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sábado, 26 de fevereiro de 2011

A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana-E.Bozzano

 

Índice do Blog

 

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Ernesto Bozzano

A propósito da Introdução à

Metapsíquica Humana

Refutação do livro de René Sudre

La verdad sobre metapsíquica humana.

Refutación de "Introduction à la Métapsychique humaine"

de René Sudre

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CARAVAGGIO

Crucifixão de São Pedro

Conteúdo resumido

Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objetivo de refutar a obra antiespírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica".

Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto ao leito de morte, fenômenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.

 

A propósito da “Introdução à Metapsíquica Humana”

Não me deterei em analisar o excelente tratado de metapsíquica publicado pelo Sr. René Sudre. Limitar-me-ei em notar que o autor conseguiu sintetizar, em um volume de proporções normais, exposição completa, erudita e bem feita de todas as categorias de fenômenos metapsíquicos. Pode-se mesmo dizer que o trabalho não só atinge o fim que o inspirou, senão que constitui também alguma coisa mais do que uma simples “Introdução ao estudo da metapsíquica”.

A sua utilidade torna-se indiscutível, mesmo para os competentes no assunto, que não teriam facilidade de encontrar disposto, com tanta clareza e êxito, o imponente cabedal da fenomenologia examinada.

Quanto à propaganda fecunda que um tratado como esse pode exercer nos meios científicos, não lamentarei, sequer, o antiespiritismo superlativamente sofístico do autor, sem o qual a obra perderia, nesse sentido, toda a eficiência naqueles meios ainda dominados pelos preconceitos materialistas.

Sob o ponto de vista pessoal meu – que diametralmente diverge daquele em que se coloca Sudre –, é natural, entretanto, me disponha a analisar, discutir e refutar, uma por uma, as principais opiniões e hipóteses antiespíritas, emitidas pelo autor, mormente por me parecer estar ele bem enfronhado no assunto e ser um pensador de talento indiscutível. É, sem dúvida alguma, um valente contendor, com o qual a discussão de grande proveito será, pois se apresenta na arena terçando as armas mais formidáveis dentre as que são usadas no campo em que milita.

Ernesto Bozzano

I
Magnetismo animal e fenômenos espíritas

Isto posto, começo, sem preâmbulos, a minha análise crítica, assinalando, desde logo, uma afirmação de natureza histórica feita pelo autor a respeito dos antigos magnetizadores e que é inexata. Diz ele:

“Deleuze e todos os magnetizadores não acreditavam, pois, houvesse comunicação entre os seus sonâmbulos e os seres invisíveis. Não contestavam a realidade das aparições espontâneas, mas as consideravam, de conformidade com a opinião religiosa, como excepcionais, e não criam num comércio possível entre os visos e os mortos. Ora, essa descrença geral se transmite aos seus pacientes, que apresentaram todos os fenômenos metapsíquicos completamente desprovidos do caráter espírita.” (pág. 342.)

O grifo do último período é do próprio autor e bem mostra o interesse teórico que ele liga à circunstância assinalada. Ora, historicamente, essa circunstância é inexata, ou, melhor ainda, diametralmente contrária ao que supõe Sudre. Se consultarmos os tratados de magnetismo animal, verificaremos, com efeito, provas evidentes das prevenções que, a tal respeito, dominavam os magnetizadores, prevenções que encontram motivo principal no temor que o conhecimento de tais manifestações fizesse surgir novos obstáculos à tarefa, que lhes cabia, de ao demais convencer das curas maravilhosas, conseguidas pelas práticas magnéticas. Mas não é menos verdade que, não obstante tais prevenções, as manifestações de entidades de defuntos se davam repetidamente, pela intervenção sonambúlica. O próprio Deleuze, na sua correspondência com o Dr. Billot, o reconhece e nos seguintes termos:

“Não vejo razão para negar a possibilidade da aparição de pessoas que, tendo deixado esta vida, se ocupam daqueles que aqui amaram e a eles se venham manifestar, para lhes transmitir salutares conselhos. Acabo de ter disto um exemplo, ei-lo...”

E Deleuze expõe o caso de uma sonâmbula, cujo finado pai a ela se manifestou, por duas vezes, a fim de aconselhá-la sobre o esposo que devia escolher; esses conselhos envolviam a realização remota de um fato que se veio a realizar, precisamente, na época indicada. (G. Billot, Correspondence sur le Magnétisme Animal, t. III.)

O Dr. Billot responde a Deleuze, relatando um fato maravilhoso, com ele próprio ocorrido: o do “transporte” de uma planta medicinal, que veio cair sobre os joelhos da sua sonâmbula, pela intervenção de uma “mocinha” que, repetidas vezes, se manifestava por intermédio da mesma sonâmbula.

Lembro, além disso, o fato do Barão Du Potet – que, pelo Journal du Magnétisme, provocava constantes polêmicas com aqueles dos seus confrades que ousavam publicar qualquer episódio, sobre a manifestação de pessoas falecidas – haver confessado suas íntimas convicções nesse sentido, quando, em carta particular a Alphonse Cahagnet, e por este último inserta na sua obra, assim se exprimiu: “Tratais, com uma antecipação de vinte anos, destas questões; a Humanidade não está ainda preparada para compreendê-las.”

Claro se torna o fim oculto da sua pretendida incredulidade; temia que, não estando os homens de ciência absolutamente dispostos a tomar a sério as manifestações dos mortos, pela intervenção sonambúlica, viesse a divulgação dessas manifestações criar grave obstáculo à tarefa, já de si tão difícil, de convencer o mundo científico das propriedades terapêuticas do “magnetismo animal”.

Acrescentarei que o Barão Du Potet, quando do seu encontro, anos mais tarde, em Londres, com o Rev. William Stainton Moses, ao mesmo confiou, sem reservas, suas convicções espíritas, nascidas de fatos por ele próprio verificados, sem qualquer provocação de sua parte.

Nessa mesma ocasião, aconteceu-lhe ter, juntamente com Stainton Moses, a visão de um homem, que se havia suicidado algumas horas antes, atirando-se sob as rodas de um locomóvel.

Lembrarei, ainda, que o magnetizador Alphonse Cahagnet obteve, com a sonâmbula clarividente Adéle Maginot, longa série de verdadeiros episódios de identificação de pessoas mortas, sendo para notar que essas manifestações se revestiram de tal importância, que Frank Podmore resolveu sobre elas fazer um longo estudo, que fez transcrever no Proceedings of the Society for Psychical Research.

Lembrarei, mais, que o Dr. Charpignon, no seu livro Psysiologie, Médecine et Métaphysique du Magnétisme, à página 120, escreve :

“A doente se acha – quero dizer, parece achar-se – em comunicação com uma entidade que ninguém vê, ninguém ouve, ninguém toca e que, no entanto, somos quase levados a crer que fala e responde. O primeiro desses fatos é extraordinário, o segundo, atordoante!”

E à página 363:

“O primeiro paciente magnético que observamos nunca respondia a qualquer das nossas perguntas sem primeiro dizer: “Vou consultar o outro.” Perguntamos quem era esse outro e foi-nos respondido: “É o Espírito encarregado de me guiar, de me esclarecer.” E de fato esse paciente adquiria, em estado de sonambulismo, faculdades e conhecimentos que lhe eram inteiramente estranhos, quando em estado normal, e que não podiam provir senão de uma entidade superior.”

O Dr. Ricard, no seu Traité du Magnétisme Animal, pág. 275, diz:

“A sonâmbula que primeiro me ofereceu alguma coisa digna de nota, nesse gênero, foi Adéle Lefrey. Atingira ela o termo de sua cura, quando, por entre novas indicações terapêuticas, me disse, em tom de chamar atenção:

– Ouvis bem, que ele me ordena.

– Mas quem? – perguntei-lhe. – Quem ordena?

– Ele, não o ouvis?

– Não, nada ouço, nem vejo.

– Também é natural – retrucou – dormis; quem está acordada sou eu...”

E à página 282, o Dr. Ricard pergunta à sonâmbula:

“– Recordai-vos do que ontem me dissestes?

– Sim.

– Mas quem é essa personagem misteriosa?

– É o meu anjo da guarda... Vede, ele conversa agora com o vosso.

– Com o meu! porventura o meu anjo está assim de vós tão perto?

– Sim, mas ele vos está ainda mais próximo e, apesar de não o verdes, esclarecido sois pelos seus conselhos.”

Lembrarei, enfim, que em La Revue Spirite, número de outubro, 1925, expus o interessante caso do Dr. Larkin que, tendo levado ao estado de sonambulismo uma jovem campônia, com o fim de alcançar esclarecimentos sobre o diagnóstico de doentes seus, obteve longa série de manifestações de entidades de mortos que, em sua maioria, lhe eram desconhecidos. Delas colheu o Dr. Larkin elementos para ulteriores investigações que, revestidas do maior rigor, lhe trouxeram demonstrações irrefutáveis da autenticidade das personalidades que por essa forma se manifestam. Acabou por se convencer de que a sua sonâmbula recebia comunicações do mundo espiritual.

Não iremos além. Os exemplos apresentados bastam para destruir a primeira afirmativa do nosso autor, segundo a qual, não acreditando os antigos magnetizadores em “um comércio possível entre os vivos e os mortos, essa descrença se transmitiu aos seus pacientes, que apresentaram todos os fenômenos metapsíquicos completamente desprovidos do caráter espírita”.

Dado nos foi ver, ao contrário, que não obstante as prevenções dos magnetizadores, os sonâmbulos da primeira metade do século passado viam os Espíritos dos mortos, com eles conversavam e disso produziam provas. Assim, pois, as conclusões pelo autor tiradas da inexata afirmação feita caem irremissivelmente.

Ora, essas conclusões eram de grande importância, pois delas se podia depreender que, se os primeiros experimentadores do medianimismo moderno não houvessem acreditado nos “Espíritos”, os médiuns, como outrora os sonâmbulos, com os Espíritos nunca se teriam comunicado. Mas o que acabo de mostrar leva-nos, antes, a concluir que os médiuns, apesar de tudo, se comunicam com os “Espíritos”, como já os sonâmbulos da primeira parte do século findo o haviam feito, mau grado as prevenções dos magnetizadores. E se é verdade, como, de fato, é incontestável, que a circunstância assinalada por Sudre tivesse fundamento, viria admiravelmente confirmar o seu ponto de vista, sendo ela de natureza precisamente contrária à que ele lhe empresta, a conclusão se impõe no sentido exatamente oposto àquele a que havia chegado. Precisando mais: a circunstância por Sudre assinalada, ao invés de demonstrar que as personalidades medianímicas não passam do produto de uma sugestão combinada com a clarividência do médium (prosopopese-metagnomia), vem justamente provar que os antigos sonâmbulos se comunicavam com os mortos, apesar das prevenções, completamente contrárias, dos seus magnetizadores, o que constitui prova admirável em favor da existência dessas personalidades como seres estranhos aos sonâmbulos, assim como da realidade análoga daqueles que, nos dias presentes, se manifestam através dos médiuns.


II
A propósito da mediunidade da Sra. Piper

Passando às experiências feitas com a Sra. Piper, o nosso autor de muito reduz a sua tarefa. Recorre ao sistema de citar tudo o que foi obtido de menos probante e mesmo de negativo com esta médium, principalmente no transcorrer de certos períodos da sua longa carreira profissional, em que nela se verificava uma decadência medianímica, transitória é verdade, mas pronunciada. Nesses momentos, ela não mantinha o seu papel de médium, na verdadeira acepção do termo; tornava-se antes um paciente sonambúlico, sugestionado em determinada direção ou podendo sê-lo à vontade dos experimentadores, mormente quando estes eram pretensos homens de ciência, mas de tal modo incapazes que, longe de se conservarem passivos, a fim de não provocarem interferências desta natureza, intencionalmente sugestionavam a médium em transe, por meio de insidiosas interrogações. Obtinham, destarte, justamente o que procuravam, como teriam conseguido com qualquer paciente hipnótico. E esse sistema é tanto mais extravagante, quanto ninguém põe em dúvida a possibilidade de, através de sugestões apropriadas, conseguir-se perturbar e mesmo suprimir as delicadas condições medianímicas, sempre oscilantes, num estado instável de equilíbrio, e transformá-las nas do sonambulismo propriamente dito. Daí a possibilidade de se poder provocar, à vontade, o fenômeno hipnótico da “objetivação dos tipos”. Ora, de uma feita, aconteceu que a Sra. Piper, insidiosamente sugestionada no sentido da “objetivação de um tipo”, o personificou, como fazem os pacientes hipnóticos, enquanto pretenso “Espírito Guia” da médium parecia levar a sério a personificação sugerida; compreende-se, entretanto, que o pretenso “Guia” não era mais do que a personificação subconsciente que, por um efeito auto-sugestivo, havia tomado o nome de um “Espírito Guia” autêntico. Como de prever em tais circunstâncias, nenhuma prova de conhecimentos supranormais de outra natureza foi obtida. Deveria o fato bastar ao experimentador para que ele compreendesse a diferença existente entre um caso de “objetivação de um tipo” e a manifestação de uma personalidade autêntica espírita. Mas o pseudo-sábio não estava à altura para poder discernir; pelo contrário, serviu-se triunfante da sua “admirável” descoberta, para os fins que tinha em vista. E esta se reduzia, evidentemente, a uma verdade elementar, dado ninguém jamais haver contestado que, em determinadas circunstâncias, um médium em transe possa ser transformado em paciente sonambúlico. Se nos quisermos lembrar que o professor Hyslop demonstrou, em polêmica memorável, como esses fatos devem ser interpretados, chegando a conclusões decisivas, veremos que existe, de sobra, motivo para desânimo ao constatar que, ainda hoje, haja quem persevere em ressuscitar essas experiências tolas e deploráveis, como se Hyslop não as houvesse, para sempre, marcado com o ferrete da inanidade.

Enfim, por mais que desta última observação ressalte o esforço ingente de tentar fazer-se ouvir por aqueles que fecham propositadamente os ouvidos, eu venho aqui demonstrar, firmando-me nos fatos, que série inumerável de casos de identificação de Espíritos de mortos foi conseguida com a medianimidade da Sra. Piper. Esses casos permanecem, de modo absoluto, inexplicáveis pela teoria da “prosopopese-metagnomia”, teoria que longe está de ser nova, pois sob a capa de todos esses neologismos se encontram apenas as antigas hipóteses das “personificações sonambúlicas” e da “clarividência telepática”. A hipótese mesmo da “criptestesia” aí a descobriremos. Empreendendo a tarefa que aqui me incumbe, devo lembrar a máxima, cientificamente sem possibilidade de apelo, de Sir William Crookes, segundo a qual “o valor teórico de cem experiências negativas fica literalmente anulado por uma só experiência positiva bem observada”.

*

Vou começar por um exemplo que Sudre transcreve no seu livro, embora o faça de modo abreviado, a ponto de lhe tirar todo o valor teórico:

“George Pelham, incorporado na Sra. Piper, reconhece os seus amigos, dentre as pessoas que lhe são apresentadas, e lhes dirige palavras, como teria feito quando vivo. É verdade que a prova fracassa quando chega a vez da Srta. Warner, que conhecera menina, mas os esforços que faz para se recordar o lançam sobre a pista de novas provas de identidade.”

O episódio acima parece relatado com fidelidade, mas se tivermos em conta o ponto de vista antiespírita do autor, veremos que foi resumido com “grande habilidade”. Como está, aqueles que desconhecem o texto não podem imaginar que o incidente negativo, ocorrido com a Srta. Warner, contém a prova positiva de que as hipóteses combinadas da “prosopopese-metagnomia” são impotentes para explicar o caso da identificação de George Pelham.

Vamos, por isso, reproduzir o incidente em apreço, relatando integralmente a parte que se prende ao caso.

Como se sabe, à personalidade medianímica de George Pelham foram apresentados, cada um de per si, trinta dos seus antigos amigos, que foram imediatamente por ela reconhecidos, sem que uma só pessoa haja sido com eles confundida. E não só Pelham chamou cada um desses pelos próprios nomes, mas ainda a todos dirigiu a palavra, em tons diferentes, como fazia em vida. (Nós não falamos, aqui na Terra, do mesmo modo com todos os nossos amigos; o caráter da nossa conversa varia de acordo com a categoria das pessoas, com a sua idade, com a intimidade que com elas temos e com a estima ou afeição que a cada uma nos prende.)

Chega, enfim, a vez da Srta. Warner, moça que Pelham conhecera pequenina, quando contava apenas 8 anos. Pelham não a reconheceu, perguntando ao Dr. Hodgson quem podia ela ser. Hodgson respondeu que a mãe da moça era amiga da Sra. Howard, que Pelham havia, com alguma familiaridade, conhecido. Reproduzo o diálogo que, em seguida, se travou entre Pelham e a Srta. Warner:

G. P. – Não creio ter-vos conhecido muito.

Srta. W. – Muito pouco, com efeito; vínheis algumas vezes visitar mamãe.

G. P. – Devo, portanto, também ter-vos visto.

Srta. W. – Sim, algumas vezes. Vínheis acompanhado do Sr. Rogers.

G. P. – Interessante! Noutro dia, quando pela primeira vez vos notei a presença, pensei, não sei porque, em Rogers.

Srta. W. – Compreendo, mas não falastes.

G. P. – Não obstante isto, não chego a reconhecer-vos e desejava muito reconhecer todos os meus amigos, o que consegui até agora... Talvez me ache já muito afastado da esfera terrestre. Em suma, não me posso recordar da vossa fisionomia... Deveis estar muito mudada, não é?

Nesse momento interveio o Dr. Hodgson: – “Vejamos, não te lembras, por acaso, da Sra. Warner?”

A mão da médium traduziu uma forte excitação:

G. P. – Sim, sim, de fato dela me lembro; porventura será a sua filhinha?

Srta. W. – Sim, sou eu mesma.

G. P. – Meu Deus, como crescestes!... Oh, eu conheci muito vossa mãe.

Srta. W. – Realmente, ela apreciava muito vossa conversa.

G. P. – Tínhamos as mesmas aspirações.

Srta. W. – Como escritores?

G. P. – Sim, precisamente. Mas então conhecestes o Sr. Marte?

Srta. W. – Encontrei-me, de fato, algumas vezes com ele.

G. P. – Vossa mãe compreenderá o motivo por que a ele me refiro. Perguntai-lhe se ainda se lembra do livro que lhe emprestei.

Srta. W. – Perguntar-lhe-ei, podeis estar certo.

G. P. – Perguntai-lhe ainda se ela se recorda das nossas longas palestras, à noite, em sua casa.

Srta. W. – Não sei se delas se lembra, mas perguntarei.

G. P. – Quisera ter-vos melhor reconhecido; não podeis imaginar como é agradável volver ao passado em companhia dos amigos da Terra!

Srta. W. – Eu era ainda muito criança e não seria de esperar-se que melhor me houvésseis reconhecido.”

Tal foi o interessante episódio do não reconhecimento, por parte de George Pelham, de uma pessoa que conhecera, quando vivo. O Dr. Hodgson faz a seguinte observação:

“Esta sessão, cumpre não esquecer, realizou-se cinco anos depois da morte de Pelham, e este, ao morrer, havia já três ou quatro não via a Srta. Warner. Além disso, convém repetir que a Srta. Warner era apenas uma menina quando, pela última vez, a vira Pelham, de quem não podia, portanto, ser o que se chama um amigo particular, devendo ao mesmo tempo ter sensivelmente mudado depois dos 8 anos. Esse interessante episódio, de não reconhecimento por parte de George Pelham, torna-se portanto inteiramente natural. O fato, porém, de estar eu perfeitamente informado do nome e do prenome da Srta. Warner e de sabê-la conhecida de Pelham, dá, ao do não reconhecimento, valor do melhor argumento possível, em favor da tese da existência independente de George Pelham, visto contrapor-se à hipótese de uma personalidade secundária, dependente, para suas informações, da consciência e da subconsciência de pessoas vivas.”

A ninguém escapará que as considerações do Dr. Hodgson encerram, implicitamente, a refutação da hipótese da “prosopopese-metagnomia”, hipótese que é apenas a reprodução, sob denominação nova, das antigas hipóteses a que Hodgson se refere na sua crítica. Repito, portanto, que, se se tratasse de uma “personificação subconsciente”, assistida pelas faculdades clarividentes da médium, a personalidade de que se trata poderia ter colhido das subconsciências dos assistentes as informações necessárias para uma mistificação, ou, por outra, deveria ter reconhecido imediatamente, na moça que tinha diante de si, a meninazinha que Pelham havia conhecido, quando vivo. Por que não o conseguiu, quando possível lhe foi fazê-lo em relação a todos os demais amigos? Que conseqüências teóricas daí se devem tirar? Se fosse o caso de uma “personificação subconsciente”, esta, em tais circunstâncias, deveria reconhecer a Srta. Warner, sem hesitar. Se, pelo contrário, se tratasse da presença real do Espírito de George Pelham, este não a deveria reconhecer, dado que ele só a havia visto algumas vezes na primeira infância, sendo ela agora uma mulher. Em outros termos: no caso da interpretação espírita dos fatos, observa-se uma concordância admirável entre o que se devia passar e o que, de fato, se passou; enquanto que na hipótese oposta se verifica uma discordância desastrosa, que se manifesta justo no momento crítico da “corroboração” experimental da hipótese em apreço. Somos, portanto, obrigados a optar pela hipótese que explica realmente os fatos e que não pode ser senão a espírita, pois outra não existe, nem pode existir, capaz de explicar casos análogos. Ora, os casos dessa natureza se contam por centenas nas experiências com a Sra. Piper.

Ainda assim, como a fertilidade sofística dos nossos antagonistas não conhece limites, não deixaria de ser útil precatar-nos, desde já, imaginando as objeções de que poderiam lançar mão. E não descubro mais que duas.

Vejamos a primeira. Poderiam objetar que as investigações metapsíquicas têm demonstrado que o médium ou o sensitivo não percebe senão como grande dificuldade uma coisa pensada, em dado momento, pelo consultante, enquanto que facilmente a apreende desde que este dela tire o sentido; quer isto dizer que os sensitivos lêem, em geral, facilmente no subconsciente dos indivíduos e só com grandes dificuldades na sua mentalidade consciente. Poder-se-ia, pois, presumir que, no caso ora examinado, a personalidade sonambúlica não tivesse apreendido as informações pedidas, pelo fato de nelas estar pensando o consultante. A esta objeção especiosa respondo que, se assim fosse, não haveria como explicar os trinta casos dos amigos, precedentemente reconhecidos, não obstante ter cada um deles em mente seus próprios nomes, prenomes, parentela e qualidades, exatamente como se dava com a Srta. Warner e com o Dr. Hodgson. A objeção assim formulada não se mantém de pé; tem contra si os fatos, que a deitam por terra.

Abordando a segunda das duas objeções presumíveis, percebo bem que poderiam lembrar que, se a “metagnomia” existe, ninguém afirma deva ela exercer-se permanentemente, donde a possibilidade de não haver ela funcionado no caso em litígio. Que seja. Admitamo-lo, embora aquele diálogo medianímico contenha coisas outras, que merecem esclarecidas, além do detalhe que nos prende; mas admitamo-lo, por um instante, ao menos para vermos surgir, formidável, a outra ponta do dilema. De fato, se para o caso que agora nos interessa a metagnomia não funcionava, qual a origem dos detalhes verídicos dados, de conta própria, pelo comunicante? Não; não há fugir: ou admitimos que a metagnomia funcionou e então prova decisiva nos é dada da sua impotência para explicar os casos de identificação espírita, análogos ao citado, ou sustentamos que a metagnomia não funcionou e evidente se torna que as provas de identificação pessoal, fornecidas pelo comunicante, provinham do Espírito do morto que, ali, se declarava presente. Para este dilema outra solução não existe.

Tendo, de modo completo e decisivo, elucidado este primeiro caso contrário à tese “prosopopese-metagnomia” e a todas as outras hipóteses naturalistas forjadas até hoje para explicar os casos de identificação espírita, venho trazer outros exemplos do mesmo gênero, tirados todos das experiências feitas com a Sra. Piper, limitando-me a fazê-los acompanhar apenas de certos esclarecimentos, por isso que a todos se adaptam os comentários de ordem geral, que acabo de fazer.

No caso que se segue, a circunstância inconciliável com a hipótese da “prosopopese-metagnomia” consiste em que a personalidade comunicante se equivoca sobre a significação de uma pergunta a ela feita pelo experimentador e responde, citando fatos que, embora exatos e apropriados, não correspondem à pergunta; entretanto, retifica o erro, logo que o percebe.

No correr de uma sessão, a que assistia o professor James Hyslop, manifestou-se uma entidade que dizia ser Carruthers, tio do professor. Pergunta-lhe este:

“– Poderás algo dizer-me sobre um passeio de carro que ambos fizemos, pouco tempo depois da morte de meu pai?

– Lembras-te, James, da epígrafe colocada...

– Colocada... onde?

– Sobre o túmulo.

– Sim, meu tio, mas sobre que túmulo?

– Sobre o túmulo de teu pai.

– Sim, lembro-me perfeitamente.

– É a esse passeio de carro que te queres referir?

– Não.

– Aludes, então, à visita que juntos fizemos a Nannie?

– Também não. Dize-nos o que se passou conosco durante um passeio.

– Ah! Julgava que aludias ao dia em que colocamos a epígrafe sobre o túmulo... mas vejo que estamos pensando em duas coisas diferentes... Deixa-me refletir. Queres falar da tarde de um domingo...

– Sim, meu tio, é isso mesmo.

– Recordo-me agora; e tu... lembras-te do acidente...

(Esta palavra está em lugar de ruptura; assim explicou o “Espírito-guia” Rector, que, como se sabe, prestava-me a servir de intermediário, com o fim de facilitar as comunicações.)

– Ruptura está muito bem; continua.

– Espera um pouco, James, eu disse que tinha havido uma ruptura e eu a liguei com a... Tomei a faca e fiz um furo, depois, como nos foi possível, consertamos as rédeas com um barbante...

(Aqui Rector intervém novamente, dizendo: “Ele experimenta tão grande emoção que eu não consigo apanhar-lhe todas as palavras.”) E logo depois a entidade Carruthers recomeçou a expor, em frases entrecortadas, mas de modo claro e minucioso, o incidente em todos os seus detalhes.”

O Prof. Hyslop comenta:

“O incidente do nosso passeio ao cemitério, para ver o epitáfio que havia mandado colocar no túmulo de meu pai, é verdadeiro e verificou-se um ano depois da morte deste. Mas eu o tinha completamente esquecido e dele só me lembrei depois que o Espírito de meu tio a ele se referiu. É claro, pois, que absolutamente eu não pensava nele, quando fiz a pergunta. Uma circunstância interessante do diálogo está no fato de a entidade perceber em determinado momento que nós estávamos pensando em duas coisas diferentes e de assinalá-lo imediatamente...” (American Proceedings, vol. IV, págs. 536-537.)

Trata-se, é certo, de um detalhe teoricamente importante, na sua espontaneidade sugestiva. Dá ele impressão do fragmento de uma conversa entre duas pessoas vivas, que se não houvessem, desde logo, bem compreendido. Esses incidentes parecem de pouca monta, mas sob o ponto de vista teórico têm alta significação em favor da existência real de duas mentalidades independentes, enquanto que se não poderiam de modo algum enquadrar dentro da hipótese da “prosopopese-metagnomia”. Acresce que eles correspondem exatamente aos incidentes não menos insignificantes que, nos tribunais de justiça humana, servem para esclarecer os juízes e o fazem a ponto de determinar a condenação ou a absolvição do réu.

Neste outro episódio análogo, a personalidade medianímica, dizendo-se o Dr. Hodgson, engana-se sobre o sentido de uma pergunta que lhe é feita pela Sra. William James, esposa do célebre psicólogo.

A Sra. James nunca havia estado em casa do Dr. Hodgson, enquanto ele vivo, e apenas uma vez, depois dele morto. Pensando nessa visita, perguntou-lhe ela:

“– Podeis dizer-me quando estive em vossa casa?

– Vós, em minha casa! Para tomar chá?

– Não.

– Para consultar documentos, talvez?

– Também não.

– Quem sabe, então, se depois de minha morte?

– Sim, para buscar objetos que vos tinham pertencido...

– Muito bem; eis uma boa prova. Lodge e Piddington ligam grande importância aos incidentes em que me não posso lembrar das coisas que não aconteceram...” (Proceedings, vol. XXII, pág. 103.)

Esta última reflexão do Dr. Hodgson constitui um traço bem característico do experimentado psiquista, quando vivo. Com efeito, sob o ponto de vista teórico, deve-se ligar importância máxima aos casos em que a entidade comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas, declarando não se lembrar, sempre que tal acontece. E quando se trata, como no caso supra, de um falso indício, que tende insinuar idéia de incidentes pessoais precisos, esquecidos pelo comunicante, mas que, na realidade, nunca aconteceram, a coisa reveste-se ainda de maior importância, diante da sugestão, nesses casos, forte bastante para ser acolhida até mesmo por pessoas vivas e normais. O fato, em tal circunstância, de não se lembrar de coisas que não se deram, demonstra a presença de uma individualidade independente que, naturalmente, não deve ser outra senão a do defunto, que se diz presente.

Há ainda a observar a natural espontaneidade do diálogo. Já pela exclamação primeira: “Vós, em minha casa!”, Hodgson mostra claramente não se recordar que a Sra. James tenha ido vê-lo; já porque, não confiando demasiadamente na sua memória de Espírito comunicante, ele continua a questionar com certa perplexidade, como o teria feito, com a maior simplicidade, qualquer mortal. Sob o nosso ponto de vista, é evidente que, se se tratasse de “prosopopese-metagnomia”, a personalidade, neste caso mistificadora, teria imediatamente discernido a intenção da Sra. James, ao invés de procurar alcançá-la por meio do critério eliminatório.

*

Seguem-se dois incidentes análogos e interessantes que, pela preocupação de ser breve, exporei, aproveitando-me do excelente resumo feito por M. Sage, no trabalho por ele consagrado às experiências da Sra. Piper:

“Quando vivia no Estado de Ohio, o Sr. Robert Hyslop, pai do Prof. Hyslop, tinha por vizinho um certo Samuel Cooper. Os cães deste último mataram, certo dia, alguns carneiros de Robert Hyslop, o que provocou, entre ambos, uma desavença, que durou anos. Numa sessão, onde se manifestava uma entidade que dizia ser a de Robert Hyslop, o Dr. Hodgson, que substituía o Prof. Hyslop, fez àquele uma pergunta, que este último lhe havia enviado por escrito, pretendendo, por ela, chamar a atenção do pai sobre os incidentes da sua vida no Ohio. A pergunta era assim concebida: “Lembras-te de Samuel Cooper e a respeito poderias dizer-nos alguma coisa?” O comunicante respondeu: “James quer referir-se ao velho amigo que eu tive no Oeste. Recordo-me perfeitamente das visitas que mutuamente nos fazíamos, e das longas palestras em que nos entretínhamos sobre assuntos filosóficos.” Em outra sessão, onde o Dr. Hodgson ainda estava só, ele voltou ao assunto: “Eu tive um amigo chamado Cooper, cujo espírito apresentava uma feição muito filosófica; nutria por ele um grande respeito. Tivemos ensejo de muitas vezes, como amigos, discutir; trocamos mesmo muitas cartas, algumas das quais guardei, que talvez possam ser ainda encontradas.” Em outro dia, estando então presente o Prof. Hyslop, o comunicante disse ainda: “Procurei lembrar-me da escola de Cooper.” E no dia imediato, mais uma vez tornou: “Tu me perguntaste, James, o que eu sabia de Cooper: pensaste, por acaso, que ele tivesse deixado de ser meu amigo? Havia guardado algumas das suas cartas, que julgava estivessem contigo.”

Em tudo isso o Prof. Hyslop não achava sinal qualquer de Samuel Cooper. Não sabia mesmo que pensar a respeito, quando, por uma pergunta direta, procurou conduzir o pai ao assunto que ele tinha em mente:

– Queria saber – disse ele – se te lembras dos cães que mataram os nossos carneiros.

– Oh, lembro-me perfeitamente, mas me havia esquecido. Foi a causa da desavença entre Samuel Cooper e eu. Mas eu não pensei nele, desde logo, porque não era dos meus parentes nem dos meus amigos. Se eu tivesse compreendido que era dele que querias falar, teria feito um esforço para me recordar. Ele está aqui, mas eu o distingo apenas vagamente.

Este episódio é interessante. Tudo o que Robert Hyslop havia dito até então relativamente a Cooper, nada se referia a Samuel, mas a um velho amigo seu, o Dr. Joseph Cooper. Robert Hyslop havia tido efetivamente com ele numerosas discussões filosóficas e comumente se correspondiam. O Prof. Hyslop talvez tivesse ouvido pronunciar o nome desse homem, mas ignorava completamente houvesse sido íntimo do seu pai. Foi sua madrasta que lhe forneceu tais pormenores no decorrer das investigações que fez, junto aos seus, com o fim de esclarecer os incidentes das sessões, para ele obscuros. Nota-se que, como nós, os desencarnados são passíveis de se enganarem.

Vou passar, agora, ao incidente certamente mais dramático do caso. O Prof. Hyslop, lembrando-se que seu pai dava o nome de “catarro” à sua última moléstia, enquanto que ele, James Hyslop, pensava tratar-se de um câncer da laringe, fez-lhe calculadamente uma pergunta para trazer à baila a palavra “catarro”. Para isso, serviu-se de um termo de que não temos o equivalente, tendo, ao mesmo tempo, dois sentidos, o que impede traduzir a pergunta ao pé da letra. Efetivamente a palavra trouble tanto pode significar aflição física como mal entendido. Deu isso lugar a um curioso equívoco da parte do comunicante, equívoco que a hipótese da telepatia dificilmente poderá explicar. Este, denotando grande espanto, disse:

– Eu não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, qualquer mal-entendido; se me não falha a memória, tivemos sempre um pelo outro viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Dize a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido, certamente, com outra pessoa.

– Compreendeste mal, meu pai; quero referir-me à moléstia.

– Ah! então bem, isso sim; eu sofria do estômago.

– Não sofrias, por acaso, de outra coisa?

– Sim, do estômago, do fígado e da cabeça. Tinha grande dificuldade de respirar; meu coração, James, meu coração me fazia sofrer bastante. Não te recordas com que dificuldade eu respirava? Creio, mesmo, que era o meu coração o que mais me fazia sofrer; o coração e os pulmões. Tinha a impressão de que alguma coisa me constringia o peito e me sufocava. mas, por fim... adormeci.

Um pouco depois acrescentou:

– Sabes que a última coisa de que me lembro foi de te ouvir falar: Foste o último a falar. Recordo-me perfeitamente de haver visto o teu rosto, mas estava já demasiado fraco para poder dizer alguma coisa.

Este diálogo desconcertou o Prof. Hyslop, que viu baldados todos os esforços no sentido de obter do pai o nome da moléstia, que este julgava ter nos últimos tempos de vida. Só um pouco mais tarde, ao redigir a ata da sessão, foi que notou haver o pai descrito, em termos muito seus, suas últimas horas de vida. O médico havia constatado uma dor no estômago, às 7 horas da manhã; às 9:30 o bater do coração tornou-se menos sensível; pouco depois, a dificuldade de respirar era enorme e o moribundo expirava. Cerrando-lhe os olhos, o filho, James Hyslop, disse: “Tudo está acabado”. Foi o último a falar. Este incidente parece indicar que a consciência nos moribundos dura muito mais tempo do que, em geral, se pensa.” (M. Sage – Mme. Piper, etc., págs. 201-295.)

É para notar que, neste último caso, além dos episódios onde o comunicante se engana na interpretação das perguntas que lhe são feitas, respondendo de acordo – atitude inexplicável pela hipótese da “prosopopese-metagnomia” –, um se apresenta, análogo ao precedentemente citado, em que o comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas; levado por estas a supor que se não pode lembrar dos acontecimentos importantes de sua vida, sente-se tão senhor de si mesmo, que recusa admitir esse esquecimento. Com efeito, o comunicante Robert Hyslop, tendo-se equivocado sobre a significação de uma palavra e crendo que seu filho fizesse alusão a um mal-entendido ocorrido entre ambos, diz com verdadeira surpresa: “Não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, o menor mal-entendido. Se me não falha a memória, sempre tivemos, um pelo outro, a mais viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Dize a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido certamente com outra pessoa.” A espontaneidade eloqüente dessa linguagem a ninguém deixará de impressionar, assim como a importância teórica de episódios semelhantes, somente explicáveis com o auxílio da hipótese espírita.

Neste outro exemplo, de que nos vamos ocupar, a inaplicabilidade da hipótese da “prosopopese-metagnomia” ressalta do fato de a personalidade do comunicante chegar às últimas particularidades de que se lembra, sobre o leito de morte, e que coincidem com alguns dos seus movimentos, indicando a própria consciência, sem invadir o campo das recordações complementares, presentes no pensamento do interlocutor, recordações efetivamente pouco conciliáveis com as condições comatosas em que se achava o moribundo.

Em uma sessão muito interessante, onde a entidade comunicante era a finada esposa do professor Hyslop, ela disse, dirigindo-se ao marido:

“Lembras-te da noite que precedeu a minha morte? Estavas assentado comigo, ou antes, perto de mim; mas, a não ser disso, de bem pouco mais me recordo.

– Lembro-me perfeitamente, Maria.

– E tu tomaste a minha mão; não foi?

– Sim, exatamente.

– E eu me recordo, ao contrário, de muito pouca coisa.

(Não tendo sido esta última frase enunciada claramente, Rector explica que ela queria dizer que se lembrava muito pouco do incidente e que ele se devia melhor recordar.)”

O Prof. Hyslop comenta:

“Minha mulher piorara na manhã de sexta-feira. Havia passado ao estado de inconsciência (dentro do que era possível presumir) na noite de quarta-feira, às 11 horas, e assim permaneceu, ao menos aparentemente, até à morte. Na tarde de quinta-feira, se não me engano (o que não é provável, por haver de tudo tomado nota logo após o falecimento), achando-me à sua cabeceira, tomei-lhe a mão e fiquei surpreendido de constatar que, se eu fazia determinado sinal, ela demonstrava dele ter consciência, de modo evidente... Para não diminuir o valor de ulteriores alusões, da parte dela, e ainda possíveis, sobre esse incidente, abstenho-me de dizer como me conduzi nessa ocasião. Basta se saiba, por enquanto, que o conteúdo da mensagem é exato, parecendo apenas, como é provável e natural, que ela se lembra de bem pouca coisa além dos pormenores comunicados... Nestas condições, como poderia a telepatia chegar a circunscrever os limites do estado de coma, em que se achava a suposta comunicante, ao ponto de saber distinguir os detalhes conciliáveis com as condições em que se achava, daqueles que só por mim podiam ter sido apreendidos? Por que não fornecer os outros pormenores complementares? Por que parar tão oportunamente?” (American Proceedings of the S.P.R.; vol. IV, pág. 545.)

De fato, se pensarmos que os detalhes complementares estavam presentes no espírito do consultante, nem mais nem menos que os outros observados, não poderíamos compreender o mistério de uma seleção tão sábia da parte da... “prosopopese-metagnomia”.

Longa já vai a lista dos exemplos que opus às malfadadas hipóteses aqui combatidas; resumirei, portanto, mais dois apenas.

Nas sessões experimentais da Srta. Macleod, uma irmã desta, de nome Etta, manifestou-se. quando ainda viva e atormentada pelo mal que a devia levar ao túmulo, julgava ela sofrer de uma moléstia do estômago; as demais pessoas da família sabiam, entretanto, tratar-se de uma moléstia do coração. Ora, na mensagem medianímica, ela, entre outras, faz alusão à causa da sua morte, atribuindo-a a uma moléstia do estômago. (Proceedings of the s.P.R., vol. XIII, pág. 351.)

Como conciliar esse gênero de erros com a hipótese da “prosopopese-metagnomia”? A Srta. Macleod conhecia a verdade, os familiares ausentes também a não ignoravam; nem a metagnomia com os presentes nem com os ausentes, bastaria para elucidar o incidente.

Difícil ainda seria harmonizar a “prosopopese-metagnomia” com este outro incidente. No admirável caso de identificação dos gêmeos do casal Thaw, o “Espírito-guia” Phinuit, que afirmava os estar vendo exatamente como se apresentavam em vida, equivocou-se, julgando fosse um menino a menina Ruthy; ora, enquanto eles vivos, toda gente que via a menina Ruthy tomava-a por um menino. (Proceedings, vol. XIII, pág. 384.)

A confissão feita por Phinuit não precisa ser comentada, desde que tomemos ao pé da letra a sua própria afirmação de estar vendo os gêmeos, exatamente como eram em vida; mas nada se explicaria, ao contrário, pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia”, se considerarmos que os pais, presentes, conheciam bem o sexo da filhinha e deveriam, por conseguinte, ter telepaticamente influído sobre Phinuit.

*

Antes de nos despedirmos dos casos que se relacionam com a medianimidade da Sra. Piper, convém abordar um outro fato negativo, sobrevindo nas experiências com essa médium. Sudre a ele liga grande importância, encarando-o como prova decisiva, em apoio da sua tese. Mal se concebe não tenha percebido que, embora negativo, desastroso é ele para as hipóteses da “prosopopese-metagnomia”.

A personalidade medianímica, que afirmava ser o Espírito de Myers, não conseguiu revelar o conteúdo de um invólucro lacrado, pelo eminente psiquista deixado antes de morrer, a fim de poder, depois de morto, provar, medianimicamente, a própria identidade. Daquilo que, sob o ponto de vista espírita, pode ser facilmente explicado, com o auxílio das considerações feitas pelo Prof. Hyslop, relativamente às interferências perturbadoras que se produzem no ato da comunicação, não nos ocuparemos por enquanto. O que urge deixar bem claro é que, depois de diversas tentativas, os diretores da Society for Psychical Research, depositários do invólucro, decidiram abri-lo e tomar conhecimento do seu conteúdo. Se a medianimidade da Sra. Piper consistisse realmente numa forma de metagnomia combinada com a prosopopese, deveria ela ter desalojado o famoso segredo, ao menos de uma das subconsciências que então já o possuíam, e isso com tanto maior razão, quanto os detentores do segredo se achavam habitualmente presentes às sessões realizadas posteriormente. Não obstante, nada foi revelado.

O mesmo se pode dizer do caso do Sr. Blodgett, e este com a circunstância notável de, constatado o insucesso e aberto o invólucro, continuar ele as sessões com o fim deliberado de, ainda que demasiado tarde, obter qualquer manifestação a respeito. Renovaram-se as tentativas também da parte da personalidade comunicante, ou da médium em transe, se preferem, para revelação do conteúdo já conhecido do Sr. Blodgett e do Prof. W. James, mas tudo resultou também inútil.

Como vimos, mesmo nos dois últimos casos com a Sra. Piper, em que as circunstâncias eram em extremo favoráveis, não conseguiu essa médium captar telepaticamente o pensamento consciente ou subconsciente dos assistentes ou dos ausentes. Quer isto dizer que nos casos com a Sra. Piper a hipótese da “prosopopese-metagnomia” foi ainda uma vez confutada pelos fatos, que se encarregaram de demonstrar que os incidentes de identificação pessoal de defuntos, que se produziram por intermédio dessa médium, devem ser considerados como autenticamente espíritas.

Ainda uma observação. Os casos acima, que em sua totalidade representam variadas formas de manifestações inexplicáveis por qualquer uma das hipóteses naturalistas, oferecem-nos ensejo de formular conclusão de ordem geral, mas de excepcional valor teórico a que cheguei, isto é, que a repulsa que se verifica no campo dos metapsiquistas puros pela explicação espírita dos casos de identificação dos mortos deve ser atribuída, principalmente, à circunstância de ali estarem sinceramente convencidos de que o simples fato da existência da metagnomia (ou clarividência ou criptestesia, se mais preferem) torna supérflua a hipótese espírita, por poderem explicar cientificamente todos os casos dessa natureza por meio das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana. Mas absolutamente assim não é. Aquela opinião, fruto de uma análise superficial dos fatos, não passa de um preconceito deplorável, de um erro evidente, que precisa ser combatido com energia, se quisermos que as investigações metapsíquicas enveredem pela senda de uma orientação menos partidária.

Vimos, com efeito, que em todas as circunstâncias análogas às que tive ocasião de citar, de casos de identificação pessoal de mortos, os mesmos não são absolutamente explicáveis pela metagnomia. Vimos, ao mesmo tempo, que nas circunstâncias acima referidas se podem facilmente discernir os casos autenticamente espíritas dos que o não são, ou mais precisamente, dos que não apresentam suficientes garantias nesse sentido.

Longe, portanto, de concordarmos que graças a “prosopopese-metagnomia” se conseguem explicar os casos de identificação de mortos, deveremos concluir que todos os casos de identificação de mortos, com episódios análogos aos que por mim foram aqui citados, devem ser considerados autenticamente espíritas, como experimentalmente têm sido demonstrados.

Aqueles que sustentam o contrário precisam justificar as suas opiniões, refutando, com argumentos, os argumentos por nós até aqui expostos, e também os que se vão seguir.


III
Análise crítica de uma alínea sofística

Lamento sinceramente ter de interromper aqui o exame dos argumentos que o nosso autor, profusamente, espalha em torno das experiências feitas com a Sra. Piper. Dado me fosse continuar esse exame e dele resultaria crítica assaz instrutiva, pois teria de continuar, através dos fatos, a demonstrar que, em sua maioria, os incidentes verificados com esta médium são inexplicáveis pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia”, embora não seja necessário mais do que ficou dito para fazer ruir, nesse primeiro embate, o castelo de sofismas e paralogismos, tão laboriosamente edificado por Sudre. Impus-me, entretanto, o dever de analisar todos os pontos abordados por ele em um livro exageradamente parcial; longo, portanto, é o percurso a cobrir e minguado o espaço para refutar as inexatidões, as afirmações gratuitas, os paralogismos e os sofismas que como serpentes se enroscam uns nos outros, não raro amontoando-se por dezenas em uma só página. A dificuldade maior está na escolha. Eis uma pequena amostra. À página 338, apresenta-nos ele este parágrafo surpreendente:

“Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer, de um lado, que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos e, de outro, que o fenômeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos. Discutem então sobre algumas categorias de fenômenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas, quando não se vêm apoiar audaciosamente no animismo, para provar o Espiritismo, sem o necessário preparo para distinguirem um do outro. Mas os espíritas que o fanatismo não cega desistem de encontrar nos fatos provas cruciais. Sabem que as suas presunções serão aceitas como provas, segundo a concepção que cada um tem “das probabilidades dramáticas da Natureza” (para usar da expressão original de William James). Como Myers, como Geley, eles pedem o ato de fé necessário a um sistema metafísico, fundado em ciências outras, que não a Metafísica, quando não sobre postulados morais. Assim o Espiritismo dito “científico”, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é, de todo, mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

Não existe no trecho acima uma única afirmação que não seja errônea, gratuita, insidiosa ou sofística. Sudre começa dizendo: “Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos.” Ora, os espíritas sempre o reconheceram; foi justamente um espírita, Alexandre Aksakof, que, há quarenta anos, classificou os fenômenos medianímicos em três categorias; fenômenos de Personismo, de Animismo e de Espiritismo, demonstrando que as duas primeiras categorias provinham das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana, sem qualquer intervenção de Espíritos de mortos.

Com que direito, pois, dizer que os espíritas foram “hoje” compelidos a reconhecer esse fato?

Continua Sudre afirmando que (sempre “hoje”) os espíritas foram obrigados a concordar que o “fenômeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos”. Abstração feita do “sempre”, que é aí demasiado, posso afirmar que os espíritas, pelo contrário, reconheceram o fato desde a alvorada do movimento espírita. Eis, por exemplo, como se exprime um espírita, dos se primeira formada, Adin Ballou, à página 67 do seu livro Spirit Manifestation, vindo à luz em 1852:

“O que se passa através do médium deve, em verdade, estar sujeito à influência do espírito dos vivos. As idéias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos, os pontos de vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos de mortos procuram transmitir, por intermédio de um cérebro alheio. Além disto, as influências mesméricas e psicológicas da parte da mentalidade dos experimentadores, que podem dominar a do médium, devem igualmente produzir um efeito perturbador análogo. Segue-se que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são transmitidas ou, mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente diferentes daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um francês se comunicasse com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco familiarizado com aqueles dois idiomas. O interlocutor inglês teria não pequena dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido. Em casos desta natureza, nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida tradução perfeita do que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir.”

Eis o raciocínio de Adin Ballou, há setenta e cinco anos, e esta sua opinião se acha transcrita nas obras de Capron (1858), do professor Robert Hare (1855), do Dr. Wolfe (1869), de Alexandre Aksakof (1889); mas para Sudre só “hoje” os espíritas foram obrigados a reconhecê-lo e, isto mesmo, graças à força esclarecedora das pesquisas dos metapsiquistas destes últimos tempos.

Mas continuemos. O nosso autor ainda assim se exprime: “Então discutem (os espíritas) sobre algumas categorias de fenômenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pela teoria metapsíquica.” Estas “algumas” categorias de fenômenos inexplicáveis pela teoria metapsíquica” são antes numerosas e nada mais natural que os espíritas as declarem inexplicáveis pela hipótese naturalista, pois, de fato, o são. Os próprios metapsiquistas antiespíritas de tal forma o compreendem e, com isso, tal embaraço experimentam, que evitam prudentemente discuti-las, contentando-se de apenas a elas aludir, de modo geral, em nada concludente ou a elas não se referindo de modo algum, o que ainda é mais cômodo. Isso não impede, porém, que esses mesmos metapsiquistas continuem a inculcar a sua argumentação antiespírita, como se houvessem respondido, refutado, destruído a dos seus opositores. Mais tarde voltaremos a este ponto, particularmente importante.

A continuação do trecho, cujo exame empreendemos, é curiosíssima. Com efeito, ele nos faz saber que os espíritas “se apóiam audaciosamente no animismo para provar o Espiritismo, sem terem o necessário preparo para distinguir um do outro”. A primeira parte desta objeção é estupenda, e a segunda completamente falsa. Estou eu entre aqueles que, de trinta anos para cá, se apóiam “audaciosamente” no animismo para provar o Espiritismo; nos números de novembro-dezembro de 1925 e de janeiro-fevereiro de 1926, da Revue Spirite fiz sair um longo artigo, rigorosamente documentado, com o fim de demonstrar que o Animismo, sob o ponto de vista de demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma, era mais importante e decisivo do que o próprio Espiritismo; e nesse artigo fiz ressaltar a circunstância, altamente eloqüente, de Frank Podmore, isto é, o adversário mais encarniçado da hipótese espírita, haver, mesmo ele, reconhecido essa verdade, nos termos que se seguem:

“Seja ou não verdade que as condições do além permitem, às vezes, aos que lá se acham, entrar em comunicação com os vivos, é, em todo o caso, claro que essa questão se tornaria de importância secundária se se chegasse a demonstrar, sobre a base das faculdades inerentes ao espírito, que a vida da alma não está ligada à vida do corpo. Em outros termos, deve-se necessariamente admitir que, se é verdade que no sono medianímico ou extático, o Espírito conhece o que, a distância, se passa, percebe coisas escondidas, prevê o futuro e lê no passado, como em um livro aberto, então – considerando que estas faculdades não foram certamente adquiridas no processo de evolução terrena, cujo meio lhes não é próprio nem lhes justifica a emergência – então, dizia, parece que se poderá inferir que estas faculdades demonstram a existência de um outro mundo mais elevado, no qual elas se deverão exercer livremente, em harmonia com outro ciclo evolutivo, que não mais seria regido pelo nosso meio terreno. É importante acrescentar que a teoria aqui esboçada não é nenhuma especulação filosófica, fundada em suposições não verificáveis; é uma hipótese científica, baseada na interpretação de uma categoria precisa de fatos... Seria inútil contestar que, se se pudesse provar a autenticidade dos fenômenos de premonição, de clarividência e tantos outros que testemunhassem que em nosso espírito se encontram faculdades psíquico-sensoriais transcendentais, então o fato da independência do espírito do corpo seria manifesta.”

Por conseguinte, segundo Podmore “seria inútil contestar” a sobrevivência da alma, desde que se provasse a existência de fenômenos de “metagnomia”. E não é outra coisa que, por minha vez, tenho sustentado desde sempre. Que disto pensa Sudre? Amarga decepção deve ter sido a sua, quando viu, pelo meu artigo precedente, que o próprio Podmore, audaciosamente, pensava que o Animismo constituía prova para o Espiritismo! E o que de mais “trágico” se verifica na situação de Sudre é que Podmore pelo menos se mantinha dentro da ilusão de poder reduzir todos os fenômenos metapsíquicos exclusivamente à telepatia e de, conseqüentemente, poder negar os fenômenos de metagnomia propriamente dita. Com isto ele se sentia garantido na sua qualidade de campeão mundial do antiespiritismo; enquanto que Sudre não deve ter fácil a porta de saída, ele que está firmemente convencido da existência das faculdades supranormais em questão.

Como pois salvar do naufrágio inevitável o frágil barquinho do seu antiespiritismo materialista? Com as “bexigas de vento” que lhe prende às bordas? Não; nem será com as frases ocas e retumbantes, das que lança mão nos momentos críticos, que poderá enfrentar a argumentação que, intimamente, reconhecendo invulnerável, não ousa atacar de frente. É o que ainda agora se dá ao ter de enfrentar o caso da demonstração irrefutável do Espiritismo pelo Animismo; interpõe no período a palavra audaciosamente, com a qual pretende insinuar que as pretensões dos espíritas a esse respeito são injustificáveis e temerárias.

Deve ele bem compreender que as frases apenas para armar efeito não produzem refutação, não constituem provas e são de duração efêmera; mas por satisfeito ele se dá, desde que elas produzam pelo menos uma pequena impressão deletéria no espírito dos leitores menos cautos e pouco ao corrente da discussão. É possível que isso consiga algumas vezes, o que não impede, entretanto, que, demonstrando não poder responder à argumentação firme e lógica dos espiritualistas, ele vote sua causa a irremediável desastre. E o seu livro transborda dessas frases, do mesmo modo que os seus artigos delas vêm salpicados. Por mais de uma vez fui visado pelos rasgos, um tanto embotados, dessa fraseologia, rasgos que, antes, me divertiram, porque, nas circunstâncias em que me procuraram atingir, não representaram para o seu autor mais do que uma satisfação demasiado efêmera. O meu contraditor não havia conseguido responder à refutação de uma das suas teses, apesar de imprudentemente haver prometido pronta resposta que, a seu ver, não poderia deixar mesmo de ser “muito fácil”. Chegado, porém, o momento, a coisa lhe pareceu, ao contrário, bem difícil, ou, para ser mais claro, só então se convenceu de ser logicamente impossível refutar aqueles argumentos.

Mesmo assim, Sudre continua a servir-se da hipótese reduzida a zero, tal como se a houvesse vitoriosamente defendido, ou pelo menos refutado com algum êxito a minha argumentação.

Voltando ao assunto, deixo aqui consignado que se Sudre lançar uma das suas frases habituais, a propósito da afirmação irrefutável de que o Animismo constitui uma prova para o Espiritismo, não me hei de assustar, antes farei ao meu antagonista um apelo formal – em nome da investigação sincera e apaixonada da Verdade pela Verdade – para que nos oriente do modo pelo qual explica a existência, na subconsciência humana, de faculdades e sentidos supranormais, independentes da lei da evolução biológica.

O que peço a Sudre é que, ao elucidar-nos, o faça do único modo plausível, isto é, destruindo com lógica os argumentos por mim, nesse sentido, expostos no artigo, cujo texto já dei e que pode ser por ele encontrado na Revue Spirite, artigo em que eu demonstrava, de modo decisivo, que sempre que os nossos antagonistas pensam combater a hipótese espírita, recorrendo aos poderes da metagnomia, nada mais fazem, na realidade, do que demonstrar a existência e a sobrevivência da alma, apenas colocando a questão, antes, sob o ponto de vista do Animismo que do Espiritismo, o que, em suma, vem a ser uma e a mesma coisa.

Espero o meu contraditor no terreno da prova; mas sinceramente declaro estar, de antemão, convencido de que ele terá o cuidado de não responder a esta questão de decisivo valor para o ponto de vista espiritualista. Não impedirá isso, no entanto, de continuar a fazer prevalecer imperturbável a sua opinião contrária à sobrevivência da alma e a tachar de audaciosos os argumentos que ele é incapaz de demonstrar que sejam falsos. São inconseqüências fatais naqueles que têm o espírito obscurecido por irredutíveis preconceitos.

Poderiam objetar-me ser inútil a minha insistência em procurar convencer os que se obstinam em não querer compreender, mas a minha insistência não visa a convencer o meu competidor e tão somente a levar a tranqüilidade de espírito àqueles poucos que, por acaso, se tenham deixado perturbar pelas suas insinuações sofísticas.

*

Abro aqui um parêntesis para tratar com o professor Charles Richet.

Havia acabado de escrever as páginas acima, quando recebi o número de janeiro-fevereiro da Revue Metapsychique, 1926, onde, em breve artigo, o Prof. Richet, fazendo notar a existência, em nossos dias, de um certo número de sensitivos clarividentes, acha que pode isto traduzir o prelúdio de próximo aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”. Passando a examinar cientificamente a origem presumível desse novo sentido, procura explicar o fato pela teoria assaz conhecida de Dr. Vriés, sobre as “mutações bruscas” transmissíveis à descendência, tal como se observa no reino vegetal.

Ouso lembrar ao Prof. Richet que a freqüência atual de sensitivos clarividentes – freqüência aliás muito relativa – decorre exclusivamente do fato de, nestes últimos anos, entre os povos civilizados, serem esses indivíduos muito procurados e observados, ao passo que antigamente eram em geral conduzidos à fogueira, o que, de muito, lhes reduzia o número. Nada, entretanto, de novo sobre o caso. Se interrogarmos a respeito a história da antigüidade clássica, bíblica, egípcia, babilônica, se ascendermos a eras mais remotas, até às crônicas sagradas dos povos do Oriente, encontraremos os melhores elementos a provar-nos que as faculdades de clarividência permanecem em estado absolutamente estacionário, através dos séculos, não obstante as civilizações e as raças, o que já não é pouco para condenar aquela hipótese.

Mas outra circunstância de fato, que contradiz a tese do Prof. Richet, de modo decisivo, é a freqüência de fenômenos de clarividência, sob suas múltiplas formas, no meio dos povos selvagens.

Pessoalmente estudei o assunto, em longa monografia que, como todas que a precederam, não é fruto de pesquisas superficiais, mas de acurado estudo, em longo período de 35 anos. Adquiri, portanto, certa competência no assunto e posso afirmar não existir tribo selvagem que não tenha seu feiticeiro-curador, com predicados absolutamente análogos aos dos clarividentes, entre os povos civilizados.

Os relatórios dos exploradores e dos missionários estão repletos de casos dessa natureza, que se contam por centenas. Daí podermos concluir em sentido diametralmente oposto ao que nos sugere o Prof. Charles Richet, isto é, que, se as faculdades de clarividência sob todas as formas são mais freqüentes entre os povos primitivos que entre os civilizados, não há razão para admitirmos a hipótese do aparecimento, no homem, de um “sexto sentido” graças à lei biológica das “bruscas mutações”.

Devemos, além disto, ter em vista uma outra consideração, teoricamente de grande importância, qual a de o Prof. Richet se não haver lembrado da impossibilidade de se tratar de um “sexto sentido” em gestação, por isso que os fenômenos de clarividência se produzem pela utilização dos sentidos existentes: visão, audição e tato. Acrescentaremos que, por outro lado, deixou ele de considerar que esses fenômenos, ao invés de serem determinados pela percepção direta, isto é, da periferia para o cérebro, como se deveriam produzir para todo e qualquer sentido biológico passado, presente ou futuro, eles se determinam por percepção inversa, ou seja, do cérebro para a periferia, sob a forma de visões ou audições subjetivas, projetadas fora e quase sempre de natureza simbólica, mais ou menos manifesta. Ora, a natureza simbólica de quase todas as percepções supranormais reveste-se de alto valor teórico, porque mostra que essas percepções independem, não somente dos sentidos periféricos, mas também dos centros cerebrais correspondentes. Com efeito, o simbolismo das percepções prova que os centros cerebrais não percebem ativamente, mas passivamente registram o que lhes é transmitido, por um terceiro agente a elas estranho, único a perceber diretamente, para depois transmitir seus conhecimentos ao sensitivo, sob a forma de representações simbólicas. Isto, evidentemente, porque sendo suas percepções qualitativamente diferentes das que podem assimilar os centros cerebrais do sensitivo, ele é obrigado a transmiti-las sob a forma de objetivações alucinatórias, que o sensitivo ou os interessados podem, facilmente, interpretar. E como esse terceiro agente estranho ao cérebro, outro não pode ser senão a personalidade integral subconsciente do sensitivo, conclui-se que, baseando-se nas circunstâncias expostas, nós veremos emergir, manifesta e incontestável, a contraprova de que a “personalidade integral subconsciente” é uma “entidade espiritual” independente de toda a ingerência funcional, direta ou indireta, do órgão cerebral. Resulta ainda, disto, que as faculdades supranormais, esporadicamente assinaladas, de todos os tempos e em toda parte, na Humanidade são, na realidade, as faculdades de sentidos espirituais da personalidade integral subconsciente, em estado latente, na subconsciência humana, para emergir e se exercer num meio espiritual, após a crise da morte; do mesmo modo que no embrião se acham formadas, de antemão e em estado latente, as faculdades de sentidos terrenos, à espera do momento que lhes há de permitir se exerçam no seio do meio terrestre, após a crise do nascimento.

Como se pode verificar, as induções sobre a base dos fatos nos arrastam para longe da hipótese aventada pelo Prof. Richet, hipótese que aparece insustentável, sob o ponto de vista biológico, psicológico e metapsíquico.

Isto dito, devo confessar sinceramente que o artigo do Prof. Richet produziu-me, pessoalmente, uma impressão dolorosa, de profundo desalento. Revela-me a inutilidade dos esforços intelectuais, a que me submeto há trinta e cinco anos, com o fim de dar a minha contribuição à investigação da ciência metafísica. Se o Prof. Richet, antes de expor a sua hipótese, houvesse demonstrado o erro da minha argumentação, eu teria testemunhado o meu reconhecimento àquele que assim me houvesse esclarecido sobre problema do mais alto valor científico. Mas o Prof. Richet enuncia a sua hipótese sem fazer a mínima alusão à existência de um estudo recente sobre o assunto, estudo que o contradiz no terreno dos fatos. Ora, como do choque das idéias é que salta a centelha da Verdade, se no meio metapsíquico, uma das partes segue o seu caminho sem se preocupar do que faz a outra, não se chegará, nesse ramo de ciência, a qualquer conclusão. Nessas condições, tanto vale não escrever coisa alguma, cada um se limitando egoisticamente a estudar apenas para si, deixando que os demais pensem como melhor lhes parecer.

*

Agora que já me expliquei com o Prof. Richet, fecho o longo parêntesis e retomo a discussão com o Sr. René Sudre, examinando a segunda parte do curto mas virulento trecho do seu trabalho, em cuja análise me detive.

Havia eu dito que a primeira parte desse trecho era estupenda e a segunda inteiramente falsa. Com efeito, nesta segunda parte, o autor tem a “audácia” (para usar-lhe do termo) de escrever que os espíritas afirmam que o Animismo prova o Espiritismo “sem estarem preparados para entre os dois poderem discernir”. Para colocar logo as coisas nos seus lugares (pois a insinuação de Sudre tem por fim apenas embaralhar), devo lembrar que a questão que acabamos de tratar, relativamente aos fenômenos anímicos, que só por eles demonstram a sobrevivência da alma, nada tem de comum com aquela que distingue os casos de animismo dos de Espiritismo. Referindo-se, agora, de um modo direto, à objeção formulada e, segundo a qual, os espíritas não estão em condições de poder distinguir os fenômenos anímicos dos espíritas, lembro ao meu opositor que toda a discussão, que vimos de sustentar a propósito da Sra. Piper, prova, ao contrário, a existência de critérios analíticos capazes de permitir fácil distinção entre os fenômenos positivamente espíritas e aqueles que não o são ou, mais precisamente, aqueles que não apresentam suficientes garantias científicas nesse sentido.

Reservo-me para voltar posteriormente ao assunto, trazendo novos fatos e novos argumentos. Convido, pois, o meu contraditor a me responder também sobre esse ponto, refutando toda a argumentação que precede e a que se vai seguir. Se, porém, ele preferir o meio mais cômodo do silêncio, isto quererá dizer que ele reconhece não poder responder. Quanto a mim, pelo contrário, reconheço estar em condições para responder em todas as circunstâncias – graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo. Assim, não deixarei passar uma só objeção contrária sem convenientemente refutá-la.

Continuando a análise do trecho referido, vemos que Sudre diz: “Mas os espíritas que o fanatismo não cega, e que têm uma cultura científica suficiente, renunciam de encontrar nos fatos provas cruciais.”

Se se trata de “provas cruciais”, no sentido de “provas absolutas”, a renúncia, de fato, existe, por isso que não há quem ignore ser absurdo e impossível pretender uma “prova absoluta” num ramo de saber qualquer ou numa circunstância de vida, seja ela qual for. Esperamos que os nossos contraditores comecem por nos fornecer a “prova absoluta” daquilo que adiantam, em sentido negativo. Não o podem fazer, assim como também nós, porque nenhum representante da ciência oficial jamais poderá fornecer a “prova absoluta” de qualquer coisa. E isso pela simples razão de que nós mesmos, pobres individualidades condicionadas, vivemos no “relativo”, não podendo, por isso, jamais afirmar uma coisa em termos de certeza absoluta. Mas se Sudre, ao contrário, pela expressão de que faz uso, quer aludir às provas científicas suficientes para legitimar uma hipótese, então labora em grande erro, pois os espíritas de “cultura científica” são da opinião do professor Hyslop, que tinha essa cultura e que solenemente afirmou esta verdade nos termos seguintes:

“Não existe outra explicação racional dos fatos senão a hipótese da sobrevivência da alma; as provas cumulativas, que convergem em seu favor, são por tal forma peremptórias que não trepido em declará-las em tudo equivalentes, senão mesmo superiores, àquelas que confirmam a teoria da evolução.” (Contacts with the other world, pág. 328.)

Acrescenta, afinal, Sudre: “Como Myers e Geley, eles pedem o ato de fé necessário a um sistema metafísico edificado sobre ciências outras que não a metafísica, quando não sobre postulados morais.” Ignoro a que se quer referir o nosso autor quando cita Myers e Geley, mesmo porque, ao se citarem autoridades deste valor em defesa de uma tese, tem-se por dever reproduzir as opiniões para as quais se apela, sem o que os nomes invocados não representam mais do que simples expediente de retórica.

Em todo o caso afirmo, por minha conta, que nada pode haver de tão contrário à verdade, como de supor que os defensores da hipótese espírita firmem seu ponto de vista sobre a base de um “ato de fé”. É justamente o contrário que se verifica. A força de expansão do Espiritismo precisamente reside no fato de haver ele banido para sempre os “atos de fé”, baseando-se exclusivamente nas induções e nas deduções dos fatos, do mesmo modo que sobre a convergência das provas, tudo exatamente como em todo outro departamento do saber humano. Quanto a mim, posso mesmo acrescentar que sempre tive pelos atos de fé uma espécie de “fobia”, que ressalta de todos os meus escritos, baseados sempre nos fatos e na dedução dos fatos.

Eis-nos, enfim, diante das conclusões a que chega Sudre, no trecho em análise. Elas valem o resto. Com efeito, ele conclui: “Assim, o Espiritismo dito científico, e inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é de todo mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

É de supor que as vãs ilusões, de que fala Sudre, devam referir-se às próprias esperanças iludidas, no que se prende ao Espiritismo científico, cuja falência esperava, mas que, na realidade, nunca teve vitalidade e pujança como atualmente.

É que ele contempla as fases evolutivas da nova Ciência da Alma do cimo do observatório nebuloso dos seus preconceitos.

E basta para este parágrafo.


IV
Metagnomia e hipóteses espíritas

Volto a discutir uma objeção já por mim abordada, mas que está a reclamar alguns esclarecimentos mais. Como devemos estar lembrados, Sudre afirma que “os espíritas discutem sobre algumas categorias de fenômenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas”.

A tal respeito cumpre-me dizer que não somente deixa de ser exato se trate apenas de algumas categorias de manifestações, mas que a análise comparada torna evidente que diversas manifestações metapsíquicas, de ordinário anímicas, podem ser na realidade espíritas, do mesmo modo que muitas manifestações, ordinariamente espíritas, podem, não raro, ser de fato anímicas.

Com efeito, Animismo e Espiritismo representam o duplo aspecto pelo qual se apresenta a mesma fenomenologia, que provém de uma causa única, constituída pelo espírito humano, na sua dupla fase de existência: a encarnada e a desencarnada.

Agora, e de harmonia com esta tese, devo lembrar que nas classificações dos casos de identificação espírita encontram-se numerosos episódios obtidos com a ajuda de manifestações habitualmente anímicas, assim como que, sob o ponto de vista rigorosamente científico, é relativamente raro que na categoria das manifestações ordinariamente anímicas se possam encontrar incidentes especiais que sejam cientificamente capazes de anular a explicação natural em favor da probabilidade espírita. De qualquer modo e naquilo que concerne à tese em apreciação, devo fazer notar, como observação teoricamente importante, que uma coisa é reconhecer que se não devem ter em conta os casos de identificação espírita que, mais ou menos bem, possam ser explicados pela metagnomia, e que outra coisa, aliás muito diferente, é pretender que todos os casos, mais ou menos bem explicados pela metagnomia, devam constituir, em bloco, casos de metagnomia. Este último modo de ver é uma pretensão gratuita e absurda dos nossos opositores, quando a análise comparada dos fatos deveria levar a uma conclusão diametralmente oposta. Daí decorre que, sob o ponto de vista científico, devemos limitar-nos em afirmar que, nas circunstâncias duvidosas, nos cumpre optar sempre pela hipótese menos ampla que, no caso, é a da metagnomia. E, nesse pormenor, parece que estamos todos de acordo.

Feita essa declaração de princípio, vou desenvolver a tese acima exposta, demonstrando, no terreno dos fatos, o motivo pelo qual devemos concluir que uma percentagem considerável de casos supostos de metagnomia – ou de criptestesia, se assim o quiserem – de fato não o são, embora cientificamente ainda seja legítimo excluir, inexoravelmente, das provas de identificação espírita os casos incertos.

O incidente, já referido, do não reconhecimento da Srta. Warner pela personalidade medianímica de George Pelham proporciona um bom exemplo para esclarecer a tese que sustento.

Nesse incidente encontram-se, com efeito, os elementos necessários para demonstrar, de um lado, que ele é incontestavelmente de natureza espírita e, de outro, que, embora assim sendo, ele deveria ser classificado entre os explicáveis pela metagnomia, se algumas circunstâncias de natureza colateral houvessem faltado.

As circunstâncias colaterais, que o tornam invulnerável, são os trinta casos de reconhecimento dos amigos vivos, por parte da personagem medianímica de George Pelham. Se o incidente do não reconhecimento da Srta. Warner houvesse sido um incidente insulado, teriam os opositores podido invocar a hipótese conhecida da “telepatia ao lado”, segundo a qual muitas vezes os sensitivos lêem com grande facilidade na subconsciência do consultante e só muito dificilmente na mentalidade consciente do mesmo. Assim, no caso da Srta. Warner, ter-se-ia podido dizer que a médium em transe, personificando o Espírito de George Pelham, não havia podido captar os esclarecimentos necessários para uma mistificação porque os consultantes os tinham presentes na mente, mas que, se não estivessem nisso pensando, teria conseguido a médium tirá-los das respectivas subconsciências. Em verdade, vê-se que essa explicação teria sido pesada a gancho de açougue, mas, em todo o caso, não seria possível de todo eliminá-la e o incidente em questão estaria perdido para a classificação dos casos de identificação espírita. Mas, felizmente, essa explicação especiosa não pode prevalecer pelo fato de o incidente negativo da Srta. Warner fazer parte integrante de uma série de trinta incidentes de completo conhecimento de outros tantos amigos vivos do defunto comunicante, amigos que tinham presentes na mente os seus próprios nomes e qualidades, exatamente como a Srta. Warner. Se tivessem, pois, a pretensão de aplicar a hipótese em foco ao incidente do não reconhecimento da Srta. Warner, os trinta episódios de completo reconhecimento ficariam então inexplicáveis. Segue-se que esta admirável série de episódios colaterais não só serve para anular a explicação sofística, senão também para demonstra como, praticamente, são duvidosas as pretensas explicações naturais, tão ao sabor dos nossos opositores, explicações que se não podem ser, de todo, eliminadas, 75 vezes sobre 100 pecam por falta de base, como constantemente estão os fatos a demonstrar.

Dentro em breve os pesquisadores providos de uma intuição realmente científica hão de reconhecer que, para resolver o problema relativo à gênese subconsciente ou extrínseca dos casos de identificação espírita, o exame de cada caso de impõe, acompanhado de análise meticulosa e inteligente de todos os incidentes e de todos os elementos atinentes ao episódio, análise que precisa ter em conta as condições dentro das quais se desenvolve e, sobretudo, os característicos particulares da mediunidade através da qual são obtidos. As teorias genéricas, preestabelecidas, totalizadoras, são destituídas de qualquer valor.

Um segundo exemplo, em favor da mesma tese, pode ser tirado de um caso notável de metagnomia, o famoso caso “Lerasle”, estudado pelo Dr. Osty (Annales des Sciences Psychiques, 1914, pág. 97, e 1916, pág. 130.)

A 18 de março de 1914, o Sr. Mirault, residente em Court-les-Barres (Cher), preveniu o Dr. Osty de que havia mais de 15 dias se procurava, infrutiferamente, um velho chamado Lerasle, que, tendo saído de casa para o seu passeio diário, não havia mais voltado. Os parentes e amigos, a princípio, e depois cerca de oitenta pessoas, reunidas pelo prefeito da localidade, haviam revistado cuidadosamente, durante vários dias consecutivos, os arredores, sem resultado algum. Em tais circunstâncias, o Sr. Mirault enviava ao Dr. Osty um lenço de seda (foulard), que pertencera ao velho, pedindo-lhe para, neste sentido, consultar uma das suas sonâmbulas clarividentes. O Dr. Osty apresenta o lenço à Sra. Morel, sem nada lhe indicar. A sonâmbula descreve minuciosamente a pessoa do velho desaparecido, a maneira pela qual estava vestido, a localidade em que morava, o caminho que havia percorrido pela floresta, no dia do desaparecimento, declarando, enfim, que ela, aí, percebia o cadáver, numa espessa moita à margem de pequeno regato.

Organiza-se nova batida, orientada pelas informações dadas pela sonâmbula, e logo se descobre o cadáver do velho Lerasle. Tudo o que a sonâmbula havia afirmado e descrito era rigorosamente exato, salvo o detalhe da posição do corpo. Ela o via “deitado sobre o lado direito, com uma das pernas recolhidas”, quando, na realidade, ele estava “deitado de costas, com ambas as pernas estendidas”.

No correr das três consultas, feitas pelo Dr. Osty à sonâmbula, este pormenor se apresenta sempre do mesmo modo.

Durante a segunda consulta, a sonâmbula havia acrescentado o seguinte detalhe: Ele não se interna demasiado na floresta... sente-se doente, deita-se, adormece e morre.

A persistência daquele pormenor, sempre integralmente repetido, nas três consultas, deve ser retida como importante, por isso que, combinada com o que consta da última frase, se reveste, como vou demonstrar, de grande significação.

Cumpre-me observar que este episódio constitui um caso clássico de legítima “metagnomia”, no qual não se nota qualquer indício aparente de intervenção estranha à sonâmbula. Desde que procuremos, no entanto, encontrar a forma de metagnomia que melhor se preste a explicá-lo, começamos logo a sentir a dificuldade, diante do detalhe errôneo e três vezes repetido, que tende a excluir todas as formas pelas quais se pode manifestar a metagnomia propriamente dita. E, se não, vejamos.

Temos de rejeitar, in limine, a hipótese de um fenômeno de “visão a distância”, inadmissível, no caso. De fato, o erro de visão em que três vezes incide a sonâmbula, percebendo o cadáver deitado sobre o flanco direito, com uma das pernas recolhida, quando ele estava deitado de costas, com ambas as pernas estendidas, vem mostrar, de modo decisivo, não se poder tratar dessa hipótese.

Devemos também excluir a da exteriorização do “corpo fluídico” da sonâmbula, que, em tais condições, não poderia deixar de ter visto o cadáver na posição em que, de fato, estava.

Do mesmo modo somos obrigados a afastar a da “telestesia”, por isso que se o objeto entregue à sonâmbula houvesse servido para estabelecer a “relação psicométrica” entre ela e o cadáver, este deveria por ela ter sido percebido na posição em que realmente se encontrava.

Não poderemos também apelar para a “memória das coisas” (psicometria ou metagnomia tátil), porque no lenço que havia pertencido ao defunto não poderia existir qualquer vestígio de acontecimentos ocorridos depois de ter sido ele, pela última vez, usado pelo dono; enquanto que a outra circunstância – a dos parentes e amigos que, nesse sentido, tudo ignoravam – serve também para eliminar a outra hipótese, de uma suposta “relação psíquica” estabelecida entre a consciência da sonâmbula e a de um vivo ao corrente do fato, de toda a gente desconhecido.

Teremos, pois, de nos contentar com a hipótese “psicométrico-espírita”, segundo a qual a influência contida no lenço que pertencera ao velho Lerasle teria servido para estabelecer o “contacto” com o Espírito do morto, pondo-o em condições de transmitir à sonâmbula uma sucessão de imagens pictográficas, destinadas a revelar a triste história do seu último passeio, guiando-a assim à descoberta do cadáver. Ora, é nesse momento, precisamente, que o erro, três vezes repetido, se transforma em uma prova indutiva admirável em favor da interpretação espírita. Com efeito, na hipótese de o informador da vidente ser o Espírito do morto, tudo leva a crer que a imagem pictográfica errônea por ela percebida era, na realidade, transmitida pelo morto, como recordação derradeira do momento em que, tendo-se deitado do lado direito e adormecido, com uma das pernas recolhida, passou do sono à morte. E lógico é de supô-lo, não só porque deitar-se do lado direito é a posição natural, para os que se dispõem a dormir, senão também porque tudo leva a crer que os movimentos espasmódicos da agonia tenham modificado a posição do corpo do moribundo, que acabou por se virar de costas, posição de equilíbrio estável, em que acaba por se inteiriçar um corpo agitado por movimentos convulsivos. Ora, quando essa mudança de posição se deu, o moribundo devia encontrar-se já em estado de coma, sem que, portanto, o Espírito se pudesse lembrar desse incidente mínimo. Nada mais natural, pois, que ele transmitisse à sonâmbula a imagem pictográfica do seu corpo deitado sobre o flanco direito, com uma perna recolhida, imagem verídica da sua última lembrança de vida terrestre.

É, pois, certo que, se acolhermos esta versão (única verossímil e única capaz de explicar o fato), o erro de visão em que caiu a sonâmbula se transforma em excelente prova a favor da tese por nós sustentada da provável intervenção estranha ao sensitivo, em muitos casos, mesmo, de suposta “metagnomia tátil”.

Um terceiro exemplo em favor da mesma tese é oferecido por um caso assaz conhecido e de palpitante oportunidade. A ele me referi, in extenso, na monografia que publiquei sobre Os Enigmas da Psicometria. Relata-o o próprio protagonista, Hugh Juner Browne, banqueiro australiano, que teve a infelicidade de perder os dois filhos durante um passeio por eles empreendido, em iate, ao longo da costa de Melbourne.

Não os vendo voltar, encheram-se de apreensões, ele e a esposa, e recorreram ao célebre médium curador, George Spriggs, para obterem informações. Narra Hugh Browne:

“O médium chegou às 8 horas da manhã, tomou a mão de minha mulher e caiu, pouco depois, em sono medianímico. Perguntou então:

– Fizestes um passeio de mar?

Minha mulher respondeu negativamente e Spriggs continuou:

– Acho uma grande depressão de espírito em relação com o mar. Durante a noite estivestes muito agitada e chorastes (isto é verdade).

Completou o seu diagnóstico e terminou repetindo: – Vossa perturbação se relaciona com o mar.

Só então fiz uma ligeira referência ao que nos preocupava, perguntando:

– Percebeis algum naufrágio?

Ao que o médium, sempre em transe, respondeu:

– Eu não posso ver se eles se acham no mundo dos Espíritos, mas se me derdes um objeto qualquer, que lhes pertença, pelo qual me possa orientar, então eu os poderei encontrar.

Tomei um canhenho que pertenceu a um e a outro dos meus filhos e lhe entreguei. Começou ele imediatamente nestes termos:

– Vejo-os em uma pequena embarcação na curva de um rio, com uma grande vela e outra pequena abertas ao vento...”

Para não ser demasiado extenso, interrompo aqui a transcrição do texto, fazendo apenas notar que o médium produziu uma descrição minuciosa e completa de todos os acontecimentos ocorridos no passeio, até o momento do naufrágio, descrição essa mais tarde confirmada pelas investigações feitas pelo pai. Um dos filhos de Browne se manifestou, em seguida, pelo médium, fornecendo informações ulteriores ao drama. Entre outras a de ter o corpo do seu irmão sido horrivelmente mutilado por um tubarão, que lhe arrancara um dos braços até a espádua; foi isto confirmado de um modo surpreendente, pois que um tubarão, então capturado por acaso, tinha ainda no ventre o braço de Hugh, com uma parte do colete, o relógio e algumas moedas. Os ponteiros do relógio estavam parados nas 9 horas, hora indicada pelo médium como sendo a do naufrágio.

Tal é a parte essencial do acontecimento trágico, que mergulhou no luto a família Browne. Voltando, agora, ao nosso ponto de vista, convém destacar a circunstância, teoricamente notável, de o médium, não obstante segurar a mão da Sra. Browne entre as suas, nada ter podido descobrir relativamente à sorte dos seus dois filhos, enquanto não lhe foi entregue o canhenho por eles usado. Esse contraste episódico torna evidente, mais do que nunca, que o verdadeiro fim do objeto psicométrico (psicometrado) é o de estabelecer uma relação entre o sensitivo e a pessoa viva ou morta, ligada fluidicamente ao objeto, e faz ressaltar, sobretudo, a condenação de uma hipótese, afagada pelo Dr. Osty, segundo a qual os parentes, os amigos e os conhecidos transmitiriam telepaticamente todos os acontecimentos de suas respectivas vidas aos parentes, amigos ou conhecidos, acontecimentos que ficariam gravados de um modo indelével na subconsciência destes últimos, onde os sensitivos os iam buscar, dando a ilusão das comunicações com os mortos. Ora, a circunstância acima refuta, de modo peremptório, tal hipótese, pois se o médium, mesmo conservando, entre as suas, a mão da Sra. Browne, nada conseguiu saber sobre a sorte dos rapazes, mostra isto que a subconsciência desta nada havia recebido pela telepatia sobre o drama. E de modo tanto mais evidente que, a esta prova negativa, sucedia a contraprova positiva, do médium que tudo revelava, desde que a influência dos dois mortos, contida no objeto, o tornou capaz de ir beber alhures as informações pedidas. De onde as havia ele tirado? A procurá-lo, seguindo o método científico de eliminação gradual das hipóteses insustentáveis, eis o que resultaria. O médium não podia tirar do canhenho fios elucidadores sobre o drama ocorrido depois que os dois rapazes tinham partido, para não mais voltarem e, por conseguinte, depois de, pela última vez, se haverem utilizado do canhenho indicador. A circunstância a que me referi acima mostra que o médium não as hauriu da subconsciência dos pais. Ele não as podia desentranhar da subconsciência de nenhuma pessoa viva, já que o naufrágio não teve testemunhas. Donde se segue que a “influência” contida no canhenho havia servido apenas para estabelecer o contacto entre o médium e as personalidades desencarnadas daqueles que o tinham usado, conforme havia afirmado o médium em transe. Foi isso confirmado pelas comunicações medianímicas que se seguiram à análise psicométrica, pelas quais os filhos falecidos se manifestaram, através do médium, fornecendo novos detalhes sobre o drama, de que haviam sido vítimas e, entre estes, o do incidente autêntico e teoricamente muito importante, qual o de haver um tubarão mutilado o cadáver de um deles.

Tais são as deduções rigorosamente lógicas que ressaltam dos fatos, e como não existam a explicá-los hipóteses outras, devemos necessariamente concluir que este terceiro exemplo contribui, com os demais, para demonstrar que, se analisarmos com um critério investigador mais penetrante os casos clássicos de pretendida “metagnomia”, cuja gênese pareceria dever ser atribuída exclusivamente às faculdades supranormais da subconsciência humana, chegaremos, não raro, a conclusões nitidamente espíritas. E isso por circunstâncias certamente pouco nítidas e dificilmente notáveis, que são, todavia, teoricamente preciosas, visto não encontrarem explicação em nenhuma hipótese natural.

É preciso que os nossos opositores o não esqueçam; é preciso, sobretudo, que Sudre disto se lembre sempre, mesmo porque, formalmente, aconselho-o a tomar em consideração os episódios que acabo de expor, para depois refutar as conclusões a que cheguei, se lhe for possível a prebenda.


V
Categorias de fenômenos inexplicáveis
por qualquer teoria metapsíquica

Dentre “algumas categorias de fenômenos, em que se entrincheiraram os espíritas e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas”, eis as mais importantes:

1) os casos de identificação de mortos desconhecidos do médium e dos assistentes;

2) os casos de aparições de mortos no leito de morte;

3) os casos de crianças videntes no leito de morte de terceiras pessoas;

4) alguns fenômenos muito especiais de “telecinesia” no leito de morte e depois da morte;

5) alguns fenômenos extraordinariamente significativos de “música transcendental” no leito de morte e depois da morte;

6) os casos de personalidades de mortos que conversam com facilidade e escrevem correntemente em línguas desconhecidas do médium e, não raro, de todos os assistentes;

7) os casos de personalidades de mortos que escrevem correntemente, com o talho de letra que tinham em vida, o que enormemente difere do outro fenômeno de reprodução de uma simples assinatura;

8) os fenômenos de “bilocação” no momento pré-agônico, mormente quando visíveis coletivamente por todos os assistentes;

9) os fenômenos de materialização de fantasmas, vivos e falantes, não raro falando e escrevendo em línguas desconhecidas de todos os assistentes;

10) algumas modalidades especiais de “correspondência cruzada”;

11) a existência na subconsciência humana de faculdades supranormais de sentidos, independentes da lei da evolução biológica.

Tais são as principais categorias de manifestações metapsíquicas, de todo inexplicáveis pela “prosopopese-metagnomia” e por toda e qualquer outra hipótese metapsíquica. Como a maior parte destas categorias se refiram, entretanto, às modalidades dentro das quais se produzem certas variedades de casos de identificação espírita, é oportuno lembrar que os casos desta natureza se apresentam sob formas indefinidamente variáveis e que, por conseguinte, não se prestam a serem postos em ordem por categorias. As que acabo de indicar não têm, pois, a significação que lhes empresta Sudre, para quem representariam as últimas trincheiras em poder dos espíritas derrotados. Esta é ainda uma “frase retumbante” disparada pelo autor, como simples artifício de retórica, pois, na realidade, os casos de identificações espíritas, inexplicáveis pelas hipóteses naturais, se verificam em todos os ramos de manifestações metapsíquicas. Mais adiante apresentaremos, neste gênero, exemplos dignos de nota.

No entanto, mesmo mantendo-se dentro do círculo das categorias que acabo de enumerar, é claro que Sudre, se quisesse tentar uma crítica eficaz, nos casos nelas contidos, deveria não se afastar das boas normas e escolher os casos típicos apresentados pelo adversário, para, depois de convenientemente analisados, submetê-los, uns após outros, a uma crítica minuciosa, penetrante e completa. Nos casos dessa natureza, com efeito, as circunstâncias mínimas têm capital importância, como sói acontecer nas investigações policiais, onde os detalhes menos impressionantes são os que quase sempre dão a chave esclarecedora para os casos mais intrincados. Este, aliás, é o critério por mim adotado, mas compreende-se facilmente não seja o preferido pelo nosso autor, que sabe perfeitamente ter de defrontar-se, em cada uma das categorias indicadas, com episódios inexplicáveis pelas hipóteses que defende.

Isto é que o obriga a permanecer dentro do método predileto seu, de passar de leve pelos casos mais inquietadores, detonando apenas, de quando em vez, uma das suas frases habituais, e de se deter somente nos episódios mais defeituosos, mais abortivos e menos concludentes obtidos em meio século de experiências, para depois, nesse material de refugo, aplicar os seus sofismas e os seus paralogismos. Mesmo assim a empresa nem sempre lhe tem sido das mais cômodas.

A mim mesmo pergunto a quem Sudre pretenderá enganar. Não será, por certo, às pessoas competentes, que não tardariam em descobrir a prática adotada, mas com certeza à grande maioria de leitores, que naturalmente não pode ser constituída senão dos menos enfronhados no assunto e suscetíveis, portanto, de assimilarem o veneno assim propinado. Apenas lhe escapou que, dentre os seus leitores, algum haveria capaz de chamar a si a tarefa de ministrar às vítimas o antídoto necessário.

Uma questão, entretanto, de ordem moral se apresenta e que me julgo no dever de responder: – “Porventura atribuís a René Sudre – poderão perguntar-me –, tanta má fé?” – Não, de modo nenhum! Ele não passa de um materialista irredutível que, convencido absolutamente de estar com a verdade, logicamente julga que os fenômenos metapsíquicos decorrem todos de causas naturais, mesmo quando pareça evidente o contrário.

Em tais condições, é natural e humano que, temendo levar a dúvida às consciências não iniciadas nos gloriosos mistérios do materialismo, seja tangido a comentar a seu modo todos os incidentes metapsíquicos que pareçam justificar-lhe o ponto de vista, negligenciando, muito de indústria, todos aqueles que de qualquer modo lhe neguem o seu apoio.

Todos os que se deixam inflamar de uma fé fervorosa e sem limites, como a “fé materialista” do nosso autor, não se poderiam coibir de assim proceder.

Sudre se conduz no assunto como, nas lutas sociais e políticas, inúmeros demagogos. Se nos detivermos na leitura de certos jornais, havemos de ver aqueles que dirigem as multidões se moldarem rigorosamente pelo método Sudre, sem que do mesmo modo possam ser argüidos de má fé. São apenas exaltados, que se escravizam ao dever de derribar tudo aquilo que pode favorecer o partido adverso e que, certos de estarem com a verdade, evitam de perturbar intempestivamente a consciência pouco evolvida dos seus correligionários mais tíbios e menos convencidos da superioridade da causa. Ora, Sudre, que arde na pira da fé materialista, fé só comparável à dos mártires cristãos, age necessariamente por esta forma, visando ao fim altamente nobilitante de não perturbar a paz de consciência dos seus correligionários menos invulneráveis na convicção do luminoso porvir, que as doutrinas materialistas preparam para a parte civilizada do gênero humano.

Feita esta confissão espontânea, encerro as considerações de ordem geral, para voltar a tratar das principais “frases” atiradas por Sudre contra algumas das categorias de fenômenos por mim indicadas, frases que, na intenção do autor, devem suprir a refutação que deixa de oferecer às conclusões espiritualistas, que ressaltam das categorias dos fenômenos em questão.


VI
A propósito dos casos de identificação de mortos,
desconhecidos do médium e dos assistentes
(1ª categoria)

Eis, por exemplo, o que René Sudre julgou de opor à primeira das categorias enumeradas – a dos casos de identificação de mortos, desconhecidos do médium e dos assistentes:

“O caso em que o comunicante é completamente desconhecido do paciente e dos circunstantes constitui também elemento de prova, quando se lhe pode verificar a identidade. As pessoas que se vêm incorporar em certos médiuns são, em geral, de condição modesta, que habitaram regiões afastadas, onde aqueles nunca puseram o pé. Dão detalhes muito circunstanciados sobre si mesmos, sobre a família, sobre a profissão que tiveram e sobre os humildes misteres de sua vida. As pesquisas apresentam sempre grandes dificuldades, as testemunhas são velhas, os locais indicados, mor das vezes já demolidos, os primeiros esclarecimentos desalentadores e difíceis... Ainda assim, se, por acaso, erros existem, tudo se chega a verificar... A hipótese metapsíquica é aqui mais lógica do que a espírita, que não encontra razão alguma para essas manifestações intempestivas. E uma razão existe sempre: em geral, uma recordação esquecida do paciente e que subitamente aparece com a mobilidade onírica dos elementos psicológicos, dissociados durante o transe. Pode também ser um pensamento dos assistentes. As notícias diversas dos jornais são uma mina permanente de criações espíritas. Que um suicídio dramático tenha impressionado o paciente e há as maiores probabilidades de que o morto, um dia ou um ano mais tarde, venha incorporar-se ao médium.” (págs. 345-352.)

Nesta citação, o trecho por mim posto em destaque constituiria “frase” destinada a impressionar o leitor, conquistando-lhe despoticamente o assentimento. Apenas não foi ele, desta vez, muito feliz; a frase, por caiporismo, parece mais um gracejo. Estou a ver mais de um leitor dar tratos à mente, em busca dos motivos que levaram o autor a declarar intempestivas essas manifestações e sem razão de ser a explicação espírita dos fatos. E nem podemos admitir a possibilidade de Sudre ignorar as circunstâncias em que se dão as comunicações medianímicas de mortos desconhecidos do médium e dos assistentes, circunstâncias que os próprios Espíritos que se manifestam explicam quase sempre. Somos, pois, levados a crer que mostra não as conhecer porque nelas vê, para a sua tese, intempestivo obstáculo, contra o qual não dispõe de arma outra além daquelas frases e dos artifícios de retórica. Em todo caso, em homenagem aos que me lêem, vou, em duas palavras, tentar avivar-lhe a memória.

A primeira e mais importante destas circunstâncias consiste no fato de os “Espíritos desconhecidos” serem, quase sempre, trazidos às sessões pelos “Espíritos familiares” do grupo, que previamente anunciam que vão trazer para se manifestarem Espíritos de desconhecidos, identificáveis graças às informações por eles mesmos fornecidas, a fim de provar, de modo incontestável aos experimentadores, que as personalidades que se apresentam nas sessões medianímicas são de mortos e não simples personificações subconscientes.

Há também “Espíritos desconhecidos” que se manifestam para pedir a transmissão de mensagens afetuosas aos seus parentes e amigos ainda vivos, mensagens em que anunciam aos seus que “vivem” e como vivem.

Outros “Espíritos de desconhecidos” explicam o seu aparecimento nas sessões e subseqüente manifestação pelo médium, dizendo que viram ao longe uma “luz”, que dela se aproximaram constatando, com surpresa, a possibilidade de poderem, através dessa “luz” (que é o médium em estado de transe), entrar em comunicação com o mundo dos vivos e que não quiseram deixar passar a feliz oportunidade.

São estas as principais razões que dão os Espíritos de desconhecidos para explicar o seu aparecimento nas sessões medianímicas; a mim me parece que longe estão elas de merecerem ser tidas como intempestivas e ainda menos sem razão de ser.

Mas a verdade, em relação a opiniões tão singulares, reside no fato de, ao publicar o seu livro, não ter tido Sudre precisamente em mira escrever um tratado de metapsíquica, isto é, um trabalho científico, objetivo e imparcial, mas tão somente lançar um requisitório cego e partidário contra os abomináveis defensores da sobrevivência da alma, embora cientificamente demonstrada. Para tal, como em muitas circunstâncias outras, à mingua de argumentos válidos, vê-se forçado a lançar mão de frases vazias, mas sonoras, como a de que faz uso para denunciar como intempestivas e sem razão de ser as manifestações mais importantes, sob o ponto de vista teórico, na fenomenologia metapsíquica. Com a ajuda desses expedientes mesquinhos é que pretende entrar em campo contra a hipótese espírita.

Quanto às pretensas explicações naturais das manifestações, de que estamos tratando e que Sudre enumera no trecho por mim citado, acho inútil mesmo discuti-las; os casos que vou apresentar aos leitores bastarão, por eles mesmos, para contradizê-las cabalmente.

Destaco os dois casos a seguir de um livro que acaba de aparecer na Inglaterra sob o título Au revoir, not good bye, de que é autor o Sr. Walter Appleyard, juiz de paz e Lord Mayor da cidade de Scheffield.

Entre outras, narra ele as suas experiências com uma senhora de alta distinção, que se desenvolveu como médium notável de “voz direta”.

A mulher de W. Appleyard, já então falecida, não tardou a se manifestar por intermédio da médium, sua antiga amiga, conversando com o próprio timbre de voz que tinha em vida e fornecendo provas admiráveis de identificação pessoal.

A Sra. Appleyard, que antes de morrer havia seguido com vivo interesse o movimento espiritualista, não ignorava as críticas provocadas pelos casos em que as personalidades de mortos comunicantes eram familiarmente conhecidas no meio em que se manifestavam; propôs, então, fornecer a seu marido provas complementares e irrefutáveis de identificação espírita, recorrendo ao sistema de trazer às sessões Espíritos de mortos pouco conhecidos ou completamente desconhecidos dos experimentadores.

O Sr. Appleyard assim descreve um dos primeiros incidentes dessa natureza:

“Em outubro de 1922, manifestou-se um indivíduo, que deu o nome de George Martin, esforçando-se, diversas vezes, mas em vão, por oferecer pormenores sobre a sua pessoa. No correr das duas primeiras tentativas conseguiu apenas repetir o nome, que ninguém conhecia. Na terceira, chegou mesmo a esclarecer ter sido mestre-escola. Era demasiado pouco para prova de identidade. Tentou ainda uma quarta vez e, então, com mais êxito. Depois de dizer que se manifestava a convite da “petite dame” (a minha mulher), acrescentou: “Meu nome é George Martin; habitei Sussex Road, 112; era o primeiro mestre da escola de... (ele dá o nome), onde estagiei 17 anos. Minha mulher se chama Annie. Morri aos 65 anos de idade e isto há já 5 anos.”

No dia seguinte fui informar-me na repartição da Instrução Pública; tudo me foi confirmado, salvo o nome da viúva e o número da casa, que não eram conhecidos dessa repartição. Consultei, então, um anuário de seis anos atrás, onde encontrei o nome de George Martin no número indicado pelo Espírito e, por fim, um número recente do mesmo anuário, onde pude verificar que o nome do antigo ocupante da casa havia sido substituído pelo da Sra. Annie Martin.” (pág. 112.)

Não escolhi propositadamente o caso acima pelo seu valor teórico, mas apenas para dar, desde logo, um exemplo típico de grande número de casos dessa natureza. Mesmo assim, penso que não se possa apelar para a cômoda hipótese da “prosopopese-metagnomia” em forma de “criptomesia” (leitura na subconsciência dos assistentes de dados conhecidos e posteriormente esquecidos).

Como tivemos oportunidade de ver, para completar o seu inquérito o experimentador teve de recorrer a três fontes diversas de informações, não parecendo crível que os esclarecimentos obtidos existissem reunidos na subconsciência deste ou de qualquer outro membro do grupo, sendo para notar que dentre os esclarecimentos estavam compreendidos o nome da mulher do obscuro mestre-escola que medianimicamente se manifestava, o nome da rua em que havia habitado e o número da casa.

No caso que se segue e que me vem do mesmo livro, a manifestação do Espírito de desconhecido complica-se de modo interessante, devido a um erro de transmissão medianímica resultante da intervenção concomitante de dois Espíritos, desejosos ambos de se manifestar. E tudo ocorre em tais condições de realização que a hipótese da “prosopopese-metagnomia” se acha afastada de modo indiscutível. O episódio se deu na sessão de 13 de abril de 1923.

“Seguindo-se à manifestação de bebé “Blossoms” – diz o experimentador –, chegou a vez do Espírito de um desconhecido. Diz que em vida respondeu pelo nome de Arthur Eame e que três anos antes havia morrido de pneumonia no hospital da cidade, tendo então 23 anos de idade.

Acrescentou haver habitado a casa nº 18 de Clive Road e ter deixado uma noiva, de nome Carroll, que morava no nº 229 de Fleent Street. Continuou, dizendo:

– Espero me façais a gentileza de ir à casa dela para dizer-lhe que não morri e que lhe envio afetuosa saudação. Penso sentir-se-á reconfortada com esta mensagem. Desejava também fizésseis saber a meu pai que eu estou com minha mãe e que ambos lhe mandamos cumprimentos cheios de afeto.

No dia imediato telefonei ao médico de plantão no hospital, pedindo-lhe ver no registro de doentes se um rapaz de 23 anos, de nome Arthur Eame, havia morrido nesse hospital, três anos antes, em conseqüência de uma pneumonia. Respondeu-me que, com efeito, havia na época indicada morrido de pneumonia, no hospital, um doente com aquele nome, mas de prenome diferente e que tinha vindo de outra localidade da comuna.

Fiquei um tanto desnorteado verificando tal discordância da informação recebida medianimicamente, e isto com tanto maior surpresa quanto haviam sido absolutamente verídicos todos os esclarecimentos até então recebidos.

Na sessão imediata pedi, a esse respeito, explicações ao Espírito de minha mulher, que se limitou a responder:

– Continua a procurar e acharás.

Resolvi, portanto, ir ao nº 18 de Clive Road, rua que se acha no quarteirão leste da cidade e onde reside a parte operária da população. Lá verifiquei que a família que habitava a casa tinha o nome completamente diferente, tudo ignorando a respeito do que me interessava. Continuei minhas pesquisas nos arredores, mas sempre infrutiferamente; voltei desanimado e cansado.

No dia seguinte parti para uma viagem. De regresso, decidi prosseguir nas investigações, indo à procura da noiva do Espírito comunicante, na esperança de, achando-a, ter nela um bom elemento para me ajudar a esclarecer o mistério. Comunicando à médium esta minha intenção, ela me fez saber que, de alguns dias àquela data, por clariaudiência, percebia uma voz, ora de homem, ora de mulher, pronunciar a palavra “Frazer”, que para ela nenhuma significação tinha. Pensei que esse nome poderia ter qualquer relação com o caso e dele tomei nota.

Pouco depois dirigi-me ao nº 229 de Fleent Street; lá chegando foi-me a porta aberta por uma moça, a quem perguntei se ali morava a família Carroll.

– Sim – respondeu-me.

– Conhecestes outrora um rapaz chamado Arthur Eame?

– Não; este nome me é inteiramente desconhecido.

Coisa estranha! pensei então. Acho a casa, encontro a noiva e o mistério, longe de se esclarecer, complica-se. Arrisquei mais uma pergunta:

– Talvez tenhais conhecido um outro rapaz chamado Arthur Frazer?

A moça, cheia de surpresa, perguntou-me:

– Mas onde pretendeis chegar? Que desejais?

– Nada – respondi. – Desejava apenas saber se havíeis conhecido esse rapaz.

– Conheci-o, sim; era meu noivo, mas em setembro faz três anos que, vítima de uma pneumonia, morreu no hospital.

E pôs-se a chorar, deixando cair sobre a mesa os braços estendidos e com o rosto contra a madeira. Soluçava de maneira a comover. Esforcei-me por acalmá-la e distraí-la; nesta intenção, disse-lhe que era portador de uma mensagem afetuosa da parte do seu noivo, explicando-lhe, ao mesmo tempo, como era isso possível. Tranqüilizando-se um pouco, contou-me que ela e o noivo haviam crescido juntos, que ele tinha ido para a França, combater pela Pátria; que havia regressado doente e reduzido à maior pobreza, para ver o fim dos seus dias em um hospital. Tive grande dificuldade de lhe fazer compreender o modo pelo qual se dava o fenômeno das comunicações medianímicas com o mundo espiritual; fi-lo, entretanto, do melhor modo que me foi possível, e certo estou de que mais tarde essa mulher fará idéia bem diferente e mais confortadora de tudo o que diz respeito ao grande mistério da vida e da morte.

Dela obtive indicação da casa em que morava o pai do noivo, casa que distava cinco minutos dali. Lá encontrei um homem a rachar lenha na cozinha.

– Sois o Sr. Frazer? – perguntei-lhe.

– Sim – respondeu-me.

– Com a guerra perdestes um filho?

– Infelizmente.

– Era noivo de uma jovem da família Carroll?

– Efetivamente.

Nesse momento ele tirou da parede o retrato do filho e mostrou-mo. Esse homem pareceu-me, desde logo, um representante típico e inteligente da sua classe social, e quando me julguei no dever de lhe explicar o motivo das minhas perguntas, dando-lhe ciência da mensagem do filho e da mulher, percebi que tocava em corda a vibrar simpaticamente e já afinada.

– Justamente nestes últimos dias – disse-me ele –, li algo de Sir Conan Doyle, que afirmava essas mesmas coisas.

Graças a essa leitura sua mentalidade estava apta a assimilar a verdade que lhe estava expondo.

Depois de havermos longamente conversado e fumado, regressei muito satisfeito do resultado das minhas investigações, apesar de ainda não as ter completas. Era indispensável, com efeito, conseguisse uma explicação a respeito da confusão de nomes. Por que teria o Espírito comunicante dado o nome de Eame, quando, de fato, ele se chamava Frazer?

Perguntei ao Espírito de minha mulher que, dizendo-me não saber o motivo, prontificou-se a obter uma explicação a respeito. Pouco depois voltou com este esclarecimento:

– Frazer é o nome do rapaz, mas quando ele começou a te falar tinha ao lado um outro Espírito, chamado Eame, que se havia extraordinariamente interessado, ao notar que o primeiro se comunicava com vivos e estava impaciente por também podê-lo fazer. Havia morrido da mesma moléstia, no mesmo dia e no mesmo hospital. Ora, aconteceu que quando Arthur Frazer deu o seu prenome, o Espírito de Eame se intrometeu, pronunciando o seu nome de família, o que fez com que reconhecesses o nome de um e o prenome do outro, sem perceberes a diferença entre as duas “vozes diretas” que se haviam feito ouvir.

Esse esclarecimento pareceu-me solução muito plausível do enigma, mas era indispensável certificar-me de sua exatidão. Dirigi-me, pois, ao hospital, à procura do médico com o qual já me havia comunicado pelo telefone. Expus-lhe a coisa com a maior franqueza e também o resultado do inquérito, pedindo-lhe de consultar, ainda uma vez, o registro do hospital. Ele o fez imediatamente. E com grande espanto seu e regozijo meu, leu ele os seguintes apontamentos:

Arthur Frazer – 23 anos. Pneumonia. 21 de setembro de 1920.

James Henri Eame – 46 anos. Pneumonia. 22 de setembro de 1920.

O único erro existente, neste admirável caso de identificação, consistia em haver minha mulher dito que os dois homens tinham morrido no mesmo dia quando, pelo registro do hospital, se verificava que um havia morrido em um dia e o segundo no outro. Mas o médico fez-me notar que muito provavelmente havia um falecido por volta da meia-noite e o outro meia hora ou uma hora depois, com intervalo de tempo tão curto que não podia o fato provocar qualquer sofisma. Demais, ao que me disse ele, no hospital se registrava apenas o dia da morte e nunca a hora. O doutor ficou extremamente surpreendido e impressionado pela evidência da prova espírita, que ressaltava do encadeamento dos detalhes.

Inútil será acrescentar não haver eu conhecido nenhum dos dois protagonistas do caso e que não existia relação de qualquer ordem ligando um desses indivíduos a qualquer um de nós. Não obstante, o Espírito comunicante se manifestou e eu consegui vencer todas as dificuldades que haviam delongado o meu inquérito, obtendo escrupulosa autenticidade das informações que um Espírito, de todos desconhecido, havia, espontaneamente, oferecido com o fim da identificação pessoal.” (págs. 112-122.)

Tal o interessante episódio narrado pelo Sr. Appleyard. Sabemos que nos casos de identificação espírita se dão, com certa freqüência, erros inexplicáveis de nomes, como o que acaba de ser esclarecido, erros que parecem corroborar o ponto de vista dos nossos antagonistas.

Se o Espírito do morto comunicante errasse ao dar o próprio nome, o nome da mulher, do filho, do irmão, o valor probatório – no sentido espírita – dos outros esclarecimentos verídicos, fornecidos sob a responsabilidade da mesma personalidade medianímica, deixaria, sem dúvida, de existir, e a hipótese de uma “personificação subconsciente”, combinada com a clarividência do médium (“prosopopese-metagnomia”), tornar-se-ia verossímil, não obstante os obstáculos teóricos de outra natureza.

Tal, com efeito, a tese de Podmore e de tantos outros, tese com êxito contestada pelo Dr. Hodgson e pelo Prof. Hyslop, que demonstraram as dificuldades enormes e complexas que surgem diante do fato de ter a entidade espiritual comunicante de, para tal, se utilizar de cérebros alheios, não sendo, por isso, lícito resolver, com tanta desenvoltura, um enigma que, ao contrário, precisa ser demoradamente examinado.

O Prof. Hyslop, baseando-se na oportuna analogia do cruzamento de linhas telefônicas, havia aliás sugerido, para os casos mais desnorteantes desta espécie, uma explicação idêntica à que ressaltou, de modo imprevisto, do episódio supra. Daí a importância teórica do caso em apreço, graças ao qual a hipótese do Prof. Hyslop adquire legitimidade científica. Devemos inferir, com efeito, que grande número dos nomes errados, que são registrados nos casos verídicos de identificação espírita, provêm da presença de outras personalidades desejosas de se comunicarem e cujos nomes se vêm intercalar nas mensagens em andamento, seja por um impulso consciente, seja pela transmissão inconsciente do pensamento de algum dentre os Espíritos que ali se encontrem. Não seria lícito eliminar esta hipótese, como gratuita e não demonstrável, pois no caso acima chegou-se a demonstrar que o nome errôneo obtido, longe de ser fantástico, era ao contrário o nome autêntico de um morto, cujo vestígio foi possível achar-se, do mesmo modo que possível foi constatar-se dever ele ter conhecido, quando vivo, o comunicante que havia morrido da mesma moléstia, no mesmo hospital e até no mesmo dia.

É inegável, pois, que o simples fato de haver sido possível identificar o Espírito pelo qual se havia produzido a confusão de nomes, no episódio que acabamos de ler, agita um problema de todo inconciliável com toda e qualquer interpretação natural do referido episódio. E senão vejamos.

Se acolhêssemos a hipótese dos nossos contraditores – segundo a qual o episódio em questão se trataria de um fenômeno de personificação subconsciente (prosopopese), à qual viria emprestar autoridade a revelação de esclarecimentos verídicos, obtidos com o auxílio das faculdades clarividentes do médium (metagnomia) – não seria possível explicar o incidente da substituição do nome. A hipótese da leitura a distância, nas subconsciências de outros, não se coadunaria absolutamente, de fato, com a natureza da interferência que se deu e na qual foi transmitido o nome de um Espírito autêntico mas estranho ao comunicante, do mesmo modo que desconhecido de todos os vivos que estavam ligados direta ou indiretamente com esse mesmo comunicante. Isto quer dizer que nestas circunstâncias as faculdades clarividentes do médium não poderiam, fosse mesmo por um erro, desentranhar esse nome da subconsciência do pai do finado Frazer, da noiva, dos parentes desta ou ainda dos experimentadores.

Ora, se considerarmos que essas circunstâncias de fato, constituindo obstáculos insuperáveis para a hipótese adversa, aliam-se a outras circunstâncias também de fato, não menos insuperável, qual a de ser necessária a “relação psíquica”, que não se teria podido estabelecer entre a subconsciência do médium e as subconsciências de pessoas desconhecidas do médium e dos assistentes; se considerarmos todo esse interessante conjunto, teremos de reconhecer que daí ressalta, de um modo mais que evidente, a incapacidade da hipótese da “prosopopese-metagnomia” para explicar erros dessa natureza. Só nos resta, pois, aceitar a explicação resultante dos próprios fatos e dizer que o incidente da substituição de nome é um fenômeno de interferência, produzido por um outro Espírito tentando intempestivamente transmitir o próprio nome, que assim se vem intercalar no meio da comunicação medianímica em andamento, incidente que se verifica comumente no mundo dos vivos, sob múltiplas formas, na telefonia e na telegrafia sem fio. Por outros termos, reconhecendo que a substituição de nomes, no gênero da que estamos examinando, não se pode produzir pela “criptestesia”, e sendo, pelo contrário, racional que interferências dessa ordem se dêem, às vezes, nas comunicações medianímicas com os mortos, teremos logicamente de concordar que esta última hipótese é a única capaz de explicar o fato e, conseqüentemente, também a única cientificamente legítima.

Acrescentarei que, com isto, conseguimos demonstrar uma outra verdade teórica, embora não procurada aqui, isto é, que a hipótese espírita, em última análise, ao invés de ser prejudicada com os erros que se encontram nas mensagens dos mortos, tira desses erros proveito, às vezes, inestimável. E assim não será temeridade prever que as outras incertezas teóricas, ainda existentes nesse terreno, hão de um dia constituir outras tantas provas auxiliares, da mesma interpretação.

Extraio este terceiro caso do Journal of the American Society for Psychical Research, 1923, páginas 552-555. O Sr. Stuart Armour, membro desta Sociedade americana e conhecido do Prof. Hyslop, com quem trocou algumas cartas a respeito do caso, escreve o que se segue:

“Foi em S. Francisco, faz alguns anos, que comecei a interessar-me pelas investigações psíquicas. Fiz durante alguns meses experiências com médiuns particulares e com médiuns profissionais. Aconteceu que travasse conhecimento com a médium Sra. Sarah Seal, senhora distinta, aproximadamente com 65 anos de idade e respeitada, como aliás de justiça, por sua honestidade e impecável correção... Como morasse não longe de mim, ia cumprimentá-la freqüentemente ao sair do meu escritório, com o fim único de com ela trocar idéias.

Um dia, tendo conversado longamente sobre os meus projetos de exploração de uns terrenos mineiros, que acabava de comprar no Estado de Nevada, a Sra. Seal interrompeu-me, em determinado ponto da palestra, para dizer-me que enquanto eu falava ela ouvia uma voz com timbre irlandês, provindo de alguém que se mostrava muito interessado pelos meus projetos, e que notava que essa pessoa não sabia exprimir-se sem intercalar no período palavras inconvenientes e vulgares.

– Pedi – disse-lhe eu – a esse alguém que vos fala o obséquio de dar o seu nome e de explicar o motivo por que manifesta tanto interesse pelo meu empreendimento.

Respondeu, então, a voz: “Chamo-me Phil Longford”, acrescentando que quando vivo havia preconizado, durante vários anos, a oportunidade de explorar esse mesmo distrito mineiro, para o qual acabava eu de voltar as minhas vistas.

Esse nome me era completamente desconhecido, assim como à Sra. Seal, cumprindo notar que o distrito mineiro de que se trata acha-se situado a uma distância de 350 milhas de S. Francisco, em região deserta e quase inabitada do Estado de Nevada. Os mais próximos habitantes desse distrito eram dois velhos mineiros que residiam a 11 milhas de lá e nunca se haviam afastado da localidade em que viviam. Um deles, natural de Cornouaille, chamava-se James Say e residia há muitos anos nessa região.

A Sra. Seal era inglesa, havia vivido sempre no Kansas e na Califórnia. Nunca havia posto o pé no Estado de Nevada, mas ainda que lá tivesse ido e mesmo residido, continuaria a ser absurdo que tivesse ouvido falar de um obscuro prospector de minas, que vivera muito tempo antes. Eu mesmo, quando fui a essa região, inspecionar esses terrenos mineiros, fiz o que pude para bem conhecer-lhes o histórico, por haver encontrado vestígios de trabalhos anteriormente empreendidos; consegui apenas saber que tribos indígenas haviam procedido escavações e descoberto ricas amostras de minério aurífero, mas ninguém fez menção de qualquer antigo prospector dessas minas, chamado Phil Longford.

Por intermédio da Sra. Seal, disse ao Espírito de Phil:

– Se habitaste essas paragens alguns anos atrás, deves ter conhecido o velho mineiro James Say.

– Certamente que conheci – disse-me ele –, mas então ainda era um rapaz.

Perguntei-lhe ainda:

– Se de ti falasse ao mineiro Say, pensas que ele se lembraria de ti?

– Deve lembrar-se – respondeu –; mas, se por acaso houver esquecido, fala-lhe do maior comilão e do maior blasfemador da região e ele imediatamente se recordará de mim.

O resultado desse diálogo foi que escrevi a James Say, dizendo-lhe que, no correr das minhas investigações, tinha sabido que um irlandês, de nome Phil Longford, havia prospectado, alguns anos atrás, o distrito mineiro que me interessava, pedindo-lhe me dissesse o que a respeito sabia. Respondeu-me, pela volta do correio, que tinha conhecido, de fato, Phil Longford, que, entretanto, havia morrido há bastante tempo, tendo deixado um filho que ainda era vivo e residente em Reno (Nevada).

O Espírito de Phil era uma entidade cheia de vida, mas muito vulgar e rasteira. A Sra. Seal andava horripilada do seu calão rude e inconveniente. Ele denunciava sua presença por longa tirada de pragas, após o que podia então continuar a conversa sem tal colorido. Desculpava-se dizendo que, ao tomar contacto com as condições terrenas, os antigos hábitos de linguagem de si mesmo explodiam, sem que lhe fosse dado evitá-los.

Nas conversas por intermédio da Sra. Seal, esta muitas vezes o não compreendia, devido às expressões da gíria irlandesa, dela ignorada.

Mostrava-se ele pouco contente de mim: na sua opinião, eu não estaria agindo bastante energicamente no sentido de arranjar os elementos necessários para a exploração das minas, que tanto o interessavam.

Perguntei-lhe donde lhe vinha o interesse pelo meu negócio, ao que me respondeu que se sentia preso a esse distrito, enquanto as minas não fossem exploradas. Acrescentou que havia esperado longos anos, em vão, mas que por fim havia eu surgido. Então me havia estudado de perto, convencendo-se ser eu o homem necessário para tentar o empreendimento, dada a feição de iniciativa e mesmo um tanto aventureira do meu temperamento (meio maluco, dizia ele).

Sabendo que ele tinha um filho, que vivia no Reno, perguntei-lhe se não achava bom que ao mesmo escrevesse comunicando as minhas relações com o pai.

– Não faças isso – disse-me ele. E acrescentou: – Tu te encontrarás um dia com o meu filho e então conhecerás o vício do pai, quando peregrinou pela Terra.

Aproximadamente um mês mais tarde, estava eu no Reno, em um café, à espera do trem, quando vi entrar um homem, completamente embriagado, que veio direto a mim, embora me achasse na parte mais distante e não obstante estar o local repleto de mineiros.

– Eu vos conheço – disse-me ele –, mas não me posso lembrar do nome. Vinde virar um copo comigo.

Não aceitei o convite e lhe fiz ver que deveria estar enganado, pois absolutamente não o conhecia. Por tal forma, porém, insistiu que, para dele me ver livre, acabei por me dirigir ao balcão, onde verifiquei que ele era conhecido de toda a gente. Em um dos momentos que sua atenção estava presa alhures, perguntei ao dono da casa quem era tal sujeito, e ele me respondeu que o pândego se chamava Longford. Havia, de fato, me encontrado com o filho de Phil!

Na sessão imediata com a Sra. Seal, o Espírito de Phil se manifestou, dizendo, logo de início:

– Agora que já te encontraste com meu filho, deves saber qual o defeito do pai. Fui um bêbedo e não é por outra coisa que me acho preso ao vosso mundo. Quando eu te disse que me sentia preso ao distrito mineiro, que ora te preocupa, queria dizer que por uma causa misteriosa, cuja explicação não conheço, o meu futuro espiritual parece estar preso à exploração das minas que prospectei, em vida.

E terminou com o seu habitual bom humor: – Talvez a Sra. Seal, que é uma senhora esclarecida, possa explicar-te o mistério, para mim claro como água barrenta.”

O caso que acabo de transcrever oferece ensejo para algumas considerações de ordem teórico-espíritas, que viriam projetar alguma luz sobre as incertezas que ainda envolvem as causas determinantes de certos estados inferiores de transição da vida espiritual; mas seria afastar-nos demasiado do nosso caminho.

Devemos excluir por completo a possibilidade, mesmo longínqua, de haverem o narrador e a médium tido conhecimento da existência e dos hábitos da vida do finado Phil Longford, para em seguida tudo esquecerem (criptomnesia). Vimos mesmo o próprio narrador, quando no local, a fim de obter informações sobre o histórico das minas, que pretendia explorar, não haver colhido qualquer referência sobre a existência desse indivíduo, homem de todo obscuro e falecido muitos anos antes, numa região deserta, distante 350 milhas da residência do narrador e da médium.

A hipótese da “prosopopese-metagnomia” ainda uma vez se apresenta impotente para explicar os casos e como, no caso em foco, não possamos encontrar outros naturais, ou mesmo logicamente aplicáveis, encarado que seja sob qualquer um dos seus detalhes de realização, só nos sobra o recurso da única explicação plausível, que nos aponta a personalidade comunicante como sendo de fato a do Espírito do morto, que se declara presente. Não nos devemos também esquecer que a médium não compreendia o que dizia o Espírito comunicante, quando este se exprimia em gíria irlandesa, o que demonstra, de um modo incontestável, a presença de uma individualidade pensante, independente da individualidade pensante da médium.

A confirmar ainda estas conclusões, temos o interessante episódio da predição do próximo encontro do narrador com o filho de Phil.

Tudo concorre para provar que esse pré-anúncio não podia ser um episódio de clarividência da parte da personalidade comunicante, mas o aviso antecipado de um encontro que o Espírito comunicante se dispunha a provocar, agindo telepaticamente sobre o filho no momento oportuno. Claramente isto ressalta das circunstâncias em que se deu o encontro. Vemos com efeito o filho de Phil entrando, bêbedo, pelo café repleto de fregueses, e dirigir-se diretamente ao Sr. Armour, que nunca tinha visto, como se uma influência estranha o compelisse, cumprindo não esquecer a outra circunstância de o filho de Phil haver dito ao Sr. Armour: “Eu vos conheço, mas não me posso lembrar do vosso nome”, enquanto que na realidade nunca se haviam encontrado. Vem este pormenor confirmar a indução de que ele agia sob a impulsão telepática do Espírito do pai, que, havendo predito ao narrador um encontro próximo com Longford filho, procurava então determiná-lo.

Uma terceira circunstância convergente, neste sentido, está no fato de, na sessão medianímica subseqüente, o Espírito de Phil se haver manifestado dizendo: “Agora que já te encontraste com o meu filho, deves saber qual o vício do pai”, o que mostra estar ele bem certo de se haver dado o encontro.

É, portanto, claro que, no caso relatado pelo Sr. Armour, se encontram, em grande número, provas demonstrativas da origem espírita dos fatos, ao mesmo tempo em que se constata a impossibilidade da “prosopopese-metagnomia” para explicar casos de identificação espírita desta natureza.


VII
Novas hipóteses de René Sudre para, de qualquer
modo, safar-se das dificuldades insuperáveis
(casos das categorias 2, 3, 4 e 5)

Passando ao exame das outras categorias, já enumeradas, de manifestações inexplicáveis por hipóteses naturais, lembrarei que as categorias 2, 3, 4 e 5 se referem respectivamente aos casos de “aparições de mortos no leito de morte”, de “crianças videntes no leito de morte de terceiras pessoas”, de “telecinesia no momento da morte e depois da morte” e de “música transcendental no leito de morte e depois da morte”.[1] Não me sinto obrigado a discutir esses casos, por já os haver detidamente examinado em monografias especiais, que alguns dos meus leitores provavelmente conhecem, e onde todos poderão encontrar numerosos casos de todo inexplicáveis pela “prosopopese-metagnomia” ou por qualquer outra hipótese natural.

Mas, não obstante, sou forçado a deter-me um pouco sobre o assunto, pois, a não ser na das “crianças videntes no leito de morte de terceiras pessoas”, sobre a qual guarda eloqüente silêncio, Sudre toca, embora de leve, nas categorias que compreendem os outros fenômenos. E quando a elas alude, ele o faz, naturalmente, a seu jeito.

Quando, há dois anos, foi publicada a tradução francesa de três das minhas monografias, sob o título geral de Phénomènes Psychiques au moment de la mort, Sudre dela se ocupou, em ligeira análise, no número de maio-junho de 1924 da Revue Métapsychique, conseguindo amontoar em uma só página embaralhamento estupendo de sofismas e paralogismos. Respondi-lhe com a refutação de todos os pontos da sua espantosa análise, nos fascículos de novembro-dezembro de 1924 da Revue Spirite. Não replicou Sudre e logicamente impossível seria fazê-lo. Hoje, no entanto, vejo que, não podendo deixar de, no seu trabalho, aludir a esta categoria de fatos, ele o faz com certa timidez e de relance; fala o bastante, todavia, para demonstrar haver repudiado alguns dos seus sofismas mais notáveis e mais antigos e para, com a fertilidade própria dos fantasistas e sem ter absolutamente em conta os fatos, apresentar outros, se possível, mais ousados.

Nem sempre, porém, a exuberância inventiva lhe basta e, então, se volta para as frases sonoras, suas favoritas de sempre e, como de hábito antigo, as reedita no livro, esquecido talvez da cabal refutação que sofreram. Deparo agora com uma velha conhecida minha que ele atira contra os fenômenos de “música transcendental”. Efetivamente, à página 358, Sudre repete: “São fenômenos auditivos que se prestam ainda mais à ilusão que os visuais, como conchas marinhas, que nos fazem ouvir as mais belas sinfonias”. Quando o autor empregou pela primeira vez esta comparação, aliás mal escolhida, fiz-lhe observar que “nas conchas marinhas de modo algum se ouvem sinfonias e ainda menos cantos vocais humanos e melodias, mas tão somente tonalidades diferentes, de sons amorfos, que se fundem sem nunca adquirir qualquer valor musical”. Apresentei, em seguida, um exemplo irrefutavelmente espírita de “música transcendental”, acompanhando-o destas palavras: “Diante das manifestações de música transcendental tão maravilhosa e em condições tão especiais, ouvida coletivamente por todos os assistentes, é de admirar que Sudre possa comparar tudo isto com os sons amorfos de uma concha do mar, sons que, aliás, são ouvidos apenas pela pessoa que coloca a concha ao ouvido e não coletivamente, por todos os presentes”.

Parece que esta última consideração deveria bastar para impedir que Sudre lançasse mão de comparação tão descabida; ao contrário, porém, ele audaciosamente a estampa, de novo, no seu livro. São incoerências surpreendentes, que claramente traduzem o grande embaraço do autor sempre que defronta manifestações que não podem ser explicadas senão pela hipótese espírita. Baldo de argumentos, atira-se desesperadamente à primeira frase sonora que logo cai da pena, sem se lembrar que tais recursos, aos olhos dos competentes, mais prejudicam aos que deles se valem do que propriamente à causa que combatem.

A propósito da “telecinesia no momento da morte e depois dela”, Sudre sumariamente expõe um caso por mim relatado para aplicar-lhe a sua antiga hipótese, reforçada de outra mais moderna.

Vou aqui resumir o caso por mim transcrito, in extenso, no livro Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte:

“O Dr. Vincent Caltagirone conta que tendo, um dia, em sua casa, longa discussão com um dos seus amigos, Benjamim Sirchia, relativamente à sobrevivência da alma, Sirchia, materialista convicto, prometeu-lhe que, se acontecesse ser, dos dois, o que primeiro viesse a morrer, havia de anunciar-lhe a grande nova da sua sobrevivência, fazendo-se reconhecer por uma manifestação especial, qual, por exemplo, a de quebrar alguma coisa do lustre suspenso na sala de jantar, onde então se encontravam. Sendo, com efeito, o primeiro a morrer, longe da sua residência e sem que o Dr. Caltagirone disto tivesse ciência, ele cumpriu a promessa. Fez-se anunciar, a princípio por pequenas pancadas no lustre, e depois, rachando a tulipa móvel que encimava a manga de vidro da lâmpada de petróleo, fez cair sob a lâmpada, em linha perpendicular, o pedaço quebrado da tulipa, isto é, colocando o pedaço quebrado onde de modo natural não teria podido cair, devido ao recipiente do petróleo, que teria impedido o fizesse tão perpendicularmente.

É preciso notar que as primeiras manifestações das pequenas pancadas rítmicas dadas sobre o lustre haviam começado três dias depois da morte de Benjamim Sirchia e se repetiram durante cinco ou seis dias consecutivos, até conseguir quebrar o pedaço da tulipa móvel do lustre.

Atingido o fim, uma pancada formidável foi ouvida, como se uma bengala houvesse violentamente batido sobre a mesa.

As manifestações cessaram, desde esse momento, evidentemente por estar cumprida a promessa.”

Eis agora como Sudre comenta o fato:

“A explicação metapsíquica se reduz a procurar o instrumento produtor dos fenômenos de telergia; trata-se do agonizante agindo fisicamente, a distância, ou da própria testemunha, cujo subconsciente, avisado da morte, executa a promessa. É mesmo provável, no caso Caltagirone, que agente e percipiente tenham ambos sido instrumentos...”

Façamos alto um instante para examinar esta explicação. É a velha teoria das “reservas”, sustentada pelo autor, na sua primeira crítica aos casos desta categoria e por mim refutada, no artigo a que já tive ocasião de me referir. Essa categoria consiste em imaginar que um fenômeno telepático (suposto, em nosso caso, mas inexistente) seja capaz de ligar uma corrente de energia medianímica (por sua vez, imaginada, por comodidade teórica) no percipiente, energia suscetível de perseverar cinco ou seis dias consecutivos, na sua tentativa de produzir um fenômeno determinado, enquanto o suposto agente nada de anormal em si percebe e, como se daria no nosso caso, continua a trabalhar no seu gabinete, ao passo que na sala de jantar se repetem as manifestações telecinésicas, de que seria, no entanto, o gerador exclusivo.

Julgo desnecessário novo esforço para combater hipótese que se assenta em bases tão precárias; peço aos meus leitores consultem o meu artigo acima citado, no qual a contraditei a fundo.

Passemos, portanto, à segunda hipótese que Sudre chama em auxílio da primeira. Continua ele:

“Enfim, lícito é supor que o fantasma teleplástico, criado durante a agonia, pode, em certos casos, conservar uma vida independente da do seu criador ou unir-se a outra pessoa viva, durante algum tempo. A teleplastia experimental não nos provou que as formas viessem exclusivamente do paciente e que exclusivamente a ele voltassem.”

É na realidade inconcebível que todo esse “imbróglio” seja apresentado em traje científico, por aqueles mesmos que consideram anticientífica a hipótese espírita! Dir-se-ia mais um gracejo; tudo ali é gratuito, absurdo, fantástico! Seria perder inutilmente o tempo discutir tal hipótese que os fatos se encarregarão de derrubar, sepultando-a para sempre no ridículo.

Antes, porém, de para estes recorrer, impõe-se-nos o exame da teoria complementar, formulada um pouco mais adiante. Em determinado ponto do seu requisitório antiespírita, notando que a hipótese supra nem a ele mesmo satisfaz, não lhe bastando para explicar, mesmo a seu modo, os casos de identificação espírita, Sudre faz ainda, a uma outra, fervoroso apelo.

Quando um sensitivo-psicométrico recebe um objeto que pertencera a um morto, ele fica em condições de poder fornecer esclarecimentos passados e presentes a respeito desse morto, justamente como se o objeto psicometrado servisse para estabelecer a “relação psíquica” com o Espírito do defunto, do mesmo modo que um objeto, tendo pertencido a um vivo, serve para estabelecer a “relação psíquica” com a subconsciência do vivo ausente. À página 374 diz, então, Sudre:

“Tocamos aí no ponto capital onde a Metapsíquica deve encarar a hipótese da sobrevivência. Demonstrando a experiência que nenhuma diferença existe na função metagnômica, quando a pessoa está viva e quando morta, é que a memória desta pessoa sobrevive... Nós estamos longe da hipótese espírita. Essas memórias que sobrevivem não são evidentemente um “psicológico morto”, uma coleção de clichês empilhados no espaço, mas também não são personalidades vivas. A vida que se lhes pode atribuir é uma vida inconsciente, uma vida sonambúlica, onde impera apenas o automatismo da memória. Para reviver de uma vida ainda que muito incompleta, mas que possa arremedar a nossa, é indispensável que um paciente lhe empreste um pouco do seu corpo e talvez do seu próprio espírito...”

E à página 413 acrescenta:

“Mostrando, como fizemos, que a Metapsíquica prova quando muito a sobrevivência de uma memória, duplicata da existência terrestre, mas sem atividade possível, quando fora de um Espírito encarnado que a ressuscite, destrói-se a hipótese fundamental de Myers...”

E ainda à página 413:

“Nós admitimos a sobrevivência da memória pura; mas mesmo supondo que não seja um simples reservatório inerte, que conserve um dinamismo, não poderia ainda assim constituir uma personalidade verdadeira. Privada do seu sustentáculo físico, ela não passa de um fantasma que, talvez, se desassocie e se apague. Para reconstituí-la, mister se faz do organismo vivo de um paciente metapsíquico.”

As duas hipóteses que acabo de transcrever constituem as colunas fundamentais da teoria antiespírita formulada por Sudre. Se, portanto, demonstrarmos, sobre a base concreta dos fatos, toda a atordoante insuficiência das mesmas, sem termos mesmo em conta o absurdo profundamente ridículo que as caracteriza, provocaremos o desmoronamento imediato do grande castelo de sofismas e paralogismos edificado por Sudre, com o fim exclusivo de combater aqueles que proclamam poderem ser demonstradas experimentalmente a existência e a sobrevivência da alma.

Todavia, antes de voltarmos aos exemplos, seria oportuno fazer ressaltar como a eloqüência irresistível dos fatos obriga Sudre a fazer concessões teóricas que de muito comprometem a tese materialista que sustenta. De fato, se é verdade que necessário se torna admitir a existência de um “fantasma teleplástico” ou “duplo” humano, que do corpo se separa após a crise da morte “para conservar uma vida independente da do seu criador ou, antes, para aderir a pessoas vivas durante determinado tempo”; se é ainda verdade que preciso se torna completar essa teoria, admitindo as “memórias que sobrevivem”; se mister se faz aceitar tudo isso, não deveremos recear também admitir que aquele que constrangido foi, pela autoridade dos fatos, a tais extremos chegar, não tardará muito a se convencer do próprio erro, a não ser que vítima seja de incurável cegueira, e a concordar, sem restrições, com a hipótese espírita. Com efeito, as hipóteses espantosas arquitetadas por Sudre não resistem, logicamente, ao exame dos fatos e não podem constituir mais do que “uma etapa teórica de transição” que racionalmente há de conduzir sempre mais longe aquele que já chegou ao ponto de reconhecer a existência permanente e independente de um fantasma espiritual, consciente e inteligente, desagregado do envoltório somático no momento da morte.

Voltando aos fatos, convido Sudre a aplicar as suas hipóteses ao caso de Phil Longford, em que a personalidade do morto se manifestou ao Sr. Armour, trinta e tantos anos após haver morrido, longevidade um tanto exagerada, força é confessar, para o “fantasma teleplástico” de que fala Sudre.

Nota-se ainda, no mesmo caso, que a personalidade do comunicante, longe de se mostrar fantasma inconsciente, condenado a permanecer imóvel, suspenso no ar, à semelhança de um balãozinho cativo, à espera da médium que momentaneamente lhe empreste aparências de vida; longe de permanecer jungido – não se sabe bem como, nem porque – à pessoa de um vivo qualquer, ela irradia, pelo contrário, independência, consciência e vitalidade em quantidade suficiente para se manifestar a um desconhecido, que se encontra a 350 milhas do lugar em que morreu (Longford), fornecendo as melhores provas de identidade pessoal, mostrando tal independência da médium, tal atividade “fora do Espírito encarnado que o ressuscita”, que consegue influenciar telepaticamente o filho, a fim de tornar efetiva a intenção de fazê-lo encontrar-se com Armour.

Parece que acabo de dizer bastante para fazer ruir as novas hipóteses engendradas por Sudre.

Que tente ele provar o contrário; que tente aplicar as suas hipóteses aos casos de James Frazer-Eame, da Srta. Warner-George Pelham, do mesmo modo que ao admirável caso de Wilde, por mim narrado nos números de março e abril, 1926, da Revue Spirite.

Convido-o ainda a adaptar aquelas suas hipóteses ao seguinte caso, em que, mais uma vez, se vê que os Espíritos dos defuntos podem livremente agir, mesmo “fora de um Espírito encarnado que o ressuscite”, tornando assim evidente a existência de entidades espirituais independentes do médium e munidas de uma personalidade, de uma vontade, de uma atividade que lhes são próprias.

Destaco o episódio do livro de Hannen Swaffer, Northcliffe’s Return, livro bastante interessante, recentemente aparecido na Inglaterra, no qual o autor trata das manifestações e das provas de identificação pessoal, fornecidas por Lord Northcliffe, através de vários médiuns.

É mais um caso de identificação espírita de primeira ordem, inexplicável por qualquer teoria materialista e que se vem juntar à coleção já tão vasta e preciosa dos da mesma natureza, constatados nestes últimos tempos.

Existe em Londres uma senhora de rara distinção, a Sra. Gibbons Grinling, que, com ardor e inteligência, se dedica a investigações metapsíquicas. Acompanhada sempre de seu filho Denis e, às vezes, da sua amiga, Sra. Leonard, tentou em sessões regulares, de uma hora cada uma, realizadas três vezes por semana, desenvolver em si a mediunidade da “voz direta”.

Durante três anos foi essa perseverança admirável desafiada do modo mais desanimador, até que afinal, certa vez, de um dos cantos do quarto, em que mãe e filho estavam assentados, em completa escuridão, partiu uma voz, que chamava: “mamãe!”

Era a voz do seu filho Cedric, morto em idade muito tenra. Desse dia em diante, o fenômeno da “voz direta”, na Sra. Gibbons Grinling, desenvolveu-se com rapidez, atingindo, dentro em pouco, perfeição rara. Atualmente os Espíritos comunicantes não mais precisam do “porta-voz” para condensar as vibrações sonoras e falam, independentemente, com o mesmo timbre de voz que tinham quando vivos.

Ora, uma noite em que a Sra. Grinling fazia uma sessão na maior intimidade, Lord Northcliffe se manifestou, espontaneamente, para dizer à médium que desejava fosse convidado a tomar parte numa das sessões o jornalista Hannen Swaffer, a quem desejava falar.

A Sra. Grinling conhecia, de nome, Lord Northcliffe, mas nunca ouvira falar no jornalista Hannen Swaffer. Para obter as necessárias informações dirigiu-se à sua amiga Sra. Leonard, que se encarregou de prevenir Swaffer e de apresentá-lo à Sra. Gibbons Grinling.

Hannen Swaffer compareceu a uma dessas sessões a que também assistiram, além naturalmente da Sra. Grinling e Denis, a Srta. Louise Owen e a Sra. Osborne Leonard.

A sessão teve início em quarto iluminado por pequena lâmpada elétrica, suspensa ao teto. Passados alguns minutos, ouviu-se uma “voz direta” partindo do ângulo menos iluminado do quarto, dizendo: “A luz está muito forte.” Era a voz de Cedric. Swaffer levantou-se e atirou à lâmpada, colocada um tanto alto, dois lenços que, depois de algumas tentativas, nela se prenderam, envolvendo-a, o que de muito diminuiu a intensidade da luz.

Agora é Hannen Swaffer quem vai narrar o ocorrido. Escreve ele:

“Logo após, ouvi a voz de Lord Northcliffe, que me disse perto do ouvido:

– Doris está aqui comigo.

Para que se possa bem compreender a significação disto, devo esclarecer que, dias antes, durante uma sessão com a Sra. Leonard, perguntara eu a Lord Northcliffe se, no meio espiritual em que se achava, não havia encontrado uma pessoa dele conhecida e a mim estreitamente ligada...

– Compreende bem a quem me quero referir? – perguntei.

Não lhe havia pronunciado o nome da pessoa, mas mesmo assim a ela se referiu durante algum tempo e Fedda acrescentou saber que a amiga a quem nos referíamos “havia sofrido bastante durante a vida”.

Está claro que, tendo encontrado aquele ensejo de conduzir o Espírito dessa minha amiga a uma sessão, onde pudesse ela conversar diretamente comigo, Lord Northcliffe o não perdesse, embora não lhe havendo eu pedido tanto...

Em seguida, uma voz de mulher a mim se dirigiu:

– Sou eu, Doris, que te estou falando. Acho-me novamente contigo. Lembras-te do lugar em que me encontraste?

– Sim – respondi-lhe, embora para isso tivesse a minha memória de recuar um bom quarto de século.

A Srta. Owen perguntou:

– É esta a primeira vez que te manifestas?

– Sim. – e acrescentou: – Tive uma vida muito atribulada... mas meu filho – continuou ela, dirigindo-se a mim – está prestes a voltar para a Inglaterra... Ele deve continuar a ignorar... guarda bem o segredo.

Compreendi perfeitamente o que me quis dizer. Era uma mensagem de além-túmulo na qual me pediam o maior desvelo por alguém que era extremamente amado da pessoa que falava. A alusão feita se referia a alguma coisa que só eu podia compreender e de que fazia grande questão o Espírito comunicante. Cumpre notar que por mais de uma vez muito me havia preocupado se devia revelar ao rapaz a sua origem...”

Não procuremos suspender o véu, bem transparente aliás, que encobre o segredo da morta, e conhecido do consultante. Minha tarefa será apenas de demonstrar a razão por que o episódio acima constitui um caso autêntico de identificação espírita, inexplicável pela hipótese da “prosopopese-metagnomia”, ainda que combinada com as duas outras engendradas pelo nosso autor, por comodidade teórica.

Devemos em primeiro lugar notar uma circunstância bastante interessante e que constantemente se repete na longa série de sessões descritas no livro de Hannen Swaffer, qual a da continuação não interrompida da memória de Lord Northcliffe que, passando de um médium para outro, se lembra sempre do que disse ou fez no correr das manifestações anteriores, exatamente como agiria uma individualidade espiritual propriamente dita, isto é, uma entidade estranha a todos os médiuns pelos quais se manifestava, circunstância que no caso é mais especialmente acentuada, visto o Espírito em questão, não somente se lembrar, mas agir de acordo com essa lembrança, preparando uma surpresa ao consultante, qual a de ir à procura de um médium, através do qual fosse possível à amiga morta conversar diretamente com o amigo vivo.

Descoberto que foi o médium, com ele se comunica, manifestando o desejo de que convide para vir à sessão um indivíduo desconhecido do médium e dos assistentes e do qual dá o nome.

Mas paremos um instante e reflitamos um pouco sobre o valor teórico desses diversos detalhes. O fato da procura e da descoberta do médium apropriado a seus fins e o encontro que prepara para poder atingi-los vem provar mais do que nunca que aquele que assim operava era um agente espiritual estranho a todos os médiuns de que se servia. Esse agente havia de fato, nessa circunstância, deliberado e agido não com o auxílio de um médium, mas “fora de um Espírito encarnado que o ressuscitasse”, como ressalta do fato de ter ele desenvolvido sua atividade no intervalo decorrido entre duas sessões experimentais, intervalo que foi de alguns dias. Nessas condições, claro está que a hipótese da “prosopopese-metagnomia”, reforçada pela da sobrevivência temporária de um “fantasma teleplástico inconsciente” e especada ainda pela “sobrevivência de uma memória, duplicata da existência terrena, mas sem atividade possível fora de um Espírito encarnado que a ressuscite”, está claro, dizia, que esse conglomerado de hipóteses fantásticas não se aplica a manifestações supranormais, que se desenrolam fora das sessões experimentais, fora de toda relação medianímica, fora de toda influência psíquica dos vivos. Com isto, não nos devemos esquecer do valor teórico, no mesmo sentido, contido no simples fato de uma “voz independente” que exprime o desejo da intervenção nas sessões de pessoas desconhecidas de todos os assistentes. De onde, com efeito, emergiu o nome da pessoa viva desconhecida, cuja presença se pedia, para um fim determinado? Eis um novo enigma que aquele “conglomerado de hipóteses” não pode resolver.


VIII
Aparições de mortos no leito de morte

Chegando ao exame do que Sudre julgou oportuno dizer sobre os casos de “aparições de mortos no leito de morte”, verifico, desde logo, haver ele suprimido a primeira objeção feita quando publicou a análise do meu livro, tendo mantido a segunda, embora fosse esta refutada pelos mesmos argumentos que inutilizaram a primeira. Verdade é que nos apresenta agora essa segunda hipótese sob forma um tanto diversa, generalizando-a mais e fazendo-a mais complexa, talvez esperando, assim, torná-la invulnerável. Se assim pensa, engana-se redondamente. Eis a nova edição da velha argumentação:

“Bozzano colecionou três grupos desses casos espontâneos que, igualmente, considera irredutíveis... Não vemos como... os casos de “aparições de defuntos no leito de morte” possam resistir à explicação metapsíquica. Sabemos que as crises orgânicas favorecem as manifestações telepáticas. Se vemos fantasmas à cabeceira de um moribundo, é que este último provavelmente os criou. Objetivou as imagens de entes queridos, daqueles que vigorosas tradições morais ou religiosas lhe apresentaram durante a vida, como habitando um mundo que, por sua vez, vai habitar. Mesmo com as faculdades conscientes já anuladas, seu subconsciente pode conservar uma atividade considerável. Se os entes, cuja imagem aparece, moravam na localidade, os traços psíquicos respectivos podem contribuir para o fenômeno. Bozzano declara que, em telepatia, é o fantasma do agente que aparece ao percipiente. Aqui se dá o inverso; mas nós não estamos às voltas com a telepatia e os fantasmas são perfeitamente objetivos.” (pág. 357.)

Relativamente à última objeção, que é a repetição da precedente, parece impossível que Sudre, dado o intervalo decorrido, não houvesse verificado que, nos casos do gênero dos que temos em vista, a única hipótese que os nossos opositores poderiam tentar, com alguma razão, fazer prevalecer era justamente a de uma telepatia, sob a forma do pensamento dos presentes e dos ausentes voltado, nesse momento, para os mortos percebidos em visão pelo moribundo, e que esta possibilidade, uma vez excluída (possibilidade aliás insustentável na maioria dos casos), não existe nem pode existir qualquer outra hipótese explicativa, além da que afirma a presença de Espíritos de mortos percebidos em visão pelo moribundo.

Nessas condições, só me resta assinalar com satisfação que, uma vez pelo menos, encontro-me de acordo com o meu contraditor que, afirmando muito justamente que nas circunstâncias em apreciação “nós não estamos às voltas com a telepatia”, reconhece a justeza da tese espírita, ainda que disto não pareça perceber-se.

Para demonstrar o que afirmo, vejo-me forçado a reproduzir um trecho da minha precedente argumentação, ao refutar em primeiro lugar a hipótese alucinatória, outrora sustentada pelo autor, e em seguida a da teleplastia, por ele ainda defendida. Eis como eu me exprimia:

“Um pouco adiante, a propósito das “aparições de mortos no leito de morte”, meu crítico observa:

“Bozzano acrescenta este argumento: “Se os fenômenos em questão tivessem como causa o pensamento do moribundo, dirigido para aqueles que ama, o moribundo, em vez de ser exclusivamente sujeito a fenômenos de forma alucinatória representando defuntos, deveria perceber mais freqüentemente formas alucinatórias representando pessoas vivas; ora, isto nunca se tem verificado.” Como garantir isto? Os fenômenos alucinatórios, representando pessoas vivas, são mesmo freqüentes na história da Metapsíquica.”

Apresso-me em responder ao ponto interrogativo que se me dirige de modo tão peremptório e o faço começando por pedir licença para lembrar que não sou dos menos competentes em matéria de classificações metapsíquicas; o que tenho afirmado é sempre o resultado da análise comparada de grande número de fatos colhidos com o maior escrúpulo. No caso que nos prende agora a atenção, os fatos mostram que os fenômenos do gênero das “aparições dos vivos” se produzem com uma relativa freqüência, mas que não se conhece um só exemplo de aparição de vivos no leito de morte. É esta última circunstância, teoricamente muito importante, que eu quis por em evidência pela argumentação incriminada. Isto faz que a pretendida objeção-refutação do meu crítico, isto é, que “os fantasmas dos vivos são freqüentes na história metapsíquica” não seja nem uma objeção, nem uma refutação, mas simplesmente uma constatação de fenômeno, que nenhum metapsiquista se lembrou, até hoje, de contestar.

Agora, a título de esclarecimento complementar, devo acrescentar que nas minhas classificações de casos encontram-se cinco episódios de moribundos a quem apareceram fantasmas de pessoas que os assistentes supunham vivas. Em todos os cinco casos, porém, verificou-se depois que as pessoas vistas pelos doentes haviam morrido, em tempo que variava, antecipando-se à época da aparição, de nove dias a cinco meses, sem que disto nenhum dos assistentes ou o moribundo tivesse ciência. Esta circunstância, de valor indiscutível, contribui grandemente para aumentar o prestígio da prova negativa, já de si bem eloqüente, a que acabamos de nos referir, prova negativa que serve mais do que qualquer outra prova afirmativa, para mostrar o bom fundamento da minha hipótese.

Concluí, pois, nos termos seguintes: “Dado que da análise comparada dos fatos resulta que nos fenômenos de aparição de mortos, no leito de morte, não se produzem interferências de aparições de fantasmas de vivos, quando essas interferências se deviam dar freqüentemente, se esse fenômeno fosse devido a uma “projeção do pensamento de moribundo”, segue-se que a última hipótese deve fatalmente cair. Não permanece, portanto, de pé senão uma hipótese capaz de explicar esse conjunto de fatos e é a que afirma que as aparições de mortos no leito de morte são manifestações objetivas e estranhas a todos os assistentes, o que importa em reconhecer nessas aparições a autêntica personalidade dos mortos vistos pelo moribundo e pelos assistentes.”

Estas considerações servem ainda para liquidar uma outra objeção, que Sudre me dirige, sobre o mesmo assunto. Diz ele: “Enfim, como argumento supremo, Bozzano escreve: “Salvo raríssimas exceções, é o fantasma do agente que se manifesta ao percipiente, enquanto que nos casos de aparições de mortos no leito de morte, a regra do mesmo modo indiscutível é diametralmente oposta.” Este argumento, como os outros, cai desde que se abandone a idéia de uma ação telepática para admitir a de fenômenos teleplásticos, criados pela imaginação subconsciente do moribundo e em tudo comparáveis àqueles que se obtêm nas sessões de materialização.”

É claro que para aniquilar esta objeção fantástica basta nos reportemos ao que foi dito para refutar a objeção precedente. Se é verdade que nos casos de aparições de mortos no leito de morte não se constatam episódios de aparições de vivos, não obstante o moribundo pensar comumente e intensamente em pessoas queridas e ausentes, isto prova que as aparições de mortos, vistos pelos moribundos, não são nem projeções, nem objetivações do seu pensamento. Com efeito, se assim fosse, o moribundo, também nesta segunda circunstância, deveria materializar mais freqüentemente fantasmas de vivos que de mortos. Esta segunda objeção cai, pois, como a primeira, em conseqüência da inexistência da causa geradora suposta do fenômeno e, por conseqüência, esta vez ainda a minha argumentação em favor da presença real dos mortos, percebidos em visão pelos moribundos e pelos assistentes, aparece mais do que nunca cientificamente legítima e teoricamente decisiva.”

Tal foi então a minha argumentação. Não padece dúvida que se o meu contraditor tivesse a intenção de fazer prevalecer as suas opiniões sobre o assunto, deveria começar por demonstrar o erro da minha argumentação, ao refutar-lhe a tese. Preferiu mais uma vez não responder, continuando muito embora a fazer uso dos seus sofismas destroçados! Como explicar essa curiosa idiossincrasia do nosso autor pela lógica? Se persuadido está que a razão lhe assiste, não há motivo para que a não demonstre; se intimamente reconhece não estar ela consigo, não se compreende que persista em apresentar argumentos que sabe destituídos de base. Fobia pela lógica? Caso pensado? Prefiro não me pronunciar a respeito, cumprindo-me, todavia, lembrar que se os metapsiquistas, grandes e pequenos, continuam a não responder à argumentação rigorosamente lógica com que se destroem os seus sofismas e paralogismos, se continuam a destes se servir, como se houvessem com êxito respondido, então as doutrinas metapsiquistas progredirão graças unicamente aos esforços do movimento espírita, cujos dirigentes nunca deixam de acatar as objeções razoáveis que lhes são apresentadas.

Antes de passar adiante, creio oportuno ilustrar o assunto com um exemplo de “aparição de mortos em leito de morte”, em proveito daqueles dos nossos leitores que não conheçam ainda bem a questão. Para não incidir, porém, em repetição, escolhi um dos que se deram depois da publicação da minha monografia sobre o assunto, advertindo, todavia, que os mais interessantes e demonstrativos, no sentido espírita, são os casos que nela se encontram.

O fato é relatado pelo Prof. William Barrett e por sua senhora, doutora em Medicina e cirurgiã, e que dele foi testemunha. (Journal of the Society for Psychical Research, vol. XXI, págs. 345-346). Escreve o Prof. Barrett::

“Os casos das “visões de moribundos”, quando estes percebem fantasmas de um dos seus, cuja morte ignoram, fornecem talvez uma das melhores provas em favor da sobrevivência. Forneci alguns exemplos impressionantes no meu trabalho On the Threshold of the Unseen, e grande número de casos desta natureza se encontram nos Proceedings da nossa Sociedade. O próprio Prof. Richet reconhece que estes casos são muito importantes e mais explicáveis pela hipótese espírita que pela “criptestesia” e acrescenta: “De todos os fatos invocados a favor da sobrevivência, estes (isto é, a visão dos moribundos) são os que mais aturdem.” Aturdem, bem entendido, sob o ponto de vista materialista.

De qualquer modo, não nos devemos esquecer de que as alucinações propriamente ditas não são raras no momento pré-agônico e que, por conseguinte, um estado psíquico de atenção expectante do moribundo podê-las-ia provocar; por isso os casos teoricamente mais importantes são aqueles em que se encontra a prova concludente, do moribundo que vê o fantasma do morto cuja morte ignorava.

O valor, nesse sentido, do caso que vou relatar, toma maior vulto, pela circunstância das extraordinárias precauções que foram tomadas para evitar que o doente tivesse conhecimento do falecimento da pessoa justamente que lhe apareceu no leito de morte. O caso me foi relatado imediatamente por minha mulher, que dele foi testemunha na Maternidade de Clapton, onde é cirurgiã obstétrica.

No mês de janeiro último (1924) minha mulher recebeu um recado urgente do Dr. Phillips, de plantão no hospital, pedindo-lhe que acorresse à cabeceira de uma senhora em trabalho de parto, a Sra. B., que estava em perigo de vida por insuficiência cardíaca. Miha mulher para lá se dirigiu imediatamente; a criança foi salva, nada tendo, entretanto, podido fazer com relação à senhora, que se foi lentamente extinguindo.

Lady Barrett diz a respeito:

Quando tornei ao quarto, a Sra. B. estendeu-me a mão, dizendo:

– Agradeço-vos tudo o que por mim fizeste e pelo meu bebê. É um rapaz ou uma menina?

Depois, apertando-me a mão nervosamente, me pediu que não a deixasse ainda e que a seu lado ficasse por mais algum tempo. Alguns minutos depois, olhando para a porta da sala, que estava aberta, e essa brilhantemente iluminada, disse:

– Oh, não me deixeis ficar no escuro! Já não estava muito claro e cada vez escurece mais.

Momentos depois, olhou para cima, sorrindo e cheia de beatitude, exclamando:

– Oh, como é belo, que encantamento!

– Que está vendo de tão belo? – perguntei-lhe.

– Seres maravilhosos – respondeu –, cercados de esplêndida luz. Oh, que luz deslumbrante!

Seu olhar depois se fixou num dos cantos do quarto, exclamando cheia de emoção:

– Como! Meu pai aqui! Ele diz-me que é feliz e que eu me disponha a acompanhá-lo! Quisera somente que P. (seu marido) estivesse aqui.

O seu pai havia morrido algum tempo antes.

Mandou-se chamar o marido, que chegou alguns minutos depois. Ela acolheu-o com alegria e lhe falou do recém-nascido. Depois, muito gentilmente o fez mudar de lugar, dizendo-lhe:

– Deixa-me ver esta luminosidade maravilhosa.

Pouco depois, expirava, sorridente e feliz...

Para completar a relação dos fatos, escrevi à Diretora da Maternidade, que me pôs ao corrente de um incidente de excepcional importância sob o ponto de vista teórico. Diz ela:

“Pouco tempo antes de se dar o falecimento da Sra. B., achava-me à sua cabeceira, com seu marido e sua mãe. O marido falava-lhe um tanto debruçado, quando ela o empurrou delicadamente para o lado, dizendo-lhe: “Oh, não me tape este maravilhoso espetáculo; é demasiadamente belo!” Voltando em seguida a cabeça para o lado em que eu estava, fixou um ponto no espaço, dizendo: “Interessante! Vidá aqui está!” Referia-se a uma das suas irmãs, falecida três semanas antes e cuja morte ignorava.”

O Prof. Barrett escreveu à mãe da vidente, que confirmou o importante episódio da visão de “Vidá”, nestes termos:

“O episódio mais maravilhoso é o que se prende à morte da minha filha Vidá, que estava inválida desde alguns meses e que morreu a 25 de dezembro, ou seja, 18 dias antes da morte de Doris (Sra. B.). Esta última já estava gravemente enferma e a diretora do hospital nos recomendou o mais absoluto sigilo sobre a morte da irmã. Despíamos o luto sempre que íamos vê-la e as cartas que para ela chegavam eram entregues ao marido, a fim de evitar qualquer alusão que a viesse por ao corrente do triste acontecimento.

Após o parto, ao passo que se ia extinguindo rapidamente, disse em determinado momento: “Torna-se cada vez mais escuro; já quase não vejo mais.” Pouco depois a sua fisionomia pareceu iluminar-se por tal forma que não me foi difícil compreender que a visão celestial lhe havia sido desvendada. A beatitude da fisionomia oferecia um espetáculo verdadeiramente edificante. E ela continuava: “Que espetáculo esplêndido! Que maravilha! Que pena não poderem vê-lo como eu vejo!” e, fixando determinado ponto: “Meu pai está aqui. Veio, porque quer que eu vá. Está só!” e como que respondendo a um convite: “Já vou, já vou!...

Dirigiu-se em seguida a mim: “Oh, se soubesses como ele está perto de nós!” Tornando a olhar, de novo, para o mesmo ponto, manifestou a maior surpresa e disse: “Como! Vidá está com ele!” E ainda ao pai: “Bem sei que queres que eu me vá contigo; já vou, já vou!...” Depois disto murmurou palavras de despedida que não conseguimos bem compreender...”

A propósito de caso tão interessante, fiz notar a Sudre não haver notícia de caso algum de moribundo, ao qual houvesse aparecido o fantasma de um vivo, por maior que fosse o desejo seu de rever esse vivo, antes de expirar, o que traduz grande interesse teórico, por isso que serve para excluir a hipótese alucinatória das visões dos moribundos, explicação que se pretende basear na “atenção expectante”. Acrescentava mesmo que, não somente nunca se verificara esse fato, mas que se havia ainda observado a circunstância complementar do aparecimento de fantasmas de pessoas que o moribundo, tanto como os assistentes, julgavam vivas, mas que, então, já eram falecidas, como de verificação posterior.

O caso que acabamos de narrar vem-se juntar aos outros, pertencendo embora a grupo bem diferente, pois neste os assistentes não ignoravam a morte da pessoa aparecida. Não impede isto, entretanto, que o seu valor no sentido espírita seja igualmente considerável, visto a hipótese de uma transmissão telepática dos assistentes ao moribundo não poder ser seriamente sustentada. Com efeito, se assim tivesse sido, o fenômeno se desenrolaria de modo completamente diferente. Se alguém, todavia, fosse levado a admitir tal hipótese, como poderia então explicar os casos em que nenhum dos assistentes conhece a morte da pessoa cujo Espírito se manifesta ao moribundo? Não o conseguiria por nenhuma das hipóteses naturais, donde a necessidade imposta pela lógica de reconhecer que as aparições de mortos no leito de morte, encaradas no seu conjunto, não são explicáveis senão pela admissão da presença real dos mortos aparecidos ao moribundo.

Em abono dessas conclusões, lembrarei que na minha monografia sobre as manifestações desta categoria se encontram registrados episódios mais decisivos mesmo que o apresentado pelo professor Barrett. Tais, por exemplo, os casos de criancinhas que, presentes ao leito de morte de outras crianças, percebem fantasmas de mortos que são reconhecidos pelos assistentes, casos em que se verificam todas as circunstâncias necessárias à eliminação, de modo definitivo, das hipóteses alucinatória e telepática, seja da parte do moribundo, seja da do percipiente, pois crianças menores de cinco anos, sem a menor noção do que seja a morte, não se podem auto-sugestionar, nesse sentido, a ponto de provocarem para elas mesmas visões alucinatórias de defuntos, transmissíveis a uma outra criança presente.

A eficácia teórica, sob o ponto de vista espírita, desses episódios é de tal modo evidente que o próprio Prof. Richet em julgamento imparcial o reconheceu, tendo tido a louvável franqueza de o declarar.


IX
Fenômenos de xenoglossia
(categorias 6 e 7)

Continuando a análise crítica das objeções feitas por Sudre às categorias especiais das manifestações espíritas, aqui encaradas, devo ocupar-me agora da sexta e da sétima categorias, nas quais respectivamente se agrupam os casos de “personalidades de mortos que falam e escrevem correntemente em idioma ignorado do médium e, não raro, de todas as pessoas presentes” (Glossolalia ou Xenoglossia) e os casos de “personalidades de mortos que correntemente escrevem com o talho de letra que tinham em vida”, o que grandemente difere de um outro fenômeno análogo, que consiste na reprodução supranormal de uma simples assinatura.

Nestas duas categorias Sudre toca de modo ainda mais superficial e insuficiente do que fez nas outras. Escreve ele:

“O caso em que o médium em transe se põe a falar, em língua que diz não conhecer, deve sempre ser examinado com a presunção de se estar diante de um caso de criptomnesia. Flournoy cita exemplos, entre os quais o da velha senhora que, durante o delírio, se pôs a falar o hindustani, língua que não ouvia desde a idade de 4 anos, quando deixou as Índias. Helena Smith havia assimilado o que manifestava saber de sânscrito, folheando uma gramática ou outro qualquer documento escrito. O paciente de Richet escrevia frases em grego moderno que eram paradigmas do dicionário de Bisantinus; os erros cometidos eram de ordem visual e não gramatical, “como se os caracteres tipográficos houvessem sido vistos de longe e superficialmente transcritos por quem não conhecia o grego...” Enfim, nos casos, aliás, muito raros, em que o paciente responde a perguntas feitas em língua dele desconhecida, torna-se necessário admitir da parte dele a captação de todas as recordações daquele que encarna.”

Do exposto, claramente vemos que Sudre não tem a preocupação de aprofundar o tema que discute; limita-se a encarar as duas formas de Xenoglossia, que nenhum valor apresentam no sentido espírita, por serem justamente aquelas que se podem explicar pela criptomnesia (que deixo inteiramente ao seu cuidado) e aquela em que o médium responde no próprio idioma às perguntas que lhe são feitas em língua dele ignorada. Sudre olha estes dois casos como muito raros, quando se repetem cada vez que o hipnotizador está em condições de estreita ligação com o seu paciente. O fenômeno encontra explicação no fato de o paciente clarividente não compreender a significação das palavras que lhe dirigem, mas de ler no cérebro do hipnotizador o pensamento que este exprime por aquelas palavras. O pensamento, com efeito, na sua modalidade psicofísica de “estado vibratório” da substância cerebral (ou do perispírito), deve necessariamente ser igual em todas as individualidades pensantes, fora de qualquer relação com a língua por que é traduzido.

A dificuldade insuperável de uma explicação natural dos fenômenos de Xenoglossia começa quando o médium, não só compreende as perguntas que lhe são feitas em língua que ignora, mas responde a conversa nessa mesma língua. Neste ponto Sudre não ousou tocar e, se digo que ele não ousou, é por não poder admitir ignore ele casos dessa natureza, que sempre se deram e que, nestes últimos tempos, se vêm repetindo, sob múltiplas formas, todas de grande importância teórica. Nos fascículos de junho-julho, 1925, da Revue Spirite, citei alguns exemplos, todos recentes, destacados do livro de H. Denis Bradley, Towards the Stars, nos quais os Espíritos comunicantes correntemente conversam com os experimentadores nos seus patoás nativos, dos quais um era o Basco e o outro o do País de Gales. No segundo trabalho do mesmo autor, The Wisdom of the Gods, outros exemplos se encontram interessantes, no nosso gênero, nos quais os Espíritos comunicantes, sempre por meio da “voz direta”, se exprimem em francês, alemão, italiano, dinamarquês, russo, chinês, japonês. Em duas ocasiões, os consultantes, a fim de porem em prova o Espírito comunicante, que havia começado a conversa na língua do médium – o inglês –, o convidaram a continuar na sua língua nativa, o que imediatamente se verificou.

Em outra circunstância, uma senhora russa, casada na Dinamarca, dirigiu a palavra em dinamarquês a um Espírito que se comunicava. Este, porém, dizendo-lhe ser o irmão falecido, observou: “Eu sou Oscar; falemos russo.” E a conversa continuou nessa língua.

Para não me alongar demasiado, sobre questões tão claras, limitar-me-ei a relatar só um episódio deste gênero, no qual a conversa se verificou em japonês.

Na noite de 18 de março de 1925, convidou-se para assistir à sessão o poeta japonês Gonnoské Komai. O Sr. Bradley conta o que se passou, do modo seguinte:

“O episódio mais dramático da sessão se deu quando uma “voz” se dirigiu em japonês a Gonnoské Komai. Por duas vezes o porta-voz tombou antes que o Espírito comunicante conseguisse reunir forças para materializar a voz. O porta-voz luminoso se ergueu pela terceira vez, transportou-se para a frente de Gonnoské Komai, nele tocou duas ou três vezes, ouvindo-se então saírem do porta-voz as palavras: “Gonnoské! Gonnoské!” Este modo de nomeá-lo impressionou vivamente G. Komai, por motivo que adiante daremos.

Pouco a pouco a voz foi adquirindo força, dando o nome do comunicante: “Otani”. Estabelecida a identidade do Espírito, seguiu-se ligeira conversa em japonês, na qual o morto falava principalmente dos seus filhos.

Mais tarde G. Komai nos revelou circunstância muito interessante relativa ao fato de o Espírito comunicante o haver cumprimentado, chamando: “Gonnoské! Gonnoské! Ora, segundo o uso japonês, só os pais ou o irmão mais velho têm o direito de cumprimentar uma pessoa pelo seu prenome, e o Espírito que se havia manifestado a G. Komai tinha o direito de assim fazer, pois era o seu irmão mais velho, o que não deixa de ser bastante significativo.

Quando o Espírito comunicante se retirou, Bert Everett, o “Espírito-guia”, disse, dirigindo-se a Gonnoské Komai: “Com teu irmão estava também tua mãe.”

Vem a propósito notar que G. Komai é ainda muito moço, a ninguém sendo lícito supor que seu irmão mais velho e mesmo sua mãe houvessem já morrido, além do que todos os assistentes tudo ignoravam a seu respeito, nenhum conhecendo uma só palavra de japonês.

Julgo esse episódio, em que se conversa em língua japonesa e no qual provas notáveis de identificação foram dadas, como um dos exemplos mais belos e incontestáveis, dos modernamente obtidos, a favor da sobrevivência.” (Ibidem, págs. 305-308.)

No caso acima, como em todos os outros obtidos através do médium Valiantine, que outra língua não conhece além da sua, mas por cujo intermédio entidades se manifestaram pela “voz direta”, em sete línguas diferentes e em dois patoás dos mais difíceis, a hipótese da “criptomnesia”, como toda outra que não a espírita, parece-me que deve ser excluída.

Basta nos lembremos de que para compreender uma língua não é necessário que o médium a conheça, por lhe bastar perceber o pensamento do consultante; o mesmo não se dá, porém, quando se trata de falar essa língua. Nesse caso, indispensável se torna a conheça o médium, pois a “clarividência” é de todo impotente para suprir os necessários conhecimentos, dado que a estrutura orgânica de uma língua é pura abstração, que não se pode ver nem perceber nos cérebros alheios.

Teríamos de admitir que o médium, graças à sua própria lucidez, pudesse de um momento para outro tornar-se conhecedor dos vocábulos correntes de uma língua, das variações de gênero, número, caso e tempo, assim como das principais regras da gramática, pelas quais lhe fosse possível agrupar, dispor, coordenar as frases, apoderar-se da fonética especial de cada palavra, dos característicos da língua ou do dialeto, das inumeráveis locuções e idiotismos que constituem o “fermento vivo” de cada idioma. E será isto possível? Não posso crer haja quem, com o único fim de evitar uma outra explicação simples, natural, emergindo espontaneamente dos fatos, ouse defender tese tão extravagante.

Mas se a precária situação teórica em que se acha Sudre o compelir a defendê-la, se se animar ainda a sustentar que o médium que assim se exprime em língua dele ignorada tenha ido captar tais conhecimentos lingüísticos na subconsciência do consultante, ou por outra, tenha conseguido apoderar-se daquilo que não pode existir nessa subconsciência, por isso que a estrutura orgânica de uma língua é pura abstração e, portanto, não existe em lugar nenhum, o onus probandi inteiro lhe cabe e não aos espíritas, que têm por si um admirável conjunto orgânico de provas colaterais e convergentes para reforço da tese que sustentam.

Com efeito, os mortos comunicantes, além de se exprimirem correntemente, quando o fazem em línguas ou patoás que o médium desconhece, dão à voz o timbre característico, a construção peculiar, a expressão familiar que em vida tinham, bem como patenteiam as tendências e a intelectualidade que lhe eram próprias. Não lhes escapa também a recordação de qualquer detalhe, por mais insignificante, da existência terrestre sua e de amigos seus, e destes esquecido, relatando, não raro, pormenores ignorados de todos os assistentes e cuja exatidão se acaba, afinal, por averiguar.

A favor da hipótese espírita dizem ainda os casos de Xenoglossia, em que os Espíritos comunicantes falam e escrevem em língua desconhecida de todos os assistentes. Mais adiante, ao falarmos das materializações, darei alguns exemplos desta ordem. Parece-me, pois, que a derrota da “prosopopese-metagnomia” deve ser tida como definitiva, ainda quando tenta explicar os casos de Xenoglossia. E tem a palavra o Sr. Sudre para provar o contrário.

*

Mas vejamos o que diz Sudre sobre os casos das “personalidades de mortos que escrevem correntemente com o talho de letra que tinham quando vivos”. Ele aborda a questão em diferentes pontos da sua obra, mas sempre de relance, embora formulando, a respeito, sentenças peremptórias, que nunca se lembra de justificar. Tais esquecimentos não podem deixar de nos surpreender, por virem de metapsiquistas que vivem a censurar os espíritas de lançarem hipóteses gratuitas.

À página 353 do seu livro, diz Sudre:

“Não passando a letra de um sistema de recordação, não deve causar espanto que um médium possa reproduzir a assinatura de um morto, não sendo mesmo preciso atribuir à criptomnesia o caso do cura de Burnier e do síndico de Chaumontet, para que se rejeite a hipótese de uma manifestação do Espírito destes.”

E à página 291:

“Poderia causar surpresa... a reprodução de um talho de letra semelhante ao de uma pessoa morta... mas a letra não é mais do que um fenômeno psico-motor.”

Esta sentença radical, que não passa de simples expressão verbal sem qualquer significação, seria, na opinião do autor, bastante para explicar o complicado mistério!

Mas o número de janeiro-fevereiro, 1926, da Revue Metapsychique, trata do caso de um sensitivo austríaco, Schermann, que, quando posto psicometricamente em relação com uma pessoa, consegue, às vezes, reproduzir-lhe a assinatura, lentamente, como se a copiasse de um autógrafo que tivesse diante de si.

Sudre não perde a boa ocasião que lhe depara o acaso e, triunfalmente, exclama:

“É uma prova indiscutível de não ser preciso recorrer à hipótese espírita para explicar os fatos de reconstituição da letra ou da assinatura dos mortos.”

Quis a má sorte do nosso autor, para que uma pequena ducha fosse dada no seu entusiasmo antiespírita, que o número de março, 1926, da Revue Spirite, aparecesse no mesmo tempo que o seu artigo. Esse fascículo continha um artigo no qual comentava eu o caso admirável de identificação pessoal do finado escritor inglês, Oscar Wilde, cujas mensagens constituíam reprodução fiel e perfeita da sua letra. Este fenômeno é completamente diferente e nada tem de comum com o outro que se reduz a copiar de um clichê percebido subjetivamente a assinatura do consultante, do mesmo modo que um iletrado poderia copiar materialmente, penosamente, como se desenhasse, algumas palavras escritas por uma outra pessoa, sem que isto significasse que fosse capaz de copiar corretamente uma página inteira. Qualquer inteligência compreenderá que os dois fatos nenhuma analogia oferecem; um constitui o que é notoriamente possível e o outro o que de todo é impossível.

Não posso deixar de reproduzir aqui o trecho em que ponho evidente a diferença entre as duas ordens de fatos:

Começando pela prova de identidade caligráfica, lembremo-nos, como acima ficou dito, de que todas as mensagens ditadas graças à medianimidade do Sr. Travers Smith combinada com a do Sr. V. constituíram um espantoso fac-símile da letra autógrafa do morto que dizia estar presente e de tal modo que os mais insignificantes traços e característicos eram reproduzidos com a mesma perfeição que os mais definidos. Os da letra “a”, por exemplo, escrita à maneira de alfa, ou o fato de destacar na mesma palavra uma sílaba da outra. disto só se pode fazer uma idéia, observando os fac-símiles insertos na obra do Sr. Travers Smith, não sendo inútil acentuar que durante esses trabalhos o autômato escrevia com os olhos fechados e com rapidez vertiginosa.

Tais são as modalidades complexas e extraordinárias em que se produziu, durante meses, o fenômeno, modalidades que sugerem considerações teóricas de grande importância e opostas a toda e qualquer explicação natural dos fatos. Para melhor demonstrá-lo, não seria mau primeiro averiguar até onde se poderia aceitar legitimamente a interpretação materialista das manifestações desta ordem. Vejamos: se, por exemplo, se tratasse da reprodução pura e simples da assinatura de um morto, a hipótese da criptomnesia poderia ser acolhida sem relutância, visto não se poder excluir de modo absoluto a possibilidade de a assinatura reproduzida haver caído casualmente sob os olhos de um dos dois médiuns; então o clichê da assinatura teria emergido de sua subconsciência com a ajuda do automatismo psicológico. Pode-se outro tanto dizer relativamente à hipótese da criptestesia, segundo a qual as faculdades clarividentes do médium teriam diretamente percebido, a distância, a assinatura de Oscar Wilde, em algum livro ou documento, reproduzindo-a psicologicamente, como se copiasse de um modelo. Sem que essas hipóteses possam ser aplicadas a todos os casos, elas podem, de um modo geral, ser razoavelmente sustentadas; mas o que, em compensação, de modo algum pode ser sancionado é a possibilidade, que ninguém, aliás, jamais pensou em sustentar, de com a criptomnesia e com a criptestesia se chegar a explicar a circunstância radicalmente diferente de um autômato escrever correntemente, vertiginosamente, com os olhos fechados, e assim reproduzir, de modo perfeito e completo, a letra do morto que se diz presente. O fenômeno é completamente diferente; não se trata de copiar um modelo visual, de evocar um clichê subconsciente, mas de exprimir pensamentos com a letra de outrem.

E como a letra de um indivíduo é a expressão símbolo-específica do seu sistema neuromuscular, impossível se torna para qualquer pessoa, seja qual for a condição em que se encontre, de escrever correntemente, com a letra peculiar a uma outra, isto é, peculiar ao seu sistema neuromuscular, do mesmo modo que não é possível a um indivíduo, em qualquer condição em que se ache, falar correntemente uma língua que de todo ignore.

Quando tais manifestações assim se produzem, não pode haver para elas outra interpretação racional senão a que admite a intervenção do morto, que afirma estar presente à sessão medianímica.

Devemos insistir no fato muito importante de o Espírito comunicante não se haver limitado a identificar-se, escrevendo com a sua própria letra, mas de haver-se esforçado para fornecer todas as provas cumulativas que, em tais circunstâncias, lícito era de esperar.

Foi assim que de numerosos incidentes pessoais ignorados de todos os assistentes, passou à prova memorável de identidade do estilo ou, para melhor dizer, dos dois estilos que lhe foram característicos da personalidade literária, para chegar à prova, de todas mais concludente, de fazer emergir do que então escrevia a sua personalidade intelectual e moral, personalidade complexa, estranha, inimitável. Por último, mais recentemente, culminou na prova, ditando ao médium uma comédia inteira, em quatro atos, enchendo de admiração quantos a leram, já pelos seus característicos literários, já pela concordância perfeita com o teatro do mesmo autor, quer na forma cheia de vivacidade, quer no estilo epigramático que infundia às personagens.

Os espíritas, pois, apresentaram, mais uma vez, admirável conjunto de provas cumulativas e convergentes, para a confirmação da sua tese, enquanto os seus antagonistas se limitam em apresentar hipóteses explicativas apenas, em absoluto contraste com a multiplicidade de fatos que deveriam esclarecer.

Sobre eles, portanto, continua a pesar o onus probandi; enquanto não apresentarem argumentos e fatos que nos possam indicar novo caminho, continuaremos a trilhar o que nos tem sido apontado pelos processos de análise comparada e da convergência de provas.


X
Fenômenos de “desdobramento fluídico”
ou “bilocação” no momento da morte
(3ª categoria)

Passemos agora à categoria dos fenômenos espíritas, enumerados acima, em que estão inscritos os fenômenos de “bilocação no momento pré-agônico”. Dela não se ocupa Sudre de modo especial, limitando-se a fazer-lhe alusões indiretas, ou melhor, a subentendê-la, quando passa pelos fenômenos vizinhos aos da exteriorização da sensibilidade e da conseqüente formação de uma “dupla sensibilidade”, que o Coronel de Rochas teria conseguido fotografar. Faz também alusão à hipótese da existência de um “corpo fluídico ou perispírito”, que considera pura ilusão. (págs. 328-329.)

Todavia, um pouco mais adiante, modifica sensivelmente essa opinião, diante do embaraço intempestivo que lhe trazem algumas manifestações metapsíquicas, inexplicáveis pela “prosopopese-metagnomia”.

Já tive ocasião de fazer notar que em tal emergência ele supõe a existência de um “fantasma fluídico” que se desprenderia do organismo temporal, no momento da morte, mas unicamente por ali permanecer, suspenso no ar, qual balãozinho cativo, num estado de absoluta inconsciência, à espera de um médium que o atraia e o ressuscite por alguns instantes.

Compreende-se que esse deplorável “refugo” do túmulo, engendrado não se sabe bem como e, provavelmente, apenas para oferecer a Sudre mais uma comodidade teórica, seria destinado, ainda para a ele prestar obséquio, a se dissolver dentro de curto prazo.

Essas teorias extravagantes em flagrante contradição estão com o conjunto de manifestações que elas pretendem explicar. Com efeito, os casos de manifestações de mortos mostram claramente que o pretenso fantasma inconsciente e perecível, que se teria desprendido na crise da morte, não é de forma alguma perecível nem inconsciente, pois como vimos, por exemplo, no caso Longford, ele se manifesta meio século depois de separado do corpo e se mostra capaz de perceber a presença de um médium a 350 milhas de distância do lugar em que a morte se havia dado.

Além disso, mostrava-se em condições de se poder transportar com rapidez e de exercer uma ação independente de qualquer médium, pois entre duas sessões experimentais influía telepaticamente sobre vivos, para fins determinados.

Os fatos se encarregam, pois, de demonstrar que a teoria excogitada por Sudre não passava de um amontoado de absurdos, cada qual mais sem pé nem cabeça, denunciando, ainda uma vez, que o nosso autor ignora ou, o que é pior, despreza os processos científicos de análise comparada e arquiteta suas hipóteses, deixando-se arrastar pela fantasia, como faria qualquer poeta ou romancista.

O que de verdadeiro resta na sua teoria é a existência de um “duplo fluídico”, “corpo astral” ou “perispírito”, separando-se do organismo corporal no momento da morte e sobrevivendo ao corpo em plena consciência e poder, porquanto o “duplo fluídico” mais não é que o envoltório do Espírito.

Publiquei uma extensa monografia sobre os “fenômenos de bilocação” nos Annales des Sciences Psychiques, 1911, onde examino a gênese desses fenômenos, a sua evolução e finalidade. Como, entretanto, já dezesseis anos se passaram depois disso, grande número de casos análogos de acumularam no meu arquivo, exigindo nova edição. Esperando que o possa fazer, valho-me do ensejo para relatar alguns novos casos.

Começarei por um episódio de “desdobramento fluídico sob a ação do clorofórmio”, embora não faça precisamente parte do tema aqui examinado, concernente aos fenômenos dessa natureza, quando se verificam no momento pré-agônico. Parece-me oportuno aqui citá-lo, a título de introdução, tanto mais quanto os casos de desdobramento fluídico nos cloroforminados são freqüentes e de grande significação.

A Sra. Edith Archdale, conhecida autora de livros sobre viagens e explorações africanas, narra o incidente pessoal que se segue, em carta dirigida ao diretor do Light (1916, pág. 119):

“A experiência de Sir Arthur Conan Doyle, referente a um seu filhinho que, em estado de delírio, viu o que se passava em outro quarto, é semelhante ao que comigo, pessoalmente, se passou, quando, em Johannesbourg, África do Sul, me submeti à ação do clorofórmio para a extração de um dente... Cada vez que o dentista de mim se aproximava com o boticão, eu lhe dizia: “Ainda não estou dormindo”; e o dentista, naturalmente, administrava-me nova dose de narcótico. De repente vi-me em pé ao lado da cadeira sobre a qual jazia o meu corpo e senti vivo desejo de não mais nele integrar-me! Esforcei-me, pois, em pedir mais e mais clorofórmio, com o fim deliberado de me fazer matar. Disse-me o dentista que, de fato, cada vez que ele se dispunha a fazer a extração, eu repetia: “Mais clorofórmio!” Acabou ele por não mais me poder atender, renunciando a extrair-me o dente, naquele momento! Pouco depois, encontrei-me de novo no meu corpo e... despertei.

Transportaram-me, então, para um outro quarto, colocaram-me numa espreguiçadeira, alta de algumas polegadas apenas; um médico, chamado, administrou-me novamente o clorofórmio e procederam à extração. Mas, durante a operação, coisas verdadeiramente extraordinárias comigo se passaram. Achava-me fora do corpo, suspensa no ar, perfeitamente cônscia da grande mudança que em mim se havia dado. E o que de mais interessante houve foi que notei subitamente possuir reminiscências que se estendiam por séculos. Vibrante, exultei, embora soubesse não estar morta e ter de voltar dentro em pouco ao meu corpo; pensava na grande nova a comunicar e na necessidade, portanto, de me não esquecer do que se estava passando. Mas comecei a sentir-me forçada a tomar contato com o corpo e nele fui penetrando, aos poucos, por meio de impulsos sucessivos, em cada um dos quais me ia esquecendo, em parte, daquilo que havia visto e apreendido.

Aguardando meu despertar, dentista e médico se puseram à janela. Sentia-me apenas parcialmente dentro de meu corpo; foi então que me dirigi aos dois profissionais, dizendo-lhes: “Olhai para essa senhora inglesa, assentada com o seu criado cafre, em um carrinho puxado por dois cães; ambos têm as pernas envolvidas por uma mesma manta; detesto semelhantes familiaridades, mormente com criados indígenas.”

O dentista e o médico, surpresos, voltaram-se para mim e viram que eu continuava deitada na espreguiçadeira que, como já fiz notar, era baixa, sendo, por isso, de todo impossível pudesse ver o que se passava na rua.

O gabinete dentário se achava situado no último andar do prédio, cuja construção não permitia daí se pudesse olhar para a rua sem se ter de debruçar bastante à janela. Foi o que ambos fizeram e então viram o carrinho puxado por cães, com a senhora inglesa dentro, ao lado do criado cafre, ambos com as pernas envolvidas pelo mesmo manto de viagem.

Volveram-se então para mim e constataram que eu permanecia ainda em estado de inconsciência. Acabava, entretanto, de descrever qualquer coisa, que os meus olhos bem fechados não haviam certamente podido ver, mormente na posição e lugar em que eu estava!...

Depois dessa ocorrência, não mais duvidei do futuro no Além. Pela ação do clorofórmio, minha personalidade espiritual foi momentaneamente libertada dos liames corporais e se achou no meio que a espera depois da crise a que chamamos morte. Tive a prova, portanto, de que não morremos.”

Os casos do gênero “desdobramento fluídico” ou “bilocação” não devem ser considerados isoladamente; cumulativamente é que eles adquirem uma força sugestiva e uma evidência comprovativa irresistíveis.

Se aplicarmos os processos de análise comparada às centenas e centenas de episódios desse gênero, onde todas as gradações que lhes caracterizam a fenomenologia se apresentam de modo a fazer ressaltar as modalidades por que se determina o fenômeno de exteriorização do “corpo fluídico”, veremos desaparecer por completo qualquer dúvida sobre a objetividade do mesmo, diante do afastamento, então inevitável, das hipóteses “oníricas e alucinatórias”, únicas que poderiam se opor a fenômenos dessa ordem. Essas conclusões decorrem das considerações que se seguem:

Em primeiro lugar, devemos considerar que as diferentes gradações pelas quais os fenômenos de “bilocação” se apresentam, não só entre si se completam, como se confirmam de modo admirável. Logo de início se apresentam os fenômenos ditos de “sensação de integridade” de um membro amputado, em que, se conseguirmos distrair a atenção do paciente, ele experimenta as sensações todas que o membro deveria acusar, se ligado ainda estivesse ao corpo. Aparecem em seguida os casos de desdobramento apenas esboçado, em que a pessoa percebe o seu próprio fantasma a distância, embora continuando a guardar integral a própria consciência (autoscopia). Veremos depois aqueles em que a consciência pessoal se transfere para o fantasma, que percebe então, a distância, o próprio corpo inanimado. Seguem-se os casos de desdobramento durante o sono natural, o sono provocado, a síncope e a coma e ainda aqueles em que o fantasma desdobrado de um vivo adormecido é percebido por terceiros e, finalmente, os casos em que o fenômeno de desdobramento fluídico se produz no leito de morte e é percebido por sensitivos e os em que o fantasma desdobrado no leito de morte é percebido coletivamente por todos os assistentes.

Em segundo lugar, as hipóteses oníricas e alucinatórias devem ser excluídas, pois que os fenômenos de bilocação no leito de morte são constantemente descritos pelos videntes, com as mesmas minuciosas modalidades de realização, em que se notam pormenores tão novos, tão inesperados que, logicamente, não é de supor possam eles surgir assim idênticos, na mentalidade de todos os videntes, quer entre povos civilizados, bárbaros ou selvagens.

Em terceiro, porque se obtêm experimentalmente fotografias de fantasmas desdobrados de vivos (Coronel de Rochas, Prof. Istrali, etc.) e fotografias do mesmo fenômeno no leito de morte.

No caso seguinte, o “desdobramento fluídico no leito de morte” é visto apenas na sua fase inicial, mas é percebido, coletivamente, por oito pessoas que não possuíam as faculdades de vidência. Destaco-o de Light, 1922, pág. 182. A Srta. Dorothy Monk envia ao diretor dessa revista, Sr. David Gow, a narração do que se passou no leito de morte de sua mãe:

“Em nossa família fomos testemunhas de um fenômeno extraordinário no leito de morte de minha mãe, falecida a 2 de janeiro de 1922. Esse fenômeno nos impressionou profundamente, pelo que, ansiosamente, vimos pedir nos esclareça com a sua experiência.

Depois de longa enfermidade, agravada ainda por um ataque de influenza gástrica, minha mãe veio a morrer de fraqueza cardíaca.

Pelas 7 horas da noite fatal, a doente, em estado comatoso, abriu a boca; desse momento em diante começamos a observar pequena nuvem branca que se formava sobre a sua cabeça, prolongando-se até à guarda superior da cama. Saía da cabeça, mas se condensava principalmente do lado da cama, a nós oposto. Permanecia suspensa no ar, qual nuvem densa de fumaça branca, às vezes opaca bastante para não nos deixar bem perceber a cabeceira da cama; variava, porém, incessantemente de densidade, se bem que lhe não notássemos qualquer movimento.

Minhas cinco irmãs estavam presentes e todas víamos esse estranho fenômeno; meu irmão e meu cunhado chegaram mais tarde, mas ainda a tempo de poderem observá-lo também. Uma luminosidade azul difundia-se ao redor e, de tempos em tempos, percebiam-se vivas centelhas de cor amarelada. Notamos que o maxilar inferior da moribunda continuava a abrir-se lentamente.

Durante algumas horas o fenômeno não se modificou sensivelmente; apenas uma espécie de auréola de raios amarelados apareceu circundando a cabeça da agonizante. Contamos sete raios, que mudavam constantemente de comprimento, variando entre doze e vinte polegadas. Por volta de meia-noite, tudo desapareceu, embora o falecimento só se viesse a dar às 7 horas e meia da manhã.

Às 6 horas e pouco, uma das minhas irmãs, que repousava em outro quarto, ouviu uma voz dizer-lhe: “Ainda uma hora de vida, ainda uma hora!” Levantou-se muito impressionada e veio assistir aos últimos momentos de nossa mãe, que exalou o último suspiro, de fato, uma hora e dois minutos após haver minha irmã ouvido a voz premonitória...

Agradecemos a Deus haver-nos permitido ver a partida de uma alma, poupando-nos a dor de um adeus definitivo...”

Este caso é teoricamente muito interessante, sob o ponto de vista probante, pois além de recente, foi imediatamente relatado pelas testemunhas.

O diretor de Light, Sr. David Gow, foi a casa da Srta. D. Monk a fim de discutir com as testemunhas sobre o fenômeno que haviam presenciado. Não há, pois, dúvida alguma sobre a autenticidade absoluta do fato que, sob o ponto de vista teórico, é tanto mais importante quanto é de natureza coletiva, tendo sido observado por oito pessoas, o que basta para eliminar a hipótese alucinatória.

Como vimos, o fenômeno acima de desdobramento fluídico foi incompleto, o que reclama alguns esclarecimentos. Se compararmos entre si os casos análogos de desdobramento fluídico mais ou menos rudimentar, seremos levados a crer que a primeira fase da emergência do “corpo etérico” fora do organismo corporal acompanha ou precede a emissão de um fluido muito mais denso que aquele de que é constituído o “corpo etérico” propriamente dito, fluido que, em circunstância de emissão excepcionalmente condensada, seria perceptível a olhos normais, enquanto que o fluido constituinte do “corpo etérico” não o seria senão a olhos de “sensitivos”. Tratar-se-ia, em suma, da emissão inicial de uma coisa semelhante ao “fluido ódico” de Reichembach, fluido vitalizador do sistema nervoso e a que a vidente de Prevorst chamava, com efeito, “espírito dos nervos”.

A esse respeito chamarei a atenção sobre a concordância muito significativa entre as considerações que acabo de fazer e as explicações que os sonâmbulos do século passado forneciam aos seus magnetizadores sobre a natureza tríplice da personalidade humana: espírito, corpo etérico, fantasma ódico, embora sob denominações diversas.

Não será, penso, de todo inútil citar alguns trechos das revelações que nesse sentido fizeram. Servirão, quando mais não seja, para esclarecer consideravelmente as idéias daqueles que se interessam pela questão. Eis os termos pelos quais a sonâmbula de Werner, pastor luterano de Beckelsberg, sobre o Reno, 1840, se exprimia a respeito:

“O Espírito, de si mesmo divino e eterno, tirando sua origem de Deus, é a vida da alma (leia-se do “corpo etérico”) e é a alma que confere personalidade ao Espírito, que o circunscreve e o completa. É por assim dizer o corpo do Espírito, sendo portanto suscetível de com ele se espiritualizar ou de a ele sobrepor-se, degradando-se e materializando-se cada vez mais... Nem um nem outro pode existir separadamente, estão intimamente ligados do mesmo modo que a alma (isto é, o “corpo etérico”) está no corpo. Não sei explicar como isto se dá, pois há laços espirituais que ultrapassam as possibilidades da minha visão... É na alma que se encontram os sentidos interiores do homem; é por meio dela que o Espírito exterioriza as suas possibilidades... Mas, para que isto se possa dar, é indispensável uma terceira substância que se venha juntar à alma e que sirva de dar movimento e vitalidade ao corpo... Esta substância a bem dizer provém, por sua essência, da alma, mas por causa da sua atividade corporal ela participa, antes, da natureza do corpo que propriamente a da alma; encarada em si mesmo essa substância, ou “fluido nervoso”, é o instrumento indispensável para que a alma entre em relação com o mundo exterior... O “fluido nervoso”, sendo por natureza muito material e grosseiro, é destinado a se separar da alma, rarefazendo-se à proporção que a alma se sublima e gradualmente se aproxima da natureza radiosa do Espírito... Após a morte a alma não se pode livrar imediatamente do fluido nervoso e as que são ainda muito materializadas dele se saturam com delícia, o que lhes dá o poder de retomar uma forma humana e de se tornarem visíveis aos vivos, de conseguirem deles se fazer ouvidas, de os tocar ou de produzir pancadas e sons na atmosfera terrestre.” (Citado por Morgan em sua obra From Matter to Spirit, pág. 132.)

Havemos de convir ser este um trecho admirável de revelação sonambúlica. Com efeito, de um lado a natureza tríplice do Espírito é descrita em termos tão racionais e tão de acordo com os resultados das investigações metapsíquicas contemporâneas, que arrastam à convicção; de outro lado, no trecho final que transcrevi em grifo, a sonâmbula antecipa-se a sua época, fornecendo explicações sobre a gênese dos fenômenos de assombrações, de aparições de fantasmas de vivos e de mortos, de efeitos físicos, de materializações.

Cumpre também não esquecer que estas últimas explicações da sonâmbula conferem valor especial à observação do Coronel de Rochas, feita nas suas experiências com Eusápia Paladino. Ele escreve:

“Um dia ela consentiu em se deixar adormecer em presença da Sra. de Rochas (Eusápia foi tantas vezes martirizada pelos sábios, que se tornou medrosa). Ela chegou rapidamente a um estado profundo de hipnose e viu então aparecer, com grande espanto seu, à sua direita, um fantasma azul. Perguntei-lhe se era John; respondeu-me que não, mas que era aquilo de que John se servia. Depois, encheu-se de pavor e pediu-me que a fizesse despertar, o que fiz, lamentando profundamente não poder prosseguir na pesquisa dessa ordem de fenômenos.” (A. de Rochas, L’Extériorization de la Motricité, pág. 17.)

Devemos notar que o experimentador havia feito a Eusápia uma pergunta formulada de maneira a sugerir antes uma resposta afirmativa, enquanto que Eusápia lhe respondeu no sentido negativo e o fez em termos que aquele não esperava, o que não pode deixar de excluir a hipótese auto-sugestiva e sugestiva. lembro ainda que a resposta da paciente, segundo a qual John se servia de seu fantasma ódico para produzir os fenômenos físicos, está de inteiro acordo com as explicações fornecidas a este respeito pela sonâmbula do pastor Werner, e também com as declarações da famosa vidente de Prevorst, como vamos ver pelo que o Dr. Justin Kerner sobre ela escreve:

“Relativamente ao “espírito dos nervos” ou “princípio de vitalidade nervosa”, ela dizia que por meio dessa substância a alma entrava em relação com o corpo e o corpo com o mundo... Por esse intermediário, os Espíritos que se acham em uma esfera média são colocados em condições de atrair a si materiais atmosféricos que lhes conferem o poder de se fazer ouvir dos vivos, de interromper as leis de gravidade ou de mover objetos inertes. Quando uma pessoa morre em estado de grande pureza, não arrasta consigo nada do “princípio de vitalidade nervosa”; é por isso que os Espíritos felizes, que não estão impregnados dessa vitalidade nervosa, não podem aparecer aos vivos nem deles se fazer ouvir, nem tocá-los.” (Citado pela Sra. De Morgan, pág. 137.)

Como claramente se vê, as declarações dos sonâmbulos e dos extáticos que viveram em épocas anteriores ao advento do moderno Espiritismo, estão em tudo de acordo com as dos médiuns, dentre os quais, alguns, como Eusápia Paladino, são demasiado ignorantes, para que os possamos julgar capazes de conhecer sutilezas teóricas e doutrinárias dessa natureza.

Dito isto, cumpre-me fazer notar que essas afirmações estão por sua vez em perfeita harmonia com as considerações de que fiz acompanhar o caso acima exposto de “desdobramento fluídico rudimentar”, em que mostro que nos casos em que os fenômenos de desdobramento no leito de morte se limitam à visão de pequena nuvem fluídica, mais ou menos densa, que toma vagamente a forma humana, percebida coletivamente por todos os assistentes, estes devem estar em presença da exteriorização do fantasma ódico do moribundo, visível a olhos normais, sem que possam entretanto ver a exteriorização do corpo etérico, que só é perceptível pelos sensitivos.

Antes de citar alguns exemplos de visão por parte de “sensitivos” do “corpo etérico”, propriamente dito, devo fazer observar que nos casos dessa natureza, embora numerosíssimos, as descrições que sobre os mesmos oferecem os videntes por tal forma se assemelham, que chegam a se tornar em enfadonha monotonia, mas, por isso mesmo, constituindo excelente prova em favor da realidade dos fatos, visto não ser possível tal uniformidade entre pessoas que ignoram, uns dos outros, as experiências, e que pertencem a todas as raças, a todas as classes e a todos os tempos, se não descrevessem puramente a verdade.

Vou relatar alguns exemplos típicos que de algum modo se completam. Prefiro começar por um caso bastante antigo, mas que não me lembro de o haver visto citado em obras metapsíquicas, apesar de o protagonista e narrador ser o Juiz Edmonds que, no primeiro volume de sua obra Spiritualism, pág. 166, narra o que lhe foi dado ver por ocasião da morte de um cunhado de sua mulher. Escreve ele:

“O moribundo havia já exalado o último suspiro, quando vi emergir do seu cadáver aquilo que eu julguei dever ser o seu “corpo espiritual”, sob a forma de uma nuvem densa que se elevou acima do corpo, tomando rapidamente um aspecto humano, embora me parecesse desprovido de inteligência e de vida. Subitamente, porém, pareceu iluminar-se e animar-se, tornando-se viva e inteligente. Compreendi que tal se havia dado por ter o Espírito abandonado o corpo somático para entrar no corpo espiritual. Desde que isso se deu, o Espírito lançou em torno um olhar surpreso, como que procurando compreender o que lhe havia acontecido; não tardou muito, porém, a se orientar, e a expressão que então iluminou a sua fisionomia demonstrava que a situação já lhe não era estranha. Para tão rápida compreensão, de não pouco lhe deve ter valido o que relativamente à vida futura havia estudado quando aqui na Terra.

Deixou pairar por um instante um olhar de despedida, cheio de afeto, sobre os seus parentes e amigos, reunidos junto ao leito mortuário, e elevou-se, em seguida, como que arrebatado em nuvem luminosa. Vi-o desaparecer ao longe, acompanhado de três Espíritos de mortos que o haviam assistido enquanto se formava o seu corpo espiritual. Um era o Espírito do filho que havia morrido 24 anos antes; o outro, o de um dos seus sobrinhos, e o terceiro o de um desconhecido com aparência de pessoa já de certa idade.”

O Rev. William Stainton Moses observou esse mesmo fenômeno por ocasião do falecimento de seu pai, do que publicou a resenha em Light de 9 de julho de 1887, alguns dias apenas decorridos. Diz ele:

“Ultimamente, pela terceira vez em minha vida, tive ensejo de estudar o processo de transição do Espírito, e tanta coisa consegui observar, que me sinto feliz de poder ser útil narrando o que vi...

Tratava-se de um parente próximo com cerca de 80 anos de idade, que se encaminhava para o túmulo, sem ser arrastado por qualquer enfermidade especial... Por alguns sintomas de aparência insignificante, notei que o seu fim se aproximava e não me descuidei de cumprir o triste dever que me competia...

Auxiliado pelos meus sentidos espirituais, não me foi difícil perceber que ao redor dele e sobre ele se reunia a aura luminosa com a qual o Espírito deveria constituir o seu corpo espiritual; ia notando que essa aura aumentava rapidamente de volume e densidade, apresentando contínuas variações para mais ou para menos, de acordo com as oscilações que experimentava a vitalidade do moribundo. Dado me foi ainda verificar que, às vezes, um simples alimento ingerido ou mesmo o influxo magnético desprendido de alguém que se aproximava era o bastante para animar momentaneamente o corpo, parecendo determinar um revigoramento dos laços que prendiam o Espírito a este, o que se ia refletir na aura, imprimindo-lhe movimento semelhante ao de fluxo e refluxo.

Observei o fenômeno durante doze dias e doze noites e, embora ao sétimo dia o corpo desse mostras evidentes de dissolução iminente, essa flutuação maravilhosa de vitalidade espiritual, em via de se exteriorizar, persistia sem mudança. A cor da aura, pelo contrário, se havia modificado, além de ir tomando forma mais ou mesmos definida, à medida que o momento se aproximava da libertação do Espírito.

Somente 24 horas antes do falecimento, quando já o corpo jazia inerte, com as mãos cruzadas sobre o peito, foi que vi aparecerem os “Espíritos-guias”, que se aproximaram do moribundo e sem qualquer esforço ajudaram o Espírito a se desprender do corpo esgotado.

Ao mesmo tempo em que isso se dava, os assistentes constatavam a morte do corpo. É possível que assim fosse. Com efeito, o pulso e o coração não davam mais sinal de vida, a respiração não mais embaçava o espelho, mas os cordões magnéticos ligavam ainda o Espírito ao corpo e assim permaneceram durante 86 horas. Estou bem certo de que, se durante esse tempo, dentro de condições favoráveis, uma vontade forte houvesse agido no sentido de compelir o Espírito a voltar ao corpo, a ressurreição de Lázaro ter-se-ia repetido. Os cordões afinal se romperam e os traços do defunto, nos quais até então se liam os sofrimentos curtidos, serenaram completamente, tomando uma expressão inefável de paz e de descanso.”

Nos números de julho-agosto, 1924, da Revue Spirite, tive ocasião de narrar o caso teoricamente muito importante da Sra. Joy Snell, “sensitiva” de educação e cultura superiores, que uma reviravolta da sorte obrigou a ganhar a vida exercendo a profissão de nurse (enfermeira diplomada). Durante mais de vinte anos observou ela o fenômeno de exteriorização do “corpo etérico” no leito de morte de inúmeros moribundos, a que teve de assistir, constatando, ao mesmo tempo, a presença de Espíritos de mortos que acorriam pressurosos para assistirem na hora suprema seus parentes e amigos. A Sra. Snell teve a primeira visão desse gênero junto ao leito de morte de uma de suas amigas, alguns anos antes de se dedicar à profissão de enfermeira. Dessa visão, a título de exemplo, transcrevo a segunda parte. Diz ela:

“Encontrava-me em casa de Maggie, havia três ou quatro dias, quando uma noite foi ela acometida de crise súbita e terrível, que a fez expirar nos meus braços, antes que o médico tivesse tido tempo de chegar.

Era o primeiro caso de morte a que eu assistia. Logo que o coração de Maggie cessou de bater, eu vi distintamente alguma coisa parecida com o vapor que se desprende de uma vasilha em ebulição, elevar-se do seu corpo, parar um pouco acima dele e ir-se condensando em uma figura semelhante à de minha amiga. Esta forma, a princípio muito vaga, tomou, aos poucos, contornos mais precisos até se tornar inconfundível.

Estava envolvida em uma espécie de véu branco, com reflexos de pérola, sob o qual as formas ressaltavam nitidamente. A fisionomia era a da minha amiga, mas radiante e sem qualquer vestígio dos espasmos sofridos durante a rápida agonia.

Quando mais tarde tive de fazer-me enfermeira, profissão em que permaneci durante vinte anos, tive ocasião de observar a morte de numerosas pessoas, podendo constantemente observar essa condensação da forma etérica por sobre o corpo dos moribundos, forma sempre semelhante àquela de que se desprendia e que, apenas condensada, me desaparecia das vistas.” (The Ministry of Angels, pág. 17.)

Pouco mais adiante, acrescenta:

“Depois que abandonei o hospital para dedicar-me à assistência particular, não mais vi morrer um só dos meus doentes sem perceber à sua cabeceira uma ou diversas formas angélicas acorridas para receber o Espírito, a fim de levá-lo à sua nova morada pelas Esferas...” (Pág. 42.)

Como vemos, todas as descrições de videntes, relativas aos fenômenos de “bilocação no leito de morte”, concordam entre si em todos os pormenores; mas aqui basta assinalemos a grande importância teórica dos tais detalhes fundamentais nos quais estão todos também de acordo e que são: a exteriorização, proveniente do corpo do moribundo, de uma substância, semelhante ao vapor, que se condensa e paira sobre o mesmo, tomando-lhe a forma e o aspecto; a vitalização e a animação desta forma, logo que a vida se apaga no organismo corporal; a intervenção de entidades, geralmente familiares e amigos do moribundo, que vêm assistir o Espírito na crise suprema.

A eloqüência demonstrativa, o sentido espiritualista, desses fatos ressalta com tal evidência que me parece não ser necessário mais insistir sobre o ponto. Chamarei apenas a atenção para o valor especial que eles conferem à famosa resposta que a personalidade medianímica de George Pelham deu ao Dr. Hodgson por intermédio da Sra. Piper:

“Não acreditava – diz ele – na sobrevivência da alma. Esta crença estava fora daquilo que a minha inteligência podia conceber. Hoje pergunto a mim mesmo como me foi possível dela duvidar. Temos um duplo etérico do corpo físico, que persiste, sem qualquer alteração, depois da dissolução do corpo.”

Esta resposta é admirável pela simplicidade com que resolve o importante problema da sobrevivência e a afirmação que nela se contém pode ser demonstrada experimentalmente, graças aos fenômenos de “desdobramento fluídico no leito de morte”, cuja verificação se dá também entre os povos selvagens, que o constatam nas suas diversas fases de realização, pelos seus videntes, que as descrevem de modo idêntico àquele por que o fazem os nossos videntes.

Eis como um missionário, de volta do arquipélago de Taiti (Polinésia), descreve as crenças dos aborígenes, nesse sentido:

“No momento da morte – escreve ele – eles pensam que a alma se retira para a cabeça, para daí sair e sofrer um longo e gradual processo de reabsorção em Deus, do qual dimana... É curioso e interessante que os taitianos creiam na saída de uma substância real que tomaria a forma humana; são levados a nisto crer pelo que dizem alguns dentre eles, dotados de vidência, que afirmam que desde que o moribundo deixa de respirar, uma espécie de vapor se desprende da cabeça e se condensa a pequena distância sobre o corpo, ao qual fica ligado por meio de um cordão formado da mesma substância. Essa substância – acrescentam – aumenta consideravelmente de volume e toma os traços do corpo do qual sai; quando, enfim, este se torna gelado e inerte, o cordão se dissolve e a alma, então livre, voa no meio de mensageiros invisíveis que parecem assisti-la.” (The Metapsychical Magazine, outubro, 1896.)

As observações dos aborígenes taitianos coincidem, como se vê, de um modo impressionante, nos seus mínimos detalhes, com as descrições dos videntes europeus, sobre o processo de separação do corpo etérico e do corpo somático. Mas não é tudo; como entre os povos civilizados, os videntes entre os selvagens constatam também a presença de mensageiros espirituais, que intervêm, assistindo o Espírito do moribundo no período da crise suprema. Não há como negar o alto valor científico dessa maravilhosa concordância, tanto mais quanto é tão pouco provável que os selvagens tenham vindo beber essa crença entre os povos civilizados, que em sua quase totalidade não se preocupam de tais fenômenos, como que os povos civilizados tenham ido entre aqueles buscá-la. Temos pois de reconhecer que os videntes dos dois lados descrevem um fenômeno objetivo e muito real, o que não pode deixar de nos levar a concluir favoravelmente sobre a existência objetiva dos fenômenos de desdobramento fluídico, com as conseqüências que disto decorrem. Porque, se é verdade que os videntes de todas as raças e de todas as épocas descrevem um fenômeno autêntico quando falam da exteriorização de um corpo fluídico dos moribundos, é preciso convir que também descrevem um fenômeno não menos autêntico quando falam do corpo etérico, que se vitaliza e se anima desde que o moribundo exala o último suspiro, do mesmo modo que não podemos pôr em dúvida a autenticidade da intervenção de Espíritos de mortos à cabeceira dos agonizantes. Quando a ciência oficial houver, pois, reconhecido como coisa definitivamente demonstrada a existência dos fenômenos de bilocação no leito de morte, sobre o que já não pode haver dúvidas, visto fatos serem fatos, nesse dia ter-se-á experimentalmente demonstrado a existência e a sobrevivência da alma, mesmo fora dos fenômenos metapsíquicos e espíritas propriamente ditos.

Grifei esta última frase a fim de mais chamar a atenção dos leitores e muito especialmente a de Sudre, sobre o fato de que a demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma não depende absolutamente da fenomenologia espírita, pois que a ela se chega por três caminhos diferentes: primeiro, graças à existência latente de faculdade de significação espiritual na subconsciência humana (animismo); segundo, pela observação dos fenômenos de “bilocação no leito de morte”; terceiro, pelo estudo dos fenômenos espíritas propriamente ditos.

A obra de demolição a que com tanto fervor Sudre se tem dedicado torna-se, portanto, vã e inglória, se considerarmos que a existência e a sobrevivência da alma podem ser demonstradas fora do Espiritismo, desde que recorramos ao animismo ou aos fenômenos de bilocação.

É, pois, triste a situação do nosso antagonista, bem penosa mesmo, porquanto, para qualquer lado que se vire, se encontra diante de um obstáculo intransponível à realização, ainda que longínqua, do ideal filantrópico que tanto o empolga.


XI
Fenômenos de materialização

Não me detenho a discutir a interpretação dos casos de ectoplasmia e de ideoplastia, dos quais claramente ressalta a existência no subconsciente humano de uma “força plastificante” ao serviço da idéia, do pensamento, da vontade subconsciente do médium. E não me detenho, repito, porque sobre esse ponto todos, espiritistas e metapsiquistas, estamos de acordo. Devo apenas dizer que não consegui apreender o que pensa Sudre quando se refere à existência no subconsciente humano de uma “força organizadora” complementar da primeira. Não logrei perceber se ele encara também as formas completamente materializadas, vivas, inteligentes falantes, como fenômenos puramente plásticos de objetivação do pensamento, nos quais as aparências de vida deveriam ser atribuídas a um fenômeno de transmigração de uma personificação subconsciente no fantasma plástico (prosopopese), ou se, nos fenômenos de materialização propriamente dita, ele reconhece a existência de organismos humanos integralmente constituídos, capazes de atingir, em raras circunstâncias embora, a perfeição que lhes permite entrar temporariamente em plena função fisiológica.

Sudre não se explica bastante nesse sentido e alguns trechos da sua discussão fariam presumir não ter ele a intenção de passar além da tese da “força plastificante”. É assim que, à página 292, ele diz:

“Trata-se, pois, de um conhecimento traduzido plasticamente, antes que um misterioso poder de restauração biológica integral. A teleplastia é exatamente comparável a um prodigioso escultor que experimentasse modelar o rosto de alguém através de recordações, se o conheceu, ou de informações que conseguisse obter. Quanto mais precisas e abundantes essas informações, tanto mais perfeita será a semelhança...”

Diante disto, devemos concluir que Sudre procura explicar os fenômenos de materialização unicamente pela hipótese de uma objetivação plástica do pensamento subconsciente do médium, o que parece ressaltar também de alguns dos argumentos que emprega na crítica feita à teoria do Dr. Geley. Este, baseando-se nos fenômenos de materialização considerados na sua relação com a gênese e desenvolvimento dos organismos vivos (ontogênese), legitimamente conclui que uma mesma lei regula os fenômenos das materializações medianímicas e das criações orgânicas, lei que tenderia ao poder organizador da “idéia diretora” exercendo-se sobre a matéria graças a um “dinamismo superior” de natureza imanente. Sudre, erradamente a meu ver, contesta que uma só lei reja as duas ordens de fenômenos e, na argumentação que produz em apoio do seu ponto de vista, figura o trecho que se segue:

“Elas apresentam lacunas incompatíveis com as funções fisiológicas; nunca se viu uma mão agitar-se no espaço com veias e artérias que não têm para onde conduzir o sangue, completamente independente de um corpo do qual é um membro. Essas mãos, sem dúvida, e em geral todas as outras formas, têm aparências de vida, mas são apenas aparências. As figuras de cera de um museu anatômico têm também a aparência da realidade e denunciariam vida se um artista engenhoso tivesse o segredo de fazer delas autômatos perfeitos. Ora, as produções teleplásticas lembram mais tais autômatos do que propriamente formas vivas. Não possuem nem estabilidade nem duração e dependem visivelmente da imaginação e do capricho. São sonhos objetivados.” (págs. 303-304.)

E relativamente ao fantasma materializado de Katie King, o autor observa ainda:

“A aparição rara, mas real, de indivíduos teleplásticos, embora com todas as aparências de vida, como Katie King, não nos deve trazer ilusão. São fenômenos que nada têm de biológico.”

Tudo demonstra que Sudre tende realmente a uma explicação puramente plástica dos fenômenos de materialização, excluindo a existência de uma “força organizadora” a serviço da idéia. Essa exclusão ser-lhe-ia de fato muito cômoda na sua crítica à teoria do Dr. Geley e mais cômoda ainda para a sua tese antiespírita, se tivermos em conta que, se os fenômenos de materialização fossem todos redutíveis a simples episódios de “plastificação” do pensamento, combinados com um fenômeno de personificação subconsciente objetivado (prosopopese), deveríamos então excluir toda a possibilidade de que nos fenômenos de completa materialização se pudessem encontrar circunstâncias em que a “força organizadora” tivesse origem estranha ao médium e aos assistentes.

Diante disto e na dúvida se Sudre, no que concerne aos fenômenos de materialização, deseja realmente parar na hipótese de “plastificação”, negando a existência de uma “força organizadora”, não posso deixar de lembrar-lhe que, se é verdade que as mãos materializadas, quando se apresentam isoladas no espaço, não podem possuir veias e artérias irrigadas pelo sangue, visto estarem separadas de qualquer corpo, não é menos verdade que não encaramos apenas estes casos, mas também aqueles em que se verificam fenômenos de materialização de formas humanas completas, vivas, inteligentes e falantes. E nestes tudo parece demonstrar que as funções fisiológicas essenciais nelas se exercem normalmente. Crookes conta ter escutado, por diversas vezes, as pulsações do coração de Katie King, circunstância de fato muito importante, graças à qual é lícito inferir que, se o coração batia, é que o sangue devia circular nas artérias desse corpo bem materializado, que constituía, portanto, um organismo vivo e perfeitamente conformado.

Não é fácil, pois, interpretar as estranhas afirmações de Sudre referentes à “aparição rara, mas real, de indivíduos teleplásticos que, embora com todas as aparências de vida, como Katie King, não nos devem trazer ilusão. São fenômenos que nada têm de biológico”. Mas por que, perguntamos, esse convite a não nos deixarmos iludir a respeito da natureza biológica de Katie King? Todos os organismos vivos pertencem à Biologia. É claro não ser ela produto da ontogênese, mas é certo também não ter Sudre com aquela sua frase querido referir-se a este ponto. Se assim fosse, a sua descoberta empanaria a reputação do velho e glorioso La Palisse. Mas que poderá então ter ele querido dizer: Dir-se-ia ser intenção sua contestar seriamente em Katie King um corpo organizado, mas, diante da evidência dos fatos, essa pretensão de tal sorte seria absurda que eu não posso admiti-la e prefiro crer que, precisando safar-se da situação em que o coloca o fantasma materializado de Katie King, não teve remédio senão lançar mão do primeiro recurso encontrado, que, como sempre, foi o de uma das suas frases já de nós tão conhecidas.

Sobre a existência indubitável de uma “força organizadora” nos fenômenos de materialização, devo lembrar a Sudre que, relatando as experiências do Prof. Richet, na Argélia, e referindo-se ao fantasma materializado de Bien Boa, foi ele mesmo um dos que observaram: “Respirava como se vivo fosse e de tal modo que o Prof. Richet conseguiu o precipitado branco de carbonato, fazendo que ele respirasse dentro de um copo em que se encontrava água de barita.”

Ora, se o fantasma respirava é porque era dotado do sistema respiratório e circulatório e, por conseguinte, ainda nesse caso, tratava-se de um fantasma organizado e não plastificado.

Compreende-se, pois, que os fenômenos de materialização se dividem em duas categorias especiais, sendo uma da outra complementar. A primeira compreendendo os provocados por uma “força plastificante” ao serviço do pensamento subconsciente do médium e que pode ser utilizada indiferentemente para materializar objetos inanimados, tanto como para reproduzir em efígie cabeças humanas chatas ou em relevo. A segunda, que se refere aos fenômenos provenientes de uma “força organizadora” a que se devem atribuir as materializações de membros, de cabeças normalmente conformadas e de organismos humanos mais ou menos integralmente constituídos.

Voltando a Sudre, verifico que, seja qual for a sua opinião sobre as objetivações plásticas e as criações orgânicas, ele acaba por concluir que, por meio da ideoplastia combinada com a “prosopopese-metagnomia”, se conseguem fartamente explicar os fenômenos de materialização. Ele o afirma nos termos seguintes:

“É, pois, lógico que todos os fenômenos de materialização dependem desta causa, desde os objetos inanimados, desde a vestimenta dos fantasmas até os fantasmas mais completos. A semelhança que estes últimos podem apresentar com pessoas que viveram, provêm da lembrança do paciente ou dos assistentes. É um fenômeno de criptomnesia, seguido de uma objetivação.”

Assim resolve Sudre o importante problema com uma simplicidade de meios espantosa. Suas afirmações conclusivas, sendo literalmente gratuitas, não passam de expressões desprovidas de qualquer sentido; demonstram que o autor não se preocupou de modo algum em aplicar os processos de análise comparada aos fenômenos que discute.

Resta-me apenas provar, fundado nos fatos, que tudo concorre para demonstrar que as formas completamente materializadas não são meras “criações plásticas”, mas criações orgânicas e que os processos de análise comparada forçam a conclusão de que muitas vezes a “idéia diretora”, ou a “vontade em ação”, de que provêm, é completamente estranha ao médium e aos assistentes, o que por completo exclui as hipóteses combinadas da ideoplastia, da prosopopese, da criptomnesia, da criptestesia e da metagnomia, de todo insuficientes para explicar os fatos.

Começarei pelo caso clássico de Katie King. Não há quem não o conheça; abster-me-ei, portanto, de narrá-lo.

Como se tratasse de uma personalidade medianímica que afirmava ter vivido alguns séculos antes, não foi possível cuidar-se da identificação pessoal. O caso todavia se apresenta como um dos mais eloqüentes a favor da existência independente dessa personalidade, porque se trata de uma entidade na posse de todos os atributos intelectuais capazes de caracterizar uma individualidade psíquica independente.

Em primeiro lugar, achamo-nos diante de uma personalidade medianímica cujo poder de manifestação atinge tal grau de perfeição, que se pode manter em estado de perfeita materialização durante horas a fio, passeando livremente no quarto das sessões, tomando parte na conversa, materializando-se espontaneamente, mesmo em plena claridade do dia, isto durante três anos consecutivos, em sessões que se sucediam inúmeras e em grande parte realizadas na própria casa do Sr. Crookes.

Além disso, não podemos deixar de ter em conta que essa admirável personalidade medianímica, dotada de todos os predicados de uma individualidade pensante, não cessava de afirmar, do modo mais peremptório, a sua existência espiritual independente; fornece o nome pelo qual foi conhecida em vida, conta tristemente as vicissitudes dolorosas da sua curta existência terrestre, enquanto se ocupa de provar ainda, por outra forma, a sua independência espiritual, mostrando-se aos experimentadores ao mesmo tempo que o médium, deixando-se fotografar com este último e com o Sr. Crookes, permitindo a este e à Sra. Marryat apalparem-na, abraçarem-na, escutarem-lhe as pulsações do coração, sentirem-lhe o bater do pulso e, enfim, acordando a médium e com ela conversando.

Este último episódio se reveste de grande valor psicológico; sinto-me no dever mesmo de reproduzir aqui o trecho da famosa sessão em que Katie King dá o último adeus aos assistentes. O Sr. Crookes escreve:

“No momento de levantar a cortina, Katie King parou um instante a conversa comigo, depois atravessou o quarto, dirigiu-se para a Srta. Cook que, desacordada, jazia sobre o tapete. Inclinando-se para ela, Katie tocou-a levemente, dizendo: “Vamos, Florie, vamos; chegou a hora de nos separarmos.” A Srta. Cook, abalada pelas palavras que acabava de ouvir, suplicou, chorando, que Katie King demorasse algum tempo ainda. “Não posso, minha querida – respondeu Katie King –, minha missão está finda. Que Deus te abençoe.” Conversaram juntas ainda alguns instantes até que as lágrimas embargaram a voz da Srta. Cook, da qual me havia aproximado a conselho de Katie, para segurá-la, pois havia caído sobre o assoalho, sacudida por soluços convulsivos...”

No maravilhoso episódio acima, encontramos reunidas as melhores provas que a Ciência tem o direito de exigir para admitir a independência psíquica de uma personalidade medianímica. De um lado, a forma materializada visível com a médium; de outro lado, a circunstância psicologicamente decisiva de duas individualidades distintas. Ambas, na posse das suas faculdades conscientes, se entretêm, afetuosamente, trocando comovidas o último adeus. Como, diante de semelhantes provas, falar seriamente de “prosopopese-metagnomia”? Quem, sensatamente, poderia imaginar que as duas metades de uma mesma personalidade tenham o poder de desdobrar-se e transformar-se em duas individualidades completas, independentes, munidas de traços intelectuais característicos e cada uma a seu modo? Quem ousaria sustentar que a personalidade subconsciente da médium, exteriorizando-se e materializando-se, possa transformar-se, como que por encanto, em uma personalidade que completamente ignora pertencer a essa outra metade da “vida dela mesma” que está diante dela, e que dentro dessa inconcebível ignorância, também partilhada fatalmente pela outra metade, possam as duas infelizes secções da mesma alma, ambas deploravelmente iludidas, ser levadas a se imaginarem, não se sabe bem por que recôndito mistério da prosopopese, na iminência de uma separação definitiva, a ponto de trocarem frases afetuosas e palavras comoventes de despedida?!

Repitamo-lo com o Prof. Hyslop: “Não se pode marcar limites à credulidade de quem é capaz de sustentar seriamente semelhante interpretação dos fatos.”

Não será inútil examinar aqui o episódio em discussão, sob o ponto de vista estritamente psicofisiológico. Nele nós nos achamos diante de duas personalidades reais, perfeitamente visíveis, tangíveis, fotografáveis: a médium, Srta. Cook, de um lado, e do outro o fantasma materializado de Katie King, com quem muitas vezes se entretém afetuosamente.

Esse fato, em termos psicofisiológicos, significa que as duas personalidades medianímicas teriam acionado simultaneamente os centros corticais da inervação da linguagem falada.

O fim do seu encontro e o assunto dos seus diálogos constituíam o pensamento angustioso da separação definitiva que se tornava iminente, ocasionando que as lágrimas da médium sucedessem ao testemunho comovedor de afeição, manifestado pela personalidade materializada.

Achamo-nos, portanto, diante de um fenômeno irrefutável de duplicidade real, incontestável, de centros e de faculdades psíquicas, que a prosopopese nunca conseguirá explicar, pois nos casos de “personalidades alternantes” de origem patológica se verifica constantemente que as faculdades psíquicas ou psicofisiológicas de que se serve, em dado momento, uma dessas personalidades, faltam à outra, como é aliás fácil de prever.

Em reforço dessa tese, parece-me oportuno acrescentar que a personalidade de Katie King, longe de se entregar passivamente aos desejos sempre formulados mentalmente ou de viva voz pelos assistentes, longe de refletir automaticamente a vontade da médium ou do Sr. Crookes, ela age como entende; aconselha, exorta, censura, recusa-se, não raro, a responder a perguntas indiscretas e, quando alguém a interroga sobre as causas da sua reaparição na Terra, responde que a sua volta atende aos deveres de uma missão, à necessidade de uma expiação, constituindo para ela um meio de progresso espiritual ulterior.

Um belo dia a personalidade medianímica de Katie King anuncia aos seus amigos da Terra que a sua missão está prestes a terminar e que, em determinado dia, deixará de manifestar-se sob a forma material.

Mas como, perguntarão, se a vontade de todos é que ela fique? Como, se a idéia plastificante e organizadora da médium é onipotente? Como não conseguir reter, ao menos por mais um dia, esse manequim criado pela prosopopese, esse manequim que, mostrando-se profundamente sensível a tantas demonstrações de afeição, teve ainda assim de deixar para sempre os seus amigos, em obediência a uma vontade suprema?!

Que títeres prosopopésicos são esses que, apenas nascidos, se tornam logo intelectualmente independentes, pensam como melhor lhes parece, agem de vontade própria, tomam a identidade de entes que viveram na Terra, demonstram o que dizem por meio de todas as provas pessoais que humana e logicamente se podem exigir, manifestam-se quando bem entendem, ausentam-se para sempre quando menos se espera, falam de um estágio espiritual em que vivem, de ninguém obedecendo à vontade, exceção feita de uma entidade espiritual a que se referem, incessantemente, com veneração profunda?

Quantos enigmas, e cada qual mais notável, a se resolverem pela hipótese da “prosopopese-metagnomia”!

Faço alto um momento para conceder ao meu contraditor tempo para se debater dentro dos gigantescos sofismas que arranjou a respeito e segundo os quais “esses fenômenos nada têm de biológico, embora apareçam às vezes como perfeitamente semelhantes às criações da vida”; pelo que se deveria concluir que, “em geral, essas formas têm as aparências da vida, não passando, entretanto, de aparências”; e, como conseqüência, “a aparição rara mas real de indivíduos teleplásticos, com todos os característicos da vida, como Katie King, não devem trazer-nos ilusão”.

É apenas crível que se possa chegar ao ponto de sustentar opiniões em tão flagrante oposição com os fatos. Mas Sudre é capaz de outras surpresas bem maiores ainda, visto nunca se deter em analisar os fatos antes de discuti-los, enquanto que as idéias preconcebidas o dominam a ponto de cegá-lo por completo.

*

Dos casos clássicos de materialização de fantasmas, o de Estela Livermore é, a meu ver, o que melhor pode suportar confronto com o de Katie King, embora um do outro enormemente diferindo pelas modalidades dentro das quais se realizam. Mas de qualquer maneira constituem eles os dois casos mais maravilhosos desta espécie e os mais dignos de atenção, principalmente pelo excepcional período de duração durante o qual se desenrolaram. Somente, o caso de Estela Livermore, embora como o de Katie King familiar a todos os que se ocupam desses estudos, é relativamente muito menos conhecido nos detalhes de realização, porque todos os escritores que dele se têm ocupado vão beber informações na resumida exposição que dele fez Alexandre Aksakof, em Animismo e Espiritismo.

Poucos investigadores tiveram o ensejo de consultar as atas originais, que foram, em sua maior parte, publicadas por Benjamim Cóleman no seu livro Le Spiritualisme en Amérique e quase por inteiro na revista The Spiritual Magazine (1862-1869). Esta última revista inseriu os fac-símiles da letra medianímica de Estela em confronto com a de Estela viva (número de novembro de 1862), tendo-se verificado a perfeita identidade das duas criaturas. Publicaram-se também copiosos resumos dessas sessões nos livros de Epes Sargent, Planchette, the Despair of Science (1874) e Dr. Robert Dale Owen, The Debatable Land [2] (1874).

O capítulo em que este último trata do assunto adquire importância probante especial, visto Dale Owen, antes de dar-lhe publicidade, haver procurado o banqueiro Livermore, narrador protagonista dos fatos e submetido à sua revisão o capítulo que lhe dizia respeito, que depois foi ainda levado à apreciação de John F. Gray, outra testemunha ocular.

Como o resumo aparecido no livro de Aksakof não permite se forme qualquer idéia aproximada do valor teórico dessa maravilhosa série de experiências, vou alongar-me um pouco, transcrevendo os originais de Livermore.

Para aqueles que completamente ignoram o caso, direi que Charles F. Livermore era um banqueiro muito conhecido em Nova Iorque, que, em 1860, teve a infelicidade de perder a mulher. Um ano depois, céptico inveterado embora, deixou-se seduzir pelo desejo de comunicar-se, se possível, com o Espírito de sua mulher, dando início a uma série de sessões com a célebre médium Kate Fox.

O processo de materialização do fantasma de Estela (nome este da morta) deu-se gradualmente, de modo que só na quadragésima terceira sessão estava ela em condições de se poder manifestar visivelmente.

As sessões efetuaram-se em completa escuridão, mas o lugar destinado ao estudo era, em dado momento, iluminado por grandes globos luminosos, de origem supranormal, deles se ocupando outro fantasma materializado, que tinha por hábito acompanhar Estela com o fim de facilitar as materializações. Dizia-se o Espírito de Benjamim Franklin. Havia, com efeito, uma semelhança perfeita de traços e de porte entre o fantasma materializado e os retratos de Franklin.

As materializações de Estela tornaram-se de mais em mais perfeitas, até atingir a forma materializada uma consistência suficiente para poder suportar a luz intensa, de uma lanterna furta-fogo. Só raramente conseguia exprimir-se de viva voz, comunicando-se, em geral, por escrito, mas não por intermédio da médium. Escrevia diretamente com a própria mão e na presença de Livermore, que para esse fim fornecia papel previamente por ele rubricado. Fazia-o comumente em francês, língua que, quando viva, falava com perfeição e que era de todo ignorada da médium. A letra guardava sempre impecável semelhança de talho e característicos com a da esposa falecida de Livermore.

Este tomava nota minuciosa de todos os fenômenos ocorridos durante a sessão, de que lavrava uma ata. O maior número de sessões realizou-se na própria residência do banqueiro, que sistematicamente entre as suas guardava as mãos da médium durante o tempo das sessões, que, não raro, eram assistidas pelo irmão, pelo cunhado, M. Groute e pelo Dr. John F. Gray, que atestaram, por escrito, a autenticidade dessas manifestações prodigiosas, assim como a escrupulosa exatidão das atas. O número de sessões foi de 388, que se prolongaram por cinco anos consecutivos.

Passo agora a narrar alguns episódios, começando pelos da sessão em que Estela, visivelmente, apareceu pela primeira vez.

15 de abril de 1861 – Livermore começa por uma descrição minuciosa das medidas de controle adotadas para garantir-se contra qualquer possibilidade de fraude, e continua:

Desde que a luz foi apagada, ouviram-se passos semelhantes aos de uma pessoa descalça e o frufru próprio da seda, ao mesmo tempo em que por meio de pequenas pancadas me era comunicado: “Meu querido, estou presente em pessoa, não fale.” Simultaneamente, por detrás de mim formava-se, a pouco e pouco, uma luz globular, que a mim e à médium permitiu ver diante de nós um rosto encimado por um diadema e, em seguida, uma cabeça inteiramente envolvida de véus brancos, que se elevava lentamente. Desde que atingiu certa altura, os véus foram tirados e então pude ver diante de mim a cabeça e o rosto de minha mulher, envolvidos de uma auréola luminosa do diâmetro aproximado de 18 polegadas. A identificação da morta foi imediata e completa; à semelhança dos traços juntava-se, de modo maravilhoso, a expressão característica da fisionomia. Pouco depois o globo luminoso elevou-se e uma mão de mulher apareceu-lhe pela frente. Essas duas manifestações se repetiram por diversas vezes, como se houvesse intuito de dissipar qualquer possível sombra de dúvida. O fantasma abaixou depois a cabeça sobre o globo luminoso, deixando cair sobre o mesmo uma basta madeixa, que apresentava analogia perfeita com a cabeleira de minha mulher, não só quanto à cor, como também pela abundância e comprimento. Repetidamente fizeram-na passar suavemente sobre o meu rosto e o da médium, deixando-nos a impressão de cabelos naturais. (Epes Sargent, pág. 57.)

18 de abril, 1861 – Subitamente a mesa se ergueu do solo; a porta foi violentamente sacudida; as cortinas se levantaram e se abaixaram diversas vezes; tudo no quarto se agitava. Respondiam às nossas perguntas por pancadas retumbantes na porta, na janela e no teto, traduzindo isto, ao que nos disseram, a intervenção de poderosos Espíritos cuja presença era indispensável à predisposição do ambiente para as manifestações de ordem mais elevada.

Por detrás de nós começou a formar-se e a elevar-se uma substância luminosa semelhante à gaze, ouvindo-se ao mesmo tempo o frufru dos tecidos de seda, enquanto um barulho semelhante à crepitação elétrica se tornava de mais em mais intenso e vigoroso.

Uma forma de mulher girou em torno da mesa, de mim se aproximou, tocando-me de leve... Por meio das pancadas convidaram-me a olhar para além da fonte luminosa; obedecendo, vi aparecer um olho humano. Logo depois, a fonte de luz se afastou, seguida da crepitação e, à proporção que se afastava, ia recuperando o esplendor que pouco a pouco havia perdido; volta em seguida ao lugar que antes ocupava, tornando visível uma mão de mulher, de aparência normal, ocupada em manejar a gaze, de forma já mudada, para tomar-lhe uma das pontas e suspendê-la.

Com um estremecimento de alegria indescritível, sob o lado suspenso da gaze vi aparecer o rosto de minha mulher e mais precisamente a fronte e os olhos, cuja expressão era perfeita... Desaparecia e tornava a aparecer repetidas vezes, manifestando-se de cada vez de modo mais completo, tomando uma expressão de serena beatitude.

Pedi-lhe que me beijasse e, com grande surpresa minha, tive o prazer de ver e de sentir que ela me enlaçava o pescoço com os braços, dando-me um beijo sonoro, palpável, material, não obstante a interposição de um tecido análogo à gaze. Aproximou depois a cabeça até encostá-la à minha, envolvendo-me com sua rica cabeleira e dando-me ainda novos beijos, cujo rumor podia ser claramente ouvido.

Nesse momento, a fonte de luz foi afastada a meia distância entre mim e a parede, distante uns dez pés mais ou menos. A crepitação acentuou-se, dando maior intensidade à luz, de modo a bem clarear o canto do quarto e a desvendar em toda a plenitude a figura de minha mulher, virada para a parede, com o braço estendido, sustendo no côncavo da mão o globo de luz que agitava de momento em momento para avivar a luminosidade que freqüentemente enfraquecia. Pronunciou murmurando, mas de modo muito distinto, o meu e o seu nome; aproximou-se do espelho de maneira a fazer ver a sua imagem, que nele refletia, constituindo isso, a meu ver, uma das maravilhosas provas de memorável sessão... (Epes Sargent, pág. 59.)

A seguir foi soletrado, por pequenas pancadas: “Observa-me, vou levitar-me.” E imediatamente, em plena luz, o fantasma elevou-se até o teto, onde permaneceu suspenso durante alguns instantes, para descer suavemente e então desaparecer...

O cômodo estava iluminado de modo a se poder discernir facilmente os pequenos veios do mármore em que pousava o espelho... (Dale Owen, pág. 388.)

2 de junho, 1861 – Pelo meio habitual ditaram: “Examine cuidadosamente todos os cantos do quarto, feche a porta e coloque a chave no bolso.” Tudo fiz imediatamente.

Não havia ainda retomado o meu lugar, quando os móveis começaram a deslocar-se e a agitar-se, enquanto pancadas ressoavam em torno de nós; ruídos terríveis e prolongados, imitando roncos de trovão, sucediam-se sobre a mesa.

Feito silêncio, ouviu-se ligeiro sussurro e uma forma materializada se veio colocar a meu lado; senti como a sua aura penetrando-me todas as fibras do organismo. Bateu no costado da cadeira, depois no meu ombro e, debruçando-se sobre mim, pôs-me a mão sobre a cabeça e deu-me um beijo na testa, enquanto que uma espécie de tecido muito tênue me roçava o rosto. Nesse mesmo tempo um globo de luz brilhante veio interpor-se entre nós, acompanhado de uma forte crepitação. Levantei os olhos e vi diante deles o rosto de Estela iluminado pelo globo, que brilhava intensamente. O rosto se mostrava espiritualmente tão belo como nunca me foi dado ver coisa alguma na Terra. Olhava-me com uma expressão de radiosa beatitude.

Tirou-me das mãos uma folha de papel, que me entregou depois com uma mensagem escrita num francês de perfeita correção. Como já tive ensejo de dizer, a médium não conhecia uma só palavra de francês. (Dale Owen, pág. 390.)

18 de agosto, 1861 (8 horas da noite) – Estou só com a médium. O ar está pesado e quente. Como de hábito, examinei cuidadosamente o quarto, fechei a porta com duas voltas à chave, que coloquei no meu bolso.

Meia hora de espera tranqüila e vimos surgir do solo uma grande luz esferoidal, completamente envolvida em véus, e que, depois de se erguer até à altura das nossas cabeças, se foi colocar sobre a mesa. E as pancadas ditaram: “Nota que desta vez intervimos sem provocar os ruídos habituais.” Todo o aparecimento de luz, com efeito, era, em geral, precedido de uma série de crepitações, de estalidos, de pancadas violentas, seguidas de movimento e transporte de objetos; desta vez o fenômeno se desenrolou dentro da mais absoluta calma.

Tive o pressentimento que essa sessão se destinava a fins especiais, privando-me, por conseguinte, de qualquer manifestação da parte de minha mulher. Mal havia formulado esse pensamento e a luz se elevou, tornando-se brilhante e permitindo percebesse uma cabeça coberta de um boné branco envolto em bordados.

Era uma cabeça sem traços, e perguntei que significava tal aparição. Responderam-me tiptologicamente: “Quando estava doente...” Imediatamente compreendi! O boné era a reprodução fiel de outro muito especial que minha mulher usara durante a sua última moléstia.

Havia trazido comigo diversas folhas de papel, maiores que de costume, completamente diferentes das que habitualmente empregava, e marcadas de sinais especiais. Coloquei-as sobre a mesa, de onde foram retiradas para reaparecerem perto do chão, a três ou quatro polegadas do tapete.

Não podia fazer uma idéia do que se passava, porque não estava iluminada senão a superfície da folha de papel e mais umas três ou quatro polegadas de cada lado, todo o espaço iluminado não medindo mais que um pé de diâmetro. Inesperadamente veio pousar, sobre esta folha, mão imperfeitamente conformada, que tinha entre os dedos a minha pequena lapiseira de prata; começou a mão a mover-se lentamente sobre a folha, da esquerda para a direita, como quem escreve; quando chegava ao fim da linha, voltava a começar outra.

Pediram-nos que não observássemos com demasiada insistência o fenômeno, mas por pouco tempo de cada vez, a fim de, com os nossos olhares, não perturbarmos a força em ação. Como o fenômeno, porém, se prolongou por quase uma hora, essa recomendação não impediu pudéssemos observá-lo de modo perfeito. A mão que escrevia não ficou normalmente conformada senão por algum tempo, reduziu-se depois a um amontoado de substância escura, de tamanho um pouco menor que a de uma mão normal; continuava, todavia, a dirigir o lápis e quando chegava ao extremo inferior da folha a virava, continuando a escrever no verso. Terminada a manifestação, as folhas que eu havia fornecido marcadas me foram devolvidas cobertas pelos dois lados de uma letra corrente e miúda.

É claro que em tais circunstâncias não havia qualquer possibilidade de fraude; eu apertava entre as minhas as duas mãos da médium; a porta estava fechada e a chave no meu bolso, tendo eu tomado previamente todas as precauções possíveis. (Epes Sargent, pág. 62.)

26 de agosto, 1861 – Logo que entramos no quarto, a forma de Estela apareceu. Imóvel permaneceu no meio do aposento, enquanto uma luz espírita girava rapidamente em torno e muito próxima dela, iluminando mais especialmente, ora o rosto, ora o pescoço, ora a nuca, no intuito evidente de bem fazer-nos ver essas partes do corpo. Enquanto assim a contemplávamos, a onda dos seus cabelos lhe invadiu o rosto e ela o afastou com as mãos, por diversas vezes. Tinha os cabelos ornados de rosas e de violetas. Foi a mais perfeita das suas manifestações; aparecia nítida e natural qual quando viva...

4 de outubro, 1861 – Pancadas de rara violência no assoalho, estremecendo a casa até os alicerces. Quando cessaram, vimos aparecerem os fantasmas materializados de minha mulher e de Franklin. Ambos a mim vieram; este, aplicando-me pancadinhas amigáveis no ombro; aquela, acariciando-me o rosto. Estávamos no escuro, mas as crepitações elétricas fizeram-se ouvir e imediatamente a luz brilhou de novo, permitindo-me ver em pé a figura de um homem alto e robusto. A meu pedido esse fantasma passeou pelo quarto, apresentando-se a meus olhos em posições diferentes e muito nitidamente.

Seguiu-se a vez de minha mulher, que se manifestou em plena claridade e em toda a sua beleza. Planava, atravessando assim o quarto; passou pertinho da mesa, que roçou com as abas do seu vestido branco, fazendo mesmo cair por terra as folhas de papel, os lápis e outros pequenos objetos que sobre a mesma se achavam. Algumas vezes a vimos vendar o rosto com o tecido medianímico; outras, sacudindo-lhe para frente as abas flutuantes. Fez-nos ver e apalpar o tecido, que me pareceu de natureza muito delicada; colocou-o depois sobre a mesa e por trás dele a fonte luminosa, de modo a bem podermos examinar o tecido, muito semelhante ao de uma teia de aranha; dir-se-ia que o sopro seria suficiente para desfazê-lo. Repetiu por diversas vezes a experiência e, finalmente, fez passar sobre meu rosto os bordos do vestido ondulante, que me pareceu consistente. Cada vez que o tecido medianímico de nós se aproximava, sentíamos emanações de um perfume muito puro, lembrando o “feno fresco” e a “violeta”. (Sargent, pág. 65.)

10 de novembro, 1861 – Mal nos havíamos assentado, as pancadas ditaram: “Desta vez conseguiremos.” Pouco depois, minha mulher apareceu.

Dando-me de leve com a mão no ombro, informou-me de que estava ocupada em ajudar Franklin. Este apareceu imediatamente, deixando-se pela primeira vez ver-lhe o rosto. Um outro fantasma materializado, trazendo em uma das mãos a luz, mantinha-se ao meu lado e projetava-lhe a luz diretamente sobre o rosto. Toda a minha perplexidade, a respeito da identidade de Franklin, desapareceu como que por encanto. Onde quer que esta fisionomia se me apresentasse, tê-la-ia, sem sombra de hesitação, nela reconhecido a de Franklin, cujos traços tinha vivos na mente, por muito lhe haver visto o retrato original.

Deverei mesmo acrescentar que a grandeza do seu caráter ressaltava muito mais da expressão viva do rosto do fantasma que daquele seu retrato, que evidentemente não a poderia traduzir. Trazia roupa parda talhada à antiga e gravata branca. A cabeça era vigorosa e alvos cachos lhe ornavam as têmporas. Sua figura deixava transparecer a bondade, a inteligência, a espiritualidade; tinha a aparência de um homem carregado de anos, de dignidade, de solicitude paternal, a quem qualquer pessoa se sentiria bem de recorrer para obter conselhos inspirados na sabedoria e na bondade... Apresentou-se por diversas vezes; por duas delas aproximou-se de tal modo que permitia se visse até dentro dos próprios olhos.

Minha mulher apareceu três vezes vestida de branco e cercada de flores; sua figura, verdadeiramente angélica, traduzia uma expressão de calma e felicidade celestiais. (Sargent, pág. 67.)

12 de novembro, 1861 – Ouvimos a crepitação e a luz tornou-se logo brilhante, permitindo víssemos diante de nós, assentado à mesa, o fantasma materializado de Franklin, cuja sombra se projetava na parede, exatamente como a de uma pessoa viva. Guardava uma posição digna, o corpo ligeiramente enviesado sobre o espaldar da cadeira, braços descansando sobre a mesa. De tempos em tempos inclinava-se para nós, examinando-nos com seu olhar profundo e penetrante; os longos cachos brancos acompanhavam-lhe os movimentos.

Pediu-nos fechássemos os olhos um instante. Quando de novo os abrimos, vimo-lo de pé sobre a cadeira de onde, qual uma estátua, nos dominava. Desceu em seguida, tomando o seu lugar anterior, enquanto ruídos de toda sorte partiam de diversos pontos do quarto, o que aliás se dava a cada um dos seus movimentos.

Informaram-me de parte de minha mulher que um fantasma iria entregar a Franklin um bilhete para mim. (Devo esclarecer que, no correr das manifestações que estou descrevendo, dois outros fantasmas, vestidos de tecido branco, concorriam, de modo visível, para a produção dos fenômenos; um deles era o que trazia a luz. Vi, com efeito, um fantasma aproximar-se de Franklin, para ele estender a mão em que trazia a folha de papel, colocá-la sobre os seus joelhos, para tirá-la, em seguida, e entregar-lha diretamente.

A força em ação era grande e tal permaneceu durante toda a noite, permitindo ao meu silencioso visitante permanecer materializado e assentado diante de mim durante uma hora e um quarto, seguidamente. (Sargent, pág. 67.)

29 de novembro, 1861 – Além da médium e de mim, meu irmão assistiu à sessão. Condições desfavoráveis; uma tempestade com chuva e relâmpagos desencadeou-se no momento.

Feita a escuridade, vimos surgir do chão uma grande luz espírita. Calcei-me de uma luva e meu irmão fez outro tanto. A luz então se veio colocar no côncavo da minha mão enluvada; foi-me assim dado constatar que uma mão de mulher nela se encontrava. Como viesse a mim diversas vezes, tive ensejo de segurar e apalpar atentamente essa mão espírita em todo o seu tamanho. Note-se que com a outra segurava as duas da médium.

O filhinho falecido do meu irmão manifestou-se em seguida; chegou-lhe a vez de me apertar a mão, que foi segura pouco depois por uma outra de grande tamanho, verdadeira mão de homem, provavelmente a de Franklin, que apertou a minha e a sacudiu tão vigorosamente que todo o meu corpo foi abalado. Todas essas mãos apertaram também a do meu irmão. Não devemos deixar de notar que, no mesmo espaço de alguns minutos, três mãos, diferentes em forma e dimensão, vieram sucessivamente colocar-se nas nossas, de modo a nos permitir identificá-las: a primeira, de mulher; a segunda, de um menino; a terceira, de um homem adulto e robusto; cada qual, respectivamente, caracterizado pela delicadeza, pela fragilidade e pela força.

A meu pedido, a porta de dois batentes se abriu completamente e se fechou por diversas vezes, com extraordinária violência. (Sargent, pág. 68.)

30 de novembro, 1861 – Sessão em minha casa. Os mesmos cuidados de sempre. Condições favoráveis; tempo frio e lindo.

Feito escuro, ouviram-se logo pancadas fortes sobre a mesa, seguidas da crepitação elétrica, mas nenhuma luz apareceu. “Esta noite conseguiremos”, disseram-nos. Em dado momento, pediram-me fósforos e convidaram-nos a fechar os olhos. Tirei do meu bolso um fósforo de cera e, estendendo o braço, depositei-o sobre a mesa. Imediatamente uma mão o tomou e, riscando-o três vezes na mesa, conseguiu acendê-lo. Abrimos os olhos; o fósforo de cera iluminava perfeitamente o quarto; diante de nós estava Franklin, de joelhos, por detrás da mesa, que a sua cabeça suplantava, mais ou menos, de um pé. Nós o contemplamos enquanto o fósforo durou; o fantasma desapareceu de repente. Por pancadinhas na mesa, ditaram-nos, então: “Meus queridos filhos, depois desta última prova, será possível que o mundo ainda duvide? Para convencê-lo é que assim trabalhamos. – Benjamin Franklin” E imediatamente depois: “Meu querido, como estou contente! – Estela.”

Entregaram-me em seguida uma folha de papel em que estava escrito: “Esta sessão, de todas é a mais importante. Experimentamos muitas vezes e tivemos de renovar constantemente os nossos esforços antes de conseguir o que acabais de ver; felizmente, foram eles coroados de êxito. Para demonstrar que sou uma criatura absolutamente como vós, bastou-me desta vez esfregar um fósforo; mas quantas tentativas antes de conseguir manifestar-me à luz terrestre! Enfim, as dificuldades foram vencidas! – B. Franklin.” (Sargent, pág. 69.)

12 de dezembro, 1861 – Sessão em minha casa. Tinha-me prevenido de uma lanterna furta-fogo, na qual havia adaptado um obturador munido de regulador, de modo a poder projetar, à vontade, um círculo de luz no diâmetro aproximado de dois pés sobre a parede, numa distância de dez pés. Coloquei a lanterna acesa e aberta sobre a mesa e tomei nas minhas as mãos da médium. Imediatamente a lanterna foi suspensa, e nós convidados a segui-la. Era ela conduzida por um Espírito que nos precedia e do qual víamos nitidamente a forma inteira se desenhar, envolta em véus brancos cujos extremos arrastavam pelo chão. Depositou a lanterna sobre a escrivaninha; paramos também. Achávamo-nos em frente à janela existente entre a escrivaninha e o espelho. A lanterna elevou-se, de novo, erguendo-se, entre a escrivaninha e o espelho, a uma altura aproximada de 5 pés, de onde projetava toda a luz sobre a janela, permitindo víssemos a figura de Franklin, assentado na poltrona.

Durante 10 minutos e sem interrupção, o feixe de luz projetado pela lanterna iluminou-lhe a fisionomia e o corpo inteiro, de tal maneira que pudemos examiná-lo à vontade.

Seu semblante traduzia indizível contentamento e a maior naturalidade, bem como o cabelo e os olhos que brilhavam de vida. Não tardei, porém, a notar que o fantasma se ressentia grandemente da influência dissolvente da luz terrestre; os olhos perderam o brilho e os traços a vivaz expressão que sempre tinham, quando os contemplava à luz espiritual.

Por mais de uma vez pediram-me que acionasse o regulador da lanterna, de modo a deixar passar mais ou menos luz; fazendo-o tive o ensejo de constatar que a lanterna estava suspensa no ar, sem qualquer ponto de apoio.

Finda esta manifestação, encontramos sobre a mesa uma folha de papel onde estava escrito: “Isto ainda, meus filhos, é para o bem da Humanidade. Apenas com esse fim, esforço-me e trabalho. – B. Franklin.” (Dale Owen, pág. 394.)

23 de janeiro, 1862 – Em frente à porta, apareceu minha mulher, toda vestida de branco e envolta de um véu transparente... Tinha na fronte uma coroa de flores...

A luz espírita projetava o facho luminoso sobre todo o seu corpo, iluminando-o completamente; olhávamos para ele, com vivo interesse e prazer, quando de repente desapareceu, rápido como o pensamento, produzindo um ruído semelhante ao silvo do vento. Ditaram-nos: “Esta noite a saturação elétrica é grande. Aproveitei-a para mostrar-vos a celeridade com que podemos desmaterializar-nos.” Um instante depois, reapareceu em seu aspecto natural e consistente como dantes. (Sargent, pág. 71.)

15 de fevereiro, 1862 – Atmosfera úmida e desfavorável. Além da médium, comigo assistia à sessão o meu cunhado, M. Groute, a quem a reunião havia de modo especial sido consagrada.

Pedi demonstrações de força e sem demora recebemos a seguinte mensagem: “Atenção! Ouvi-o; ele chega rapidamente. Retirai da mesa as vossas mãos.” E, imediatamente, ouvimos espantoso rumor metálico, fazendo estremecer a casa de lado a lado. Era como se um pesado monte de correntes fosse jogado do alto, com enorme violência sobre a mesa. O mesmo barulho por três vezes se repetiu, mas com força decrescente.

Depois disto, uma grande mesa de mármore, muito pesada, começou a caracolar pelo quarto; uma grande caixa fez outro tanto. Um guarda-chuva, colocado sobre a mesa, pôs-se a dar voltas, como que voando pelo quarto, tocando ora num ora noutro, parando, finalmente, nas mãos do Sr. Groute.

Tais manifestações tinham certamente por fim convencer o incrédulo, recém-vindo, da realidade da existência de um poder invisível. E o fim foi atingido, pois meu cunhado havia tomado todas as precauções para se prevenir contra um possível embuste; entre outras, a de selar a porta e a janela. (Sargent, pág. 73.)

16 de fevereiro, 1862 – Pelo fim da sessão, o Espírito materializado de Benjamim Franklin escreveu o que se segue, em uma folha de papel: “Meus filhos, neste momento as nossas armas acabam de obter uma grande vitória.” No dia seguinte, tivemos notícia de que, de fato, no correr da noite, o exército federal havia enfim tomado de assalto o Forte Donaldson, sobre o rio Tenessee. (Sargent, pág. 75.)

22 de fevereiro, 1862 – Atmosfera úmida; condições desfavoráveis.

Depois de cerca de meia hora de espera, uma luz cilíndrica e muito brilhante, envolvida em véus, como de costume veio pousar sobre a mesa; perto dela apareceu uma haste com duas rosas abertas, um botão e folhas. Flores, botão, folhas e haste eram de rara perfeição. As rosas foram-nos dadas a cheirar; achei-as perfumadas como são as rosas naturais, ao ser colhidas; o perfume era mesmo mais suave e delicado. Foi-nos permitido tocá-las, aproveitando então eu para delas fazer minucioso exame. “Cuidado! Tenha a máxima precaução”, disseram-me.

Notei que a haste e as folhas estavam um tanto viscosas e, como perguntasse o motivo, disseram-me que era devido às condições de umidade e impureza da atmosfera. O galho era mantido sempre perto e às vezes por cima da luz, que parecia ter a propriedade de transmitir-lhe vitalidade e substância, como se o alimentasse; o mesmo poder parecia conferido à mão que o segurava.

Já havia observado, aliás, que todas essas criações espíritas parecem formar-se e conservar-se à custa das reservas elétricas contidas no globo luminoso, pois ao menor indício de perda ou de enfraquecimento de consistência levavam-nas para perto da fonte luminosa e, como que por encanto, recuperavam a seiva e a vitalidade perdidas.

Pelo meio habitual, disseram-nos: “Vede como se vão dissolver rapidamente.” E logo as flores começaram a murchar, dobraram-se sobre a haste e fundiram-se como cera que se chegasse ao fogo, assim desaparecendo tudo do mimoso galho, em menos de um minuto.

Disseram-nos ainda: “Elas vão tornar a vir” e imediatamente apareceu diante do cilindro um filamento branco, que rapidamente se desenvolveu em forma de galho; as folhas reconstituíram-se, depois o botão e em seguida as rosas, tudo de uma maneira perfeita e em tempo igual àquele em que se deu a dissolução. O fenômeno repetiu-se algumas vezes, oferecendo um espetáculo maravilhoso. Prometeram reproduzi-lo à luz do gás, quando as condições atmosféricas permitissem. (Sargent, pág. 75.)

25 de fevereiro, 1862 – Além da médium, assistia comigo à sessão o Sr. Groute. O quarto em que se faziam as sessões era contíguo a outro muito menor, ao qual se chegava por uma portazinha corrediça. A porta que conduzia aos dois aposentos, bem como a janela, foram cuidadosamente seladas pelo Sr. Groute... Feito isto e bem revistados os dois quartos, uma luz brilhante surgiu do chão, permitindo a mim e à médium víssemos a forma de um fantasma de homem, de pé, junto a nós. Não conseguimos, desde logo, identificá-lo, devido à grande quantidade de véus que lhe envolviam o rosto, mas pouco depois pudemos nitidamente discernir os traços bem conhecidos de Franklin. Groute não havia tido ainda permissão de se aproximar; mas como as condições de força começassem a melhorar, ou antes, como os efeitos inibitórios de sua presença houvessem sido suplantados em parte, disseram-lhe: “Caro amigo, agora pode vir ver.” Groute aproximou-se então, achando-se assim, por sua vez, em presença do fantasma... Embora a luz não estivesse tão boa como habitualmente, ele pôde ver bastante para verificar que os traços do fantasma correspondiam em tudo aos de Franklin, de acordo com o retrato original que conhecia também. Com efeito, mesmo nas condições de luz em que então nos achávamos, os olhos, os cabelos, os traços, a expressão fisionômica, ao mesmo tempo em que uma parte dos véus de que se vestia o fantasma eram nitidamente discerníveis. O abaixamento repentino da luz, todavia, havia sido grande, devido à presença contrariante de Groute; observação curiosa e instrutiva ao mesmo tempo. Quando Groute estava no quarto contíguo, a luz brilhava como de costume, mas enfraquecia à proporção que ele se aproximava, do mesmo modo que readquiria o brilho habitual se ele novamente se afastava. Este interessante fenômeno demonstra que a natureza de uma pessoa viva exerce influência direta sobre essas criações do mundo invisível, influência que age, às vezes, como elemento perturbador e neutralizante, sem que para tal seja necessária mais do que a sensação de surpresa, de receio ou de outra qualquer emoção decorrente de uma insuficiente familiaridade com os fenômenos medianímicos. (Sargent, pág. 77.)

3 de novembro, 1862 – Estela apareceu com o rosto velado pelos cabelos em desordem; para ver-lhe a fisionomia tive de afastá-los com minhas mãos. Elevou-se depois lentamente até que os pés atingissem a altura da minha cabeça, sobre a qual tocou, enquanto as abas do vestido flutuante me roçavam pelo rosto e pela cabeça. (Owen, pág. 395.)

21 de outubro, 1863 – Havia-me munido, esta noite, da lanterna furta-fogo e, logo que a forma materializada de Estela apareceu, projetei sobre ela toda a luz. Estela estremeceu ligeiramente, mas quedou-se imóvel, deixando-me dirigir-lhe o facho luminoso sobre o rosto, sobre os olhos, peito, vestimenta, enfim, por toda parte. Depois de haver-me deixado convenientemente examiná-la, desapareceu subitamente, ditando-me, em seguida: “Só vencendo grandes dificuldades, consegui permanecer materializada durante esse tempo.” (Owen, pág. 396.)

Relativamente a Groute, eis como Dale Owen resume a ata de duas sessões a que assistiu, como testemunha:

Presente à sessão de 28 de fevereiro de 1863 (número 346), o Sr. Groute segurava as mãos da médium. Fechado o gás, Livermore sentiu-se empurrado por uma mão de grande dimensão, para o divã; ergueu-se a luz do chão, deixando ver, por cima do divã, a figura de Franklin. Tão bem como os demais, Groute a pôde ver e logo se convenceu de que efetivamente se tratava de uma forma humana viva; correu à porta para se certificar de ter sido ou não ela aberta. Voltou depois a contemplar a forma, cujas vestes pôde apalpar.

Seu cepticismo, porém, era exagerado e, uma semana mais tarde, manifestou desejo de assistir a outra sessão, a fim de tirar as coisas a limpo. Quis ele mesmo fechar as portas e as janelas e, ao fazê-lo, resmungava estar disposto a não mais se deixar embrulhar.

Desta vez a forma de Franklin apareceu muito mais nítida ainda, segurando ele mesmo no côncavo da mão a luz com a qual se iluminava, como se quisesse mostrar ao incrédulo “Tomé” que ele era o mais interessado em fornecer-lhe os meios de bem poder examiná-lo de um modo satisfatório.

Groute, que desde o começo da sessão segurava com as suas as mãos da médium e as de Livermore, aproximou-se do fantasma, viu-o bem, tocou-o e, como o apóstolo Tomé, declarou-se finalmente convencido. (Owen, pág. 393.)

O Dr. Gray relatou-me esta outra observação, muito interessante. Durante uma das últimas manifestações de Franklin, este apresentou-se, a princípio, com o rosto imperfeitamente formado, de modo que parecia ter apenas uma das vistas; em lugar da outra e de parte da face existia uma cavidade informe, que dava à fisionomia um aspecto horrível.

Kate Fox, a médium, ficou tão impressionada que não se pôde conter e deu um grito, o que provocou a extinção imediata da luz que iluminava o local.

“Tolinha – exclamou o Dr. Gray, tomando-lhe as mãos –, não compreendes que assim atrapalhas a mais interessante das experiências, a da gradual materialização de um Espírito?”

Essa interpretação filosófica do fenômeno teve a virtude de acalmar um pouco a moça, dissipando-lhe o pavor supersticioso. Cinco minutos depois, a figura de Franklin de novo apareceu, mas desta vez perfeita e com tal expressão de calma, de dignidade e de bondade no olhar, que a médium foi a primeira a exclamar: “Oh, como é belo!” (Dale Owen, pág. 407.)

Suspendo aqui, não sem verdadeiro pesar, as citações extraídas do relatório, teoricamente muito importante, do Sr. Livermore. Na seleção que fiz, julguei de certa utilidade afastar-me um pouco do nosso tema a fim de apresentar um quadro generalizado dos fenômenos obtidos no correr dessas memoráveis experiências.

Nos trechos que acabo de transcrever, notam-se numerosos incidentes que bem reclamam uma confrontação com outros análogos, obtidos através da medianimidade de William Stainton Moses, da Sra. D’Esperance, de Eusápia Paladino, da Sra. Hollis, da Sra. Salmon, de Eva C. e de Linda Gazzera; mas isto me desviaria demasiado do tema especial deste trabalho.

Limitar-me-ei, portanto, a abordar apenas as principais analogias, renunciando a citar exemplos.

A primeira analogia deveras notável que me ocorre apresentar é a das luzes obtidas por Livermore, que também o foram por Stainton Moses; não só apresentavam a mesma forma e dimensões, como em ambos os casos vinham envolvidas em uma espécie de tecido semelhante à gaze. Os analistas das sessões de Stainton Moses falam também, como Livermore, de uma mão medianímica existente no interior das luzes que pela tal mão pareciam adimentadas.

Relativamente à emanação de perfumes, há interessantes pontos de contacto entre as duas séries de experiências, embora de modo muito mais variado nas curtas sessões com Moses, em que os perfumes de toda ordem ora transudavam da fronte do médium, ora se expandiam em profusão pela sala, a ponto de tornar o ar irrespirável, ora eram extraídos de flores frescas, previamente para esse fim trazidas. Poucas flores bastavam para produzir farta quantidade de perfumes; notando-se que as que eram submetidas a esse processo murchavam logo, secando imediatamente.

Outra analogia digna de nota, e esta com a medianimidade de Eusápia Paladino, é a das formas materializadas não tomarem contato com as pessoas vivas sem a interposição de um tecido medianímico ou mesmo de um tecido ou tegumento natural. Vimos Livermore e seu irmão obrigados a tomarem luvas para receber no côncavo da mão a luz medianímica, e Estela, para beijar Livermore, interpor previamente uma substância semelhante à gaze.

Particularidades idênticas se verificam nas sessões com Eusápia, no correr das quais as formas materializadas, em geral, não tocavam nem se deixavam tocar senão através de tecidos ou de cortinas, do mesmo modo que não deixavam traços na massa modeladora sem a interposição de um tecido medianímico.

Outra analogia ainda: nas sessões de Livermore, como nas com Eusápia Paladino, quando os fenômenos de certa importância se aprestavam ou estavam em vias de realização, as personalidades medianímicas exortavam a que se não fixasse demasiado a vista sobre os mesmos, isto devido ao poder desintegrante que o olhar humano e a atenção concentrada exercem sobre as forças exteriorizadas. Assim, enquanto a mão materializada e iluminada escrevia na presença de Livermore, este era convidado “a não olhar com demasiada insistência o fenômeno, mas com pequenos intervalos, a fim de não perturbar, pela fixidez do olhar, a força em ação”. Em outras circunstâncias, pediam aos experimentadores que fechassem, ainda que por um instante, os olhos: “Franklin nos convidou a fechar os olhos por um instante; logo que os abrimos, vimo-lo de pé sobre a cadeira, de onde nos dominava, como uma verdadeira estátua.” E mais adiante: “Pediram-me fósforos e nos preveniram de fechar os olhos.”

Eis um caso análogo, tirado das sessões com Moses:

“Pedi que do rosto me aproximassem a luz. Mentor nisto consentiu e convidou-me a fechar os olhos. Quando me permitiu de os abrir, vi diante de mim, a alguns centímetros apenas do meu rosto, uma luz esplêndida, tendo a forma e o volume de um globo comum para lâmpadas.” (Dr. Speer, Proceedings of the S.P.R., vol. IX, pág. 275.)

À força inibitória do olhar e da atenção corresponde aquela dos temperamentos e a sua ação relativa de emanações vitais. A este respeito não se pode deixar de achar bem instrutivo o episódio narrado por Livermore sobre o efeito contrariante que a presença do Sr. Groute exercia sobre a produção dos fenômenos:

“Quando Groute estava no quarto contíguo, a luz brilhava como de costume, mas enfraquecia à proporção que ele se aproximava, do mesmo modo que readquiria o brilho habitual se ele novamente se afastava.”

O mesmo se dava com Moses, sempre que introduzia novas pessoas no recinto. As personalidades medianímicas acabaram mesmo por aconselhar aos membros do grupo que permanecessem pouco numerosos, a fim de não comprometer a progressão dos fenômenos. Perturbações análogas se verificavam com Home e com Eusápia Paladino, assim como com todos os outros médiuns. É mesmo a esta particularidade dos fenômenos medianímicos que se deve atribuir os graus muito diferentes de sintonização entre os diferentes grupos de experimentadores, quando os resultados obtidos com o mesmo médium são tão diversos e mesmo contraditórios.

Assinalarei, enfim, um fenômeno curioso exposto por Livermore e que tem o seu equivalente nas experiências com Moses. Consiste nos ruídos retumbantes que, de ordinário, precediam a realização de manifestações importantes, fenômenos tão habituais nas experiências de Livermore, que, não havendo eles ocorrido em determinada circunstância, as personalidades medianímicas chamaram, para o fato, a atenção dos experimentadores, do modo seguinte: “Notai que desta vez nos manifestamos sem provocar ruídos.” Com a medianimidade de Moses o mesmo fenômeno se dava. Ele disto pediu explicação ao Espírito-guia, “Rector”, que respondeu não ser fácil suprimir essas formas de manifestações barulhentas, por isso que constituíam para os Espíritos o meio mais prático de sanear o ambiente da saturação excessiva das forças físicas exteriorizadas, que impedem se produzam manifestações superiores.

Termino com esta enumeração das principais analogias existentes entre as modalidades pelas quais se produziram os fenômenos nas sessões com Kate Fox e as que eram próprias a outros médiuns, analogias teoricamente interessantes e instrutivas; reforçam-se mutuamente, confirmando os resultados obtidos, fornecendo, portanto, dados preciosos para uma futura interpretação dos fatos.

*

Dentro do ponto de vista especial da presente discussão, resta-me apenas encarar os fenômenos de materialização na parte que se prende à gênese e à natureza dos mesmos, começando por procurar ver se aqueles que acabamos de observar devem ser considerados como sendo de natureza plástica ou orgânica, subconsciente ou extrínseca.

Mas penso não ser necessário perder o nosso tempo em discutir se são criações plásticas ou orgânicas os fantasmas que deram provas tão evidentes de inteligência, de vontade e de atividade. É fato que, quando às vezes os fluidos e as forças de que dispunham eram insuficientes, eles apareceram incompletamente materializados, mas sempre de modo que nem de longe permite possam ser confundidos com fantoches plásticos. Espontaneamente eles iam e vinham pelo quarto; subiam e desciam de móveis; pensavam em alimentar os globos luminosos, que tinham em mão, e o conseguiam, agitando-os oportuna e convenientemente; embora com certa dificuldade e atonicamente, comunicavam-se pela palavra falada; escreviam de próprio punho e à vista dos experimentadores e tão repetidas provas deram que não podemos duvidar serem eles seres vivos e organizados e não meros fantoches plásticos, relegados ao plano das figuras de cera de um museu anatômico.

O problema substancial a resolver resume-se, portanto, em saber se os fantasmas organizados e independentes, de que estamos tratando, podiam ou não podiam encontrar explicação com o auxílio da tese fundamental de Sudre, segundo a qual seriam eles o produto exclusivo de uma personalidade subconsciente exteriorizada e materializada.

Colocado assim o problema, começo por lembrar que, no correr da sessão de 10 de novembro de 1861, se apresentaram simultaneamente três fantasmas materializados e que, no correr da imediata, de 12, se viram simultaneamente passear pelo quarto quatro fantasmas materializados. Se quisermos, pois, manter a interpretação de Sudre, deveríamos então dizer que nos achamos diante de um fenômeno respectivamente de tripla e de quádrupla prosopopese exteriorizada e materializada!!! Ou, mais exatamente, que estamos diante de um fenômeno de quíntupla prosopopese simultânea, dado que o médium durante a manifestação não caía no sono medianímico e guardava toda a sua consciência. Por outras palavras, teríamos de concordar que, em tais circunstâncias, a personalidade psíquica do médium se teria simultaneamente desdobrado em cinco personalidades psíquicas bem definidas, das quais quatro bem exteriorizadas, materializadas, independentes, vivas, inteligentes e ativas. É o que teríamos de admitir para podermos aceitar a hipótese da prosopopese, aplicada aos casos de materialização. Ora, antes de subscrever semelhante milagre, peço que me dêem a conhecer ao menos um, um só exemplo de desintegração patológica de uma personalidade, com formação relativa de personalidades alternantes, que houvessem sido capazes de emergir e de agir simultaneamente sob quatro aspectos diferentes.

Dir-me-ão que estou pedindo coisa psicologicamente impossível. Bem o sei; mas como esse fenômeno se verifica nas experiências de materialização e nas de “voz direta”, teremos de concluir que, se o desdobramento simultâneo de uma individualidade psíquica, em cinco personalidades independentes, constitui psicologicamente uma coisa impossível, as personalidades simultâneas, que se manifestam aos fenômenos de materialização e nos de voz direta, não podem deixar de ser estranhas ao médium e aos assistentes. Eis-nos, assim, por uma necessidade lógica, forçados a admitir a hipótese espírita.

Quer parecer-me que esta primeira observação, baseada nos fatos, seja suficiente para levar irremediável ruína à hipótese da prosopopese exteriorizada e materializada.

Contentar-me-ei agora em enumerar as provas admiráveis de identificação pessoal, fornecidas pela entidade materializada de Estela, sem comentá-las nem discuti-las, mesmo porque já encarei de um modo completo, neste trabalho, o valor teórico das provas mais importantes: as da identidade da letra e das mensagens em língua ignorada do médium.

Faço, portanto, notar que a personalidade medianímica, aqui apreciada, conseguiu demonstrar a sua identidade, recorrendo às melhores provas de que possa dispor uma personalidade de defunto que se manifesta, mostrando-se durante certo número de anos sob a mesma aparência que tinha quando viva; escrevendo centenas de mensagens com identidade de letra; exprimindo-se em língua estrangeira que lhe era familiar quando viva, mas desconhecida da médium; revestindo suas idéias de uma forma nitidamente pessoal e acrescentando a tudo isso provas avulsas, de natureza altamente sugestiva, como, por exemplo, a da reprodução materializada do boné ornado de bordados, que usara durante a moléstia que a vitimou; reforçando, enfim, as provas de identificação pela produção de fenômenos prodigiosos, destinados a provar a intervenção real de personalidades espirituais estranhas aos assistentes.

O fantasma materializado de Benjamim Franklin não interveio no caso, com o fim de identificação pessoal, mas tão somente para contribuir no êxito das manifestações de Estela utilizando esta mesma “energia elétrica” que ele havia profundamente estudado, quando vivo. Ainda mesmo assim, esse fantasma reproduziu o porte e os traços característicos daquele que se dizia ser.

Convém notar o fato impressionante de o Espírito de Franklin, depois de haver conseguido fazer-se ver à luz de um fósforo, isto é, à luz terrestre, tão nociva às formas materializadas, haver transmitido a seguinte mensagem: “Meus queridos filhos, depois desta última prova, poderá o mundo duvidar ainda? É só para convencê-lo que tanto trabalhamos.”

Em outra ocasião, depois de haver permitido que o feixe luminoso da lanterna furta-fogo fosse sobre si projetado em cheio, a ponto de desintegrá-lo rapidamente, ditava esta outra mensagem: “Isto também, meu filho, é para o bem da Humanidade. É apenas com esse fim que emprego a minha atividade e o meu trabalho.”

Que tristes considerações essas nobres palavras sugerem! Elas nos mostram, com efeito, que o fantasma materializado de Benjamim Franklin, desde o ano de 1861, julgava que as provas por ele fornecidas, em apoio da sobrevivência do espírito humano, deviam bastar para arrancar dos vivos toda e qualquer sombra de dúvida relativamente ao futuro no Além; acrescentava que, juntamente com outros Espíritos, se sujeitava à árdua tarefa de se manifestar e de se materializar, apenas com o fim de fornecer ao mundo essas provas capitais. E não há negar. A série impressionante dessas inumeráveis experiências, que se prolongaram pelo espaço de cinco anos, devia racionalmente bastar como prova experimental da sobrevivência do espírito humano. Mas sessenta e cinco anos se escoaram já depois delas e, não somente o mundo, por desgraça sua, ainda não se deu por convencido, como mesmo no círculo das pessoas que estudam as manifestações metapsíquicas a discussão, a desinteligência e a discórdia imperam como dantes. E fatos tão maravilhosos como os fornecidos por Benjamim Franklin rapidamente se acumulam, uns após outros!

Devemos concordar ter Franklin confiado demais nas faculdades de raciocínio do homem, sem se haver lembrado que muitas vezes, a tolher-lhe a inteligência, estavam a névoa das idéias preconcebidas e o misoneísmo que caracteriza principalmente os homens de ciência, misoneísmo que os predispõe a acolherem sempre qualquer hipótese absurda e gratuita que se harmonize com os seus preconceitos e a cegamente repudiarem uma verdade manifesta e incontestável quando em contraste com aqueles mesmos preconceitos inveterados.

Franklin não teve na devida conta aquilo que se chama “credulidade dos incrédulos”, infinitamente mais cega e tenaz do que a “credulidade dos simples”. Para combatê-la, para vencê-la não bastam os fatos, como não bastam os processos científicos, nem a análise comparada, aplicada a grande número de casos, nem a convergência admirável de todas as provas. Só a obra do tempo poderá deles triunfar. A dramática história de todos os precursores, de cem modos diversos, o demonstra. Dentro de um século a Humanidade reconhecerá, sem mais discutir, a grande verdade que tantos amargores custa hoje aos que a defendem.

*

Prosseguindo na exposição de casos notáveis de fantasmas completamente materializados, penso que o terceiro caso clássico no gênero é o da celeste “Nepenthés”, fantasma que se manifestou no correr de uma série especial de experiências em que interveio a medianimidade da Sra. D’Esperance. Nele se verificou o famoso incidente de grande importância teórica, qual o do Espírito que, declarando-se contemporâneo da época heróica da antiga Grécia, escrevia uma mensagem em grego antigo, no canhenho de um dos experimentadores. O valor teórico deste incidente toma vulto ainda maior diante da feliz coincidência de ser o grego antigo ignorado de todos os assistentes.

A origem dessas memoráveis sessões é assaz conhecida. Eminentes experimentadores noruegueses, entre os quais se contavam professores da Universidade, homens de letras, médicos, magistrados e pastores luteranos, reuniram-se em grupo com o fim de procurarem certificar-se até que ponto as condições de preparação física dos assistentes poderiam influir favoravelmente sobre a produção dos fenômenos metapsíquicos e, nesse intuito, combinaram se abstivessem todos durante seis meses de qualquer bebida alcoólica, do fumo e de outras drogas, devendo depois do terceiro mês iniciarem uma série de doze sessões a que se comprometiam todos a comparecer sem interrupção, sendo aos mesmos vedado trazerem às ditas sessões qualquer pessoa estranha ao compromisso.

Representantes dos dois sexos se encontravam em número igual no grupo, que era composto de cerca de trinta pessoas.

Terminada a série de sessões, alguns experimentadores publicaram-lhe a resenha em livros e opúsculos. Extraí a que se segue do diário da Baronesa Peyron (Light, 1907, pág. 439) e das longas citações do livro Harper i Luften, publicado por um magistrado que fazia parte do grupo, citações que a Sra. D’Esperance repetiu no correr de uma conferência.

Na relação norueguesa, o autor cita, depois de prévia autorização, os nomes de quase todas as pessoas que assistiram às sessões; a Sra. D’Esperance, todavia, não se julgou autorizada a outro tanto na sua conferência. (Light, 1903, págs. 547, 559 e 571.)

Sabe-se, pelo diário da Baronesa Peyron, que o organizador das sessões foi o Dr. Von Bergen, investigador metapsíquico assaz conhecido; e pela conferência da Sra. D’Esperance, que o Sr. Sjostedt foi o escolhido para dirigir as sessões. Essas se realizaram na casa do professor E.

As precauções tomadas, relativamente às salas das sessões, não foram reveladas à médium, que devia chegar de Gothembourg a Christiania. “Não sei por que razão – escreve a Baronesa Peyron –, julgaram inoportuno que a médium entrasse na sala das sessões durante o dia, de sorte que, chegado o momento de nos reunir, tivemos de perder muito tempo em modificar as disposições que haviam sido adotadas para a iluminação local.”

“Nepenthés” manifestou-se logo numa das primeiras sessões e continuou a se manifestar em quase todas as outras. Era uma forma de mulher da maior beleza; mostrava-se à luz ao mesmo tempo que a médium, que estava acordada e se conservava sempre fora do gabinete e assentada entre as demais pessoas. Materializava-se no meio do grupo, conformava-se com os desejos dos investigadores, ora prestando-se em se deixar fotografar, ora escrevendo no canhenho de um dos assistentes, ora tirando o molde da própria mão em parafina liquefeita.

Este último fato foi narrado do modo seguinte pelo Dr. Von Bergen:

“A espera trazia a todos impaciência e ansiedade. “Será bem sucedida? Não o será?” – eram perguntas que a si mesmo cada um fazia.

Nosso estado d’alma foi pressentido pela médium, que nos fez observar:

– Não me dirijam a palavra; preciso ficar quieta; procurem guardar a calma e a serenidade.

O leve ruído produzido pela mão, que mergulhava no líquido e dele saía, continuou durante alguns minutos na sombra da cortina, enquanto percebíamos de modo completo a forma branca debruçada sobre o recipiente. Depois Nepenthés se ergueu e virou-se para nós... olhando em derredor, até perceber o Prof. E., assentado por detrás de outro experimentador, que o encobria de metade; suspensa no ar, dirigiu-se então para ele, entregando-lhe um objeto.

– Ela me estende um pedaço de cera – exclamou ele; mas, depois, corrigindo-se: – Não, é o molde da mão, que está envolta até o punho e que se dissolve no interior do seu modelo.

Enquanto ele ainda falava, Nepenthés, que lhe havia entregado o modelo de parafina, deslizada tranqüilamente para o gabinete. Havia-se obtido, enfim, o fenômeno desejado! Acabada a sessão, examinou-se a moldagem. Exteriormente parecia informe, grumosa, formada de grande número de camadas sobrepostas de parafina; pela pequena abertura do punho, percebia-se interiormente os lugares correspondentes aos dedos de mão extremamente pequena.

No dia seguinte levamos essa luva a um modelador de profissão (um tal Almiri) para que tirasse o modelo em gesso. Ele e os seus operários, estupefatos, olharam para o modelo e, constatando que mão humana, depois de havê-lo produzido, não teria podido dele retirar-se, deixando-o intacto como estava, acabaram por considerá-lo produto de uma feitiçaria.

Terminado o trabalho do modelador, todos pudemos admirar a mão muito pequena e completa até o punho, na qual se destacavam perfeitamente as unhas e em que se desenhavam, com espantosa nitidez, as linhas mais finas das juntas e da palma. Os dedos fusiformes e admiravelmente torneados assombravam os artistas mais do que qualquer coisa outra e mais os convenceram da origem supranormal do modelo, tanto mais que os dedos se apresentavam dispostos de modo que mão humana não teria conseguido assim sair da forma.”

A maneira pela qual Nepenthés se desmaterializava, no meio do grupo, é descrita neste outro trecho:

“Ela ficava despreocupadamente junto a nós, baixava lentamente a cabeça em que brilhava o seu natural diadema. Em breve tempo, sem que se percebesse o menor ruído, a sobre-humana, a espiritual Nepenthés, tão bela, tão real, tão viva, se havia transformado em pequena nuvem luminosa, não maior que uma cabeça humana, sobre a qual brilhava ainda o diadema; pouco a pouco essa luminosidade se extinguia também, e o diadema se dissolvia, desaparecendo por sua vez.”

Eis, enfim, o famoso episódio da mensagem escrita em grego clássico, desconhecido da médium e dos assistentes:

“Nepenthés se apresentou mais bela do que nunca. Não obstante toda a admiração e o respeito que nutro para com as amáveis e encantadoras senhoras das minhas relações, devo dizer que meus olhos jamais viram coisa alguma de comparável a essa criatura sublime – mulher ou deusa, pouco importa –, e estas minhas palavras mais não fazem que traduzir a opinião geral. Percebendo o Sr. E., debruçado sobre o seu canhenho, ocupado em tomar notas, ela ficou um instante a olhá-lo; o Sr. E. convidou-a então a escrever para ele uma frase e lhe entregou o lápis e o canhenho, que ela aceitou. O Sr. E. levantou-se e colocou-se por detrás dela, observando-a. Achavam-se ambos ao lado da médium, mas um tanto para trás; nós olhávamos este grupo de três pessoas, em ansiosa expectativa. “Ela está escrevendo”, disse o Sr. E., enquanto víamos as duas cabeças inclinadas sobre os dedos que escreviam e cujos movimentos eram distintamente percebidos. Pouco depois, canhenho e lápis eram devolvidos ao Sr. E., que se assentou triunfante.

Examinamos a página em que vimos traçados caracteres gregos de forma muito clara, mas ininteligíveis para todos os assistentes. No dia imediato, fizemos traduzir a mensagem do grego antigo para o moderno e, em seguida, para o nosso idioma. E eis o que continha: “Eu sou Nepenthés, amiga tua; quando tenhas a alma oprimida pela dor, invoca-me e eu, Nepenthés, célere acorrerei a aliviar-te os sofrimentos.”

“Feliz mortal!” pensávamos todos, ao felicitá-lo.”

Paro aqui com as citações. A propósito do caso que acabamos de rapidamente percorrer, devemos em primeiro lugar ter muito em consideração as condições probatórias excepcionais em que tudo se passou.

O local estava permanentemente iluminado por claridade suficiente para que todos se pudessem reconhecer, para que as notas fossem tomadas facilmente e tudo se distinguisse clara e precisamente. A médium ficava assentada no meio dos assistentes, a todos visível e sempre acordada. Tinha as costas viradas para o gabinete medianímico onde se formavam os fantasmas materializados, para saírem depois e se deixarem ver pelos experimentadores. Quanto a Nepenthés, ela se materializava e se desmaterializava quase sempre na presença de todos. As condições de experimentação eram pois absolutamente ideais para tornar impossível toda e qualquer tentativa de fraude.

Passando-se à produção dos fenômenos, basta recapitulemos o modo pelo qual se deu a moldagem da mão de Nepenthés, que a mergulha e a torna a mergulhar na parafina liquefeita, até conseguir camada capaz de garantir a experiência e, terminada esta operação, volta-se procurando com o olhar o Prof. E., a quem parece sempre preferir e, em o percebendo, meio escondido por detrás de um outro experimentador, a ele se dirige e lhe faz entrega da luva de parafina.

Em outra ocasião, ela pára a fim de olhar o Prof. E. ocupado em tomar notas; este último, apresentando-lhe o caderninho e o lápis, pede-lhe escreva qualquer coisa, o que de bom grado ela faz, compondo uma mensagem em língua ignorada dos assistentes.

Quando se revêem esses detalhes, o pensamento se volta para a teoria de Sudre, segundo a qual os fantasmas materializados não passariam de manequins plásticos que “têm aparência de vida” graças a um fenômeno de prosopopese, mas que na realidade podem ser comparados às “figuras de cera de um museu anatômico”. E a nossa imaginação se queda estarrecida diante da força entenebrecedora das idéias preconcebidas que arrastam os homens a afirmarem o oposto do que atestam os fatos.

Não posso deixar de chamar a atenção para a significação muito especial que ressalta de uma personalidade materializada escrever em uma língua desconhecida do médium e dos assistentes, o que vem mostrar quão destituída de base é a objeção extravagante de que já me ocupei em relação a casos análogos, mas em que as personalidades medianímicas se exprimiam em língua ignorada do médium, mas conhecida do consultante. Poder-se-ia objetar, neste caso, que o médium captava o conhecimento da língua, do subconsciente do consultante. Já fiz ver que esta hipótese é de tal modo absurda que os nossos próprios opositores não ousaram jamais formulá-la, mas o que até aqui não fizeram poderão fazê-lo um dia, em vista das condições teóricas desesperadas em que se afundam mais e mais. Daí o grande valor dos casos como este, que oferecem prévio desmentido àquela hipótese e mostram que o fenômeno se realiza igualmente fora da presença de subconsciências que possam fornecer ao médium os conhecimentos indispensáveis, forçando, por conseguinte, a admitir a presença real, in loco, de uma personalidade espiritual estranha ao médium e aos assistentes.

Afirmo, portanto, sem medo de me enganar, que os casos de xenoglossia em que as personalidades medianímicas falam e escrevem correntemente língua desconhecida do médium, considerados conjuntamente com aqueles em que essas personalidades falam e escrevem correntemente língua desconhecida do médium e dos assistentes, bastariam só por eles, para demonstrar, de modo irrefutável, a validade da hipótese espírita. E se considerarmos que essas categorias de manifestações, que lhe mostram a validade, são, em verdade (como o meu presente trabalho disto dá a prova), em número suficiente para firmá-la sobre a base científica da “análise comparada” e da “convergência de provas”, teremos motivos para nos surpreender, vendo-a por tal forma combatida nos próprios meios científicos. Mas todo o espanto desaparecerá se nos lembrarmos que absurdos semelhantes constantemente se repetiram através dos séculos, sempre que no horizonte do progresso humano surgia a aurora de uma grande idéia.

Devo ainda observar que os casos de personalidades que falam e escrevem em línguas ignoradas do médium e dos assistentes são raros; mas nada é mais natural, dado que as personalidades de mortos que se manifestam são quase sempre parentes dos experimentadores ou pessoas das suas relações. Mesmo assim, no meu arquivo se encontram onze destes últimos casos. Um pouco mais adiante citarei dois outros incidentes do mesmo gênero, ocorridos recentemente em Varsóvia, por ocasião da materialização de fantasmas.

*

Do meu livro Ipotesi Spiritica e Teoriche Scientifiche, vindo à luz em 1903, tiro um episódio por mim mesmo verificado e que se desenrolou no correr de uma série de experiências com Eusápia Paladino, experiências organizadas pelo Círculo Científico Minerva, de Gênova, em que comigo tomaram parte os professores Morselli e F. Porro, o Dr. José Venzano e Louis Arnaud Vassallo, diretor do Século XIX.

Na sessão de 10 de janeiro de 1902, presentes comigo estavam quatro membros do Círculo: Félix Avelino, Evaristo Testa, Jerônimo Pastorino e Jocondo Faggioni.

Extraio da ata dessa sessão, por mim mesmo redigida, o trecho essencial, que se segue:

“À esquerda da médium toma lugar Evaristo Testa e à direita Jacondo Faggioni. O quarto está escassamente iluminado pela luz de uma vela colocada na antecâmara.

... De súbito percebemos movimentos na cortina do gabinete medianímico, que ficava por detrás de Evaristo. Logo em seguida uma mão, cuja forma se delineia visível para todos nós, emerge desse lugar e atinge Evaristo, tocando-o e acariciando-o, para logo se retirar. Novamente a cortina se agita, infla-se e adere ao rosto de Evaristo, que declara sentir o contacto de uma cabeça completamente materializada. Mal terminava a frase e todos ouvimos o ruído de um beijo que lhe davam no rosto. Evaristo pede à personalidade que decline o nome. Ouve-se então, por detrás da cortina, sons inarticulados, porém com o timbre de voz humana, como se ali se achasse alguém que fizesse esforços inauditos para conseguir articular palavras. Esses sons acabaram, com efeito, por se articularem e a voz fraca, áfona, soletrando por assim dizer as sílabas, diz em italiano: “Sou tua mãe, meu filho!” Seguem-se outros beijos, outras carícias, longas e afetuosas, através da cortina. Evaristo, mais do que nunca ansioso por obter prova decisiva da identidade, pede à personalidade materializada que se mostre a ele de modo bem visível. A cortina abre-se a meio, cerca de 40 centímetros acima da cabeça de Eusápia e um busto de mulher se deixa ver, ora adiantando-se, ora afastando-se em movimentos lentos e alternados.

Na posição por mim ocupada em relação à porta donde vinha a luz, não consigo discernir senão de modo confuso a forma materializada; o mesmo acontece a Evaristo e a Avelino. Fuggioni e Pastorino, porém, mais bem colocados e muito próximos da forma materializada, declaram perceber distintamente o perfil de um rosto de mulher, cujos traços perfeitamente distinguem; as observações de ambos de modo perfeito concordam entre si.

Evaristo, baseando-se na descrição por ambos feita, descrição minuciosa dos traços do fantasma, convence-se de que, de fato, se trata de sua mãe; insiste então com calor, pede, exorta a forma materializada a aproximar-se para que ele a consiga ver mais claramente. Diante de tanta insistência, Faggioni, em tom de quem só muito a custo se resolve a desmanchar uma ilusão, observa:

– Mas não, mas não, caro Sr. Testa, a forma que percebo não pode ser a de vossa mãe; distingo-lhe claramente os traços e posso garantir-vos que se trata de pessoa muito moça ainda.

– Perfeitamente – responde Evaristo – minha pobre mãe morreu com a idade de vinte anos apenas.

Esta coincidência tão surpreendente e inesperada, não deixou de causar funda impressão em todos os assistentes. Nenhum de nós podia calcular que a mãe de Evaristo houvesse morrido tão moça. Aliás, era ele nosso conhecido de pouco tempo, havendo entrado para o Círculo alguns dias antes.”

Aqui termina a ata da sessão, mas Evaristo Testa resolveu tudo tentar para obter provas ulteriores da autenticidade do incidente que muito o havia impressionado. Com essa intenção, tomou no dia seguinte uma fotografia de sua mãe, reuniu-a a outras de diversas moças, tendo o cuidado de escolhê-las dentre pessoas da mesma época.

Foi à casa de Faggioni e pediu-lhe que indicasse qual daqueles retratos mais se parecia com a forma que havia visto. Faggioni examinou atentamente cada uma das fotografias e, chegando à última, declarou ser aquela a que havia visto. Era, de fato, o retrato da Sra. Testa.

Esse fato, força é convir, constitui excelente prova de identificação pessoal de mortos, tanto mais que o retrato da genitora de Evaristo, que tive ocasião de ver, não oferecia a menor semelhança com o filho e, na coleção de fotografias apresentada a Faggioni, havia o de uma das tias de Evaristo, de traços muito semelhantes aos deste último.

Tais são as conclusões a que racionalmente conduz o episódio acima para todo aquele que conserva o espírito livre do nevoeiro dos preconceitos e que, possuindo o necessário conhecimento dos casos medianímicos, tem a competência precisa para circunscrever, nos limites legítimos, certas hipóteses naturalistas, cujo alcance real é por demais restrito, mas que aos opositores, pouco familiarizados com esses casos, parece, ao contrário, ilimitado.

Quanto a Sudre, já sabemos que, baseando-se nas suas próprias conclusões relativas aos fenômenos de materialização, ele se sai galhardamente, dizendo:

“A semelhança que estes últimos (os fantasmas) podem apresentar com pessoas que viveram provém das recordações do paciente e dos assistentes. É um fenômeno de criptomnesia, seguido de uma objetivação.”

E com isto Sudre pensa haver resolvido, sem apelação nem agravo, o formidável problema!

Mas a leviandade com que lança as suas sentenças e o marcado desprezo que demonstra pela análise dos fatos tornam-se mais uma vez evidentes diante de constatações como a que decorre do famoso caso “Sven Stromberg”, que passo a referir.

A descrição desse fato interessantíssimo, obtido através da medianimidade da Sra. D’Esperance, apareceu pela primeira vez, em 1893, nas revistas metapsíquicas suecas, alemãs, francesas e canadenses; o seu principal investigador, o Sr. Fidier, dele publicou relato minucioso na revista inglesa The Medium and Daybreak. Em artigo publicado em Light, a Sra. D’Esperance sobre ele escreve:

“Em 3 de abril de 1890, às 10 horas da manhã, estava em minha mesa de trabalho ocupada em escrever, sobre negócios, diversas cartas que precisavam ser expedidas antes do meio-dia. Havia colocado a data em uma folha de papel e nela traçado o nome do destinatário, parando um instante para certificar-me da ortografia de certa palavra. Quando voltei a continuar, verifiquei que a pena ou a minha mão nela havia escrito as palavras Sven Stromberg de modo a inutilizá-la, nome esse indiscutivelmente sueco, mas inteiramente desconhecido para mim.

Um tanto contrariada, pois muito tinha de escrever antes da hora próxima do Correio, pus a folha de papel de lado e comecei outra, esquecendo-me do incidente, até que, terminada a correspondência e indo pôr alguma ordem aos papéis, deparei com a folha que para o caso despertou a minha atenção. Perguntei então aos empregados se algum deles conhecia alguém com o nome de Sven Stromberg, sendo geral a resposta negativa. Mais tarde, escrevendo o relatório que diariamente mandava ao Sr. Fidier, que estava na Inglaterra, fiz referência ao incidente. Esse relatório, como de costume, foi passado ao copiador de cartas, onde ficou arquivado, circunstância que não devo omitir porque documenta a data deste incidente e o torna incontestável. O copiador e a folha em que o nome havia sido escrito foram guardados.

Dois meses mais tarde o Sr. Fidier, já de volta da Inglaterra, discutia com Alexandre Aksakof, com o prof. Boutleroff e outros amigos russos, então presentes, o meio mais prático de se conseguir fotografar fantasmas materializados.

Walter, nosso Espírito-guia, mostrava-se desejoso de cooperar na tentativa e diariamente discutíamos o assunto. Numa dessas sessões preliminares, Walter escreveu: “Ia-me esquecendo de dizer ter estado aqui um Espírito que diz chamar-se Stromberg e que desejava informar os seus da sua morte. Creio ter-me ele dito haver morrido no Wisconsin, em 13 de março, e ter nascido em Jemtland. Essa localidade porventura existe? O que é fato é que ele morreu e deseja sejam os seus pais disto sabedores. Era casado e tinha meia dúzia de filhos.”

Essa mensagem interessou pouco aos assistentes, exceção feita do Sr. Fidier, que observou:

– Quem sabe se não se trata daquele Stromberg que escreveu o nome, há alguns meses, numa folha de papel? Se ele morreu em Jemtland, que nos faça o obséquio de dar o endereço de sua mulher.

Responderam:

– Não, ele morreu na América e são os seus pais que moram em Jemtland.

– Pois bem, replicou Fidier, que me dê o endereço destes últimos e eu lhes escreverei.

No dia seguinte, terminados os preparativos para a sessão projetada, pelo adiantado da hora, não mais se pensava em trabalhar. No entanto, o Prof. Boutleroff, a quem estava confiada a parte relativa à fotografia, manifestou desejo de experimentar a intensidade da luz a fim de constatar-lhe o efeito. Entramos, pois, para a sala de sessão, a fim de assistirmos à experiência.

Quando tudo pronto, o Prof. Boutleroff quis que me colocasse no lugar que me estava destinado, bem em frente ao aparelho, de modo que os meus traços fisionômicos pudessem ser fixados na chapa, o que fiz enquanto os outros ficaram com o professor. Apagou-se a luz, descobriu-se a chapa e provocou-se a explosão do magnésio. Nessa fração de segundo, senti claramente um contacto na cabeça, mas, antes que houvesse podido referir-me ao que sentia, alguém gritou: “Por trás do médium está uma figura de homem.” “Eu também vi.” “E eu também”, foram dizendo os demais. Eu disse então que lhe havia sentido o contacto, sem contudo tê-lo visto.

Esperamos todos, com justificada impaciência, fosse revelada a chapa e impressa a prova. Nesta se verificou, por detrás de mim, uma cabeça de homem de aspecto plácido e sereno, contrastando com os meus próprios traços, um tanto alterados pela explosão do magnésio.

Enquanto os outros se ocupavam dos preparativos para as sessões, o Sr. Fidier perguntava a Walter se lhe podia dizer quem era a entidade fotografada.

– Sim – respondeu Walter –, é o tal Stromberg, a cujo respeito já falei. Devo mesmo retificar que ele não morreu no Wisconsin, mas em New Stockholm e que a data do falecimento é 31 de março e não 13, pois inadvertidamente inverti a ordem dos algarismos. Seus pais habitam Strom Stocking, ou um nome semelhante, na província de Jemtland. Se não me falha a memória, ele disse-me haver emigrado em 1886, ser casado e ter três filhos e não seis. Morreu querido e pranteado de todos.

– Muito bem – replicou Fidier –, poderás agora dizer-me o que deseja ele? Talvez queira que mande o retrato à viúva?

– Ainda não compreendeste bem – retrucou Walter –, eu disse que são seus parentes de Jemtland que ignoram a sua morte e não sua mulher; o que ele quer é que estes sejam disto informados e que saibam ainda ter ele morrido, chorado e querido dos seus.

– Verdadeiramente compete mais à viúva – observou Fidier – fazer tal comunicação, mas, desde que isso lhe dá prazer, vou escrever, ou pelo menos tomarei informações a respeito.

– Agradeço-te por ele. Disse-me, ainda, que toda a gente o conhece em sua terra. Penso, pois, que se mandares a fotografia para Jemtland, alcançarás o fim. Deves mandar uma prova para a viúva, porque o bom rapaz pensa que todos hão de receber com prazer notícias suas.

No dia seguinte o Sr. Fidier escreveu ao pastor de Jemtland, perguntando se um rapaz chamado Stromberg, emigrado para a América pelo ano de 1886, havia morado na sua paróquia; em caso afirmativo, pedia que lhe mandasse o endereço e o nome de seus pais.

Em seguida o Sr. Fidier se pôs a procurar nas cartas geográficas, mas inproficuamente, onde ficava New Stockholm. Pediu informações a diversas agências de emigração, mas sempre em vão. Escreveu, por fim, a um seu amigo, o Sr. Ohlen, vice-cônsul em Winnepeg, no Canadá, contando-lhe o ocorrido e pedindo mandasse dizer se por lá existia qualquer localidade com esse nome.

Mal partia essa carta, chegava a resposta do cura de Strom, que dizia haver consultado os registros paroquiais, ninguém encontrando com o nome indicado. Informava, entretanto, que um tal Sven Ersson se havia casado e partido para a América, por aquela época, e que muitos outros Sven havia na localidade, mas nenhum com o nome de Stromberg.

Essas informações, reunidas ao fato de ninguém conhecer o lugar denominado New Stockholm, lugar que não constava das cartas geográficas, tendiam a demonstrar que havíamos sido mistificados. Pedi, portanto, ao Sr. Fidier que não mais se ocupasse do caso.

A carta do Sr. Ohlen, porém, já havia partido, não mais sendo possível detê-la.

Passou-se o tempo. Certa manhã o Correio trouxe um jornal canadense. Percorrendo-o, o Sr. Fidier deparou com as palavras New Stockholm encimando um artigo assinado “A.S.”. Imediatamente escreveu ao autor do artigo, dirigindo a carta pela redação do jornal. Nessa missiva pedia ele informações sobre um tal Sven Stromberg, falecido em New Stockholm, pela primavera de 1890.

Nesse ínterim o cônsul Ohlen havia recebido a carta do Sr. Fidier e, embora não fosse espírita nem simpático a quem o fosse, havia-se posto em campo para satisfazer o amigo. Correspondência ativa se entabulou então entre ambos, terminando com a vinda do Sr. Ohlen à Suécia, desejoso de tirar as coisas bem a limpo.

Por sua vez, “A.S.” fornecia também esclarecimentos e dados importantes. Eis em resumo o que se conseguiu apurar:

“Sven Ersson, natural de Strom Stocken, paróquia de Strom. Província de Jemtland, Suécia, casou-se com Sarah Kaiser e com ela emigrou para o Canadá e, uma vez ali estabelecido, adotara o nome de Stromberg. Esta última circunstância é muito comum entre os campônios da Suécia, cujas famílias não trazem o nome que lhes é próprio; um campônio, por exemplo, chamado John tem um filho de nome Charles, este é designado pelo nome de Charles Johnson (filho de João); se tem uma filha que se chame Maria, completar-lhe-ão o nome com o de Johnsdaughter (filha de João). Ora, como tal costume tem os seus inconvenientes no estrangeiro, os suecos que emigram adotam um nome de família para se perpetuar e não raro escolhem o da terra natal. Foi assim que Sven Ersson (filho de Ers) adotou, ao se fazer proprietário na localidade que mais tarde (1887) se chamou New Stockholm, o nome de Stromberg, em homenagem ao seu torrão natal (Strom). Aí prosperou, nasceram três filhos ao casal, vindo ele a morrer na noite de 31 de março de 1890.

Esses detalhes provêm da viúva do médico que o havia tratado e do pastor que o havia assistido no momento extremo, todos consultados nesse sentido. A viúva e o pastor disseram também que um dos últimos desejos manifestados por ele era de que seus parentes e amigos da Suécia fossem informados de sua morte. Esse desejo não foi satisfeito, embora uma carta com esse fim houvesse sido escrita, mas a agência postal mais próxima distava 24 milhas... e a carta não foi posta no Correio. Todavia a viúva, devido ao movimento produzido pela carta do Sr. Fidier e das pessoas que a tinham vindo procurar em busca de esclarecimentos, encheu-se de remorsos e foi propositadamente a Whitewood para expedir a missiva que havia sofrido tão longo atraso.

Logo que essa carta chegou a Strom, na Jemtland, o pastor escreveu imediatamente ao Sr. Fidier, relatando-lhe os pormenores acima, aliás já conhecidos do Sr. Fidier, através do cônsul Ohlen, do pastor canadense e de “A.S.”. Em suma, foi-nos dado verificar que todos os detalhes obtidos medianimicamente eram positivamente reais.

A fotografia de Sven Stromberg foi também identificada por numerosos conterrâneos seus. Pendurada na sacristia da igreja de Strom, para os que nela reconhecessem o patrício morto depositassem a sua assinatura, foi-nos mais tarde devolvida, cheia dessas assinaturas e de alguns comentários, entre os quais o que se referia ao bigode que ele, por ser muito moço ainda, não tinha ao emigrar, e que aparecia nitidamente na referida fotografia.

Todo esse inquérito sobre o fato havia levado um ano, mas em compensação foi coroado do melhor êxito. Toda a correspondência, bem como todos os certificados, documentos e atestados assinados pelas muitas pessoas que tomaram parte nessa pesquisa, na Suécia como no Canadá, foram cuidadosamente guardados pelo Sr. Fidier e, depois da morte deste, passaram para o meu poder.

Soube-se pelo inquérito que a agência postal mais próxima de New Stockholm é a de Whitewood, a 24 milhas de distância; que atualmente existe entre as duas localidades um serviço hebdomadário regular, mas que antes de 1890 era dos mais irregulares e menos freqüentes, assim como que o trajeto entre ambas era feito a cavalo ou a pé; que até 1893 a estação telegráfica mais próxima se achava a 100 milhas e que próximo não havia estrada de ferro, circunstâncias todas estas que afastavam qualquer possibilidade de que a notícia da morte de Stromberg houvesse podido chegar por via normal à Suécia no curto intervalo decorrido entre o passamento e a mensagem medianímica.

Fica, pois, provado que 60 horas depois da sua morte, ocorrida em New Stockholm, no norte do Canadá, Sven Stromberg escrevia o seu nome em uma folha de papel no escritório do Sr. Matthew Fidier, na cidade de Gothenbourg, na Suécia.

... Sven Stromberg havia prosperado no seu país de adoção e estava orgulhoso do seu êxito; queria, por conseguinte, que os seus conterrâneos soubessem que ele no Canadá havia conquistado uma situação a que jamais teria atingido no seu país de origem.

Provavelmente esse desejo, junto a um sentimento de nostalgia póstuma, contribuiu a dar-lhe as energias necessárias para desempenhar a sua tarefa e preparar-nos a nós outros um ano de trabalho, proporcionando-nos ao mesmo tempo a possibilidade de provar, de modo incontestável, que a entidade de um morto havia voltado a se comunicar na Terra.”

Os defensores da hipótese espírita têm uma dívida de gratidão, que deve ser profunda, para com o Sr. Matthew Fidier, que estudou com inteligência e com admirável tenacidade este caso interessantíssimo e justamente célebre e que por si só bastaria para desvendar afirmativa e definitivamente o grande enigma da intervenção real dos mortos nas manifestações medianímicas.

Bastaria para resolvê-lo, se aqueles que ainda duvidam ou negam tivessem em conta as circunstâncias de tempo e de lugar; se cotejassem a personalidade absolutamente ignorada e obscura do defunto, que se manifestou, com as modalidades complexas e grandemente eloqüentes que permitiram confirmados fossem todos os detalhes, ainda os mais ínfimos dos acontecimentos, e não se esquecessem de que o fenômeno de materialização se acha ligado de modo indissolúvel às mensagens medianímicas que o precederam e seguiram.

Tudo isso constitui um conjunto de provas convergentes para a demonstração da presença real, e no lugar, do morto comunicante, como de outras personalidades espirituais que auxiliaram a manifestação.

Relativamente ao incidente mais importante, o da materialização do rosto de um morto desconhecido da médium e dos assistentes, mas perfeitamente identificado pelos que o conheceram, convido Sudre a explicá-lo pela teoria que defende, isto é, que “a semelhança que os fantasmas podem apresentar com pessoas que viveram provém da recordação do médium ou dos assistentes (criptomnesia)”. Ora, como não padece dúvida que Sudre não poderá deixar de reconhecer que, no caso em apreço, as recordações latentes no fundo das subconsciências dos assistentes, ou da médium, não podem existir, deverá ele achar-se na necessidade iniludível de ainda admitir que, no que se prende ao fenômeno de materialização, a razão está do lado dos partidários da hipótese espírita, quando afirmam, baseando-se nos fatos, que nos fenômenos em questão, como aliás em todos os outros, se encontram circunstâncias de realização que provam de modo positivo que muitas vezes a “idéia diretora”, ou a “vontade organizadora”, é de modo absoluto estranha ao médium e aos assistentes.

Devemos ainda considerar que, se este último caso demonstra essa verdade de modo incontestável e decisivo, os que o precedem ratificam a mesma verdade, embora de modo menos matemático.

O caso aqui examinado pode ainda ser comparado àqueles em que as personalidades medianímicas falam ou escrevem correntemente línguas ignoradas de todos os assistentes, visto nele se haver dado a materialização de um rosto completamente desconhecido também de todos os assistentes, o que constitui, sob o ponto de vista teórico, circunstância de indiscutível valor probatório.

Termino convidando os adversários da hipótese espírita, que possam pretender algo objetar às conclusões que acabo de formular, se dignem de apresentar as suas razões, ao menos em homenagem à procura da verdade pela verdade.

*

Não seria de todo inútil relatar ainda alguns casos mais recentes de materialização de formas completas, vivas, falantes, que se produziram e ainda se estão produzindo em Varsóvia, por intermédio do médium polaco Frank Kluski que, note-se bem, é um rico banqueiro, que se presta às funções de médium por amor exclusivo à Ciência. É além disso um poeta elegante e um apaixonado das ciências naturais. Em sua família a medianimidade é hereditária; ele se sente arrastado às experiências por uma imperiosa necessidade de penetrar grande mistério de que ele próprio é o protagonista inconsciente.

O professor Pawloski teve ocasião de assistir a algumas sessões em casa de Kluski e deu à publicidade um relatório, no número de setembro de 1925 do Journal of the American Society for Psychical Research.

Esse relatório é em extremo interessante sob vários aspectos, mas dele devo reproduzir apenas alguns trechos que se prendem mais intimamente ao tema em discussão. O Prof. Pawloski sintetiza nos seguintes termos as suas impressões relativamente aos fantasmas materializados com o auxílio da medianimidade de Frank Kluski:

“O detalhe que mais fere no fenômeno de materialização de fantasmas humanos, direi mesmo: o detalhe cientificamente mais importante é o de se portarem absolutamente como pessoas vivas. Dir-se-iam convidados em uma recepção mundana. Davam a volta na sala prodigalizando sorrisos aos experimentadores que lhes eram conhecidos, olhando com delicada curiosidade para os recém-admitidos... No modo amável de se conduzirem em relação a todos, na maneira pressurosa pela qual respondiam a qualquer pergunta, em tudo enfim, que faziam, ressaltava o vivo desejo de convencer-nos a todos de que eram entidades espirituais propriamente ditas e não criações efêmeras ou alucinatórias...

... Os fantasmas que se materializaram nas sessões de Kluski são personalidades de mortos pertencentes a qualquer nacionalidade e geralmente falam a própria língua. No entanto, se os experimentadores lhes dirigem uma pergunta em língua que desconhecem (em geral o polaco), eles a compreendem perfeitamente. Dão a impressão de possuírem a faculdade de ler o pensamento na mente dos assistentes, pois muitas vezes nem mister se faz seja manifestado o desejo ou formulada a questão para que se obtenha a resposta ou se seja imediatamente satisfeito. Basta se pense naquilo que se deseja faça o fantasma, para que ele o execute, a não ser que, não concordando, responda por uma recusa. Com efeito, os fantasmas às vezes recusam executar os pedidos dos experimentadores, não raro explicando o motivo que lhes não permite realizar o fenômeno pedido, prometendo, todavia, se possível, tentá-lo em circunstâncias mais apropriadas. Todos os fantasmas não se mostram em estado de falar; comunicam-se então por meio de pequenas pancadas, processo aliás longo e fastidioso. Quando falam, entretanto, a voz ressoa perfeitamente clara, com o timbre sonoro e normal, apenas em um diapasão baixo, assim como um murmúrio... forte.

Se observarmos a expressão vivaz de suas fisionomia quando falam, não podemos deixar de ficar convencidos da sua individualidade. Numa destas ocasiões, ao materializar-se a personalidade de um turco, que era conhecido dos demais experimentadores, tive ensejo de ler-lhe na fisionomia os sentimentos que o animavam, quando notou aos meus traços a expressão de espanto e de satisfação que a sua aparição havia exercido sobre mim. Veio então a mim, inclinando-se e cumprimentando-me em turco, por estas palavras: “Chokyask Lebistan?” Vendo que eu não havia compreendido, ele repetiu com certa ênfase as mesmas palavras, com um sorriso amável. Nós outros, polacos, nutrimos um sentimento de viva simpatia pela nação turca, o que me levou, por nada haver compreendido do que me disse, a responder pela exclamação: “Viva a Turquia!” Vi logo que ele havia compreendido, pois que ele de novo me sorriu; seus olhos brilharam de contentamento e aplaudiu, batendo as mãos. Depois disto, inclinou-se, cumprimentando-me ainda, e retirou-se. Minha cortesia lhe havia proporcionado um momento de satisfação patriótica. Tomei logo nota, embora obedecendo apenas à fonética, da frase que ele me havia dirigido, procurando no dia imediato quem ma pudesse traduzir, e vi, não sem surpresa, que a frase por mim não compreendia queria dizer: “Viva a Polônia!”

A mais rara e provavelmente a mais elevada das formas materializadas obtidas por intermédio da mediunidade de Kluski, forma que por duas vezes tive ocasião de observar, era uma figura solene de velho completamente luminoso. Dir-se-ia um farol. Disseram-me que ele visitava constantemente o grupo. A luz que de seu corpo se desprendia tinha intensidade bastante para iluminar toda a assistência e mesmo os objetos mais afastados na sala. Os centros de luz mais viva são nele a região do coração e as palmas das mãos.

Nas sessões com Kluski, a mesa medianímica, atrás da qual fica estendido o médium, está colocada em um dos ângulos da sala. O fantasma luminoso, de uma vez, apareceu no centro, a certa distância de nós; trazia na cabeça um chapéu cônico e estava envolto em uma veste longa e farta. Dirigiu-se para a assistência com passo firme e majestoso, enquanto a sua toga após si se desenrolava pelo chão. Traçou com a mão um grande triângulo no ar e começou a falar com voz solene e profunda. Parou durante uns dez segundos por detrás de mim, estendendo a mão para a assistência, mão que desprendia luz enquanto ele falava. Retirou-se em seguida para um dos cantos, onde desapareceu.

Sua presença produziu ozona em tal quantidade que o ambiente da sala ficou saturado até depois de terminada a sessão. Parecia um homem de idade muito avançada, trazendo uma longa barba grisalha. A língua que falava era gutural, para todos incompreensível, embora os assistentes, todos juntos conhecessem uns doze idiomas diferentes. Até o presente ainda não se conseguiu identificar esse fantasma nem a língua que fala; mas no grupo é conhecido pela designação de “padre assírio”, qualificativo que se adapta admiravelmente ao seu aspecto e trajo sob os quais se apresenta.”

Quer parecer-me que estes trechos, extraídos do relatório do Prof. Pawloski, constituem mais um desmentido à teoria de Sudre, segundo a qual as formas materializadas não passam de manequins plásticos “que têm a aparência de vida” graças a um fenômeno de prosopopese, mas que na realidade podem ser comparados às “figuras de cera de um museu anatômico”. Ora, o Prof. Pawloski afirma o contrário, isto é, que “o pormenor que neles mais fere é o de se portarem exatamente como pessoas vivas”. E acrescenta: “Dir-se-iam convidados em uma recepção mundana. Davam a volta na sala prodigalizando sorrisos aos experimentadores que lhes eram conhecidos e olhando com delicada curiosidade para os recém-admitidos.”, composturas essas inverossímeis, força é convir, em fantoches animados pela prosopopese. Além disso o Prof. Pawloski escreve que “em tudo que eles faziam transparecia o desejo manifesto de convencer os experimentadores de que elas eram entidades espirituais propriamente ditas e não criações efêmeras e alucinatórias”.

Esta ansiedade é por sua vez inexplicável pela hipótese de Sudre e perfeitamente compreensível e natural em se tratando de personalidades espirituais independentes. E que dizer do fantasma do turco que se exprime em seu idioma, inteiramente desconhecido de todos os assistentes e a cujo respeito o Prof. Pawloski observa: “Eu tive ensejo de ler-lhe na fisionomia os sentimentos que o animavam, quando me notou nos traços o espanto e a satisfação que a sua aparição havia sobre mim exercido.” Quando na expressão fisionômica de um fantasma se podem ler os sentimentos que lhe atravessam o espírito, difícil será não reconhecer nesse fantasma efetivamente uma mentalidade a animar-lhe a fisionomia, como sói acontecer com as pessoas vivas. E se algum dia os experimentadores de Varsóvia conseguirem levar às suas sessões um arqueólogo dos que costumam decifrar os caracteres cuneiformes da velha Babilônia e da Assíria, e, assim, chegarem a verificar que o fantasma do “padre assírio” se exprime de fato nessa língua ou na caldaica, ter-se-á conseguido mais uma prova em favor da gênese independente de diversos fantasmas materializados. Não será senão totalizando as provas, que havemos de conseguir um dia chegar à solução definitiva do grande problema.

De qualquer modo, porém, não nos esqueçamos de que nas experiências de Varsóvia se encontram duas outras formas materializadas que falam línguas ignoradas de todos os assistentes, em geral as próprias línguas, o que vem multiplicar os casos a favor da teoria que admite a independência psíquica de muitos dos fantasmas materializados.

*

Antes de nos despedirmos do tema das materializações, cumpre-me dizer duas palavras sobre os fenômenos de “ideoplastia”, a fim de fazer ressaltar o erro em que caem os pesquisadores modernos, quando atribuem a existência desse fenômeno ao resultado de uma descoberta muito recente, sendo ele pelo contrário conhecido há mais de meio século.

O Dr. N. B. Wolfe os havia obtido, em 1867, com a médium Sra. Hollis.

Os métodos de pesquisa adotados pelo Dr. Wolfe eram excelentes. Embora tendo a felicidade de proceder às experiências com uma médium acima de toda a suspeita, ele queria tocar com o dedo, como S. Tomé. Não admitia a escuridão, mas trancava a médium debaixo de chave em grande armário de madeira que lhe servia de gabinete medianímico. No centro do armário ele fez uma abertura oval, capaz de deixar passar o busto de uma pessoa, guarnecendo-o de uma cortina que podia ser manejada de dentro do armário. Os fantasmas materializados abriam-na e se manifestavam em plena luz aos experimentadores. Desse modo o Dr. Wolfe obteve fenômenos muito interessantes de materializações completas de fantasmas vivos e falantes, obtendo também reproduções plásticas, em efígie, de pessoas mortas. Assim, por exemplo, sendo ele grande admirador de Napoleão I e tendo feito estudos sobre a sua família, obteve por intermédio da sua médium um retrato plastificado e colorido, ao natural, do Imperador e da Imperatriz Josefina, assim como, por diversas vezes, o retrato do então mais recente dos presidentes dos Estados Unidos, o Sr. Buchanan, que ele havia conhecido, quando este ainda vivia. Ora, compreende-se facilmente que o Dr. Wolfe nunca confundiu essas produções de efígies de defuntos com as materializações autênticas de fantasmas vivos e falantes que a ele se manifestavam; encarava-as, entretanto, como de origem espiritual, devido às relações que apresentavam com as materializações de fantasmas vivos.

A parte verdadeiramente nova dessas experiências consiste no fato de uma mesma personalidade de defunto se manifestar, ora em efígie plastificada e chata, ora em forma nitidamente materializada, a ponto de poder manter diálogos com o Dr. Wolfe. Foi o que por mais de uma vez se deu com o fantasma do Presidente Buchanan. Na página 347 do livro Starling Facts in Modern Spiritualism, o Dr. Wolfe relata o seguinte:

“Buchanan permaneceu materializado por tanto tempo e tão solidamente que tive tempo de ir buscar uma certa autógrafa que ele me havia escrito e que eu guardava em um quadro, pendurado em minha sala. Entreguei-lha perguntando se, por acaso, se lembrava em que circunstância ma havia escrito. Tomou-a e retirou-se durante meio minuto para o gabinete. Quando apareceu não se apresentou de frente, mas de perfil; lia atentamente a carta; passou-se outro minuto e novamente se retirou para o gabinete, mas para reaparecer imediatamente e de frente. Estendeu o braço, restituindo-me a carta, e disse:

– Lembro-me perfeitamente, meu caro Wolfe, é uma carta em que lhe apresentava o Dr. Forney.”

A alternativa de uma mesma personalidade que se manifesta ora sob a forma materializada que vive, sente e fala, tende de fato a justificar a opinião do Dr. Wolfe, que as duas modalidades tão diferentes de manifestação têm a mesma origem espirítica. Como que somos levados a inferir que, mesmo quando a “força” desfalece, os Espíritos fazem o que podem, plastificando a própria efígie, do mesmo modo que, quando têm à sua disposição “força” suficiente, dela se aproveitam para se materializar de modo mais ou menos completo.

Aqui termino as citações dos fenômenos de materialização, sobre os quais talvez me tenha alongado um tanto, não porque lhes atribua uma importância teórica especial, mas tão somente para exercer, se possível, influência salutar no espírito dos experimentadores contemporâneos. Tendo estes descoberto de novo que por intermédio dos médiuns de efeitos físicos se podem obter fenômenos de “ideoplastia” propriamente dita, não contiveram o açodamento de concluir, em oposição à análise comparada dos fatos, afirmando que os fenômenos de materialização devem ser todos reduzidos a fenômenos de “ideoplastia”, isto é, de “objetivação e plastificação do pensamento do médium”.

Urge, pois, combater sem demora erro tão deplorável que, desorientando a pesquisa, não faria mais do que entravar o triunfo final da Verdade.

E eu espero que os numerosos casos que tive ocasião de citar de fantasmas materializados, que não somente vivem e sentem, mas que falam e escrevem mesmo em línguas ignoradas do médium e dos assistentes, bastam para esclarecer, definitivamente, ponto de tão magna importância.

Não podemos, todavia, deixar de reconhecer que o erro em que laboram os experimentadores da atualidade, se bem decorra de uma análise demasiado superficial, encontra alguma justificativa nos próprios fatos que examinam e que demonstram precisamente isso e mais nada. Baseando-se nos resultados limitados que conseguem, embora por culpa própria, não deixam de ter razão quando concluem que os fenômenos de materialização, por eles observados, decorrem de uma faculdade supranormal inerente à subconsciência humana, faculdade que em determinadas circunstâncias teria o poder de subtrair substância somática do próprio organismo (ectoplasma), para objetivá-la e plastificá-la segundo as diretrizes do pensamento subconsciente do médium (ideoplastia), e para às vezes organizá-lo à sua imagem (materialização). Essas conclusões contêm incontestavelmente uma porção razoável de verdade. Com efeito, como disse José Mazzini, a Verdade é um prisma constituído de diversas faces, e erram os que, observando apenas por um deles, pretendem tirar todas as conclusões, ou, ainda, os que, olhando por um, julgam estar olhando por outro. E é justamente nesta ilusão que reside o erro em que tropeçam todos os nossos contraditores. Ninguém, por exemplo, imaginou jamais de contestar a existência dos fenômenos anímicos; eles, porém, não representam mais do que uma das faces do Prisma-Verdade, cujo outro lado é constituído pelos fenômenos espíritas, ambos provindo de uma causa única, o Espírito humano, que, agindo “encarnado”, provoca os fenômenos anímicos e, “desencarnado”, determina os fenômenos espíritas. Nestas condições é natural que se deva encontrar uma perfeita identidade substancial entre os dois fenômenos, o Anímico e o Espírita, salvo as limitações que o animismo experimenta em conseqüência da impossibilidade em que se acham o médium e o sensitivo de sair da sua própria individualidade. Esta é a diferença que permite aos pesquisadores distinguir as manifestações anímicas das espíritas.

O presente trabalho mostra que a empresa não é difícil. Segue-se que, enquanto os extremistas dos dois partidos persistem em querer explicar tudo por uma só das hipóteses, seja a anímica, seja a espírita, não conseguirão mais do que embaralhar e tornar insolúvel um problema dos mais transparentes sob qualquer das faces da sua dupla forma de manifestação.


XII
Correspondências cruzadas

Aqui chego depois de haver analisado, ilustrado e comentado nove categorias das onze que previamente enumerei com o fim de responder à afirmação de Sudre relativamente às “categorias de fenômenos em que os espíritas se entrincheiram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas”. E parece-me haver, com o auxílio dos fatos, conseguido demonstrar que os espíritas estão com a razão, quando declaram que as categorias especificadas contêm manifestações de todo inexplicáveis por qualquer hipótese natural, sem que para isto tenham de se “entrincheirar” por detrás delas, visto todas as manifestações metapsíquicas, da mais ínfima à mais elevada, poderem ser, como de fato são, ora anímicas, ora espíritas.

Mas não é momento de focalizar o erro dessa afirmativa de Sudre.

Voltando ao assunto, devo passar a tratar das duas categorias restantes que, afinal, se acham reduzidas a uma, visto a décima primeira, concernente à existência na subconsciência humana de faculdades supranormais de sentidos independentes da lei de evolução biológica, já ter sido amplamente discutida no princípio deste trabalho.

Resta-me, pois, tratar da décima categoria, em que se acham classificadas certas modalidades especiais de “correspondências cruzadas”.

Sudre consagra duas páginas a essas experiências, explicando claramente as modalidades pelas quais elas se dão e o faz nos termos seguintes:

“Chegamos a uma série de provas de que os espíritas ingleses fazem grande alarde por considerá-las como especialmente combinadas pelos seus colegas de além-túmulo com o fim de convencerem os incrédulos.

Eles as denominam cross-correspondences, isto é, correspondências cruzadas, mas o termo que melhor lhes caberia, como propôs Flournoy, é o de mensagens complementares. São comunicações obtidas pela escrita automática de médiuns diferentes. Cada uma delas se apresenta cheia de lacunas, quase sempre ininteligíveis quando isoladamente apreciadas, mas, quando conjugadas, o sentido aparece de modo perfeito, pois de modo admirável se completam como as peças reunidas de um jogo de paciência. Os médiuns não tem, é claro, qualquer comunicação entre si, muitas vezes habitam cidades diferentes e nem se conhecem. De resto, as mensagens quase sempre são entregues ao mesmo tempo.

“O fim desses esforços engenhosos e complicados – diz Oliver Lodge – é evidentemente o de provar que esses fenômenos são obra de inteligências bem definidas, distintas da de qualquer um dos autômatos. A transmissão por fragmentos de uma mensagem ou de um trecho literário ininteligíveis para cada um dos escreventes, tomada insuladamente exclui a possibilidade de uma comunicação telepática entre estes.”

Era opinião de Myers que os desencarnados cada vez mais se esforçam para aperfeiçoar as provas de sobrevivência. Também quando ele morreu, em janeiro de 1901, as provas foram esperadas com real impaciência.

Acharam-nas sob a forma de mensagens complementares emitidas por notáveis médiuns automáticos ingleses, tais como as Sras. Thompson, Forbes, Holland e Verrall.

Casos de mensagens complementares enchem os relatórios da S.P.R. inglesa. Chegam a pôr em ação a atividade de sete médiuns entre os quais a Sra. Piper. Complicam também a natureza das comunicações, tiradas da literatura antiga, pela sutileza das alusões e pelo embaralhamento. Só um longo estudo permite reconstituir esse jogo de paciência literário e perceber a intenção que presidiu à sua reunião.”

Depois de assim haver explicado rapidamente, mas de modo claro, em que consiste o fenômeno das “correspondências cruzadas”, Sudre nos relata, em um pequeno resumo, dois casos dentre os mais simples, mas importantes e eloqüentes para a interpretação espírita dos fatos. Somente, quando os leitores, favoravelmente impressionados no sentido espiritualista pelos casos citados, esperam a explicação natural, esta não aparece, pois Sudre passa a outros assuntos sem tentar a difícil tarefa.

Aliás, essa sua maneira de proceder não mais constitui novidade e somos mesmo levados a crer que a imparcialidade da exposição por ele feita, como manda a justiça reconhecer, não obedeceu a intuito outro senão o de prudentemente fugir à interpretação natural desses fatos, que encontra irredutíveis.

Um dos casos citados por Sudre refere-se ao filho falecido da Sra. Forbes, uma das médiuns que tomaram parte na experiência. Vou também relatá-lo, mais desenvolvidamente mesmo, por ser realmente interessante e poder prestar-se a consideração de real valor. Veio ele a lume no volume XX, págs. 222-224 dos Proceedings of the S.P.R. e, em resumo, é constituído pelo fato de a Sra. Verrall, ignorando por completo circunstâncias que se prendiam ao filho falecido de uma das suas amigas ausentes, haver recebido uma comunicação referente a essas circunstâncias na mesma ocasião em que essa mesma amiga, também dotada de medianimidade psicográfica, recebia uma mensagem proveniente da mesma origem, anunciando o que a Sra. Verrall ia receber. Eis como o incidente se desenrolou:

A 28 de agosto, a Sra. Forbes (amiga da Sra. Verrall) havia escrito automaticamente uma mensagem na qual seu filho, Talbot Forbes, oficial do Exército inglês, morto no Transvaal, a informava das intenções que tinha de procurar outro médium psicógrafo-automático com o fim de oferecer provas que viessem confirmar as mensagens que por seu intermédio havia ditado. Acrescentou que naquele momento ia tentar, de combinação com Edmond Gurney, o controle do médium que para tal tinha em mente.

Na mesma data a Sra. Verrall automaticamente escrevia as frases seguintes, para ela destituídas de qualquer sentido:

“Presta atenção aos sinais com que faço a minha assinatura. Os pinheiros plantados no jardim crescem cheios de vigor.” Estas frases foram assinadas por uma rubrica em forma de cinco pontas irregulares sob a qual desenharam uma espada, uma buzina de caça suspensa a um prego e uma tesoura aberta.

Passou-se algum tempo antes que os médiuns percebessem as analogias de coincidência e de concordância existentes entre as mensagens que nessa data, 28 de agosto, haviam recebido e que a princípio encararam como não concludentes.

Pouco depois, notaram que no jardim da Sra. Forbes existiam quatro ou cinco pinheirinhos, provenientes de sementes enviadas a essa senhora pelo filho pouco antes de sua morte e que ela por hábito designava pelo nome de “árvores de Talbot”. Lembraram-se também de que o Regimento a que havia pertencido o rapaz tinha por insígnias uma buzina de caça, suspensa a um prego, encimado por uma coroa.

A Sra. Verrall comenta assim o fato:

“É certo haver um dia a Sra. Forbes escrito automaticamente uma mensagem na qual o filho lhe anunciava ter encontrado um médium de psicografia automática com o qual ele ia tentar pôr-se em contacto. Nesse mesmo dia frases por mim recebidas automaticamente faziam alusão a pequenos pinheiros plantados em um jardim, o que se revestia de particular interesse para a Sra. Forbes, justificando ao mesmo tempo o que ela mesma havia escrito. Além disto, a assinatura do trecho por mim escrito, composta de sinais para os quais haviam chamado a minha atenção, representava em parte a divisa do Regimento a que havia pertencido Talbot Forbes e a espada simbólica; quanto a saber se essa correspondência era ou não acidental, observarei apenas que nunca em circunstâncias outras a buzina de caça apareceu na minha escrita medianímica, nem tampouco qualquer alusão a pinheiros.”

A Sra. Verral não conseguiu explicar a razão de ser do terceiro desenho representando uma tesoura aberta. Quer parecer-me, entretanto, que se tivermos em conta o caráter simbólico da mensagem essa explicação aparece sem grande dificuldade. Para representar o Regimento a que havia pertencido, traçou o comunicante a divisa heráldica do mesmo, representada pela buzina de caça; para designar a profissão que exercia em vida, recorreu à espada, distintivo habitual do soldado; a tesoura aberta, instrumento fatídico das Parcas, símbolo mitológico de vida cortada antes da hora, não se podia referir senão ao corte violento do fio da vida, em plena mocidade.

Passemos agora a examinar o que no seu conjunto significam os incidentes que acabo de expor. Notamos primeiramente que o filho morto da Sra. Forbes, guiado pelos Espíritos de dois eminentes psiquistas, Gurney e Myers, comunica a sua mãe haver descoberto outro médium por cujo intermédio se manifestará, a fim de fornecer da sua presença espiritual prova de todo isenta da eterna objeção da telepatia e executa a promessa no mesmo dia em que a faz.

Por outro lado, verificamos que os detalhes expostos pelo defunto à médium por ele escolhida compreendem incidentes inteiramente desta ignorados, ou, para melhor dizer, o morto, a fim de evitar qualquer sombra de dúvida a respeito da intervenção telepática, não se dá a conhecer à Sra. Verrall, assinando a comunicação de um modo simbólico.

Não há negar a importância teórica deste último detalhe que, por si só, basta para eliminar qualquer dúvida sobre a possibilidade de uma ação telepática entre a subconsciência da Sra. Forbes e da Sra. Verrall. Pela telepatia dever-se-ia ter obtido o nome de Talbot Forbes, nunca, porém, os três desenhos simbólicos de significação precisa, mas indecifrável por parte de quem os recebia. Esta circunstância, em cabal harmonia com os fins a que se propunha o Espírito comunicante, que visava complicar propositadamente a transmissão da mensagem, demonstra claramente estar ali presente, no ato da comunicação, uma individualidade pensante e independente, que agia de própria iniciativa com a deliberação de obter resultados positivos, ignorados da médium e de importância máxima sob o ponto de vista da investigação científica das manifestações metapsíquicas; era este justamente o resultado que o Espírito pretendia atingir e que, de fato, conseguiu de modo incontestável.

Passo ao segundo episódio que se inscreve ao lado dos mais importantes no gênero. É conhecido pela designação de “Orelha de Dionísio”.

Relata-o Lorde Balfour no XXIX volume dos Proceedings of the S.P.R., onde ocupa cerca de cinqüenta páginas. Resumirei primeiramente a narrativa, reservando-me para estender-me mais amplamente nas modalidades de realização que mais contribuem para aumentar-lhe o valor teórico.

No correr de uma sessão realizada em 10 de janeiro de 1910, a médium Sra. Willett (distinta senhora fazendo parte da S.P.R.), em condições de transe, disse: “O lóbulo da orelha de Dionysius”, pronunciando com sotaque italiano o nome Dionysius. Essa frase, que ficou então incompreendida, indica provavelmente que desde 1910 o saudoso Fredrich Myers, de acordo com Gurney, planejava uma experiência que se prendesse aos estudos clássicos, experiência que as circunstâncias não permitiram se realizasse no momento.

Mas, em 10 de janeiro de 1914, a Sra. Willett, por meio da escrita automática, voltou ao assunto; desta vez o Espírito comunicante era o de outro homem que muito se havia feito apreciar pela sua erudição clássica, o professor Verrall, falecido em 1912. Referindo-se à sua mulher, também professora de línguas clássicas, e ausente na ocasião, ele pediu que lhe perguntassem se ela se recordava do dia em que ele lhe censurara a ignorância sobre um tema clássico que ela deveria conhecer. Ora, o fato se prendia precisamente à frase “O lóbulo da orelha de Dionísio” recebido quatro anos antes pela Sra. Willett, cujas mensagens medianímicas eram transmitidas à Sra. Verrall para que lhe analisasse as citações clássicas e que, não sabendo o que significava aquela frase, recorrera ao marido, que lho explicara não sem lhe exprobrar a ignorância de um episódio de erudição clássica que lhe não devia ser estranho.

Em 28 de fevereiro de 1914, a Sra. Willett escreveu automaticamente outra mensagem do falecido Prof. Verrall, em que anunciava que ia tentar uma experiência constituída por “uma associação de idéias referentes à literatura”, experiência cuja tese já havia sido dada em certa frase pronunciada pela médium em transe e que o comunicante se propunha completar, fornecendo os elementos necessários. “A experiência – acrescentou ele – me parece boa e merece tentada.” Preveniu, todavia, que aqueles elementos iriam provavelmente aparecendo através de longo período, durante o qual sua mulher, a Sra. Verrall, nada deveria saber do que a respeito fosse ocorrendo; se algum dos experimentadores chegasse a qualquer conclusão pessoal, durante o desenrolar dos acontecimentos, deveria sobre a mesma guardar toda a reserva.

Essas medidas de prevenção e de meticulosidade mostram o escrúpulo com que a personalidade comunicante se dispunha a fornecer aos vivos uma prova indireta, mas decisiva, da sobrevivência espiritual, prova que deveria ser de natureza assaz completa para poder triunfar da eterna objeção de telepatia entre os vivos.

Ficou provado que o Prof. S. H. Butcher se havia unido ao Dr. Verrall para levar a bom termo a importante experiência, verdadeira “adivinhação clássica”, em que a escolha do tema deveria revestir-se dos traços característicos e peculiares à profunda erudição dos mortos comunicantes.

Desde então os diversos temas que se prendiam começaram a ser transmitidos em sessões diferentes, sob a forma de frases soltas mergulhadas em períodos de estio obscuro e indecifráveis para pessoas estranhas a esse gênero de erudição. Ano e meio foi preciso para obtê-las todas. Eis os temas essenciais extraídos das mensagens voluntariamente enigmáticos que constituíram o problema a ser resolvido:

• A orelha de Dionísio;

• A caverna de Siracusa, a que eram recolhidos os prisioneiros de guerra e de Estado;

• A história de Polífemo e de Ulisses;

• A história de Acis e Galateia;

• Ciúme;

• Música e o som de instrumentos de música;

• Alguma coisa a ser procurada na “Poética” de Aristóteles;

• Sátira.

Era mister procurar uma personagem secundária e esquecida da literatura clássica grega, personagem que não era citada na história literária e que deveria reunir em sua pessoa os temas acima enumerados, determinando-lhes a unidade necessária.

Durante o período da experiência, os agentes espirituais haviam administrado, por doses de algumas páginas de cada vez, as mensagens indecifráveis. Nelas se podem ler nesse sentido avisos como o seguinte: “Gurney diz que por enquanto há bastante material fornecido à médium; mais tarde proporcionaremos mais, ficando entretanto desde já entendido que, enquanto não dermos a coisa por acabada, nada deverá ser comunicado a nenhum outro médium automático.”

Ora, longos meses se passavam entre uma transmissão e outra, como que para dar tempo a que as mensagens fossem convenientemente estudadas.

Conseguiu afinal o grupo de peritos descobrir a personagem obscura que, por assim dizer, constituía a chave do enigma. Lord Balfour assim se externa a respeito:

“Aqueles que se não especializaram na literatura clássica não devem corar quando confessam ignorar o nome de Filóxenes. Ele havia, entretanto, sido um poeta bastante apreciado na sua época, embora algumas linhas apenas de suas obras tenham conseguido atravessar os séculos.

Era um poeta ditirâmbico. O ditirambo era uma variedade de poesia de forma irregular, quase sempre em concordância com a música, sendo geralmente a cítara o instrumento escolhido para o acompanhamento.

Filóxenes era natural da ilha de Citera; na fase mais acentuada de sua reputação viveu algum tempo na Sicília, na corte de Dionísio (Denys), tirano de Siracusa. Caindo um dia no desagrado do tirano, foi encerrado na caverna-prisão.”

(A propósito dessa caverna de Siracusa, que servia de prisão como outras em diversas regiões, convém lembrar que se singularizava pelas condições de acústica, deixando ouvir-se de muito longe o que dentro dela se falava, o que permitia ao tirano Denys surpreender a conversa dos prisioneiros. Daí ser ela chamada “Orelha de Dionísio”.)

Lord Balfour continua:

“Chego enfim ao âmago do mistério que por tão longo havia zombado do nosso esforço. O mais célebre dos ditirambos de Filóxenes era um poemeto intitulado O Ciclope e Galateia, do qual apenas alguns versos conseguiram chegar até nós; espécie de pastoral em que o poeta ridicularizava os amores do Ciclope com Galateia. Escrevera-o para se vingar de Dionísio, a quem a alusão era flagrante e tanto mais evidente quanto o tirano era cego de uma das vistas e os ciclopes se caracterizavam pela posse de um só dos órgãos visuais.

Era necessário, porém, decifrar o resto, no que fomos decisivamente auxiliados por um trecho existente numa das obras de erudição clássica, que fazia parte da biblioteca que pertencera ao Prof. Ferrall e referente ao poeta Filóxenes. Ei-lo:

“Sua amizade com Dionísio, o antigo, foi de vez rompida não só pela crítica ferina que fazia às tragédias compostas pelo tirano, como também pelo amor que lhe inspirara Galateia, linda tocadora de flauta e favorita de Dionísio. Certo dia, porém, Filóxenes foi posto em liberdade e trazido à presença do tirano para dar-lhe opinião sobre alguns versos que este havia feito. Ouvindo a leitura, o poeta exclamou: – Levem-me de novo para prisão!”

E durante o encarceramento vingou-se, escrevendo o famoso ditirambo O Ciclope e Galateia, no qual, para se vingar de Polífemo (no caso Dionísio), lhe arrebatara a ninfa Galateia, de quem estava o Ciclope enamorado.”

Eis conseguida, enfim, a unidade literária que há tanto se procurava e que consistia em combinar as diversas partes do enigma clássico imaginado e transmitido aos vivos pelos Espíritos dos professores Verrall e Butcher. Os temas que constituíam o enigma se encontravam inteiros no ditirambo citado: Dionísio e a Orelha de Dionísio, isto é, a caverna-prisão de Siracusa; Ulisses e Polífemo (o ciclope), Acis e Galateia (a amante); Ciúme (que Filóxenes havia provocado no tirano, arrebatando-lhe a amante) e a Sátira (que havia escrito na prisão para se vingar de Dionísio). Cada um desses temas encontra lugar apropriado no pequeno poema de Filóxenes, inclusive o da música, indispensável na recitação dos ditirambos.

Restava encontrar o trecho de Aristóteles que com o resto se pudesse combinar. Ora, em Poética de Aristóteles dois trechos se adaptam igualmente ao caso; num tratava ele da poesia ditirâmbica em geral, noutro citava especialmente O Ciclope e Galateia como exemplo da poesia satírica.

Por esse resumo de caso tão interessante de “correspondência cruzada” que no Além imaginaram dois eminentes psiquistas mortos, não será difícil compreender este modo de, por fatos, provar a sobrevivência da própria memória, suplantando a objeção da telepatia entre os vivos, esse temeroso baluarte dos antiespíritas. Para atingir tal fim, nada foi esquecido. Daí os meandros tortuosos dos períodos incompreensíveis em que os Espíritos comunicantes velaram o pensamento, a fim de dissipar qualquer dúvida sobre a possibilidade de interferências telepáticas entre vivos, na experiência imaginada.

Não menos digna de nota é a circunstância de as personalidades comunicantes seguirem com vivo interesse, quase com ansiedade, a marcha das investigações e do resultado das mesmas relativas ao enigma transmitido. Por isso, de quando em vez eles faziam perguntas e recomendações como as que se seguem:

“A sátira a que fizemos alusão já foi identificada?” “Continuai a seguir o fio condutor. Não vos recomendamos, porventura, de prestarem toda atenção à palavra caverna?”

“O incidente a que aludimos me parece bastante claro; penso deveríeis tê-lo já identificado.”

“Tentai ainda... Gurney manda dizer-vos que, quando tiverdes identificado esta última alusão clássica, ele quer imediatamente ser informado.”

E assim por diante, até que Lord Balfour lhe diz um dia: “Meu caro Gurney, apresso-me em comunicar-vos que todas as vossas alusões clássicas, transmitidas à Sra. Verrall, foram identificadas”; o Espírito de Gurney se rejubila e exclama: “Ah! muito bem, até que enfim!”

Tudo isto vem trazer ao conjunto, tão complexo, de fatos cunho natural e de verdade, de modo a completar, em cada detalhe secundário, a admirável prova de identificação espírita oferecida por forma tão nova, tão engenhosa, tão cheia de dificuldades e tão irrefutável.

Lord Balfour analisa minuciosamente as hipóteses que poderiam ser imaginadas para explicar, sob um prisma natural, o caso exposto e, depois de haver demonstrado a insuficiência de qualquer delas, nestes termos conclui:

“Admitidas essas conclusões, a alternativa única seria a de reconhecer-se que as mensagens obtidas provêm, de fato, de uma ou de diversas Inteligências desencarnadas. Naturalmente, mesmo assim, não provaria isto que as comunicações recebidas provêm de Espíritos desencarnados, que nós conhecemos, quando vivos, sob os nomes dos professores Verral e Butcher. Entretanto, parece curial que todo aquele que houvesse chegado à conclusão de que as mensagens medianímicas emanam de Inteligências desencarnadas não deveria criar dificuldade especial para admitir que as personalidades comunicantes sejam realmente os Espíritos dos mortos que insistentemente afirmam estar presentes.

Seria engasgar-se com um mosquito, depois de haver engolido um camelo.”

Não podemos deixar de consignar aqui a nossa admiração pelo professor Lord Balfour, que com tão sincera lealdade expôs as conclusões a que chegou pelo exame desse notável incidente medianímico e de não haver hesitado em fazê-lo, não obstante a responsabilidade da função que ocupava na Sociedade, cujas atas inseriram a sua exposição.

Aliás, todos os que se não contentam com puras expressões vazias de sentido, tomando-as por demonstrações científicas, todos os que compreendem o valor de uma análise detalhada e profunda de todas as fases de um fenômeno, como o de que nos estamos ocupando e sobre o qual não se poderá fazer um juízo claro por um simples resumo, deverão inevitavelmente chegar a conclusões análogas à que formulou Lord Balfour, senão de modo acentuadamente mais explícito.

Devemos agora perguntar que mais se poderia exigir das personalidades dos mortos comunicantes como demonstração evidente e testemunho indiscutível da sua existência espiritual, independente do médium.

Desde o início das investigações metapsíquicas, as personalidades dos mortos sempre se prestaram a fornecer todas as provas de identificação pessoal, diretas e indiretas, que os homens, dentro dos limites razoáveis, imaginaram e exigiram. Mas agora surgem sistemas outros, muito novos, de provas inesperadas e da maior eficácia, que não foram pedidas pelos vivos, senão oferecidas pelos mortos que, por se terem, em vida, interessado pelas investigações metapsíquicas e conhecendo bem as hipóteses, mor das vezes gratuitas, mas sempre neutralizantes, que os cépticos costumam opor à teoria espírita, se esforçam por suplantá-las, imaginando novos sistemas de provas, cada qual mais engenhoso e de que o caso acima mais não constitui que um exemplo entre mil. Em verdade, não sei que mais se possa pedir às personalidades dos mortos, como prova real da sua presença espiritual; mas os novos métodos que estão sendo usados pelos experimentadores colocados “na outra ponta do fio” se aperfeiçoarão ainda, multiplicar-se-ão sem cessar, até quando as provas cumulativas se tornem esmagadoras e obriguem à certeza científica da existência e da sobrevivência da alma.


XIII
Ainda um exemplo inexplicável
por meio da metagnomia

Para demonstração ulterior do engenho com que os Espíritos daqueles que se preocuparam, em vida, com as investigações metapsíquicas procuram fornecer provas sempre novas de identificação pessoal, de molde a dissipar todas as hipóteses gratuitas adiantadas pelos que aqui combatem a sobrevivência, sou levado a relatar outro exemplo, muito recente e que, embora do mesmo gênero, não pertence à categoria das experiências acima comentadas.

Valho-me, para isso, de um dos casos narrados em um livro de legítima fama na Inglaterra e que deveria ser encontrado na biblioteca de todo aquele que se interessa pelas investigações metapsíquicas. Quero referir-me ao livro do Rev. C. L. Tweedale, Man’s Survival after Death, que traz as maravilhosas manifestações obtidas pela mediunidade da Sra. Tweedale, que espontaneamente se revelara médium possante de efeitos físicos intelectuais, verificados muitas vezes em pleno dia, fora de sessões experimentais e sem que a médium caísse em transe ou sentisse qualquer alteração em seu estado normal, a qual, não raro, sendo intermediária, era também espectadora de manifestações extraordinárias, em que a “voz direta” e as aparições de fantasmas humanos e de animais, visíveis a toda gente, se produziam em plena luz.

A propósito do caso que nos vai por um instante prender a atenção, o Rev. Tweedale escreve:

“No dia 24 de junho de 1913, perdi minha mãe, Mary Tweedale... Na manhã de 27, à chegada dos encarregados da soldagem do caixão de zinco, que devia ser colocado dentro do outro de carvalho, fechei-me no meu escritório, cuja porta tranquei com duas voltas da chave, a fim de preparar uma experiência que deveria constituir prova crucial de identificação pessoal do Espírito de minha mãe, se ele viesse a se manifestar. As vidraças estavam abaixadas e eu completamente só no meu escritório. Volvendo os olhos em derredor, vi uma grande bolota seca de carvalho, desprendida já da cúpula, e que há mais de um ano estava sobre a minha escrivaninha. Tomei-a na mão esquerda que, fechada, enfiei no bolso, a fim de que ninguém pudesse perceber o que ela continha. Voltei ao quarto em que estava o corpo de minha mãe e pedi aos operários que se retirassem por um momento. Fechei a porta do quarto, corri o reposteiro, deixei fechadas, como estavam, as janelas, ficando assim inteiramente isolado com a morta. Retirei as flores que lhe cercavam o rosto, introduzi a minha mão sempre fechada por sob a cabeça do cadáver e aí deixei ficar a bolota, recompondo as flores que havia arredado. Chamei então os operários, que soldaram o esquife de zinco, introduzindo-o dentro de outro de carvalho que, a seguir, foi também fechado. Durante todo esse trabalho não me ausentei um só instante do quarto para que não tocassem nas flores, nem de qualquer modo mexessem no corpo.

Ninguém podia, pois, saber nem mesmo suspeitar do que havia eu feito, sendo óbvio dizer a reserva absoluta que guardei sobre o fato.

Sábado, 12 de julho de 1913 – Hoje, minha mulher estava diante do espelho no quarto em que minha mãe havia morrido, quando viu neste se refletir um objeto estranho colocado sobre a cama que foi de minha mãe. O objeto visto por esta forma pareceu-lhe um pedaço de pano de cor, mas, quando se voltou, viu, com surpresa, tratar-se como que de um ovo alongado, de cor pardacenta, contrastando com a alvura da coberta da cama. Levou a mão para apanhá-lo, mas este subtraiu-se ao contacto, escorregando rapidamente para o bordo da cama e desapareceu.

Minha mulher veio imediatamente contar-me o sucedido. É flagrante a semelhança entre uma bolota de carvalho e um ovo de cor pardacenta; tomei por escrito detalhada nota do fato e cuidei cada vez mais de a ninguém revelar o meu segredo.

2 de maio de 1914 – Estava no meu jardim, quando vejo vir a mim minha mulher, num estado de viva emoção. Disse-me ter visto o fantasma de minha mãe, que subia lentamente a escada interior da casa. Estava vestida de preto e com dificuldade galgava os degraus, apoiando-se pesadamente, ora sobre um pé, ora sobre o outro, balançando o corpo, como habitualmente fazem os velhos enfraquecidos e como, de fato, fazia minha mãe, nos últimos tempos de vida.

Entrei imediatamente acompanhado de minha mulher e nos assentamos à mesa medianímica, esperando qualquer mensagem. As pancadas começaram logo no interior da madeira e a conversa foi entabulada pelo alfabeto.

– És minha mãe?

– Sim.

– Sabes dizer-me o que coloquei sob tua cabeça, quando estavas no ataúde?

– Sim.

E foi quanto bastou para convencer-me que a personalidade medianímica sabia o que eu havia colocado sob a cabeça de minha mãe, pois as palavras ditadas constituíam evidente alusão ao carvalho, que nasce da bolota e que se torna proverbial pela morosidade com que se desenvolve.

Esta resposta, combinada com a visão do objeto sobre o leito e com o fantasma pouco antes percebido, persuadiu-me da presença real de minha mãe entre nós. Pus os meus filhos e a criada Lili ao corrente destes últimos fatos, para que apusessem suas assinaturas na narração por mim já redigida.

19 de junho de 1914 – As duas horas e meia da tarde assentamo-nos, à mesa medianímica, minha mulher, a criada Lili e eu... O nome de Tomás Tweedale foi soletrado. Como já tive ensejo de dizer, o seu fantasma havia também sido já visto em casa. Pedi-lhe certos esclarecimentos sobre fatos de minha infância, que, além de mim, ninguém podia conhecer; forneceu-nos com perfeita exatidão. Perguntei-lhe, então:

– Meu pai, sabes, porventura, dizer-me o que coloquei dentro do esquife de minha mãe, sob a sua cabeça?

– Sim. – E como resposta obteve-se a expressão moitas, expressão muito significativa, pois, como ninguém ignora, as bolotas germinam em moitas.

Segunda-feira, 6 de julho de 1914 – Pelas 10:45, sentamo-nos à mesa mediúnica. As manifestações começaram incontinenti, sendo o nome de minha mãe soletrado.

– Estás presente, minha mãe?

– Sim.

– Peço-te, então, de novo, me digas o que depositei sob a tua cabeça, no ataúde.

– Sim.

– Estou esperando.

Com grande surpresa minha e não menor contentamento, obtive a palavra Quercus. (Quercus, em latim, quer dizer carvalho.)

Estava claro que meu pai e minha mãe conheciam o meu segredo, mas que caprichavam em transmitir-me o esclarecimento pedido por modos diversos e inesperados, a fim de afastar qualquer dúvida relativa a uma possível interpretação telepática de suas comunicações.

Vemos, com efeito, que qualquer uma das três respostas dadas eram absolutamente diferentes daquilo que eu pensava. Sempre que lhes foi formulada a pergunta, eu pensava em “bolota”, única palavra que sempre esperei receber em resposta.

Quanto à minha mulher, ela nada absolutamente podia disto compreender, pois faltava-lhe a “chave” que lhe pudesse revelar o sentido e que, ignorando o latim, não podia sequer ter a significação da palavra transmitida.

7 de julho de 1914 – À 1:30, nos pusemos à mesa de trabalho e minha mãe imediatamente se manifestou. Perguntei-lhe mentalmente se ela me podia ditar uma palavra pela qual me demonstrasse a sua presença real a meu lado.

Para verdadeira satisfação minha, ditou a palavra oak, que, em inglês, significa carvalho. Assim, as provas de identificação continuaram a se acumular e a mutuamente se confirmar. É bom não esquecer que desta vez eu havia dirigido à minha mãe uma pergunta mental. Minha mulher não conseguia explicar a palavra, para ela sem nexo, que acabava de ser dada; abstive-me ainda de fornecer-lhe qualquer esclarecimento a respeito. Ela pensou mesmo que minha mãe com essa palavra havia querido fazer qualquer alusão ao ataúde que, como já disse, era de carvalho; deixei-a assim continuasse a pensar e não comentei o fato.

3 de janeiro de 1917 – Às 3:30, minha mulher e eu nos sentamos à mesa medianímica. Depois de haver saudado minha mãe, perguntei-lhe:

– Escuta, mamãe, poderias dar-me detalhes precisos a respeito do que eu coloquei sob a tua cabeça, no ataúde?

– Sim.

– Peço que o faças.

– Foram soletradas as letras “a”, “e”, “n”.

“A” vai bem?

– Sim.

“E” vai bem?

– Sim.

– E o “N”?

– Também.

– Talvez faltem algumas letras à palavra?

– Sim.

E ditaram então as letras O e R.

– Queres dizer que as letras R O N E A compõem a palavra que deve indicar o que eu coloquei sob a tua cabeça?

– Sim.

– De quantas letras se compõe essa palavra?

– Cinco.

– Quando, há pouco, ditaste as letras, A e N, era bem o A que devia ocupar o primeiro lugar na palavra?

– Sim.

– O N deve ocupar a outra extremidade?

– Sim.

– Onde devo colocar o E ?

– Segundo.

– E o R ?

– Quarto.

– E o O, para onde vai?

– Terceiro.

– Trata-se, então, de A E O R N ?

– Sim.

– Mas estás bem certa do E ?

– Sim.

Devo fazer notar, de passagem embora, a semelhança entre o C e o E nas letras de mão tanto como nas impressas, quando em caracteres minúsculos “c”, “e”.

Observarei agora que, como era a única vez que transmitia a palavra exata “acorn” (que em inglês quer dizer bolota), na qual eu pensava, a ordem das letras foi intencionalmente mudada e substituindo o “c” por um “e” com o fim de demonstrar a presença de uma vontade estranha e independente, que tinha a intenção de provar que podia opor-se à minha, ditando o que melhor lhe parecesse.

Se analisarmos todas as respostas obtidas, seremos forçados a reconhecer que elas indicam de modo admirável a presença de uma entidade espiritual propriamente dita, que me queria mostrar uma vez ainda que a telepatia de forma alguma entrava na transmissão dessas mensagens.

Em cada uma das ocasiões por mim expostas, eu não podia, como é evidente, deixar de estar pensando em “bolota” (acorn); se se tratasse, portanto, de telepatia, esta palavra deveria ter sido obtida desde logo e sempre repetida; no entanto, em todas as respostas claramente se nota o esforço da personalidade comunicante para transmitir a informação pedida de modo sempre diferente daquilo que eu tinha em mente. Isto é patente sobretudo nas primeiras comunicações, em que foram dadas as respostas: “Cresço lentamente”, “Moita” e “Quercus” – palavras completamente fora do meu pensamento e que grandemente me surpreenderam.” (Págs. 162-167.)

O Rev. Tweedale faz ressaltar o valor teórico das respostas transmitidas pela personalidade espiritual comunicante, que procura excluir, e o consegue de modo definitivo, a hipótese da telepatia entre vivos, no caso em apreço.

Completarei estes comentários chamando por minha vez a atenção para o grande valor, no mesmo sentido, do primeiro incidente alucinatório-verídico ocorrido com a Sra. Tweedale, quando se achava diante do espelho, no quarto em que, dezoito dias antes, falecera sua sogra; porque o valor teórico dessa visão consiste, em primeiro lugar, na circunstância de ser ela sob qualquer aspecto inexplicável pela telepatia, ao passo que mostra claramente o intuito da personalidade comunicante de promover os meios que de êxito pudessem coroar a experiência imaginada pelo Rev. Tweedale, e, se tal iniciativa parte dessa entidade, a interpretação espírita dos fatos se torna indiscutível.

Pense-se, além disso, que, provocando na médium a visão de um objeto análogo mas não idêntico àquele que devia servir de base à experiência, a personalidade comunicante não demonstrou apenas conhecer o fato, senão que ensaiava método engenhoso, de iniciativa própria, para varrer do espírito do experimentador toda e qualquer dúvida sobre a eterna objeção da “telepatia entre vivos”, quando em comunicação com os mortos. A personalidade comunicante, pois, conhecendo bem, de quando aqui vivia, o abuso exagerado que se faz dessa hipótese, tentou depois da morte um sistema de provas, “por analogia”, destinado a neutralizar os efeitos daquele abuso.

Esses novos sistemas de provas imaginados pelas personalidades espirituais comunicantes, já de si tão eloqüentes, não podem, repito, deixar de conduzir-nos rapidamente ao fim desejado, eliminando as divergências e trazendo, no meio metapsíquico, a conciliação de todas as hipóteses legítimas, que agora, muito ao contrário, manejadas às tontas em campos opostos, de entrechocam, perturbando a marcha e retardando o triunfo da verdade, quando as hipóteses admitidas pelos dois partidos antagônicos são igualmente legítimas, igualmente verdadeiras e perfeitamente conciliáveis. Apenas para que de fato se completem e se expliquem mutuamente, mister se faz a aceitação inicial da existência e da sobrevivência da alma.


XIV
Respostas a algumas
objeções de ordem geral

Tenho a convicção, aliás muito sincera, de haver-me cabalmente desobrigado da tarefa que me impus ao dar início a este trabalho.

Penso haver demonstrado de modo claro e decisivo a insuficiência e a inconsistência das hipóteses naturais sustentadas por Sudre, bem como a inanidade sofística dos argumentos que reúne em defesa da sua tese. Não é, pois, intenção minha prosseguir refutando objeções de menor importância, não só pelo motivo exposto, senão também por ser empresa materialmente impossível, dada a profusão com que brotam de cada página.

Julgo antes de maior proveito e oportunidade responder a algumas objeções de ordem geral, que os representantes da ciência oficial, tanto como Sudre, são unânimes em atirar contra os que defendem a hipótese espírita. Como se trate de objeções teoricamente importantes e partilhadas por grande número de pessoas, este trabalho, que visa não a um autor, mas às suas idéias, deixaria de atingir praticamente o fim que o inspirou, se delas eu não me ocupasse.

Devo começar por aquela que de tão grande eficácia se reveste aos olhos dos homens de ciência e dos profanos para diminuir o valor dos argumentos em que se firmam os defensores da hipótese espírita, ainda quando dentro dos rigorosos princípios da lógica e combatidos por teorias gratuitas e fantasistas. Essa objeção consiste em afirmar que os espíritas não passam de uma aglomeração de “místicos”, que pretendem fundar uma religião baseada nos fenômenos metapsíquicos, não podendo, portanto, seus argumentos prevalecer no meio científico.

Concebida em termos tão vagos quão impertinentes, esta objeção nos chega de tantos lados e sob tantas formas, que dispensa qualquer exemplo; todavia, não devo ocultar que entre os que assim pensam está o Prof. Charles Richet, a quem sinceramente venero e admiro. No Journal of the American for S.P.R., de setembro de 1923, pág. 400, a respeito ele escreve:

“Sou de opinião que, se a Metapsíquica não tem progredido mais, se deve isto a um defeito de método; quiseram dela fazer uma religião cheia de ardor, em vez de uma ciência serena e modesta.”

E um outro biologista anglo-italiano, o Dr. William Mackenzie, dirigindo-se a mim pessoalmente, escreve que: “Se os espíritas querem conferir aos fenômenos metapsíquicos foros de religião, deles não poderão esperar mais do que se consegue daquela, isto é, pouco para o sentimento e nada para a Ciência.”

Penso ser de não pequena utilidade destruir essa deplorável prevenção, filha de uma observação estranhamente parcial e superficial do movimento espírita encarado em seu conjunto. Se é verdade que o Espiritismo seja tomado num sentido religioso por uma multidão, aliás muito respeitável, de almas simples, não quer dizer isso que ele seja religioso, mas tão somente que as conclusões rigorosamente experimentais e, portanto, científicas, a que conduzem as investigações medianímicas, têm a virtude de reconfortar grande número de almas atormentadas pela dúvida. Mas os opositores não se deviam esquecer que, culminando sobre essa multidão, em que prevalece o sentimento, existe numerosa coorte de experimentadores exercitados nos métodos científicos, também homens de ciência, em que prevalece a fria razão, e que estes examinaram os fatos com o fim exclusivo de pela Verdade procurar a Verdade. Se acabaram por aderir à hipótese espírita, não quer isso dizer que se tenham tornado místicos, senão que se convenceram experimentalmente que essa hipótese era a única capaz de explicar o conjunto da fenomenologia examinada. E nada mais científico. Nem Myers, nem Hodgson, nem Hyslop, nem Barrett, nem a Sra. Verral, nem Lodge, nem Zœllner, nem Du Prel, nem Aksakof, nem Boutleroff, nem Flammarion, nem Lombroso, nem Brofferio, nem o abaixo assinado tinham tendências místicas; ao contrário, quase todos eram dominados por convicções positivo-materialistas. Foi a eloqüência irresistível dos fatos e, sobretudo, a constatação imponente da convergência admirável de todas as provas – anímicas e espiríticas – para a demonstração da existência e sobrevivência da alma, que os levaram a concluir definitivamente em favor da hipótese espírita. As conclusões a que chegaram são, pois, rigorosamente científicas, tanto pelo menos como as que embevecem os seus opositores, com a diferença apenas de que estes últimos baseiam as suas induções e as suas deduções em grupos insulados e nunca sobre a sua totalidade, enquanto que aqueles se firmam e muito solidamente sobre a totalidade das manifestações medianímicas, anímicas e espíritas. Pela centésima vez repito, pois, que a hipótese espírita é uma hipótese científica e que aqueles que a contestam dão apenas mostra de não haver ainda formado uma idéia clara sobre o problema que pretendem discutir.

Para melhor prová-lo, vou responder à outra objeção do Prof. Richet, constante do mesmo artigo (pág. 465). Ele escreve:

“Eles (os espíritas) não percebem que antes de aderir a uma teoria hipotética por tal forma frágil e cercada de tropeços e de ilusões, como a doutrina Espírita, mister se fazia dotá-la de uma base sólida, constituída de fatos incontestáveis. Que se poderia dizer de um arquiteto que começasse a pintar delicadas figuras alegóricas na abóbada de um templo, antes de certificar-se da solidez das fundações do edifício?”

Por sua vez, o Dr. Mackenzie, no artigo a que ainda há pouco aludi, insiste que “o Espiritismo procura explicar o desconhecido pelo desconhecido”.

Respondendo ainda a estes dois críticos, observarei que, quando afirmo que o animismo é o necessário complemento do Espiritismo e que a este fugiria a base sem aquele, sustento, precisamente, que para chegarmos à demonstração científica da hipótese espírita, indispensável se torna irmos do conhecido para o desconhecido, isto é, termos de passar pela fieira das causas e dos efeitos e dos efeitos de ordem psicológica que gradativamente se elevam, se apuram, se sublimam, até tomar, sem solução de continuidade, contacto com as manifestações de natureza essencialmente espiritual. Trata-se, afinal, de uma seqüência admiravelmente graduada de coisas conhecidas para outras menos conhecidas, mas solidamente firmadas nas que as precedem, exatamente como se requer para fazer obra rigorosamente científica. Creio não ser necessário alongar-me em detalhar esse completo encadeamento de causas e de efeitos assaz conhecido dos nossos opositores; limitar-me-ei, portanto, a submeter-lhes, em linhas gerais, um esboço esquemático.

Do lado psicofisiológico das manifestações anímicas, os defensores da hipótese espírita partem dos fenômenos de exteriorização da motricidade (telecinesia) e da sensibilidade para aqueles em que a telecinesia se entrelaça com o da passagem da matéria através da matéria, fenômeno que por sua vez se prende ao da desintegração a distância, transporte e reintegração instantânea de um objeto qualquer durante a sessão.

Nesse estudo os espíritas põem em ação os métodos de análise comparada, aproximando e ligando os ditos fenômenos aos da ideoplastia propriamente dita, em que a matéria somática do organismo do médium, exteriorizada sob forma fluídica ou semifluídica, se concretiza em um membro, em uma cabeça, em uma forma organizada, com o auxílio da vontade subconsciente do médium, compreendendo nesta série todas as manifestações anímicas de uma mesma ordem, que não diferem uma da outra senão pela gradação evolutiva e que respectivamente demonstram:

1º) que a sensibilidade e a motricidade podem ser separadas dos sistemas nervoso e muscular;

2º) que a subconsciente vontade humana tem o poder de desintegrar, a distância, e de transportar e de reintegrar a matéria;

3º) que essa mesma vontade possui a faculdade de converter o organismo humano na substância amorfa e primitiva que o compõe, para, em seguida, empregá-la em reorganizar membros humanos, rostos e organismos também humanos, perfeitos e independentes do médium. Esse conjunto de faculdades naturalmente leva a inferir-se que o organismo humano deve resultar, por seu turno, de um produto dessas mesmas forças e faculdades exteriorizáveis, dominando a matéria inanimada, organizando a matéria somática, forças e faculdades dirigidas por uma vontade subconsciente de natureza transcendental. Em outros termos, esse conjunto leva logicamente a concluir-se que o espírito organiza o corpo e de modo nenhum o corpo organizado engendra o espírito, como afirmam os representantes da ciência oficial.

Nesse sentido, a obra magistral do Dr. Gustave Geley, De l’Inconscient au Conscient, é inteiramente consagrada à demonstração científica desta verdade básica. Escreve ele:

“A noção da ideoplastia imposta pelos fatos é capital: a idéia não mais é uma dependência, um produto da matéria; é a idéia, pelo contrário, que modela a matéria, transmitindo-lhe a forma e os atributos.” (Pág. 699.)

Não nos esqueçamos, portanto, de que essas primeiras conclusões, rigorosamente fundadas nos fatos, e a que chegamos pelo método científico da ascensão gradativa do conhecido para o desconhecido, bastam, por si só, para demonstrar a existência no homem de um espírito independente da matéria, espírito que tudo indica preexistir ao corpo e que lhe sobrevive à morte, e são ao mesmo tempo mais que suficientes para aniquilar de vez o postulado fundamental em que repousa a biologia moderna, segundo o qual o órgão cerebral cria a função do pensamento, quando os fatos demonstram que é o espírito – isto é, a função do pensamento – que cria os órgãos.

Sempre sob a relação psicofisiológica, mas de um ponto de vista diferente, os defensores da hipótese espírita partem dos fenômenos de exteriorização da sensibilidade e da motricidade para chegar gradativamente às outras manifestações aliadas da formação completa de um “corpo fluídico” exteriorizado, idêntico ao do sensitivo submetido à experiência; corpo fluídico provido de sensibilidade e de motricidade, mas desprovido de atributos inteligentes, pois reproduz mimeticamente todos os movimentos do sensitivo; passam em seguida nos casos espontâneos ou provocados, em que o “desdobramento” é ao mesmo tempo fluídico, sensorial e psíquico (bilocação), deslocando a personalidade consciente do sensitivo para o “corpo fluídico”, que então percebe, a distância, o seu próprio corpo somático inanimado e sem vida. Chegados a esse ponto, os defensores da hipótese espírita concluem necessariamente que no homem existe um “corpo fluídico (perispírito) que representa “o anel de junção” entre o organismo somático e o espírito e que se pode separar do organismo somático em circunstâncias especiais de afrouxamento vital, como na síncope, no êxtase, no sono fisiológico, no sonambúlico e no hipnótico, nos casos de inalação de clorofórmio, etc.

Todas essas condições de fatos, conjuntamente, levam de modo lógico a admitir-se que, se no homem existe um corpo fluídico, invólucro do espírito, que se pode afastar temporariamente do organismo somático, mesmo durante a vida terrestre, a morte não deve, então, ser mais que a definitiva separação do corpo somático do fluídico, enriquecido este do espírito.

Tais são as conclusões dos defensores da hipótese espírita que, como se pode ver, rigorosamente procedem do conhecido para o desconhecido.

Sob o ponto de vista puramente psíquico os defensores da hipótese partem das experiências de transmissão do pensamento, a curta distância, e passam às que são obtidas a distâncias consideráveis, abrindo caminho às manifestações telepáticas propriamente ditas, para as quais nenhum limite pode ser marcado.

Aproximam, em seguida, ligam e comparam essas manifestações demonstrativas do poder funcional do pensamento com as manifestações complementares da evolução e da espiritualização das faculdades sensoriais, a começar do fenômeno de “transposição dos sentidos” que, evoluindo gradativamente, se transformam nos de autoscopia e de aloscopia, em que o sensitivo percebe macroscopicamente e microscopicamente o interior do próprio corpo ou do de outrem.

Esses fenômenos se elevam por sua vez até se transformarem em lucidez propriamente dita, em que o sensitivo percebe através de qualquer corpo opaco inanimado; e abrem caminho para outros bastante mais importantes da percepção das causas e dos acontecimentos a qualquer distância do sensitivo (telestesia), fenômenos que se sublimam e se espiritualizam, enfim, até atingirem os cimos da clarividência no passado e no futuro (retro-cognição e pré-cognição). Ora, é desse maravilhoso conjunto de manifestações anímicas que os defensores da hipótese espírita logicamente deduzem o que dá motivo às considerações precedentes, isto é, que tudo isto vem demonstrar que, nos recônditos da subconsciência humana, se encontram faculdades psico-sensoriais de ordem muito elevada, que independem da “lei da seleção natural” que, por conseguinte, outros não podem ser senão os sentidos espirituais existentes e preformados, em estado latente nessa subconsciência humana, esperando emergir e exercer-se num meio espiritual, após a crise da morte, como no embrião existem pré-formados, no estado latente, os sentidos da vida terrestre, esperando emergir e exercer-se no meio terrestre, após a crise do nascimento.

Não há quem possa deixar de compreender que as três conclusões a que chegam os defensores da hipótese espírita, de que uma é o complemento da outra, cumulativamente equivalem a uma demonstração rigorosamente experimental da existência no homem: de um espírito independente do corpo; do corpo organizador e sobrevivendo à morte deste mesmo corpo – demonstração que para se tornar incontestável e definitiva só espera a quarta conclusão complementar a tirar-se dos fenômenos espíritas propriamente ditos.

Tal a base indestrutível sobre a qual se apóia a hipótese espírita, sob o ponto de vista anímico, das manifestações metapsíquicas; base que edificaram os seus defensores gradativamente, recorrendo ao conhecido para explicar o menos conhecido, até atingir o desconhecido, sem qualquer solução de continuidade, justamente como prescrevem os métodos de investigação científica.

Não vejo aqui oportunidade de enumeração da gradação fenomênica, seguida no estudo das manifestações espíritas, propriamente ditas. Com efeito, uma vez provado que no homem existe independente do corpo um espírito que sobrevive à morte deste mesmo corpo, as conclusões a que se chega pela teoria espírita não são mais do que o corolário inevitável das premissas em foco.

Para validade de qualquer tese ou teoria, como para a solidez de qualquer construção material, tudo depende dos fundamentos, e dado nos foi ver que os fundamentos em que se firma aquela hipótese, graças aos fenômenos anímicos, são de uma solidez a toda prova, embora os opositores se quisessem servir do animismo para demonstrar o erro das hipóteses espíritas.

O Prof. Richet pode, pois, sossegar. O seu apólogo do arquiteto, ainda que de grande sensatez, não tem aplicação em nosso caso.


Conclusão

Chegado ao termo deste trabalho de ampla refutação de um livro excepcionalmente parcial e superlativamente sofístico, devo declarar-me plenamente convencido de, pelos fatos, haver provado que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para por ela explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.

As hipóteses complementares, por ele imaginadas para reforço daquela, apenas serviram, como tivemos ocasião de ver, para de modo eloqüente mostrar os esforços desesperados em que se debate para, desta ou daquela maneira, livrar-se da invasão, para si indesejável, da hipótese espírita.

Esses esforços levaram-no a formular as hipóteses complementares, que constituem concessões ao ponto de vista espírita, concessões para ele muito perigosas, por isso que o fazem transpor as fronteiras da morte, com um primeiro passo que, assim, dá no domínio espiritualista, admitindo justamente aquilo que constitui a base fundamental da tese espírita. E, de fato, a primeira hipótese complementar afirma a presença de um “fantasma fluídico”, ou “duplo”, que se separaria do corpo somático na crise da morte, para conservar uma vida independente da do seu criador, mas apto a se unir a um outro vivo, embora por breves dias.

A segunda admite a existência de “memórias que sobrevivem, mas que evidentemente não são do “psicológico morto”, nem, também, das personalidades vivas”.

A situação, que a si mesmo assim criou o nosso autor, torna-se insustentável e fadada a esboroar-se como um castelo de cartas ao primeiro embate da realidade, que se apresenta nos fatos a demolirem pelos alicerces o próprio edifício. Esses fatos, com efeito, demonstram que o “corpo etérico”, longe de sobreviver pelo curto tempo que, por comodidade teórica, lhe concede Sudre, sobrevive e se manifesta traduzindo lúcida inteligência, um século e mais após a morte do corpo somático, e, ao invés de permanecer inerte como compete a um “corpo fluídico” inconsciente, precisando para recobrar consciência de unir-se a um sensitivo, o “fantasma plástico” mostra-se capaz de manifestar a sua inteligência a qualquer distância do lugar em que se dera a sua desencarnação.

A segunda hipótese, relativa à sobrevivência das memórias integrais, mas impessoais e inconscientes, nas quais o médium vai captar os esclarecimentos necessários para “embrulhar” o próximo, é, por sua vez, contestada pelos fatos.

Estes demonstram, com efeito, que as personalidades espirituais não são personificações subconscientes, pois que sabem predispor e combinar acontecimentos, mesmo fora de qualquer ligação com o médium, entre uma sessão medianímica e outra.

Daí se vê que o trabalho de Sudre, que apresentava manifestamente o grave inconveniente de não se propor a procurar a Verdade através da Verdade, antes a intenção clara de a todo o transe procurar demolir a hipótese espírita, encontrou a sorte que merecia, desmantelando-se por completo ao primeiro contacto com a eloqüência demonstrativa dos fatos.

E se outra é a opinião de Sudre a tal respeito, é que certamente dispõe de elementos que a justifiquem e então fácil lhe deverá ser achar uma explicação natural para todos os casos de que trata este meu trabalho, competindo-lhe refutar, uns após outros, todos os argumentos por mim apresentados em favor da sua gênese indiscutivelmente espírita. Uma explicação natural, repito, para todos os casos que eu acabo de relatar e não para alguns escolhidos a dedo e que se prestem a “exercitações” sofísticas. Reservo-me, aliás, o direito de sobrecarregar a sua tarefa, já de si pouco convidativa, oferecendo-lhe na ocasião oportuna algumas centenas de outros casos análogos, cuidadosamente ordenados, classificados e comentados em um volume, já em preparo.

E aqui, depois de haver analisado a obra de Sudre, não me parece fora de propósito fazer algumas considerações sobre a mentalidade do autor, mentalidade que me parece merecer atentamente observada.

O talento de Sudre é indiscutível, mas ele nasceu sofista. Passa e torna a passar ao lado da Verdade e não a percebe; mexe e remexe em volta dela e, com cuidado, a evita; se com ela esbarra, por acaso, afasta-a com asco. São esses os traços característicos que distinguem o “sofista de nascença” do “sofista ocasional”. Todos os homens de ciência, todos os pensadores têm no seu passivo sofismas e paralogismos, mas ocasionalmente e dentro de justa medida; é um acidente psicologicamente inevitável.

Mas em Sudre o sofisma é a regra talvez única a não ter exceção; nasceu a tal ponto sofista que, quando alguém lhe aponta os sofismas, ele se cala. Cala-se porque não pode responder, mas, imperturbável, continua a fazer deles uso!

“É um “cúmulo” que demonstra claramente ser a sua mentalidade a tal ponto sofística que não lhe permite perceber a posição insustentável, direi mesmo, quase ridícula, em que o coloca essa atitude irracional.

E que ele seja um sofista de nascença prova-o outra circunstância por outra forma inexplicável, qual a de se não preocupar de aplicar às suas pesquisas os processos científicos da análise comparada e da convergência de provas.

Para combater a hipótese espírita, basta-lhe que um caso negativo qualquer lhe caia em mão e aproveita-o imediatamente para os seus fins, sem se preocupar absolutamente com os numerosos casos afirmativos que contradizem, neutralizam, anulam o incidente explorado com tão grande leviandade! E não é tudo, pois se diria que ele não compreende mesmo a necessidade, a utilidade dos métodos de pesquisas científicas indicados, visto não se preocupar com os fatos, ainda quando os conhece.

Torna-se, pois, evidente que a mentalidade de René Sudre, sendo a de um sofista de nascença de mistura com a de um temperamento manifestamente apaixonado do parti-pris, o torna inapto ao desempenho da tarefa de, com proveito, pesquisar as manifestações metapsíquicas.

O seu talento é de outra natureza. Poderia, quem sabe, colher louros imarcescíveis se se dedicasse ao jornalismo, à literatura, ao teatro, mas, no domínio da Metapsíquica, ele não conseguirá mais do que entravar o trabalho alheio, desorientar a pesquisa e retardar o advento da Verdade.

FIM

Notas:


[1] Ver Ernesto Bozzano, Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte.

[2] Editada em português sob o título de Região em Litígio, ed. FEB.