais ou menos grandes e mais ou menos brilhantes".

A sonâmbula Edmea, de Henri Durville, um dia em que se achava profundamente adormecida, disse espontaneamente: "O corpo físico não tem mais importância: é literalmente nada. O fantasma é tudo. Mas a coisa não é tão simples para explicar-se. Interiormente um fantasma é um globo brilhantíssimo que irradia luz em derredor de si. Um é independente do outro e podem se separar. O globo é colorido como o fantasma, mas é incomparavelmente mais belo. Nele, as cores estão dispostas inversamente: azul à esquerda e alaranjado à direita".

Durville pergunta: "o que acontece quando se morre?" - A sonâmbula respondeu: "mas não se morre realmente!".

"- Quero dizer, que coisa acontece no momento da morte?"

"- É isso: o fantasma libera-se e vai-se; mas depois de transcorrido um certo tempo, também o fantasma se dissipa e o globo luminoso permanece." (H. Durville Le Fantôme des Vivants, págs. 346-347).

Também Réine, a médium de Cornillier, via os espíritos sob a forma de "pequenas luminosidades azuis, cintilantes, do tamanho duma mão". E tinha acrescentado: "É esta a forma que revestem quando não há necessidade de fazerem-se reconhecer pelos vivos". (Cornillier La Survivance de 1'Âme, págs. 220-221).

Do ponto de vista da realização de fenômenos análogos, nas comunicações mediúnicas entre os vivos, lembro que, na monografia sobre essa ordem de manifestações, citei o caso do príncipe de Wittgenstein (caso X), que, comunicando-se mediunicamente a distância com uma senhora imersa no sono, via constantemente "uma espécie de disco do tamanho dum prato, do qual emanava um pálido alvor amarelado, aparecer no alto e deslocar-se dum lado para o outro do quarto. Esse disco luminoso aparecia desde quando o lápis começava a escrever mediunicamente e desaparecia no instante em que a escrita cessava".

Do ponto de vista da realização dos fenômenos análogos nas manifestações telepáticas, encontrei no volume X dos Proceedings of the SPR (pág. 124), o caso de miss Williams que, certa tarde, dirigindo-se no escuro ao próprio quarto, à procura dum objeto, viu, suspensa sobre a própria cabeça, "uma esplêndida luz redonda".

Ela continua assim: "Detive-me longamente a contemplá-la, para persuadir-me de que não me enganava. Em seguida, atravessei o quarto, dirigindo-me para a porta, e a luz seguiu-me, sempre suspensa no ar, na metade da distância entre minha cabeça e o teto. Era semelhante a um globo de luz elétrica, porém, mais fumosa na aparência, embora irradiasse luz ao redor".

Enquanto miss Williams contemplava aquele globo luminoso, seu pensamento estava dirigido para uma amiga gravemente enferma; à tarde, veio a saber que, no momento em que tinha visto o globo de luz, a sua amiga, mrs. Long, expirara.

Do ponto de vista da realização de análogas visualizações post-mortem, destaco aquele caso interessante da revista Luz, e Sombra (1914, pág. 479), caso ocorrido na família do professor Tito Alippi, presidente do Liceu de Pêsaro, advertindo que, na mencionada revista, foram somente publicadas as iniciais do relator que, em homenagem às exigências científicas, permitiu-me publicar o seu nome. Limito-me a citar o trecho inicial do relato. Ele escreveu: "... Decidi-me a tornar púbico um fenômeno de aparência pelo menos supranormal, que se liga à mais acerba dor da minha vida, esperando que outros me tomem por exemplo e refiram fatos análogos que eventualmente se lhes manifestaram.

Dois anos e meio que uma adorada filhinha minha de treze anos morreu em poucos dias de grave moléstia. Na noite que seguiu-se ao enterro de seus despojos, da casa para o cemitério, minha mulher, que jazia no leito perto de mim sem dormir e em lágrimas, viu, na obscuridade do ambiente, formar-se subitamente no ar uma aparição luminosa, quase uma chama amarelada da espessura duma cabeça. Seguiu-a na lenta ascensão ao teto sendo que, no final, depois de alguns segundos, a aparição desapareceu!

Minha mulher, embora deprimida de corpo e espírito, guardou aquela serenidade de entendimento e de calma que lhe eram próprias, e pouco ou nada inclinada a acreditar nos fenômenos espíritas, deu a si mesma a explicação mais natural: trata-se, pensou, duma alucinação. Mas no outro dia, nossos filhinhos, uma menina de catorze anos e um menino de doze, contaram à mãe haverem visto, estando deitados na cama, no escuro, um globo de fogo, assim, assim... - Em suma, o descreveram exatamente como ela mesmo tinha observado e, alem do mais, com a coincidência aproximada da hora. Minha mulher, surpresa, não se perturbou, e para não provocar medo nos filhos, procurou dar a eles alguma explicação, dizendo que ela também tinha visto...

Neste segundo caso post-mortem tirei do Journal of the American SPR (1908, pág. 494), é a questão duma senhora que, encontrando-se no seu quarto, ouviu ressoar pancadas e simultaneamente viu aparecer um globo luminoso no canto do quarto enquanto sentiu a impressão que aquela luz fosse o espírito do seu falecido marido.

Ela continua assim: "Eu disse: Se é assim, dá-me uma prova" atravessando o quarto e voltando para onde tu te encontras. Passaram-se alguns segundos sem que a luz se movesse e eu já pensava que devia tratar-se duma luminosidade qualquer. Mas eis que a luz moveu-se, prosseguiu até o canto oposto do quarto e voltou para seu lugar de antes. Tudo isso numa maneira decidida e resoluta. Não assumiu outra forma; era um globo duma luz branco-azulada e continuou assim".

Nesse terceiro caso do gênero que resumi dos Annales des Sciences Psychiques (1907, pág 195), tratava-se dum fantasma dum morto que se converteu em globo luminosa. O senhor R. A. Fleury cita o seguinte episódio ocorrido com uma senhora de seu reconhecimento que narra: "Encontrava-me em condições de meio sono quando ouvi distintamente duas pancadas na porta do meu quarto, situada ao pé da cama. Abri os olhos e vi, no pé da cama, o fantasma de minha mãe de quem distingui muito bem o semblante. Estava envolta numa neblina branca e olhava-me sorridente. Aquilo foi para mim um instante de suprema alegria, embora de curtíssima duração, porque o fantasma transformou-se num globo de luz vaporoso que elevou-se ao teto e desapareceu. Outros dois globos luminosos apareceram e desapareceram do lado da janela que estava fechada. Noto que tinha perdido um irmão três semanas depois de minha mãe e, no ano seguinte, meu pai... ".

Termino, lembrando que o doutor Baraduc conseguiu obter a fotografia do corpo astral da própria esposa no momento da sua morte, na forma dum globo luminoso. Paul Nord descreve assim sua visita ao doutor em conversa: "Víamos um clichê dos mais notáveis. É aquele em que o doutor fotografou, no momento da morte de sua senhora. Ele conta isso com uma emoção facilmente compreensível, de como havia ajudado o espírito da consorte a exteriorizar-se, a guiza de favorecer a formação do corpo astral que na fotografia se vê condensar-se sobre o corpo dela, assumindo a forma esférica que e a normal no lado de lá, embora revista forma humana quando os espíritos se comunicam com os vivos". (Revue Scientifique et Morales du Spiritisme, 1908, pág. 369).

Considerei oportuno empreender esta rápida excursão sumária no campo das manifestações das luzes globulares do gênero, enquanto que ninguém nunca pensou em reunir um número adequado de manifestações semelhantes, reunião que parece teoricamente sugestiva e importante. Ademais eu considero oportuno notar que os fenômenos que se realizam entre os povos civilizadas convalidam admiravelmente com os outros conseguidos entre os povos selvagens; e estes últimos, por sua vez, concorrem para convalidar igual e eficazmente com os primeiros, já que é sabido que uma das provas cientificamente melhores, a favor da realidade duma dada classe de fenômenos, consiste na demonstração de que os mesmos fenômenos se realizam de modo identificar em países diversos e entre povos diversos que se encontram separados entre si, e assim estranhas uns aos outros para dever-se excluir toda a possibilidade de transmigração das idéias de uns para os outros.

Até aqui tratou-se só de uma entre as formas que, segundo os videntes selvagens e civilizados, o corpo astral assumiria, quando se distância temporariamente no momento da morte, ou depois de ter transcorrido um período mais ou menos longo no ambiente espiritual. Resta para se considerar se entre os povos primitivos se descobrem notícias sobre outra forma, segundo os videntes civilizados, que o corpo astral assumiria comumente, visto como está sujeito aos processo de separação definitiva do corpo físico; em que circunstâncias ele conservaria a idêntica semelhança que permite individualizar este último.

Quaisquer que sejam as condições psíquicas pelas quais se determinam as duas modalidades - apenas transitoriamente diversas - em que se realiza o mesmo fenômeno, já transparece claramente das citações referidas. O que não é o caso de divulgar posteriormente o assunto para não se fugir muito dos objetivos do presente trabalho que consiste em aplicar os métodos da análise comparada às manifestações supranormais que se realizam respectivamente em ambientes selvagem e civilizado. Isso com a intenção de fazer surgir a concordância e a diferença existentes entre as duas ordens de fatos.

Ora, também a esse propósito vê-se como para os povos selvagens surge bem clara essa segunda modalidade com a qual se determinaria a separação definitiva do espírito e do corpo.

Ademais, também para essa classe especial de manifestações, a coleta dos fatos é escassíssima, visto como devíamos contentar-nos com as breves menções interpoladas anedoticamente nas obras dos exploradores africanos e dos missionários. Mas, as semelhantes e eloqüentes alusões devidas a quem atravessou países selvagens sem interessar-se pela psicologia dos povos encontrados, são suficientes para provar que as manifestações em discussão tornam-se geralmente familiares aos mesmos povos.

Não sendo o caso de fazer simples menções de fatos não expostos, devo limitar-me a reproduzir a seguinte observação que retirei da revista filosófica: The Metaphysical Magazine (outubro, 1896). Eis em que termos um missionário, vindo do arquipélago de Taiti ( Polinésia), expõe a crença dos aborígines a respeito: "No momento da morte, eles crêem que a alma refugia-se na cabeça para, em seguida sair e sofrer um longo e gradual processo de reabsorção em Deus, do qual emanaria... Curioso e interessante parece o fato de que os taitianos crêem no escape duma substância real que assumiria forma humana e crêem no testemunho de alguns dentre eles, dotados de clarividência que afirmam que, tão logo o moribundo cessa de respirar, desprendesse de sua cabeça um vapor que se condensa no alto, à pequena distância do corpo e permanece a ele vinculado, mediante uma espécie de cordão formado pela mesma substância. Essa substância - eles afirmam - vai rapidamente aumentando em volume e, em pouco tempo, assumindo a semelhança do corpo do qual emana. Quando, enfim, este último torna-se gelado e inerte, o cordão que vincula a alma ao corpo dissolve-se e a alma liberada voa, assistida na aparência pelos mensageiros invisíveis".

O caso exposto parece merecedor da máxima consideração, pelo fato de que as observações dos aborígines taitianos coincidem, de modo impressionante, nas suas mais minuciosas particularidades, com o que os videntes europeus descrevem sobre os processos da separação do corpo astral do corpo físico. Todos são unânimes sobre o que os videntes em causa, de Andrew Jackson Davis a William Stainton Moses, falam concordemente da emanação do corpo físico, duma espécie de vapor que sai para condensar-se no alto, à pequena distância do corpo; vapor que gradativamente ganha o volume, a forma e a semelhança do corpo do qual emana e a ele permanece vinculado mediante um cordão fluídico formado pela mesma substância, cordão que se dissipa no momento da morte, deixando livre a forma espiritual.

Isso não é tudo, pois que, entre os videntes taitianos e videntes civilizados, encontra-se, além disso, uma outra concordância notabilíssima qual seja: uns e outros notam a presença de mensageiros espirituais que interviriam ao assistir o espírito no período da suprema crise.

Não há quem não veja como essas coincidências maravilhosas pressupõem um valor científico enorme, já que, se os taitianos não podem ter tirado sua crença dos povos civilizados (os quais, "ignoram" em massa a existência de semelhantes fenômenos entre os seus) e se os povos civilizados não podem ter-se apoiado nos taitianos, então não é possível dar razão à recíproca, minuciosa, maravilhosa, completa descrição do fenômeno, a não ser reconhecendo que os videntes das duas partes haviam descrito um fenômeno objetivo, real, realíssimo.

Dessa forma, portanto, levados racionalmente a dever admitir o fenômeno do desdobramento fluídico no momento da morte, isso equivale a reconhecer a existência do corpo astral no homem, ou, em outros termos, a existência duma alma que sobrevive à morte do corpo.

O que segue é um caso de desdobramento fluídico duma pessoa viva (bilocação), conseguido experimentalmente por um feiticeiro africano.

Retirei-o do Almanach des Missions para o ano de 1907, e quem conta é um missionário internado na solidão selvagem da África Central.

O protagonista da narração, de nome Ugema Uzago, era naquele tempo o chefe da tribo dos Yabikou, e não somente um grande feiticeiro. Ele tinha sobre os indígenas um poder extraordinário, pois curava enfermidades, procurava através dos próprios súditos os meios para fazer fortuna e também a maneira de conhecer seus inimigos...Doce eufemismo que, no pensamento daquela gente, significava que estaria rapidamente desembaraçados deles.

Ugema era amigo do missionário relator, ou, pelo menos, tendo freqüentemente necessidade do reverendo padre, confessava ser seu amigo. No mais, as tardes, ia conversar como ele... para pedir-lhe fumo.

Isso são apenas antecedentes e o missionário assim continua:

Uma tarde, Ugema me confidenciou que o mestre - aquele que pode tudo – tinha convidado seus discípulos para, na noite seguinte, dirigirem-se a uma convenção no planalto de Yemvi.

- Por isso, amanhã à tarde, não poderei vir encontrá-lo - disse Ugema.

Eu ajuntei: Como não pode? No planalto de Yemvi? Mas requerem-se quatro longo dias de marcha para atravessá-los. Não poderás seguradamente ir a convenção.

Ugema aprumou-se orgulhosamente e disse:

- Venha encontra-me amanhã a tarde e verás o que sabem fazer os feiticeiros negros.

Prestei bem atenção para não negligenciar a ocasião preciosas para controlar os poderes do feiticeiro. No dia seguinte, às seis horas da tarde, antes do ocaso, encontrei-o.

O Feiticeiro disse-me:

- Estou para iniciar os preparativos da partida. Quando os tiver iniciado, cuida de não me interromper de modo algum, por causa de tua vida e, sobretudo, da minha vida, pois para mim será morte certa.

Prometi solenemente que não pronunciaria palavra, que não o perturbaria nos seus esconjuros com um só gesto, ou uma única exclamação; que me manteria mudo e imóvel como um tronco de árvore morta.

Em seguida, acrescentei:

- Permita-me ainda uma pergunta. Tu, pois, estás para dirigir-te ao planalto de Yemvi, na antiga aldeia abandonada. Não é verdade?

- Sim, como já te disse.

- Bem teria de pedir uma incumbência. Quererás fazer-me um serviço?

- De boa vontade.

- Na estrada que deverás percorrer, perto das faldas do planalto encontra-se a aldeia de Ushong. Não é assim?

- Perfeitamente.

- Conheces certamente o exator dos tributos que está domiciliado nessa aldeia para comerciar o cautchiu??

- Queres dizer, Esaba? Claro que o conheço.

- Sim, ele mesmo.

(Aqui devo antecipar que esse Esaba, exator negro da aldeia em questão, é um dos nossos convertidos ao cristianismo e levou o nome de Vincenzo na pia batismal. Ele, quando é necessário, ensina um pouco de catecismo na sua aldeia, batiza os moribundos, instrui as crianças e é muito devotado à nossa Missão. Quando devemos dirigir-nos à sua aldeia, é sempre ele quem hospeda, oferecendo os seus serviços de mil modos.)

- Bem, caro Ugema, quando passares diante de sua porta, farás o favor de dizer-lhe que eu tenho absoluta necessidade de falar-lhe que venha imediatamente, e que me traga a cartucheira da minha espingarda de caça que deixei numa caixa de ferro na minha cabana. Diga-lhe que não tenha cuidado com o resto e que me traga unicamente a cartucheira. Compreendeste bem?

- Tua incumbência será executada. Esaba receberá tua mensagem nesta mesma tarde e amanhã se porá em viagem. Agora comece a fazer silêncio. Estamos entendidos?

Diante dessa explícita promessa, meu espanto cresceu desmedidamente e pode-se compreender com que ânsia esperava o fim dessa aventura, pelo menos muito estranha. Como era então possível que Ugema se dirigisse à convenção? Quatro dias completos de marcha em poucos minutos? De qualquer modo, eu procurava um meio de controlar a afirmação do feiticeiro por meio do exator negro Esaba. Para levar a nossa incumbência na aldeia deste último, seriam três longos dias de viagem, com a condição de não se demorar na estrada.

Ugema e eu entramos na cabana dos feitiços. Ardia no meio dela um fogo composto de ervas aromáticas e de lenha com fortes essências amontoadas em quantidade. As chamas, claras e brilhantes, iluminavam o ambiente. Sentei-me num canto, enquanto o feiticeiro iniciava suas práticas, modulando uma cantilena especial, na qual predominava uma insinuante melodia. Assim cantando, despejou-se do que tinha para depois tornar a vestir-se sucessivamente com todos os seus fetiches; e a cada um que vestia, interrompia o canto para modular um outro, sempre com ritmo lento e bizarro. Era uma espécie de melopéia, na qual as notas elevavam-se de improviso, para depois recomeçarem bruscamente; e o texto era um misto de invocação e de rogativas, mas, sobretudo, de esconjuros e de evocações aos espíritos da floresta, da água e dos mortos...

Ugema cantava, rodando lentamente em redor do fogo e ao mesmo tempo girando sobre si mesmo; e calculava cada movimento, acelerando gradativamente o ritmo. Continuou assim por muito tempo, até quando os tições, quase consumidos, não irradiavam mais chamazinhas com o brilho enfraquecido. Aqui e lá ainda havia línguas de fogo fuliginosas, mas eram insuficientes para dissipar a obscuridade que invadia o recinto.

De improviso, Ugema parou; enquanto isso, da comissura do teto fez-se ouvir um sibilar estridente, imperativo. Ergo a cabeça e percebo a forma mórbida ondulante dum ser vivo introduzindo-se na cabana. Era uma serpente negra, da espécie mais perigosa, que desceu desfazendo suas espirais no chão. Dirigiu, em seguida, sua cabeça para mim com expressão irritada, agitando sua cauda com extrema rapidez. Em seguida, ergueu-se sobre sua cauda, olhou-me indecisa, balançou-se por algum tempo e afinal lançou-se sobre o feiticeiro, envolveu-o nas suas espirais e o atacou... Ugema não se perturbou; pegou uma garrafinha, jogou na palma da mão um pouco de líquido avermelhado, que exalou um cheiro acre de alho, e começou a esfregar gradativamente o corpo, começando pelos pés. A serpente negra na qual eu reconheci o animal ligado ao feiticeiro: sua Elangela, executora da sentença de morte, desliga-se da cintura do feiticeiro para sair e enrodilhar-se no seu colo, no qual pôs-se a balançar e lançando a língua ao redor de sua cabeça, seguindo o ritmo da dança e da melopéia cantada.

Nesse ponto, resolvi acender uma tocha que me permitisse observar os mínimos particulares da cena e o feiticeiro não deu sinal nenhum para me proibir.

No entanto, o fogo, depois da lançar algumas chamazinhas morrentes, terminou por extinguir-se completamente... Então Ugema foi deitar-se na cama. O ambiente estava saturado dum odor acre indefinível. Tive que lutar com toda minha energia da vontade para resistir ao torpor que me invadia. Aproximei-me de Ugema: vejo que a serpente desapareceu e que o feiticeiro dormia profundamente, num sono especial, verdadeiro sono da morte, que deixava seu corpo imóvel como o dum cadáver. Era o sono catalético. Ergo suas pálpebras e vejo que o globo do olho está todo branco, absolutamente vítreo, e que o fogo da tocha não provoca nele reação nenhuma. Coloco-me diante dele e ergo-lhe um braço que recai inerte e ressecado, como sucede com a rigidez cadavérica. Ergo uma perna, com idêntico resultado. Prossigo nas minhas investigações até cravar um alfinete na sua carne: nenhuma contração dos músculos. Percebo na comissura dos lábios um pouco de espuma esbranquiçada. As pulsações do coração são imperceptíveis: Ugema dorme o sono da morte.

Fico a vigiá-lo a noite inteira, percebendo que nada, absolutamente nada, revela nele ter vida; jamais um mínimo movimento, nunca o sinal dum gesto. Chegada a manhã, lá pelas oito horas, Ugema começou a dar sinais de vida: fez algum leve movimento, pelo que redobro a atenção. Seguiram-se movimentos espasmódicos que pouco depois pararam. Ugema voltou, levanta-se para sentar-se à mesinha de madeira; olha com as pupilas apatetadas e parece surpreso ao perceber-me ao seu lado. Mas finalmente a consciência volta.

- Ah! exclama - como me sinto cansado!

- E, bem, essa famosa viagem? Ora veja também tu que não a pudeste fazer.

- Como não? Quem te disse que não pude fazê-la?

- Tu afirmas então ter estado no planalto de Yemvi durante a noite?

- Mas, certamente! Oh! não é prudente faltar ao chamado do Mestre!

- E o que fizeste?

Ugema ficou silencioso por algum tempo. Em seguida acrescentou:

- Éramos muitos e lá nos divertimos.

Foi-me impossível arrancar-lhe outras informações.

- E minha incumbência, a executaste? Preveniste Esaba?

- Mas claro!

- Falaste com ele nesta noite?

- Sim, falei-lhe esta noite.

- Entretanto, teu corpo ficou sempre deitado na cama, e posso garantir-te, porque jamais desviei o olhar da tua pessoa.

- Não, eu não jazia na cama. Era meu corpo que lá se encontrava; mas que coisa significa o corpo? O meu eu não estava lá; estava no planalto de Yemvi.

Não quis, naquele momento, insistir. Interrompi a conversação e pouco depois retomei o caminho da Missão, absorto nos meus pensamentos. Perguntava-me que coisa dever-se-ia pensar sobre tudo a que eu havia assistido: sonho, fantasmagoria, ilusão, realidade?

Três dias depois, justo na tarde do terceiro dia, o catecúmeno Esaba chegou na Missão.

- Padre - disse-me, eis a cartucheira que me pediu outro dia por meio de Ugema. Que coisa mais deseja de mim?

Foi-me fácil achar uma desculpa plausível. Em seguida, perguntei:

- Em que dia Ugema executou minha incumbência?

- Uns três dias ou tanto, à tarde, lá pelas nove horas, como já lhe disse. (Ora, era essa a hora exata em que Ugema havia caído no sono catalético.

- Tu o viste?

- Oh, não! Sabes bem que nós negros temos muito medo dos fantasmas que vagam à noite. Ugema bateu na minha porta e falou-me de fora. Mas não o vi.

Respondi: - Ah, bem, bem! e mudei de assunto.

Portanto, é fato verdadeiro que Ugema havia se dirigido à convenção. Era verdade que o seu eu havia, em poucos instantes, percorrido muitas horas de caminhada. É verdade que seu eu desdobrado tinha agido, falado e conversado... Sonho, ilusão, fantasmagoria... ou realidade?"

Com essa frase interrogativa e duvidosa, o missionário relator conclui sua narração às autoridades eclesiásticas. Mas entrevê-se claramente que ele está intimamente persuadido de que não podia tratar-se nem de sonho, nem de ilusão, nem de fantasmagoria, no momento em que o feiticeiro tinha executado efetivamente, em todos os seus particulares, a incumbência a ele confiada, e isso numa distância de três dias de marcha e na hora precisa em que ele caíra num sono catalético.

Observo que o episódio exposto, considerado na sua integralidade, resulta numa fiel reprodução em ambiente selvagem, dos famosos sabba dos feiticeiros no ambiente medieval. O fato em si, dessa concordância de manifestações estranhas e inverossímeis, em meio a circunstâncias de tempo e de lugar tão diversos, demonstra que alguma coisa de genuinamente supranormal devia achar-se também no sabba dos feiticeiros, assim como o elemento supranormal emerge indubitavelmente do episódio exposto. Não obstante, em ambos os casos parece difícil designar onde termina a realidade fenomênica de ordem genuinamente supranormal e onde começa a ação onírica e auto-sugestiva de acordo com a crença especial do feiticeiro Ugema de uma parte, e à feitiçaria da outra. Em louvor ao episódio em exame, a "menos lata hipótese" para explicá-lo, consistiria em pressupor um fenômeno de transmissão telepática, na qual o feiticeiro Ugema teria sido o agente e o catecúmeno esaba o percipiente. Sendo assim, a declaração deste último acerca do fantasma de Ugema que havia batido na sua porta e tinha conversado do lado de fora com ele, implica na modalidade de realização supranormal que se diversifica notavelmente da modalidade com que se realizam os fantasmas telepáticos (que são muito fugazes e não demoram nunca em conversações verdadeiras e exatas. E quando não é assim, então não se trata de fantasmas telepáticos).

Essa considerações tendem a fortalecer a afirmação do feiticeiro, de que na cabana jazia unicamente o seu corpo, enquanto o espírito havia se transportado para o planalto de Yemvi.

Em outros termos: tudo concorre para fazer-se presumir que, no caso em exame, trata-se dum fenômeno de "bilocação", análogo àqueles que se realizam e se realizaram sempre nos povos civilizados e dos quais encontram-se numerosos exemplos na casuística metapsíquica e na biografia dos santos.

Não ignoro que os fenômenos de bilocação, há muito tempo reconhecidos como autênticos, sob a base dos fatos, pela autoridade eclesiástica, e hodiernamente pela escola ocultista, espírita e teosófica, não são ainda reconhecidos por um punhado de homens de ciência, mais ou menos competentes em Metapsíquica; o que, para dizer-se a verdade, não significa nada, sendo de se notar que, por força duma lei psicológica inexorável, mas ao mesmo tempo providencial nos seus efeitos moderadores da evolução social, revela-se como alguma verdade nova (embora mais ou menos prematura), que deva estar sujeita à prova de se ver rejeitada e desdenhada durante um longo tempo pelas mentes mais cultas e respeitadas da época. Em compensação, o amanhecer do triunfo não falta nunca para erguer-se à Verdade fundamentada pelos fatos, já que os fatos não são opiniões. Em louvor à grande Verdade que aqui concerne, observo que aqueles que indagaram a fundo o assunto sabem, com certeza científica, que os fenômenos de bilocação ou desdobramento fluídico, durante o sono fisiológico, ou o sonambúlico, ou estático, ou mediúnico, ou catalético, não apenas no instante preagônico, são fenômenos reais e incontestáveis. É meritório dar-se relevo ao fato de que, sem o fenômeno de bilocação incipiente ou total, não se explicariam as manifestações anímicas da casuística metapsíquica, a começar pelos fenômenos de telecinesia, para terminar nas materializações parciais ou totais do duplo do médium.

Quanto ao outro quesito, que consiste em perguntar se o feiticeiro Ugema havia, ou não, assistido à convenção dos feiticeiros, ê um quesito difícil de se resolver, mas ao mesmo tempo de escassa importância teórica. Tem toda liberdade todo aquele que considere verídica a convenção em discussão, quando não, de conservar uma fantasia subliminar, fruto auto-sugestivo da firme crença, sob esse aspecto, do feiticeiro protagonista.

O que, pelo contrário, interessa e importa é o fato incontestável do catecúmeno Esaba ser informado exatamente pelo feiticeiro Ugema sobre a incumbência do missionário; isso no momento em que o corpo do feiticeiro jazia imerso em sono catalético.

Repito que esse episódio não se pode explicar senão de dois modos: ou recorrendo à hipótese telepática, ou pressupondo um fenômeno de bilocação. Essa última solução é indubitavelmente a mais aceitável.

Em louvor às práticas com que o feiticeiro provocou em si mesmo o estado de profunda hipnose, elas não apresentam valor teórico, já que - como se fez observar anteriormente - essas práticas constituem os métodos empíricos particulares a cada povo - e no nosso caso, a qualquer tribo selvagem - para provocar as condições necessárias à emersão das faculdades supranormais subconscientes, ou ao desdobramento do corpo fluídico.

Nota-se que nas práticas do feiticeiro Ugema, figura, a título de coadjutora, uma autêntica serpente negra, venenosíssima e de grandes proporções; o que está de acordo com quanto se salientou anteriormente a propósito das práticas de fascinação hipnótica sobre as serpentes Piton, por obra da pitonisa Twadekili. Nenhuma dúvida de que esses sistemas de sujeição psíquica das serpentes e das feras parecem sumamente interessantes do ponto de vista teórico e prático. Sucede que se deve convir que os povos civilizados têm alguma coisa a aprender com os povos selvagens acerca do poder de fascinação da psique humana sobre a animal, poder que os antigos magnetólogos tinham adquirido e praticado, mas que os hodiernos hipnotizadores descuidaram-se totalmente dele.

De resto, é igualmente verdade que os povos civilizados teriam muito que aprender com os povos primitivos, também a propósito das virtudes taumatúrgicas dos fluidos humanos exteriorizados, como também acerca dos métodos para facilitar a manifestação das faculdades supranormais subconscientes.

É verdade que os povos primitivos, como também os povos da Antigüidade, chegaram a resolver empiricamente numerosos problemas metapsíquicos de soberana importância biológica, psicológica e filosófica, acerca dos quais os atuais povos civilizados nada, ou bem pouco, conhecem.

XII

Sessões Mediúnicas com Telecinesia, Vozes Diretas, Xenoglossia, Materializações e Identificações Espíritas

Resta demonstrar como também entre os povos primitivos e selvagens realizam-se experiências mediúnicas verdadeiras e peculiares, com manifestações que correspondem às que se obtêm entre os povos civilizados. A esse respeito, os leitores terão reparado que, nos casos citados anteriormente, encontram-se diversos nos quais tratam de feiticeiros-médicos e de sensitivos que funcionam como verdadeiros e corretos médiuns. Assim se fale, por exemplo, do episódio da sensitiva negra Salima, evocando o espírito do marido defunto Mbona; pelos casos citados na categoria das manifestações prevalentemente objetivas ou físicas, e por um outro caso dos peles vermelhas, evocando o espírito do seu chefe defunto chamado Grande Tartaruga.

Essas citações antecipadas de fatos fora da categoria particularmente reservada a eles, representam um inconveniente inevitável na presente classificação, em que são numerosos os episódios muito complexos para serem simultaneamente assinalados em categorias diversas.

Sucedeu que, para superar a dificuldade, só restava classificá-los na ordem das características mais relevantes neles contidas; e segundo as circunstâncias, reservei para a presente seção os casos nos quais a característica mais realçada está em que nelas os feiticeiros-médicos e os sensitivos assumem decisivamente as funções de médiuns.

Uma primeira consideração importante, com relação aos casos dessa natureza, consiste numa outra característica comum, na maior parte dos mesmos, que é a de que as comunicações dos defuntos realizam-se quase sempre com o auxílio da voz direta. Embora não seja correto exigir dos exploradores e dos missionários os relatos que sirvam de provas científicas sobre a autenticidade objetiva das vozes diretas em discussão, não obstante o fato de que elas resultam ser a característica principal da própria experiência, parece já uma presunção legítima a favor da realidade objetiva do fenômeno, pelo menos para um certo número de casos e isso enquanto não for possível, através dos séculos, indígenas, exploradores e missionários terem estado sempre enganados a respeito.

O explorador Lidio Cipriani, no livro citado anteriormente, observa a esse propósito:

"A crença nesses espíritos falantes, ou melhor, sibilantes, é geral na África do Sul, e chega também ao Norte, depois no Zambesi e depois no Congo. Na província do Cabo, os feiticeiros Xosa pretendiam fazer falar o espírito no pavimento da cabana, entretanto, no baixo Zambesi, o espírito permanece morando numa cabaça, na qual, se consultado, responde. Mais para cima do rio, junto ao Senga, o espírito vive num castelo, e de lá distribui seus oráculos, sempre com voz sibilante. Entre os Baluca, do Congo meridional, o domicílio e o lugar de onde fala o espírito é um vaso de terracota. Entre os negros da Costa do Ouro (Kingsley), o oráculo fala dum ponto qualquer da cabana... Interessante notar a precisa correspondência nos povos antigos, e nas antigas escrituras, de narrações como essa africana sobre os 'espíritos falantes'. Além disso, o fenômeno está espalhado atualmente entre os primitivos de todo o mundo, e os viajantes concordam em descrever o feiticeiro, o presumível evocador dum espírito, e suposto ventríloquo como preparando-se com antecedência para conseguir uma excitação espasmódica física e nervosa, que o leva algumas vezes a rolar por terra, tomado por convulsões, com espuma na boca e em delírio, persistindo nesse estado durante as respostas, julgadas de origem sobrenatural, são provas'"'.

De resto, as causas das características em exame mas comunicações dos defuntos entre os povos selvagens, tornam-se manifestas e consistem no fato de que não existindo entre eles a linguagem escrita, os defuntos não podem entrar em relações inteligentes com os vivos, senão com o auxílio da voz direta, da possessão mediúnica e da tiptologia, pelo sim e pelo não, mediante uma trípode qualquer, ou um objeto suspenso por um fio.

Nesse primeiro exemplo, é o médium que fala com o timbre vocal dum defunto (possessão mediúnica).

Retiro do livro de Hereward Carrington: The Psychic World. O explorador B. Malinowski, tratando dos fenômenos supranormais que se realizaram entre os ilhéus, na Melanésia, observa: ... Quando me achava na ilha de Trobiand, morreu o chefe da tribo. De acordo com suas normas, todos os componentes da tribo, compreendidos os visitantes, deviam velar durante a noite, assistindo as cerimônias fúnebres. Fui participar junto com outros viajantes. Estava presente aquele que deveria agir como médium, de quem se esperava grandes coisas. Tentei aproximar-me e fazê-lo falar, mas não tive êxito. Respondia com monossílabos e tive de desistir. Ele não estava mais em condições normais. Parecia superexcitado, murmurava palavras incompreensíveis, tinha sobressaltos nervosos e também períodos de ausência psíquica, talvez em transe, durante os quais, seu olhar sem expressão fixava-se no vazio...À medida que avançava a noite, os indígenas tornaram-se por sua vez, excitados, enquanto o médium, gradativamente, entrou em condições de profundo transe, com indícios de controle espiritual.

De repente, ele empertiga-se, e com um timbre de voz enérgico, tão sonoro que eu não tinha jamais imaginado pudesse sair de sua laringe, entoou um canto religioso. Depois parou, e então, por seu intermédio, uma outra personalidade pôs-se a falar, com timbre vocal completamente diferente em tudo do primeiro. À volta, sucediam-se estranhos efeitos de vozes plúrimas, como se diversas personalidades dos defuntos se esforçassem para falar simultaneamente. Depois do que, suas frases tornaram-se breves e incisivas, e, depois, sempre mais demoradas. Sucederam-se crises de cansaço e de sons sussurrantes, até quando o médium se entregou, prostrando-se em terra, evidentemente exaurido até desmaiar.

Só então percebemos que o espírito do chefe defunto tinha falado pela boca do médium, e que todos os presentes haviam reconhecido o timbre vocal que, se bem que mais sonoro que o normal, era absolutamente idêntico..." (Ver pág. 240).

No caso exposto, é de se notar o sinal dos "estranhos efeitos das diversas vozes, como se diversas personalidades de defuntos se esforçassem para falar simultaneamente". - Assim mesmo é que o fenômeno se realiza algumas vezes também entre os povos civilizados, nas experiências com médiuns nas "incorporações". Isso determina uma interferência sumamente instrutiva no sentido de demonstrar a presença real no local de duas personalidades de defuntos que se esforçam simultaneamente para comunicarem-se com os vivos, influenciando o médium por processos diversos. Vale dizer que, enquanto uma vale-se diretamente da laringe para a "incorporação", a outra age por transmissão telepática sobre os centros cerebrais da linguagem. De modo que uma ignora a presença da outra, com a conseqüência de que a laringe do médium profere automaticamente frases desconhecidas quando provêm das duas mensagens que se confundem.

Sucede que, do ponto de vista da manifestação em exame, o que importa ressaltar consiste nisso: que a alusão feita a essa curiosa e pouco conhecida forma de interferência mediúnica, converte-se em ótima prova sobre a origem genuinamente espírita da mesma manifestação.

Neste outro caso, trata-se de vozes diretas, e quem o narra é o vescovo anglicano Callaway, na obra The Religious System of the Amazulu. Eu o retirei do livro pouco antes citado de Hereward Carrington: The Psychic World (pág. 222) em que vem relatado num amplo resumo.

É este o trecho essencial: "... Na tribo dos Amahlongwa, uma criança foi atingida por graves crises de convulsões, e os pais enviaram alguns jovens para consultar uma feiticeira que adivinhava com o auxílio dos seus espíritos familiares.

Ali chegados, os jovens tomaram lugar na cabana de experiências, juntamente com a feiticeira. Depois de longa espera, fez-se ouvir uma voz que parecia a de uma criança que tinha surgido do teto e enviava cumprimentos ao grupo.

Depois do que, outros espíritos manifestaram-se de forma análoga, observando: 'Viestes para obter conselhos sobre alguma coisa que vos diz respeito'. A feiticeira voltou-se para o agrupamento, dizendo: 'Ouvistes? Os espíritos dizem que viestes para interrogá-los sobre alguma coisa que vos diz respeito. Se é assim, respondei'. Os jovens querendo sondar o terreno, limitaram-se a observar se isso era verdade. Então, os espíritos explicaram que o motivo de sua vinda era da máxima urgência porque recaía sobre alguém um presságio maléfico. Os jovens, querendo proceder com cautela, perguntaram: 'Qual é a idade da pessoa sobre quem recai um triste presságio?' - Veio a resposta: 'É uma criatura muito jovem e o presságio é de natureza física. Trata-se duma criança de tenra idade, para não se poder ainda utilizá-la como guarda de rebanho'. Finalmente os espíritos acrescentaram: 'Eh! Agora nós a vemos; sofre de convulsões'. Em seguida, descreveram minuciosamente de que modo se desenvolveu o primeiro acesso do mal, o caráter dos acessos e o que pensavam e temiam os genitores, observando que ela era a filhinha única e que os jovens presentes eram seus parentes. Depois, detalharam, acrescentando que eles eram seus primos. Todos os detalhes fornecidos correspondiam à verdade.

Depois do que, os espíritos exortaram os primos da criança a retornarem às suas casas, sacrificassem uma cabra branca, esfregassem o corpo da criança com o fel extraído do animal e lhe dessem para beber uma poção especial.

Os jovens voltaram para suas casas, sacrificaram uma cabra branca, esfregaram o corpo da criança com o fel da cabra e lhe administraram o remédio indicado".

Nesse ponto, o vescovo Callaway declara: "A feiticeira em questão residia a enorme distância do país e os jovens consulentes não a conheciam de modo algum. - Daquele dia em diante, cessaram as convulsões da criança e nunca mais voltaram. Sucede que aquela criança tornou-se um jovem são e robusto".

Nada de excepcional no episódio exposto que se recomenda em razão da personalidade veneranda do Vescovo que o narrou e que testemunhou durante o período de sua vida de missionário.

Este que segue é um caso de mediunidade espontânea e transitória, com vozes diretas e xenoglossia (conversações em línguas ignoradas pelo médium) e também materializações presumíveis de mãos. Retirei do journal of the SPR, (vol. VII, págs. 274-5).- Mr. William Robert Augear enviou para a Sociedade mencionada o seguinte relato duma sua conversa com um ilhéu do arquipélago australiano das Ilhas do Sul:

"Meu nome é Ganna e sou nativo da ilha dos Mares do Sul. Sou cristão, todos me conhecem; logo, não posso mentir... Quando trabalhava nas plantações de algodão da ilha Coira, no arquipélago de Fidji, se encontrava também um nativo da Ilha do Sul que era um Omba, e que um dia adoeceu com disenteria. Bom, uma vez um meu compatriota foi ter com ele para saber se tinha necessidade de alguma coisa e encontrou-o muito mal. Estava insensível (isto é, em transe), mas falava continuamente e não era com sua voz, mas com uma outra, que parecia sair-lhe do ventre. Depois do que, não demorou muito que todos os habitantes do país começaram a interessar-se por ele, porque falava com todos em suas várias línguas. Eu, por exemplo, tinha certeza de que ele não conhecia uma palavra da língua da minha ilha, todavia, falou-me demoradamente na minha língua, referindo-se à minha terra e às pessoas do meu conhecimento que já estai am mortas. Ora, tudo isso era verdade, porque informei-me com pessoas da minha terra que vinham para Coira. Tudo verdade, senhor. Então, devíamos acreditar nas suas palavras e vós entendereis.

Bem, depois daquela noite, ouvia-se sempre falar daquela maneira quando aquele homem adoecia (isto é, quando caía em sono mediúnico). Quatro ou cinco vezes alguns de nós entrávamos na cabana quando o ouvíamos falar daquele modo. Acendia-se uma luzinha, mas não se via ninguém, fora o homem doente, que parecia morto. Mas as pessoas que entravam na cabana não podiam resistir a permanecer lá. Nós havíamos tentado tudo, mas inutilmente, porque não tardava a se ficar com medo. Lá havia qualquer coisa que obrigava a fugir. Ninguém pode dizer que viu alguma coisa, apenas ninguém podia resistir a ficar lá dentro. As outras pessoas que circundavam a cabana do lado de fora (tratava-se de cabana construída com varas de bambu entrelaçadas), viam sair mãos daqueles que conversavam no interior; todos homens mortos. Elas as agarravam algumas vezes, achando aquelas mãos pequenas e curtas como se tivessem uma única articulação. Ora, aquelas pessoas mortas disseram sempre a verdade e falavam sempre a cada um na sua própria língua.

Mas eis que, um dia, aquele homem sarou completamente do seu mal e tudo acabou. Ele ainda vive e está otimamente bem; somente não se recorda de nada do tempo em que tinha estado doente.

Jamais eu tinha visto coisa semelhante, mas os indígenas de Mackay e de Queensland me disseram que, nas plantações de açúcar, eles tinham observado a mesma coisa. Vós conhecestes Tom Totty; ele estava comigo quando tudo isso acontecia e sabe de tudo quanto eu, e podeis interrogá-lo ..."

Num ligeiro comentário, o diretor do journal of the SPR comentou que a veracidade do caso exposto está manifestada pela consideração com que o ingênuo narrador descreveu em todos os seus particulares fundamentais a modalidade pela qual se desenvolve o estado de transe mediúnico nos povos civilizados. Ora, é claro que, com a hipótese da coincidência fortuita, não poderemos nunca explicar essas complexas correspondências, quando provêm dum narrador que ignora a existência do fenômeno que descreve. Esse é o caso do episódio exposto, no qual o ignorante e ingênuo ilhéu ressalta, acima de tudo, a particularidade classicamente verdadeira de que o sensitivo do qual falava não se lembrava nada do tempo em que havia estado doente (isto é, do período em que esteve sujeito aos acessos de sono mediúnico). Como também que o mesmo sensitivo falava e agia daquela maneira somente quando caía doente (isto é, quando era atingido pelo sono mediúnico), e enfim, que aqueles que falavam por intermédio dele eram sempre homens mortos; todas observações que distinguem o estado de transe mediúnico, e servem para defini-lo. Sucede que, se o narrador descreveu as condições dum estado psicofisiológico anormal, que não podia conhecer por via de informação, significa que ele devia conhecê-lo por ter feito experiência pessoal.

Do ponto de vista das manifestações ocorridas, torna-se indubitavelmente importante a descoberta dum episódio de xenoglossia entre os povos selvagens; episódio tornado mais interessante pela sua combinação com o fenômeno físico das mãos materializadas que, depois de serem concretizadas na obscuridade da cabana - que servia de gabinete mediúnico - manifestavam-se no exterior, deixando-se agarrar.

A esse propósito, vou ressaltar que a outra observação do narrador acerca da pequenez e imperfeição das mãos que se estendiam na cabana, serve para demonstrar, de modo decisivo, que não podiam ser as mãos do médium.

Tomo o episódio seguinte do volume IX (págs. 69-71) do journal of the SPR. O senhor K. Langton Parker enviou ao sociólogo professor Andrew Lang o seguinte relato dum incidente ocorrido com ele mesmo, na sua residência na Austrália.

Ele escreve: "Uma senhorita minha hóspede caiu repentinamente doente, de maneira inexplicável para todos. Ela não era obrigada a ir para a cama, mas arrastava-se penosamente pela casa e permanecia quase sempre numa espreguiçadeira. Sua aparência era a de um rosto pálido como um tecido de linho lavado.

Uma velha e boa mulher nativa de Varnan, sabendo da doença da minha hóspede, foi ao meu encontro para informar-se sobre o caso. Tinha por hábito vir procurar-me toda vez que havia doentes na família, com a intenção de atar ao redor dos pulsos alguns dos seus barbantes encantados, murmurando esconjuros. Ela perguntou-me qual era o mal que tinha atingido a Bullah Meai (mocinha branca). Respondi-lhe que ninguém chegava a compreender a sua causa e então ela me disse que tinha perguntado aos espíritos.

Pensando que aquela conversa com aquela boa feiticeira tinha servido para distrair a doente, que era sempre vista na cidade, comprazendo-se bastante em entrar em contato com os indígenas, eu a introduzi à moça.

A boa velha, depois de ter cumprimentado a enferma, disse-lhe que se preparava para consultar os espíritos, a fim de corá-la. Em seguida, acocorou-se no meio do quarto e começou a murmurar jaculatórias numa língua desconhecida. A um dado momento, cala-se, e então, ouvimos uma outra voz estranha, sibilante, pronunciar distintamente algumas palavras, ao que a velha respondeu, provocando outras palavras sibilantes da mesma voz. Depois do que a velha pronunciou, por três vezes, aquilo que parecia a mesma pergunta, sem obter resposta. Então, esperou algum tempo, para depois dirigir-se a mim, dizendo que tinha perguntado ao espírito de Big Joe - um negro morto há alguns anos - para informar o que desejava saber, mas que Big Joe não tinha sabido responder. Por isso ela se propunha a perguntar ao espírito de uma sua sobrinha, morta há muitos anos.

Novamente ela recomeçou a murmurar uma outra espécie de encantamento e, pouco depois, ouviu-se uma outra voz estranha e sibilante, que, porém, era muito mais fraca do que a primeira. Recomeçou o mesmo diálogo, com resultado igualmente negativo. Então, a velha disse que tinha consultado o espírito de Guadgee, uma moça de cabelos crespos, negra como ébano, morta há pouco tempo, e a quem eu era muito afeiçoado nos primeiros tempos da minha estada no país. Desta vez, os esforços da boa velha foram coroados de sucesso, pois Guadgee respondeu imediatamente, informando que a enfermidade da mocinha branca era devida ao fato de que havia ofendido os espíritos, tomando banho à sombra duma árvore Uniggah, quer dizer, duma árvore sagrada, interditada a todos, salvo ao feiticeiro que se servia dela para congregar os espíritos amigos, e sob a qual depunha os próprios ingredientes mágicos, como cristais, velas, bastões e ossos, pois que todas as coisas estão em segurança à sombra duma árvore Uniggah, protegida por enxames de abelhas invisíveis a todos, salvo ao feiticeiro, e que investiam com seus ferrões aos violadores da sombra sagrada. Ora, portanto, teria a mocinha branca ofendido aos espíritos, violando o pacto, e fora assaltada pelos ferrões invisíveis que a tinham picado nas costas e tinham introduzido um grumo da sua cera no fígado dela, determinando a doença de que sofria. Para corroborar o que afirmava, Guadgee acrescentou que, se nós tivéssemos examinado as costas da mocinha branca, teríamos descoberto as ferroadas das abelhas invisíveis. Fizemos isso, descobrindo efetivamente que, na região indicada, existiam numerosos pontos inflamados muito irritados.

Quando a velha mulher acabou de me traduzir o que a voz de Guadgee tinha dito, eu, que sabia onde se achava a árvore Uniggah, e que sabia onde minha hóspede dirigia-se para o banho, junto com uma empregada negra, observei que Guadgee se enganara, porque as duas moças tinham muito medo das árvores Uniggah. Ao que a velha respondeu que Guadgee não mentia nunca e que por isso se devia aceitar por verdade sua narração. Nesse ponto interroguei a enferma, perguntando: 'A árvore Uniggah de que falaste seria talvez uma grande árvore coalabah, existente entre a enseada do rio e o jardim?'

- 'Sim', respondeu a velha. 'Então' - disse a doente - 'é mesmo verdade que eu tomei o último banho à sombra daquela árvore. Havia me levantado muito tarde para sair com as outras moças, pelo que tomei banho sozinha lá. E como o sol estava sufocante, não fui à enseada e entrei sozinha na água à sombra daquela grande árvore'.

Com isso, tendo-se estabelecido a origem do mal, com plena satisfação da velha mulher, ela dirigiu-se novamente ao espírito de Guadgee, rogando-lhe para curar a 'moça branca'. O espírito foi rápido para sibilar o seguinte método de cura.

A doente não devia beber nada quente, nem comer. Permanecer de cama, onde devia beber muita água fria que contribuiria para dar sono. Então Guadgee estava intervindo para depurar seu fígado da cera. Conseguindo isso, a doente continuaria a dormir profundamente até de manhã e despertaria já curada e revigorada. A velha mulher deveria facilitar a cura pronunciando um encantamento antes de ir embora.

Isso foi feito imediatamente e enquanto a velha pronunciava as palavras mágicas, esfregava os pulsos da doente. Em seguida foi embora, dizendo que levava consigo também os espíritos, mas que Guadgee voltaria durante a noite...

A doente guardou o leito, dormindo profundamente até de manhã. Quando despertou, tinha recuperado quase completamente a saúde e sentia-se vigorosa como antes. Também o seu olhar, antes amortecido e amarelado, estava vivo e brilhante.

As vozes dos espíritos por nós ouvidas provieram às vezes dos lábios da velha. Outras pareciam proceder das mãos dela e dos ombros, e em duas ocasiões ressoaram antes, num ângulo do quarto e depois no ângulo oposto...

Todos nós experimentamos imitar a estranha voz sibilante dos espíritos, mas sem nenhum êxito. Evidentemente sucedeu serem de iniciados ou serem de ventríloquos" (Assinado: K. Langton Parker).

Não é caso de se discutir os mistérios das árvores Uniggah e sobre as conseqüências letais que recaem sobre os violadores da sombra sagrada, mesmo quando eles ignoram tê-la violado. Tudo isso apresenta curiosa analogia com o que se afirma sobre os violadores das tumbas dos faraós. De qualquer modo, ressaltada a concordância, é melhor abster-se de qualquer comentário a respeito dum enigma que não apresenta bases suficientes para formular induções. Por isso, limitar-me-ei a propor mais uma outra hipótese com o fim unicamente de elucidar o caso em exame.

Reparo, não obstante, a coincidência curiosa entre as fantásticas explicações fornecidas pelo espírito de Guadgee sobre as origens da doença misteriosa de que sofria a "moça branca", e as duas circunstâncias dela ter violado, efetiva e inconscientemente, a sombra sagrada duma árvore Uniggah, e de ter-se descoberto no corpo dela e na região indicada por Guadgee, numerosos pontos inflamados e irritados correspondentes ao que a mesma personalidade mediúnica tinha asseverado sobre as ferroadas das abelhas invisíveis.

Quanto à explicação dessa última coincidência, poderia presumisse que o espírito de Guadgee, ou a clarividência da velha sensitiva, haviam visualizado esses pontos inflamados existentes nas costas da doente, entrelaçando-o com seu fantástico relato, conforme as crenças indígenas.

Outra circunstância curiosa e surpreendente é a da doente que, entre a tarde e a manhã seguinte, achou-se efetivamente curada duma enfermidade sutil e misteriosa que a afligia há muito tempo. Mas o prodígio poderia atribuir-se aos efeitos bastante conhecidos da auto-sugestão, e à semelhança do que se realiza nos famosos "milagres"de Lourdes que, como já se ressaltou, resultam numa conseqüência feliz duma auto-sugestão originada pela fé fervorosa dos doentes.

Não obstante, poder-se-ia objetar que no caso em exame não existia na "moça branca" essa fé fervorosa na sua cura imediata.

Essa última observação faz voltar à memória um outro caso citado anteriormente, que apresenta estranha analogia com este em exame. É o caso dum feiticeiro médico africano que, indispondo-se com um oficial do exército colonial alemão, provocou nele à distância câimbras no estômago, para depois curá-lo rapidamente quando obteve os presentes desejados.

Nessa circunstância, ressaltei como se tudo concorresse para fazer presumir que o feiticeiro tivesse realmente exercido um influxo supranormal no oficial em questão. Isso pelo efeito de transmissão telepática dos estados de ânimo emocionais correspondentes às próprias intenções. Ou por efeito de transmissão a distância de fluidos vitais, ou vibrações psíquicas, as quais, ou a qual, teriam agido subconscientemente sobre o sistema nervoso do oficial, provocando, num primeiro momento, crises de contrações espasmódicas viscerais doloridíssimas e, num segundo momento, a pronta cura das mesmas crises.

Analogamente, poder-se-ia presumir que, no caso em exame, a velha indígena australiana tinha curado o distúrbio funcional do fígado de que sofria a "moça branca", com a emanação de fluidos vitalizantes e, pelo contrário, que o mesmo distúrbio tinha tido origem ruim influxo maléfico na relação direta com o feiticeiro freqüentador da árvore Uniggah. Nesse caso, esse influxo teria podido se exercer sobre a "moça branca", em conseqüência dela ter tomado banho à sombra da dita árvore, tornando com isso possível o estabelecimento da relação psíquica entre a subconsciência dela e a do feiticeiro (psicometria de ambiente).

Argumentando assim, estou consciente em formular uma hipótese que, para alguns, parecerá audaciosa, mas que não impede que se analise e se compare com os numerosos episódios análogos já citados, não se podendo deixar de reconhecer que a argumentação exposta constitui "a menos lata hipótese" conciliável com os fatos.

Noto, finalmente, a circunstância de ter o espírito de Guadgee adivinhado que a "moça branca" tinha tomado banho à sombra duma árvore Uniggah, circunstância muito importante, já que, quando também se quisesse excluir toda intervenção externa, considerando essa circunstância como um fenômeno de clarividência por parte da velha sensitiva, não obstante, o fenômeno se tornaria raro e interessante, tendo em conta que nenhuma pessoa no mundo tinha conhecimento do fato, nem ela mesma que tinha tomado banho lá.

Tudo isso somado e, de qualquer modo querendo-se explicar os fatos, fica claro que a velha indígena australiana era uma autêntica médium que curava os enfermos com o auxílio (não importa se real ou suposto), de espíritos amigos. A esse respeito é digna de nota a circunstância de que os primeiros dois espíritos interrogados pela médium não foram capazes de fornecer explicações sobre a origem da doença da "moça branca", e muito menos foram capazes de curá-la, o que tenderia a demonstrar a realidade duma intervenção externa, porque se se tratasse da faculdade clarividente da médium, não se compreenderia as duas primeiras tentativas sem êxito, coroadas pouco depois com um brilhante sucesso.

Não é possível um pronunciamento em louvor do gênero de mediunidade particular da velha sensitiva - que neste caso, como em tantos outros, assume forma de voz direta - isso em consideração a que, a modalidade pela qual se realizaram as vozes diretas, se presta para ser explicada duma forma mais ou menos afim com o ventriloquismo, que, de resto, nada alteraria a genuinidade dos fatos.

No caso que segue é tratada a materialização dum fantasma. Retiro-o da revista Psychic News, (2 de setembro de 1939).

Mrs. Margaret A. Bevan narra que dois oficiais do exército canadense - um major e um capitão - que sabiam que ela possuía muita prática em experiências mediúnicas, convidaram-na a acompanhar uma sessão mediúnica que devia realizar-se numa tribo de peles-vermelhas, ao norte do lago Ontário.

Ela prosseguiu assim: "Quando atingimos o local, os indígenas nos acolheram corteses. A sessão se realizava em aberto, no meio duma clareira. Os índios que a assistiam foram dispostos em forma de dois triângulos, um dentro do outro, e para nós foram reservados três lugares no triângulo de dentro.

No centro, achava-se uma bela tenda adornada ao redor com desenhos coloridos e não estava fixada no solo, porém, assentada numa planície de relva. Pouco mais adiante, num pequeno bosque, estava um outro grupo de índios músicos que começaram a tocar e a bater nos seus tom-tons.

Depois de cerca de meia hora de espera, a tenda começou a vibrar, depois a levitar-se lentamente, até elevar-se suficientemente para permitir perceber o interior. Verificamos, portanto, que a tenda havia se erguido sem intervenção de agentes humanos. Em seguida, desceu também lentamente, retornando ao seu lugar na relva.

Mas, pouco depois, recomeçou a levitar, e desta vez viu-se que no interior fora aceso um pequeno fogo constituído de varetinhas entrecruzadas, com chamazinhas em forma de línguas e com fumaça aromática, semelhante ao incenso. A tenda, depois de ser erguida rapidamente até uns doze ou catorze pés de altura, desceu, retomando seu lugar sobre a pequena fogueira.

No entretempo, a música dos índios trocou bruscamente de tonalidade e, ao mesmo tempo, a tenda levitou pela terceira vez, deixando perceber a forma materializada dum espírito dum valente índio vestido com roupa branca alvíssima. Quando a tenda elevou-se ao nível do fantasma, este fez sinais de cumprimentar o chefe, que respondeu com um coro de gritos entusiásticos da parte de todos os índios.

Depois do que, a tenda desceu lentamente e, antes de tocar o chão, quando os pés do fantasma, calçados com um mocassim branco, estavam ainda visíveis, nós o vimos desaparecer do local.

E com essa impressionante manifestação, a sessão terminou. Os índios demonstraram-se sempre corteses para conosco e, antes que nos despedíssemos, quiseram nos oferecer refrescos.

Fiquei profundamente impressionada com tudo o que tinha visto e não esquecerei nunca mais por toda a vida".

A sessão aqui descrita, acontecida em aberto e em plena luz do dia, com levitações da tenda onde não se encontrava ninguém, com o fenômeno do fogo aceso no interior da mesma, sem intervenção humana à vista, com o outro fenômeno culminante do fantasma materializado surgido dentro da mesma tenda, e do qual viram desaparecer os pés no local, resultaria numa sessão tecnicamente importantíssima que mereceria um longo comentário. Apenas o relato está muito falho de informações fundamentais. Assim, por exemplo, a relatora esqueceu de dizer se estava ou não estava presente um feiticeiro-médium. Todavia, devia estar certamente, embora seja verdade que nas sessões mediúnicas dos índios peles-vermelhas, a tenda na qual se davam os fenômenos, está quase sempre isolada e separada do médium.

Nada, portanto, de desusado se saberia sobre a disposição da sessão, mas a relatora deveria fornecer informações sobre o médium e sobre o lugar por ele ocupado em relação à tenda mediúnica. Sem o que, o seu relato perde todo valor científico e seria vão levar em consideração as manifestações ocorridas.

O caso que segue merece, pelo contrário, ser levado em séria consideração porque há nele manifestações de ordem espantosa. Foi referido por um índio pele-vermelha, inteligentíssimo, que estudou em universidade dos Estados Unidos, superando brilhantemente o curso, tanto que foi recebido na Escola Militar de West Point. Fez a guerra de 1914, no exército canadense, voltando com a patente de capitão, coberto de ferimentos e honrado com algumas medalhas de valor militar.

Ele publicou recentemente um livro de recordações da infância e juventude quando naquele tempo era ainda um índio da tribo nômade. Livro em que vêm descritos, numa forma simples e eficiente, os costumes, a educação, as condições morais, as crenças, as práticas diversas daquela tribo primitiva.

Intitula-se com o seu próprio nome Long Lance (New York - Cosmopolitain Book Corporation), e é sumamente interessante da primeira à última página, e de fato muitas vezes comovente.

O missionário da região, Canonico Socker e um outro missionário da região de Blackfeet, testificam a autenticidade sobre tudo o que foi descrito por Long Lance em seu livro e igualmente o fazem o comissário do governo William Morris Graham e o ministro dos negócios dos índios, Duncan Campbell Scott.

Do ponto de vista psíquico e psicológico torna-se interessante a longa exposição dos métodos rigorosíssimos com que as tribos índias procediam para avaliar os candidatos aspirantes à profissão de feiticeiros-médicos, não apenas pelo longuíssimo tempo de aprendizagem das provas de todos os gêneros a que deviam submeter-se antes de serem considerados idôneos para essa profissão.

Limito-me a transcrever um longo trecho do relato de Long Lance, sobre experiências mediúnicas que assistiu numerosas vezes na juventude.

Essas sessões realizavam-se dentro duma tenda de grandes proporções, construída propositadamente com uma grande abertura circular no alto. Podia conter um cem espectadores, enquanto que uns outros tantos assistiam à sessão do lado de fora, escutando o que sucedia.

Ele continua assim: "Nem bem os espectadores tinham tomado lugar, começavam os preparativos para a grande cerimônia. O assistente do feiticeiro-médico fincava no meio quatro grandes estacas que juntava e ligava juntas no alto, enquanto dispunha as bases das mesmas de modo a deixar no meio um espaço de cerca de doze pés de diâmetro. Depois do que, sendo ajudado por quatro empregados, fincava firmemente no solo da pequena 'arena', grandes pregos com a ponta virada para o ar, a cerca de duas polegadas de distância entre si. Toda superfície daquele quadrado era coberta com pregos semelhantes, cujas pontas eram antecipadamente afiadas, tanto que poderiam trespassar, dum lado ao outro, os pés que os pisassem. No centro desse quadrado, ficava livre um espaço apenas suficiente para que um homem lá se colocasse ereto sobre os pés. A única possibilidade de tomar lugar naquele ponto era a de dar um grande salto sobre a superfície dos pregos aguçados para cair exatamente no espaço livre descrito. É manifesto que uma empresa semelhante tornar-se-ia impossível para se realizar, sem arriscar-se a trespassar os pés, e depois cair sobre os pregos, arriscando a vida.

Isso preparado, o feiticeiro-médico ingressava na tenda e despia-se completamente, deitando-se por terra. Os ajudantes amarravam suas mãos, palma contra palma, e com tiras macias de couro atavam juntos seus polegares. Em seguida, de dois a dois, ligavam os dedos correspondentes das mãos. Tudo isso era executado de forma tão rude que às vezes esguichava sangue. Depois do que, passaram aos pés, ligando juntos os polegares dos pés da mesma maneira.

Isso terminado, prendiam uma pele, do tamanho duma coberta, e envolviam nela o corpo do feiticeiro, da maneira como se amassa uma folha de tabaco para fazer um cigarro, para depois prendê-la em redor do corpo com uma longa correia de couro que, começando dos pés, o envolvia em espirais até o pescoço. Em seguida, envolviam-no ainda numa segunda coberta de pele, com uma segunda atadura em aspiral, cujos anéis estavam situados à distância duma polegada entre si, assegurando desse modo uma rigidez perfeita àquele envoltório vivo. É claro que o feiticeiro embrulhado daquele modo não podia mover sequer um dedo.

Nesse ponto, o assistente e os serviçais colocaram o envoltório humano com a cabeça para cima, pondo-o verticalmente no solo, com os pés pousados em terra com suas plantas descobertas e, antes de abandoná-lo a si mesmo, asseguraram-se de tê-lo colocado em equilíbrio.

Por alguns minutos, aquela coluna viva ficava imóvel no seu lugar, como se estivesse plantada no chão. Depois, percebeu-se um leve movimento vibratório na parte correspondente ao joelho e logo depois a coluna viva deu um pequeno salto. Esses saltos repetiram-se sempre mais e mais, até que a coluna animada começava a saltitar ao redor das quatro estacas, aumentando rapidamente a freqüência dos saltos, até atingir uma velocidade de rotação em volta das estacas que os olhos mal conseguiam acompanhar. Em seguida, de repente, aquele portentoso invólucro deu um grande salto sobre o espaço cercado de pregos e caiu verticalmente no pequeno espaço deixado livre no meio dos pregos.

Embrulhado daquela maneira, o feiticeiro-médico tinha transposto a superfície dos pregos para inserir-se exatissimamente num espaço apenas capaz de acomodar os seus pés!

Nada de mais inverossímil! exclamar-se-á. Todavia, não só isso acontecia efetivamente, mas não era esse o milagre mais impressionante das cerimônias descritas.

Ereto nos pés naquele espaço como um obelisco, no meio das quatro estacas, sempre atado e embrulhado daquela maneira, o feiticeiro-médico iniciava os seus encantamentos, acompanhado pelo ritmo do batuque dum tambor do seu ajudante.

Declaro, pelo que desejo referir, que parecerá mais do que nunca estranho e inverossímil para quem lê. Estranho e inverossímil torna-se certamente o que, porém, não impede que seja isso o que sucedeu com absoluta exatidão, durante a tal cerimônia . - Como? Por quê? Ninguém sabe nada ! ...

Depois que o feiticeiro havia invocado por algum tempo os espíritos amigos, notavam-se vozes que ecoavam e que lhe respondiam lá de cima. Pareciam provir da abertura circular situada no alto da tenda. Contudo, olhando naquele ponto, não se via nada, salvo as estrelas do firmamento... - Donde jorravam aquelas vozes? Nenhum dos índios testemunhas do fato soube jamais explicá-las. Mas o feiticeiro-médico assegurava que aquelas eram vozes dos espíritos com os quais ele se havia proposto entrar em relação. O mistério daquelas vozes provenientes do alto fica esclarecido pelo fato de que ninguém foi jamais capaz de demonstrar que elas proviessem duma outra causa. Aquelas vozes exprimiam-se, na maioria, numa língua por nós ignorada, e o feiticeiro-médico dizia que ele mesmo não compreendia, muitas vezes, essa língua, explicando que tratava-se da língua dos espíritos estranhos e intrusos, atraídos pelas suas práticas mágicas e que não eram aqueles que ele desejava. Lá havia somente quatro espíritos, que nosso feiticeiro-médico dizia compreender a língua.

Sucedia que, mesmo quando os espíritos indesejáveis continuavam falando, o feiticeiro-médico não se dava nenhuma conta e continuava a invocar os quatro espíritos com os quais desejava entrar em relação.

Algumas vezes, devia esperar por muito tempo. Lembro-me de duas sessões em que não conseguiu entrar em relação com eles, pelo que precisou interromper, sem resultado, a longa cerimônia. Mas quando os espíritos desejados se manifestavam, sua emoção era imensa e então falava com tal rapidez, que se conseguia a duras penas entender as palavras.

Dir-se-ia que ele pretendia empregar com rapidez, e utilmente, o breve tempo que o espírito lhe concedia para responder suas perguntas.

Se se tratava duma pergunta relativa a uma cura, o doente - que ele havia conduzido à sessão - parecia dividir com ele seu estado emocional, que parecia indispensável para obter a cura. Nós tínhamos visto alguns doentes agonizantes, conduzidos à tenda, levantarem-se e passearem curados. - Se ele desejava, pelo contrário, informações sobre acontecimentos futuros, então voltava-se para o espírito, exprimindo-se por parábolas, e vinha a resposta em forma de oráculo. O espírito comunicante exprimia-se na nossa língua, usando, não obstante, palavras antiquadas não mais em uso. Só os velhos da tribo tinham condições de compreender aquela fraseologia e aqueles vocábulos esquecidos.

Mas, a parte da cerimônia mediúnica, que para nós era a mais terrificante, se desenrolava no fim da entrevista com os espíritos.

Essas entrevistas assumiam sempre formas variadíssimas, com incidentes impressionantes sempre diferentes, mas a cena final iniciava-se infalivelmente por um turbilhão de vento que investia de cima para os espectadores, assim que os espíritos tinham cessado de conversar. A enorme tenda rangia e balançava sob o ímpeto daquela rajada de vento, que fazia vibrar também as estacas do centro, enquanto causava a todos nós arrepios de terror.

Eram momentos terrificantes, tanto mais que da abertura no alto chegavam ruídos e estrondos de toda espécie, em que, apesar de ensurdecedores, predominava, por sua vez, uma turba infernal de urros desesperados e de gritos agudos de medo.

Acrescente-se o eco de tombos barulhentos e de objetos que se entrechocavam uns com os outros, e não só chamazinhas que vagavam, e formidáveis solavancos na tenda. O bando medroso terminava com um grito angustiado saído do feiticeiro que, ao mesmo tempo, desaparecia diante de nós. Mas era num átimo porque ouvia-se sua voz que implorava lá do alto: 'Ajuda! Ajuda!' 'Depressa! Depressa!'.

Olhando na direção da voz, percebia-se o feiticeiro preso por um pé na viga no alto da tenda e completamente nu! Sua posição era perigosa porque parecia suspenso por um pé no vazio, ficando preso entre duas tábuas da tenda. Se caísse, teria esfacelado o crânio. Os ajudantes correram para pegar uma longa estaca lá colocada preventivamente, à qual o feiticeiro se agarrava fortemente, até quando seu pé ficasse livre das tábuas que o comprimiam. Como se encontrava, de repente, lá em cima, ninguém saberia explicar. Mas o feiticeiro-médico dizia que isso acontecia por causa da malvadeza dos espíritos indesejáveis.

De qualquer modo, para nós, o enigma insolúvel era um outro: o de como ele tinha podido, num átimo, libertar-se das duas cobertas que o envolviam, nas quais estava firmemente atado.

Depois da impressionante descrição referida, cena em tudo análoga àquela bem conhecida dos poltergeist casas infestadas, Long Lance alude a outros "milagres" mais simples a que tinha assistido, como, por exemplo, transmissão a grande distância de mensagens telepáticas, por obra do feiticeiro que conseguia, com a concentração do pensamento, a cura de doentes agonizantes, e previsões de eventos futuros que se realizavam.

Ele narra, sempre com imparcialidade e serenamente, sem tomar partido por essa ou aquela interpretação dos fatos. Essa cautela tem nitidamente origem na sua educação universitária e científica. Não obstante, percebe-se logo que está bem longe de negar a realidade e objetividade dos fenômenos a que pôde assistir. Foram fatos e sobre fatos não há discussão. Mas, ao mesmo tempo, insistia em declarar a própria imparcialidade para compreender, e muito menos explicar o que tinha visto, repetidamente, visto e muito bem visto durante muitos anos, junto com uma multidão de testemunhas, compreendendo também homens brancos.

Por minha conta, acrescento que, certamente, não é possível tentar explicar esse fenômeno de pasmar realizado pelo feiticeiro, reduzido a um rígido invólucro que pula em cima dum quadrado de pregos aguçados, parando exatamente no apertado espaço vazio existente no centro, e não menos o outro fenômeno no qual se vê despojado, num átimo, das duas cobertas em que estava envolvido, e firmemente amarrado.

Sendo as coisas assim, não haverá como negar a autenticidade dos fatos, mas as induções a favor, e as testemunhas apresentadas, parecem ótimas e não o permitem. Pelo que vem à mente o aforismo do naturalista Russel Wallace: "Todas as vezes que os homens de ciência negaram os fatos positivamente corretos, estiveram sempre errados".

O que induz a serem prudentes antes de negar os fenômenos expostos.

Por outro lado, quem tivesse assistido, como o escritor, concretizarem-se, à plena luz, seis formas materializadas, a íntima delas com uma forma feminina que carregava nos braços uma criança em tenra idade, e que a beijou três vezes na testa; quando se assistiu um milagre semelhante, ocorrido com a mediunidade de Eusapia Paladino, numa residência particular, na presença do professor Enrico Morselli e do doutor Giuseppe Venzano, os outros fenômenos embora de espantar, como os referidos pelo índio Long Lance, parecem manifestações muito menos prodigiosas.(1)

(1) - Não será inútil acrescentar que o prof. Morselli dedicou sessenta páginas do seu livro Psicologia e Espiritismo para o relato e análise da memorável sessão da qual se trata. Compreende-se logo que ele se esforça para explicar tudo com a hipótese ideoplástica e relativas "formas do pensamento materializado". O que pode pelo menos parecer verossímil para as primeiras quatro formas que se manifestaram (John King e Katie King), e não é mais verossímil para a forma feminina levando nos braços uma criança de tenra idade, visto que Eusapia nada sabia sobre os antecedentes familiares da senhora Avellino, em cuja casa houve a sessão, enquanto que a senhora em questão reconheceu naquela forma materializada a própria mãe e a própria criança morta em idade muito tenra.

Ora, o professor Morselli narrou lealmente tudo que se viu, sem suprimir nada e nada diminuiu, mas não alude inteiramente ao que disse a senhora Avellino, o que se pode desculpar, observando que por efeito das suas convicções científicas de positivista-materialista irredutível, não impede dever tomar em consideração as declarações da senhora em questão (EB).

É verdade, apesar disso, que se as considerações expostas predispõem a acolher essas manifestações na sua qualidade de fatos, elas, porém, não concedem a faculdade de explicá-las e interpretá-las. O feiticeiro-médico atribuiu o primeiro fenômeno à intervenção de espíritos coadjutores, e o outro fenômeno, ocorrido no fim da sessão, à intervenção de espíritos malfazejos. - Será, ou não será? Não me pronuncio e passo adiante, visto como não há nada melhor para se deixar de dar uma explicação.

É melhor que me detenha para comentar ligeiramente o fenômeno das vozes diretas, em razão de que tudo concorre para demonstrar que resultavam ser positivamente elas mesmas, visto que pareceria ridículo mencionar o fato do ventriloquismo nas condições em que se realizaram. Os ventríloquos não urram nem gritam porque, para fazê-lo, deveriam valer-se da própria laringe, a plenos pulmões, dissipando com isso a ilusão que desejavam criar. Como, todavia, eles não conversam nunca com os espectadores, isto por uma boa razão de que se exercitaram muito tempo para proferirem algumas palavras e frases dialogadas naquela circunstância, ser-lhes-ia impossível improvisar uma conversação com um dificílimo truque da sua profissão.

Dir-se-ia que aqueles que propugnavam a hipótese do ventriloquismo, ignoravam no que consistia essa representação ilusória. Os ventríloquos não falam com o ventre: bem outra coisa! Falam com a laringe, mas com a boca fechada. É nisso que consiste a habilidade dos profissionais do gênero que, ao mesmo tempo, com mímica sugestiva, desviam a atenção dos espectadores, levando-os a olhar e localizar a voz sufocada e cavernosa ouvida num dado ângulo da sala.

Trata-se, porém, sempre de vozes muito fracas e reprimidas, apenas compreensíveis, porque são pronunciadas com os lábios fechados. Pergunta-se como jamais uma tal exibição possa se comparar com o pandemônio de diversas vozes que conversam e urram medrosamente no alto da grande tenda.

Dum outro ponto de vista, é de se notar a circunstância dos espíritos amigos que, exprimindo-se na língua do país, usavam palavras antiquadas, que somente os velhos da tribo compreendiam. Isso tenderia a demonstrar que se tratava efetivamente da intervenção dos defuntos que viveram no país muitos anos atrás, e que se exprimiam na linguagem do seu tempo antigo.

Também no caso que se segue, o fenômeno da voz direta realiza-se de modo muito complexo para eliminar qualquer dúvida acerca dessa genuína natureza do fenômeno.

O caso é bastante antigo, porque aconteceu em 1845, época em que os Maoris da Nova Zelândia não estavam ainda convertidos ao Cristianismo. Mas isso não tira em nada o valor intrínseco do fato; pelo contrário, quando se pensar que, se naquela época o Espiritismo não tinha ainda nascido, essa relativa Antigüidade concorre para torná-lo muito mais interessante.

O episódio está contido num livro publicado em 1863, em Auckland, e republicado em 1893, pela Casa Editora Richards Bentley and Son, de Londres. Livro intitulado A antiga Nova Zelândia Descrita por um Pakeha Maori (que quer dizer: por um homem branco que viveu muito tempo entre os Maoris).

O livro é interessante e também hodiernamente muito lido na Nova Zelândia, onde é considerado um clássico, porque retrata os costumes dos indígenas; Pakeha Maori, autor do livro, era um magistrado que tinha vivido durante anos no meio dos Maori, adotando seus costumes, com o intuito de estudar a psicologia e as crenças.

No capítulo X (págs. 159-165) do livro, lê-se o seguinte episódio: "Um jovem chefe, que era amado e muito respeitado na sua tribo, morreu numa batalha, e a pedido de muitos parentes e amigos seus, tohunga, o sacerdote, tinha prometido evocar, numa certa tarde, o espírito dele, a fim de que todos pudessem falar-lhe e dirigir-lhe as perguntas que desejassem. O jovem chefe tinha sido um grande amigo meu. Pelo que, um dia antes do evento, seus parentes mandaram avisar-me de que se me oferecia a oportunidade de conversar ainda uma vez com meu grande amigo. Eu estava muito pouco propenso a tomar parte numa semelhante comédia ultrajante, mas venceu-me a curiosidade e resolvi assistir.

Devo antecipar que o jovem chefe morto era muito inteligente e civilizado com respeito ao seu povo. Ele, por exemplo, foi o primeiro que aprendeu a ler e a escrever. Entre as muitas coisas por ele feitas, contrariamente aos costumes do seu povo, pode-se salientar que ele tinha um registro de nascimentos e de mortes havidas na sua tribo, e também um diário no qual anotava os eventos importantes ocorridos no seu povo. Ora, esses documentos foram perdidos e embora os parentes houvessem investigado por toda a parte, não conseguiram encontrá-los. A perda era considerada grave porque os documentos tinham importância para a tribo, sem contar que os parentes desejavam conservá-los também a título de sagrada recordação...

No dia seguinte, à hora indicada da tarde, me dirigi à reunião na grande cabana que servia de local de reuniões para toda a tribo. Lá encontrei todos os parentes e amigos do defunto... Começava a arrepender-me de ter comparecido porque sabia que se involuntariamente eu deixasse transparecer qualquer indício da minha incredulidade, ofenderia profundamente os sentimentos dos meus bons amigos indígenas. De qualquer modo, embora essas fossem as minhas condições de espírito, via ao meu redor tanta dor sincera e profunda, combinada com uma tal fé inabalável sobre a realidade do grande acontecimento que se preparava, que quase me senti inclinado a tomar essas coisas um pouco mais a sério. Nós todos nos sentamos no chão, que era constituído de juncos entretecidos e éramos umas trinta pessoas. A porta foi fechada e assim como o fogo estava reduzido a simples carvões acesos, o ambiente parecia bem pouco iluminado pelo reflexo do foge e o ângulo no qual o tohunga estava sentado numa perfeita obscuridade. Eu sofria com o calor opressivo.

Num instante, sem nenhum aviso prévio, das trevas do ambiente surgiu uma voz que disse: 'Salve, oh! Salve todos vós! Salve, oh! Salve toda minha tribo! Meus parentes, salve, salve! Meus amigos, salve, salve! Meu grande amigo Pakeha, salve, salve!'.

A audaciosa e bem arquitetada impostura teve pleno sucesso... As mulheres começaram a chorar copiosamente e a se desesperarem. Mas logo fizeram silêncio pelos homens que, de resto, estavam excitados como as mulheres, mas sabiam dominar-se. Notei, porém, que, ao meu lado, estavam sentados dois indígenas muito idosos que realmente não pareciam emocionados nem comovidos, embora não fossem nada incrédulos: bem ao contrário!

Ouviu-se novamente a voz do espírito que disse: 'Oh, amigos da minha tribo, falem-me! Oh, meus familiares, falem-me! Oh, meu Pakeha, por que não me fala? - Para dizer a verdade, não me senti inclinado a conversar com ele. Isso de encontrar-me no meio de gente absolutamente certa de conversar com o espírito dum chefe defunto e também a novidade da estranha e impressionante cena a que assisti, tinham determinado em mim um estado de espírito pouco favorável para iniciar uma conversação dessa natureza. Além disso, repugnava-me parecer muito às claras um crente naquela impostura a qual por um estranho e contraditório sentimento impulsivo, sentia-me quase propenso a acreditar também eu! Finalmente, o irmão do chefe defunto rompeu o silêncio perguntando: 'Como te sentes? Se estás bem no país onde te encontras?' - Imediatamente a voz, respondeu: 'Estou bem e o país onde me encontro é bastante agradável' (observo uma vez por todas que a voz por nós ouvida não era totalmente aquela do tohunga, mas uma voz estranha, semelhante ao som que produz o vento quando penetra dentro do gargalo duma ânfora). O irmão perguntou novamente: 'Viste também os ...' (não me lembro dos nomes mencionados). Veio a resposta: 'Sim, estamos todos reunidos juntos...'. - Depois, o espírito continuou: 'Darás ao tohunga meu mais belo porco capado e a minha espingarda de dois canos'. - (Com essas palavras, o Pakeha ficou profundamente desiludido). - Aqui o irmão interveio observando: 'Tua espingarda de dois canos é para mim, um manatunga, e por isso não posso cedê-la'. - Pensei: também o irmão me parece desiludido; mas enganava-me. Ele acreditava, mas desejava conservar a espingarda que o defunto tinha usado por tanto tempo.

Num minuto passou pela minha mente uma idéia, a de desmascarar a impostura, sem demonstrar abertamente minha incredulidade. Por isso, dirigi-me ao espírito, perguntando: 'Nós não pudemos encontrar teus livros. Saberás dizer onde os escondeste?' - Imediatamente veio a resposta: 'Eu os escondi entre os tabuku da cabana, perto das ligações no teto, bem na altura da cabeça de quem entre na cabana.' - Com essas palavras, o irmão levantou-se, saindo às carreiras, e na assembléia fez-se um silêncio de túmulo. Transcorridos poucos minutos, ele voltou com o livro caixa e o diário entre as mãos! Senti-me derrotado, mas ainda quis continuar outra vez com meu inquérito, perguntando ao espírito: 'O que escrevestes nestes livros?'. Veio a resposta: 'Muitas coisas escrevi'. - 'Diga-me algumas delas'. 'Qual queres que te diga?' - 'Qualquer uma'. - 'Se desejas ter alguma informação particular, diga-me qual é e te satisfarei'.

Mas aqui o espírito interrompeu-se bruscamente, exclamando: 'Adeus, minha tribo. Adeus, meus parentes! Eu me vou'. - Um grito geral comovente de Adeus! ecoou na cabana. A voz do espírito respondeu ainda uma vez: 'Adeus!' - Mas a voz surgia de debaixo da terra! Depois ouviu-se a mesma voz gritar novamente: 'Adeus!', mas do alto da cabana! Um outro 'Adeus!' lamentoso veio das trevas exteriores da noite. Depois fez-se silêncio.

Permaneci um momento aturdido e atônito porque a ilusão era perfeita.

O que pensar? Era um ventríloquo aquele sacerdote, ou quem falava era o demônio? - Quem o sabe?"

Os leitores terão notado que o relator e espectador dos fatos demonstrou-se um cético endurecido em todo o curso de sua narração, porquanto, pela interrogação final que ele dirigiu a si mesmo, adivinhasse como ele tinha permanecido muito mais impressionado com fatos que ele não queria dar a perceber aos leitores. De qualquer modo, tendo em conta a época em que ele escreveu, época em que o Espiritismo não havia nascido, torna-se racional e inevitável que também ele - embora tivesse ouvido com os próprios ouvidos - não pudesse admitir a possibilidade da existência dos fenômenos de voz direta e das comunicações mediúnicas com os mortos.

Sendo assim, não lhe era efetivamente possível aceitar os fatos senão recorrendo às duas hipóteses enunciadas na forma de dilema: ou a fraude, ou o demônio. Mas com a hipótese de fraude, mediante a faculdade de ventriloquia do tohunga, ou médium, não estaria de modo algum explicado o episódio maravilhoso do espírito que revela o esconderijo no qual tinha escondido, em vida, os seus manuscritos. Esconderijo ignorado por todas as pessoas vivas e apenas conhecido pelo morto, resultava que das duas hipóteses referidas, só permanecia a da mítica do demônio, capaz de explicar de algum modo os fatos. Provavelmente, o relator, fervoroso cristão, tinha intimamante concluído nesse sentido.

Mas nós que escrevemos, depois de quase um século do advento das pesquisas psíquicas, e que por isso sabemos sobre a exata ciência, e em base a uma documentação respeitável, sabemos que o fenômeno da voz direta existe, como existe um grande número de casos de identificação espirítica, em que a prova melhor e inapelável, fornecida pelos defuntos comunicações para sua identificação pessoal, consiste exatamente na revelação de particularidades ignoradas por todos os vivos, conhecidas unicamente pelo defunto e verificadas corno sendo verídicas. Nós, que sabíamos tudo isso, concluiremos pelo fio da lógica, que a particularidade análoga, contida no caso descrito, basta apenas para excluir, de maneira absoluta, a hipótese da fraude, conferindo ao mesmo caso o valor dum exemplo magnífico de identificação espirítica conseguido entre os povos primitivos.

Quanto à autenticidade objetiva do fenômeno da voz direta, observo que a modalidade múltipla de manifestação assumida pelo fenômeno, na qual a voz fez-se ouvir do alto da cabana e também de debaixo da terra (como sucede algumas vezes entre os povos civilizados), e de fora da mesma cabana, resulta em modalidades mais que suficientes para eliminarem quaisquer dúvidas a respeito. Mas, sobretudo, deve-se ter em grande conta o que se disse que, com respeito a infeliz hipótese do ventriloquismo, hipótese; nesse sentido, que é inadequada e insustentável, para se concluir que, aqueles que insistem em propugná-la, demonstram com isso ignorar em que consiste essa representação ilusória da sala de visitas, que não tem nada em comum com as vozes diretas e não pode contrapor-se a elas.

Assim, por exemplo, viu-se que, no caso em exame, foram os espectadores que conversaram com a voz que surgia do alto. Ora, essa circunstância resolve o quesito, pois que, como já se disse, tornar-se-ia impossível a um ventríloquo manter uma conversação com os espectadores.

Repito, a propósito, que um ventríloquo, para conseguir a capacidade de exibir-se em público, deve, antecipadamente, exercitar-se com muito trabalho, para pronunciar com boca fechada uma limitada fraseologia de ocasião, e que por isso ele não pode ir muito além com as frases penosamente aprendidas, nas quais são eliminadas as palavras que contêm algumas letras do alfabeto, impossíveis de pronunciar-se com os lábios fechados.

De resto, se as maravilhas do relator a respeito das vozes diretas que havia ouvido foram mais que legítimas no tempo em que as escreveu, não é mais assim hodiernamente, em que se lêem em revistas psíquicas as manifestações do gênero há muito tempo mais espantosas. Basta dizer que com a célebre médium mrs. Wriedt, assiste-se algumas vezes ao espetáculo de quatro vozes diretas que conversam simultaneamente com outros tantos espectadores, exprimindo-se cada um numa língua, ou num dialeto diferente, conforme a nacionalidade dos interlocutores e dos espíritos comunicações.

Outros numerosos casos de vozes diretas entre os povos primitivos e selvagens encontram-se registrados nas minhas classificações, que tratam de rápidos relatos que as revistas metapsíquicas e espíritas extraíram, resumidos de outras revistas científicas de diversa natureza. Portanto, na falta dos relatos originais, é-me forçoso renunciar a utilizá-las. De qualquer modo, tratando-se de episódios autênticos, eles concorrem para igualmente tornar válido tudo o que se disse anteriormente, que o fenômeno da voz direta torna-se relativamente freqüente entre os povos selvagens, que, não possuindo linguagem escrita e não podendo entrar em relação com os defuntos com auxílio da escrita automática (psicografia), teve por conseqüência que no seu meio desenvolveu-se principalmente o fenômeno da voz direta, enquanto que, pela razão inversa, entre os povos civilizados desenvolveu-se principalmente a mediunidade psicográfica, muito mais fácil de obter-se.

Conclusões

Com a presente classificação, havia me proposto a obter duas finalidades: a primeira, que consistia na demonstração, ou melhor, no reconhecimento, por obra da análise comparada, de uma verdade há muito tempo conhecida, porquanto completamente indiscutível aquela em que os fenômenos mediúnicos ou metapsíquicos não eram uma novidade surgida do nada por obra do moderno espiritismo, mas que foram realizados em todos os tempos, e se realizam ainda no meio de todos os povos civilizados, bárbaros e selvagens.

Sobretudo, havia me proposto a demonstrar como, entre as raças primitivas e selvagens hodiernas, se realizaram todas as graduações de manifestações supranormais que hoje em dia são provocadas experimentalmente e pesquisadas cientificamente entre os povos civilizados, a começar pelas manifestações prevalentemente físicas, como os movimentos de objetos sem contato, os ruídos, os estrondos, a jogada de pedras infestatórias, os aportes (objetos trazidos), e os "asportes" (objetos enviados), os sortilégios, as levitações, as transfigurações e as materializações; e, para encerrar, como toda fenomenologia predominantemente psíquica ou inteligente, como a transmissão do pensamento (que assumiu entre os selvagens aparências impressionantes de feitiçaria experimental), a telepatia propriamente dita, a clarividência no presente, no passado e no futuro, o desdobramento fluídico na forma humana e globular, as aparições mediúnicas entre os vivos, as aparições dos defuntos no leito de morte e depois da morte, as comunicações mediúnicas com os defuntos, sob todas as formas de manifestação notadas nos povos civilizados, como a tiptologia, a clarividência, a clauriaudiência, a possessão, a obsessão e a voz direta.

Além do mais, com base na análise comparada dos fatos, sucedeu que as manifestações em discussão, como as que se realizavam entre os povos selvagens, além de concordarem na sua modalidade de manifestação com as que se manifestaram entre os povos civilizados, concordaram com elas admiravelmente também sob o ponto de vista dos critérios com que eram escolhidos os indivíduos destinados às funções de feiticeiro-médico, de uma parte, e de médiuns da outra. Como, também, do ponto de vista dos processos empíricos com que, num e noutro campo, foi realçada a emersão das faculdades subconscientes nos sujeitos escolhidos. O que forneceu uma outra prova crucial a favor da genuinidade dos fenômenos supranormais que se realizavam entre os povos selvagens. Ao contrário, a mesma prova valia para reforçar posteriormente a genuinidade dos fenômenos análogos conseguidos entre os povos civilizados.

Aconteceu que, com base na análise comparada dos fatos, dever-se-ia considerar por cientificamente demonstrada a existência duma fenomenologia supranormal nas manifestações universais. Conclusão teoricamente importantíssima e para dever-se considerar definitivamente aceita pela ciência.

Estando as coisas assim, não é o caso de se retardar em acolher as objeções pueris e ridículas, embora freqüentemente ásperas e venenosas que, com ostentada jactância, cospem com argumentos os jornalistas oniscientes, coadjuvados pelos sabichões das ante-salas; uns e outros, fortes e arrogantes na sua ignorância inconsciente combinada com um misoneísmo irredutível. Ignorância e misoneísmo que não impediram aos mesmos erigirem-se em juízes inapeláveis duma causa que não conhecem.

Assim, de resto, tem sempre atravessado todos os séculos, toda vez em que despontou a aurora duma grande Idéia, sob o pélago estagnante das práticas antigas humanas. Convém resignar-se ao inelutável, tanto mais que os adversários deste cunho, se algumas vezes pareceram irritantes, não são absolutamente temíveis, pois que toda Verdade fundamentada nos fatos não terá nunca de temer inimigos, tendo ela como aliado o Tempo, aliado invencível.

O segundo objetivo, a que me havia proposto com esta presente classificação, era o de fazer aparecer a imensa importância teórica implícita no grande fato acima referido. É que se toda a imponente graduação das manifestações soprano?mais foi sempre realizada no meio de qualquer povo, civilizado, bárbaro e selvagem, então um tal fato valia sozinho para resolver os grandes quesitos filosóficos e psicológicos que examinam e consideram a gênese da crença na existência e sobrevivência da alma, da evolução da idéia de Deus e da conseqüente organização das religiões.

É com esses conhecimentos que, na introdução do presente trabalho, eu tinha prevenidamente apontado as tentativas dos antropólogos para resolverem os grandes quesitos em exame, ressaltando toda insuficiência das mesmas tentativas, mediante as quais os antropólogos haviam se proposto ao inverossímil objetivo de demonstrar como a crença na existência e sobrevivência da alma teve origem num complexo de observações rudimentares, tendo relação com a vida comum, observações que os povoa primitivos teriam interpretado do lado errôneo e infantil.

Uma vez isso posto, ou melhor, pressuposto, era natural que os antropólogos concluíssem, declarando que a crença na sobrevivência, longe de resultar (como afirmavam os filósofos espiritualistas), "numa forma de intuição universal do espírito humano, que participava da natureza dos instintos, e à moda dos instintos não podia enganar", tornava-se, pelo contrário, uma grande ilusão universal destituída de qualquer fundamento na prática.

Audaciosas quanto gratuitas e absurdas conclusões, que em apressaram a rechaçar, ressaltando como as manifestações supranormais aqui consideradas demonstrassem precisamente o contrário. Vale dizer que a gênese da crença universal da existência e sobrevivência da alma, longe de ter por única origem as observações grotescamente insuficientes de que falavam os antropólogos e os sociólogos, ostentava outras soberanamente importantes e sugestivas, de ordem supranormal e absolutamente adequadas à grande tarefa de demonstrar, sob a base dos fatos, a legitimidade da mesma crença..

Sucedeu que, longe de dever concluir pelo modo irracional e antifilosófico dito acima, que a humanidade tivesse sempre sido vítima, através dos séculos, duma grande ilusão universal, dever-se-ia reconhecer como ela, ao invés, em virtude da observação de manifestações providenciais que se realizaram no seu meio, estivesse sempre, em todos os tempos, no ponto de entrever, mais ou menos obscuramente (isso de maneira proporcional às próprias condições evolutivas), a Verdade acerca dos próprios destinos do Além.

Somente entre todos, o antropólogo Andrew Lang, na obra intitulada The Making of Religion, havia intuído a verdade a respeito, desenvolvendo a tese por mim propugnada. Sendo que ele, preocupando-se talvez com a hostilidade misoneísta que sua tese teria indubitavelmente encontrado no consenso dos eruditos, comportou-se com excessiva prudência e tibieza, fundamentando-se quase que exclusivamente sobre a legitimidade científica dos fenômenos telepáticos e comportando-se com a máxima reserva acerca da legitimidade igualmente científica, muito mais importante, do restante da fenomenologia metapsíquica.

Aconteceu que ele não dispondo de toda eficácia na demonstração que os fatos podiam fornecer à sua tese, ela surgiu no seu livro na roupagem duma hipótese bastante provável e sustentável, e não pela sua qualidade definitivamente aceita pela ciência.

Isso sendo necessário, a título de síntese preliminar, passo a expor, de modo adequado, o pensamento dos hodiernos antropólogos por mim criticados, a fim de que os leitores encontrem-se em condições de formular a respeito seu juízo independente. Tudo isso em homenagem às regras de severa imparcialidade a que deve constantemente submeter-se toda discussão científica.

Assim como o ponto de vista dos antropólogos e sociólogos difere unicamente em particularidades secundárias, mas de acordo com a tese substancial propugnada, limitar-me-ei a referir o pensamento do maior antropólogo-filósofo dos tempos hodiernos: Herbert Spencer, completando-o com a opinião dum outro antropólogo seu discípulo, que levou a tese do mestre a extremas conseqüências.

Herbert Spencer, no primeiro volume dos seus Principii di Sociologia (pág. 168 da edição francesa), esforça-se para demonstrar com argumentação sutil, mas pouco convincente, que o selvagem "que não tem nenhuma idéia de causa física, chega necessariamente a conclusões que uma sombra é um ser real, pertencente de qualquer maneira à pessoa que a projeta... Dá, assim, uma primeira noção sugestiva da existência dum espírito capaz de separar-se do corpo, noção que seria fortalecida por outro fato análogo do reflexo da própria imagem na água.

Ele escreve: "As imagens refletidas geram uma crença confusa e talvez inconsistente, mas que, contudo, não deixa de ser uma crença, segundo a qual o indivíduo teria um duplo, comumente invisível, mas que se pode perceber levando-o para as margens da água e olhando nela..." (pág. 173).

Essa crença seria posteriormente confirmada pelo fenômeno do eco. Ele descreve:

"O homem primitivo nada poderia conceber sobre o que se assemelhasse a uma explicação física do eco. Que sabia ele sobre o refletir-se das ondas sonoras? Se não fosse pela ciência que transformou nossa idéia em qualquer classe social..., também hoje em dia explicar-se-ia o eco, atribuindo-o à ação dum ser invisível..." (Ver pág. 174). E a mesma crença estaria mais do que reforçada pela experiência dos sonhos. Ele escreve: "Testemunhas observaram que uma pessoa, quando dormia, jazia em absoluto repouso. Não obstante, ela, em se despertando, lembrava-se de acontecimentos havidos durante o sono e narra-os para os outros. Lembra-se de ser levada para outro lugar, mas as testemunhas negam e este testemunho se torna válido pelo fato de que a pessoa que sonha encontra-se no mesmo lugar onde havia adormecido. Toma o partido mais simples que é o de acreditar no tempo mesmo de ter permanecido no lugar e de ter saído para longe; de possuir, isto é, duas individualidades, das quais uma pode abandonar a outra temporariamente e depois voltar. Portanto, ela mesma possui uma dupla existência como tantas outras coisas". (Ver pág. 195).

Finalmente, da crença na existência dum duplo, separável temporariamente do corpo, passa-se à crença dum duplo separável permanentemente. Ele descreve; "Da crença na ausência comum do outro Eu durante o sono e de sua ausência extraordinária nos casos de síncopes, apoplexias etc., passa-se à crença da sua ausência ilimitada no momento da morte, quando, depois dum intervalo de espera, se obrigado a renunciar à esperança de vê-lo retornar..." (Ver vol. IV pág. 9).

Como resultado das citações expostas, a poderosa mentalidade de Herbert Spencer tinha intuído corretamente sobre qual devia ser a única via de pesquisa capaz de guiar praticamente para a solução do grande quesito que considerava a gênese da crença na sobrevivência da alma. Mas a deplorável circunstância de não ter ele concedido valor à fenomenologia supranormal (que ele conhecia mas repudiou com a célebre frase que "tinha resolvido no sentido negativo o quesito, com base nas considerações a priori"), colocou-o na absoluta impossibilidade de alcançar a meta, constrangendo-o a contentar-se com simples induções elementares, facilmente rechaçadas e literalmente insuficientes para demonstrarem a origem da crença universal na sobrevivência da alma.

De qualquer modo, como uma verdadeira homenagem, não hesitamos em reconhecer que a sumidade chamada Herbert Spencer soube tirar todo partido, que a mente humana podia aproveitar, de escassíssima messe de fenômenos comuns que podiam oferecer um ponto qualquer de apoio à tese por ele propugnada, que era a única possível, a única legítima, mas, ao mesmo tempo, tornava-se indemonstrável sem o concurso da fenomenologia supranormal.

Isso estabelecido, vou volver um olhar para as opiniões dos antropólogos extremistas daqueles que não repontando para a faculdade lógica, mas em compensação abundando em lirismo entusiástico para a tese favorita, confundiram os vôos licenciosos da fantasia com as induções científicas. Nada melhor, portanto, do que citar a opinião sobre o assunto do fisiólogo e antropólogo professor Giuseppe Sergi.

Ele se acha. plenamente de acordo com Herbert Spencer acerca da origem da crença em discussão, não só sobre sua conseqüente organização com base na mesma crença de todas as religiões. Enfim, nada é mais natural e racional, sendo que ele não pôde resistir à tentação de acrescentar alguma coisa de seu às conclusões do mestre, e fá-lo manifestando toda sua desdenhosa repulsa para com uma crença um tanto tola embora universal. Nesses termos, ele debate assim: "Considero esse fenômeno ilusório da proteção como patológico; como a parte mórbida da psique, análoga a um osteofito ou ao bócio, ou semelhantes, que se encontram no organismo animal em certas condições de vida. Sendo que essa excrescência do organismo psíquico é desmesuradamente aumentada e teve influência não pequena sobre todas as funções normais que são desviadas freqüentemente por ela, e tem igualmente se ressentido da patologia ou do morbo excessivo. Essa excrescência psíquica, por isso, tornou-se também um órgão com funções muito ativas e muito gerais e muitas vezes também para obscurecer ou absorver a atividade dos órgãos normais com prejuízo do organismo inteiro pelos seus efeitos. Esse órgão, nascido de uma excrescência, essa função patológica de defesa é a religião, qualquer que seja a forma de suas manifestações..." (G. Sergi, L'Origine dei Fenomi Psichic, pág. 334).

E em outra sua obra, ele aumenta a dose, observando: "Sobre a utilidade que as religiões trazem ao organismo social, e por isso deveriam darwinianamente fixar-se, direi que é semelhante à utilidade da peste e do cólera, da qual se valem os sacerdotes da divindade para manter sujeitada a humanidade. É semelhante à utilidade da ignorância sobre um eclipse solar para reduzir à obediência um grupo de pobres selvagens". (G. Sergi, Le Degenerazioni Umane, pág. 190).

Assim é o professor Sergi. Precisa-se convir que, quem não se acha mais no campo sereno da indagação científica, mas está no do cego partidarismo anti-religioso, terá como conseqüência que a paixão partidária arrasta o sábio a desencaroçar uma dúzia de despropósitos que não vale a pena refutar.

Com que se vem expondo sobre as opiniões dos antropólogos, parece-meter cumprido o meu dever de relator imparcial das opiniões alheias. Ora, para todo aquele que tinha noções também elementares sobre a pesquisa psíquica, tornar-se-á fácil medir toda a espantosa deficiência das investigações antropológicas supra referidas, que não justificam inteiramente as conclusões que obtiveram os mesmos antropólogos.

Como disse, o talento poderoso de Herbert Spencer soube tirar todo o partido possível dessas insignificantes observações de fatos, mas o talento desse grande não bastava para conferir importância demonstradora sobre fatos que não se deram. Repito, não obstante ele ter tido o grande mérito de somar para os outros pesquisadores a única e direta via que conduzia à solução do grande quesito sobre a origem da crença na sobrevivência da alma, com a conseqüente evolução da idéia de Deus e a lenta formação das religiões.

De modo que, parece indubitável que se ele tivesse a feliz inspiração de acolher e indagar sobre a fenomenologia supranormal que vinha oferecer-se à penetração do seu talento, ele teria resolvido sozinho o grande quesito.

Mas isso, provavelmente, significa exigir demais da mentalidade dum mortal, embora dum sábio, já que a experiência ensina que a solução dos grandes quesitos científicos e filosóficos, à maneira das grandes invenções industriais, resulta constantemente na obra coletiva dum número elevado de trabalhadores do pensamento. A tarefa do gênio é a intuição fecunda das grandes idéias, o adivinhar um princípio, a criação do primeiro esboço orgânico duma nova invenção. Depois de que, vem a vez dos trabalhadores anônimos do pensamento, aos quais é devolvida a tarefa de aperfeiçoar laboriosamente o que o gênio adivinhou, descobriu, inventou.

Com o advento da nova ciência da Metapsíquica, tem um êxito bastante fácil levar a remate a intuição genial de Herbert Spencer quanto à origem da crença na sobrevivência humana. Assim, poder-se-ia quase afirmar que os mesmos fatos vinham dispor-se automaticamente na categoria sua, prescrita na classificação esboçada pelo mestre.

Assim sucedia que, ao lado do bom resultado (bem pouco sugestivo no sentido aqui considerado), dos "sonhos comuns", vinham tomar lugar os "sonhos supranormais", com seus incidentes verídicos de ordem telepática, clarividente e espirítica. Sonhos que se realizaram entre os povos selvagens e primitivos, assim como se realizam entre os hodiernos povos civilizados.

Com a dedução praticamente muito duvidosa que a mentalidade dum pobre selvagem podia tirar da visão da própria imagem refletida na água, ou da sombra projetada do próprio corpo, vinham a acrescentar-se bem outras observações congêneres, tendentes a demonstrar a existência do duplo, tais como as aparições telepáticas dos vivos e os fenômenos de bilocação e as conclusões - muito sutis para a mentalidade dum selvagem - a favor da sobrevivência, tirar as considerações de que, se um vivo que se desperta do sono, ou duma síncope, ou dum insulto apoplético, o duplo volta, depois de haver se distanciado, então, o duplo dum defunto, que se distância para não mais retornar, deve, pois, existir em algum lugar. A essas conclusões, antes erradas e indiretas, vinham acrescentar-se outras diretas muito mais convincentes, tais como as deduzidas da observação das aparições dos defuntos, dos fenômenos de desdobramento no leito de morte, dos casos de infestação e outras mais.

Aconteceu que, desta vez, achava-se efetivamente em presença duma solução positiva, exaustiva, definitiva, do grande mistério que envolvia a origem da crença universal na existência e sobrevivência da alma. Crença que não embaraçava unicamente o critério dos antropólogos, mas tornava-se um obstáculo insuperável para os filósofos materialistas, já que a característica da universalidade não pedia explicar-se senão de dois modos: ou admitindo, com os filósofos espiritualistas, que essa crença era uma intuição do espírito humano, análoga pela natureza aos instintos e, como os instintos, infalível, ou pressupondo que a característica da universalidade tinha origem na observação de fatos especiais na manifestação universal, fatos que os povos da terra, em todos os tempos, tinham interpretado de modo idêntico.

Ora, os hodiernos antropólogos, tendo excluído a primeira hipótese e adotado a segunda, faliram, pois, miseravelmente, na árdua tarefa de indicar os fatos especiais que teriam tido bom resultado para orientar a humanidade inteira sobre as mesmas conclusões. Se faliram nesse objetivo, não se devia atribuir isso à deficiência de penetração intelectual e de método, mas à circunstância de haverem ignorado a existência daquela classe de fatos que tinha efetivamente conduzido os povos da terra a conclusões unânimes.

Estando as coisas nesses termos, só resta formular a respeito uma única observação concludente, que é, para qualquer um que seja versado em Metapsíquica, não pode haver dúvida sobre o fato de que a solução do quesito em discussão - segundo o qual a origem da crença universal da existência e sobrevivência da alma deriva da observação igualmente universal dos fenômenos supranormais - parece uma verdade definitivamente aceita pela ciência. Como não pode haver dúvidas de que sob esse ponto de vista não se tardará a obter uma unanimidade dos consensos entre os antropólogos, os etnólogos, os sociólogos, os psicólogos e os filósofos do mundo inteiro.

Bem entendido que essa unanimidade de consensos a propósito da origem da crença em exame, não significaria ainda adesão unânime a favor da solução afirmativa do outro quesito implícito no primeiro se a crença na sobrevivência humana se torna, ou não se torna cientificamente demonstrada com base na grandeza sugestiva das provas de toda espécie - anímicas e espiríticas - que as manifestações supranormais trazem para a solução do mesmo quesito.

Por minha conta, respondo que os meus cinqüenta anos de pesquisas serviram para desentranhar o grande mistério, indagando nos seus mais recônditos mergulhos, com os métodos científicos da análise comparada e da convergência de provas, que me conferiram o direito de afirmar, sem medo de errar, que o veredicto dos posteros deverá pronunciar-se no sentido afirmativo.

Mas, uma vez estabelecido isso, reconheço que, às lições da história, tão se deverá julgar o iminente advento do grande dia, o que de resto seria para lastimar como um mal, se ele se realizasse, já que a estabilidade funcional das instituições vigentes religiosas, com seus ritos antropomórficos, ainda é necessária para a mentalidade despreparada da massa. De modo que, uma irupção muito repentina dos novos conceitos que provocasse ruína, determinaria também um cataclismo econômico-social.

Em suma, é indispensável que a demonstração experimental e definitiva e correta sobre os destinos do ser, demonstração que se estende à soberana importância científica e filosófica, se estenda, se eleve, tornando-se moral e social, deva impor-se por uma lenta evolução, nunca pela revolução.

Desse ponto de vista, convém reconhecer que os adversários de hoje completaram uma obra moderadora e retardatária absolutamente providencial. Sendo assim, também os adversários de boa-fé são bem-vindos.

A cada um, a própria tarefa na luta fecunda do pensamento. Tocou, por sorte, a quem escreve, militar entre essas fileiras dos "precursores", tocou, por sorte, aos adversários, milharem entre as falanges dos "conservadores". É bem verdade que uns e outros são igualmente indispensáveis à evolução normal e fecunda das instituições sociais. Essa é a Lei.

Apêndice

Notáveis Intuições Filosóficas e Científicas entre os Selvagens Africanos

William B. Seabrook - já por mim várias vezes citado - é um explorador africano que penetrou e permaneceu no meio das tribos selvagens, não apenas com o propósito de descobrir novas terras, mas também com a intenção de compreender a alma ainda enigmática dos primitivos.

Faz algum tempo que ele publicou seu terceiro volume sobre viagens, intitulado Jungle Ways (Le Vie della Jungla) (1) que trata de explorações na floresta da África Ocidental, a milhares de quilômetros da costa, em país jamais visitado pelos brancos, embora pertencente ao domínio colonial francês, e no da república negra da Libéria.

(1) - George G. Harrap, London, 1931, pág. 316.

Uma rápida experiência havia lhe ensinado que as tribos selvagens não revelam aos brancos suas crenças religiosas e evitam fazê-los assistir a suas práticas ritualísticas e mágicas. Com o fim de vencer suas desconfianças, ele teve a idéia de ser instruído por um feiticeiro médico sobre as práticas ritualísticas em discussão, e durante as sucessivas viagens, teve a intenção de unir-se, sob todas as maneiras, ostensivamente a eles, fazendo ofertas regulares em todas as encruzilhadas encontradas nos caminhos, respeitando os sinais indicadores da proibição dos rituais de penetrar em certos caminhos, oferecendo sacrifícios aos espíritos dos progenitores, aos espíritos das árvores sagradas, aos espíritos das águas, com a conseqüência de que o eco dessas práticas, espalhando-se por toda a parte na floresta, fê-lo ser recebido como um membro da tribo e também chamado "o homem negro da cara branca". Ele escreve: "Esse modo de conduzir-me inspirava confiança ao meu redor, e derrubava todas as barreiras que, de outra maneira, teriam permanecido impenetráveis para mim, mesmo que tivesse vivido vinte anos na floresta...

Eram essas as práticas ritualísticas da tribo da floresta, e conformava-me com elas, achando-as mais do que necessárias à medida que avançava na profundeza misteriosa das mesmas... À medida, a saber, que avançava no labirinto daqueles caminhos, sentia-me mais do que nunca envolvido pelos sinais visíveis de práticas mágicas de toda espécie, começando a compreender que, no ambiente em que me encontrava, a vida era controlada por forças invisíveis, representadas pelas práticas dos rituais que eram apenas símbolos". (Ver págs. 22-23).

Já na sua primeira viagem de exploração e em virtude dos métodos em discussão, nosso autor veio a recolher preciosas observações sobre os ritos e costumes ignorados pelos brancos, mas, não obstante, estava certo de que muito ainda lhe estava oculto. De modo que, na véspera da sua segunda viagem, passou-lhe pela mente uma outra boa idéia: a de persuadir uma jovem feiticeira chamada Wamba, famosa em toda a tribo da floresta, a unir-se à própria comitiva, fazendo-a viajar numa cômoda amaca, carregada sobre duas estacas nos ombros dos homens.

Com isso, ele chegou a compreender profundamente a psicologia dos primitivos.

Assim, por exemplo, na sua primeira viagem, na qual ele alcançou a orla extrema da colônia francesa da Costa do Avorio, floresta destruída habitada pelos selvagens Yafouri, esses íntimos haviam também acolhido e hospedado com grandes honras, o homem branco que se amoldava às práticas ritualísticas da sua fé "fetichista". Mas quando tinha perguntado a um chefe influente sobre fazê-lo conhecer o feiticeiro-médico da sua tribo, este havia respondido com evasivas, informando que o feiticeiro encontrava-se longe, longe, em outra aldeia. Porém, aconteceu que, mais tarde, Seabrook tendo tido ocasião de retornar à mesma aldeia na companhia da feiticeira Wamba, foi-lhe apresentado espontaneamente o feiticeiro mencionado e, então, para sua maior surpresa, haveria de conhecê-lo muito bem porque, durante sua primeira permanência naquela aldeia, o havia sempre visto ao lado do chefe!

Esse incidente serviu para fornecer a Seabrook a prova manifesta de que a presença da feiticeira Wamba tinha triunfado sobre as últimas desconfianças do chefe tribal.

Esse chefe chamava-se San Dei e era um dos mais poderosos da floresta. Seis meses antes tinha envenenado o próprio irmão, tomando-lhe o lugar de chefe da tribo; mas agora tratava-se de favorecê-lo, honrando sua tumba, e, para esse fim, San Dei tinha chamado a si os feiticeiros, os oradores sacros e os saltimbancos de toda região, enquanto que ao nosso autor foi permitido tomar parte ativa nas mencionadas honrarias, ao lado da feiticeira Wamba. Honrarias que se realizaram durante dias, de forma espetacular e rumorosa, com sacrifícios cruentos de animais, procissões e danças, impressionantes prodígios mágicos dos feiticeiros e um pomposo discurso de San Dei no qual exaltava a grandeza heróica do irmão envenenado.

Mas isso tudo que parece psicologicamente espantoso, consiste na circunstância de que, a essas honrarias, tomava parte ativa o filho de trinta anos do chefe assassinado, que sabia dever, por sua vez, morrer envenenado - mas em data não precisada - por obra do tio. Sabia que podia fugir livremente e, pelo contrário, permanecia na tribo, resignado mas lamentavelmente triste, à espera de que seu destino se cumprisse, já que esses dramas nas sucessões dos chefes faziam parte dos costumes da tribo e sua fuga pareceria um ato de covardia indigna dum selvagem Yafouri.

Basta! falemos de outra coisa. O que nessas grandiosas honrarias fúnebres pode interessar do ponto de vista metapsíquico são as práticas de magia negra - por mim já referidas e comentadas em capítulo adequado - realizadas pelos feiticeiros e que entre outras arremessaram para o ar duas criancinhas, para depois recebê-las na ponta de duas espadas nas quais permaneceram fincadas, e as lâminas das espadas eram vistas saindo do outro lado! Sendo que, depois de duas horas do horrível espetáculo, as duas criancinhas, plenamente restabelecidas e vivas, surgiram diante da cabana do homem branco, perguntando pelos presentinhos que, naturalmente, ganharam em profusão.

A aldeia em que residia San Dei não era muito distante da fronteira da república negra da Libéria, e Seabrook, considerando que essas florestas eram habitadas por selvagens que jamais tinham visto homens brancos, decidiu ir embora. De conformidade com todos, a feiticeira Wamba retomou as práticas ritualísticas pela consulta dos fetiches, os quais até aquele dia tinham dado auspícios favoráveis. Mas dessa vez, pelo contrário, embora Wamba tentasse, e tornasse a tentar a consulta sob forma diferente, obteve sempre respostas desfavoráveis para a projetada viagem: portanto, não se deveria entrar na Libéria.

Mas assim não pensava Seabrook e malgrado as súplicas de Wamba, que havia se afeiçoado ao homem branco, ele quis partir a qualquer preço.

Wamba lhe havia preconizado que, com base nas respostas obtidas, ele não corria risco de ser morto, mas que teria tido péssima acolhida, com prováveis tentativas criminosas em seu prejuízo e deveria voltar para trás sem explorar nada.

Seabrook partiu com dez carregadores e seu fiel Bugler, o trombeteiro negro que tinha combatido em Verdun, na Grande Guerra. Wamba, com os carregadores que ficaram, acampou-se na margem do rio, à espera da sua volta, contrariada e aflita pela teimosia do homem branco, malgrado os avisos antecipados dos fetiches.

E os fetiches tinham vaticinado a verdade! Na primeira aldeia, foi pessimamente acolhido, e o chefe da mesma, que desta vez era um negro representante oficial do governo da república, concebeu, sem mais nada, a idéia de roubar do branco o que tinha trazido consigo. Seabrook não desconfiava de nada, embora tivesse ficado irritadíssimo com a arrogante acolhida que teve de suportar. Assim não sucedeu com o trombeteiro Bugler que, tendo farejado o vento inseguro, permaneceu à escuta, quando o chefe se entendia, numa outra cabana, com seu lugar-tenente negro, mostrando-lhe seus projetos. E foi desse modo que Bugler veio saber igualmente que aquele conselheiro negro era um homem astuto e experimentado, pois que havia dito ao chefe: "Repito-lhe para olhar suas calças que não me agradam e sobretudo não me agradam suas botas grandes: São as botas dum comandante, dum general inglês... Não vamos nos livrar e ao senhor custará caro. Teremos certamente graves complicações"...

Depois dessa conversa, Bugler compreendeu que as palavras do conselheiro negro tinham produzido forte impressão sobre o outro, pelo que se deduz que nada de grave teria acontecido, salvo sua expulsão do território da república. E assim foi: no dia seguinte, bem cedo, o chefe negro ordenou a Seabrook atravessar o rio, mas não houve tentativa de rapinagem.

Neste ponto, vou ressaltar que o astuto conselheiro do famigerado chefe tinha mesmo razão. As botas calçadas por Seabrook eram as botas do ordenança dos generais e do Estado Maior inglês e Seabrook as ficou possuindo por mera combinação, porque lhes havia cedido um major inglês que deveria desfazer-se delas porque faziam-no sofrer.

Ora, esse fortuito incidente, a que Seabrook devia sua salvação, não perde o valor teórico à vista do que sucedeu pouco depois porque, atravessando o rio, veio-lhe ao encontro a feiticeira Wamba com essa frase triunfal: "Meus fetiches o haviam predito!". Depois do que, ela havia se informado cuidadosamente, e quando Seabrook mencionou o caso afortunado das botas do general que o haviam salvado duma rapinagem e talvez do pior, a feiticeira Wamba observou prontamente que, assim como o Acaso não existe, não podia tratar-se duma coincidência fortuita, mas dum incidente anterior arranjado pelos fetiches de Seabrook (quer dizer, dos seus anjos da guarda).

Aqui merece ser relatado, quase integralmente, o resumo da narração na qual o nosso autor expõe de que modo os selvagens da floresta africana conciliam o fatalismo com o livre-arbítrio.

Ele pondera: "Quando mencionei o incidente das botas, Wamba ficou agitada, parou de me reprovar, e fez-me repetir tudo quanto havia dito. Pelo que parece, aquele incidente tinha para ela um outro significado bem diferente daquele que tinha para mim... Eu o considerava uma coincidência fortuita e nada mais, mas Wamba observou que o Acaso não existe e explicou que, quando, há uns cinco anos ou tanto, ocorreu-me adquirir as botas, o acontecimento estava reservado para a precisa finalidade a que devia servir no episódio realizado na Libéria, episódio já existente em potencial no meu destino. Em outros termos, adquirindo as botas eu teria obedecido inconscientemente à voz interior do meu fetiche, ou anjo da guarda e, com isso as botas tornaram-se grigris (amuletos) os quais continham, em embrião, o controle dum acontecimento futuro. Toda essa argumentação poderia interpretar-se como uma forma de cruel fatalismo; mas assim não é. Wamba, pelo contrário, sustenta que os acontecimentos futuros, se bem que previsíveis, tornam-se, até certo ponto, suscetíveis de controle; este seria o verdadeiro escopo pelo qual se consultam os fetiches, já que, por obra dos mesmos, tornar-se-ia possível decifrar e controlar os eventos futuros. Em suma, para a feiticeira Wamba, nosso Fado, embora escrito nalguma parte, não se projeta no futuro à moda duma linha reta, porém, à moda de muitas linhas retas que se difundem em leque, e que podem variar ao infinito.

Ela procurou fazer-me compreender esse conceito filosófico, até mesmo abstruso, a respeito do destino formado por leques, recorrendo à seguinte engenhosa analogia:

"Acho-me perdida numa floresta imensa e desconhecida, na qual se me apresentam tantas direções a tomar quantos os pontos que estão num círculo e nada sei sobre o que me espera, em qualquer direção em que me voltasse, para qualquer uma delas mas, em quaisquer dessas direções, existe um Destino preestabelecido que me espera. Em qualquer uma delas já está fixado o que me deverá acontecer, no sentido de que, tudo o que me aconteça, já existe em todas as direções, e que depois torna-se inevitável para mim. Não obstante, há o fato de que meu Destino variará enormemente na razão da direção que tomarei. Assim, por exemplo, se me encaminho para uma primeira vereda, encontrarei uma árvore na qual colherei frutos saborosos e nutritivos. Se me dirijo a uma segunda vereda, esperar-me-á a emboscada duma pantera que me despedaçará. Se me dirigir a um terceiro caminho, toparei com uma límpida nascente que me dessedentará. Se me volto para uma quarta via, caio numa armadilha de elefantes e morrerei ferida numa selva de varas aguçadas. Se preferir um quinto caminho, encontrar-me-ei numa tribo amiga que me culminará de atenções hospitaleiras. Todos esses eventos estão igualmente fixados no meu futuro, assim como se fossem escritos sobre as varetas dum leque e todas são verdadeiras em potencial. Mas também é verdade que, nessa floresta da vida humana, não existem processos de lógica capazes de revelar qual seja o caminho melhor para o qual se caminhe. Deveremos dirigir-nos para a direita ou esquerda? Assim como do nascimento à morte, estamos em contínuo movimento para qualquer direção e que, se também permanecêssemos firmes, determinaríamos com isso uma forma especial de direção na vida, pois sucede que numa existência humana não possam dar-se incidentes a tal ponto insignificantes e nulos para resultarem falhos de ações potenciais com respeito à orientação do nosso futuro".

Portanto, também as botas do general, calçadas por Seabrook, tinham assumido um valor de primeira ordem na retificação do seu futuro, pois tinham desmanchado para o seu chefe uma perigosa aventura.

O relator comenta assim: "Ora, é por isso que os negros primitivos consultam os seus fetiches e imaginam encantamentos e fabricam grigris para protegerem-se do labirinto dos acontecimentos, todos igualmente possíveis, fixados no seu futuro.

Acontece que, quando também nós, povos civilizados, não depositamos fé nenhuma nos seus métodos, deveremos, entretanto, reconhecer como, com base nas elucidações expostas, se chegue a compreender por que razão, para com as coisas sérias, os selvagens africanos julgam indispensável tentar alguma coisa para guiarem-se na vida... Muitos de nós, em circunstâncias semelhantes, providenciaríamos fazendo uma cruz com ambas as mãos cruzadas ou jogando para o ar uma moeda: cara ou coroa?" (Ver pág. 79).

Por minha conta, ressalto que o resumo exposto apresenta um valor etnológico, psicológico, filosófico notabilíssimo, e isso quando demonstra que, sob os símbolos aparentemente absurdos com os quais os povos primitivos concretizam seu pensamento nas práticas ritualísticas místico-religiosas, esboçam-se intuições filosóficas idênticas ás concepções mais elevadas a que chegaram os grandes pensadores nos povos civilizados. Em outros resumos, que citarei mais adiante, essas intuições guardam a concepção panteísta-espiritualista do universo nas raças primitivas e não só suas concepções moderníssimas sobre a realidade constitucional da matéria e como já supra referido, a mesma intuição contém o perturbador quesito filosófico da existência dum fatalismo aparentemente inconciliável com o postulado filosófico religioso do livre-arbítrio. A feiticeira Wamba, como se viu, resolveu a dura perplexidade em debate, sobre o modo de conciliar o fatalismo com o livre-arbítrio, do mesmo modo pela qual tinha eu resolvido nas duas monografias dedicadas aos Fenômenos da Clarividência no Futuro em que concluí com a fórmula: "Nem Livre-Arbítrio nem Fatalismo absolutos governam a existência encarnada do espírito, mas a Liberdade Condicionada.

Note-se bem que, se eu, pela primeira vez, cheguei a demonstrar como essa fórmula metafísica não nova com que se podia resolver o perturbador quesito, era suscetível de ser demonstrada experimentalmente sob a base de fatos consistentes em episódios premonitórios, dos quais essa verdade surgia manifesta e indubitável.

Desses episódios, naturalmente raros, citei seis; mas daquele dia em diante continuei a coligir e agora poderei acrescentar uma dúzia. O capítulo da minha monografia no qual os tinha reunido e comentado leva o título: Premonizioni in cui si Rileva un Elemento di Variabilità Teoricamente Importante. Ora, esse "elemento de variabilidade" corresponde exatamente ao que tentava demonstrar a feiticeira Wamba com seu engenhoso apólogo da floresta.

A fim de que os leitores cheguem a formar um conceito claro do que afirmo, referirei num resumo a essência dum dos casos a que me reportei.

O coronel Penton Powley devia dirigir-se para uma reunião eleitoral com o general W. Encontrando-se por acaso com Mrs. Morttague, filha dum outro general, clarividente notabilíssima, ela vaticinou: "Se se dirigir com o general à reunião, será morto num desastre de automóvel. Mas se desistir, então receberá logo uma ambicionada honraria".

O coronel Powley decidiu-se igualmente a ir à convenção porque tinha prometido ao general, mas um outro acontecimento vaticinado pela mesma clarividente tendo-se realizado na mesma noite, teve por efeito impressionar o coronel que se absteve de ir a convenção.

No dia seguinte, descobriram um automóvel tombado num campo e o cadáver do general dentro do mesmo. Não apenas isso, mas poucos dias depois, o coronel Powley recebeu a honorificação vaticinada.

Como se vê, esse duplo episódio premonitório corresponde exatamente aos diversos caminhos simbólicos do apólogo da floresta. No momento em que n coronel tivesse insistido em seguir pelo primeiro caminho, teria indo ao encontro da morte, porém, como ele se absteve, seguiu desse modo o caminho simbólico no qual a honraria o esperava...

Wamba; portanto, tinha razão! As duas "possibilidades de vida "estavam igualmente fixadas em "potencial" no seu futuro, mas com um ato de livre-arbítrio, ele caminhou ao encontro dum destino melhor.

Voltando ao assunto. Disse, em princípio, que o chefe San Dei tinha inventado uma desculpa quando Seabrook manifestou o desejo de conhecer o feiticeiro-médico da tribo, mas que, voltando ele à mesma aldeia, em companhia da feiticeira Wamba, San Dei o tinha apresentado espontaneamente, e então Seabrook havia se apercebido de vir a conhecê-lo bastante bem por tê-lo sempre visto ao lado do chefe durante sua primeira visita. E desta vez - em conseqüência dos bons ofícios de Wamba - conseguiu que o feiticeiro-médico se dignasse revelar alguma coisa de específico e satisfatório sobre a crença religiosa professada pelos habitantes da floresta, não apenas a respeito do significado íntimo das práticas ritualísticas em uso entre os mesmos.

Ele escreve: "A empresa foi bastante árdua e levou-nos longe, porque eu me esforçava para conseguir alguma coisa de concreto. O feiticeiro Nago Ba mostrou-se paciente, mas a tarefa a meu cargo pareceu mais complexa do que eu esperava, pois que, pela nossa conversa que durou até tarde da noite, e depois retomada no dia seguinte, surgiu, pouco a pouco, um sistema de metafísica tão idealista (e talvez igualmente puro), quanto aquele contido nos métodos metafísicos de Platão e da antiga Grécia, e também dos santos e dos teólogos místicos do cristianismo. Por mais estranho que possa parecer, é fato que Nago Ba, com seus ídolos de madeira e seus grigris de ferro, suas máscaras diabólicas, acreditava, juntamente com toda a tribo, que o universo de matéria é nada, e que a última realidade, a realidade que se esconde atrás das aparências, é uma realidade espiritual. Não só isso mas sua concepção da matéria que ele, com todos os habitantes da floresta, professavam desde tempos imemoriais, resultava, de modo espantoso, ser paralela às recentíssimas e revolucionárias conclusões cientificas do assunto, pelo que vinha a vontade de perguntar se, por acaso, a metafísica dos povos civilizados não se movia num círculo vicioso.

Há uns cinqüenta anos acreditávamos saber que um muro de pedra era um muro de pedra. Ora, nós sabíamos que uma pedra não é inteiramente sólida, que em íntima análise, a matéria não existe como tal, que a única unidade basilar é a unidade cinética da energia. Mas estamos longe de saber que coisa se esconde atrás da nossa concepção abstrata de energia...

Sucede que, embora ao homem da rua poderá parecer loucura, eu afirmo que as concepções abstratas mais profundas da ciência que hodiernamente ensinam-se nas cátedras universitárias com relação à natureza última da matéria, da vida, da energia vital, do tempo e do espaço, são muito mais afins com as concepções correspondentes dos feiticeiros-médicos africanos, que não; são as dos nossos maiores cientistas de há vinte anos ou mais.

Não me é possível narrar tudo o que o feiticeiro me disse sem interromper por muito tempo minha narração... Exponho, em, resumo, o que explicou quando lhe observei que, assim como no dia seguinte deviam fazer sacrifícios em memória dum chefe defunto, eu desejaria saber como era considerada a doutrina professada pelos negros da floresta. Essa é a profissão de fé de Nago-Ba, traduzida acuradamente na terminologia dos homens brancos.

Ele acreditava que tudo quanto tem vida no mundo - homens, animais, insetos, árvores e plantas em geral - não está unicamente provida duma qualidade vital cinética, combinada com uma centelha de vida, mas provém, outrossim, duma qualidade de alma independente do corpo e da centelha de vida, também imortal. (Por "alma" e "qualidade de alma" Nago-Ba entende algo correspondente à "essência pessoal" ou "individualidade senciente").

Ele acreditava, ademais, que todas as coisas por nós consideradas inanimadas - também uma montanha, uma pedra, um rio, um campo arado - embora falte neles a centelha de vida, são dotados, porém, duma sua própria "qualidade de alma", pelo que a doutrina de Nago-Ba poderia considerar-se uma forma de animismo que tudo contém em si.

A alma é "essência", quer dizer, o que é real em todas as coisas existentes. A "centelha de vida " que um homem, um animal ou uma árvore possuem, mas que não é possuída por uma pedra, consiste, ao invés, de algo mecânico, de impessoal, de manifesto à alma. No ambiente civilizado, dir-se-ia que é semelhante à corrente elétrica, quer dizer, a um agente poderoso, porém, inconsideravelmente igual, e a tarefa principal da alma é a de guiá-la de modo a que possa operar no mecanismo do corpo. A alma, dirigindo essa corrente vitalizaste inanimada, faz mover e falar o organismo corpóreo, mas em realidade, o organismo corpóreo não é mais do que um fantoche mecânico. O homem real não é nem o organismo corpóreo, nem a corrente vitalizaste, mas consiste num "espírito imortal". Quando a corrente vitalizaste se exaure, o fantoche morre, dissolve-se e a alma fica livre na forma duma personalidade desencarnada, senciente e inteligente... Nessas contingências, ela não só adquire uma potencialidade maior, mas dispõe igualmente de todo o seu tempo e, em seguida, pode ocupar-se de afazeres com os outros, seja para ajudar, seja para contrariar.

Acontece que é prudente se manterem boas relações com os espíritos desencarnados e é desse princípio que deriva o culto dos antepassados que vem de parceria com o culto da natureza que todos os primitivos professam...

Perguntei, então, que coisa, naquele momento, ele acreditava fizesse Bou, o velho chefe defunto e quais eram os benefícios que a tribo podia receber pelos sacrifícios que no dia seguinte deviam cumprir-se em sua honra. Ele explicou que, assim como passa muito tempo em que o defunto consegue libertar-se dos antigos hábitos, e também se o defunto não tivesse mais necessidade nenhuma de persistir neles, podia presumir-se que o velho Bou, naquele momento, se interessasse ainda pelo seu cadáver que jazia na tumba, ou na sua casa, na qual ele indubitavelmente vinha à noite. Além disso, ele podia interessar-se pelos eventos da sua aldeia, e tendo a capacidade de interferir nesses eventos, seja benevolamente, seja malevolamente, era preciso manter indispensáveis as boas relações com ele. Naquele preciso momento, ele provavelmente escutava o que se dizia..." (Ver págs. 104-108).

O trecho exposto contém logo intuições filosóficas, científicas e espiritualistas que levam à reflexão. Mas nunca se dirá que a mentalidade dos povos primitivos seja capaz de erguer-se em abstrações de ordem científica, filosóficas e religiosas equiparáveis àquelas formuladas pelos mais profundos pensadores de todos os tempos entre os povos civilizados e pelos homens de ciência dos tempos hodiernos. Todavia com base no resumo de Seabrook - talvez incompleto - dir-se-ia que a tribo Yafouri não tinha qualquer concepção sobre a existência dum Ente Supremo, porém antes professava uma espécie de panteísmo muita vago, sob forma de culto à natureza.

Seja como for, é fato que Seabrook, prosseguindo nas suas viagens de exploração psicológica, chegou no meio duma populosa tribo de trogloditas, cujas aldeias erguiam-se verticalmente sobre a imensa parede rochosa duma alta cadeia de montanhas e eram constituídas de cavernas naturais e artificiais, engenhosa e laboriosamente transformadas em habitações. Era a tribo dos Habbe, cujos costumes eram precisamente o reverso dos costumes em uso entre os povos civilizados. Entre os Habbe, de fato os jovens não podiam casar se primeiro não tivessem tido um filho e isto, ainda por cima, coabitando promiscuamente com uma multidão de jovens da sua tribo. Além disso, entre os Habbe o furto mais insignificante era punido com a pena de morte, enquanto que, por assassinato, bastavam três anos de exílio e uma cerimônia purificadora. Quanto aos seus ritos religiosos, ele - como os egípcios e os romanos - professavam o culto de Priapo, cujo símbolo reinava em qualquer lugar; nos altares e na entrada de suas aldeias se admiravam os simulacros de Priapo, de argila comprimida, com altura de dez pés. Com tudo isso, e a despeito do símbolo pouco espiritual, professavam crenças religiosas muito elevadas, como a concepção dum único Deus, nas três pessoas, Deus infinitamente perfeito e onipotente, criador do Céu e da Terra.

O que, em todo este sistema de teologia africana, surpreendeu maiormente o nosso autor, foi encontrar o mistério da Santa Trindade, formulado e professado por uma tribo selvagem. Ele comenta a respeito: "Quem havia dito que sobre a parede rochosa e quase inacessível duma montanha situada no centro da África, no meio duma populosa tribo que jamais tinha ouvido falar de cristianismo, onde os missionários não haviam nunca penetrado, quem diria que um sacerdote negro, adorador de 'Priapo-Amma' devesse expor-me o mistério da Santa Trindade?... Todavia, tive de achar que essa concepção diferia muito da cristã do Padre, Filho e Espírito Santo...".

Seabrook, pela cordial intervenção de um dos chefes influentes da tribo, foi introduzido perante o Grande Sacerdote (Hogoun), do culto de Priapo-Amma, que morava no cume quase inacessível daquela vertical e altíssima parede rochosa.

O autor descreve nestes termos o aspecto do Grande Hogoun: "Ele era negríssimo, alto e robusto, de aspecto dignificante e refinado, simples e natural no modo de apresentar-se e de cumprimentar, com um olhar que parecia fixar-se longe, longe, mas do qual transparecia algo de gentil e generoso. Parecia de idade madura, vigoroso, patriarcal, e sua barba era branca, embora se reduzisse a um anelado sobre o queixo. Haviam-me dito na aldeia que ele era um sábio e santo homem, o mais sábio e o mais santo de toda a tribo da montanha e mesmo do mundo inteiro de resto, pareceu-me simples nas maneiras, brando e afável...

Em resposta à minha pergunta formulada lentamente, cautelosamente, respeitosamente, em que lhe rogava querer esclarecer-me sobre a essência espiritual do culto Priapo-Amma, ele observou que Amma não era Priapo, já que de nenhum modo poderia simbolizar materialmente Amma, que era Deus, o único Deus do universo inteiro. Perguntei: - Então, o símbolo esculpido em argila sobre vossos altares não é aquele por vós adorado?

(O Grande Hogoun) - Nossos altares representam o símbolo duma manifestação de Amma. Mas adoramos unicamente o verdadeiro Deus, único e trino.

(Eu) - Então é Amma o derradeiro Deus único e trino?

(Ele) - Não há outro Deus.

(Eu) - Nós, porém, no meu país, cremos num Deus único e universal; e, pelo contrário, há os que asseguram ter feito o conhecimento, e o descrevem sentado no trono, com um semblante radioso e imponente. Cremos, outros sim, que Ele havia criado o homem à sua imagem. O vosso Deus Amma é talvez análogo ao nosso e semelhante ao homem? Possui, por sua vez, um corpo material com um rosto e mãos?

(Ele, depois de longa ponderação).

Ninguém jamais viu o rosto de Amma. Nossos antepassados eram mais sábios do que nos e, todavia, nenhum ousou jamais afirmar ter olhado para a face do nosso Deus. Assim sendo, quem é que poderia afirmar que Deus possui ou não possui um rosto?

(Eu) - Também entre nós há os que crêem que um homem não poderia olhar para a face de Deus sem cair fulminado; mas há outros que asseguram haver conversado com Ele e também ter ouvido sua voz. É assim também para Amma?

(Ele) - Nós apenas dirigimos a palavra a Deus porque cremos que Ele escuta nossas palavras. Mas ninguém jamais ouviu a voz de Amma.

(Eu) - E a morada de Amma, onde se encontra? Dizem-nos que Deus habita no alto dos céus e por isso, quando oramos, começamos dizendo: 'Pai nosso que estais no Céu'.

(Ele) - Nós também elevamos os braços e o olhar para o alto, mas começamos nossas orações dizendo: Amma no alto, Amma embaixo, Amma ao redor de nós. Isso porque Amma está em toda a parte; Ele se manifesta em todas as coisas, mas permanece invisível a nós...

Para melhor compreender esse mistério, não deveis esquecer que Amma é trino. Amma, único e indivisível, é Trino e Uno.

"No princípio, havia um Deus único Amma. Nada existia fora dele. Mas Ele quis criar o mundo da matéria, não apenas o homem, os animais, as árvores, as plantas, a erva e tudo que é vivente, e para esse fim Ele se dividiu em dois princípios: o princípio masculino frutífero e o princípio feminino incubador. Pela força da combinação conjunta dos princípios masculino e feminino, que são opostos e unos, foi criada a Vida. Esta, portanto, é a nossa Trindade: Amma o Uno, Amma o Pai, Amma a Mãe. Para Amma, o Uno, não pode haver símbolo que represente. Para a masculinidade de Amma, o Pai, havíamos escolhido o emblema natural que representa, pondo-o sobre nossos altares. Para a feminilidade de Amma, a Mãe, o símbolo apropriado seria o solo fecundante do mundo inteiro. Porém, representamos sobre os altares esta terceira seção da Trindade mediante um Vaso.

A chuva e o sol fertilizam o solo. Caem as sementes que ficam encubadas e vitalizadas no seio da terra, assim como a semente do homem fica encubada e vitalizada no seio da mulher. Todas essas são manifestações de Amma, doador da Vida. Há um só benefício em relação com um campo, uma árvore, um homem, uma mulher: fertilidade, frutificação, fecundidade, Vida. Há só um mal em relação a um campo, uma árvore, um homem, uma mulher: esterilidade, desolação, morte. Amma é a Vida e a religião de Amma é a religião da Vida. Nisto nós cremos e é isso que ensinamos aos nossos filhos e é para isto que havíamos levantado altares". (Ver págs. 272-279).

São essas as interessantes elucidações filosófico-religiosas fornecidas pelo Grande Hogoun; elucidações que me reservo comentarem breve no corpo do resumo conclusivo para o qual me preparo.

Viu-se que, entre os povos selvagens, houve concepções em tudo análogas às nossas, a respeito da existência duma fatalidade da vida, não, porém, para se entender no sentido absoluto, mas relativo. Vale dizer, combinada com uma dose adequada e variável de livre-arbítrio. Com esse propósito, a feiticeira Wamba tinha esclarecido o pensamento dos povos selvagens, recorrendo a um apólogo notável, do qual se apreendia que as conclusões a que haviam chegado os primitivos, correspondiam às formuladas em todos os tempos pelos povos civilizados. Além disso, dessa circunstância, de fato, surgia uma particularidade importante de que o culto dos fetiches, a prática dos encantamentos e o uso dos amuletos (grigris), tiveram origem nas concepções iguais filosóficas dos selvagens que evocavam seus fetiches, ou recorriam aos poderes ocultos dos encantamentos e dos amuletos, com a intenção de serem guiados na escolha do metafórico caminho - entre os muitos que se lhes manifestavam à sua frente - no qual pudessem penetrar com sorte.

Dum outro ponto de vista, com base nas conversações do nosso autor com o feiticeiro-médico Nago-Ba, tínhamos assistido ao aparecimento dum sistema metafísico espiritualista e também surpreendentemente platônico, enquanto que as concepções dele sobre a natureza da matéria resultavam em tudo corresponderem às atualíssimas concepções científicas desse assunto, segundo as quais a matéria não existe como tal, enquanto que a realidade que se esconde atrás da aparência resulta ser de natureza espiritual.

Nago-Ba demonstrou saber distinguir entre a qualidade cinética nos seres vivos, a qualidade centelha de vida que a torna o que somos exteriormente, e a qualidade anima independente do corpo somático e da centelha de vida, não apenas por sua natureza imortal. Distinções que equivalem às atuais formuladas pelo movimento espiritualista: espírito, corpo etérico, corpo somático.

Afinal, com base nas interessantes explicações fornecidas pelo nosso autor sobre o Grande Hogoun da tribo troglodita, vê-se que a semelhança de todos os outros fetiches venerados pelos povos primitivos, também o fetiche Priapeo - na primeira impressão nos parece assim pouco espiritual - que as tribos em discussão haviam posto nos altares, só era um símbolo. Certamente muito discutível, mas até um certo ponto racional e justificável, visto que sob aquele símbolo se toldava a manifestação na Terra do Ente Supremo, doador da vida, do Deus Uno e Trino, onipresente, onisciente, onipotente, criador do Céu e da Terra.

A propósito dessa elevada concepção de Deus professada pelo Grande Hogoun, merece ser ressaltada sua resposta a Seabrook com relação à oração: "Também nós elevamos os braços e a olhar para o Alto, mas começamos nossas orações dizendo: 'Amma no Alto, Amma em baixo, Amma ao nosso redor e isso porque Amma está em todo lugar'. - Definição que lembra os conceitos substanciais da outra definição de Deus, ditada mediunicamente por Imperator para William Stainton Moses: 'De uma parte, deveis evitar o erro fatal de reduzir Deus a uma Força, e, doutra, deveis libertar-vos da ilusão antropomórfica de forjar um Deus de forma humana... Deus não é uma Força e não é nem a entidade impessoal por vós chamada Natureza. Esforçai-vos por concebê-lo como uma Essência Espiritual, imperscrutável, que dá forma e penetra no universo inteira. Chamando-o Pai, aproximar-vos-ia mais de perto duma verdadeira concepção de Deus".

Ora, é mesmo nesse sentido que o Grande Hogoun duma tribo selvagem concebeu a natureza Divina.

Concluindo:a impressão de conjunto que se retira da leitura do livro de Seabrook sobre Le Vie della jungla (2) consiste nisso: que a inteligência das tribos selvagens parece muita superior ao que presumiam os povos civilizados. Indubitavelmente, os primitivos conservam uma alma infantil e demonstram-se limitados, atrasadas, bárbaros, em tudo ao que se refere à convivência social, às concepções de justiça e de ética, mas eles nos superam na astúcia e esperteza, e dir-se-ia que estão em grau de igualarem-se na intuição mais sublime da abstração filosófica, científica e religiosa.

(2) George G. Harrap, London, 1931, pág. 316.

A alma do selvagem permanece mais do que nunca um enigma psicológico ainda para se resolver.

GLOSSÁRIO

ANIMISMO OU ESPIRITISMO - dificuldade na interpretação de casos particulares (Bozzano).

ANTROPOLOGIA PSICOLÓGICA - A escola antropológica - com o chefe Spencer e sequazes - foi sempre referida a crença na sobrevivência humana entre os primitivos, com fatos banais, como o eco, a própria imagem refletida na água, o fenômeno do sono, a sombra etc., quando se trata, ao invés, de uma idéia baseada na experiência e em fatos reais; realissimos, como justamente resultam os fatos metapsíquicos, os que se verificam entre os povos primitivos, (selvagens e não), de maneira idêntica como entre nós. Com base nessas novas indagações, devidas ao nascimento da Metapsíquica, inicia-se uma concepção de todo nova no campo da antropologia psicológica.

Crítica de Bozzano ao cego partidarismo anti-religioso do professor Giuseppe Sergi, segundo o qual, a concepção religiosa humana é um tumor na mente do homem.

APARIÇÃO DOS MORIBUNDOS - indígenas que vêem um seu companheiro no momento em que morreu (Tylor).

É o caso do percipiente Maori que vê, em duas circunstância diferentes, os fantasmas de duas tias: o primeiro, bate-lhe no ombro; o segundo, faz-se ver projetando sombra. Manifestação de moribundo. VER Corpo Etérico.

APARIÇÕES DOS MORTOS - entre os Maoris, ver um fantasma indica que o indivíduo visualizado está morto.

Um maori vê o fantasma de seu irmão, que não foi percebido por outros dois presentes, e, de repente, logo depois, vêm pessoas anunciar a morte do irmão.

APORTES - discussão de Bozzano com O. Lodge, Stanley De Brath e Tito Alippi, acerca da origem dos fenômenos de aportes; Bozzano sustenta a tese da desintegração do objeto, enquanto os três conhecidos físicos duvidam da existência do fenômeno, não o podendo explicar teoricamente.

É uma casuística bastante rara entre os primitivos; os objetos poderem ser aportados (trazidos, levados), ou também criados, como foi o caso de Moses (Freedom Long).

Um iogue transporta açucareirinhos a pedido de Besant, em condições de absoluto controle; ajuda de "elementais".

Um iogue traz, com absoluto controle, e a pedido, leite (quente), fruta seca, um melão e fruta fresca; perguntado sobre o transporte de chocolate, o iogue, que não sabia o que era, transporta docinhos; ajudado pelos "elementais" (J. Ranson). Quando as experiências são feitas à plena luz, geralmente o transporte se verifica dentro duma caixinha, isto é, no escuro. A favor duma intervenção externa nos fenômenos de aportes e moralidade identificada no mesmo fenômeno (Bozzano) - teoricamente importante!

CLARIVIDÊNCIA NO FUTURO - com o método de "lançar os ossinhos" entre os pigmeus; descreve-se, antes que suceda, uma cena de caça ao elefante e morte dos caçadores: tudo verdade! São preditas as condições do tempo e lugar onde chegará o amigo do consulente.

Predição de morte dum feiticeiro, de outros, e dele mesmo. Essa última predição não serve para salvá-lo; comentários de Bozzano sobre o quesito teórico implícito nas premonições que não salvam: liberdade condicionada, necessidade duma vontade superior etc.

Predições da feiticeira Wamba para Seabrook (episódio das botas) e o famoso apólogo da floresta no qual a feiticeira Wamba concilia o fatalismo com o livre-arbítrio, expondo a teoria da possibilidade de vida (caso do coronel Powley citado por Bozzano para esclarecimento).

CLARIVIDÊNCIA NO PRESENTE - breve episódio havido com um médium índio que foi ver que coisa faziam os inimigos (por Hardinge).

Um Lobasha, de Addis Abeba, corre até a Harrar, a toda velocidade, e designa o autor dum furto; um outro Lobasha segue as peregrinações dum ladrão, com a presença do Imperador Menelik; o mesmo Menelik fez esconder um objeto que o Lobasha encontra (casos com presumíveis explicações na psicometria).

Feiticeiro que, com a ajuda de bastõezinhos semoventes, segue a pista dum ladrão (com explicação na psicometria); referido pelo Padre Luseur.

Rápida difusão de notícias entre os primitivos.

Rapidez com que se difundem as notícias na África (espécie de telegrafia sem fio).

VER Telepatia.

Indígenas que raspam a cabeça em sinal de luto pela morte do pai, cuja notícia foi depois confirmada; cafres que viram o seu pastor e um touro mortos em combate: verdade!

Mulheres indígenas que choravam pelos maridos mortos em combate, sendo a notícia confirmada três dias depois. Indígenas que tomam conhecimento dum extermínio que se deu a duas mil milhas de distância, no exato momento em que aconteceu; outro episódio de indígenas que vêem a distância o seu coronel que mata um elefante; indígena que afirma estar morto naquele momento um outro indígena atacado por um elefante: verdade!

Importante caso referido pelo prof. Lidio Cipriani; são mortos quatro búfalos e um feiticeiro, que acorreu, afirma saber da morte dos quatro búfalos e diz que dois são fêmeas e estão prenhas, especificando o grau de desenvolvimento dos dois fetos tudo verdade; (a primeira parte do episódio pode ser telepática, a segunda, certamente, não).

Referido por Beonio-Bocchieri: feiticeiro negro que descreve a um oficial sua casa em Milão (Clarividência telepática).

Outro episódio no qual o mesmo negro descreve o conteúdo duma carta apenas chegada da Itália; com caráter psicométrico (Beonio-Brocchieri).

Índia que vê e descreve uma pessoa que atravessa uma baía em canoa (mrs. Glen Hamilton).

Indígena que foi explorar, pela clarividência, o território em redor, vê e descreve uma coluna militar em marcha.

Indígena que foi para longe (transformado em chacal), e vê chegar dois barcos pequenos, nos quais descreve alguns passageiros: tudo exato! A clarividência parece ser fronteira a telemnesia, segundo Hyslop).

Indígena que procura notícias sobre uma expedição comercial de mercadorias e entra, ao invés, em relação psíquica com a equipagem duma canoa que tinha encontrado os primeiros, deduzindo a data da chegada; vários episódios de clarividência (no espelho), descritos pelo Padre Trilles, entre os pigmeus da África Equatorial; - um indígena vê, no espelho, o autor dum furto e fá-lo ver também o reverendo Trilles (caso muito raro!); comentários de Bozzano a propósito e citação de um resumo de Nandor Fodor.

Com explicação espírita: médium índio de 170 anos deixa que o ponham num gabinete mediúnico que se sacode violentamente (telecinesia?) e através do qual fala o espírito dum chefe índio defunto, que dá importantes notícias sobre o número e a posição de homens dum exército inimigo;

VER também Episódio de dramatização.

No primeiro episódio, o sensitivo cafre conta fatos passados da. vida do consulente (clarividência telepática), com um breve episódio de clarividência no futuro (o que demonstra a união da faculdade supranormal subconsciente); no segundo, o feiticeiro descreve uma filha gravemente doente e a mãe que cuida dela fato ignorado pelo consulente, mas verdadeiro.

Feiticeiro que, a pedido do consulente, segue oito caçadores, descrevendo exatamente o seu dramático revés (mrs. Bloch).

COMUNICAÇÕES MEDIÚNICAS - VER Clarividência.

CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS - a concepção do Mana entre os selvagens (e erro interpretativo de Vesme).

A concepção do Mana (Freedom Long).

Concepção panteísta e de um Deus Cínico e trino entre os selvagens africanos.

CORPO ETÉRICO - conhecido desde a remota Antigüidade (Carrington).

Testemunho a favor do corpo etérico como globo luminoso (Gramshak, Shepley, Duchâtel, Vesme, Falcomer, Baraduc, De Rochas, Turvey, Sage, Durville, Cornillier).

Miss Williams vê um globo luminoso no momento em que morre uma amiga. Um dia depois da morte da filha, a mãe e dois rapazes vêem um globo luminoso rodar pelo quarto (professor Tito Alippi).

Globo luminoso, atribuído ao marido morto, que, pelo desejo mental da percipiente, atravessou o quarto.

Fantasma da mãe morta que foi visto transformar-se em globo luminoso. Dr. Baraduc fotografou o corpo etérico da esposa moribunda; sobre a lápide um globo luminoso.

Corpo etérico observado pela clarividência quando se liberta do corpo físico.

CURAS MIRACULOSAS - vários exemplos de curas (Lawrence, Stevenson, Gatti, Cipriani).

Senhora que permanece exausta depois de ter assistido a curas miraculosas em Lourdes (Osty).

Cura duma criança mordida por uma serpente enquanto a serpente é morta pela vontade do curador (Lindsay Johnson). Uma fratura exposta curada imediatamente (Freedom Long). Ressurreição depois da morte duma criança entre os siberianos (J. Grad).

Ressurreição depois da morte dum homem entre os Zulus, bastante documentada (A. Gatti).

Entidade com voz direta que cura a distância uma criança que sofria de convulsões.

E o caso Langton Parker. VER Psicometria.

Mencionado de passagem (no caso Long Lance).

FETICHISMO - origina-se, segundo Lang dos fenômenos de telecinesia (objetos animados de movimentos).

FOGOS-FÁTUOS - não são exalações químicas dos cadáveres; são notados também entre os selvagens; Lombroso aceita a interpretação espírita.

INCOMBUSTIBILIDADE - feiticeiros que caminham sobre o fogo e outros episódios semelhantes (Freedom Long).

INFESTAÇÃO - testemunhos e documentos sobre fatos de infestação entre os selvagens (Lang e Shepley).

Pedradas em uma moça de Java (poltergeist).

Cal que se solta do muro e é lançado ao ar (poltergeist).

Portas que se abrem repetidamente e passos cadenciados; em condições de absoluto controle, coletivamente, e na claridade, vê-se a depressão produzida pelos passos sobre as tábuas do pavimento (caso Mockton).

Caso Frank Hives: a princípio, sensação geral de ambiente infestado; depois assiste à visualização dum fantasma de um negro, de quem percebe a figura trágica até nos quadros, com explicação psicométrica; rumores de passos, de louças etc. - importante discussão teórica de Bozzano sobre métodos analíticos com os quais é necessário aprofundar a interpretação psicométrica dos fenômenos infestatórios: de fato, a psicometria reproduz, mas não cria.

Fenômenos do tipo poltergeist, durante uma sessão com a mediunidade dum índio (Long Lance).

INSTINTO DE ORIENTAÇÃO - com os selvagens; interpretáveis como um fenômeno sui generis de visão a distância de caráter psicométrico.

LEVITAÇÃO HUMANA - mocinha que levitou por obra dum Iogue, no meio dum prado, presentes muitíssimas testemunhas; referido pelo etnólogo Johnson. Um feiticeiro Zulu faz levitar um jovem depois de tê-lo adormecido; o fenômeno deu-se em aberto, com luzes de tochas; referido por Kellar. O médium índio foi, numa ocasião, levantado e colocado num pequeno espaço entre pregos pontiagudos e, além disso, foi levitado e pendurado numa trave com a cabeça para baixo (Long Lance) - importante.

LICANTROPIA - indígena que afirma ter visto uma cena distante, sendo conduzido a um lugar, estando transformado em chacal (a primeira parte - controlável - foi exata e será assim também na segunda afirmação, embora incontrolável).

O feiticeiro, transformado numa fera, morre quando a fera é ferida ou morta.

Importantes casos no relato comentado por Mocktyn Clarke; feiticeiros que morreram quando acertam um tiro na hiena; é arrancada a mandíbula duma hiena; os passos de animais transformam-se, num certo local, em passos humanos; importância do terreno remexido pelas formigas negras.

Dois jovens e uma jovem negra, que saltavam em volta dum feiticeiro, e, assim fazendo, transformam-se em chacais! (referido e presenciado pelo dr. Kirkland).

Comparação entre os fenômenos de materializações de animais (com Franck Kluski) e os fenômenos de licantropia, que resultariam em definitivo numa modalidade de experiência ideoplástica (Bozzano); importante comentário de Nador Fodor.

MANIFESTAÇÕES DE DEFUNTOS - VER Corpo Etérico; caso do professor Tito Alippi.

VER Corpo Etérico.

Entre os ilhéus da Melanésia, manifesta-se um defunto por possessão e fala pela boca do médium (Carrington).

MANIFESTAÇÕES DOS VIVOS - é o caso Ugema Uzago, que, em condições de sono profundo, desdobra-se (afirmando ir a uma convenção num planalto, com outros iniciados desdobrados: os Sabba da feitiçaria seriam, portanto, verdadeiros?) e para dar demonstração da realidade da afirmação, executou uma missão ao longo da estrada; a pessoa designada fala através da porta, executando a tarefa a ele encarregada! - Caso documentado por um missionário.

MANIFESTAÇÕES SUPRANORMAIS - entre os selvagens; análogas às nossas.

MATERIALISMO - a concepção materialista não tem mais razão de existir depois do advento da Metapsíquica (Bozzano).

MATERIALIZAÇÕES - VER Práticas Mágicas.

De animais (VER Licantropia)

De mãos.

Materializa-se um índio à plena luz do dia, em aberto, enquanto a tenda vazia levita do chão.

Bozzano assiste, com o professor Morselli e o dr. Venzano, o concretizar-se de seis formas materializadas, uma das quais com uma criança nos braços; críticas aos comentários do professor Morselli.

MEDIUNIDADE - entre os Melanésios notaram-se inúmeras vozes saídas das bocas do médium mesmo como acontece conosco, durante a possessão mediúnica na qual muitas entidades queriam comunicar-se (Carrington e Bozzano).

METAPSÍQUICA - é a Nova Ciência da Alma.

PRÁTICAS MÁGICAS - um faquir traça um círculo ao redor dum escorpião e este não o pode ultrapassar (P. Brunton); e episódio análogo com um homem possuidor de idêntico poder sobre as formigas (A. Minghetti).

Poder da vontade sobre serpentes Piton (dois episódios de Cipriani e Gatti).

Ladrão que, chamado pela vontade do feiticeiro, compareceu diante dele, declarando-se culpado; quinze panteras chamadas pela vontade dos adeptos negros (Gorer).

É o caso impressionante presenciado e narrado por Seabrook, no qual dois feiticeiros enfiam suas espadas em duas crianças negras que depois dos ferimentos saram em duas horas;

Com cabelos e as unhas da vítima, os feiticeiros fazem adoecer a distância (psicometria); citado por L. Cipriani.

Feiticeiro que, para vingar-se dum presente que não recebeu, fez acometer a um oficial dores atrozes no ventre e que as fez cessar a pedido da vítima exausta (von Eckenbrecher).

Parece que se pode provocar, também, a morte.

Feiticeiro que provoca dores e uma doença na noiva que o rejeitou.

Caso do tenente Litta, referido por Beonio-Brocchieri: feiticeiro que, para vingar-se do tenente que o havia mandado prender, faz disparar um tiro de revólver pelo próprio tenente (inconscientemente) em si mesmo.

Três feiticeiros, para vingarem-se da equipagem dum caminhão que não os tinha recolhido, fazem furar muitas vezes os pneumáticos e parar o motor; tudo volta ao normal quando a equipagem desesperada os recebe (referido e presenciado pelo comandante A. Gatti).

Santarrão iogue que, para vingar-se duma expedição científica, que lhe havia dado pouco dinheiro, fez cair inúmeras pedras grandes entre as patas das mulas (aportes ou transportes?). Importante caso da negra Salima referido por Racey: sensação penosa de mal-estar que tomou conta do relator ao aproximar-se do santuário de Salima; viu, com outros, uma enorme píton e um dragão (materializações?).

Caso importantíssimo do dr. Giboteau; a famosa Berta B. tem a faculdade de fazer suas vítimas perderem-se na estrada, de provocar medo, de fazer tropeçar e de modificar seus sentimentos.

Páreo de "luta com o pensamento" entre os peles-vermelhas; um dos protagonistas morre (Harrington).

Casos de morte por influência da sugestão sobre a vítima que "perde a esperança de viver". (Dr. Kirkland).

Feiticeiros que morreram por sugestão (nas práticas de licantropia) - Florizel von Reuter.

Existem casos nos quais a vitima morre apenas por ignorar sua sorte (Bozzano).

É morto pelo pensamento um homem que tudo ignora.

Feiticeiro que convida o consulente a pensar sobre seus inimigos na Europa; o consulente pensa e o feiticeiro declara havê-los morto! - verdade (coincidência ou realidade?) - por Vesme.

Feiticeiros que "fazem" chover (Carrington); e feiticeiros que provocam trovoadas e raios na presença do relator Geoffrey Gorer.

PERIGO DE MORTE - é para rejeitar-se nas práticas experimentais supranormais (pelo menos entre os brancos).

PSICOBOLIA - teoria da Psicobolia do doutor Tanagras: episódios de dramatização.

Entidade dum chefe índio que se afasta bruscamente e depois retorna para dizer ter ido ver a posição do exército inimigo.

VER Clarividência.

Duas entidades manifestam-se com voz direta, mas, não podendo dar informações, vão embora (Caso Langton Parker).

PSICOMETRIA - VER Clarividência.

VER Clarividência.

Sobre o instinto de orientação (interpretação psicométrica).

Ver Clarividência.

Nos lugares privados de lendas, não se experimentam impressões psicométricas, que se verificam, pelo contrário, facilmente em ambientes onde houve delitos e massacres. VER Infestação.

VER Práticas Mágicas (exemplo de envoutement feitiçaria).

Necessidade da relação psíquica com a vítima na prática mágica (Bozzano).

É o caso Langton Parker: uma voz direta diz à consulente que tinha violado a sombra da árvore sagrada - coisa que ela ignorava! - e por isso estava doente (fato análogo ao que se afirma para os violadores das tumbas dos faraós: isto é, influência local maléfica que se põe em ação psicometricamente).

RAPS - referidos por Jacolliot e análogos referidos por Crookes com D. D. Home.

REVELAÇÕES TRANSCENDENTAIS - a Crise da Morte observada na clarividência entre os Taitianos.

SOBREVIVÊNCIA - a crença na sobrevivência entre os selvagens é universal (Tylor, Grant, Allen, Brinton, Soblet d'Alviella, Powers, Hurley Spencer, Lang).

SUGESTÃO HIPNÓTICA - não existem exemplos de alucinações telepáticas coletivas pela transmissão do pensamento (Bozzano, Morselli, Richet); conhecem-se apenas raros exemplos de alucinações coletivas por sugestão verbal.

TELECINESIA - vasilha que se aproxima do faquir Covindasamy e fortes golpes causados na mesma vasilha. Tendas que vibram, com médiuns índios (e sinal de vozes diretas). Tenda que vibra com médium índio (por Hardinge). Tenda que levita no solo três vezes, à plena luz, e em aberto.

TELEPATIA - sensitivo abissínio (Lebascià), que deve encontrar o autor dum furto e foi, pelo contrário, pegar o bastão de Tadessa (um carteiro) a quem este último dirigia ansiosamente a atenção.

Feiticeiro cafre que revela ao consulente não ser verdade que havia acontecido um furto, mas que tinham escondido o dinheiro só para experimentar sua faculdade; ele encontra o dinheiro e aquele que fora encarregado de escondê-lo.(Mrs. Warner Staples).

O consulente roga ao feiticeiro cafre redescobrir quem foi o autor dum roubo; o feiticeiro se engana mas indica justo aquele que o consulente injustamente acusava com o pensamento.

O consulente pede ao adivinho cafre que indique quem viria encontrá-lo naquele dia e este descreve um episódio de fuga de um cavalo que levava uma senhora vestida de branco; episódio realmente ocorrido e sobre o qual o consulente pensava naquele momento.

Num acampamento de guerra, três homens despertam com a sensação dum perigo iminente e, de fato, o inimigo estava marchando contra o acampamento (Mockton).

Indígena que estando gravemente ferido chama a si, telepaticamente, os seus, localizados a 28 milhas de distância, e estes vieram; episódio experimental que demonstra a origem do fenômeno da rápida difusão de notícias entre os primitivos. Episódio de telepatia do tipo de psicorragia (segundo Myers); indígenas de Borneu que receberam uma mensagem telepática de outra tribo na pele esticada dum tambor vibrando duma maneira particular.

VENTRILOQUISMO - VER Vozes Diretas.

VOZ DIRETA - a crença de que os espíritos manifestam-se com a voz é comum entre os primitivos (Lidio Cipriani); - é lógico que essa forma seja mais desenvolvida entre os primitivos, entre os quais não pode existir a forma do automatismo de quem escreve (Bozzano).

Uma entidade, com voz direta, demonstra conhecer o pensamento dos consulentes; a cura a distância. (vescovo Callaway).

VER Xenoglossia.

É o caso de Langton Parker; médium australiana através da qual, falaram com voz direta, os espíritos que informaram sobre coisas ignoradas também pela consulente. (VER também Psicometria).

É o caso de Long Lance: telecinesia, vozes diretas com xenoglossia, curas, rajadas de vento e Poltergeist.

Comentários de Bozzano sobre a hipótese do ventriloquismo aplicada aos fenômenos da voz direta.

Entidade dum Maori que indica onde estão escondidos os livros; fato ignorado por todos; - comentários de Bozzano sobre a hipótese de ventriloquismo aplicada aos casos em exame.

XENOGLOSSIA - australiano que cai espontaneamente em sono mediúnico, durante o qual vozes diretas conversam com vários consulentes na sua própria língua (R. Augear).

Com voz direta, espíritos que conversam em outras línguas e dialetos, com expressões que só aqueles muito idosos conseguem compreender (Long Lance).

FIM