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Ernesto Bozzano
A Crise da Morte
Segundo o depoimento dos
Espíritos que se comunicam
Do original italiano
La crisi della morte
1924
Dante Alighieri
A morte Berenice
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Conteúdo resumido
É certo que todo ser humano, em algum momento da vida, já se perguntou sobre a continuação da existência após a morte do corpo físico. Haverá quem não tenha pensado no instante final da nossa trajetória terrestre? A vida continua além do túmulo? Se cremos que sim, como será essa nova vida? Quais os fenômenos que se passam com aqueles que se desprendem dos liames carnais e dão entrada no outro mundo?
Em A Crise da Morte, Bozzano expõe e comenta os testemunhos vindos do mundo espiritual sobre as diversas situações por que passa o Espírito na ocasião do término de cada experiência no plano material, submetendo os casos citados ao processo científico da análise comparada, do que resultou um conjunto de revelações de irrecusável veracidade.
A leitura desta obra nos liberta das ilusões e dos temores criados pelas crenças religiosas tradicionais e nos mostra que as condições em que nos encontraremos após o término desta existência dependerão sempre do modo pelo qual nos conduzimos moralmente enquanto Espíritos encarnados.
Prefácio
Apresentando ao leitor, traduzido em português, graças, como os dois anteriores, à iniciativa da Federação Espírita Brasileira, um outro trabalho de Ernesto Bozzano, nada precisamos dizer do grande cientista italiano, a cuja pena fecunda o devemos, nem da sua operosidade quase fenomenal, nem ainda da natureza da missão que parece haver trazido para a sua atual existência, missão que, ao nosso ver, cada vez melhor se caracteriza no campo do Espiritismo e em cujo desempenho sempre mais um belo triunfo ele alcança, à publicação de cada nova obra. De tudo isso já disse Carlos Imbassahy, com a simplicidade e a clareza que lhe são peculiares ao estilo, no Prefácio que escreveu para a sua tradução do volume Fenômenos psíquicos no Momento da Morte, o primeiro dos trabalhos a que em começo aludimos.
Prefaciando agora, a nosso turno, este outro, a mais recente monografia que Bozzano deu à publicidade, tampouco trazemos em mente bosquejar qualquer apreciação crítica, com que lhe ponhamos em realce o valor, coisa que, além de despropositada, pela nossa incompetência, de todo em todo desnecessária seria, ante o nome que a firma.
Ao traçarmos as presentes linhas, outro propósito não temos senão o de transmitir, a quem compulsar este pequenino volume, a impressão forte que a sua leitura nos produziu, como um convite instante que lhe dirigimos, para que se não detenha na primeira página, para que lhe perlustre todas, com atenção e interesse, certo de que nelas grande cópia de esclarecimentos colherá, sobre um dos pontos mais palpitantes da Revelação Espírita, e rica fonte de ensinamentos, com que alimente e revigore as consoladoras esperanças que dessa Revelação tenha haurido.
Com efeito, em A Crise da Morte, as mensagens do Além, sobre que Bozzano assentou o seu estudo, elucidam uma das questões mais relevantes que aquela Revelação suscita e que, todavia, é das menos fartamente exploradas nas suas obras basilares: a do modo pelo qual se dá a entrada, no meio espiritual, dos Espíritos que desencarnam na Terra e de como lhes transcorre ali a existência durante os primeiros tempos após a desencarnação, problema cuja solução põe em destaque, como fator preponderante da constituição desse meio, para cada Espírito, sob a ação, que mais perceptível então se torna, da lei de afinidade, a força criadora, ou o poder criador do pensamento.
Tais mensagens, porém, dispersas como se encontram em publicações várias, só muito relativo valor teriam sempre, se o notável escritor italiano não as houvesse submetido ao processo científico da análise comparada, do que resultou ficarem formando, doravante, as descrições que elas encerram, um conjunto de revelações de irrecusável veracidade, por isso que, assinaladas, conforme ele deixou, as concordâncias positivas existentes nelas, quer quanto aos informes capitais, quer quanto aos secundários, demonstrado também deixou procederem as ditas mensagens, indubitavelmente, do mundo invisível e conterem o fruto das experiências individuais a que se viram sujeitas as entidades que as deram.
Isto basta para evidenciar a relevância do labor que Ernesto Bozzano levou a cabo e do qual se originou esta monografia, cuja extraordinária importância assim igualmente se patenteia, justificando a consideremos, ao menos de certa maneira, uma das obras que se podem incluir entre as complementares da Terceira Revelação e entre as mais valiosas de quantas a genialidade do seu autor nos tem proporcionado.
Aliás, por mostrar que nenhum exagero há no que dizemos e que, portanto, razão nos sobra para que insistentemente recomendemos a sua leitura aos estudiosos, de mais não necessitamos, além do que se lê nos períodos com que Bozzano encerrou as conclusões do seu trabalho, palavras que proclamam por si mesmas a importância deste, sem que, entretanto, é fora de dúvida, tenham sido escritas com semelhante escopo, pois claramente exprimem ou uma inspiração por ele recebida do Alto, ou o que a sua clarividência espiritual lhe permitiu divisar no futuro, por entre as sombras do presente.
Escreveu ele:
“Resulta daí que esta obra de análise comparada autoriza a preconizar a aurora não distante de um dia em que se chegará a apresentar à humanidade pensante, que atualmente caminha a tatear nas trevas, um quadro de conjunto, de caráter um tanto vago e simbólico, mas verdadeiro em substância e cientificamente legítimo, das modalidades da existência espiritual nas “esferas” mais próximas do nosso mundo, “esferas” onde todos os vivos terão que se achar, depois da crise da morte. Isto permitirá que a humanidade se oriente com segurança para a solução dos grandes problemas concernentes à verdadeira natureza da existência corpórea, dos fins da vida, das bases de moral e dos deveres do homem. Estes deveres, na crise do crescimento que a sociedade civilizada hoje atravessa, terão que decidir dos seus destinos futuros. Quer isto dizer que os povos civilizados, se os reconhecerem e cumprirem, se verão encaminhados para uma meta cada vez mais luminosa, de progresso social e espiritual; se os repelirem ou desprezarem, seguir-se-á necessariamente, para esses mesmos povos, a decadência, a fim de cederem o lugar a outras raças menos corrompidas do que a raça ora dominante.”
Encerremos, por nossa vez, este despretensioso e singelo prefácio, bendizendo de quem, tão abundantemente iluminado pela luz da Verdade, tanto já tem feito em prol do advento desse dia em que ela dissipará completamente as trevas dentro de cujo negror ainda tateia a Humanidade e formulando votos por que praza ao Senhor do mundo propiciar-lhe amplas energias, para prosseguir na execução do labor a que se consagrou com devotamento inexcedível e que o sagra, no plano terreno, um dos mais admiráveis paladinos da obra de salvação, que cabe ao Espiritismo realizar.
Rio de Janeiro, agosto de 1930.
Guillon Ribeiro
A crise da morte
Conforme já tive ocasião de dizer muitas vezes, desde alguns anos me consagro ao exame dos principais apanhados de “revelações transcendentais”, aplicando-lhes os processos da análise comparada e obtendo resultados tão inesperados quão importantes. As pesquisas que empreendi fazem emergir a prova de que as numerosíssimas informações obtidas mediunicamente, a respeito do meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, no que concerne às indicações de natureza geral, que, aliás, são as únicas necessárias para que se conclua a favor da origem das revelações de que se trata, origem que se manifesta estranha aos médiuns, pelos quais tais revelações se obtêm. Com efeito, os desacordos aparentes, de natureza secundária, que se notam nessas revelações, provêm evidentemente de causas múltiplas, fáceis de serem apreendidas e inteiramente justificáveis. Acrescentarei, a este propósito, que algumas categorias desses supostos desacordos contribuem eficazmente para nos dar uma visão nítida e sintética dos modos pelos quais se desenvolve a existência espiritual, pois que parecem determinadas pelas condições psíquicas especiais de cada personalidade de defunto que se comunica.
Creio mesmo necessário insistir sobre o fato de que, se persevero em me ocupar com um tema condenado ao ostracismo pela Ciência, é que, graças às minhas laboriosas investigações, adquiri a certeza de que, em futuro não distante, a seção metapsíquica das “revelações transcendentais” alcançará grande valor científico e, por conseguinte, constituirá o ramo mais importante das disciplinas metapsíquicas. Que importa, pois, seja esse ramo atualmente repudiado pelos metapsiquistas de orientação rigorosamente científica e totalmente desprezado por grande parte dos próprios espíritas, entre os quais eu mesmo me achava, não há mais de três anos?
Reconheço que não podia ser de outra maneira, porque é conforme à evolução mental nas pesquisas metapsíquicas que o investigador comece por se ocupar com as manifestações supranormais de natureza especialmente física, para depois cogitar das manifestações de natureza especialmente inteligente, contendo indicações verificáveis de identificação pessoal dos defuntos. Segue-se que, só quando se haja chegado à certeza científica, com relação à origem espírita da parte mais interessante dos fenômenos metapsíquicos, se compreenderá o grande valor científico, moral, social, das revelações transcendentais estudadas sistematicamente. Elas então se elevarão rapidamente a lugar de honra, na classificação das manifestações metapsíquicas. A alvorada desse dia ainda não despontou. Mas, isso não impede que um pesquisador insulado possa adiantar-se à sua época, de maneira a formar para si uma opinião precisa a tal respeito, fundando-se nos fatos colecionados. Nestas circunstâncias, esse pesquisador está obrigado, em consciência e para o bem de todo o mundo, a ter a coragem de sua opinião, embora os tempos ainda não amadurecidos o exponham a críticas mais ou menos severas. Ora, eu me sinto com essa coragem: mudei de parecer, relativamente ao valor teórico das coleções de “revelações transcendentais”, e não hesito um só instante em declará-lo.
A isso, aliás, me vejo animado pelo exemplo de alguns pesquisadores eminentes, que não hesitaram em publicar declarações análogas. Eis como a propósito se exprime o professor Oliver Lodge:
“Estas revelações são ditas “inverificáveis”, por não ser possível fazerem-se pesquisas para verificar-se o que elas afirmam, como se fazem para a verificação das informações concernentes a negócios pessoais, ou acontecimentos mundanos... De todos os modos, sou levado a crer, da mesma maneira que outros pesquisadores cujo número é cada vez maior, que vem próximo o tempo em que se deverá recolher sistematicamente e discutir o material metapsíquico de natureza “inverificável”, material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e verificadas, com fundamento em suas concordâncias...
Lembrarei que, do ponto de vista filosófico, se tem notado que tudo contribui para dar a supor que, em última análise, a prova real da sobrevivência dependerá do estudo e da comparação dessas “narrações de exploradores espirituais”, mais do que das provas resultantes das informações pessoais fornecidas acerca de acontecimentos do passado, relativamente aos quais – enquanto não se chegar a penetrar fundo na natureza da memória – será sempre possível conjeturar que todo o passado é potencialmente acessível às faculdades supranormais da consciência humana... embora eu não considere racional a hipótese de uma memória impessoal... (Raymond, págs. 347-348).
O professor Hyslop, a propósito da publicação de duas coleções de “revelações” sobre o além, ponderou, a seu turno:
“Nada há de impossível nas informações que essas “mensagens” contêm... A maioria das pessoas ridiculizam o conceito de um meio espiritual tal como o que se desenha nas “revelações”; porém, esses senhores, que gastam o ridículo com tanta leviandade, não se lembram de que, assim fazendo, supõem conhecer toda a verdade a respeito do mundo espiritual... Não me pronuncio nem por um lado, nem pelo outro, mas declaro não ter objeção alguma a opor à existência de um meio espiritual, como o que se nos descreve, ainda que devesse parecer mais absurdo do que o nosso meio terrestre. Não chego a compreender por que se exige que o mundo espiritual seja mais ideal do que o nosso. Os dois mundos são obra do mesmo Autor, quer este se chame Matéria, ou Deus. Ninguém pode afirmar ou negar a priori. O fato de negar ou de lançar ao ridículo as “revelações transcendentais” equivale a pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui presunção indigna de um céptico que raciocine...
Em suma, os livros dessa espécie são importantes, pois que nos dão uma primeira idéia sobre o mundo espiritual, oferecendo-nos assim oportunidade de comparar os detalhes contidos nas diferentes revelações obtidas... Ora, no nosso caso, comprova-se que as informações, que nos são transmitidas nessas mensagens pelas personalidades que se comunicam, concordam com outras que nos vêm por intermédio de médiuns que não eram religiosos e não tinham a cultura e a inteligência deste médium...” (American Journal of the S. P. R., 1913, págs. 235-237).
“Acrescentarei que há um meio de se verificarem as afirmações concernentes à existência espiritual, com exclusão de prova indireta fornecida pela identificação pessoal do Espírito que se comunica. Esse meio consiste em experimentar com um número suficiente de médiuns, para comparar em seguida os resultados, depois de se haverem recolhido as informações necessárias sobre a instrução especial de cada um deles a respeito. Se se chegasse a comprovar que um dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente experimentar com outros médiuns, para se obterem informações sobre o mesmo assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles. É evidente que, nessas condições, uma concordância de informações fundamentais, repetindo-se com uma centena de indivíduos diferentes, teria grande valor a favor da demonstração da existência real de um mundo espiritual análogo ao que fora revelado.” (Ibidem, 1914, págs. 462-463).
Tal a opinião de dois sábios muito distintos, acerca do valor teórico das coleções de “revelações transcendentais”. Observarei que o método de pesquisa proposto pelo professor Hyslop é, em suma, o que adotei. Ele, com efeito, propõe se experimente com grande número de médiuns, que não conheçam as doutrinas espíritas, a fim de se compararem em seguida os resultados. A coisa é teoricamente possível, mas de realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável como essa. Mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou nestes últimos anos, relativamente às “revelações transcendentais”, para empreender uma seleção severa de todas as peças, classificando-as, analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os conhecimentos especiais de cada médium, no tocante às doutrinas espíritas. Tal precisamente a tarefa a que me propus ao empreender minhas pesquisas, às quais já consagrei dois anos de trabalho, chegando a descarnar cerca da metade do material reunido. Somente, como notasse que o material classificado e comentado assumia proporções tais que impediriam a sua publicação em volume, julguei oportuno suspender temporariamente as pesquisas, para consagrar algumas monografias de ensaios aos resultados já obtidos. A que se segue é a primeira que me disponho a publicar.
Começo por inserir um número suficiente de “revelações transcendentais” referentes às impressões experimentadas, no momento da entrada no mundo espiritual, pelas personalidades dos mortos que se comunicam. Declaro desde logo que esse grupo de narrações, embora teoricamente interessante e significativo, não é o mais eficaz para a demonstração da tese que sustento. Ele, com efeito, se refere aos episódios iniciais da existência extraterrestre, sobre os quais se exercem plenamente as conseqüências da “lei de afinidade”, pela qual cada Espírito desencarnado é levado necessariamente a gravitar para o estado espiritual que corresponde ao grau de sua evolução psíquica, alcançado em conseqüência da passagem pela existência na carne, o que não pode deixar de determinar diferenças sensíveis nas descrições que nos chegam dos mortos acerca da entrada deles no mundo espiritual. De qualquer forma, ver-se-á que esses desacordos se dão unicamente nos detalhes secundários, quer sejam pessoais, quer dependam do meio, nunca no que concerne às condições correspondentes, de ordem geral.
Antes de entrar no assunto de que vou tratar, cumpre-me fazer uma declaração, destinada a prevenir uma pergunta que os meus leitores poderiam formular. Refere-se a esta circunstância: todos os fatos, que citarei, de defuntos que narram sua entrada no meio espiritual são tirados de coleções de “revelações transcendentais” publicadas na Inglaterra e nos Estados Unidos. “Por que? – perguntar-me-ão os leitores – esse exclusivismo puramente anglo-saxônio?” Responderei que por uma só razão, absolutamente peremptória: não há na França, na Alemanha, na Itália, na Espanha, em Portugal, coleções de “revelações transcendentais” sob a forma de tratados, ou de narrativas continuadas, orgânicas, divididas em capítulos, ditadas por uma só personalidade mediúnica e confirmadas por provas excelentes de identidade dos defuntos que se comunicaram. Nas poucas coleções que hão aparecido em as nações acima citadas – coleções constituídas de curtas mensagens – obtidas pelo sistema dos interrogatórios dirigidos a uma multidão de “Espíritos”, não se encontram episódios concernentes à crise da morte, se excetuarmos o conhecido livro de Allan Kardec O Céu e o Inferno, em o qual se podem ler três ou quatro episódios desta espécie. Mas, se bem se encontrem neles algumas concordâncias fundamentais com as narrações dos outros Espíritos que se comunicam, esses episódios são de natureza muito vaga e geral, para poderem ser tomados em consideração, numa obra de análise comparada.
Em tais condições, é claro que, se os povos anglo-saxônios são os únicos que, até hoje, hão mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das “revelações transcendentais”, como são os únicos que a isso se consagraram, empregando métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário onde o encontrava. E tanto mais razão havia para assim proceder, propondo-me a escrever toda uma série de monografias relativamente às concordâncias e aos desacordos que os processos de análise comparada fazem ressaltar das coleções de “revelações transcendentais”, quanto é certo que não podia deixar de principiar pelo princípio, isto é, pelo que os mortos têm a dizer acerca da crise da morte.
Passemos agora à exposição dos casos. Citarei, antes de tudo, alguns episódios tomados às obras dos primeiros pesquisadores, a fim de fazer ressaltar que, desde o começo do movimento espírita, se obtiveram mensagens mediúnicas em que a existência e o meio espirituais são descritos em termos idênticos aos das que se obtêm presentemente, se bem a mentalidade dos médiuns fosse então dominada pelas concepções tradicionais referentes ao paraíso e ao inferno e, por conseguinte, pouco preparada para receber mensagens de defuntos, afirmando que o meio espiritual é o meio terrestre espiritualizado.
Primeiro caso
Extraio este fato de uma obra intitulada Letters and Tracts on Spiritualism, obra que contém os artigos e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que Edmonds era notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois da morte acidental de seu confrade, o juiz Peckam, a quem ele muito estimava, deu-se o caso de Edmonds escrever longa mensagem, em que seu amigo morto referia as circunstâncias de sua morte. As passagens seguintes são tiradas da mensagem em questão:
“Se houvera podido escolher a maneira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconteceu, dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subitamente diante de mim.
No momento da morte, revi, como num panorama, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as cenas, todas as ações que eu praticara passaram ante o meu olhar, como se se houvessem gravado na minha mente, em fórmulas luminosas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até a morte, faltou à chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços minha mulher, apareceram-me meu pai e minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo, nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvido o barulho das ondas a se quebrarem sobre as nossas cabeças. Desprendi-me do corpo quase sem me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui minha mãe, que viera para nos acolher e guiar.
O primeiro sentimento penoso só me assaltou quando dirigi o pensamento para o meu caro irmão; porém, minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: “Teu irmão também não tardará a estar conosco.” A partir desse instante, todo sentimento penoso desapareceu de meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de viver, unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de desgraça. Logo, entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo pelo qual eu o fora. Todos os objetos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a presença de tantas pessoas que sabia mortas, teria corrido para junto dos náufragos.
Quis informar-te de tudo isso a fim de que possas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que os que lhes são caros e que desapareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar as boas-vindas nas esferas dos imortais. Não tendo estado enfermo e não tendo sofrido, fácil me foi adaptar-me imediatamente às novas condições de existência...”
Com esta última observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de outras personalidades mediúnicas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos d’alma, é possível atravessar o Espírito a crise da desencarnação sem haver necessidade de ficar submetido a um período mais ou menos longo de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva a longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvida por preocupações mundanas, ou oprimida pelo terror da morte, ou, ainda, apenas, mas firmemente, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a um período mais ou menos prolongado de inconsciência.
Ponderarei que estas observações já se referem a um desses “detalhes secundários” a que aludi em começo e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta por modos muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições espirituais tão diversas em que se acham no momento da desencarnação.
Cumpre-se atente, além disso, no detalhe interessante de dizer o morto ter tido, no momento da morte, a “visão panorâmica” de todos os acontecimentos de sua existência. Sabe-se que este fenômeno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas salvas de naufrágios (publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma revista, no correr dos anos de 1922-1923). Ora, no caso relatado pelo juiz Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo gênero, assistimos ao fato importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da “visão panorâmica”, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna teoricamente importante, desde que se tenha em mente que o juiz Edmonds não conhecia a existência dos fenômenos dessa espécie, ignorados pelos psicólogos de sua época. Ele, pois, não podia auto-sugestionar-se nesse sentido, o que constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que se trata.
Notarei, finalmente, que neste episódio, ocorrido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já se observam muitos detalhes fundamentais, concernentes aos processos da desencarnação do Espírito, os quais serão depois constantemente confirmados, em todas as revelações do mesmo gênero. Assim, por exemplo, o detalhe de o Espírito não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda menos, que se achava num meio espiritual. Também o outro detalhe de o Espírito se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou quase terrestre, de pensar que se exprime de viva voz como dantes e perceber, como antes, as palavras dos demais. Assinalemos ainda outro detalhe: o de achar o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são geralmente seus parentes mais próximos, mas que também podem ser seus mais caros amigos, ou os “Espíritos-guias”.
Detalhe fundamental também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias mais ou menos especiais de mortos moralmente inferiores e degradados, aos quais a inexorável “lei de afinidade” (lei físico-psíquica, irresistível em seu poder fatal de atração dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento espiritual muito diferentes das com que deparam os Espíritos evolvidos.
Segundo caso
Tiro este segundo fato do volume de Morgan: From Matter to Spirit (pág. 149). A personalidade mediúnica do Dr. Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira pela qual seu Espírito se separou do organismo somático:
“Como sucede a um bem grande número de humanos, meu espírito não chegou muito facilmente a se libertar do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos laços orgânicos, mas me encontrava em condições pouco lúcidas de existência, afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel. Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pôde o espírito despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu divisava distintamente as pessoas que me cercavam o corpo. Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no ar. Depois desse acontecimento, suponho ter passado um período bastante longo em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece freqüentemente, se bem isso não se dê em todos os casos); deduzo-o do fato de que, quando tornei a ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição.
Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos de minha vida me desfilaram sob as vistas, como num panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões naturais, como se o meu passado se houvera tornado presente. Foi todo o meu passado o que revi, compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de refletir, achando-me como que arrebatado por um turbilhão de emoções. A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se mostrara; às meditações sobre o passado e o futuro, sucedeu em mim vivo interesse pelas condições atuais.
Eu ouvira dizer os espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no mundo espiritual pelos seus parentes, ou por seus Espíritos-guardiães. Não vendo ninguém perto de mim, concluí que os espíritas se haviam enganado. Mas, apenas este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de afinidade. Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu, não haviam cogitado de desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me pelo meu nome, embora não o houvesse eu pronunciado, e me acolheram com uma familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até aquele momento. Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos, entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido havia já algum tempo...”
Notarei que no último parágrafo do episódio precedente se encontra um outro dos detalhes secundários habituais, que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos que se comunicam. Esse detalhe achará sua razão de ser nas condições espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações transcendentais, se lê que os Espíritos dos mortos entram num meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos de seus parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou em um meio nuvioso, onde foi acolhido amistosamente por dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das condições espirituais. É fácil de argüir que este aparente desacordo entre as primeiras impressões desse Espírito desencarnado e outras muito mais freqüentes dependa da circunstância de que, como ele próprio o diz, se descuidara em vida de desenvolver em si o elemento espiritual e que os Espíritos que lhe foram ao encontro se achavam nas mesmas condições. Daí resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava às condições transitórias, mas obscurecidas, de seus Espíritos.
De outro ponto de vista, notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma ter sofrido a prova da “visão panorâmica” de seu passado, prova que, neste caso, em vez de se desenrolar espontaneamente, em conseqüência de uma superexcitação sui generis das faculdades mnemônicas (superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem os psicologistas), pareceria antes provocada pelos “guias” espirituais, com o fim de predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de “exame de consciência”. Esta interpretação do fenômeno ressaltará muito mais claramente de alguns dos casos que se vão seguir.
Notarei, finalmente, que este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante de “bilocação” no leito de morte, seguido do fenômeno consistente na situação que durante algum tempo o Espírito desencarnado conservou, pairando por cima do cadáver. Freqüentes incidentes análogos se encontrarão nas comunicações da mesma natureza; com mais freqüência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de episódios deste gênero, a começar dos que foram descritos pelo famoso vidente Andrew Jackson Davis e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev. William Stainton Moses e à governanta inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy Snell, que ultimamente assistiu à produção de fenômenos desta espécie durante uns vinte anos. Ora, quem não vê que o fato das afirmações de videntes, concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritos desencarnados, têm inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente? E também, com relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente, ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da existência de tais fenômenos e da maneira pela qual se produzem no leito de morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, ao começo do movimento espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância o médium e os assistentes ignoravam tudo o que concerne aos fenômenos de bilocação em geral e, sobretudo, à maneira pela qual se dão com os moribundos.
Terceiro caso
Reproduzo um último caso de data antiga, que extraio do livro do Dr. Wolfe, Starling Facts in Modern Spiritualism (pág. 388). “Jim Nolan”, o “Espírito-guia” do célebre médium Sr. Hollis, que disse e demonstrou ter sido soldado no curso da Guerra de Secessão da América e haver morrido de tifo num hospital militar, responde da maneira seguinte às perguntas de um experimentador:
“P. – Que impressão tiveste da tua primeira entrada no mundo espiritual?
R. – Parecia-me que despertava de um sono, com um pouco de atordoamento a mais. Já não me sentia enfermo e isso me espantava grandemente. Tinha uma vaga suspeita de que alguma coisa estranha se passara, todavia não sabia definir o que se tratava. Meu corpo se achava estendido no leito de campanha e eu o via. Dizia de mim para mim: “Que estranho fenômeno!” Olhei ao meu derredor e vi três de meus camaradas mortos nas trincheiras diante de Vicksburg e que eu enterrara. Entretanto, ali estavam na minha presença! Olhavam a sorrir. Então, um dos três me saudou, dizendo:
– Bom-dia, Jim; também és dos nossos?
– Sou dos vossos? Que queres dizer?
– Mas... que te achas aqui, conosco, no mundo dos Espíritos. Não te apercebestes disto? É um meio onde se está bem.
Estas palavras eram muito fortes para mim. Fui presa de violenta emoção e exclamei:
– Meu Deus! Que dizes! Estou morto?
– Não; estás mais vivo do que nunca, Jim; porém te achas no mundo dos Espíritos. Para te convenceres, não tens mais do que atentar no teu corpo.
Com efeito, meu corpo jazia, inanimado, diante de mim, sobre a tarimba. Como, pois, contestar o fato? Pouco depois, chegaram dois homens que colocaram meu cadáver numa prancha e o transportaram para perto de um carro; neste o meteram, subiram à boléia e partiram. Acompanhei então o carro, que parou à borda de um fosso, onde o meu cadáver foi arriado e enterrado. Fora eu o único assistente do meu enterro...
P. – Quais as sensações que experimentaste na crise da morte?
R. – A que se experimenta quando o sono se apodera da gente, mas deixando que ainda se possa lembrar de alguma idéia que tenha tido antes do sono. A gente, porém, não se lembra do momento exato em que foi tomado pelo sono. É o que se dá por ocasião da morte. Mas, um pouco antes da crise fatal, minha mente se tornara muito ativa; lembrei-me subitamente de todos os acontecimentos da minha vida; vi e ouvi tudo que fizera, dissera, pensara, todas as coisas a que estivera associado. Lembrei-me até dos jogos e brincadeiras do campo militar; gozei-os, como quando deles participei.
P. – Conta-nos as tuas primeiras impressões no mundo espiritual.
R. – Ia dizer-vos que os meus bons amigos soldados não mais me abandonaram, desde que desencarnei até o momento em que fiz a minha entrada no mundo espiritual; lá, tinha eu avós, irmãos e irmãs, que, entretanto, não me vieram receber quando desencarnei. Ao entrar no mundo espiritual, parecia-me caminhar sobre um terreno sólido e vi que ao meu encontro vinha uma velha, que me dirigiu a palavra assim:
– Jim, então vieste para onde estávamos?
Olhei-a atentamente e exclamei:
– Ó avozinha, és tu?
– Sou eu mesma, meu caro Jim. Vem comigo.
E me levou para longe dali, para sua morada. Uma vez lá, disse-me ser necessário que eu repousasse e dormisse. Deitei-me e dormi longamente...
P. – A morada de que falas tinha o aspecto de uma casa?
R. – Certamente. No mundo dos Espíritos, há a força do pensamento, por meio do qual se podem criar todas as comodidades desejáveis...”
Esta última informação, que, no caso de que se trata, remonta a setenta anos atrás, não é apenas um dos detalhes fundamentais a cujo respeito todos os Espíritos estão de acordo; é também a “chave de abóbada” que permite explicar, resolver, justificar todas as informações e descrições aparentemente absurdas, incríveis, ridículas, dadas pelos Espíritos que se comunicam, a propósito da vida espiritual. Em outras obras, já por mim publicadas, tive que me deter longamente sobre este tema muito importante; limitar-me-ei desta vez, pois, a nele tocar, na medida do estritamente necessário.
Esta grande verdade, que nos foi comunicada pelos Espíritos, permite resolvamos uma imensidade de questões teóricas, obscuras, determinadas pelos informes que hão dado as personalidades mediúnicas, relativamente ao meio espiritual, às formas que os Espíritos revestem, às modalidades da existência deles; todas as informações que constituem uma reprodução exata, ainda que espiritualizada, do meio terrestre, da humanidade, das modalidades da existência neste mundo. Essa grande verdade, que resolve todos os enigmas teóricos em questão e que se funda no poder criador do pensamento no meio espiritual, é confirmada de modo impressionante por fatos que se desenrolam no meio terrestre. Trata-se, com efeito, disto: o pensamento e a vontade, mesmo na existência encarnada, são suscetíveis de criar e de objetivar as formas concretas das coisas pensadas e desejadas, do mesmo modo que este fenômeno se realiza no meio espiritual, embora no meio terrestre semelhante criação não se dê senão por intermédio de alguns sensitivos especiais. Aludo aos fenômenos de “fotografias do pensamento” ou de “ideoplastia”, fenômenos maravilhosos, aos quais consagrei recentemente um longo estudo, em que demonstrava, citando fatos, a realidade incontestável e o desenvolvimento prodigioso deles.
Vemos, pois, que, já no mundo dos vivos, o pensamento e a vontade manifestam o poder de se objetivarem e concretizarem numa forma mais ou menos substancial e permanente, ainda que, na existência encarnada, isto se produza sem objetivo e unicamente com o concurso de sensitivos que se achem em condições fisiológicas mais ou menos anormais, correspondendo a estados mais ou menos adiantados de desencarnação parcial do Espírito. Sendo assim, dever-se-ia logicamente concluir daí que, quando a desencarnação do Espírito já não estiver apenas em início e não for transitória, mas total e definitiva, só então as faculdades de que se trata chegarão a manifestar-se em seu completo desdobramento e, dessa vez, normalmente, praticamente e utilmente. Ora, é precisamente o que afirmam as personalidades mediúnicas que se comunicam. Cumpre, portanto, se reconheça que as revelações transcendentais, concernentes às modalidades da existência espiritual, confirmam a posteriori o que se devera logicamente inferir a priori, em conseqüência da descoberta de que o pensamento e a vontade são forças que possuem o poder maravilhoso de modelar e organizar, faculdades que, todavia, não se manifestam senão de maneira esporádica e sem objetivo, no meio terrestre.
Duas palavras ainda acerca de outra circunstância, a de personalidades mediúnicas afirmarem que essas condições de existência espiritual são transitórias e entendem exclusivamente com a esfera mais próxima do mundo terrestre, isto é, com a que se destina aos Espíritos recém-chegados. Esta circunstância não serve só para justificar inteiramente aquelas condições de existência; prova também a razão de ser providencial de tais condições. Imagine-se, com efeito, que sensação de desolação e de desorientação não experimentaria a maior parte dos mortos se, logo depois do instante da morte, houvessem de ver-se bruscamente despojados da forma humana e lançados num meio espiritual essencialmente diverso daquele onde se lhes formaram as individualidades, a que ainda se encontram ligados por uma delicada trama de sentimentos afetivos, de paixões, de aspirações, que se não poderia romper de súbito, sem os levar ao desespero, e onde, sobretudo, se encontra o meio doméstico que lhes é próprio, constituído por um mundo de satisfações temporais e espirituais, de todas as espécies, que contribuem cumulativamente para criar o que se chama “a alegria de viver”. Se imaginarmos tudo isso, teremos de reconhecer racional e providencial que um ciclo de existência preparatória passe entre a existência encarnada e a de “puro Espírito”, de maneira a conciliar a natureza, por demais terrestre, do Espírito desencarnado, com a natureza, da existência espiritual propriamente dita.
O poder criador do pensamento seria de molde a obviar maravilhosamente a este inconveniente; o Espírito, pensando numa forma humana, se encontraria de novo em forma humana; pensando em estar vestido, achar-se-ia coberto de vestes que, sendo tão etéreas como o seu próprio corpo, lhe pareceriam tão substanciais como as vestes terrenas. É assim que o Espírito encontraria novamente, no mundo espiritual, um meio e uma morada correspondentes a seus hábitos terrestres, morada que lhe preparariam os seus familiares, tornados antes dele à existência espiritual. Como se há podido ver no caso que acabo de referir, é a avó do defunto que estaria encarregada de conduzir o neto à morada que o havia de receber. A este respeito, deve-se notar que, quando o Espírito “Jim Nolan” narra ter visto que uma velha vinha ao seu encontro, fora preciso subentender-se que a avó revestira temporariamente sua antiga forma terrena, para ser reconhecida.
Deter-me-ei aí, para me não estender demais nos comentários deste fato; os pontos obscuros, de importância secundária, que ficam sem solução nas considerações precedentes, serão sucessivamente assinalados e explicados, à medida que, nos casos que ainda vão ser citados, se oferecer ocasião.
Com relação ao incidente da “visão panorâmica” que o Espírito “Jim Nolan” relata, observarei que, desta vez, o fenômeno se desdobrou sob a forma de “recapitulação de lembranças”, mais do que sob a de uma “visão panorâmica” propriamente dita. Isto, naturalmente, em nada muda os termos do problema psicológico a ser resolvido. Daí apenas resultaria que o morto, em vez de pertencer ao que se chama em linguagem psicológica “o tipo visual”, pertencia ao tipo especialmente “auditivo-mental”.
Quarto caso
Passemos agora a casos mais recentes. Começarei por um fato tirado da obra de Mrs. Jessie Platts, The Witness. Trata-se de uma coleção de comunicações mediúnicas muito interessantes, obtidas graças à mediunidade da própria Mrs. J. Platts, viúva do Rev. Charles Platts, que teve a infelicidade de perder seus dois filhos na grande guerra. As comunicações publicadas provêm do filho mais moço, Tiny, rapaz de 18 anos apenas, morto quando combatia na frente francesa, em abril de 1917, e que se comunicou psicograficamente, mercê da mediunidade improvisada de sua mãe, no ano seguinte, quando a guerra continuava mais terrível do que nunca. Forneceu provas diretas e indiretas de sua identidade pessoal. As diretas consistiam nisto: anunciava à sua mãe a entrada, no mundo espiritual, de outros Espíritos de militares, mortos em combate naquele momento; depois de alguns dias, vinham efetivamente notícias oficiais da morte desses mesmos combatentes. Informara ele, a sua mãe, de que servia de simples instrumento transmissor de ensinos que lhe confiava um Espírito missionário, o qual, quando vivo, fora um eclesiástico de nome Padre Hilarion. Ora, Mrs. Platts ignorava que essa personagem houvesse realmente existido. Chegou a verificá-lo, documentando-se a respeito. Isto dito, a fim de pôr em plena luz o valor das mensagens em questão, entro a referir a passagem que concerne à chegada do filho da Sra. Platts ao meio espiritual. Eis o que ele escreveu:
“Os seres que vivem no meio terrestre muito têm que aprender acerca do estado que os espera depois da morte, isto é, do instante em que o Espírito se destaca do organismo corporal. É-me permitido falar-te disso rapidamente nesta mensagem. Começo por dizer que não haverá dois Espíritos desencarnados que tenham de passar pela mesma experiência a tal respeito. Entretanto, essas experiências variadas apresentam uma circunstância comum: é que todos os Espíritos imaginam a princípio estar ainda entre os vivos e os que atravessaram uma agonia de sofrimentos ficam profundamente surpreendidos de se acharem curados de súbito. Tal é a alegria que experimentam, que julgo ser essa a impressão mais forte que se possa sentir, depois da crise da morte. Quando morri, ou, mais exatamente, quando meu corpo morreu, eu me julgava mais vivo do que nunca e esperava receber ordem de um novo pulo para frente (ao ser ferido pelo projétil que me matou, estávamos separados do nosso regimento e tentávamos, com grandes precauções, pôr-nos de novo em contato com ele).
Algumas vezes, os Espíritos desencarnados, ao se acharem sós num meio desconhecido, são tomados de grande pavor; mas isso só se dá com os que em vida foram profundamente egoístas e nunca dirigiram seu pensamento a Deus. Contudo, em chegando o momento, esses Espíritos são ajudados e animados, a sua vez, por seus “Espíritos-guias”, mas preciso lhes é, primeiro, adquirirem uma espiritualidade suficiente, para se acharem em condições de perceber os “Espíritos-guias”.
Quase todos os desencarnados passam por um período de sono reparador, que pode durar um dia ou dois, como pode durar semanas e meses; isto depende das circunstâncias em que morreram. No meu caso, eu fora morto de maneira fulminante, não sofrera, não passara por enfermidades exaurentes; apesar disso, porém, estive mergulhado no sono durante cerca de uma semana, porque, tendo sido súbita a minha morte, meu “corpo fluídico” fora bruscamente arrancado do “corpo somático”, com um contragolpe sensível sobre o primeiro.
Quando, entre os Espíritos recém-chegados, há os que se encontrem ligados por vivas afeições a outros Espíritos desencarnados algum tempo antes, estes últimos lhes acorrem ao encontro, antes que passem pela fase do sono reparador. Não se pode imaginar ventura maior do que a desses encontros no meio espiritual, após longas separações que pareciam definitivas. Se bem os Espíritos saibam que terão de separar-se ainda por certo tempo, não o lamentam, por estarem cientes de que estas separações já não serão quais as anteriores. E, quando os Espíritos recém-chegados despertam do sono reparador, seus “guias” intervêm, para informá-los do adestramento espiritual que a cada um se acha reservado.”
A narração que precede é especialmente interessante, porque resume em duas páginas as modalidades essenciais em que se desenrola normalmente a crise da morte, para a grande maioria dos vivos, modalidades que, no entanto, variam enormemente nos casos extremos de personalidades de vivos que desencarnam em condições muito evolvidas, ou muito degradadas, de espiritualidade.
Assinalarei também a concordância habitual, relativa ao detalhe fundamental dos Espíritos desencarnados que não sabem já terem morrido, concordância que se renova invariavelmente (salvo alguns casos que confirmam a regra) desde o despontar do movimento espiritual e que é teoricamente muito notável, dada a sua singularidade, que exclui a hipótese dos “romances subliminais”. Com efeito, não se pode admitir que uma personificação subconsciente, derivação absoluta do consciente, forje informações que contrastem inteiramente com o que a esse respeito julgue a consciência normal. Não se poderia admitir tampouco que centenas de personalidades mistificadoras desta espécie se encontrem acordes fortuitamente na invenção das mesmas informações fantasistas, contrárias às vistas da razão humana. Pois que se obtêm, mediunicamente, tantos detalhes concordantes, acerca de circunstâncias que parecem inverossímeis à mentalidade dos vivos, e pois que esses detalhes são obtidos por intermédio de sensitivos que não podiam imaginá-los conscientemente e que ignoravam que revelações análogas haviam sido consignadas por outros experimentadores, logicamente se deve daí inferir que só uma explicação pode existir para o fato: a de que os detalhes ministrados pelas personalidades espirituais concordam entre si, porque provêm de uma causa única: a observação direta. Em outros termos: se todas as personalidades mediúnicas descrevem as mesmas condições de meio espiritual, com os mesmos detalhes, fundamentais e secundários, e com os mesmos relevos de fundo, isso demonstra que as condições de meio assim descritas são autenticamente espirituais, ao mesmo tempo que objetivas, permanentes, reais, absolutamente reais.
Outro detalhe fundamental, inteiramente concordante em todas as revelações transcendentais, é o que se refere às fases de sono reparador, a que estariam sujeitos todos os Espíritos recém-chegados ao mundo espiritual. Todas combinam, até na indicação das causas que tornariam necessário esse período de repouso absoluto do Espírito.
Notarei ainda que as revelações concordam todas, admiravelmente, acerca de outro detalhe secundário, contido nessa mesma mensagem e, precisamente, no trecho onde se alude ao insulamento em que se achariam os Espíritos que, durante a vida terrena, se mostraram profundamente egoístas, insulamento determinado pela imperfeição, neles, da faculdade de percepção espiritual, imperfeição que seria uma conseqüência inevitável do estado rudimentar em que se lhes encontra a espiritualidade. Seguir-se-ia que este insulamento não poderia ter fim, senão quando os Espíritos hajam adquirido uma espiritualidade suficiente para estarem em condições de perceber a presença de “Espíritos-guias”. Este último dado, posto incidentemente na mensagem com que nos ocupamos, é teoricamente importante, pois concorda com todos os ensinamentos ministrados a tal respeito por numerosas outras personalidades mediúnicas, que nos ensinam que os Espíritos inferiores não podem perceber os que pertencem às hierarquias superiores. Repito que as concordâncias referentes aos detalhes secundários são sempre teórica e progressivamente mais importantes à medida que os detalhes parecem de natureza mais vulgar ou mais estranha. São esses detalhes que provocam a maior surpresa no investigador que trata de comparar entre si as diversas coleções de revelações transcendentais.
Finalmente, importa não esquecer o que o Espírito, de quem vem a mensagem, afirmou primeiramente – sempre de perfeito acordo com os outros –, isto é, que não há duas personalidades espirituais que tenham de atravessar as mesmas experiências, após a crise da morte. Esta afirmação é absolutamente racional. Com efeito, se no mundo dos vivos não pode haver duas individualidades que pensem absolutamente da mesma maneira; se, pela “lei de afinidade”, todo Espírito gravita no plano espiritual que lhe é próprio; e se o pensamento de cada Espírito cria o seu meio objetivo e subjetivo, é certo que não pode haver duas personalidades desencarnadas que devam passar pelas mesmas vicissitudes espirituais. Daí resulta que o ensino de que se trata explica perfeitamente muitas pretendidas contradições das revelações transcendentais, que cumpre se atribuam à variedade infinita dos temperamentos individuais, combinados com os diferentes graus de evolução alcançados no meio terrestre por cada personalidade humana.
Termino lembrando que Mrs. Jessie Platts foi levada a cogitar de pesquisas mediúnicas e a tentar escreve automaticamente, pela morte de seus dois filhos na guerra. Ela, pois, nada conhecia – ou mito pouco – das doutrinas espíritas e tudo ignorava acerca do conteúdo das outras coleções de revelações transcendentais.
Quinto caso
A narração seguinte é tirada de uma preciosa coleção de “revelações transcendentais” intitulada The Morrow of Death by Amicus, devida à mediunidade de um particular, o Sr. Ernest H. Peckam. A entidade que se comunicava, designada aqui pelo pseudônimo de “Amicus”, conforme o desejo por ela mesma expresso, fora, em vida, o Reverendo A. K. Stockwell, morto havia mais de quarenta anos.
Depois de dar provas suficientes de identificação pessoal, ele se consagrou inteiramente à sua missão, que consistia em transmitir aos vivos os ensinos com que aqui nos ocupamos e que formam uma exposição admirável, se bem que sumária, das modalidades da existência espiritual. Relata da maneira seguinte as suas primeiras impressões a esse respeito:
“Quando me achava no mundo dos vivos, jamais cheguei a conceber a existência de além-túmulo. Tinha sobre isso idéias confusas e incertas, que, entretanto, giravam em torno das concepções habituais de um “paraíso” reservado aos que conseguiam “salvar-se” e de um “inferno” pronto a tragar os “maus”. No meu tempo, geralmente se ignorava a possibilidade da comunicação com os Espíritos dos mortos. Não havia, pois, mais do que arquitetar teorias e ter fé em Deus. Era a fé que eu tinha.
Nessas condições, inútil é dizer-te que, quando me encontrei no mundo espiritual, fiquei profundamente admirado em face da realidade. Vi-me acolhido, reconfortado e ajudado por pessoas que eu conhecera na Terra e que me precederam na grande viagem. Mas, o que constituiu para mim a alegria daquela hora foi o encontrar-me com a querida companheira de toda a minha existência, a qual logo se pôs a prodigalizar-me, no meio espiritual, as dedicadas atenções e as ternuras afetuosas que me dispensava no meio terrestre. Meus primeiros passos na morada celeste foram vigiados por esse afeiçoado guia. Posso, pois, afirmar que a minha primeira impressão no mundo espiritual foi a prova de que a estima e o devotamento da minha companheira não se haviam enfraquecido, em conseqüência de sua morte, porquanto se renovaram para comigo com toda a comovente espontaneidade que os caracterizava no meio terrestre. Eu sentia que efetivamente voltara à doce vida familiar do período mais ditoso da minha existência; porém, dessa vez, gozava mais a felicidade, por efeito da alegria suprema da reunião celeste, depois da longa separação terrena.
Observarei a esse respeito que a narração do que experimentei não é mais do que um episódio normal do que toda gente experimenta no meio espiritual; a morte não pode suprimir a afeição, nem impedir a reunião de duas almas que se amaram na Terra. Naturalmente, o nosso afeto recíproco tinha por fundamento muitas qualidades espirituais que nos eram comuns. Nada obstante, nestes últimos tempos, o caminho que conduz à nossa elevação espiritual se bifurcou; ambos, porém, nos sentimos ditosos por ser assim.
Uma das primeiras descobertas que fiz, depois da morte, foi a de mim mesmo. A minha verdadeira individualidade se desdobrou ante os meus olhos, em toda a crueza de suas cores, revelação esta que precisamente não me foi lisonjeira...
... O processo da morte física e do renascimento espiritual é muito interessante e mesmo belo. Normalmente, a partir do instante em que começa a cessação das funções corporais – processo que pode durar longo tempo – os sofrimentos físicos e as ansiedades do Espírito cessam e ele passa gradualmente a condições de inconsciência absoluta. Porém, uma vez transposta a crise da morte, opera-se o pleno despertar da consciência; o morto renasce então para uma existência nova e começa logo a exercitar a sua atividade em o novo meio. Sempre acontece que, providencialmente, o Espírito desencarnado não se apercebe de que morre; às vezes, quando o nota muito depressa, fica terrivelmente transtornado, especialmente se a morte cortou laços afetivos muito fortes... Mas, não chega ao meio espiritual como um desamparado; quase nunca fica entregue a si mesmo: todos os Espíritos, quase sem exceção, quando saem da crise da morte, são acolhidos pelos guias mais bem indicados para os reconfortar, aconselhar e assistir...
Porém, onde vem a encontrar-se o Espírito recém-nascido? Eis a resposta: entrou no estado de existência que lhe era o único possível, dadas suas condições morais, intelectuais, espirituais. O meio que o recebe é determinado pelo grau de espiritualidade em que ele se acha. Através da morte, ganha a morada espiritual que preparou para si mesmo; não pode ir a nenhuma outra parte. São as suas qualificações espirituais que o fazem gravitar, com uma precisão infalível, para as condições de existência que correspondem matematicamente a seus méritos e deméritos. A grande “lei de afinidade” regula o processus, que é inexorável. O homem, depois da morte, vai para o meio que para si próprio preparou; não poderia ser de outro modo. Junta-se aos que se lhe assemelham; gravita para as legiões espirituais entre as quais se achará inteiramente à vontade, como em seu próprio meio, como em sua casa. Sua futura morada está no círculo da sua alma; seus companheiros espirituais são os seres que se lhe assemelham. Em outros termos: o Espírito desencarnado, por efeito da lei benfazeja e justa da “afinidade”, graças à qual “cada um atrai o seu semelhante”, gravita para o meio único que se pode adaptar às suas condições de evolução espiritual, de elevação moral, de cultura intelectual, conforme ele próprio as criou pela sua atividade terrestre. Vai para onde tem forçosamente que ir.
Bom é que agora te diga duas palavras sobre a natureza da substância empregada para as construções, ou criações, no meio espiritual, assim como sobre os métodos usados. O nosso mundo é o do pensamento; tudo o que nele se vê, toca e utiliza é uma criação do pensamento. O nosso corpo espiritual é uma criação substancial do pensamento; é do nosso próprio corpo que, sem nenhum prejuízo para a nossa individualidade, exteriorizamos o que nos é necessário ao exercício da nossa atividade objetiva. Em torno de nós tomam forma as criações do nosso pensamento, que se fundem e harmonizam com as criações dos pensamentos dos outros. Entre essas criações, algumas são exteriorizações inconscientes do pensamento espiritual; outras, ao contrário, provêm da força criadora do pensamento, guiada pela vontade, para determinados fins. Somos seres construídos de pensamento, existindo em um mundo criado pelo pensamento, e tudo o que desejamos, tudo o que fazemos é pelo dinamismo do pensamento. Naturalmente, os que vivem no meio terrestre, tão radicalmente diferente do nosso, têm dificuldade de compreender, ou mesmo de crer nessas revelações. Entretanto, afirmo-te que os processus funcionais de que acabo de te falar são muito simples, muito naturais e espantosamente eficazes... Esses ensinos espirituais que agora apenas começamos a dar aos vivos constituem uma das muitíssimas coisas a cujo respeito Jesus, o Nazareno, afirmou que “aquela geração e aquela época não estavam maduras para as receber.” [1]
A propósito da interessante mensagem que se acaba de ler e em apoio da tese essencial que sustento, importa insistir sobre o fato de que, na mensagem em questão, se notam as habituais, infalíveis concordâncias, relativamente a grande número de detalhes fundamentais, concernentes às modalidades da existência espiritual, a saber: a informação de que os Espíritos dos mortos, salvo algumas raras exceções, são acolhidos e reconfortados por familiares e amigos que os precederam no meio espiritual; a informação de haver o Espírito que se comunica passado pela prova da “visão panorâmica” de todos os acontecimentos da sua vida; a informação sobre os Espíritos recém-chegados, que não se apercebem de que morreram; a informação sobre a faculdade de modelar e organizar, própria do pensamento no meio espiritual; enfim, a informação sobre a “lei de afinidade”, que regula inexoravelmente os destinos humanos, sem a intervenção de um Juiz Supremo a condenar ou absolver cada Espírito desencarnado.
Entre os detalhes secundários, que ainda não tive ocasião de comentar, assinalemos o do Espírito dizer que, malgrado a viva afeição que o prende ao Espírito da sua companheira, chegara para eles o momento em que “o caminho que os conduzia à elevação espiritual se ia bifurcar”, mas que, no entanto, ambos se sentiam ditosos por se separarem. Esse detalhe, que concorda com outro análogo, constante do 4º caso, é teoricamente importante, porque se apresenta de maneira completamente inesperada, para se não poder admitir que a circunstância de se encontrarem muitos médiuns que o relatam deva ser atribuída a uma série de “coincidências fortuitas”. Observarei que alguns dos Espíritos que o hão relatado têm tido o cuidado de completá-lo, dizendo que, se os Espíritos ligados um ao outro por viva afeição se separam sem nenhum pesar, isso se dá por duas razões: primeiro, porque sabem que a separação é necessária à sua recíproca elevação espiritual, que não pode deixar de ser mais ou menos diversamente orientada, para cada entidade espiritual, segundo a natureza de cada individualidade humana; depois, porque os Espíritos ligados pela afeição sabem que, sempre que desejarem ver-se, não precisam senão manifestar a vontade de que esse fato se dê para instantaneamente se acharem juntos.
Sexto caso
Extraio a seguinte mensagem de um precioso volumezinho de revelações transcendentais, devido à mediunidade da Sra. E. B. Duffey, intitulado Heaven Revised. Seu valor pode ser deduzido do fato de que, em alguns anos, a obra atingiu a sua décima edição e foi recentemente publicada em forma popular, isto é, numa edição de enorme tiragem e a preço muito reduzido. A Sra. Duffey, que é de espírito muito cultivado, se tornou médium escrevente e escreveu as mensagens de que se trata, quando apenas havia pouco tempo que se interessava pelas pesquisas mediúnicas, quando, por conseguinte, ainda nada lera, ou muito pouco, sobre doutrinas espíritas. Convém insistir neste ponto, tanto mais quanto, nesta monografia, em que somente me ocupo com o grupo inicial das fases da vida de além-túmulo, não me será possível fazer ressaltar eficazmente o grande valor da circunstância de serem numerosos os médiuns que, como a Sra. Duffey, escreveram suas mensagens quando mal acabavam de iniciar-se nas novas pesquisas e, às vezes, quando ainda tudo ignoravam sobre o assunto. Com efeito, entre os médiuns autores de mensagens transcendentais concordantes com as de outros, alguns se encontram cuja mediunidade se revelou ao experimentarem escrever automaticamente, em obediência a conselho de terceiras pessoas. Tudo isto leva logicamente a deduzir-se que, se também os médiuns improvisados, embora tudo ignorando, escrevem mensagens que concordam admiravelmente com as outras, no tocante à descrição dos detalhes fundamentais, dos detalhes secundários, dos relevos substanciais do meio e da existência espirituais, não se pode explicar o fato sem que se reconheça que tudo isso se produz porque as personalidades que se comunicam são efetivamente Espíritos de mortos e que, portanto, tiram suas descrições e seus informes de um meio real, permanente, objetivo, comum a todos.
Aqui está como a Sra. Duffey descreve a maneira pela qual obteve as mensagens que publicou:
“Se eu houvesse escrito um ditado, não teria podido conhecer menos do que conhecia pela minha mão a escrever. Por outro lado, é certo que não assimilara subconscientemente as mensagens que escrevi, haurindo-as em fontes de natureza análoga. Com efeito, quando as escrevi, ainda muito pouco ouvira falar dessas questões e ainda menos havia lido a respeito. Convertera-me às novas idéias fazia apenas um ano; muitas vezes, quando lia o que vinha de escrever, embaraçada me sentia e perplexa, temendo que o que havia escrito não estivesse de acordo com as doutrinas espíritas. Esse sentimento de embaraço se tornou particularmente forte, a propósito do capítulo intitulado No abismo. Durante todo o tempo em que me foram ditadas as mensagens (cerca de quatro meses), vivi num estado permanente de sonho. Nada do que me cercava ou acontecia me parecia real; até as preocupações de natureza material, que me assaltaram nessa época, não tiveram o dom de afligir-me. Sentia-me como se estivesse sob a influência de poderoso anestésico moral. Foi num sábado à tarde que acabaram de me ditar as mensagens. Na noite de domingo, fiz um breve discurso na nossa Sociedade espiritualista. Na segunda-feira de manhã, despertei pela primeira vez na plena posse da minha personalidade normal. Recuperara, enfim, a capacidade de agir com eficácia ordinária na vida prática de cada dia.”
Estas informações da Sra. Duffey são teoricamente interessantes, porquanto demonstram que, durante todo o tempo em que foram escritas as comunicações transcendentais, o médium permanecera em condições de “sonambulismo no estado de vigília”, como acontecia em circunstâncias análogas ao célebre vidente americano Andrew Jackson Davis. Em outros termos: isto provaria que o órgão cerebral do médium foi submetido, durante todo aquele período de tempo, a uma disciplina de possessão parcial, exercida pela entidade que se comunicava. Esta manifestamente se propusera a eliminar assim o perigo da emergência esporádica de interferências subconscientes, que teriam podido interpolar-se às mensagens, interferências que só muito dificilmente se pudera evitar, desde que o médium, entre duas mensagens, remergulhasse nas preocupações da vida cotidiana.
Ora, se levarmos em conta esta sugestiva circunstância, junto à outra do médium tudo ignorar das doutrinas espíritas, havemos de convir em que, no caso de que se trata, somos conduzidos logicamente a admitir uma origem estranha ao médium, ou espírita, para as revelações transcendentais obtidas. Assim sendo, estas conclusões deverão estender-se ao conjunto das revelações transcendentais, pois que as mensagens da Sra. Duffey concordam admiravelmente com o que se contém em todas as outras revelações desta espécie. É fora de dúvida que a lógica rigorosa permitiria concluir no sentido que indiquei, mesmo que não houvesse mais que um caso análogo ao precedente.
De fato, no caso com que nos ocupamos, não se trata de simples concordâncias acerca de algumas informações banais, que se possam legitimamente atribuir a “coincidências fortuitas”; trata-se, ao contrário, de um conjunto orgânico, muito complicado, de concordâncias muito diferentes, grandes e pequenas, freqüentemente estranhas e inesperadas, em contraste com as tradições religiosas assimiladas no curso da infância e da adolescência por toda a humanidade cristã.
Depois deste preâmbulo, extenso mas necessário, passo à reprodução de algumas páginas da narração ditada pela personalidade que se comunicava e referente ao processus de sua desencarnação. Essa personalidade, no curso de sua existência terrestre, fora conhecida do médium. Era uma senhora distinta e de espírito muito culto, cujas opiniões foram, durante longo tempo, as de um livre-pensador, em matéria de religião, porém que se tornara espírita convencida nos últimos anos de sua vida. Eis o que ela escreve, falando de si mesma:
“Eu sabia que ia morrer, mas não temia a morte, não fremia a essa idéia. Desde muito tempo, os terrores da ortodoxia haviam perdido toda a eficácia para minha alma; sentia-me pronta a afrontar a inevitável crise com uma serenidade filosófica. Acrescentarei mesmo que havia alguma coisa de mais em meu estado d’alma, pois que me dispunha a observar e analisar, com o interesse de uma pesquisadora, a lenta aproximação do grande momento. Não queria perder essa suprema ocasião de adquirir conhecimentos psicológicos que escapam às investigações da Ciência. Conservei-me, pois, como espectadora impassível dos lentos progressos da minha agonia, esperando poder comunicar mais tarde, aos assistentes, minhas observações e prestar assim um último serviço à humanidade: o de dissipar o terror que a hora fatal produz em toda a gente.
Parecia que o meio terrestre se afastava em torno de mim; sentia-me como que a flutuar fora do corpo, num desconhecido meio de existência. Não se deu comigo nada do que eu julgava dever experimentar durante a crise da morte. Assim, por exemplo, lera descrições interessantes acerca de uma espécie de “epílogo da morte”, que nasceria da mentalidade dos moribundos, em conseqüência do qual todos os acontecimentos de suas vidas lhes passariam diante da visão subjetiva. Nada disso se verificou comigo: não me sentia atraída nem pelo passado, nem pelo futuro. Um só pensamento e um só sentimento me dominavam a consciência; os das pessoas que eu amava e das quais me ia separar. Entretanto, jamais me considerara uma mulher excessivamente terna; levava minha razão a dominar todas as impulsões e todas as emoções. Julgo até que esse domínio de mim mesma exerceu influência muito favorável sobre o rendimento eficaz da atividade de minha vida. Contudo, nessa hora suprema, a afeição me pareceu o cúmulo e a substância de tudo o que há de apreciável na existência...
Esse estado de vigília atenta sobre a aproximação da morte acabou por me esgotar e, pouco a pouco, uma suave sonolência me invadiu. Era mesmo tão suave, de tal modo me repousava que, no curso desse período de semi-inconsciência, que precede ao estado de inconsciência total, eu refletia sobre o fato de somente duas vezes na minha existência haver experimentado sensação análoga de sonolência deliciosa...
Despertei, experimentando quase um sentimento de remorso, como acontece quando alguém se apercebe de ter dormido demais, além das conveniências sociais. Esse despertar me pareceu ainda mais doce do que o período que precedera o sono. Não cuidava de abrir os olhos, permanecia a gozar daquela sensação de paz e de serenidade, que em vão desejara tantas vezes, no correr da minha existência tão provada. Como era delicioso! Que perfeito era aquele sentimento de paz! Oh! se ele pudesse durar eternamente! De toda sorte, sentia-me bem, o que me mostrava que, afinal de contas, ainda não estava a ponto de morrer. Teria então que me submeter de novo à antiga servidão, conhecer outra vez o aborrecimento, a inquietação da existência?
Súbito, ouvi algumas pessoas que conversavam à meia voz no quarto ao lado. Ouvindo, nitidamente, pela porta aberta, o que diziam, não lograva apanhar o sentido da conversação em que se achavam empenhadas. Porém, despertando mais, cheguei a perceber um dito que me prendeu a atenção, se bem não lhe ligasse muita importância. Eis a frase em questão:
– “Não duvido de que ela o fizesse com boa intenção; aliás, era tão excêntrica!”
A outra voz respondeu: – “Sim, muito excêntrica e também obstinada nos seus caprichos.”
A primeira replicou: – “Foi muito experimentada pela infelicidade, mas também cumpre se reconheça que foi quase sempre a causadora de seus próprios infortúnios. É o que acontece as mais das vezes.”
– “Sem dúvida. Por exemplo, sei perfeitamente...”
E seguiu-se a narrativa, grotescamente desfigurada, de alguns incidentes da minha vida.
Eu estava surpresa: falavam de mim e falavam empregando o verbo no imperfeito: “Ela era...” Que queriam dizer? Julgar-me-iam morta? Veio-me a idéia de que aquelas pessoas poderiam pensar mais tarde que eu fingia estar morta para lhes ouvir a conversação confidencial a meu respeito. Dei-me por isso pressa em chamar uma das minhas amigas, para lhe certificar que eu ainda vivia e me sentia muito melhor... Elas, porém, não se aperceberam do meu chamado e continuaram a conversar sem se interromperem. Chamei de novo, em voz mais alta, porém sempre em vão. Sentia-me tão bem de corpo e de espírito, que me decidi a lhes interromper as imprudentes apreciações, apresentando-me diante delas no outro quarto... Mas... que havia? Fiquei um instante presa de terror, ou de qualquer coisa semelhante. Que manequim era aquele que alguém deitara na minha cama, onde, entretanto, eu devera estar, muito gravemente enferma, o qual jazia rígido em meu lugar e com o rosto lívido, absolutamente idêntico a um cadáver no leito de morte? Eu o via de perfil; tinha os braços cruzados sobre o peito, as pernas rigidamente estendidas, as pontas dos pés viradas para cima. Sobre ele, um pano branco se achava desdobrado. Mas, coisa estranha! eu o distinguia igualmente debaixo do pano e reconhecia naquele manequim os meus traços! Meu Deus! Estava então realmente morta? Enorme sensação me assaltou, que parecia abalar-me no mais profundo da alma. Só então foi que todo o meu passado emergiu de um jato e me invadiu, como grande onda, a consciência. Tudo o que me haviam ensinado, tudo o que eu temera, tudo o que esperava com relação à grande passagem da morte e à existência espiritual se apresentou ao meu espírito com indescritível nitidez. Foi um momento solene e aterrador; porém, a sensação de terror se desvaneceu logo e só a solenidade grandiosa do acontecimento permaneceu...
De todo modo, no mundo dos Espíritos, como no dos vivos, o sublime acotovela não raro o ridículo, de maneira tão imediata, que basta dar-se um passo à frente, para se cair do solene no divertido, da dor na alegria, do desespero na esperança. Foi o que se produziu na minha primeira experiência em o mundo espiritual. Com efeito, não podendo prender a língua àquelas mulheres enredadeiras e maldizentes, tive que me resignar a ouvir todo o mal que diziam de mim. Assim foi que, pela primeira vez, tive que me contemplar a mim mesma, à claridade da luz em que me viam outros. Pois bem! a lição me foi instrutiva, embora houvesse eu transposto uma fronteira que tirava todo interesse aos acontecimentos mundanos. Aqueles conceitos maldizentes foram para mim comparáveis a um espelho convexo, colocado diante de minha visão espiritual, onde os defeitos do meu caráter eram exagerados e deformados do modo mais grotesco, pela convexidade do vidro que os refletia. Assim, a minha primeira lição espiritual recebi-a das minhas amigas vivas.
Logo que satisfizeram os seus instintos de enredo, as duas mulheres se levantaram, para virem mais uma vez contemplar a fisionomia da amiga que lhes morrera e cujo caráter haviam anatomizado com tanta crueldade. Éramos três a contemplar aquele cadáver, conquanto uma das três fosse invisível para as outras. E, como estas não percebiam a minha presença, desinteressei-me delas, para me absorver na contemplação do corpo inanimado, que fora meu. Observava-lhe o pálido aspecto, demudado pelos sofrimentos, e com a minha mão invisível procurava afastar da fronte os cabelos brancos que a cobriam, enquanto uma inefável piedade me oprimia a alma, ao pensar na sorte daquele corpo velho, do qual me sentia separado para sempre...
Estava então morta? Que estranha sensação a de uma pessoa saber-se morta e se sentir exuberante de vida! Como os vivos compreendem mal o sentido desta palavra. Estar morto significa estar animado de uma vitalidade diferente e extraordinária, de que a Humanidade não pode fazer idéia... Provavelmente, a morte se dera havia vinte e quatro horas: eu adormecera no mundo dos vivos e despertara no meio espiritual. Como é estranho! Só nesse momento foi que me lembrei, pela primeira vez, de que estava no meio espiritual! Até ali, meus pensamentos e minhas emoções se tinham conservado presos ao mundo dos vivos.
Mas, onde estavam os espíritos de tantas pessoas caras, que haviam transposto antes de mim a fronteira da morte? Esperava vê-las acorrendo a me darem as boas-vindas no limiar da morada celeste e a me servirem em seguida de conselheiros e guias. Não me preocupava o insulamento em que me achava e ainda menos me assustava; porém, experimentava um penoso sentimento de decepção e de desorientação. Em todo caso, esse estado d’alma não durou mais que um instante. Apenas formulara em meu espírito aqueles pensamentos, vi dissolver-se e desaparecer o quarto em que me encontrava e tudo o que ele continha e me achei, não sei como, numa espécie de vasta planície... Era indescritível a beleza da paisagem. Bela também é a paisagem terrena, mas a celeste é muito mais maravilhosa... Caminhava; entretanto, coisa singular, meus pés não tocavam o solo. Deslizava sobre este, como sucede nos sonhos...
Mas, onde estavam aqueles a quem eu amara? Onde estavam tantos amigos mortos, aos quais tão ligada estivera na Terra? Por que esse estado de insulamento da minha nova existência? Não tinha consciência de haver manifestado de viva voz meus pensamentos; todavia, como se alguém me houvesse escutado e se apressasse em me atender, vi diante de mim dois mancebos, cuja radiosa beleza excedia a tudo o que o espírito humano possa imaginar... Muitos anos antes, levara ao túmulo, com lágrimas de desesperada dor, dois filhinhos que adorava: um após outro. E muitas vezes, a chorar sobre as suas sepulturas, estendera os braços para frente, como se contasse reavê-los à morte que mos arrebatara. Ó! meus filhos! meus filhos! Quanto os desejara!... Quando vi diante de mim aqueles mancebos radiosos, um instinto súbito e infalível me preveniu de que eles eram os meus filhinhos, que se haviam tornado adultos. Não hesitei um instante em os reconhecer. Estendi-lhes os braços, como fizera outrora na Terra, e dessa vez os apertei realmente ao peito! Ó! meus filhos, meus filhos! Enfim tornei a encontrar-vos! Ó! meus filhos, meus para sempre!...”
É com real pesar que interrompo aqui a narrativa da entidade que se comunicava, narrativa que se torna de mais em mais interessante, quando se manifestam o pai e a mãe, os parentes, os amigos, assim como o “Espírito-guia” da defunta. Porém, não podendo reproduzir tudo, limito-me a transcrever mais uma passagem do diálogo em que se explica por que motivo a personalidade da defunta que se comunicava permaneceu algum tempo na solidão, em o mundo espiritual. Ela pergunta ao “Espírito-guia”:
– Por que fui condenada a passar de um mundo a outro completamente só?
O Espírito guia: – “Condenada” não é o termo, minha querida amiga. Não estavas só. Assim te parecia, mas, na realidade, eu velava ansiosamente por ti, com muitos outros Espíritos de parentes e de amigos, aguardando o momento em que nos fosse possível manifestar-nos a ti. Para muitas almas de mortos a passagem do mundo dos mortais para o dos imortais é um período de crise moral muito dolorosa; esses seres imploram a assistência imediata dos entes caros que os possam confortar e animar, até ao momento em que se hajam familiarizado com o novo meio. Tu, porém, não eras uma alma como tantas outras. No curso das vicissitudes mais críticas da vida, preferiste sempre agir sozinha; encerraste constantemente no fundo da alma teus pensamentos, tuas meditações, o fruto da tua experiência, mesmo tuas emoções. Soubeste, com uma firmeza de heroína, encarar a morte. Ora, a um temperamento como o teu convinha que, no meio espiritual, se achasse num insulamento aparente, para melhor apreciar em seguida o valor da sociedade espiritual. Entretanto, desde que sentiste a necessidade da companhia e a desejaste com o pensamento, imediatamente nos achamos em condições de responder ao teu chamado.
Estas explicações do “Espírito-guia” são teoricamente interessantes, porque constituem uma variante complementar de outra informação, que precedentemente discutimos e segundo a qual “os Espíritos inferiores” não poderiam perceber os superiores, dada a diferença existente na gradação das vibrações de seus respectivos “corpos etéreos” e, de maneira análoga, das vibrações de seus pensamentos. Mas, no caso que aqui consideramos, é preciso ver, antes de tudo, que razões de temperamento aconselharam o “Espírito-guia” da defunta a submetê-la a uma primeira experiência espiritual, consistente em lhe permitir conservar-se em condições de solidão temporária, no momento da desencarnação. Esta condição, aliás, se tornara possível, pelos sentimentos afetivos da morte, intensamente ligados ao meio onde ela vivera. Nesse estado, sua mentalidade, que ainda vibrava em uníssono com as vibrações específicas do meio terrestre, não chegava a perceber as vibrações infinitamente mais sutis do meio espiritual; por conseguinte, ela não percebia os Espíritos que se achavam ao seu derredor. Porém, desde que o seu pensamento se voltou para as coisas espirituais e vibrou assim em uníssono com o meio espiritual, ela viu desaparecer diante de si o mundo em que vivera e se encontrou, como por encanto, no meio espiritual. Logo que dirigiu o pensamento para os seus mortos queridos, colocou-os em situação de se lhe manifestarem; ou melhor, ela se achou em condições de os distinguir, por haverem seu pensamento e seu “corpo etéreo” aprendido a vibrar em uníssono com o mundo espiritual.
Não será inútil repetir que, também neste caso, se notam algumas das concordâncias habituais. Assim, por exemplo, o detalhe infalível de a morta ignorar que morreu e não ter a intuição da verdade, senão quando dá com o seu cadáver rígido no leito de morte. O mesmo se verifica com relação ao detalhe da “visão panorâmica” de todos os acontecimentos da sua vida, que desta vez se teria apresentado com atraso à visão subjetiva da defunta, mas que, todavia, não deixou de também a ela se lhe apresentar. Registram-se muitos casos em que a demora da prova ainda é mais considerável; parece, entretanto, que esta nunca deixa de se verificar. Assinalemos, enfim, outra circunstância: a de que a morta se achou em forma humana, no meio espiritual, onde andava, ou, antes, se transportava pairando a pequena distância do solo.
Sétimo caso
Este fato foi relatado pela Light, numa série de números (ano de 1922, págs. 594-595, 610-611, 722-723, 768-769). Trata-se de uma coleção de “revelações transcendentais” teoricamente importantes, no sentido de que o médium, por quem elas foram obtidas, é uma senhora de limitada cultura intelectual e que ignorava inteiramente as doutrinas espíritas. O interesse pelas pesquisas mediúnicas se manifestou nela repentinamente, em conseqüência da morte, na guerra, de um dos seus irmãos, a quem muito estimava (mais tarde, seu “Espírito-guia” a informou de que fora ele próprio quem a sugestionara nesse sentido). Uma de suas amigas possuía uma “prancheta”, da qual, aliás, nunca se servira. Mrs. Hope Hunter – tal o nome da médium – foi visitá-la e procurou servir-se do pequeno aparelho, conseguindo com facilidade fazê-lo mover-se automaticamente. Viu logo formarem-se algumas frases truncadas, indicando a presença de entidades que tentavam comunicar-se. Uma dessas entidades lhe aconselhou que abandonasse a prancheta e experimentasse o lápis. Mrs. Hunter seguiu o conselho e não tardou a escrever correntemente. Ao cabo de algum tempo, teve a manifestação de seu irmão morto na guerra, o qual forneceu provas de identificação pessoal e narrou à irmã as circunstâncias em que se dera a sua entrada no mundo espiritual. Mas, como essa narrativa continha informações que pareceram absurdas ao médium, pediu este, a uma outra entidade, explicações a respeito. A que se lhe manifestara, na qualidade de “Espírito-guia”, prestou-se a esclarecer os pontos que à Mrs. Hunter se afiguravam duvidosos. Aconselhou-lhe em seguida que se dirigisse a alguma pessoa competente em matéria de pesquisas mediúnicas.
Numa primeira carta que dirigiu ao diretor da Light, escreveu a senhora Hope Hunter falando de si mesma:
“Não tive ocasião de me instruir. Aos 14 anos, vi-me forçada a renunciar à escola, por causa da morte de meu pai. Não me julgo capaz de redigir uma composição qualquer... Nada sabia e nada sei do que respeita a experiências mediúnicas.
Os Espíritos que se comunicam me exortam a submeter suas mensagens a alguém que tenha competência na matéria...”
Foi em virtude desta exortação dos Espíritos que ela se dirigiu ao diretor da Light, Sr. David Gow, que compreendeu o valor teórico desse caso de mediunidade súbita, o estudou cuidadosamente e, afinal, publicou sobre ele um relatório completo na sua revista.
Dada a impossibilidade de reproduzir, por muito longas, as mensagens em questão, limitar-me-ei a citar as passagens em que o irmão defunto descreve pormenores do meio espiritual, ou episódios de outro gênero, comentadas em seguida pelo “Espírito-guia” do médium, comentários que inserirei de modo mais extenso.
Quando o Espírito do jovem militar se manifestou pela primeira vez, sucedeu o que quase invariavelmente acontece nessas circunstâncias, como o sabem todos os que experimenta, isto é, que o Espírito, reabsorvendo fluidos humanos e volvendo parcialmente às condições terrestres, quais as em que se achava no termo da sua existência, não pôde deixar de ressentir e, conseguintemente, de transmitir ao médium os sintomas que lhe caracterizaram a agonia. Dessa vez, a mão do médium foi presa de tremores e de impressionantes arrancos convulsivos, que lhe faziam saltar o braço em todas as direções. Quando, por fim, essas convulsões se acalmaram, ditou o Espírito o que segue:
“Foi o que se deu comigo, quando caí mortalmente ferido pelos estilhaços de um obus. Disseram-me que a minha morte ocorreu em menos de um minuto; as convulsões da agonia foram, pois, muito curtas, embora eu tenha tido a impressão de durarem longas horas. Não te assustes; isto não te trará conseqüências más. Quanto a mim, estou perfeitamente bem; mas, voltando ao meio terrestre e pensando na minha morte, não posso evitar se reproduzam os sintomas que a acompanharam.
Quando fui ferido, achava-me à borda de uma trincheira e, quando as convulsões cessaram, estava morto. Senti-me então, como antes, em perfeito estado de saúde. Via-me trajando o uniforme militar. Meu primeiro pensamento foi para “Ben” (seu filhinho) e, ao pensar nele, vi-me logo transportado à minha casa, onde o contemplei a dormir na sua caminha, ao lado de Carrie (a mãe). Distinguia-os tão bem como com os olhos do corpo; em seguida te vi a ti e a John (o marido). Pensei em minha mãe e logo me achei ao seu lado. Vi-a acordada na cama e lhe dirigi a palavra, porém ela nenhum sinal deu de me ter ouvido. Voltei então para a França, para a trincheira; mas, também é possível que me haja transportado a K... e a S... e que ao mesmo tempo não tenha deixado a trincheira.
Sabia-me morto... e um caso estranho me acontecia: via passar diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal... Logo depois, divisei um Espírito que me vinha ao encontro... Era meu pai; porém, não o reconheci. Entretanto, quando me chamou pelo meu nome – “Will” –, imediatamente o reconheci e me lancei a chorar nos seus braços. Sentia-me extraordinariamente comovido e não sabia o que lhe dissesse. Nada posso dizer com relação ao tempo que ali permanecemos. Lembro-me apenas de que, durante esse tempo, deixei de ver os meus camaradas, de ouvir o ruído da batalha. Via, no entanto, os pensamentos daqueles camaradas; verifiquei, assim, que muito os havia impressionado a minha morte. Quando meu amigo Franck se aproximou do meu cadáver, para se certificar de que eu estava realmente morto, ainda uma vez o distingui como com os olhos do corpo. Meu pobre amigo desejava estar em meu lugar e não ligava importância à vida, senão por amor de sua Dora...
Não me seria possível dizer se estive nalguma outra parte, durante a minha permanência naquele lugar. Encontrava-me num estado de completa confusão de idéias; o que me rodeava parecia ao mesmo tempo muito nítido e muito incerto. Meu pai se conservava ao meu lado, a me animar e a me dizer que não tardaria a readquirir o equilíbrio mental. Conduziu-me depois à sua habitação, onde presentemente vivemos juntos, aguardando que a mamãe venha para a nossa companhia...
Outro dia, disse-me ele: “Queres ver tua avó?” Eu ainda não a encontrara no mundo espiritual. Ela se achava, ao que parece, numa localidade muito afastada de nós. Papai acrescentou: “Formula intensamente o desejo de estar com ela e o de que eu lá esteja por minha vez.” Fizemo-lo simultaneamente e saltamos com a rapidez do relâmpago, através do espaço. Em menos de um segundo estávamos ao lado de minha avó. Ela vive com meu avô e com o meu tio Walter, a quem não conheci na Terra; logo, porém, percebi que o conhecia muito bem, porque, quando vivo, eu o ia freqüentemente ver durante o sono; era meu pai quem me levava...”
O que se acaba de ler é extraído da primeira mensagem do irmão do morto de Mrs. Hope Hunter. Numa segunda mensagem, acrescentou ele copiosos detalhes acerca do momento de sua morte. Limitar-me-ei a transcrever esta passagem que completa a precedente:
“Muitos de meus camaradas se acharam mortos sem o saberem e, como não logravam perceber certas coisas, supunham que estavam a sonhar. Eu, ao contrário, me inteirei imediatamente da minha morte, porém não conseguia compreender o fato de ser absolutamente o mesmo que anteriormente. Antes de ir para a guerra, jamais cogitara das condições prováveis da existência espiritual; durante a vida nas trincheiras, pensava nisso algumas vezes, mas longe estava de imaginar a verdade. Como era natural, tinha na cabeça os “coros celestes”, as “harpas angélicas”, de que falam as Santas Escrituras. O que sobretudo havia de mais incompreensível para mim era me ver e sentir absolutamente o mesmo indivíduo de antes, quando, na realidade, me achava transformado numa sombra. Em compensação, não podia igualmente compreender uma outra circunstância, a de que, quando vinha ver a vocês, os via como se todos fossem sombras, ao passo que eu não o era. Quando estive em casa, mal acabara de morrer, vi vocês como os via quando vivo; mas, depois, pouco a pouco, todos se foram tornando cada vez mais evanescentes, até que não passaram de puras sombras. Em suma, não posso distinguir, nos seres vivos, senão a parte destinada a sobreviver ao corpo...
Bem calculadas as coisas, muito de verdadeiro havia no que dizia o nosso pastor em seus sermões... Há realmente uma vida eterna. É, pelo menos, o que todos cremos; enquanto que aqueles que na Terra viveram honesta e virtuosamente vão para um lugar que se pode comparar a um paraíso, aqueles cuja existência transcorreu depravada e má vão acabar em outro lugar que se pode exatamente definir como um inferno...
Acho-me aqui ativamente ocupado. O mesmo se dá com todos, mas suspendemos o trabalho quando nos sentimos fatigados. Atende, entretanto, a que, quando falo de cansaço, não me retiro ao que vós aí experimentais. É coisa muito diversa. Quando estamos fatigados, pensamos em nos distrair, segundo os nossos pendores. Nenhum de vós poderia imaginar em que consistem os nossos descansos.
Se eu pudesse tornar a viver (mas absolutamente não o desejo) e se soubesse o que sei agora, viveria de maneira muito diferente. Doutra feita, falar-te-ei das minhas ocupações. Por hoje, boa-noite!”
Aí estão as passagens essenciais das mensagens de que se trata e onde se fala da entrada do morto que se comunica no meio espiritual. Aditar-lhes-ei algumas outras, colhidas nos esclarecimentos dados a respeito pelo “Espírito-guia”do médium, a pedido deste. Ele começa ponderando:
“Teu irmão, desde que o feriram os estilhaços do obus, conheceu que lhe chegara a hora da morte. O desconhecido que o esperava se lhe apresentou terrivelmente, nos espasmos de agonia... Quando se comunicou mediunicamente, viveu esses terríveis momentos. Daí os tremores convulsivos de tua mão e os arrancos do teu braço, que tanto te impressionaram...
A crise da morte é, fundamentalmente, a mesma para todos; contudo, no caso de um soldado que morre de maneira quase fulminante, as coisas diferem um pouco, porém não muito. Quando chegou o instante fatal, o “corpo etéreo”, que peneira o “corpo carnal”, começa gradualmente a se libertar deste último, à medida que a vitalidade o vai abandonando... Quem ainda não viu uma borboleta emergir da sua crisálida? Pois bem! o processo é análogo... Desde que o “corpo etéreo” se haja libertado do “corpo carnal”, outros Espíritos intervêm para auxiliar o recém-desencarnado. Trata-se de um nascimento, em tudo análogo ao de uma criança no meio terrestre, o que faz que o Espírito recém-nascido tenha necessidade de auxílio. Ele se sente aturdido, desorientado, aterrado e não poderia ser de outro modo... Quase sempre julga que está sonhando. Ora, o nosso primeiro trabalho consiste em convencê-lo de que não está morto. É o de que geralmente se encarregam os parentes do recém-chegado, o que, as mais das vezes, não serve senão para confirmar, no morto, a idéia de que está sonhando...
Teu irmão diz que se transportou imediatamente a Samerset; que falou com sua mãe; que viu o filho e te viu com teu marido. Vou tentar explicar-te como isso ocorre. Logo após o instante da morte, o Espírito ainda se acha impregnado de fluidos humanos. Pelo que sei (e não é grande coisa) este fato significa que ele ainda está em relação direta com o meio terrestre; mas, ao mesmo tempo, está despojado do corpo carnal e revestido unicamente do “corpo etéreo”. Basta, pois, que dirija o pensamento a determinado lugar, para que seja instantaneamente transferido para onde o leva o seu desejo. O primeiro pensamento de teu irmão foi dirigido, com grande afeto, à sua mulher e seu filhinho; achou-se, portanto, instantaneamente com eles; estando ainda impregnado de fluidos humanos, pôde vê-los como com os olhos do corpo.
Além disso, refere teu irmão: “Vi passarem diante de meus olhos todos os acontecimentos da minha vida, em os quais me comportara mal.” Trata-se de um fenômeno muito notável da existência espiritual. Geralmente, isso preludia a sanção a que todos nos temos que submeter, pelo que toca às nossas faltas. A visão se desenrola diante de nós num rápido instante, mas nos oprime pelo seu volume e nos abala e impressiona pela sua intensidade. Quase sempre, vemo-nos tais quais fomos, do berço ao túmulo. Não me é possível dizer-te como isso se produz; porém, a razão do fato reside numa circunstância natural da existência terrena, durante a qual toda ação que executamos, todo pensamento que formulamos, quer para o bem, quer para o mal, fica registrado indelevelmente no éter vitalizado que nos impregna o organismo. Trata-se, em suma, de um processo fotográfico; com isto imprimimos e fixamos vibrações no éter e este processo começa desde o nosso nascimento...
Teu irmão continua referindo como encontrou o pai. Tudo isso se produziu num instante do vosso tempo; mas, para ele, que calculava o tempo pela intensidade e pelo concurso dos acontecimentos, os segundos pareceram horas. A princípio, não reconheceu o pai, o que freqüentemente acontece. Com efeito, os desencarnados não esperam encontrar-se com seus parentes; ao demais, o aspecto destes tem geralmente mudado. Entre nós também existe um desenvolvimento do “corpo etéreo”... Um bebê cresce até chegar à maturidade. Contrariamente, um velho alcança a seu turno a idade viril, rejuvenescendo. Vosso pai morreu na plenitude da idade adulta; apesar disso, o filho não o reconheceu, porque muitos anos haviam passado e o pai atingira, no mundo espiritual, um estado de radiosa beleza. Reconheceu-o, todavia, assim aquele lhe dirigiu a palavra. Ninguém pode enganar-se no mundo espiritual.
A outra afirmativa de teu irmão é de si mesma clara.
Observa ele: “Eu podia ver o que pensavam os meus camaradas.” O fato se dá porque na vida espiritual a transmissão do pensamento é a forma normal de conversação entre os Espíritos; depois, porque muitos pensamentos se exteriorizam da fronte daquele que os formula, revestindo formas concretas, correspondentes à idéia pensada, formas que todos os Espíritos percebem...
Informou-te, afinal, de que vivia com o pai, na habitação deste último. É absolutamente exato. Já noutra mensagem te expliquei que no mundo espiritual o pensamento e a vontade são forças por meio das quais se pode criar o que se deseje...”
Paro aqui com as citações. Compreende-se que outros informes se encontram concordantes com análogas afirmações contidas em outras coleções de revelações transcendentais; porém, como geralmente se trata de informações concernentes à existência espiritual propriamente dita e que, portanto, escapam aos limites que me tracei nesta obra, devo dispensar-me de as reproduzir. Em todo caso, os informes que transcrevi deveriam bastar, para confirmação da grande verdade que ressalta dos casos dos médiuns improvisados, inteiramente ignorantes das doutrinas espíritas e que, não obstante, recebem mensagens concordantes, em que todos os detalhes coincidem com as outras narrações do mesmo gênero. Há aí uma verdade que se impõe à razão e que força a reconhecer-se que, assim sendo, as personalidades mediúnicas que se comunicam não podem ser personificações subconscientes, caso em que, é claro, deveriam contradizer-se mutuamente. Têm elas, portanto, que ser consideradas como Espíritos de mortos, que tiram de uma experiência comum as informações que dão, o que lhes explica a concordância. Está entendido que, quando se fala de concordâncias, não há esquecer que devem ser consideradas relativamente às condições espirituais em que se acham as personalidades que se comunicam, isto é, que uma entidade desencarnada, moralmente normal, se achará de acordo com as outras entidades que participam da sua natureza, quanto à descrição que fazem do meio radioso onde se encontram; contrariamente, uma entidade moralmente depravada estará de acordo com todas as outras entidades que participam da sua natureza, quanto à descrição do meio tenebroso onde se encontram.
Lembrarei, finalmente, que são assaz numerosos os casos análogos ao que acabo de citar e em que o médium não conhecia as doutrinas espíritas. Já citei alguns e ainda citarei outros. Entretanto, cumpre-me recordar que o assunto muito circunscrito com que aqui me ocupo não me permite fizer ressaltar, em toda a sua cumulativa eloqüência, o valor decisivo no sentido espírita dos casos desta espécie. Não o esqueçamos. Falta-me agora acrescentar duas palavras de comentário a uma afirmação do “Espírito-guia”. Aludo aos processos psicofisiológicos pelos quais as vibrações correspondentes às nossas ações e pensamentos se gravariam e fixariam no “corpo etéreo” – o que constituiria o substratum da “memória integral”, existente na subconsciência humana. Observarei, a este respeito, que as afirmações do “Espírito-guia” concordam com as indicações dos psicólogos e dos fisiologistas. Estes, com efeito, para darem idéia da maneira pela qual se cria e funciona a memória fisiológica normal, assim como a memória “integral subconsciente”, cuja existência reconhecem, falam igualmente de “vibrações” do pensamento, que se gravam de modo indelével na substância cerebral. Apenas neste último detalhe se nota uma discordância entre as indicações dos psicólogos e os ensinos do “Espírito-guia”, segundo quem as “vibrações” do pensamento se gravariam e fixariam inapagavelmente no éter vitalizado que constitui o “corpo etéreo”.
Acrescentarei que esta última explicação do fenômeno deve certamente ser verdadeira, para o caso da “memória integral” sobreviver à morte do corpo. Aliás, se nos lembrarmos de que a substância cerebral existe em condições de processus permanente e rápido de transformação, de eliminação, de renovação, não vemos bem como se possa admitir que ela guarde inapagavelmente as vibrações do pensamento, constitutivas da “memória normal” e da “memória integral” subconsciente. Nestas condições, forçoso é convir em que a afirmação do “Espírito-guia” tem por si todas as probabilidades de ser verdadeira. Essas probabilidades são ulteriormente corroboradas, desde que se considere que a indicação dos psicólogos é impotente para explicar o fato de existir, na subconsciência humana, uma memória integral maravilhosa, que se conserva ociosa e sem utilidade durante a existência terrena.
Uma vez que, aceitando-se a explicação da entidade que se comunica, essa dificuldade não se apresentaria, daí se deveria inferir que a memória integral subconsciente permanece ociosa e sem utilidade durante a existência terrena, porque representa a “memória normal” da existência espiritual, à espera de emergir e manifestar-se em um meio apropriado, depois da crise da morte; do mesmo modo que as faculdades supranormais subconscientes se conservam inoperantes, no curso da existência terrena, porque representam os sentidos, de antemão formados, da existência espiritual, à espera de emergirem e exercitarem-se no meio espiritual, ao mesmo tempo que a “memória integral”, após a crise da morte.
Oitavo caso
Este caso também é tirado da Light (1925, pág. 234).
Apenas foram publicadas as iniciais – K. H. R. D. – do narrador experimentador, que é uma personagem bastante conhecida e que mantém relações pessoais com o diretor da revista.
Procedeu ele das notas seguintes o texto das comunicações.
“Nas mensagens que vou reproduzir aqui, o Espírito que se comunicava era o de um jovem soldado que se alistara como voluntário no começo da grande guerra e fora morto logo no primeiro ano desta. Sua identidade pessoal foi previamente examinada e comprovada, por meio de sistemas de investigações rigorosamente científicos (especialmente pelo método das “correspondências cruzadas”. As sessões de que se trata realizaram-se no correr dos meses de maio e junho de 1918. Esta publicação de uma parte das mensagens obtidas se dá para satisfazer ao desejo manifestado por um metapsiquista eminente, que observou não dever ser privada de publicidade uma série tão importante de informações acerca da existência espiritual – série que contribuía para aumentar o valor cumulativo das “revelações transcendentais”. E acrescentava:
“E isso tanto mais quanto são ainda numerosos os pesquisadores que pensam nada se haver até agora obtido de importante e concordante, relativamente às modalidades de existência espiritual.”
Como o Espírito que se comunicava dissera que, durante o período da guerra, estivera encarregado de assistir os soldados que tombavam nos campos de batalha, foram-lhe pedidos esclarecimentos sobre esse assunto e ele respondeu assim:
“Eles chegam ao mundo espiritual com os sentimentos que os dominavam no momento da morte. Alguns julgam estar ainda combatendo: tem-se que os acalmar. Outros imaginam que ficaram loucos, por se haver transformado de súbito o meio em torno deles. Nada disto certamente vos surpreenderá, porquanto podeis imaginar em que terrível estado de tensão de espírito, bem semelhante à loucura, se empenham as batalhas. Há outros que pensam ter sido gravemente feridos, sem se haverem apercebido disso. É, aliás, o que efetivamente lhes aconteceu, com a diferença, entretanto, de que supõem terem sido transportados para um hospital de sangue e pedem explicações sobre o estado em que se acham. Temos, primeiro, que procurar distraí-los gracejando, e só pouco a pouco os levar a compreender a verdadeira significação do pretendido hospital em que se encontram. Há também os que acolhem com real satisfação a notícia de que morreram; estes são os que, no curso da vida horrível das trincheiras, passaram os limites extremos do que a sensibilidade humana pode suportar. O mesmo já não se dá com os outros, que deixam no mundo pais a quem amam com ternura; neste caso, temos que os conduzir gradualmente à realidade do estado em que se encontram, com um tato e uma delicadeza infinitos. Muitos há, tão fatigados, que nenhuma energia mais lhes resta para deplorarem coisa alguma; esses não demoram em entrar no período do sono reparador. Há, finalmente, os que tinham previsto a morte iminente, vendo o obus descer do alto; esperavam o fim, com a sua explosão inevitável.
Entre estes últimos, muitos se contam que caem no sono logo que desencarnam; isto se produz, quando faziam idéia de que a morte era o aniquilamento; o período do sono reparador se adapta então imediatamente às suas convicções a respeito. Esses não precisam de explicações, ou de socorro, até ao termo do período de repouso, que se prolonga, às vezes, por muito tempo, quando suas convicções, no tocante à inexistência da alma, eram profundamente enraizadas...”
Nesse momento, dirigindo-se ao experimentador, o Espírito que se comunicava emite uma observação sobre as modalidades em que a sua mensagem é transmitida. Essa observação é muito significativa, no sentido da autenticidade transcendental da mensagem em questão. Com efeito, interrompendo-se, observa o Espírito:
“Verifico que consigo muito melhor transmitir o meu pensamento ao médium, deixando-o livre de revestir com suas próprias palavras o que lhe transmito. Percebeste que o estilo mudou de repente? Limito-me agora a lhe transmitir o meu pensamento, que a sua mentalidade percebe, assimila e reveste do seu estilo literário bem conhecido.
P. – Caíste imediatamente em sono?
R. – Não, precisava, antes de tudo, de cuidados, porque eu compreendera a sorte que me aguardava.
– Compreendeste... que?
– Sabia estar gravemente ferido e esperava morrer de um instante para outro. Entretanto, quando a morte se deu, não estava bem certo do que me acontecia. Perguntava a mim mesmo se não estaria a sonhar. Esse sonho, porém, me parecia muito agradável, pois que me via cercado de atenções e comoventes cuidados. Comecei então a suspeitar da verdade; mas, os Espíritos que me assistiam me haviam colocado num certo meio, que me parecia uma sala de hospital, provida de todo o conforto moderno. Tinham-me tratado tão bem, que já não sofria; haviam, enfim, cerrado as janelas, dizendo a todo mundo que era preciso dormir.
Quando despertei, tive a intuição nítida de que me achava no mundo espiritual.
– Alegraste-te com o sabê-lo?
– De certo modo, sim, visto que já me familiarizara com essa idéia; aliás, o fato de estar cercado de tantos cuidados era de molde a me reconfortar. Agora, sou eu quem cerca das mesmas atenções os meus camaradas, que chegam em tão grande número ao mundo espiritual...”
Neste ponto, o Espírito se dirige ao médium, dizendo:
“Transcreveste fielmente até à última sílaba o que te transmiti. Retomarei em breve a minha mensagem; mas, neste momento, me retiro um pouco e te deixo livre de conversares por tua conta...
O médium – Que estranho que é! Percebo agora o Espírito por detrás de mim. Está aqui (indica o lugar). Experimento uma sensação curiosa: sinto-me aqui onde se acha o meu corpo e, no entanto, tenho a impressão de estar nele (no Espírito) uma parte de mim mesmo. Presentemente, sua forma ocupa parcialmente o mesmo lugar onde se acham minha cabeça e meus ombros; porém, ela se prolonga um pouco para trás do limite do meu corpo. Diz-me ele, agora, que vai retomar a narrativa interrompida.”
Continua assim o Espírito:
“Quando se sai do sono reparador, as coisas mudam de aspecto; é um estado d’alma difícil de explicar; esforçar-me-ei o mais que possa para me fazer compreendido.
Antes do sono, sempre se guarda, em parte, a ilusão de ser-se ainda a mesma pessoa que precedentemente. Esse estado de incerteza gera a lassidão. O Espírito ressente a necessidade de repousar, de dormir; cai, afinal, adormecido. Durante o sono, transformações notáveis se produzem; mas, ainda não estou em condições de te esclarecer a este respeito. Hás de compreender que não se trata do sono que conheces; é, contudo, a melhor analogia, para te dar desse estado uma idéia, tanto mais quanto não ignoras que, mesmo no sono fisiológico, se produzem fenômenos que ninguém chega a explicar. Em todo caso, quando desperta, o Espírito se sente um outro ser. Sabe que se acha num meio espiritual e que é um Espírito; tal qual como quando, no mundo dos vivos, uma pessoa acorda com a solução de um problema que lhe parecera insolúvel antes de adormecer.
Os que desencarnam com a convicção da existência de uma vida de além-túmulo não necessitam dormir, a menos que cheguem ao mundo espiritual esgotados por longa enfermidade, ou deprimidos por uma vida de tribulações. Na prática, poucos há que não necessitem de um período mais ou menos longo de sono. Este é mais ou menos prolongado e mais ou menos profundo conforme a dificuldade que o Espírito encontra para se adaptar às novas condições.
Vou agora dizer-te as impressões que experimentei, ao despertar do sono. Tinha plena consciência de estar vivo, isto é, de que saíra daquele estado de incerteza em que se tem a ilusão de estar ainda no meio terrestre e sonhar. Compreendes o que quero dizer?
– Sim, perfeitamente.
– Depois do despertar, ao contrário, sabe-se, conhece-se. Não se tem mais a impressão de estar sonhando. Os Espíritos muito inferiores, que permanecem ligados à Terra (earthbound), não gozam do benefício do sono reparador; por conseguinte, perseveram na ilusão de estarem ainda vivos e presas de estranho sonho. Não esqueçais, pois, que os Espíritos ligados à Terra, ou Espíritos “assombradores”, são os que vivem perpetuamente nessa ilusão...
Uma enorme curiosidade é o primeiro sentimento que assalta aquele que desperta com a plena consciência do que somos e do lugar onde nos encontramos, isto é, sabendo que somos Espíritos sobreviventes à morte do corpo e que nos achamos em outro plano da existência. Essa curiosidade é acompanhada, naturalmente, de um grande desejo de explorar o novo meio, de saber cada vez mais a seu respeito. Verificamos, primeiramente, que há em torno de nós “coisas”; é a primeira observação que nos enche de espanto, tanto mais que essas “coisas” parecem da mesma natureza que as que conhecemos na Terra, ainda que também pareçam diferentes, mas de modo difícil de compreender-se. Elas são reais, absolutamente reais; isto vemo-lo bem e, no entanto, temos a intuição de que são apenas temporárias e que apenas correspondem ao estado espiritual que se segue ao despertar.
Em seguida, não tardamos a descobrir (e isto é muito curioso e interessante) que podemos transformar certas coisas que vemos em torno de nós, unicamente pelo desejarmos que elas se transformem. Porém, não o podemos fazer senão com objetos de pouca importância. Assim, por exemplo, se percebo aos meus pés uma agulha de pinheiro e me ponho a desejar que ela se torne uma agulha de aço, ei-la mudada numa verdadeira agulha de coser, que posso apanhar e observar. Não poderíamos, entretanto, transformar os objetos volumosos e, ainda menos, o meio em que vivemos. E não poderíamos fazê-lo, porque a paisagem que nos rodeia não é somente “cenário” nosso; é o “cenário” de todos os Espíritos. Podemos transformar coisas pequeninas, quando isso a ninguém aborreça, a ninguém prejudique. Depois de repetidas experiências dessa natureza, começa-se a compreender a verdade, isto é, que o meio onde vivemos é, na realidade, constituído unicamente de “formas pensamento” e de “projeções da memória”; que tudo isso está organizado com o fim de tornar mais fácil, aos Espíritos recém-chegados, o período de transição da existência terrestre para a existência espiritual propriamente dita. E muito aprendemos a esse respeito, procurando em torno de nós tudo o que estejamos em condições de transformar por um ato da vontade e tudo o que se conserva inalterado, apesar dos esforços da vontade.
Não falei até aqui senão das nossas percepções e realizações; há, todavia, muitas coisas que não podemos aprender pela simples observação do meio espiritual. Assim, por exemplo, tem-se que aprender como se produzem efetivamente as conversações e as trocas de idéias entre os Espíritos que se acham na mesma fase de desenvolvimento. A princípio, afigura-se-nos que os Espíritos conversam da mesma maneira que o faziam na Terra, quando vivos; apenas se experimenta, desde o começo, a curiosa sensação – que também muitas vezes se verifica no mundo dos vivos – de compreender-se muito mais do que o que se formula verbalmente. Mas, no meio espiritual, esse sentimento é de contínuo experimentado e é infinitamente mais forte do que o que se produz no mundo dos vivos. Não custamos, pois, a compreender que a nossa conversação, por meio da palavra, não constitui mais do que uma espécie de superestrutura artificial, substancialmente inútil para a permuta das nossas idéias, que, na realidade, se opera diretamente, pela transmissão dos pensamentos...”
Abstenho-me, muito a meu mau grado, de extrair do texto outros detalhes importantes, com que neles deparamos, pela necessidade de não ultrapassar os limites do que me é bastante para atingir o fim a que me proponho nesta obra.
Como se vê, em a narrativa acima também são notáveis as concordâncias que habitualmente se verificam nas mensagens que se ocupam com as modalidades da existência espiritual. Todavia, no caso de que se trata, as descrições sobre esse assunto se desdobram com maior amplitude de pormenores instrutivos. Notarei, por exemplo, a eficácia, psicologicamente sugestiva, com que o Espírito que se comunica descreve as impressões multiformes que experimentariam os Espíritos dos soldados mortos em guerra, no momento de entrarem no meio espiritual: impressões correspondentes às diversas condições psicológicas e morais em que eles se acham por ocasião da morte. Farei também notar que ninguém poderia deixar de reconhecer não menos significativa, do ponto de vista psicológico, a maneira pela qual a mesma entidade descreve as modalidades tão várias, segundo as quais se produziria o sono reparador nos defuntos, o que, por sua vez, está em relação com as diferentes condições psicológicas, afetivas, morais, emocionais, em que se encontram os recém-chegados, no momento do traspasse.
Assinalo igualmente a verossimilhança psicológica, racional e natural, com que a mesma entidade descreve as impressões pelas quais os Espíritos recém-chegados seriam gradualmente conduzidos a se inteirarem de que as conversações de viva voz são supérfluas no mundo espiritual, desde que o mesmo fim é alcançado muito melhor, permutando-se as idéias pela transmissão do pensamento.
Resta-me, por fim, assinalar a mesma amplitude de detalhes, teoricamente instrutivos, na circunstância do muito interessante fenômeno do pensamento e da vontade, considerados como forças que modelam e organizam no meio espiritual. Já tive ocasião de desenvolver longamente este assunto, que é excepcionalmente interessante, pois que permite se apreendam nitidamente as modalidades em que se desdobra a existência espiritual, nas esferas preparatórias, próximas do mundo dos vivos. Assim é que se chega a eliminar as formidáveis objeções que induziam a maioria dos pesquisadores a atribuir uma origem puramente subconsciente a todas as revelações transcendentais, objeções que, irremovíveis na aparência, desaparecem, ao contrário, como o nevoeiro em face do Sol, ante a grande verdade psicológica de que se trata, verdade que é também reconhecida como experimentalmente demonstrada no mundo dos vivos. Nestas condições, indispensável se torna que me detenha, ulteriormente, sobre esse tema.
No caso que nos ocupa, só muito eficaz, muito instrutiva se poderia achar a descrição, que faz o Espírito comunicante, das modalidades pelas quais os Espíritos recém-vindos chegam gradualmente a descobrir que o meio onde se encontram é constituído de “formas do pensamento” e de “projeções da memória” e que tudo isto está organizado com o fim de tornar mais fácil aos recém-desencarnados o período de transição da existência terrestre para a existência espiritual propriamente dita.
Para melhor ilustrar, posteriormente, essa grande verdade, julgo útil reproduzir longo trecho de um artigo que publiquei, há algum tempo, sobre o mesmo assunto. Reportando-me às revelações transcendentais, em geral, raciocinava assim:
“Os informes que acabo de reproduzir concordam exatamente com o que se lê na obra do prof. Oliver Lodge, intitulada Raymond. Toda gente se lembra da referida ironia e das vulgares chacotas dos jornalistas, a propósito de uma afirmação análoga às que precedem, porém mais específicas, do Espírito “Raymond”, que tivera ocasião de aludir à anedota seguinte:
“Outro dia, chegou um soldado que desejava fumar um charuto. Logo lhe apresentaram uma coisa cuja aparência era bem a de um charuto. O soldado a tomou avidamente; porém, pondo-se a fumá-lo, não experimentou a satisfação habitual, pelo que, depois de haver consumido quatro, deixou para sempre de pedi-los. É o que se dá com todos os Espíritos recém-chegados: não encontram a mesma satisfação que antes nesses hábitos voluptuosos, adquiridos no mundo dos vivos, e os perdem. Entretanto, quando chegam aqui, ainda estão influenciados pelas tendências que os dominavam na Terra. Assim, alguns há que pedem de comer; outros desejariam beber um gole de uísque. Não tens que te espantar, se eu te disser que há meio de serem contentados, fornecendo-se-lhes qualquer coisa que se assemelhe ao que eles reclamam. Somente, desde que hajam saboreado uma ou duas vezes a coisa desejada, não mais sentem dela necessidade e a esquecem...” (Raymond, págs. 197-198).
Eis aí o que refere a personalidade mediúnica de “Raymond”, que, conforme o disse eu, não faz mais do que relatar anedotas análogas a outras narradas precedentemente por muitas personalidades mediúnicas. Mas, ao mesmo tempo, importa notar que as personalidades em questão jamais deixaram de advertir que se não tratava de alimentos, de bebidas, de tabaco, porém de criações efêmeras do pensamento, não tendo por fim senão trazer, gradualmente e sem abalos emocionais, aqueles Espíritos à realização das condições em que se encontram, ainda excessivamente dominados pelos hábitos contraídos na existência terrestre, de modo a não ficarem consternados, como ficariam, se viessem a saber bruscamente que se achavam na condição de Espíritos desencarnados, ou, mais exatamente, “de Espíritos desprovidos de corpo”.
Em suma, o Espírito do defunto “Raymond” nunca pensou em afirmar que no meio espiritual se fumavam charutos autênticos, nem se bebia uísque feito de álcool. Os jornalistas, porém, não atentaram bem nisso e se serviram do episódio em questão para provocar a hilaridade das massas, anunciando que no paraíso dos espíritas se fumam “havanas” e se saboreia uísque!
Quem se disponha a considerar os fatos, de um ponto de vista sereno e objetivo, não poderá deixar de logo reconhecer que os fenômenos anímicos da “fotografia do pensamento” e da “ideoplastia”, tais como se realizam experimentalmente no mundo dos vivos, já servem para confirmar, apoiando-a em fatos incontestáveis, a afirmação fundamental contida na revelação com que nos ocupamos. Com efeito, se o pensamento é uma força criadora durante a existência terrena, nada há de absurdo e de insustentável em o fato de que, nas esferas espirituais, ou, mais exatamente, na esfera preparatória da existência espiritual propriamente dita, a força criadora do pensamento se exercite espontaneamente sobre essências etéreas – por assim dizer – para produzir “duplicatas” efêmeras de todos os objetos, de toda substância terrestre, e que essa faculdade do Espírito seja empregada com relação aos Espíritos pouco elevados, dominados ainda pelas tendências voluptuosas trazidas da Terra.
Esses Espíritos são assim preparados gradualmente, graças a convenientes ilusões dessa espécie, a se adaptarem à mudança radical que sofrem subitamente e que uma oportuna condição psicológica, análoga ao sonambulismo, lhes não permite reconhecer no primeiro momento. Parece que os que mais necessitam desse gênero de ilusões benfazejas são os Espíritos daqueles que entraram na existência espiritual por efeito de uma morte violenta ou repentina, como se dá justamente com os soldados que tombam em guerra, ou com os que sucumbem de súbito a uma apoplexia, a uma síncope, ou a infortúnios acidentais.
Nessas condições, tem-se o direito de perguntar o que há de absurdo, de ridículo, de inconciliável com a existência espiritual, em tudo o que descrevem as personalidades mediúnicas. Dever-se-ia dizer, muito ao contrário, que nada há de mais racional, do ponto de vista psicológico e terapêutico, do que esses processos de “desabituar”, empregados nas esferas espirituais, para libertar gradualmente os Espíritos desencarnados das tendências voluptuosas adquiridas no curso da existência terrestre, processos absolutamente análogos aos adotados na Terra para “desabituar” os alcoólicos e os morfinômanos, aos quais não se interrompem bruscamente os hábitos viciosos, pois que isso provocaria graves perturbações funcionais. O que se faz é submetê-los, mediante lenta graduação, a um uso cada vez mais restrito das doses de álcool ou de morfina. Vale, portanto, a pena perguntar, ainda uma vez: Por que se haveria de considerar absurda e ridícula a informação de que, no mundo espiritual, se segue o mesmo racional sistema, para fazer que os Espíritos desencarnados abandonem os hábitos viciosos que contraíram na Terra? Não são idênticas as leis psicológicas a que se acham sujeitos o Espírito encarnado e o desencarnado? Sendo assim, por que os processos para desabituar, eficazes e indispensáveis num estado de existência, seriam menos eficazes e menos indispensáveis no outro? Não haveria razão para notar-se que as ironias ferinas dos jornalistas e a hilaridade das massas apenas demonstram a profunda ignorância de uns e outras acerca de um assunto que os fenômenos de “fotografia do pensamento” e de “ideoplastia”, de um lado, e os processos de análise comparada, de outro, provam, ao contrário, ser digno da mais séria consideração? E, se os processos de análise comparada chegassem um dia a provar definitivamente que um fundo incontestável de verdade existe nesse tema, então, longe de considerá-lo merecedor somente de desprezo, teríamos todos que mostrar verdadeira sabedoria, examinando-o sistematicamente, com enorme vantagem para a Humanidade.”
Assim me exprimia eu, no artigo que publiquei sobre o assunto, e não creio que haja mister acrescentar-lhe coisa alguma, a não ser uma observação de ordem geral, relativamente à natureza das projeções do pensamento no meio espiritual. Se, do ponto de vista da evolução ulterior do Espírito, essas “projeções” deveriam ser consideradas efêmeras, não menos verdadeiro é que, do ponto de vista da existência espiritual nas esferas em que se produzem tais manifestações, elas deverão, ao contrário, ser consideradas substanciais. Admitamos, com efeito, a existência de um meio espiritual, cuja densidade específica seja constituída de “éter vitalizado”. Em um mundo assim constituído, mesmo a paisagem geral (provável projeção da vontade de entidades superiores, prepostas à direção das esferas espirituais em questão), assim como as projeções particulares das vontades dos Espíritos, deveriam ser consideradas reais, absolutamente reais, pois que teriam a mesma consistência que o organismo espiritual dos seres que o habitam e seriam constituídas do mesmo elemento imaterial. É assim, aliás, que as coisas de que estamos cercados nos aparecem consistentes, no meio terrestre. É que este é constituído dos mesmos elementos físicos que compõem o organismo corporal de que somos revestidos.
Passando a outras informações importantes, contidas na mensagem a cuja análise me propus, assinalarei o interesse que apresenta o parágrafo referente aos Espíritos muito inferiores, cujas paixões e aspirações terrenas continuariam a dominá-los a ponto de os prender por tempo mais ou menos longo, ao meio onde viveram. Seguir-se-ia que, excluídos do sono reparador, permaneceriam na ilusão de estarem ainda vivos, porém presas de um sonho singular. Esta última informação, que, na narrativa da entidade cuja mensagem se vai ler, não passa de simples episódio, apresenta, na realidade, imensa importância teórica, porque basta para dissipar uma outra das mais formidáveis incertezas, que impediam de reconhecer-se a proveniência, estranha ao médium e, por conseguinte, espírita, de toda uma categoria de manifestações supranormais: a dos fenômenos de “assombramento”, nos quais se verifica o detalhe de um fantasma repetir constantemente a mesma ação, como, por exemplo, a de passear ao longo de um corredor, conservar-se ao lado de uma lareira apagada, contar dinheiro avidamente perto de um cofre-forte que realmente existe na casa assombrada. Ora, do ponto de vista da proveniência espírita dos fenômenos em questão, não se sabia como explicar essa repetição invariável do mesmo episódio, de cada vez que o fantasma aparecia. Era-se então levado a recorrer a outras hipóteses que, muito gratuitas, forçadas e, sobretudo, impotentes para bem explicar o conjunto dos fatos, pareciam menos inverossímeis do que a espírita. Ora, o esclarecimento constante da frase de que se trata resolve de modo simples e racional o formidável problema. Com efeito, se se admitir que há Espíritos desencarnados, que as suas paixões terrenas os dominam a ponto de os prenderem ao meio onde viveram, perdendo assim o benefício do sono reparador e permanecendo longo tempo em condições psíquicas especiais (análogas ao “sonambulismo vígil” dos hipnotizados), crendo-se ainda vivos, mas presas de um sonho curioso, ou de um horrível pesadelo, explicada se torna a repetição monótona do mesmo episódio, nos casos dos fantasmas “assombradores”. Dever-se-ia, efetivamente, concluir daí que esses Espíritos se acham presas de um “monoideísmo”, que os obriga a repetir automaticamente uma determinada ação, que lhe era costumeira quando vivos, ou então a cena obsidente de uma obra má que praticaram. É, aliás, o que se dá nos casos dos “monoideísmos” experimentalmente provocados em pacientes hipnotizados, monoideísmos que são executados e renovados sem interrupção pelo paciente, até ao instante em que o experimentador retira a sugestão que dera.
Termino chamando a atenção de meus leitores para a espontaneidade, prenhe da sinceridade característica das impressões experimentadas de modo autêntico, com que o Espírito que se comunicava interrompeu duas vezes a sua narrativa. Da primeira fez, foi para se dirigir ao experimentador e lhe assinalar uma observação interessante que acabava de fazer, isto é, que conseguia muito melhor transmitir seu pensamento ao médium, quando o deixava livre de revesti-lo das suas próprias palavras. E pergunta, a esse propósito, ao experimentador: “Notaste que o estilo mudou subitamente?” De outra vez, interrompeu a narrativa para tentar uma experiência, a de fazer-se ver pelo médium. Esse, efetivamente, anuncia, com viva surpresa, perceber atrás de si o fantasma do Espírito que se comunicava e acrescenta que sentia ser, em parte, ele próprio, em parte, um outro, o que concorda com a visão que percebia. Vê o corpo do Espírito que se comunica como se uma parte deste último o houvesse penetrado.
Toda gente compreende que essas interpolações inesperadas, no curso da narração, muito contribuem para convencer da presença real do Espírito autor da mensagem. De fato, na hipótese das “personificações subconscientes”, não se sabe como justificar, de maneira racional, essas irrupções subitâneas, tanto mais se se considerar que elas correspondem a duas circunstâncias que se verificaram simultaneamente: a do médium haver mudado repentinamente o estilo de que usara até àquele momento e a de ter tido a visão súbita do Espírito autor da mensagem.
Nono caso
Tiro-o do recente livro de mensagens transcendentais intitulado A Heretic in Heaven. O médium-narrador é o Sr. Ernesto H. Peckham, conhecido pelas suas pesquisas metapsíquicas, o mesmo que precedentemente escreveu o belo volumezinho intitulado The Morrow of Death.
Desta feita, o Espírito que se comunicava fora, quando vivo, membro do mesmo círculo experimental, em casa do Sr. Peckham. Declarara, no entanto, não desejar que lhe publicassem o nome, para não magoar inutilmente as pessoas de sua família que, seguindo a mais intransigente ortodoxia católica, não deixariam de protestar, se metessem o nome do parente morto em experiências tidas por diabólicas. Ele, pois, fez que, no tratado que deliberara ditar, o designassem pelo pseudônimo de “Daddy”. Aconselhou que intitulassem a obra Um Herético no Paraíso, a fim de demonstrar que, tendo sido, quando vivo, um dissidente em matéria de dogmas, se achava num meio espiritual correspondente ao que os ortodoxos jurariam ser o “paraíso”.
O Espírito abre o seu tratado com o preâmbulo seguinte, cujo feitio não devera ser jamais esquecido, quando se lêem e discutem mensagens mediúnicas concernentes às modalidades da existência espiritual:
“Neste pequeno tratado, proponho-me a te referir alguma coisa da nossa existência espiritual, tão extraordinariamente animada, na qual emergi por intermédio da morte. Infelizmente, a tarefa que desejo executar apresenta dificuldades quase insuperáveis, por isso que a existência supranormal ultrapassa enormemente tudo o que se conhece e experimenta na existência terrena. Por exemplo: se bem me haja conservado, substancialmente, a mesma personagem, vi desenvolverem-se em mim faculdades e potencialidades que me abriram novo campo, imenso, de atividades inimaginadas. Ora, é impossível explicar-te, por meio da terminologia terrestre, em que consistem essas atividades... Tentarei dar uma idéia dessa insuperável dificuldade, fazendo notar que a minha tarefa pode comparar-se à de um homem que fosse obrigado a descrever coisas vistas em termos de coisas ouvidas. A audição é uma impressão bem pobre, comparada com a visão. Como descrever as belezas de uma aurora nos Alpes suíços, com toda a radiosa glória de matizes doiro, recorrendo aos acordes de um instrumento musical? Como poderia eu descrever-te exatamente e de modo apropriado a glória da existência espiritual, empregando a linguagem grosseira e material dos terrícolas?...”
Declarações análogas se encontram incessantemente repetidas, nas coleções de revelações transcendentais. Importa tê-las bem presentes ao espírito, quando se lêem certas descrições de acontecimentos, de espetáculos, de ocupações num meio espiritual, as quais nos parecem muito análogas às do mundo dos vivos e apresentam, sem dúvida, o valor de representações simbólicas de uma realidade inacessível aos vivos.
Passo à transcrição de alguns trechos de comunicações em que o Espírito que se manifesta fala de sua entrada no mundo espiritual.
“A maior surpresa que espera um vivo, na crise da morte, consiste no fato de ele despertar e se reconhecer morto. Quando procuram fazer-nos compreender que estamos mortos, somos infalivelmente levados a responder: “Impossível! Por que deveria eu me considerar morto, uma vez que me sinto mais vivo do que antes?” Efetivamente, não nos sentimos de modo algum mudados. Tudo o que contribui para formar a existência da nossa individualidade permanece inalterado. Ao mesmo tempo, o meio imediato em que entramos nos parece aquele que nos é familiar (na realidade, fomos nós que inconscientemente o objetivamos pelo pensamento). Assim sendo, não podemos acreditar no maravilhoso fenômeno de estarmos realmente mortos. Estas primeiras impressões podem ser definidas como “a surpresa número um”.
Naturalmente, eu, por minha vez, pensava que era assim, quando, pela morte, penetrei no mundo espiritual. Os acessos de soluços, a asma e os outros sintomas bronquiais, que me haviam atormentado no momento da morte, continuavam a afligir-me, quando abri os olhos para a vida espiritual. Como bem se pode ver, assim não era, em realidade. Tratava-se de uma reprodução efêmera dos sofrimentos que experimentara, reprodução oriunda das vivas lembranças que deles me ficaram. Acrescentarei que essas reproduções efêmeras dos males realmente sofridos são uma conseqüência inevitável, geral e mesmo providencial, do nascimento no meio espiritual. No que me concerne, esses sofrimentos não duraram muito; mas, enquanto me senti oprimido pelos sintomas em questão, impossível me era acreditar na minha morte, embora soubesse que tinha de morrer.
Logo depois me sobreveio a surpresa número dois, a mais maravilhosa e mais reconfortante de todas. Foi quando ouvi ao meu lado uma doce voz de mulher, que eu conhecia bem, a me chamar pelo meu nome: “Dicky”. Era minha mãe. Ela morrera havia muitos anos e acorria a me dar as boas-vindas no meio espiritual, chamando-me pelo meu apelido familiar, recordação da minha infância. Sendo eu velho, avô desde muito tempo, via-me, no entanto, acolhido e festejado, em nova morada de minha mãe, que eu tanto amara outrora, mas que – coisa vergonhosa! – quase esquecera depois, em conseqüência dos longos anos decorridos, após a sua morte. Em seguida, outra meiga voz de mulher, que não menos familiar e querida me era, chamou-me pelo nome de “Ricardo”. Era minha mulher, que me precedera de alguns anos na existência espiritual...
... Seguiu-se então prolongado período de profundo sono. Era o total esquecimento, durante o qual, ao que me disseram, as forças espirituais, graças a leis imutáveis, preparam lentamente o grandioso processo do renascimento espiritual. Uma vez operado o milagre, sobreveio para mim a hora gloriosa do despertar e, recuperando a consciência, tive a benfazeja certeza de haver efetivamente passado da morte no meio terrestre à vida em a morada espiritual: “a uma vida que é realmente vida”, como diz a Bíblia. E a alegria, a paz, a calma me invadiram e proporcionaram um estado de que nunca suspeitara, a suprema felicidade... (págs. 43-44).
... Levantei-me e olhei ao meu derredor: o panorama que se desdobrava aos meus olhos era de indescritível beleza e parecia prolongar-se ao infinito. Sobre ele um céu maravilhoso se estendia... A paisagem era plana e ondulada, muito semelhante, sob certos pontos de vista, às belezas rurais do meu querido país natal... Porém, o detalhe mais maravilhoso do panorama contemplado consistia nisto: que os objetos afastados não pareciam de modo algum diminuídos em suas proporções, por efeito das distâncias, como sucede no meio terrestre. A perspectiva se apresentava literalmente transformada, E não era tudo, pois que verifiquei então que percebida simultaneamente os objetos por todos os seus lados e não unicamente do lado exposto ao meu olhar, como sucede no mundo dos vivos. Esta faculdade de visão amplificada e aperfeiçoada produz efeitos maravilhosos. Quando se observa a superfície exterior de um objeto qualquer, vê-se-lhe o interior, o contorno e, através dele, o que lhe está além, donde resulta que a visão espiritual põe o observador em condições de penetrar integralmente o objeto observado... (pág. 48).
... Era maravilhoso o meio em que me achava, porém comecei a experimentar uma vaga necessidade de companhia. Desde que esse sentimento nasceu em mim, vi o meio, em meu derredor, se transformar. Pareceu estender-se, renovar-se, tornar-se mais belo do que nunca. Em seguida, vi surgir, de todos os lados, seres espirituais, que me vieram ao encontro com demonstrações de júbilo. Soube, depois, que esse prodígio fora devido ao fato de que o meu vivo desejo tivera por efeito criar a “relação psíquica” necessária entre mim e os seres existentes no mesmo plano espiritual, os quais se apressaram a vir ao encontro do recém-chegado...
Mas, ainda me sentia ligado ao mundo dos vivos, pelo desejo de saber se o meu velho e grande amigo – aquele por intermédio de quem dito agora este tratado – fora informado de minha morte. Aqui, devo explicar, aos que lerem estas páginas, que o meu amigo e eu caíramos gravemente enfermos ao mesmo tempo, ficando sem notícias um do outro. Minha enfermidade acarretou o meu trespasse; o mesmo não se deu com o meu amigo. Ele sobreviveu, porém eu nada sabia a seu respeito. Enquanto pensava nisto, ouvi uma voz longínqua – que soube em seguida ser a de “Amicus” –, que assim me falou: “Pensa nele, concentra nele o teu pensamento e o verás.” Atendi imediatamente ao conselho recebido, com este resultado: tive a impressão de que me abismava através do espaço, para me ver, logo depois, cercado de uma espécie de nevoeiro. Quando parei, o nevoeiro se dissipou e eis que tive a visão de meu amigo, em companhia de sua mulher. Passeavam juntos, tranqüilamente, ao longo da praia de uma cidade marítima. Pensei: “Aqui está uma coisa verdadeiramente maravilhosa: estou morto, ele está vivo e, no entanto, vejo-o!” Disse, com força: “Peckham” meu amigo! sabes que morri?” Ele se voltou bruscamente e olhou à volta de si, com uma expressão de grande surpresa. Subitamente, eu me vi de novo cercado pelo nevoeiro. Quando este se dissipou, achei-me outra vez no mundo espiritual. Vim a saber mais tarde que meu amigo, curado de um sério ataque de hemorragia pulmonar, fora com sua mulher para uma estação climática, às bordas do mar, a fim de se restabelecer. Para não se contristar durante a convalescença, ocultaram-lhe a minha morte, de que ele só foi sabedor, pela primeira vez, quando lha comuniquei, do mundo espiritual...” (pág. 55).
Tais são as passagens essenciais que julguei dever citar, relativas ao tema com que me ocupo nesta obra. Poderiam fazer-me notar que não me limito estritamente a referir episódios concernentes à “crise da morte”; que me estendo, muitas vezes, a citar outros, que dizem respeito à existência espiritual “após o despertar do sono reparador”, o que já é coisa diversa. Decidi-me a assim proceder por uma consideração de ordem geral: é que a tese que sustento implica a repetição inevitável de detalhes, que são sempre substancialmente os mesmos; isto serve de modo eficaz para demonstrar que ela é bem fundada, mas, ao mesmo tempo, dá lugar a uma monotonia, que pode fatigar o leitor. Daí a necessidade de intercalar alguns outros episódios, que saem um pouco dos limites restritos do assunto de que se trata, conferindo a este a indispensável variedade episódica. Aliás, os episódios acrescentados são sempre teoricamente muito importantes e podem considerar-se complementares da tese que desenvolvo, tanto mais que, a seu turno, eles concordam muito bem como todos os outros da mesma natureza, como noutra obra demonstrarei.
Entre os episódios que não cabem de todo no tema com que me ocupo de modo especial nesta obra, assinalo o último, que acabo de citar, no qual o Espírito que se comunica refere ter anunciado sua morte a um amigo vivo, que a ignorava. Como o incidente realmente se produziu nas condições de meio indicadas pelo Espírito, forçoso se torna deduzir daí que se trata de um dos fenômenos comuns, ora visuais, ora auditivos, de manifestação de mortos, fenômenos que os metapsiquistas ortodoxos classificam, ao contrário, entre os casos de “telepatia diferida”. Se essa interpretação fosse exata, o fenômeno se teria produzido quando o agente estava ainda vivo e houvera sido percebido subconscientemente por um de seus amigos, que se achava distante. Este último, no entanto, não se apercebeu disso, senão no momento psicologicamente propício, em que a mensagem telepática era emergida da sua subconsciência, para passar à sua consciência normal. Tomou, assim, a dita mensagem, a aparência ilusória de uma manifestação telepática post mortem. Como se viu, no caso em questão, o Espírito que se comunicava afirmou haver ele próprio transmitido a mensagem telepática post mortem a seu amigo. O intervalo de muitos dias, entre a morte do agente e o instante em que o percipiente sentiu o fenômeno da audição supranormal constitui uma circunstância confirmativa dos dizeres do Espírito.
Resta-nos assinalar:
1º) o fenômeno curioso e interessante segundo o qual, no dizer do Espírito, os objetos afastados não parecem diminuídos à percepção espiritual, pela distância, do mesmo passo que todo objeto é simultaneamente percebido por todos os seus lados e no seu próprio interior, indo mesmo à visão além do objeto;
2º) a observação concernente ao pensamento do Espírito, logo percebido por outro Espírito distante, que intervém, auxiliando o primeiro com um conselho que lhe transmite no mesmo instante.
Não se pode deixar de observar que a nossa geração talvez ache concebíveis esses detalhes e, portanto, aceitáveis. Hoje, com efeito, dispomos da analogia científica dos “raios Roentgen”, pelos quais se obtém o primeiro dos dois fenômenos acima, e da outra analogia da “telegrafia sem fio”, para explicar o segundo fenômeno. Mas, as duas manifestações houveram parecido absurdas, impossíveis, loucas, aos representantes, grandes e pequenos, de duas gerações anteriores à atual. Esta observação deveria aconselhar a todos prudência, antes de proclamarem absurdas e impossíveis outras informações análogas, constantes das mensagens do Além e que ainda não estão confirmadas pela ciência terrestre. Por outro lado, é também de notar-se que as manifestações mediúnicas se produzem no momento exato em que parecem maduros os tempos, para serem compreendidas, apreciadas e assimiladas. Se as “pancadas” de Hydesville se houvessem produzido um século antes, teriam passado despercebidas e infecundas, como passaram despercebidas e infecundas as revelações de Swedenborg, nas quais já se encontra tudo o que estou analisando nesta obra. Por outras palavras: o advento das manifestações mediúnicas foi preparado e tornado possível pelas descobertas da Ciência, no domínio das ignoradas forças físicas e psíquicas que nos cercam de todos os lados, atravessando e saturando, à nossa revelia, os organismos de que somos dotados. Não havia mais que um passo a ser dado, para que se admitissem outras influências invisíveis, de substratum inteligente. Logicamente inevitável se tornou esse passo, desde que se observaram manifestações aptas a sugerir a sua possibilidade. Foi o que aconteceu. Cumpre, pois, se reconheça que a “nova ciência da alma” nasceu na hora precisa, no seio dos povos civilizados.
Do ponto de vista que nos preocupa, as modalidades sob as quais se manifesta a visão espiritual constituem um detalhe fundamental. Não será, pois, inútil notemos que todos os Espíritos, que, nas suas comunicações, a ela aludem, são acordes na descrição que dela fazem. Assim, por exemplo, o Espírito do Rev. A. H. Stockwell, de quem falamos ao tratar do 5º caso, se exprime, a tal respeito, nos termos seguintes:
“Um dos traços característicos mais notáveis da existência espiritual consiste na faculdade de visão, própria do “corpo etéreo”, a qual é enormemente aperfeiçoada. No mundo dos vivos, o sentido da vista põe o observador em estado de visualizar apenas um lado, um aspecto do objeto observado. Aqui, vemos o objeto simultaneamente de todos os lados. Quer dizer que, quando olhamos uma coisa qualquer, não a vemos somente como vedes: penetramo-la em todas as suas partes. Vemos em torno e através dela, o que faz que cheguemos, num instante, a ter conhecimento completo do que nos possa interessar. É realmente maravilhosa a faculdade visual do Espírito; mas, naturalmente, é preciso um certo tempo, para que essa faculdade apurada se desenvolva inteiramente nos Espíritos recém-chegados. Tal qual todas as outras faculdades espirituais, essa visão evolui gradualmente, ao mesmo tempo que a experiência adquirida em a nova existência.” (The Morrow of Death, págs. 23-24).
Esta última consideração, sobre ser necessário algum tempo para que os Espíritos recém-chegados adquiram a faculdade da visão através dos objetos que observem, é teoricamente importante, pois que explica por que são em número reduzido os Espíritos recém-chegados que aludem a essa visão.
Décimo caso
Tomo-o à revista Light (1927, pág. 230). O diretor dessa revista, Sr. David Gow, precedeu a narrativa deste caso de uma breve nota, donde extraio os períodos seguintes:
“Os trechos que se vão ler, de mensagens mediúnicas, foram tirados de um longo relatório que nos enviou um ministro anglicano da Nova Escócia. O Espírito comunicante foi, ao que parece, conhecida personagem americana, que ocupou, quando na Terra, alto cargo municipal. O médium, de cujo nome se nos deu conhecimento, é uma senhora distinta, muito conhecida, igualmente, pela elevação de seu caráter e pela excelência de suas faculdades mediúnicas.”
O Espírito começou assim:
“Desejo principiar a minha narrativa, do dia em que deixei o corpo material no meu quarto de Blankville. Via quão grande era a dor que despedaçava a alma de meus filhos e muito me afligia o achar-me impossibilitado de lhes dirigir a palavra.
De súbito, verifiquei que em mim uma mudança se operava, que eu não compreendia bem. Fui presa de estranha sensação que, conquanto inteiramente nova para mim, era um tanto análoga à que uma pessoa experimenta quando desperta repentinamente de profundo sono. No primeiro momento, nada compreendi, dada a situação em que me encontrava. Pouco a pouco, porém, fui percebendo o meio que me cercava, como sucede aí quando a gente desperta do sono. Vi-me estendido, calmo e imóvel, no meu leito, circunstância que me encheu de espanto, longe que estava de supor que morrera. Após algum tempo, cada vez mais desperto, percebi que minha defunta mulher se achava ao meu lado, a me sorrir, com uma expressão radiante de ventura. Esse nosso encontro se dava depois de longa separação. Foi ela quem me comunicou a terrificante notícia de que eu estava morto e me encontrava também no meio espiritual. Disse-me que, desde muitos dias, velava à cabeceira do meu leito, aguardando o momento de acolher o meu Espírito e de o conduzir à morada celeste.
Sentia-me de mais em mais revigorado por uma vitalidade nova, como se todas as minhas faculdades entrassem num período de grande atividade, após o prolongado torpor em que me achara... Era a sensação de uma beatitude difícil de descrever-se... Afigurava-se-me que me tornara parte integrante do meio que me rodeava. Minha mulher me tomou então pelas mãos e, assim unidos, nos elevamos através do teto do quarto, subindo para o alto, sempre mais alto, pelo espaço em fora. Entretanto, se bem já me houvesse afastado muito do meio terrestre, continuava a ter conhecimento do que ocorria em minha casa. Via minha filha acabrunhada de dor. Esse estado d’alma parecia deslizar como uma nuvem escura, entre ela e eu; insinuava-se no meu ser, produzindo nele um sentimento penoso de torpor. Desejo saibam que as crises excessivas de dor, junto dos leitos mortuários, constituem imensa barreira interposta entre os vivos, que delas se deixam tomar, e o Espírito do defunto por quem eles choram. Trata-se de uma barreira real e intransponível, que nos não permite entrar em comunicação com os que se desesperam pela nossa morte. Mais ainda: as exageradas crises de dor retêm presos ao meio terrestre os Espíritos desencarnados, retardando-lhes a entrada no mundo espiritual.
De fato, se é certo que, com a morte, cessam necessariamente todas as relações entre os Espíritos desencarnados e o organismo físico dos vivos, em compensação os Espíritos dos defuntos se tornam extremamente sensíveis às vibrações dos pensamentos das pessoas que lhes são caras. Concito, pois, os vivos, na eventualidade da perda de algum de seus parentes – qualquer que possa ser a importância da perda e da dor correspondente – a que, a todo custo, se mostrem fortes, abafando toda manifestação de mágoa e apresentando-se de aspecto calmo nos funerais. Comportando-se assim, determinarão considerável melhoria na atmosfera que os cerca, porquanto a aparência de serenidade nos corações e nos semblantes das pessoas que nos são caras emite vibrações luminosas que nos atraem, como, à noite, a luz atrai a borboleta. Por outro lado, a mágoa dá lugar a vibrações sombrias e prejudiciais a nós outros, vibrações que tomam o aspecto de tenebrosa nuvem a envolver aqueles a quem amamos. Não duvideis de que somos muito sensíveis às impressões vibratórias que nos chegam, por efeito da dor dos que nos são caros. Nossos “corpos etéreos” estão, efetivamente, sintonizados por uma escala vibratória muito alta, que nada tem de comum com a escala vibratória dos “corpos carnais”...
Aqui não se usa a palavra para conversar. Percebemos os pensamentos nos olhos daquele que conversa conosco. O nosso interlocutor, a seu turno, percebe em nossos olhos os pensamentos que nos acodem. Desse modo, percebemos integral e perfeitamente a significação dos discursos dos outros, o que se não pode realizar na Terra.
Logo que cheguei ao meio espiritual, tive a sensação de estar em minha casa. Parentes, amigos e conhecidos vieram todos receber-me; todos se congratulavam comigo, por haver eu, afinal, chegado ao porto. Era, pois, natural que fizessem nascer em mim a impressão de estar em minha casa. Para me adaptar ao novo meio, menos tempo me foi preciso do que seria na Terra, para me adaptar a uma mudança de residência...
Aqui, todos podemos obter facilmente os objetos que desejamos: não temos mais do que pensar neles, para que os criemos. Nessas condições, compreende-se que ninguém pode desobedecer ao mandamento de Deus: “Não desejareis o que pertença ao vosso próximo.” Nada aqui se compra com dinheiro; coisa alguma pode haver que tenha valor, senão para aquele que a criou, destinada a seu uso pessoal, por necessitar dela. Cada um se acha em condições de conseguir para si, se o quiser, tudo o que seu vizinho possua. Bem entendido, falo apenas de objetos materiais de toda espécie. Digo “materiais” para me fazer compreendido, pois que semelhante qualificativo não se adapta às criações etéreas...”
Como se vê, nestas passagens da narrativa que a Light publicou encontram-se as habituais concordâncias, a propósito de o defunto perceber o seu próprio cadáver no leito de morte; de não saber que morrera; de ver-se com a forma humana; de ser acolhido por sua mulher defunta e por grande número de outros Espíritos, que ele conhecera e estimara quando vivo. Acrescenta que no mundo espiritual os Espíritos conversam por meio da transmissão do pensamento e que este é uma força criadora, a cujo favor cada um pode conseguir o de que precise.
Falta, no entanto, qualquer alusão à frase do “sono reparador”, por que passam os Espíritos, pouco tempo depois da morte.
Tampouco se alude ali a outro fato, tão freqüente nas mensagens com que aqui nos ocupamos, o da “visão panorâmica”, que tem o morto, de todos os acontecimentos de sua vida. Noto-o apenas incidentemente, porquanto, do ponto de vista teórico, a omissão nenhuma importância apresenta. Primeiramente, os defuntos que se manifestam não estão forçosamente obrigados a dar uma descrição completa das circunstâncias em que se encontram no momento da morte. Depois, ninguém afirma que os Espíritos devam todos passar pelas mesmas experiências. Finalmente, a publicação da Light não é mais do que uma reprodução fragmentária das mensagens do Espírito que se comunicou; o diretor da revista em questão fez mesmo saber a seus leitores que, “por motivo de carência de espaço, suprimira a maior parte das informações, já muito conhecidas dos espíritas”. É, portanto, provável que entre as informações suprimidas se achem as de que acabamos de falar.
Outro ponto interessante da mensagem que se vem de ler é o em que o Espírito diz que a dor exagerada dos vivos, junto dos leitos mortuários de pessoas que lhes eram caras, constitui obstáculo intransponível, que impede o morto de entrar em relações psíquicas com os seus, acrescentando que, por outro lado, o estado d’alma dos vivos exerce influência deplorável sobre as condições espirituais em que se encontra o Espírito recém-desencarnado. Estas afirmações adquirem importância pelo fato de que muitos outros Espíritos têm afirmado exatamente a mesma coisa. Somos, desse modo, levados a refletir seriamente sobre a advertência que nos chega de além-túmulo, sobretudo se considerarmos que as afirmações desses Espíritos são perfeitamente acordes com as conclusões dos sábios, segundo as quais tudo o que existe e se manifesta no universo físico e psíquico pode reduzir-se, em última análise, a um fenômeno de “vibrações”. Sendo assim, ter-se-á que convir em que é muito verossímil, inevitável mesmo, que as vibrações inerentes a um estado d’alma de grande dor sejam penosas para um Espírito que há pouco se libertou do corpo carnal e o impeçam de entrar em relação psíquica com os seus, retendo-o no meio terrestre, enquanto essas vibrações persistirem.
Um pouco mais adiante (14º caso) transcreverei a mensagem de outro defunto, afirmando os mesmos fatos.
Décimo primeiro caso
Encontro-o num volume recentemente publicado na Inglaterra e intitulado: From Four who are Dead (De Quatro que estão Mortos). O que os quatro defuntos, a que alude esse título, dizem da existência espiritual concorda com o que têm dito todos os que os precederam, não obstante o sensitivo, por cujo intermédio esses Espíritos se manifestaram, ignorar todo esse gênero de literatura. O livro, aliás, é um resumo substancial das revelações fundamentais transmitidas por tantos outros, acerca da existência espiritual.
O médium, que serviu para a transmissão da mensagem de que se trata, é uma literata inglesa, conhecida e distinta: a Sra. C. A. Dawson Scott, que jamais cuidara de pesquisas psíquicas.
Eis o que a este propósito escreveu ela:
“Minha atitude, relativamente às pesquisas psíquicas e ao psiquismo em geral (compreendidas, nesta última expressão, também as crenças religiosas), era a do mais claro agnosticismo. Os conhecimentos humanos a este respeito me pareciam por demais rudimentares para justificarem uma opinião qualquer. Muitas pessoas sentem a necessidade de criar para si mesmas uma hipótese explicativa do mistério do ser. Quanto a mim, de nenhum modo sentia a necessidade de reconfortar nesse sentido o meu espírito, recorrendo aos Espíritos. Sendo as alegrias e as dores apanágio de toda gente, tomava a vida tal como era. Conseguintemente, a minha atenção se concentrava na existência cotidiana. Não me interessavam os destinos da alma. Ignorava se a morte suprimia ou não suprimia a individualidade, mas o problema me era indiferente. E esse estado d’alma persistia em mim até à idade de trinta anos: meus dias se passavam em intensa atividade; vivia exclusivamente do presente...”
Uma grande dor, que de súbito atingiu a existência ditosa da Sra. Dawson Scott, despertou nela um certo interesse pelo problema da sobrevivência. Seu marido, doutor em Medicina, voltara da guerra em estado de esgotamento nervoso, agravado pelo fato de haver na sua família uma forma hereditária e deprimente de hipocondria (spleen). Daí resultou que um dia o Dr. Scott se suicidou, ingerindo uma dose de ácido prússico.
Foi em conseqüência dessa grande dor que a Sra. Dawson Scott começou a se interessar pelas experiências mediúnicas a que, na própria residência, se entregavam as irmãs Shafto, com as quais mantinha ela relações. Foi visitá-las e assistiu a uma pequena sessão tiptológica, no correr da qual teve a manifestação de seu defunto marido, que deu provas de identidade e lhe aconselhou ensaiasse escrever mediunicamente. Em resumo: ela seguiu o conselho e conseguiu sem demora comunicar-se psicograficamente com o marido.
O ponto essencial desta narrativa é que a senhora Dawson Scott começou a escrever mediunicamente quando ignorava tudo relativamente às doutrinas espíritas. Apesar disso, as mensagens mediúnicas por ela obtidas constituem uma síntese admirável do que afirmaram e constantemente afirmam tantas outras personalidades mediúnicas, que se comunicam em todos os países.
Note-se que já é o quarto caso, com que nos ocupamos, em que os médiuns, por intermédio dos quais foram recebidas longas mensagens sistemáticas de revelações transcendentais, tudo ignoravam em matéria de doutrinas espíritas e de fenômenos metapsíquicos. Considere-se ainda que, no caso em questão, do mesmo modo que nos outros três (4º, 6º e 7º casos), os médiuns escreviam as respectivas mensagens na solidão de seus gabinetes, o que também exclui a possibilidade teórica, antes fantástica, segundo a qual suas subconsciências teriam captado nas subconsciências dos assistentes os conhecimentos que manifestaram.
Isto dito, passo a transcrever o que o marido morto narrou com relação à sua entrada no meio espiritual.
Perguntou a Sra. Dawson Scott ao Espírito:
“– Quais foram tuas impressões, quando te separaste do corpo?
R. – Quando despertei, achei-me num meio novo e fiquei extraordinariamente surpreendido de me sentir vivo, pois me lembrava muito bem de que ingerira o veneno. Olhei à volta de mim e notei uma mudança geral no aspecto das coisas que me cercavam. Tudo era diferente: os objetos tinham uma aparência evanescente; as árvores pareciam sombras. Experimentei apalpar uma delas e minha mão penetrou no tronco. Observei que, no lugar onde se achava este, perceptível me era uma espécie de movimento intenso, como se ali houvesse uma aglomeração de átomos infinitesimais, agitados por movimentos turbilhonantes.
P. – Teu corpo permanecia estendido no mesmo lugar?
R. – Eu tinha disso uma idéia vaga, contudo não liguei importância ao fato. Dirigi-me para o hospital, notando com surpresa que me transportava sem caminhar. Penetrando ali, notei que percebia bem as enfermeiras e os doentes, mas que todos me apareciam como sombras, ao passo que percebia no meio deles muitas pessoas de formas distintas, porém que me eram desconhecidas. Essas entidades se aperceberam de que eu as mirava com olhar espantado e se apressaram a vir ter comigo, dirigindo-me a palavra e dando-me as boas-vindas com expressões afetuosas. Estive longo tempo sem me inteirar da realidade; que elas não falavam; que me transmitiam seus pensamentos. Depois de algum tempo, deixei o hospital e fui-me, a céu aberto, em companhia daquelas entidades, que me informaram de achar-me no meio espiritual. Tudo o que via ao meu derredor era extraordinariamente interessante, surpreendente, agradável. A atmosfera parecia radiosa; sentia-me rejuvenescido e cheio de animação, ditoso pela novidade do meio e pelo alto grau da felicidade que via estampada no semblante das entidades que me rodeavam. Estas procuravam todas testemunhar-me amizade, mostrando-se muito solícitas para comigo e fazendo-me admirar as belezas do mundo onde viviam. Não tardei a granjear bons amigos entre elas...
Notara que as entidades em cujo meio me encontrava obtinham por si mesmas as coisas de que necessitavam, criando-as pela força do pensamento. Experimentei fazer o mesmo, pensando na minha pessoa, tal qual era em vida, e, no mesmo instante, me achei provido do meu corpo antigo. Pensei, em seguida, na roupa que trajava e me vi vestido, tendo nos bolsos os objetos que costumava colocar neles... Mas, o que sobretudo me surpreendeu era a rapidez com que me transportava. Pensava em me achar num dado lugar e no mesmo instante lá me encontrava. Não precisava ir a esse lugar; meu transporte de um ponto a outro não demandava tempo: o fato se produzia incontinenti, como no conto do “tapete mágico” (págs. 68-72).
P. – Mas, que faziam essas entidades espirituais?
R. – Trabalhavam na sua própria evolução. Eram todos Espíritos de defuntos, que para aqui tinham vindo muito degradados pelo meio terreno. Foram vivos que, tendo tido possibilidades intelectuais, não as puderam desenvolver no meio terrestre; agora se auxiliavam mutuamente em preparar a evolução das possibilidades intelectuais que se encontravam latentes nelas. O meu desenvolvimento espiritual também fora grandemente retardado, por causa da hipocondria que me acabrunhava. Ditoso, pois, me senti em cooperar com outros para a evolução comum. Que imensa alegria experimentamos, ao verificarmos que as nossas faculdades espirituais se reavivam; que certos dons espirituais, de que não tínhamos certeza, de que, durante a vida, apenas fazíamos vaga idéia, efetivamente existem e podem agora desenvolver-se e ser utilizados. Adquirimos confiança em nós mesmos; sentimo-nos, pela primeira vez, homens capazes de alguma coisa. E nisso não há unicamente uma consolação: há um encorajamento para a ação...
“Dá-nos o pão cotidiano”, deixa de ser uma prece que tenhamos de dirigir a Deus. O nosso alimento é espiritual e a nossa mentalidade pode livremente aproveitá-lo. Apesar disso, quando se chega ao meio espiritual, fica-se durante algum tempo sujeito aos prejuízos e às inibições sensoriais adquiridas no curso da existência terrena. Mas, não tardamos a nos desabituar inteiramente de umas e outras, diante da grande realidade da existência espiritual... (pág. 156).
A causa principal de tantos crimes no mundo dos vivos – isto é, a necessidade que cada um tem de alimentar-se – não existe aqui. Ou, com maior exatidão, não temos mais necessidade de alimentar-nos, no sentido preciso do termo, se bem que aqueles dentre nós, que ainda queiram satisfazer ao prazer de se alimentarem, possam proporcionar a si mesmos a sensação de que o fazem... (pág. 73-74).”
Limito-me às citações que acabam de ser lidas.
Embora meus leitores se achem em condições de notar por si mesmos as constantes concordâncias habituais que existem entre cada episódio da obra da Sra. Dawson Scott e os episódios precedentemente referidos, não será inútil que alguns eu passe em rápida revista.
Concito-os a notarem, por exemplo, que, no caso que nos preocupa, as primeiras impressões do morto dizem com a circunstância de haver ele percebido que não caminhava, que se transportava, pairando acima do solo. Os vivos lhe parecem sombras e os Espíritos seres substanciais. Conversando com estes últimos, julgara que eles lhe dirigiam a palavra, quando apenas lhe transmitiam seus pensamentos. A mais forte das surpresas não tardou em se lhe apresentar também a ele, isto é, a de perceber que as entidades, em cuja companhia se achava, obtinham tudo o de que necessitavam criando-o pela força do pensamento. Também ele, o Espírito do Dr. Scott, percebeu que lhe bastava desejar ir a um lugar qualquer, para se sentir transferido no mesmo instante a esse lugar. Enfim, não tardou igualmente a notar que muitos Espíritos de defuntos, ainda sujeitos à contingência de satisfazerem a certos hábitos inveterados, contraídos durante a vida terrena, podiam proporcionar a si mesmos a sensação desses hábitos, graças à força criadora do pensamento.
Notem ainda que o funcionamento habitual e matemático da grande “lei de afinidade”, graças à qual cada um tem forçosamente que gravitar para o seu semelhante, levou o Dr. Scott a fazer parte de um grupo de Espíritos “que chegaram ao meio espiritual muito degradados pelo meio terrestre, no qual não tinham podido desenvolver suas possibilidades intelectuais”. Daí, como eles não eram responsáveis por essa falta de evolução, resultou que o meio para onde gravitou o Dr. Scott não correspondia a um estado espiritual inferior; era, ao contrário, um meio radioso, como convinha, a fim de encorajar para a ação Espíritos que, sem terem disso a culpa, se conservaram atrasados.
Esta circunstância dá ensejo a que toquemos numa questão, que deve ser esclarecida, no que concerne ao Dr. Scott. Ele se achava num meio “luminoso”, conquanto se houvesse suicidado, o que estaria em flagrante contradição com as afirmações unânimes das outras personalidades mediúnicas, segundo as quais em severas sanções incorrem os que se tornam culpados desse ato de pusilanimidade ante as provas que nos reserva o destino e que devemos suportar valorosamente.
O sensitivo, Sra. Dawson Scott, ignorava a existência dessa contradição nas mensagens que obtivera. Pessoas amigas, porém, lha assinalaram. Ela, então, pediu uma explicação ao defunto, que respondeu nestes termos:
“Há um outro fator que se deve ter em consideração, é que aqui não somos absolutamente da mesma opinião sobre grande número de questões. Limitei-me a te referir minhas experiências pessoais; disse que fora acolhido calorosamente no mundo espiritual, onde ninguém me questionou sobre o meu fim; acrescentei que minhas primeiras impressões foram de alegria, por me ter livrado do corpo. Isso não impede que outro Espírito possa considerar as coisas de um ponto de vista diverso; ou, melhor, que outro Espírito, nas minhas condições, possa ter outra sorte. Em suma, expressei minha opinião pessoal e nada mais.” (pág. 107).
Esta resposta longe está de haver esgotado o assunto; entretanto, constitui uma nova ilustração da grande verdade que o Espírito do Dr. Scott procura incessantemente inculcar à mentalidade da sua mulher, isto é: que os Espíritos desencarnados, longe de se mostrarem oniscientes, julgam de acordo com a experiência pessoal de cada um, exatamente como ocorre no mundo dos vivos. Segue-se que as opiniões que eles emitem devem ser acolhidas com reserva, pois que não representam mais do que opiniões pessoais, ou experiências pessoais daqueles que podem às vezes saber um pouco mais do que nós no tocante a certas questões; mas, é tudo.
Ora, no caso com que nos ocupamos, vê-se que o Espírito que se comunicava, descrevendo o meio radioso em que veio a achar-se, de modo algum declarou que a mesma ditosa sorte espera os outros Espíritos de suicidas, nem, por conseguinte, que alguém está autorizado a matar-se, sem incorrer em graves responsabilidades na existência espiritual.
Os fatos, na realidade, são muito outros; mas, a verdade a esse respeito escapara ao Dr. Scott, que não refletira sobre a circunstância de que, se ele se encontrou num meio de “luz”, não obstante o seu suicídio, foi por não lhe caber a responsabilidade da ação insensata que praticara, a qual, nele, resultou de uma enfermidade psíquica hereditária, conhecida em psiquiatria sob o nome de “melancolia” e que muito freqüentemente termina com um acesso de “loucura do suicídio”.
Parece-me que o que deixo dito é o suficiente para eliminar a única contradição, aparente aliás, que se poderia notar nas mensagens mediúnicas cujo exame empreendi, consideradas em relação aos ensinamentos das outras personalidades mediúnicas.
Décimo segundo caso
No episódio seguinte, não se nos deparam descrições de detalhes novos sobre a crise da morte, mas encontram-se anotações instrutivas sobre a natureza da personalidade integral inconsciente e sobre a dificuldade que um Espírito experimenta para se comunicar com os vivos, pelos médiuns.
Esta narrativa tiro-a de uma brochura intitulada Blaire’s Letters, communicated by James Blaire Williams to his mother (Cartas de Blaire, escritas por James Blaire Williams à sua mãe). A mãe do autor das cartas (morto aos 30 anos, em 1918) começa por dizer que, não podendo consolar-se da morte de seu único filho, desejou pôr-se mediunicamente cm comunicação com ele. Para esse fim, aconselharam-lhe fosse à Direção do British College of Psychical Science. Foi na sede dessa importante instituição que ela chegou a experimentar sucessivamente, com quatro dos melhores médiuns, obtendo por eles numerosas provas de identificação pessoal de seu filho, provas revestidas de alto valor cumulativo, porque provinham de quatro médiuns diversos, que a desconheciam completamente. Por um deles – uma senhora dotada de faculdade para a escrita mediúnica – foi que recebeu do filho a série de mensagens que se contêm na brochura com que nos ocupamos.
Do que concerne ao tema que constitui objeto deste estudo, o defunto fala rapidamente, em quatro pontos diversos de suas mensagens. Fê-lo, a primeira vez, na véspera do aniversário de sua morte, escrevendo:
“Guardei profunda recordação do que experimentei nesse dia, véspera de minha morte. Sentia que me afundava lentamente e inexoravelmente no abismo; não chegava a distinguir as pessoas que me cercavam, pelo se ir tornando o meio para mim cada vez mais sombrio. Sentia achar-me em condições estranhas, inexplicáveis, indescritíveis. Não compreendia o que se estava passando, por isso que me via deitado na minha cama. Profundamente me perturbava a idéia dos sofrimentos que haviam de aniquilar aquele pobre corpo. Entretanto, não me sentia doente. Não me achava em estado de compreender a situação. Via-te, minha mãe, bem nitidamente e quisera fazer-te ciente de que já me não encontrava enfermo.” (Pág. 86).
À pág. 97, o defunto volta à mesma questão, nos seguintes termos:
“Minha morte se deu bruscamente, enquanto me achava em estado de inconsciência. Quando despertei, pensei logo em mamãe e me pareceu estar com ela. Media-lhe a grandeza da dor, exatamente como se me achara a seu lado. A lembrança de mamãe ocupava inteiramente a minha mente... A princípio, fiquei aterrado. Invadia-me o sentimento de uma desoladora impotência, como se houvesse perdido todas as energias. Em compensação, era ditoso, por me haver tornado leve, leve; mas, ao mesmo tempo, experimentava a impressão de alguma coisa imensa, incomensurável, que me circundava; não chegava a discernir claramente o lugar onde me encontrava. Era uma situação de enlouquecer. Assaltava-me por vezes a idéia de que ainda me achava doente e deitado na minha cama. Logo me invadia um sentimento de desolação impotente. Depois, sentia como que milhares de sons diferentes, a ressoarem em torno de mim, acabando por se fundirem num só vozerio. Em seguida, eram relâmpagos, de ofuscante luminosidade. Entretanto, não conseguia ver os entes amados que deveriam rodear-me. Percebia que não estava só; muito ao contrário, parecia-me estar cercado de uma multidão de seres, que não chegava a divisar.
Sentia o ar saturado de elementos vitais; mas, pessoalmente, me sentia diminuído e quase morto, do ponto de vista sensorial. Afigurava-se-me que esse estado durava, para mim, havia longo tempo; na realidade, deve ter sido de muito curta duração. Era, em todo caso, um estado bastante penoso.
Apesar de tudo, reconheço agora que fui libertado do corpo com relativa facilidade e penso que os que morrem de súbito devem sofrer mais do que eu. Como já disse, creio que o período de desorientação e de pena não foi para mim de longa duração. De todo modo, é certo que, enquanto está na segunda esfera, o Espírito atravessa um período de inconsciência, seguido de outro período de semi-inconsciência, que não é a existência espiritual e em que ele ignora esta existência. Enquanto permaneci nesse estado, não consegui entrar em comunicação com minha mãe; sentia-me como que a tatear nas trevas, procurando-a, sem jamais ter a certeza de estar perto dela. Minha passagem para a terceira esfera ocasionou uma súbita e maravilhosa mudança. Sentia-me inteiramente desperto, exuberante de vitalidade, consciente de me encontrar no mundo espiritual. Achei então natural que viesse ao meu encontro meu pai, por quem fui imediatamente inteirado do que me sucedera. Lembro-me da viva impressão que experimentei ao dar com ele, tão transformado no seu aspecto. Acolheu-me como um irmão, como um amigo querido. Falamos longamente de ti, mamãe. Disse-lhe ser minha intenção ir visitar-te, custasse o que custasse. Ele me respondeu ter ouvido dizer que a coisa era possível, se bem nunca a houvesse tentado.
Procurei informar-me a esse respeito, depois do que tratei de penetrar no meio terrestre. Asseguro-te, mamãe, que as primeiras tentativas exigem imenso esforço. Somos obrigados a restringir de novo a nossa mente, pondo-a dentro de limites tão apertados que nos ferem. Ou, com mais precisão, eles não nos ferem, porém é extremamente difícil fazê-lo. Ainda agora, quando me comunico contigo, sinto-me nas condições de um vivente mergulhado n’água.”
À pág. 105, o defunto retoma o tema da crise da morte, dizendo:
“Esta noite, quero tentar fazer-te compreender o que significa o achar-se a gente de súbito sem corpo... Minha primeira impressão foi a consciência de ter simultaneamente presentes à memória uma imensidade de lembranças e de coisas diferentes. Deduzi daí que esse fato singular devia ser atribuído a uma espécie de sonho provocado pela febre. Apercebi-me, em seguida, de que já não tinha nenhuma idéia do tempo, não chegando a fazer um conceito exato do meu passado, do meu presente e do meu futuro. Com efeito, essas categorias do vosso tempo se me apresentavam à mente de maneira simultânea. A esse propósito, abstenho-me de informar a mamãe acerca do seu futuro, se bem eu saiba exatamente o que o futuro lhe reserva.
Em tais condições deveis compreender que, com essa imensa expansão das faculdades da inteligência, fácil não é haurirmos, em nossas recordações, um dado fato, muitas vezes insignificante, a cujo respeito os vivos nos interrogam. Já vou começando a ficar menos embaraçado quando me dirigem perguntas desta natureza; mas, a princípio, fora incapaz de responder a qualquer pergunta. Além disso, não esqueçais que, quando aqui venho, sou obrigado a comprimir a minha mente, a ponto de reduzi-la às proporções acanhadas da dos vivos. Segue-se que, quando me interrogam sobre o meu passado, não consigo esclarecer-me senão retomando, por instantes, as minhas condições espirituais de expansão intelectual, para, em seguida, comprimir de novo a minha mente, até reduzi-la às proporções humanas e achar-me assim na condição de ter que empregar inauditos esforços para me lembrar da resposta que formulei no estado de livre expansão espiritual e que logo esqueci, ou quase, no estado de mentalidade reduzida para as necessidades do momento.
... Procurei conhecer qual era o estado de meu Espírito, quando me achava aprisionado e diminuído no corpo. Eis aqui: verifiquei que o corpo se pode comparar a uma roupa muito apertada, de que o Espírito se reveste; trata-se, porém, de uma roupa que não contém mais do que uma seção especial do Espírito, porquanto a parte, que é de muito a mais importante da nossa personalidade espiritual, se conserva em estado latente, quase inconsciente, nas profundezas da subconsciência. Mas, quando o Espírito se desembaraça do corpo, as coisas mudam de aspecto; a parte latente desperta em plena eficiência, realizando todos os poderes. É essa uma sensação maravilhosa e deliciosa para os Espíritos desencarnados...” (pág. 116).
Não é este certamente o caso de nos estendermos, para fazer notar que esta última afirmação do defunto, autor da mensagem, é perfeitamente conforme ao que foi observado no mundo dos vivos, desde todos os tempos e em todos os povos, isto é: que, na subconsciência humana, existem, em estado latente, maravilhosas faculdades supranormais, capazes de devassarem o passado, o presente e o futuro, sem nenhuma limitação de tempo, nem de espaço. E o fato de, na existência corporal, essas faculdades só emergirem, quais centelhas fugazes, sob a condição de estar o vivente mergulhado numa fase qualquer de sono: natural, sonambúlico, hipnótico, mediúnico, provocado por drogas narcóticas; ou, então, numa fase qualquer de ausência psíquica, como no êxtase, na síncope, na catalepsia, no coma e no período pré-agônico, isto é, somente sob a condição de que o vivente se ache em estado de desencarnação parcial do Espírito, este fato, digo, concorda muito bem com a afirmação do defunto, transcrita acima, segundo a qual as faculdades supranormais em questão constituem os sentidos da existência espiritual, que se conservam em estado latente na subconsciência humana, aguardando unicamente, para emergirem e se manifestarem com toda a eficiência, que o estado de desencarnação do Espírito já não seja inicial e transitório, mas total e definitivo; em outras palavras, depois da crise da morte.
Esses fatos parecem constituir verdades fundamentais e, ao mesmo tempo, elementares, das doutrinas metapsíquicas; verdades que se acham inabalavelmente fundadas na observação direta de grande número de fenômenos, examinados pelo método científico da análise comparada e da convergência das provas. Entretanto, muito difícil é vencer-se, a esse respeito, a resistência misoneísta de alguns pesquisadores eminentes, que, não querendo, ou não podendo renunciar à concepção materialista do Universo, preferem interpretar dessa maneira o fato perturbador de existirem latentes, na subconsciência humana, faculdades supranormais independentes das leis de evolução biológica. Fazem-no, sem se preocuparem com a circunstância de que as hipóteses, que eles hão proposto, se mostram em contradição flagrante com os fatos.
Se passamos a examinar a afirmação do defunto, quando diz que não consegue, em certos casos, lembrar-se de detalhes da sua existência terrestre, devido às condições anormais em que se encontra sempre que se comunica, comprovamos que essa explicação coincide com as outras dadas, sobre este ponto, pelas personalidades mediúnicas. Não só isso, como também o exame dos fatos prova a veracidade do que elas afirmam, conforme eu já demonstrei num recente trabalho analítico, relativo a uma série de “Mensagens mediúnicas entre vivos, transmitidas com o auxílio de personalidades mediúnicas” (Revue Spirite, de dezembro de 1927 e janeiro de 1928). Nessas experiências (efetuadas por dois grupos que se reuniam simultaneamente a 300 milhas de distância um do outro), os Espíritos, que se comunicavam mostraram-se perfeitamente capazes de transmitir, de um a outro grupo, as mensagens que se lhe confiavam, porém quase sempre o fizeram apenas parcialmente, ou, então, só transmitiram a substância da mensagem. Quando chegavam a transmiti-la integralmente, é que a mensagem se constituía de uma idéia única. Interrogados sobre isso, um dentre eles deu explicação análoga à que ficou acima exarada, dizendo que o fato devia ser atribuído ao estado de amnésia parcial ou total em que entram as personalidades mediúnicas no ato de se comunicarem. A esse propósito, não se pode deixar de reconhecer significativo um incidente que se produziu, na série de experiências em questão. Tendo-se o Espírito manifestado uma primeira vez, com o fim de transmitir a mensagem que lhe fora confiada, logo se apercebeu de que a esquecera; teve que se limitar a dizer que recebera o encargo de transmitir uma mensagem, mas que a olvidara. Ora, cinco dias depois, ele se achou em condições de transmitir a parte substancial da mensagem. Forçoso é se deduza que se o Espírito, depois de haver esquecido a mensagem, conseguiu lembrar-se dela, isso demonstra que era apenas temporária a amnésia total que se produzira anteriormente. Quer dizer que, constituindo uma conseqüência da ação de se comunicar, ela desaparecera, quando o Espírito se libertou da “aura” perturbadora, para, em seguida, se renovar, parcialmente, quando o Espírito tentou de novo a prova. Se desta segunda vez a amnésia foi apenas parcial, isto significa que as condições perturbadoras da “aura” mediúnica eram menos desfavoráveis.
Naturalmente, essas explicações só servem para uma modalidade única de comunicações mediúnicas: a em que o Espírito se utiliza mais ou menos parcialmente do órgão cerebral do médium. Outras modalidades há de comunicações mediúnicas que se verificam por via telepática. Neste caso, as interferências, devidas a um estado imperfeitamente passivo da mentalidade do médium, ocasionam outras formas de alterações, mais ou menos profundas, das mensagens transcendentais que são transmitidas.
Só me resta analisar a mensagem acima, do ponto de vista especial da “crise da morte”. A este respeito, nota-se-lhe uma variedade de experiências, ou, antes, de impressões, que mais ou menos se afastam das impressões descritas por muitos outros Espíritos. Mas, essas variantes se nos revelam de natureza prevista, desde que nos lembremos de que os Espíritos declaram que “nenhum peregrino do mundo dos vivos chega pela mesma porta ao mundo maravilhoso deles”, o que é logicamente inevitável, dado que o meio e a existência espirituais são puramente mentais e que não pode haver em nosso mundo duas individualidades intelectualmente e moralmente idênticas. Afora isso, notamos que a mensagem de que se trata concorda com todas as outras, no que concerne aos detalhes fundamentais da existência espiritual. Verifica-se, com efeito, que o Espírito, a seu turno, alude sucessivamente às circunstâncias seguintes: visão de seu corpo no leito de morte: ignorar, durante algum tempo, que estava morto; haver passado por um período de sono e de inconsciência; ter sofrido a prova da “visão panorâmica” de todos os acontecimentos de sua vida; terem-no seus parentes defuntos acolhido no mundo espiritual.
Nos detalhes secundários nota-se que ele está plenamente de acordo com os outros, quando diz ter observado com surpresa que no mundo espiritual a noção de tempo deixa de existir.
Décimo terceiro caso
Tiro-o da Light (1927, pág. 314). Trata-se da manifestação de Miss Felicia Scatcherd, alguns meses depois de sua morte, ocorrida a 27 de março de 1927. Miss Felicia fora, em vida, uma das personalidades mais em evidência no movimento espiritualista inglês. Seu nome permanecerá na História, por ter sido ela quem fez as primeiras experiências importantes, de onde nasceram as teorias da “fotografia do pensamento” e da “ideoplastia”.
Relativamente à comunicação de que me disponho a citar algumas passagens, eis o que escreveu o diretor da Light:
“Não me é lícito publicar os nomes das senhoras que receberam a mensagem; mas, estou apto a declarar que elas nenhuma parte jamais tomaram no movimento espiritualista e que o médium é uma senhora por quem se obtiveram as mais verídicas comunicações que têm aparecido nestes últimos tempos.
Grande parte da mensagem em questão apresenta caráter meramente pessoal e contém numerosas provas de identidade, tanto mais notáveis quanto dizem respeito a circunstâncias absolutamente ignoradas dos assistentes e cuja veracidade foi comprovada mais tarde... Posso também fazer notar que Miss Scatcherd diz em sua mensagem que iria ao círculo Crew (no qual fazia, em vida, freqüentes experiências de fotografia transcendental), a fim de projetar a imagem de seu semblante numa chapa fotográfica, o que se realizou pontualmente. Aludiu, ao demais, a um de seus poemazinhos, indicando o tema dessa composição. As senhoras que assistiam à sessão desconheciam esses versos, que foram, em seguida, achados num artigo de miss Scatcherd, publicado depois de sua morte...”
Parece-me que esses esclarecimentos tendem a confirmar admiravelmente a autenticidade da mensagem obtida.
Aqui vão as passagens que se referem ao assunto com que nos ocupamos:
“O médium anuncia a presença do Espírito de uma dama distinta, morta havia pouco, que deseja vivamente manifestar-se a uma das senhoras presentes.
P. – Pode dar-nos o nome dessa dama?
R. – Esperem... vou experimentar... Rudolph...
P. – Pode completá-lo?
R. – Felicity.
P. – Felicity Rudolph tem alguma coisa a dizer?
R. – Ela está mais ou menos confusa; porém vai tentar.”
Foi a primeira prova de identidade que o Espírito deu, porquanto Miss Scatcherd publicou muitos de seus artigos com o pseudônimo de “Felix Rudolph”, ao mesmo tempo em que seus íntimos costumavam chamá-la “Felicity”.
Em seguida, o Espírito ditou a sua longa mensagem, da qual extraio os tópicos seguintes:
“Minha cara amiga, eu desejava ardentemente comunicar-me com você. Sou ditosa por poder fazê-lo. Orei para que isso me fosse concedido. É um fenômeno maravilhoso. Quantas coisas quisera dizer-lhe, minha querida! Começarei por aqui: que a morte absolutamente não existe; a significação dessa palavra é um contra-senso. Assim pensei sempre em vida, mas, às vezes, o corpo não estava de acordo com o Espírito. Agora o reconheço.
Antes de continuar, devo informá-la de uma coisa, a cujo respeito tenho certeza; é que nenhum peregrino do mundo dos vivos chega a este mundo pela mesma porta. O meio que aqui nos recebe se apresenta a cada um de nós de modo inteiramente diverso. Segue-se daí que o que lhe eu dissesse poderia não parecer perfeitamente idêntico a qualquer outra narrativa desse gênero...
O trespasse me foi tão fácil! Senti-me cansada e sonolenta; pela manhã adormeci ligeiramente. Foi então que percebi estranhas luminosidades, singulares filamentos luminosos. Senti-me em seguida a flutuar no espaço e a minha mente se tornou muito límpida. Pensei: “Como me sinto bem! Eu sabia que me havia de curar!” Minha inteligência se tornara de novo tão solerte, que já projetava pôr-me outra vez a escrever, para informar aos meus amigos que me sentia como se tivera vinte anos... Era uma estupefaciente sensação de bem-estar... Mas, não tardou que me inteirasse do que significava aquele repentino restabelecimento...
Um pouco de sonolência voltou em seguida a se apoderar de mim, por isso que aqueles filamentos luminosos ainda me prendiam ao mundo dos vivos, entorpecendo-me o espírito. Repousei durante algum tempo... Mas, não se tratava de sono: era antes delicioso torpor. Uma multidão de recordações antigas e ditosas me invadiam então o espírito: lembranças do tempo que passei na sua companhia e na de muitas outras pessoas. Porém, tudo isso se desdobrava com tranqüila serenidade, sem nenhum choque, sem dissonâncias. Nada do que se verifica de incoerente e desagradável nos sonhos propriamente ditos...
Muitas pessoas, dentre as que me eram mais caras, vieram em seguida ter comigo. Havia, entre outras, a mais querida de todas: minha mãe! Mas, quanto estava mudada! Tornei a vê-la tal como era na sua mocidade... Quisera que todos vós vos persuadísseis de que a vida terrena é a parte mais desolada de nossa existência. Na realidade, ela não é uma vida...
Via-me mergulhada numa espécie de nevoeiro aljofrado. os Espíritos me informaram de que iam ajudar-me, com seus conselhos, para me facilitarem a ruptura dos filamentos luminosos que ainda me ligavam ao corpo. Segui-lhes, com efeito, os conselhos: tratei de pôr-me em absoluta calma de espírito; vi então desaparecerem os filamentos luminosos. Radical mudança se produziu lentamente em mim. A nuvenzinha aljofrada, de que me via cercada, tomou gradativamente uma forma. Compreendi que se tratava do meu corpo espiritual, que assumia gradualmente uma forma humana. Disseram-me então que, pela força do meu pensamento, eu poderia modelar, à vontade, os meus traços. Não é maravilhoso?
Entretanto, os pensamentos e as ações realizadas no curso da existência terrestre contribuem para a criação da natureza íntima do nosso “corpo etéreo”. Bem consideradas as coisas, vereis agora uma Miss Felicia muito mais moça e, penso, mais atraente. Em todo caso, seria sempre a mesma para você, minha caríssima amiga...
Dirigi um olhar ao meu velho corpo lívido e desfeito. Pareceu-me tão pouca coisa! Voltei o pensamento para as pessoas que me eram caras e que eu deixara na Terra. Desejava, sobretudo, vê-la ainda uma vez, assim como a A... Imediatamente vi você na sua cama, profundamente adormecida! Parecia muito fatigada, porém calma. Procurei entrar em comunicação com seu Espírito, mas este não se achava preparado para essa prova. Renovarei a minha tentativa noutra ocasião; entretanto, é preciso que, então, antes que você adormeça, pense fortemente em mim e reconstitua a minha imagem pela imaginação. Chegarei assim a fazê-la sair momentaneamente do corpo e a trazê-la até a mim. É o que chamamos “uma entrevista no sono”. Tornará a me ver e me reconhecerá; mas, naturalmente, ao despertar suporá que sonhou. Lembre-se, no entanto, de que, ao contrário, teremos estado juntas...
Fui logo conduzida para longe dali pelos Espíritos que tinham vindo receber-me e que me explicaram haver construído o maravilhoso mundozinho deles, tirando-o daquele nevoeiro aljofrado que eu percebia, condensando-lhe, pelo poder do pensamento, as “vibrações” infinitamente sutis. Eles projetam nesse meio as formas do pensamento, que se revestem da substância espiritual. Chegam assim, pouco a pouco, a criar o seu meio. Quanto a mim, como é natural, ainda não me achava em condições de projetar as formas do meu pensamento nesse mundo exclusivamente mental; por isso, os Espíritos me conduziram à maravilhosa morada que eles próprios haviam criado. Mais tarde aprenderei, por minha vez, a construir o meu mundozinho pessoal...
Quanto ao meio, em geral, somos sempre nós que contribuímos para a sua criação; cada um traz para ali uma pequena parte do todo. Naturalmente, o trabalho é dividido, depois de todos se haverem posto de acordo com relação ao conjunto a ser criado. Grande número de Espíritos há que não se ocupam com essas criações, reservadas àqueles que manifestam disposições para essa espécie de trabalhos. A paisagem que me cerca aparece completa por si mesma e maravilhosa; mas é apenas a nossa paisagem. Asseguram-me, com efeito, que, para além da nossa, há outras muito diversas, porque almas há incapazes de apreciar o que se afaste da paisagem terrestre.
A minha amiga não pode imaginar quão eletrizante é o sentimento de criar dessa maneira. A intensidade passional com que todos a isso se afazem não se pode exprimir por palavras...
Falaram-me da existência de outras esferas infinitamente superiores à nossa e que desejo e espero alcançar um dia, ainda que esse dia deva estar para mim muito distante. Os Espíritos eleitos que as habitam executam, pelo poder da vontade, coisas que vos parecerão impossíveis, o que não impede sejam verdadeiras. É dessas esferas que se desprendem as “centelhas da vida”, sob a forma, por assim dizer, de um “fluxo vital” que atinge o vosso mundo e é absorvido pelo reino vegetal. Para chegar a dispor de tanto poder, é necessário alcançar-se suprema perfeição espiritual; todos, porém, estamos em condições de ascender até lá. É o que me afirmam...”
Passo a comentar sumariamente o caso que venho de reproduzir. Chamo, antes de tudo, a atenção para o fato de que a personalidade autora da mensagem se deu pressa em prevenir os experimentadores de que “nenhum peregrino do mundo dos vivos chega pela mesma porta ao mundo espiritual”, isto é, que cada Espírito, sendo uma entidade individualizada e, por conseguinte, mais ou menos diferente de todas as outras entidades da mesma natureza, tem forçosamente que deparar no Além com uma situação também mais ou menos diferente da dos outros Espíritos individualizados, no momento de entrar no meio espiritual, meio de natureza exclusivamente mental. Essas diferenças, que não podem deixar de ser enormes entre “eleitos” e “réprobos”, existem mesmo entre os Espíritos que, pela lei de afinidade, gravitam no mesmo meio, embora se trate de diferenças relativas a detalhes secundários, ou à direção de certas experiências inerentes à crise da morte. No caso que nos preocupa, pareceria que as diferenças se referem unicamente à duração de determinadas experiências por que todos os Espíritos têm de passar.
Nota-se, em primeiro lugar, que a crise do trespasse foi mais fácil para Miss Scatcherd do que o é para a maioria dos Espíritos. Contudo, ela também refere ter experimentado a sensação passageira da flutuação no espaço. Diz igualmente não haver, a princípio, acreditado que morrera, mas que se curara de súbito, embora essa impressão também tenha sido pouco duradoura. Viu igualmente seu cadáver no leito de morte; também teve o seu período de sono, ainda que muito curto; teve a “visão panorâmica” dos acontecimentos de sua vida, se bem que sob a forma de uma multidão de lembranças gratas que lhe invadiam a mente. Os entes caros, que ela perdera, se lhe apresentaram em seguida, entre outros, sua mãe. Observou os filamentos luminosos que ainda a prendiam ao corpo e conseguiu dissipá-los, concentrando-se em absoluta calma de espírito. Percebeu a nuvenzinha fluídica que havia de lhe constituir o “corpo espiritual” e, graças à potencialidade do seu pensamento, seguindo o conselho de seus guias, chegou a modelar o próprio semblante, dando-lhe traços juvenis. Presa do vivo desejo de tornar a ver uma de suas amigas, achou-se incontinenti perto dela. Do mesmo modo que todos os outros Espíritos que se comunicam, foi, afinal, impressionada, sobretudo, pelo grande fato do poder criador do pensamento, no meio espiritual. Deteve-se mesmo, mais demoradamente do que a maior parte dos outros Espíritos, a descrever maravilhas desse poder. Sua descrição é importante e instrutiva, porque contribui para que melhor se compreendam certas modalidades do fenômeno, que pareciam obscuras e embaraçosas à nossa inteligência limitada. Aludo aos esclarecimentos dados pela entidade, acerca da sábia colaboração por meio da qual os Espíritos operam, para criar o meio geral comum, evitando assim a confusão caótica das iniciativas pessoais.
Resta-nos tomar em consideração a revelação última da entidade transmissora da mensagem: a que diz respeito às supremas esferas espirituais, donde os Espíritos muito elevados que as habitam enviariam os “germes da vida” aos mundos do Universo, empregando o poder criador do pensamento. Que se deve pensar disso? Responderei que, se atentarmos na impotência inata da cienciazinha humana, que jamais conseguirá penetrar o grande mistério das origens da vida dos mundos; se considerarmos que a mentalidade humana permanecerá eternamente na impossibilidade de saber como é que uma mônada inerte de protoplasma se vitalizou repentinamente, tornando-se uma “ameba” ou transformando-se num “líquen”, teremos que convir em que se pode tomar em consideração a fecunda sugestão da entidade de quem procede a comunicação. Segundo ela, haveria entidades espirituais muito elevadas que, pelo seu pensamento criador, engendrariam “fluxos vitais”. Estes, atingindo os mundos e saturando-lhes o protoplasma primitivo, lhe transmitem os germes da vida vegetativa que, graças a um processus evolutivo muito lento, a se realizar no meio físico, através dos quatro reinos da natureza, acaba por engendrar a sensibilidade, depois a motricidade, em seguida o instinto animal, os primeiros albores da inteligência e, por fim, a inteligência consciente de si mesma. É assim que se chegaria à criação de uma individualidade pensante...
Paremos aí. Nada impede se haja de aceitar esta solução do grande enigma, tanto mais que, tudo bem considerado, fora desta explicação, nunca se chegará a formular qualquer coisa de racional sobre o problema das origens. Contrariamente, aceita que seja esta solução, se bem ela não nos ponha em condições de penetrar o incognoscível, levar-nos-á, entretanto, a uma compreensão do mistério, ao que nos parece, bastante para satisfazer e repousar o espírito. Com efeito este começo de solução se fundaria num ato conquistado pela Ciência, isto é, que o pensamento humano já dispõe da potencialidade de objetivar formas que ficam gravadas na chapa fotográfica e se materializam e, muitas vezes, se organizam. O primeiro e maior obstáculo racional que se encontra, para aceitar a solução de que se trata, estaria então vencido. Para aceitá-la, bastaria deduzir dali que a potencialidade criadora do pensamento, tal qual se manifesta em a natureza humana, é de natureza evolutiva no meio espiritual e perfectível além de todo alcance do entendimento humano. É claro que, se se admite a sobrevivência, este postulado não só é legítimo, mas também racionalmente necessário.
Dever-se-ia, pois, inferir daí que o fato, experimentalmente demonstrado, da potencialidade criadora do pensamento no meio terrestre oferece base suficientemente firme à concepção de que se cogita e assim a torna cientificamente e filosoficamente legítima. Em outros termos: Tendo-se em conta que a ciência oficial não dispõe de uma base experimental qualquer, por onde possa orientar-se na pesquisa das origens da vida no Universo; tendo-se em conta que se chegaria a encontrar, na experiência humana, essa base experimental, contanto que se aceite, a título de hipótese de trabalho, a explicação que deu a personalidade mediúnica em questão, segue-se que, até prova em contrário, se está no dever de considerar legítima essa solução parcial do grande mistério.
Décimo quarto caso
Tomo-o ao livro intitulado Messages from the Unseen. Trata-se de uma santa mãe que se comunica por intermédio de sua filha. Orna a brochura o retrato da morta, cujos traços angélicos se harmonizam de modo muito sugestivo com o conteúdo das mensagens, das quais se exala o perfume celeste de uma bela alma, em suprema comunhão de amor com todos os seres do Universo.
É tão espontânea, tão natural a forma em que são ditadas as mensagens, que sugere aos que as lêem a intuitiva certeza da origem, autenticamente transcendental, donde promanam.
Na primeira, a morta exprime a sua viva alegria por sentir-se, enfim, liberta do corpo.
Dirige-se, depois, ao marido, nos termos seguintes:
“Acho-me, neste momento, contigo, bem perto de ti e dos meus filhos. Varre da mente essa idéia de que me encontro muito longe do meio onde vivi. Podes consultar-me sobre tudo o que te apraza, com mais facilidade do que antes. Estarei sempre em relação com todos vós; não vos deixarei um só instante, até ao dia em que vos der as boas-vindas à passagem do grande rio. Possa essa passagem ser para todos tão suave quanto o foi para mim. Não me lembro de coisa alguma concernente à travessia.
Devo ter dormido longo tempo, se bem não conserve disso nenhuma recordação. Mas, quando abri os olhos, achei-me curada miraculosamente. Vi-me tal como era no curso dos melhores anos da minha mocidade, porém, infinitamente mais exuberante de vida, mais lúcida de espírito, mais ditosa. O extenso período da minha enfermidade me pareceu um mau sonho, do qual por fim despertara, para volver à afeição das pessoas que me são caras e que me assistiram com tanta abnegação. Sentia-me na posse de toda a rica experiência adquirida durante a minha passagem através da existência terrestre...”
Na segunda mensagem, volta à circunstância da crise da morte, dizendo:
“Ignoro o que experimentam os outros na travessia do grande ribeiro que separa o mundo espiritual do mundo terreno; a minha experiência se resume num despertar maravilhoso que, ainda agora, me enche de extática alegria. Não temais a morte; não há o que temer; todas as penas, todas as dores, tudo o que há de feio na grande crise, pertence ao seu lado físico; do outro lado, há o amor – o Divino Amor – combinado com a glória inexprimível do despertar espiritual. Quando despertei, vi-me cercada pela assembléia de todos os que eu amara na Terra. Via, em torno de mim, os semblantes de todas as pessoas queridas que eu conhecera nas diferentes épocas da vida, a partir da mais tenra infância, pessoas essas que, na sua maioria, tinham sido, havia muitos anos, arrancadas à minha afeição. Ao mesmo tempo, ressoavam no ar maravilhosos acordes musicais, literalmente celestes, que eu escutava extasiada. No meu trespasse, não houve mudanças bruscas; adormeci e despertei, pouco a pouco, para uma vida em que se tem uma consciência mais vasta de si mesmo e se sabe muito bem estar curado de todas as enfermidades e livre, livre para sempre do meu pobre corpo envelhecido, que durante tão largo tempo me pesara sobre o Espírito qual geena. Como exprimir, pela palavra, o que esta revelação significava para mim?
Só os que, como eu, sofreram longamente, aguardando com ansiedade a liberação, se acham em condições de o conceber. Sinto-me perfeitamente bem, exuberante de vitalidade, rejuvenescida. Quando, ao despertar, respondi às saudações de boas-vindas de tantas pessoas queridas, que me tinham vindo receber, sabia que não sonhava, que efetivamente havia entrado no meio espiritual; sabia que estava morta.
“Morta”! esta palavra é um contra-senso! Nunca faleis de mim como de uma pessoa morta. Estou viva, com uma vitalidade que jamais experimentara, nem sonhara, na posse de novas faculdades, de novas energias, com um poder de amar e de ser feliz dez vezes mais forte do que antes. Tudo isto me revela o grande fato de que a existência, nestas esferas, deve constituir uma alegria permanente. Para alcançar tal meta, valia bem a pena de viver uma vida de lutas e de sofrimentos. Presentemente me parece que vivi na Terra uma existência de sonho; somente esta é, com efeito, vida real; aquela era uma sombra de vida. Só vós outros continuais a ser para mim uma realidade da existência terrena; o amado companheiro de minha vida e meus filhos constituem o laço único que me prende ainda ao mundo dos vivos.
No paraíso, onde me acho, reinam o perfeito amor e a harmonia universal, a se manifestarem numa glória de luz radiosa, vibrante de energias vitais, que enchem a alma de sentimentos agradáveis e de suprema alegria. Em o nosso meio, os pensamentos substituem a palavra; eles não só vibram em uníssono com as almas, como revestem cores admiráveis e se transformam em sons muito harmoniosos, o que faz ouçamos ressoar em torno de nós uma sinfonia de acordes musicais sempre mais e mais maravilhosos, de uma beleza de gradações infinitas.
... Desejo ainda falar-vos da maravilhosa música que me acolheu, à minha entrada no mundo espiritual, experiência que ultrapassa tudo o que conheci na Terra. Não era eu a única a ouvi-la; a maioria dos Espíritos que se tinham reunido para me receber a ouviram e dela gozaram comigo. Era uma série gloriosa de acordes musicais que pareciam vir de um instrumento central, de um órgão gigantesco. Espalhavam-se e vibravam no espaço, em ondas de harmonias celestes, que pareciam elevar-se, até se fundirem em Deus. Era tão possante essa sinfonia, tão grandiosa, tão penetrante, que se diria dever o Universo inteiro ouvi-la. E, no entanto, ao escutá-la, eu tinha a intuição de que aqueles acordes ressoavam só para mim, que eles me chegavam como uma voz que se dirigia à minha alma, revelando-me a natureza íntima e os segredos maravilhosos do meu ser e me ensinando que no mundo espiritual a música é o veículo revelador das grandes verdades cósmicas... Se me perguntásseis onde estava o instrumento musical, donde vinha aquela música, quem era o músico, não saberia responder. Ela se fez ouvir de repente, sem que ninguém a houvesse pedido. Sei apenas que representa, com relação a mim, o primeiro passo para a iniciação nas maravilhas da esfera espiritual que tive a dita de alcançar...
Um dos grandes atrativos desta esfera consiste no fato de haver alguns lados da sua configuração que são invariáveis, havendo, porém, ao mesmo tempo, nela uma espécie de configuração particular superposta – se assim se pode dizer – que é, ao contrário, muito variável. É que todos possuímos faculdades criadoras, que atuam perpetuamente sobre o meio imediato onde existimos. Segue-se que toda variação em a nossa maneira de sentir e de pensar acarreta variação correspondente no meio que nos cerca. As nossas vestes são também criações do nosso pensamento e constituídas de elementos tirados do meio onde existimos. Ainda não aprendi exatamente o processo pelo qual se opera o milagre, mas o fato é que essas manifestações exteriores do nosso pensamento traduzem as disposições interiores do nosso espírito. Resulta daí que, para os Espíritos existentes de há muito neste meio, as vestes constituem um símbolo infalível, que lhes revela o valor moral intrínseco...
Embora a natureza deste mundo difira enormemente da Terra, os dois mundos se assemelham, com a diferença, porém de que o mundo espiritual é infinitamente mais apurado, mais sublime, mais etéreo: eis tudo.
Coisa singular! conquanto, à minha chegada no mundo espiritual, tudo o que nele existe me haja parecido tão maravilhoso, experimentei logo a sensação de me encontrar num meio que me era familiar; ou, mais precisamente, de me encontrar outra vez num meio que não era novo para mim. Exprimi esta impressão aos meus companheiros espirituais e eles então me informaram de que eu recuperaria gradualmente a lembrança de acontecimentos pessoais que se estendem muito para além da minha última existência terrestre, abrangendo recordações de um tempo em que habitei o mundo espiritual, que é a nossa verdadeira morada. Começo, com efeito, a lembrar-me... Não desejo entrar em longa dissertação sobre este tema, mas, bom é diga o que daí resulta para mim a tal respeito. É que meus filhos, assim como outros Espíritos com os quais tenho tido ensejo de falar deste assunto, me informaram que se lembravam claramente de todas as existências que viveram no planeta Terra. Eu mesma principio a recordar-me das fases de existências encarnadas, anteriores à que acabei ultimamente. Apenas, pelo que me toca, não poderia dizer se essas recordações se referem a vidas passadas na Terra ou em outros planetas do Universo. Do que sei com toda a certeza é que me achava revestida de um corpo muito semelhante ao corpo velho que acabo de deixar.”
No caso presente, assiste-se à passagem de uma bela alma para o meio espiritual, alma que, pela “lei de afinidade”, gravita para uma esfera elevada do meio “astral”. Concebe-se então que as circunstâncias do seu trespasse sejam um pouco diferentes daquelas pelas quais passa a maioria dos outros Espíritos que desencarnam.
Segue-se que, em a narrativa de que se trata, nenhuma referência se encontra a duas circunstâncias relevantes das precedentes experiências análogas. A primeira consiste no detalhe de os Espíritos não se aperceberem de que estão mortos; a outra consiste no fenômeno da “visão panorâmica” de todos os acontecimentos pelos quais se tenha passado – fenômeno, ou “prova” quase infalível, na crise da morte, para as almas que desencarnam em condições normais de espiritualidade. Vê-se, no caso com que nos ocupamos, que a personalidade que se comunica refere haver despertado sabendo perfeitamente que estava morta e se achava no mundo espiritual, ao passo que não fala de uma irrupção geral de lembranças na sua consciência, nem durante a agonia, nem após o despertar.
Afora isso, a sua descrição concorda, em todos os detalhes, com as outras narrativas do mesmo gênero. Nota-se, com efeito, que ela passa por uma fase de sono reparador que, no que lhe diz respeito, se combina, sem solução de continuidade, com o sono da morte, de maneira a lhe poupar os estados de ansiedade e de confusão, inerentes à crise suprema. Observa-se, além disso, que é acolhida no mundo espiritual pelos Espíritos dos defuntos a quem amou, quando viva. Finalmente, ela se acha de novo em forma humana no mundo espiritual.
Notemos também haver dito que, nesse mundo, os Espíritos conversam entre si por meio da transmissão dos pensamentos; que o pensamento e a vontade espirituais constituem forças criadoras. A propósito desta última circunstância, cumpre-me assinalar um detalhe secundário, que concorda perfeitamente com o que relatam os outros Espíritos que se comunicam com os vivos: é que a paisagem “astral” se compõe de duas séries de objetivações do pensamento, bem distinta uma da outra. A primeira é permanente e imutável, por ser a objetivação do pensamento e da vontade de entidades espirituais muito elevadas, prepostas ao governo das esferas espirituais inferiores; a outra é, ao contrário, transitória e muito mutável; seria a objetivação do pensamento e da vontade de cada entidade desencarnada, criadora do seu próprio meio imediato.
Do ponto de vista das informações concernentes a detalhes que só raramente se dão no período inicial da existência espiritual, é muito de notar-se que, no caso que nos ocupa, o Espírito autor da mensagem fala de duas circunstâncias deste gênero: a de haver percebido, logo após o seu despertar, uma onda de “música transcendental” e a de não haver tardado a experimentar a sensação do “já visto”, a propósito do meio espiritual em que se encontrava e em que pensava achar-se pela primeira vez.
A análise comparada, aplicada a um número adequado de “revelações” desta espécie, demonstra doravante que as circunstâncias de que se trata constituem uma prova da elevação espiritual do desencarnado que as experimenta no curso do período inicial que se segue à crise da morte.
No que concerne à “música transcendental”, farei notar, primeiramente, que este fenômeno, às vezes, se produz no leito de morte de enfermos espiritualmente elevados. Neste caso, acontece muito freqüentemente que alguns dos assistentes percebem, ao mesmo tempo que o moribundo, a manifestação supranormal; porém, raríssimo é que toda gente a ouça. Ora, é de considerar-se que, no caso a que nos referimos, a personalidade que se comunica diz que “a maioria dos Espíritos que se tinham reunido para recebê-la percebiam a aludida música, da qual gozavam deliciosamente, ao mesmo tempo que ela”, o que subentende que, entre os Espíritos em questão, alguns se contavam que não a percebiam, ou, em outros termos, que havia entre eles Espíritos ainda não bastante evoluídos para chegar a percebê-la. Forçoso é se deduza daí que a tonalidade vibratória de seus “corpos etéreos” não estava suficientemente apurada para sintonizar-se com a tonalidade vibratória daqueles acordes musicais muito elevados. A esse respeito, importa observar que os Espíritos que se comunicam mostram-se unânimes em afirmar que, no meio espiritual, os acordes musicais apresentam um valor psíquico-construtivo de primeira ordem, que corresponde, de modo impressionante, a uma das nossas mais importantes generalizações científicas, segundo a qual tudo o que o Universo contém parece poder ser reduzido a um múltiplo ou submúltiplo de uma grande lei misteriosa: a lei do “ritmo”, que, em última análise, reduziria todo o Universo – matéria e espírito – a um fenômeno de “vibrações”, donde a profunda intuição dos filósofos orientais, quando dizem que, no fenômeno do “movimento”, assistimos à manifestação imanente de um atributo de Deus. Ora, os acordes musicais podem ser reduzidos, em última análise, a uma combinação e a uma sucessão de “vibrações”, que se harmonizam entre si. Por outro lado, no fenômeno “vibratório” se desenha um mistério primordial, destinado a reger o Universo inteiro. Segue-se que se chega facilmente a conceber o grande interesse espiritual e construtor que os acordes musicais deveriam apresentar, num ciclo de existência puramente mental, qual a dos Espíritos desencarnados.
Vou agora assinalar, nalgumas linhas, a sensação do “já visto”, que a personalidade autora da mensagem experimentou – sensação que subentende a teoria das “vidas sucessivas”, isto é, a hipótese “reencarnacionista”. Sabe-se que é o único ponto importante em que se depara com um desacordo parcial nas mensagens dos Espíritos que se comunicam: entre os povos latinos, eles afirmam constantemente a realidade das vidas sucessivas, ao passo que, entre os povos anglo-saxões, estão em desacordo, na proporção de dois terços que negam mais ou menos claramente esta forma evolutiva do ser humano, e de um terço que a afirma, de modo mais ou menos categórico. Não esqueçamos, com efeito, que os povos anglo-saxões experimentam uma aversão de raça, por assim dizer, contra a solução reencarnacionista do mistério do ser. Entretanto, conforme já o fiz notar em outras obras, este contraste de opiniões, relativamente a um problema insolúvel para os que o discutem – e, por conseguinte, essencialmente metafísico – nada significa, pois que os próprios Espíritos reconhecem que tudo ignoram a esse respeito e julgam do assunto segundo suas mesmas aspirações pessoais. Declaram, ao demais, que uma espécie de “segunda morte” se verifica nas esferas espirituais, precisamente como se morre no mundo dos vivos, isto é, quando um Espírito tem chegado à maturidade espiritual, adormece e desaparece de seu meio, sem que os outros saibam o que foi feito dele. São, pois, levados, como nós, a fazer, sobre esse ponto, induções muito diferentes. Eis em que termos fala a respeito o Espírito Jorge Dawson, no livro da Sra. Dawson Scott, From Four who are Dead (pág. 126):
“Nossa existência na mesma esfera espiritual pode prolongar-se por muito tempo. Todavia, meu pai e minha mãe já deixaram o meio onde me encontro e penso que não tardarei a segui-los. Suponho que eles partiram porque a evolução espiritual de ambos atingira o grau máximo conciliável com a existência em nossa esfera.
Sra. Dawson Scott – Ignoras para onde eles foram?
O Espírito – Imagino que a razão por que se nos tornaram invisíveis é terem seus corpos espirituais atingido o grau máximo de purificação, conciliável com as condições da nossa esfera de existência. Em outros termos: imagino que o fato é devido às minhas condições, que ainda não chegaram ao necessário grau de purificação.
Sra. Dawson Scott – Qual será a finalidade dessa longa e lenta evolução?
O Espírito – Uns pensam a este respeito de uma maneira, outros pensam diferentemente. Por mim, renuncio a essas especulações e vivo ditoso por entre as alegrias da hora presente.” (págs. 126-127).
Tais são as declarações das entidades que se comunicam, acerca do estado de incerteza em que se encontram, relativamente ao destino que as aguarda, após a crise da “segunda morte”: estado de incerteza absolutamente análogo aos dos vivos, com a diferença de que, no meio espiritual, se tem a certeza da sobrevivência. As opiniões preconcebidas dos Espíritos – pró ou contra a teoria das “vidas sucessivas” – contribuem, provavelmente, para acentuar entre eles o desacordo sobre esse ponto. Com efeito, os que experimentam aversão à teoria impedem, por esse fato, que as lembranças de suas vidas anteriores lhes surjam da memória latente; enquanto que os que pensam favoravelmente à doutrina favorecem, como esse modo de pensar, a emergência de suas recordações, tornando-se ainda mais afirmativos a tal respeito. Em suma, forçoso é ainda concluir-se que, se os Espíritos, em suas comunicações, manifestam opiniões discordantes, relativamente à reencarnação – que continua a ser para eles uma questão metafísica – isso lhes concerne e nada tira ao valor das concordâncias positivas, concretas, indubitáveis, que se comprovam nas informações que eles nos fornecem, com referência ao meio e à existência espirituais. É muito de notar-se, ao mesmo tempo, que tudo contribui para demonstrar que a verdade, acerca das “vidas sucessivas”, deve estar reservada a entidades que existem em condições espirituais muito evolvidas, condições que favoreceriam a emergência espontânea das recordações desta natureza. As condições espirituais da personalidade mediúnica, de quem se trata neste caso, devem justamente ser tais, pelo que ela experimentou a sensação do “já visto”, apenas chegada ao mundo espiritual, sensação seguida logo das primeiras lembranças das existências anteriormente vividas.
Décimo quinto caso
A Sra. Natacha Rambova deu recentemente à publicidade um livro intitulado Rudy, em que narra a vida de seu marido, Rodolfo Valentino, o célebre artista cinematográfico, acrescentando-lhe algumas mensagens mediúnicas obtidas do defunto. Do ponto de vista das “revelações transcendentais”, o livro apresenta grande interesse, constituindo uma síntese admirável do que tem sido invariavelmente afirmado pelos outros defuntos, em suas mensagens. Contém, além disso, ulteriores esclarecimentos com relação a temas muito importantes, como, por exemplo, “o poder criador de que dispõe o pensamento no meio espiritual e no meio terrestre” e a “natureza íntima da música”, dois temas que nestas comunicações são tratados por meio de informações, que se podem considerar quais relâmpagos de uma nova luz.
Por esse livro se vem a saber que Rodolfo Valentino, em vida, se ocupava com experiências mediúnicas, sendo ele próprio muito notável médium escrevente e vidente.
As mensagens mediúnicas que vamos reproduzir foram obtidas pela Sra. Rambova na residência de seu pai, situada nos arredores de Nice, com o auxílio do médium americano Jorge Benjamim Wehner, que também servia freqüentemente para a fundadora da Sociedade Teosófica, Sra. H. P. Blavatski, que, tendo-se encontrado com o Espírito do defunto Valentino, graças a essas sessões, se tornou seu “guia espiritual”.
Do ponto de vista dos episódios que se produziam no curso das sessões e cuja veracidade se há podido comprovar, limitar-me-ei a dizer algumas palavras do incidente inicial, que ocorreu quando Valentino se achava em estado desesperador, na cidade de Nova York. Manifestou-se, essa noite, no grupo familiar, em Nice, o Espírito de uma mulher, que em vida se chamara Jeny e fora grande amiga da senhora Rambova e de seu marido, dizendo haver estado constantemente à cabeceira do moribundo e tê-lo visto quando era transportado para a casa de saúde. Uma semana depois da morte de Valentino, a Sra. Rambova recebia de sua irmã, residente em Nova York, uma carta em que a informava, entre outras coisas, de que Valentino vira “Jeny” e a chamara pelo nome, quando o transportavam para a casa de saúde. Enfim, o próprio defunto, nas suas primeiras mensagens mediúnicas, referiu haver visto “Jeny” e tê-la chamado. Trata-se, pois, de uma tríplice confirmação do mesmo fenômeno, em o qual a veracidade da primeira informação mediúnica, acerca da visão do doente no seu leito de morte, foi demonstrada por uma carta expedida logo após a manifestação, confirmada em seguida pelo próprio defunto em suas comunicações.
Entrando a citar passagens que se referem ao tema com que nos ocupamos, considerável é o embaraço em que me vejo, ante o número de incidentes importantes, que eu não deveria deixar de relatar. Cingir-me-ei, porém, ao estritamente necessário.
Começarei reproduzindo quase integralmente a mensagem III, em que o defunto narra, com grande eloqüência, os fatos concernentes à sua morte. Escreve ele:
“Quando já me achava em estado muito grave, mas sem que os que me assistiam soubessem que eu morreria, vi de repente o fantasma de “Jeny”. Tão surpreendido fiquei, que creio tê-la chamado pelo seu nome. Vi-a por um instante: estava cercada de uma luminosidade rósea. Olhou-me a sorrir, exatamente como fazia em vida, quando sabia que eu precisava de animação, e me estendeu os braços. Por aquele sorriso parecia dizer-me: “Não te aflijas!” Entretanto, não a ouvi falar. Ao cabo de um segundo, a visão desapareceu; mas bastou para me dar a compreender que eu morreria. Do fundo do meu ser tive a intuição de que a minha carreira terrestre tocava a seu termo. Apavorei-me. Não queria morrer. Estranha sensação se apoderou então de mim: parecia que me abismava no vácuo, fora de todas as coisas.
O mundo se me afigurava mais agradável e mais belo do que antes. Pensei no meu trabalho, de que gostava tanto! Pensei na minha casa, nas minhas coisas, nos meus animais favoritos. As recordações se apresentavam em multidões no meu cérebro. Eram lembranças de automóveis, de viagens, de iates, de trajes, de dinheiro. Todo esse material, confesso, me parecia precioso. A idéia de que tudo isso ia ser varrido para longe de mim e para sempre me aterrorizava. Tinha a impressão de que meu corpo se tornara pesado e, ao mesmo tempo, a de que havia em mim alguma outra coisa, que me parecia cada vez mais leve, como se eu houvesse de elevar-me nos ares, de um instante para outro.
O tempo se escoava e isso adquiria para mim singular importância. Parecia-me que alguma coisa de desconhecido, de misterioso se desenhava ao longe, diante de meus olhos. Sentia-me como que imerso numa apavorante sensação de imensidade, que me oprimia e me fazia tremer a alma.
Centenas de coisas, que projetara fazer, se apresentavam ao meu espírito: coisas importantes umas e banais outras. Também me vinham à memória as cartas que tivera a intenção de escrever. Contudo, a visão fugaz, porém viva, de “Jeny” me convencera de que eu nada mais podia fazer do que projetara. Não podia esquecer-lhe o sorriso singular e encantador, seus braços estendidos, como a me chamar, a luminosidade espiritual que a envolvia.
... Em meu cérebro se apresentava confusamente a lembrança de todas as pessoas que eu conhecera. Semblantes, semblantes, ainda semblantes! Eram pessoas que vira alguns dias antes; outras que conhecera havia muitos anos. Pensava nos meus jovens colegas, nas pessoas que me procuravam para obter auxílios, nas que, pertencendo a outras classes, vinham ter comigo pelos mais diversos motivos. Via os rostos de Maria, de Alberto, de Ada, da tia Tessie, de Schenck, de Muzzie, o teu! Rostos, rostos, sempre rostos! Depois, recordações de meu pai, de minha mãe. Minha infância, a escola, minha bela Itália; minha primeira viagem à América, meu primeiro certificado de nacionalidade. Esse fluxo imenso de recordações me abrandava as penas. Os mais insignificantes e mais ridículos acontecimentos de minha existência também se apresentavam muito vivazes em meu cérebro. Loucuras, prazeres, dores, tudo o que fizera no curso da minha vida sobrevinha sem ser chamado, não sei donde, para fazer ato de presença. Tudo isso acabou por me produzir uma vertigem; desmaiei.
Quando voltei a mim, a operação cirúrgica havia terminado. Toda gente me dirigia sorrisos de animação. Era preciso que me conservasse absolutamente quieto, embora desejasse pedir muitas coisas.
De todo modo, nos meus últimos dias de vida, embora me sentisse às vezes com bastantes forças, via-me presa de inexplicável sentimento de medo. Sentia que, se me pudesse levantar e começasse a ocupar-me com as coisas que tivera de abandonar, conseguiria fazer que desaparecesse aquele misterioso medo. Como era natural, não permitiam sequer que me mexesse. Chegou-me a tua missiva e me confortou enormemente. Tive então uma intuição esquisita: a de que em breve te tornaria a ver e que, de um momento para outro, te veria no meu quarto. Meu guia espiritual – Sra. H. Blavatski – me explicou mais tarde que essa sensação era produzida por estar eu para vir em breve ter contigo.
Afligiu-me em seguida uma grande dificuldade de respirar. Compreendi que meu fim se aproximava. Fiquei aterrorizado. A hora extrema me apanhara de um modo por demais repentino. Não creio, minha querida Natacha, que meu estado d’alma fosse o de temor da morte. Não, eu tremia em face do desconhecido. Sabes quanto me inquietava sempre a incerteza de uma situação, bem como toda espécie de coisas desconhecidas.
Foi então, minha querida Natacha, que comecei a perceber uma mudança no meu ser. Percebia-a no meu corpo e no meu espírito. Parecia-me que alguma coisa se ia de mim. Experimentava, de tempos a tempos, uma sensação de arrancadura, como se alguma parte do meu ser estivesse sendo arrancada do resto.
Pensava no que ia dar-se com o meu corpo: funerais, incineração ou enterramento, coisas todas essas que me causavam horror.
Chegou o sacerdote. Acolhi-o como um raio de luz nas trevas. A ele me confiei, com todos os sentimentos de terror, de horror, de inquietação que me atormentavam. De novo me emergiram da consciência as recordações da minha infância; diante de mim desfilaram as naves de uma catedral.
Os últimos sacramentos!
Quando a singela cerimônia terminou, já me sentia longe do meio terreno. Modificara-se a minha situação mental. A Igreja me tinha consigo, como se forte mão amiga me segurasse. Já não estava só. Não tive mais medo. Em seguida, as pessoas que me cercavam se tornaram indistintas. Silêncio. Trevas. Inconsciência.
Não posso calcular durante quanto tempo permaneci nesse estado. Afinal, abri os olhos, como se despertasse de longo e profundo sono, experimentando ao mesmo tempo a sensação de estar sendo arrastado rapidamente para o alto. Achei-me em maravilhosa luminosidade azulada. logo vi, dirigindo-se ao meu encontro, “Black Feather” (o indiano, “Espírito-guia” de Valentino, quando este servia de médium), “Jeny” e Gabriela, minha mãe!
Estava morto! Estava morto!
Estava vivo!
Tais são, Natacha, as primeiras recordações que tenho da minha morte.”
A narrativa que se acaba de ler resume os acontecimentos do “primeiro tempo” do trespasse de Valentino. Seu Espírito lhe acrescentou lembranças do “segundo tempo”, durante o qual se viu atraído e preso pelo meio terrestre, devido à grande emoção que sua morte causou entre os inúmeros admiradores da sua arte. Escreveu:
“Era o dia em que transportaram meu corpo para sua última morada. Comecei a perceber um afrouxamento do interesse público pela minha pessoa, interesse tão vivo, que penso haver contribuído para reter o meu Espírito no meio terreno. Quando, porém, meu corpo foi depositado no túmulo e os jornais começaram a esquecer-me, experimentei uma sensação de solidão desoladora... Revoltei-me contra o destino, que me arrancara a vida no apogeu da minha glória. Receio ter então feito uma apreciação excessivamente elevada a meu respeito, pois me parecia que a arte muda, sem mim, não mais poderia caminhar. Agora, rio-me de mim mesmo. Mas, naquele momento, julgava seriamente que minha morte era uma perda irreparável para a arte.
Encontrava-me de novo no meio terrestre e estava só. Passeava ao longo da “Broadway”. Essa rua me parecia tão real, como se estivesse a percorrê-la vivo. Entretanto, ninguém me prestava atenção. Sentia certa dificuldade em me convencer de que ninguém dava por mim. Via-me tão real e tão reais via os vivos, que não chegava a fixar idéia sobre a grande mudança que se havia operado. Acabei por me aborrecer de deambular daquela maneira, por entre uma multidão de transeuntes apressados, que todos pareciam decididos a esbarrar em mim. Certa vez, dei mesmo um encontrão em cheio numa mulher. Ela empalideceu e se aconchegou ao cavalheiro que a acompanhava, exclamando: “Meu Deus! donde veio este sopro gelado que senti!” Esta exclamação me pôs furioso. Então a morte me havia mudado num sopro frio? Isso de modo algum me era lisonjeiro. Dirigi-me para um grupo de artistas de teatro, que estacionavam à esquerda da “Quadragésima sétima rua”. Tomei um deles pelo braço e lhe gritei forte: “Eu sou Rodolfo Valentino!” Mas o homem não se apercebeu de coisa alguma e continuou a rir e a conversar.
Que ressentimento contra todo mundo se apoderou de mim, naquele canto de rua! Chorei de dor e de raiva. Porém, era vã toda a revolta.
Súbito, dirigi-te o meu pensamento; lembrei-me do telegrama que me passaste, quando me achava em estado grave, assim como dos telegramas de Muzzie e do tio Dick. Enquanto pensava nisso, senti que me tocavam no braço. Voltei-me e vi a meu lado uma mulher com aspecto de matrona, de olhar inteligente e generoso. Jamais esquecerei o tom doce e tranqüilizador de sua voz, se bem haja pronunciado as primeiras frases com impetuosa veemência. Exclamou: “Danação e um inferno de chamas foi o que te predisse a Igreja e é o que agora te faz tão desditoso! Vem comigo! Nada há de verdadeiro em o que ao teu Espírito inculcaram os representantes dos credos ditos cristãos: são pobres cegos todos eles. Precisas neste momento de um guia; aqui estou. Fui em vida H. P. Blavatski...”
Isso dito, acrescentou, a sorrir: “Vem.”
Perdi os sentidos. Quando voltei a mim, achei-me no salão da vivenda do tio Dick. Era noite; as escadarias estavam iluminadas. Meu guia lá se achava à entrada e me fez sinal para que entrasse. Atravessamos juntos muitos aposentos, que eu conhecia bastante, e chegamos ao quarto de Muzzie. Tu estavas com ela; diante de vocês estava Jorge Wehner, profundamente adormecido, numa poltrona.
Disse-me a Sra. Blavatski: “Ele está imerso em sono mediúnico. Podes, pois, conversar com os teus.”
Tal foi, minha querida Natacha, o começo das minhas comunicações contigo. Devo-o ao meu generoso guia.”
Sendo já muito longas as passagens que venho de reproduzir, limitar-me-ei a acrescentar mais algumas alíneas, apresentando observações análogas às que citei nos casos precedentes.
Primeiramente, no que concerne à potencialidade relativa do pensamento, encontram-se, nessas mensagens, observações muito interessantes, sobre a maneira pela qual tal potencialidade se manifesta no meio terrestre. Conformes a essas observações, as personagens, que os romancistas e os autores dramáticos geniais criam, tomariam por vezes aparências de personalidades propriamente ditas, que existiriam temporariamente no meio astral. Essas personalidades seriam dotadas de uma certa inteligência e atividade, automaticamente limitada, todavia, à parte que lhes distribuiu o romancista, pois que tais personalidades não poderiam ter lembranças de um passado inexistente, como sucede respeito a criações análogas de “personificações sonambúlicas”, nas experiências de sugestão hipnótica – personificações que, a seu turno, são inteligentes e atuantes, mas apenas nos limites que lhes traçou o sugestionador. Exatamente do mesmo modo, as personagens efêmeras, que os romancistas criam pela força do pensamento, chegariam, às vezes, a subsistir enquanto dura o interesse que despertam numa multidão de leitores, sempre a se renovarem, interesse que, conservado a tonalidade vibratória onde se originara, contribuiria para os manter. Daí a possibilidade de manifestações pseudomediúnicas de personagens de romance – possibilidade que não nos cabe discutir aqui, mas que teoricamente existe e é praticamente demonstrável.
Voltando à “potencialidade criadora do pensamento” no meio espiritual, transcreverei a seguinte passagem das comunicações de Valentino:
“Aqui, tudo o que existe parece constituído em virtude das diferentes modalidades pelas quais se manifesta a força do pensamento. Afirmam-me que a substância sobre que se exerce a força do pensamento é, na realidade, mais sólida e mais durável do que as pedras e os metais no meio terrestre. Muitas dificuldades encontrais, naturalmente, para conceber semelhante coisa, que, parece, não se concilia com a idéia que se pode formar das modalidades em que devera manifestar-se a força do pensamento. Eu, por minha parte, imaginava tratar-se de criações formadas de uma matéria vaporosa; elas, porém, são, ao contrário, mais sólidas e revestidas de cores mais vivas do que o são os objetos sólidos e coloridos do meio terrestre... As habitações são construídas por Espíritos que se especializaram em modelar, pela força do pensamento, essa matéria espiritual. Eles as constroem sempre tais como as desejam os Espíritos, pois que tomam às subconsciências destes últimos os gabaritos mentais de seus desejos.”
A propósito desta passagem, notarei que, do ponto de vista científico, ninguém deveria admirar-se da observação do Espírito, relativamente à aparência sólida – tanto e mais do que a pedra – das construções psíquicas no meio espiritual. A Ciência, com efeito, já demonstrou que a solidez da matéria é pura aparência. Segue-se que o atributo “solidez” não constitui mais que uma questão de “relação” entre o indivíduo e o objeto. Quer dizer que, para nós, seres formados de igual matéria constitutiva do meio em que vivemos, esse meio tem, necessariamente, que parecer sólido, pois que há perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. De modo análogo, para um Espírito revestido de “corpo etéreo”, o meio etéreo em que ele vive deverá parecer não menos sólido, devido sempre à existência de perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. Em compensação, o mesmo Espírito deverá perceber como sombras evanescentes as pessoas vivas e o meio terrestre, devido à falta de relação entre as condições em que ele existe e opera e as condições em que existem e operam os vivos, sem contar que ele terá a confirmação do que supõe, quando lhe aconteça passar através de uma parede, como se esta não existisse.
O último reparo contido no trecho acima, em o qual se afirma que “as habitações são construídas por Espíritos que se especializaram na arte de modelar pela força do pensamento a substância espiritual”, está de perfeito acordo com o que afirmara outra personalidade mediúnica, no 13º caso. Esta personalidade, falando das construções psíquicas, observa: “Grande número de Espíritos não se ocupa de tais construções, por estar esse trabalho reservado aos que manifestam disposições naturais para essa obra especial.” Esta concordância, no que respeita a um detalhe secundário, é teoricamente mais importante do que tantas outras referentes a detalhes fundamentais. Cada vez menos verossímil se vai assim tornando sempre a hipótese das “coincidências fortuitas”, à medida que as concordâncias entre as descrições dos Espíritos que se comunicam se vão apresentando, com relação a detalhes cada vez mais minuciosos, ou insignificantes.
Outra concordância, relativa a um detalhe secundário, se encontra nas informações seguintes, fornecidas pela entidade, autora da mensagem, acerca de uma categoria de Espíritos de defuntos que permanecem ligados ao meio em que viveram, tornando-se freqüentemente “Espíritos perturbadores”, ou “assombradores”. Assim se exprime a entidade:
“Muitos Espíritos recém-chegados não resistem ao abalo mental que lhes causou a mudança que se produziu. Segue-se que, por efeito da ignorância em que se acham, do medo que os assalta, passam o tempo a freqüentar, ou, antes, a assombrar, o meio onde viveram e ao qual se vêem psiquicamente presos. Conseguintemente, eles se encontram na câmara mais baixa do plano astral, fora do mundo e no mundo, por causa da adesão tenaz que mantêm a opiniões e paixões terrenas. Esses infelizes são os que aí se chamam “Espíritos assombradores”, de que tanto se falava nas nossas experiências mediúnicas. Afirmam-me que alguns dentre eles se mostram de tal modo inabaláveis na sua obstinação em não quererem despojar-se das convicções e da maneira de pensar trazidas da Terra, que se tornam mentalmente cegos, a ponto de não poderem conceber e, ainda menos, realizar a possibilidade de um avanço no mundo espiritual onde nos achamos. São antiprogressivos e inadaptáveis, devido ao seu emperramento... O que há de pior é que essas almas podem permanecer ligadas ao mundo durante anos e mesmo durante séculos.” (págs. 196-197).
Estes ensinos, dados pelo defunto Valentino, concordam com o que disse, no 8º caso, uma outra personalidade, a propósito de “certos Espíritos muito baixos, que, conservando-se ligados à Terra, não gozam do benefício do sono reparador e perseveram na ilusão de se crerem ainda vivos e presas de bizarro sonho”. A isso acrescentou o Espírito: “Ficai, pois, sabendo que os Espíritos presos à Terra, ou “Espíritos perseguidores”, são os que vivem perpetuamente nessa ilusão.”
Como se vê, sobre este detalhe secundário, aquela segunda mensagem não só concorda com a primeira como serve para a completar e esclarecer, pois que dá as razões por que o fato se produz com defuntos muito presos às coisas terrestres, fato a que o defunto Valentino, a seu turno, alude, explicando que tais Espíritos “se tornam mentalmente cegos”.
Assinalarei ainda uma “terceira concordância secundária”, mais importante do que as primeiras. Nota o Espírito Valentino (pág. 157):
“Algumas vezes, quando me acho contigo, ou com Muzzie, assaltam-me dúvidas, quanto aos resultados que obterei. Ouço então de H. P. Blavatski, que vem em meu auxílio, aconselhando-me: “É preciso de uma vontade firme! Nada de divagações.” Sua voz ressoa muito perto de meu ouvido; entretanto, meus olhos não a vêem e meus sentidos não lhe percebem a presença. Onde está ela, então, quando assim me fala? Como se acha em condições de saber o que penso e o que faço, uma vez que, sem estar presente, responde aos meus pensamentos? É esse um outro mistério que me falta desvendar.”
Ora, no 9º caso, reproduzo um incidente análogo, o em que um Espírito refere que, como desejasse ardentemente tornar a ver um de seus amigos ainda vivo, “chegou-lhe de longe uma voz que assim falou: “Pensa nele, concentra sobre ele o teu pensamento e o verás!” Era a voz de um Espírito amigo que, embora se achasse dele distante, lhe vinha em auxílio, aconselhando-lhe o que tinha a fazer.
Quem não vê logo a importância teórica das concordâncias desta espécie, quando colhidas, ordenadas e classificadas em número suficiente? É cumulativo o valor científico que apresentam, mas esse valor é ao mesmo tempo decisivo, no sentido da interpretação espírita dos fatos, porquanto fora absurdo e ridículo recorrer-se à hipótese das “coincidências fortuitas”, em presença de tão grande cópia de concordâncias de todo gênero.
No que toca às concordâncias referentes aos detalhes fundamentais sobre a crise da morte, farei notar que, nas mensagens de Valentino se encontram todas. De fato, ele sofre a prova da “visão panorâmica” no momento da morte; encontra-se em forma humana no meio espiritual; é acolhido pelos Espíritos que lhe são familiares; não pode persuadir-se de que esteja morto, quando passeia pela Broadway, a grande artéria de Nova York, e vê os transeuntes, como os via quando vivo; verifica que o meio onde se encontra corresponde à paisagem terrestre espiritualizada. Enfim, aprende que isso é devido à circunstância de que, no “plano astral” onde ele se acha, são puramente mentais as modalidades da existência, isto é, que tudo que existe nesse plano é produto do poder criador do pensamento e da vontade dos Espíritos que o habitam, pensamento e vontade criadores da paisagem espiritual, da forma humana conservada pelos Espíritos que lá vivem, das vestes etéreas que os cobrem, das habitações em que lhes apraz viver, etc.
Décimo sexto caso
Os casos que até aqui tenho citado são de defuntos que se encontram nas diversas regiões, ou “estados”, do “plano astral”, onde, pela lei de afinidade, gravitam e permanecem, ao que parece, durante um período de tempo mais ou menos longo, todos os Espíritos de mortos que viveram na Terra de maneira moralmente normal. Restar-me-ia referir alguns casos em que se encontrassem narrados os acontecimentos por que passam, durante e após a crise da morte, os Espíritos de “réprobos”, constrangidos a gravitar, pela lei da afinidade, nas “esferas de provação”, correspondentes ao Inferno dos cristãos; inferno, bem entendido, sem torturas físicas e onde os sofrimentos morais não seriam eternos, mas transitórios. Devo, porém, declarar que não cheguei a encontrar um só exemplo de defunto caído nas esferas infernais, que tenha vindo transmitir mediunicamente a narração da sua triste aventura.
O fato, no entanto, se afigura muito explicável, pois que as relações mediúnicas com entidades existentes nas mais baixas esferas de provações parece que se não verificam com freqüência; talvez mesmo jamais se verifiquem. Conhecem-se, todavia, as condições dessas esferas, pelas descrições que numerosas personalidades mediúnicas hão feito.
Pelo que toca aos Espíritos que se encontram nas esferas de provação “intermediárias” e pouco inferiores ao “plano astral”, observarei que alguns deles têm descrito as vicissitudes da sua entrada no meio espiritual. Dentre esses, pode assinalar-se o caso, já agora famoso, do escritor inglês Oscar Wilde, com que já me ocupei longamente, nesta mesma revista (março e abril de 1926). Outro caso interessante é o de um inglês de família nobre, morto em conseqüência de um acidente, após curta existência de deboches, mas que não era naturalmente mau. Ele se manifestou sucessivamente pelas mediunidades de Miss Aimée Earle e de Miss Florence Dismore e a história dessas manifestações merece resumida.
Miss Aimée Earle é médium psicográfica e clarividente. Certo dia, em que estava a ouvir um trecho de música, que sua amiga Florence Dismore tocava ao piano, teve a primeira visão de um “moço moreno”. No dia seguinte, estando as duas amigas a ler e comentar uma brochura espiritualista, viu Miss Earle aparecer-lhe ao lado o mesmo fantasma e entabular conversação com ela. Miss Florence Dismore descreve da maneira seguinte esse primeiro encontro:
Começou ele por interrogá-la acerca das afirmações contidas na brochura que as duas moças se entretinham a ler e a cujo propósito ponderou: “Mas, eu não estou morto, pois que estou aqui!” O Espírito-guia de Miss Earle, que, vigilante, também se lhe achava ao lado, conservando-se invisível para o outro Espírito, aconselhou ao médium que não respondesse às perguntas deste último e continuasse a ler o seu livro. Ela obedeceu e, terminada a leitura, o “moço moreno” foi conduzido algures, por seus “guias” espirituais.
Em resumo: os “Espíritos-guias” o tinham trazido à presença dos dois médiuns, ao que parece, para lograrem convencê-lo de que morrera e se achava no mundo espiritual. Começavam assim a sua redenção que, dotado como ele era de aptidões especiais, devia operar-se, narrando a sua história por aqueles médiuns, a título de edificação moral e espiritual, em proveito dos vivos. Ele não tardou, com efeito, a se manifestar psicograficamente por Miss Earle, comunicando-lhe que tinha a missão de lhe ditar a história de sua vida, o que entrou logo a fazer. Miss Earle, cujos dias eram tomados pelas suas ocupações profissionais, reconheceu não dispor do tempo necessário para receber o ditado metódico de uma exposição completa. Por isso, depois do recebimento das três primeiras mensagens, decidiu, de acordo com o Espírito que se comunicava, que este continuaria a ditar a sua história a Miss Florence Dismore. Foi o que se deu, até que a exposição se concluiu.
Essa obra traz o título: The Progression of Marmaduke. O Espírito relata nela a sua história mundana, as circunstâncias de sua morte, os remorsos que o assaltaram depois do seu trespasse, a generosa intervenção de um amigo morto, que ele, quando vivo, ofendera profundamente, e as conseqüências felizes do seu arrependimento, que lhe abrira o caminho da redenção.
Se bem esse Espírito se demore pouco a tratar da “crise da morte”, contudo não tendo à minha disposição outros casos do mesmo gênero, decido-me a reproduzir o pouco que ele diz a respeito. Eis como principia a sua mensagem, ditada a Miss A. Earle:
“Que de coisas a desaprender em a nova existência! Ó, quantas! quantas! Mas, como há de uma criatura fazer para se redimir? É tarde demais para mim. Entretanto, tenho ao meu derredor Espíritos generosos, que me animam, abrindo-me o coração à esperança de que um dia também para mim se realizarão a visão espiritual e a audição das harmonias celestes. Em todo caso, já não me sinto egoísta e experimento viva simpatia pelos outros. Aplicaram-me o tratamento que me convinha: enérgico, mas necessário...
Estando eu vivo, um segundo bastou para me dar a morte. Achava-me deitado na falda de uma encosta rochosa. Um bloco se destacou lá do alto e me esmagou a cabeça, tornando-me irreconhecível o semblante. Reconheceram-me unicamente pelos papéis que levava na minha carteira.
Isso foi obra de um instante. Vi-me, de um golpe, mergulhado nas mais profundas trevas. Procurei, tateando, caminhar através da obscuridade. Nenhuma luz via; ao redor, mortal silêncio: era uma situação terrificante. Parecia-me, às vezes, divisar ao longe uma claridade e perceber sons musicais. Que significavam eles? Sentia que ia enlouquecer e lutava contra o desconhecido como um homem às voltas com o vácuo. Afinal, esgotado, caí ao chão, numa crise espantosa e indescritível de depressão moral. Maldizia de Deus e do gênero humano. Queria morrer e não podia!... Achei-me, em seguida, não sei como, junto à encosta rochosa, onde se achava estendido o meu corpo, e o vi! Tratei de o levantar, de o ressuscitar, mas tive que me afastar, repelido pelo fedor que se desprendia dele. Achava-me num estranho e incoerente estado d’alma: não podia compreender onde me encontrava, nem o que se passara. Veio-me a idéia de que ficara louco; depois do que, fui presa de horrendo pesadelo, do qual precisava livrar-me o mais prontamente possível. A idéia, porém, de que estava morto jamais me acudiu ao Espírito.
Ignoro durante quanto tempo errei por entre aqueles rochedos. Mas, um dia, finalmente, a minha loucura chegou a uma fase inesperada: achei-me num meio familiar, do qual participava, embora sem conhecer as pessoas que via. Como quer que seja, estava lá e de lá não me podia ir. Da primeira vez, ouvi música tocada ao piano. Da segunda, ouvi a leitura de um livro e as conversas que se lhe seguiram e que me deram a saber que as duas senhoras que ali estavam tinham conhecimento não só da minha presença, como do meu caráter.”
Tratava-se da circunstância, mencionada acima, em que os “guias” do “moço moreno”, que ele, aliás, não percebia, o conduziram para junto dos médiuns.
“Escutei atentamente e aprendi que aquelas duas damas acreditavam que o homem possui um espírito, que sobrevive à morte do corpo. Pensei: “Que absurdo!” Mas, de repente, alguém me esclareceu o espírito, transmitindo-me a verdade, quanto ao que me dizia respeito: “Eu então estava morto!” Mas, nesse caso, onde me achava? Que fora feito de mim? Desde que me convenci de estar morto, as coisas mudaram. Vi-me cercado de Espíritos que pareciam desejosos de me assistirem... Não podeis fazer idéia do que significava para mim essa mudança. Disse: “Estou confuso e desorientado. Julgava-me louco, mas estou morto!” Responderam-me: “Morto unicamente para o mundo da matéria, da visão física, da audição física; mais vivo, porém, do que nunca para o mundo espiritual, com uma visão e uma audição espirituais. Tu te encontras em outro mundo de existências, eis tudo. Também nós tivemos que passar pelas nossas crises, antes de nos acomodarmos ao nosso mundo. Desde que te hajas inteirado das condições em que te encontras, começarás a progredir para a redenção...”
Com grande surpresa minha, fui informado de que essa assembléia de Espíritos se reunira para vir em meu auxílio e que isso se dava por efeito de solicitações de um de meus amigos de outros tempos. Quão longe estava eu de imaginar quem era esse amigo generoso. Disseram-me que me cumpria entrar de novo, por algum tempo, no meio horrível donde me haviam tirado; mas, que um raio de luz ia penetrar nas trevas que me cercavam, porquanto, desde que um raio de luz penetra numa alma, não mais se apaga: esse raio de luz tinha que brilhar para mim como a estrela da esperança, que afinal me ia guiar para sair das trevas e caminhar para a luz.
Pouco depois, achei-me no mesmo meio que antes, mas uma pálida luz brilhava a meu lado e se tornou a minha estrela polar. Quando a contemplava, possuído de um desejo vivo, mais intensa se lhe tornava a luminosidade. Mostrava-se, ora à minha direita, ora à minha esquerda, porém nunca se apagava. Não me seria possível calcular o tempo que passei nessas trevas, atenuadas por um raio de esperança...
Hesito agora em prosseguir a narrativa dos acontecimentos pelos quais passou minha alma. A magnanimidade de um outro – absolutamente digno de Jesus de Nazaré – precipita meu espírito no abismo dos remorsos. A minha iniqüidade se ergue diante de mim, como fantasma perseguidor, a me proclamar o mais miserável dos pecadores. Entretanto, devo continuar, pois que a minha narração tem que dar uma pálida idéia do poder do Amor no meio espiritual. Não existe mais que uma só lei: o Amor, que é Perdão; o Perdão, que é Amor. Enfim, vou dar-me pressa em me confessar. Perdoai-me, se puderdes. Quanto a mim, não o posso. Sinto-me desfalecer. Aquele que me soube perdoar é o mais sublime dos homens, porém a sua generosidade me despedaça o coração e a iniqüidade da minha falta se levanta, monstruosa, diante de mim. O amigo que traí quando vivo, que abandonei ao seu destino, que reduzi a ser um proscrito da sociedade, foi quem reuniu esse grupo de Espíritos para me assistir!... Vi que esses mesmos Espíritos abriam passagem a um outro Espírito que se dirigia para mim, a sorrir. Olhei-o atentamente. Era ele! Ambrósio! o amigo que eu traíra! Estendeu-me os braços. Ocultei, envergonhado, o rosto no seu peito, para mais saturado me sentir de seus pensamentos de perdão e piedade... Paro! paro! Basta por hoje...”
Interrompo aqui, por minha vez, as citações, a fim de não sair do tema que me propus.
Conforme no-lo ensina o caso acima, que concorda com os outros do mesmo gênero, os sofrimentos expiatórios, que atingiriam os “réprobos”, seriam, principalmente, de natureza moral; consistiriam, primeiramente, em toda sorte de saudades e de desejos insatisfeitos e impossíveis de terem satisfação; depois, em toda sorte de remorsos dilacerantes. Parece igualmente que, quando para um Espírito de “réprobo” começa a crise dos remorsos, tem ele dado o seu primeiro passo no caminho da redenção. Desta crise, longa por vezes e terrível, não poderia, com efeito, quem quer que seja, poupar o Espírito, visto que, somente passando por ela, chega o seu “corpo etéreo” – ao que nos ensinam os Espíritos – a expungir-se dos “fluidos impuros” de que se maculou e carregou, “fluidos impuros” que sobre ele se acumularam, em conseqüência da repercussão “vibratória” que sobre o seu organismo muito delicado exerceu o seu proceder ignóbil ou indigno, no curso da existência terrestre. E, do mesmo modo que esses “fluidos impuros” haviam fatalmente – por virtude da lei de afinidade – obrigado o Espírito a gravitar para as regiões infernais, também, em conseqüência da purificação operada pela crise dos remorsos, seu “corpo etéreo”, tornado mais leve, se elevaria e gravitaria, sempre de acordo com a lei de afinidade, para a esfera espiritual imediatamente superior.
Quanto aos Espíritos de “réprobos” endurecidos no mal, incapazes de sentir remorsos, permaneceriam na região infernal, imersos em trevas mais ou menos profundas, às vezes na solidão, muitas vezes em companhia de outros Espíritos da mesma categoria, até que a hora do arrependimento também para eles soe, o que só se dá após séculos, segundo as revelações; mas que, afinal, soa para todos, pois que nem os próprios Espíritos de “réprobos” estão abandonados a si mesmos, porém, sim, assistidos e socorridos por Espíritos-missionários, prepostos a essa obra.
No caso de que acabamos de tratar, vê-se que o Espírito afirma ignorar por quanto tempo esteve a errar nas trevas e no insulamento. Farei notar que, no mundo dos vivos, a mesma coisa se dá com os pacientes hipnóticos postos em estado de “sonambulismo vígil”, para os quais o tempo deixa de existir. Por isso é que respondem ao experimentador, quando este os desperta ao cabo de vinte e quatro horas, que dormiram um minuto. Numa de minhas obras anteriores, referente aos fenômenos de obsessão, citei o caso de um “Espírito obsidente”, ao qual o Dr. Wickland pergunta em que ano supõe ele estar e que responde: “Sei bem que estamos em 1902.” Estava-se, entretanto, em 1919. Mas, o homem morrera em 1902 e errara nas trevas durante dezessete anos, julgando estar naquela situação desde alguns dias apenas.
Com relação às concordâncias episódicas a assinalar no caso que nos ocupa, consideradas em confronto com os outros casos citados precedentemente, não podem deixar de ser muito limitadas, por se tratar de entidades de defuntos que se acham em meios espirituais diferentes. Assinalarei, todavia, as concordâncias relativas aos detalhes fundamentais do costume: o Espírito não tem consciência de estar morto; acha-se em forma humana no mundo espiritual; não percebe a presença dos Espíritos que lhe são hierarquicamente superiores e que por ele velam e o guiam, à sua revelia.
Quanto ao detalhe inteiramente capital, concernente ao poder criador do pensamento no meio espiritual, notarei que o Espírito alude a isso muitas vezes em suas mensagens, acrescentando detalhes interessantes, o que me leva a extrair mais algumas passagens do texto.
Exprime-se assim:
“No mundo espiritual o pensamento é tudo –o que não se dá no mundo dos vivos. Comunicamo-nos entre nós pelo pensamento; é pela força do pensamento, combinada com a vontade, que podemos criar todas as coisas de que temos necessidade. Para utilizarmos desta maneira a força do pensamento, não basta pensemos no objeto que desejamos: é preciso uma concentração firme do pensamento sobre esse objeto, pensando em todos os seus detalhes. Por exemplo, se pensarmos numa túnica branca, poderemos criá-la na sua mais simples forma; porém, se quisermos produzi-la de forma especial, de cor especial, com um determinado desenho, precisaremos fixar o pensamento em cada um desses detalhes, segundo a maneira pela qual queiramos se apresentem na túnica. Do mesmo modo, se quisermos criar pelo pensamento uma pintura – por exemplo, a reprodução de uma paisagem – devemos concebê-la no espírito com a maior nitidez. A não ser assim, apenas se formará um esboço mais ou menos confuso e informe. É por isso que, exercitando-se nas criações do pensamento, os Espíritos chegam a pensar com uma nitidez cada vez maior e a concentrar a vontade com uma eficácia sempre mais importante. A coisa é muito útil, pois que também no mundo espiritual grande necessidade se tem de pensar com clareza...
Décimo sétimo caso
Agora, antes de concluir, julgo oportuno tocar também, ainda que ligeiramente, nos estados de “perfeição angélica” da existência espiritual, isto é, nas condições de meio em que se encontram, segundo estas revelações, os Espíritos que chegaram ao termo do longo ciclo de purificação, percorrido através das esferas de transição aqui consideradas. Isto propriamente falando, não está compreendido nos limites que me impus para a execução desta obra; mas, penso que, provavelmente, esse problema se há de apresentar com insistência ao espírito de muitos dos meus leitores. É bastante verossímil que eles, ante os resultados a que chegamos com este primeiro ensaio de análise comparada, aplicada às “revelações transcendentais”, hajam ponderado a si mesmos: “Muito bem; sabemos agora, fundados em fatos, que os Espíritos de defuntos entram numa primeira fase de existência espiritual que constitui uma reprodução espiritualizada do meio e da existência terrestres. É uma fase transitória, se bem que de muito longa duração, destinada a preparar gradualmente os recém-chegados à existência espiritual propriamente dita. Tudo isso já constitui um acervo importante de conhecimentos adquiridos a tal respeito. Mas, que havemos de pensar da existência espiritual propriamente dita? Como a devemos conceber? Que significa passar ao estado de “puros Espíritos”?
Prevejo que as mensagens transcendentais, emanadas de inteligências espirituais existentes no estado de “puros Espíritos”, isto é, na condição de um ser não mais limitado pela “forma”, deveriam ser, teoricamente, raras ao extremo. É o que realmente se dá na prática. Todavia, conhecem-se apanhados de “revelações transcendentais”, provenientes de “inteligências” que teriam chegado aos cumes supremos da existência espiritual. É o que se deveria dizer, por exemplo, da personalidade mediúnica “Imperator”, que ditou a Stainton Moses os famosos Ensinos Espiritualistas, assim como da personalidade mediúnica “Celfra”, que ditou a Frederico Haines a preciosa brochura de “revelações transcendentais” intitulada Thus saith Celphra.
Ora, nas mensagens dessas inteligências muito elevadas, alguns esclarecimentos se encontram acerca do que se deveria entender por uma existência espiritual “não mais limitada pela forma”. É claro que as Inteligências em questão começam por dizer que um Espírito encarnado jamais chegará a penetrar esse mistério; elas, porém, se prestam a esclarecê-lo um pouco, recorrendo a imagens e símbolos acessíveis à mentalidade dos vivos.
Limitar-me-ei a reproduzir os esclarecimentos dados a tal respeito pela personalidade mediúnica de “Celfra”, entidade que afirma ser o Espírito de um monge da Nicomédia, que viveu no século III da era cristã.
Principiarei pela reprodução de duas passagens, em que essa entidade confirma a existência de “esferas espirituais de transição”, nas quais os Espíritos guardam a forma humana e se vêem num meio análogo ao terrestre.
“Esse peso – se se pode empregar tal termo – do Espírito recém-chegado ao mundo espiritual, provém das condições de pecado em que toda gente aí chega. Essa condição é concomitante com a natureza ainda “terrenal” do conteúdo da alma. Esta se conserva substancial e, de um certo ponto de vista, quase sólida; continua, pois, escrava da “forma”, isto é, acha-se ainda limitada pelas condições da existência terrestre. Isto pode fazer compreendais por que, no curso das vossas sessões, vedes Espíritos que se manifestam em forma humana... (pág. 40).
Segue-se que, enquanto a alma (que cumpre se distinga do Espírito) do recém-vindo estiver ligada ao mundo dos vivos, de qualquer grau que seja a ligação, o Espírito do recém-chegado não pode deixar de existir numa condição quase terrena, por se encontrar num meio espiritual de realização do seu ser, meio que se determina graças ao conjunto de suas concepções acerca de si mesmo. É assim que tem ainda necessidade de gozar das alegrias quase terrenas, de se achar entre pessoas que lhe eram familiares e caras, de se entregar às suas ocupações favoritas, tudo isso com uma transformação para melhor, correspondente às condições espirituais em que se encontra. Repito: essa a causa por que, nas esferas espirituais próximas do mundo dos vivos, os Espíritos existem em condições análogas às terrenas. Isto explica por que tantos Espíritos poucos circunspectos, quando se comunicam mediunicamente, se deixam ir até a desvendar aos vivos, sequiosos do maravilhoso, suas existências em um meio espiritual análogo ao terrestre...” (pág. 97).
Nestas outras passagens das comunicações de “Celfra”, trata ele de dar esclarecimentos gradativos sobre o que se deveria entender por “um Espírito não mais limitado pela forma”:
“Dito isto, farei notar que a dificuldade que encontrais para conceber o alcance efetivo da alma provém da vossa concepção física das limitações do espaço. Sabei, pois, que o “conteúdo” da alma de modo algum se acha contido nos limites do “corpo etéreo”. A alma, no curso da sua existência terrena e ainda por muito tempo após a morte do corpo, está bem revestida de uma forma, guarda bem uma identidade pessoal (e nesse sentido é limitada), mas isso não impede que sua atividade seja, apesar de tudo, “radiante” e que esse estado de incessante irradiação se estenda desmedidamente na existência espiritual. Este conceito devera ser acessível às vossas mentes, por efeito das experiências sonambúlico-mediúnicas, nas quais a “aura”, que é visível aos clarividentes, bem mostra a realidade das irradiações da alma. Esta última circunstância, sendo também para vós uma questão de fato, deveria conduzir-vos a abandonar a concepção errônea de uma alma limitada pelo corpo... (págs. 83-84).
Reconheço, entretanto, que, no meio terrestre, a sensação do ser depende exclusivamente da existência do pensamento consciente. Mas, após a morte do corpo, nas altas esferas espirituais, a faculdade de pensar experimenta uma transformação e uma expansão prodigiosas. A identidade é assim conferida ao Espírito por um atributo que não podeis conceber. E não o podeis conceber porque a organização sensorial, dominando a vossa capacidade mental, vos faz “ver” todas as coisas nos termos da matéria. Deveríeis compreender, no entanto, que a “forma”, sendo uma “limitação do espaço”, deixa de ser concebível onde a “matéria” e a “relatividade do espaço” já não existem. Porém, se as condições de existência no “plano etéreo”, que é a verdadeira morada espiritual, são inconcebíveis para um Espírito encarnado, deveríeis, pelo menos, compreender uma coisa: “Não estando mais limitado pela forma, um puro Espírito manifesta a sua personalidade com o auxílio do conteúdo da alma que se revela integralmente e instantaneamente a todos os Espíritos que com ela tenham afinidade, sem poder abafar ou atenuar em parte as “vibrações” que sem cessar se desprendem desse centro de existência espiritual. (págs. 36-37).
Compreenderás alguma coisa, se eu te disser que, além da periferia muito restrita em que se acha circunscrita a consciência humana, há um “estado radiante do ser”, abrangendo o passado, o presente e o futuro, no qual “conhecer” equivale a “ser” e “ser” equivale a “conhecer”?” (pág. 36).
Parece-me que quem examinar convenientemente estas passagens da obra de “Celfra”, onde se fala do estado de existência dos “puros Espíritos”, poderá formar idéia aproximada, bastante acessível a uma mentalidade humana, do que deveria significar uma condição de existência espiritual não mais limitada pela “forma”.
A esse respeito, acho muito notável esta outra definição, análoga à precedente, dada por uma personalidade mediúnica elevada e à qual alude a Light (1918, pág. 417). Essa entidade definiu as condições de sua existência espiritual dizendo: Somos um “centro de irradiação” que possui a identidade. Acho-a uma clara definição sintética da existência transcendental de “puros Espíritos”, definição certamente inconcebível para a nossa mentalidade, mas que, entretanto, não é impensável. Isto basta para que seja tomada em consideração, do ponto de vista filosófico.
Resumamos. Segundo o que expusemos, parece que, na condição de “puro Espírito, toda entidade se despoja da “forma”, tornando-se um “centro consciente de irradiação psíquica”, em que ainda existe a identidade, mas sob um aspecto para nós inconcebível e qualificativamente diferente da identidade pessoal terrestre, muito embora toda individualidade pessoal terrestre possa vir a encontrar-se nessa condição muito elevada de existência, porque o “estado radiante do ser abrange o passado, o presente e o futuro” – como o afirma “Celfra”. Em outros termos: Dada uma condição do ser, emancipado da matéria, da forma e da relatividade do espaço, resulta daí que as “vibrações psíquicas”, irradiando sem cessar de todo “centro espiritual individual”, invadem instantaneamente o Universo inteiro, conferindo a onipresença e a onisciência à fonte consciente e inesgotável, donde elas promanam. Ora, é natural que o atributo da onisciência suponha necessariamente que cada “entidade espiritual”, havendo atingido o estado de perfeição angélica, tenha conhecimento de todos os sucessos em que haja sido parte, num passado muito distante, quando era a personalidade encarnada, que foi o germe de seu Espírito.
Conclusões
No vasto e muito importante ramo da metapsíquica, em que se estuda o tema das “revelações transcendentais”, tudo ainda está por fazer-se, do ponto de vista da investigação científica do imenso material que já foi recolhido. As prevenções de todos – assim dos opugnadores, como dos espíritas – oriundas de superficial conhecimento do assunto, haviam impedido até aqui um trabalho útil, nesse sentido. A presente obra é o primeiro ensaio analítico destinado a demonstrar o valor intrínseco, positivamente científico, deste ramo da metapsíquica, injustamente desprezado.
Para atingir o fim a que me propunha, era-me, primeiramente, indispensável demonstrar, de modo adequado, que as “revelações transcendentais”, longe de se contradizerem mutuamente, concordam entre si e se confirmam umas às outras. Era-me preciso demonstrar, ao mesmo tempo, que essas concordâncias não podem ser atribuídas nem a “coincidências fortuitas”, nem a reminiscências subconscientes de conhecimentos adquiridos pelos médiuns (criptomnesia).
Nessas condições, importa resumir abreviadamente o conteúdo desta obra, a fim de positivar até que ponto esse objetivo foi alcançado.
Em primeiro lugar, cheguei a demonstrar incontestavelmente, fundando-me em fatos, que as mensagens mediúnicas, em que os Espíritos dos defuntos descrevem as fases por que passaram na crise da morte e as circunstâncias em que fizeram sua entrada no meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, de maneira tal que nelas não se encontra uma só discordância absoluta com as afirmações dos outros Espíritos que se hão comunicado com os vivos.
Faço notar, a esse propósito, que se, nesta obra, limitei as pesquisas ao período inicial da existência espiritual, não foi unicamente por se tratar da primeira de três monografias sobre o mesmo assunto. Foi também por ter a intenção de apresentar aos meus leitores um primeiro ensaio analítico, relativamente aos problemas a serem solucionados, reduzidos estes à sua mais simples expressão. Tratava eu também de me certificar se valeria a pena levar por diante a minha tarefa. Toda gente há podido verificar que este ensaio analítico constituiu um triunfo para a tese que aqui sustento.
São estes os detalhes fundamentais, a cujo respeito se acham de acordo os Espíritos autores das mensagens, salvo sempre inevitáveis exceções, que confirmam a regra e que, por vezes, intervêm, modificando, restringindo, eliminando algumas das experiências habituais, inerentes à crise da morte, ou então determinando a realização de outras experiências, desabituais no período de início da existência espiritual. Todos os Espíritos comunicantes afirmam:
1º) se terem encontrado novamente com a forma humana, nessa existência;
2º) terem ignorado, durante algum tempo, que estavam mortos;
3º) haverem passado, no curso da crise pré-agônica, ou pouco depois, pela prova da reminiscência sintética de todos os acontecimentos da existência que se lhes acabava (“visão panorâmica” ou “epílogo da morte”);
4º) terem sido acolhidos no mundo espiritual pelos Espíritos das pessoas de suas famílias e de seus amigos mortos;
5º) haverem passado, quase todos, por uma fase mais ou menos longa de “sono reparador”;
6º) terem-se achado num meio espiritual radioso e maravilhoso (no caso de mortos moralmente normais) e num meio tenebroso e opressivo (no caso de mortos moralmente depravados);
7º) terem reconhecido que o meio espiritual era um novo mundo objetivo, substancial, real, análogo ao meio terrestre espiritualizado;
8º) haverem aprendido que isso era devido ao fato de que, no mundo espiritual o pensamento constitui uma força criadora, por meio da qual todo Espírito existente no “plano astral” pode reproduzir em torno de si o meio de suas recordações;
9º) não terem tardado a saber que a transmissão do pensamento é a forma da linguagem espiritual, se bem certos Espíritos recém-chegados se iludam e julguem conversar por meio da palavra;
10º) terem verificado que, graças à faculdade da visão espiritual, se achavam em estado de perceber os objetos de um lado e outro, pelo seu interior e através deles;
11º) haverem comprovado que os Espíritos se podem transferir temporariamente de um lugar para outro, ainda que muito distante, por efeito apenas de um ato da vontade, o que não impede também possam passear no meio espiritual, ou voejar a alguma distância do solo;
12º) terem aprendido que os Espíritos dos mortos gravitam fatalmente e automaticamente para a esfera espiritual que lhes convém, por virtude da “lei de afinidade”.
Estes são os doze detalhes fundamentais, sobre os quais se acham de acordo todos os Espíritos que se comunicam. Observarei que basta os examine alguém, uns após outros, e, depois, o conjunto deles, para se convencer de que apresentam aos vivos um quadro esquemático completo dos sucessos que aguardam todos os humanos, no curso da crise da morte, e das impressões que os esperam à sua chegada no meio espiritual. Por outro lado, não existe, nas narrações de que se trata, um só elemento importante, a cujo respeito os Espíritos que conosco se comunicam difiram entre si, de maneira a nos fazer considerar contraditório o elemento em questão. Quem não vê que essa comprovação se reveste de imenso valor teórico, a favor da origem autenticamente espírita das “revelações transcendentais”, tomadas em conjunto?
Acrescentarei que, nos casos que acabo de examinar, além das concordâncias sobre os detalhes fundamentais, com outras se deparam, de natureza secundária, que, conforme já fiz notar, são teoricamente ainda mais importantes do que as concordâncias primárias, por isso que cada vez mais difícil tornam o explicá-los pelas hipóteses das “coincidências fortuitas” e da “criptomnesia”, sempre que os detalhes a que me refiro concernem a incidentes cada vez mais insignificantes, ou inesperados, ou, ainda, singulares.
Dentre esses detalhes secundários com que se topam nos casos que reproduzi, assinalo os seguintes:
1º) Os defuntos que se comunicam são acordes em afirmar que os Espíritos dos mortos, a quem nos ligamos em vida, intervêm para acolher e guiar os recém-desencarnados, antes que haja começado a fase do “sono reparador”.
2º) Quando os Espíritos referem ter visto seus cadáveres no leito de morte, geralmente falam do fenômeno do “corpo etéreo”, a se condensar acima do “corpo somático”. Este detalhe concorda, quase sempre, com o que constantemente afirmam os videntes que hão estado à cabeceira de moribundos.
3º) Eles dizem, de comum acordo, que, assim como não pode haver individualidades vivas absolutamente idênticas, também não podem existir, desencarnadas, individualidades idênticas a ponto de terem que percorrer a mesma escala de elevação espiritual. Segue-se que, mesmo para aquelas que são chamadas “almas gêmeas” na existência terrestre, um momento chega em que cumpre se separem no mundo espiritual, se bem possam ver-se quando o queiram.
4º) Acham-se de acordo em afirmar que, embora os Espíritos tenham a faculdade de criar mais ou menos bem, pela força do pensamento, o que lhes seja necessário, todavia, quando se trata de obras complexas e importantes, a tarefa é confiada a grupos de Espíritos que nisso se especializaram.
5º) São unânimes em afirmar que os Espíritos dos defuntos, quando dominados por paixões humanas, se conservam ligados ao meio onde viveram, por um lapso mais ou menos longo de tempo. Segue-se que, não podendo gozar do benefício do sono reparador, esses Espíritos persistem na ilusão de se julgarem ainda vivos, se bem que presas de estranho sonho, ou de um opressivo pesadelo. Neste caso, tornam-se, muitas vezes, “Espíritos assombradores”, ou “perseguidores”.
6º) Informam-nos, unanimemente, que no mundo espiritual os Espíritos hierarquicamente inferiores não podem perceber os que lhes são superiores. Isto se dá em conseqüência de serem diversas as tonalidades vibratórias de seus “corpos etéreos”.
7º) Mostram-se de acordo em afirmar que as dilacerantes crises de dor, que freqüentemente se produzem junto dos leitos de morte, não somente são penosas para os Espíritos dos defuntos, como os impedem de entrar em relação com as pessoas que lhes são caras e os retêm no meio terrestre.
8º) Finalmente, afirmam em uníssono que algumas vezes, quando se encontram sós e tomados de incertezas e perplexidades de toda sorte, percebem uma voz que lhes chega de longe e os aconselha sobre o que devem fazer. É uma voz vinda de Espíritos amigos que, tendo-lhes percebido de modo telepático os pensamentos, se apressam em lhes transmitir seus conselhos.
Ninguém pode deixar de perceber que as concordâncias cumulativas, acerca de numerosos detalhes secundários dessa espécie, são inexplicáveis por quaisquer teorias, exceto por aquela segundo a qual se supõe que, sendo as personalidades mediúnicas, com efeito, Espíritos de mortos, essas personalidades relatam circunstâncias verídicas e comuns à experiência de todos. Nesse caso, o fato das concordâncias nas revelações transcendentais não implicaria um enigma a resolver-se; tudo se explicaria da maneira mais simples e natural.
Esta conclusão já se desenha como racionalmente inevitável. Contudo, ainda nos resta discutir o segundo problema a que dá lugar a tese com que nos ocupamos, isto é, o que diz respeito à possibilidade de serem essas concordâncias atribuídas a “coincidências fortuitas”, ou a reminiscências subconscientes de conhecimentos adquiridos pelos médiuns (criptomnesia).
Excluo sem hesitação a hipótese das “coincidências fortuitas”, que não se sustenta em face da natureza das concordâncias assinaladas, sobretudo se se levar em conta que a eficácia demonstrativa dessas concordâncias reveste caráter cumulativo.
Resta a hipótese da “criptomnesia”, segundo a qual os médiuns teriam aprendido de antemão os informes que dão sobre o mundo espiritual. Se assim fosse, uma vez que eles se não lembrassem mais de tais informes, mister se faria supor que estes emergiram de suas subconsciências, em virtude das condições mediúnicas.
Esta hipótese se pode combater por meio de numerosas objeções-refutações. A primeira consiste nisto: seria absolutamente arbitrário e contrário à lógica supor-se que todos os médiuns, com cujo auxílio as mensagens foram obtidas, devessem possuir erudição completa, relativamente às doutrinas espíritas. O bom senso bastaria para demonstrar a priori que esta tese não é sustentável. Em todo caso, os fatos mostram, a posteriori, que é errônea.
Embora o tema circunscrito desta monografia me haja impedido de fazer ressaltar os fatos em toda a sua eficácia numérica, bem se pôde ver que, em 15 casos referidos, quatro há que contradizem essa afirmação. Em dois desses casos, pouco havia que os médiuns se consagravam às pesquisas mediúnicas e nada conheciam, ou quase nada, das doutrinas espíritas. Nos dois outros casos, os médiuns jamais se haviam consagrado a pesquisas mediúnicas, tudo ignoravam a esse respeito e só em conseqüência da morte súbita de algum dos membros de suas famílias foram levados a ocupar-se com tais pesquisas; revelaram-se então, repentinamente, dotados de faculdades mediúnicas. Precisamente com estes quatro médiuns foi que se obtiveram as revelações mais eloqüentes e mais completas, acerca da “crise da morte” e da entrada dos defuntos no meio espiritual (4º, 6º, 7º e 12º casos).
O que acabo de dizer já é suficiente para confirmar a minha afirmação: que fora absurdo conferir à objeção de que se trata um alcance de ordem geral. Acrescentarei mesmo que tudo contribui para demonstrar que, ainda nos casos em que intervêm médiuns bem ao corrente das doutrinas espíritas, a aludida objeção não basta para explicar as revelações obtidas com o auxílio deles, em as quais sempre se encontram detalhes que escapam, por muitas razões, àquela objeção. Tampouco se deve esquecer certas circunstâncias colaterais, altamente significativas, que decorrem dessas revelações, indicando ser estranha ao médium a origem delas. Assim, por exemplo, quando a entidade que se comunica dá provas admiráveis de identificação pessoal. Neste caso, logicamente se deve concluir que, se essa entidade se mostrou veraz nas informações verificáveis, transmitidas no curso de sua mensagem, legítimo é seja considerada veraz também nas informações não verificáveis, que a mesma mensagem contenha. Atente-se ainda em que, muitas vezes, no correr das narrativas de episódios da existência espiritual, vêm intercaladas informações verificáveis que se mostram admiravelmente verídicas.
Ponderarei, finalmente, que, se as “revelações transcendentais” fossem, em massa, “romances subliminais”, não só deveriam contradizer-se mutuamente, não só não deveriam produzir-se ao mesmo tempo em que se produzem provas de identificação espírita, como, sobretudo, deveriam refletir, em grande parte, as crenças da ortodoxia cristã, no tocante à modalidade da existência espiritual – crenças que os médiuns assimilaram com o leite materno. Pelo contrário, nada disto ocorre. Desde os primeiros tempos do movimento espírita, as personalidades mediúnicas deram, sobre a existência espiritual, as mesmas informações que presentemente dão, informações que contrastam, em absoluto, com as crenças que os médiuns e os assistentes professam. Observarei que esta circunstância foi causa de grandes decepções para os primeiros espíritas, que, pela aparente obscuridade de tais narrativas, se viram levados a supor que estavam sendo constantemente joguete de “Espíritos inferiores”.
Até aos nossos dias, as narrações dos Espíritos pareceram mesmo aos pensadores ponderados, sem distinção de escola, de tal modo absurdas, inverossímeis, antropomórficas, pueris e ridículas, que os induziram a negar todo valor ao conjunto das revelações transcendentais. Mas, as últimas descobertas no domínio das forças psíquicas, até aqui ignoradas, prepararam de súbito o terreno para que aquelas narrações fossem compreendidas e apreciadas. Com efeito, as pretendidas inverossimilhanças nos fenômenos acharam seu paralelo em experiências análogas, que se realizam no mundo dos vivos.
O problema das “revelações transcendentais” passou assim a se apresentar à razão sob aspecto muito outro, fazendo entrever a verossimilhança e mesmo a necessidade psicológica de uma primeira fase de existência espiritual, a desenrolar-se num meio, qual o descrevem, de comum acordo, as personalidades dos defuntos que se comunicam.
O valor teórico inerente à circunstância de serem contrárias às opiniões dos próprios médiuns, e de toda gente, as informações que aqueles, desde 1853, davam acerca da existência espiritual, não escapara à mentalidade investigadora do Dr. Gustave Geley, que a ele alude nos termos seguintes:
“Concluamos, pois, que todas as objeções tão levianamente feitas ao Espiritismo, a propósito do conteúdo intelectual das comunicações, a propósito das obscuridades, das banalidades, das mentiras, das contradições que elas contêm, não são razoáveis. Ainda mais, o caráter das comunicações diferentes do que se poderia supor a priori, no começo do movimento espírita, contrário às idéias que se faziam em geral sobre o “além”, de acordo com o “espiritismo religioso”, constitui uma prova a favor da doutrina que as soube verificar e explicar tão completamente.” (Ensaio de Revista Geral do Espiritismo).
É precisamente isso. Fica, pois, entendido que a circunstância de as personalidades dos defuntos descreverem, desde o começo do movimento espírita, modalidades de existência espiritual em oposição diametral às opiniões dos médiuns, dos assistentes e do meio cristão em geral, poderia bastar para excluir as hipóteses da sugestão, da auto-sugestão e dos “romances subliminais”.
Entenda-se, porém, que falo do conjunto das “revelações transcendentais”, que realmente o sejam. Antes de incluir, numa classificação científica, coleções de revelações desta espécie, é necessário se lhes examine diligentemente, severamente, o conteúdo, submetendo-as ao sistema da análise comparada e da convergência das provas. Como já eu disse, entre as provas que contribuem para lhes assinalar origem estranha ao médium, cumpre se registrem os episódios de identificação pessoal do defunto que se comunica e, sobretudo, os detalhes cuja veracidade se possa comprovar e que, muitas vezes, se encontram intercalados nas descrições da existência espiritual, detalhes que, nesse sentido, são de excepcional eloqüência.
Todos sabemos, por experiência, quão indispensável é esse trabalho preliminar de seleção, no que respeita a “revelações transcendentais”, pois que, no curso das sessões particulares, sucede com freqüência aparecerem pseudomediunidades, que presenteiam os assistentes com esta espécie de narrações, porém prolixas, verbosas e vazias, cuja origem subconsciente a nenhuma dúvida pode dar lugar e nas quais as contradições não enxameiam apenas entre as afirmações dos diferentes pseudomédiuns, mas também nas que são dadas pelo mesmo indivíduo. São essas infelizes experiências que, feitas sem discernimento e sem qualquer preparação científica, lançam descrédito sobre o conjunto das “revelações transcendentais”. Não é menos de causar admiração o notar-se que, mesmo pesquisadores profundamente versados em metapsíquica – os quais deveriam saber distinguir nesse terreno – persistem em apoiar-se nesses inconsistentes produtos da atividade subconsciente, para condenar, em massa, ao desprezo as revelações autenticamente transcendentais. Esses, pelo menos, não deveriam cair em confusões de tal natureza. Ninguém jamais se lembrou de negar a existência de uma atividade subconsciente que se manifesta por meio da “escrita automática”; ninguém jamais pretendeu negar que a grande maioria das mensagens obtidas nas reuniões familiares, com o concurso de pseudomediunidades de natureza sonambúlica, pertence àquela categoria; ninguém contestou nunca que, nesse acervo de elucubrações estufadas e vazias, elas mutuamente se contradizem. Nem pode ser de outro modo, dado que se trata de elucubrações subconscientes, de natureza onírica, mas o senso comum devera bastar para as distinguir das mensagens autenticamente supranormais. Com efeito, um abismo se abre entre umas e outras. Em todo caso, ainda do ponto de vista científico, facilmente se chega a separá-las, submetendo-as aos quatro critérios de prova que acabo de enumerar.
Ora, como esses critérios de investigação científica foram aplicados – nos limites do possível – ao material científico que vimos de examinar, forçoso será convir em que minha obra já serve para demonstrar que o valor científico das “revelações transcendentais” não mais deve ser posto em dúvida e, por conseguinte, que os que continuarem a estudá-las ulteriormente farão trabalho altamente meritório e útil. Trata-se, efetivamente, de um ramo da metapsíquica destinado a tornar-se o mais importante de todos e a exercer enorme influência na futura orientação da ciência, da filosofia, da sociologia e da moral.
Resulta daí que esta obra de análise comparada autoriza a preconizar a aurora não distante de um dia, em que se chegará a apresentar à humanidade pensante, que atualmente caminha a tatear nas trevas, um quadro de conjunto, de caráter um tanto vago e simbólico, mas verdadeiro em substância e cientificamente legítimo, das modalidades da existência espiritual nas “esferas” mais próximas do nosso mundo, “esferas” onde todos os vivos terão que se achar, depois da crise da morte. Isto permitirá que a Humanidade se oriente com segurança para a solução dos grandes problemas concernentes à verdadeira natureza da existência corpórea, dos fins da vida, das bases da moral e dos deveres do homem. Esses deveres, na crise de crescimento que a sociedade civilizada hoje atravessa, terão que decidir dos seus destinos futuros. Quer isto dizer que os povos civilizados, se os reconhecerem e cumprirem, se verão encaminhados para uma meta cada vez mais luminosa, de progresso social e espiritual; se os repelirem, ou desprezarem, seguir-se-á necessariamente, para esses mesmos povos, a decadência, a fim de cederem o lugar a outras raças menos corrompidas do que a raça ora dominante.
FIM
Notas:
[1] O livro Nosso Lar, recebido pelo Espírito André Luiz, por Francisco Cândido Xavier, desenvolve e esclarece o assunto (Nota da Editora).