Translate

sábado, 13 de agosto de 2011

O Ser Consciente- Divaldo Pereira Franco

 

Índice do Blog 

 

O SER CONSCIENTE

DIVALDO PEREIRA FRANCO

DITADO PELO ESPÍRITO JOANNA DE ÂNGELIS

ÍNDICE

O Ser Consciente

PRIMEIRA PARTE - A QUARTA FORÇA

CAPÍTULO 1 = A quarta força
CAPÍTULO 2 = Definição e conceito
CAPÍTULO 3 = O homem psicológico maduro
CAPÍTULO 4 = Modelos e paradigmas
CAPÍTULO 5 = A nova estrutura do ser humano

SEGUNDA PARTE - SER E PESSOA

CAPÍTULO 6 = A pessoa
CAPÍTULO 7 = Fatores de desequilíbrio
CAPÍTULO 8 = Condições de progresso e harmonia


TERCEIRA PARTE - PROBLEMAS E DESAFIOS

CAPÍTULO 9 = Êxito e fracasso
CAPÍTULO 10 = Dificuldades do ego
CAPÍTULO 11 = Neurose

QUARTA PARTE - FATORES DE DESINTEGRAÇÃO DA PERSONALIDADE

CAPÍTULO 12 = Autocompaixão
CAPÍTULO 13 = Queixas
CAPÍTULO 14 = Comportamentos exóticos

QUINTA PARTE - PROBLEMAS HUMANOS

CAPÍTULO 15 = Problemas Humanos
CAPÍTULO 16 = Gigantes da alma
CAPÍTULO 17 = Ressentimento
CAPÍTULO 18 = Ciúme
CAPÍTULO 19 = Inveja
CAPÍTULO 20 = Necessidade de valorização
CAPÍTULO 21 = Padrões de comportamento: mudanças

SEXTA PARTE – CONDICIONAMENTOS

CAPÍTULO 22 = O bem e o mal
CAPÍTULO 23 = Paixão e libertação psicológica
CAPÍTULO 24 = Enfermidade e cura

SÉTIMA PARTE - A CONQUISTA DO SELF

CAPÍTULO 25 = A Conquista do Self
CAPÍTULO 26 = Mecanismos de fuga do ego
CAPÍTULO 27 = Medo e morte
CAPÍTULO 28 = Referenciais para a identificação do si

OITAVA PARTE - SILÊNCIO INTERIOR

CAPÍTULO 29 = Silêncio Interior
CAPÍTULO 30 = Desidentificação
CAPÍTULO 31 = Libertação dos conteúdos negativos
CAPÍTULO 32 = O Essencial

NONA PARTE - A FELICIDADE

CAPÍTULO 33 = Prazer e gozo
CAPÍTULO 34 = Felicidade em si mesma
CAPÍTULO 35 = Condições de felicidade
CAPÍTULO 36 = Plenificação pela felicidade

DÉCIMA PARTE - CONQUISTA DE SI MESMO

CAPÍTULO 37 = O homem consciente
CAPÍTULO 38 = Ter e ser
CAPÍTULO 39 = A conquista de si mesmo

O Ser Consciente

Esmagado por conflitos que não amainam de intensida­de, o homem moderno procura mecanismos escapistas, em vãs tentativas de driblar as aflições transferindo-se para os setores do êxito exterior, do aplauso e da admiração social, embora os sentimentos permaneçam agrilhoados e ferretea­dos pela angústia e pela insatisfação.

As realizações externas podem acalmar as ansiedades do coração, momentaneamente, não, porem, erradicá-las, razão por que o triunfo externo não apazigua interiormente.

Condicionado para a conquista das coisas, na concepção da meta plenificadora, o indivíduo procura soterrar os conflitos sob as preocupações contínuas, mantendo-os, no entanto, vivos e pulsantes, até quando ressumam e sobre­poem-se a todos os disfarces, desencadeando novos sofrimnentos e perturbações devastadoras.

O homem pode e deve ser considerado como sendo sua própria mente.

Aquilo que cultiva no campo íntimo, ou que o propele com insistência a realizações, constitui a sua essência e legitimidade, que devem ser estudadas pacientemente, a fim de poder enfrentar os paradoxos existenciais — parecer e ser —, as inquietações e tendências que o comandam, estabelecendo os paradigmas corretos para a jornada, liberado dos cho­ques interiores em relação ao comportamento externo.

Ignorar uma situação não significa eliminá-la ou supe­rá-la. Tal postura permite que os seus fatores constitutivos cresçam e se desenvolvam, até o momento em que se tornam insustentáveis, chamando a atenção para enfrentá-los.

O mesmo ocorre com os conflitos psicológicos. Estão presentes no homem, que, invariavelmente, não lhes dá valor, evitando deter-se neles, analisar a própria fragilidade, de modo a encontrar os recursos que lhe facultem diluí-los.

Enraizados profundamente, apresentam-se na consciência sob disfarces diferentes, desde os simples complexos de inferioridade, os narcisismos, a agressividade, a culpa, a ti­midez, até os estados graves de alienação mental.

Todo conflito gera insegurança, que se expressa multi­facetadamente, respondendo por inomináveis comportamen­tos nas sombras do medo e das condutas compulsivas.

Suas vítimas padecem situações muito afugentes, tom­bando no abandono de si mesmas, quando as resistências disponíveis se exaurem.

O ser consciente deve trabalhar-se sempre, partindo do ponto inicial da sua realidade psicológica, aceitando-se como é e aprimorando-se sem cessar.

Somente consegue essa lucidez aquele que se auto-ana­lise, disposto a encontrar-se sem máscara, sem deterioração. Para isso, não se julga, nem se justifica, não se acusa nem se culpa. apenas descobre-se.

À identificação segue-se o trabalho da transformação interior para melhor, utilizando-se dos instrumentos do auto-amor, da auto-estima, da oração que estimula a capacidade de discernimento, da relaxação que libera das tensões, da meditação que faculta o crescimento interior.

O auto-amor ensina-o a encontrar-se e desvela os po­tenciais de força íntima nele jacentes.

A auto-estima leva-o à fraternidade, ao convívio saudá­vel com o seu próximo, igualmente necessitado.

A oração amplia-lhe a faculdade de entendimento da existência e da Vida real.

A relaxação proporciona-lhe harmonia, horizontes lar­gos para a movimentação.

A meditação ajuda-o a crescer de dentro para fora, rea­lizando-se em amplitude e abrindo-lhe a percepção para os estados alterados de consciência.

O auto-conhecimento se torna uma necessidade priori­tária na pro gramática existencial da criatura. Quem o pos­terga, não se realiza satisfatoriamente, porque permanece perdido em um espaço escuro, ignorado dentro de si mesmo.

Foi necessário que surgissem a Psicologia Transpesso­al e outras áreas doutrinárias com paradigmas bem definidos a respeito do ser humano integral, para que se pudesse propor à vida melhores momentos e mais amplas perspecti­vas de felicidade.

A contribuição da Parapsicologia, da Psicobiofísica, da Psicotrônica, ampliou os horizontes do homem, propiciou-lhe o encontro com outras dimensões da vida e possibilida­des extrafísicas de realização, que permaneciam soterradas sob os escombros do inconsciente profundo, ou adormecidas nos alicerces da Consciência.

Antes, porém, de todas essas disciplinas psicológicas e doutrinas parapsíquicas, o Espiritismo descortinou para a criatura a valiosa possibilidade de ser consciente, concitan­do-a ao auto-encontro e à autodescoberta a respeito da vida além dos estreitos limites materiais.

Perfeitamente identificado com os elevados objetivos da existência terrestre do ser humano, Allan Kardec questionou os Espíritos Benfeitores. “Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?”

Eles responderam: “— Um sábio da Antigüidade vo-lo disse. Conhece-te a ti mesmo.”(*)

Comentando a resposta, Santo Agostinho, Espírito, en­tre outras considerações explicitou: “... O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar asfaltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis se prati­cada por outra pessoa... “ “E prosseguiu: “... dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros, e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.”

Na análise diária e contínua dos atos, o auto e o alo­-amor serão decisivos para a avaliação. A oração e a medita­ção irão constituir recurso complementar para afixação das conquistas.

Quem ora, fala; quem medita, ouve, dispondo dos re­cursos para exteriorizar-se e interiorizar-se.

Há, no entanto, estruturas psicológicas muito frágeis ou assinaladas por distúrbios de comportamento grave. Nes­ses casos, urge o concurso da Ciência Espírita, com as tera­pias

(*) O Livro dos Espíritos. 29ª edição da FEB. Questão 919.

profúndas que dispõe; e, de acordo com a intensidade do distúrbio, torna-se necessária a ajuda do psicoterapeuta, conforme a especificidade do problema, que será eqüacionado pela Psicologia, pela Psicanálise ou pela Psiquiatria.

Em muitos conflitos humanos, entretanto, ocorrem interferências espirituais variadas, gerando quadros de obses­sões complexas, para os quais somente as técnicas espíritas alcançam os resultados desejados, por se tratarem, esses agentes pertubadores, de Entidades extracorpóreas, porém portadores dos mesmos potenciais das suas vítimas: senti­mentos e emoções, inteligência e lucidez, experiências e vidas.

*

O ser consciente é austero, mas sem carranca; é jovial, porém sem vulgaridade; é complacente, no entanto sem co­nivência; é bondoso, todavia sem anuência com o erro. Aju­da e promove aquele que lhe recebe o socorro, seguindo adi­ante sem cobrar retribuição.

É responsável, e não se permite o vão repouso enquanto o dever o aguarda. Conhecendo suas possibilidades, coloca­-as em ação sempre que necessário, aberto ao amor e ao bem.

Só o amadurecimento psicológico, através das experi­ências vividas, libera a consciência do ser; e, ao consegui-la, ei-lo feliz, conquistando a Terra da Promissão bíblica.

*

Este modesto livro, que ora trazemos à análise do caro Leitor, pretende, sem presunção, auxiliá-lo na conquista da consciência.

Não apresenta qualquer técnica nova ou milagrosa. Estuda algumas problemáticas humanas à luz da Quar­ta Força em Psicologia, colocando uma ponte na direção da Doutrina Espírita, que é portadora de uma visão profunda e integral do ser.

Confiamos que será útil a alguém que se encontre aflito ou fugindo de si mesmo, ajudando-o na solução do seu pro­blema, e isto nos Compensará plenamente.

Salvador, 19 de maio de 1993.

Joanna de Ângelis


PRIMEIRA PARTE

A QUARTA FORÇA


1

A quarta força

Os estudiosos da criatura humana, embora os rí­gidos controles exercidos pelas conquistas freudianas, anelavam por ampliar os horizontes da compre­ensão em torno de fenômenos complexos e abran­gentes, transumanos, capazes de elucidar problemas profundos da personalidade.

As explicações junguianas amplas, procurando enfeixar nos arquétipos todas as ocorrências da pa­ranormalidade, deixaram espaços para reformulações de conceitos e especulações que se libertam dos mo­delos e paradigmas acadêmicos, atendendo com mais cuidado, e observações menos ortodoxas, os acontecimentos desprezados, por considerados pa­tológicos ou fraudulentos.

Vez que outra, surgiram ensaios e tentativas de ampliação de conteúdos, como efeito das experiên­cias de Rhine, Wilber, Grof, Kübler Ross, Moody Jr., Maslow, Walsh, Vaughan, Assagioli, Capra e outros corajosos pioneiros, que se preocuparam em ir além dos padrões estabelecidos, penetrando a sonda da investigação no inconsciente e concluindo por novas realidades, antes execradas, lentamente acumulando dados capazes de suportar refutação, critica e des­prezo.

Era necessário revisar o potencial humano em toda a sua complexidade, sem preconceitos nem re­ceios.

As teorias apressadas, que pretendiam reduzir a alma a um epifenômeno de vida efêmera, vinham sen­do superadas pelas pesquisas de laboratório na área da Parapsicologia, da Psicobiofisica, da Psicotrônica e da Ciência Espírita, cujos dados valiosos avolumaram-se de tal forma, com a contribuição da Transcomuni­cação Instrumental, que não havia outra alternativa senão ampliar o esquema de interpretação do psiquis­mo, criando-se o que se convencionou denominar como a Quarta Força — além do Comportamentalismo (Behaviorismo), da Psicanálise e da Psicologia Huma­nista — que é a Psicologia Transpessoal ou profunda.

Indispensável coragem para enfrentar o cepticis­mo e a arrogância dos acadêmicos, dos reducionistas que, mesmo diante do numinoso, de Jung, permaneci­am aferrados ao organicismo e à hereditariedade, aos fatores derivados das pressões de toda ordem, às se­qüelas das enfermidades infecciosas, aos traumatis­mos físicos e psicológicos...

Os avanços da Física Qüântica, a Relatividade do Tempo e do Espaço, a Teoria da Incerteza, abriram perspectivas psicológicas dantes sequer sonhadas, tendo-se em vista o conceito do vir-a-ser.

A abrangência da consciência como estágio mais elevado do processo antropológico-sociológico-psico­lógico do ser, passou a exigir mais acurada penetra­ção, ampliando o quadro de entendimento dos demen­tes (autist savant ou sábio idiota), portadores de ca­pacidades e aptidões luminosas, perturbadoras... Re­velando-se matemáticos, músicos, artistas plásticos, lingüistas que, de repente, romperam o véu do silên­cio e passaram a comunicar-se com lucidez, apresen­tando dotes de excepcional capacidade realizadora, puseram-se a exigir elucidações que destruam as tra­dições negativas, atualizando a predominância do Espírito sobre a matéria, da mente sobre o cérebro gravemente danificado, assim demonstrando que preexistem aos órgãos e os sobrevivem, ao invés de serem suas elaborações ou efeitos dos seus meca­nismos.

A grandiosa contribuição do pensamento orien­tal, de Buda a Vivekananda, a Ramakrishna e outros, dos taoístas tibetanos aos físicos nucleares, enseja a revisão dos parâmetros aceitos, bem como dos mode­los estabelecidos, propondo a identificação de fórmu­las com aparência diversa, no entanto, que se harmo­nizam, unindo as duas culturas — a do passado e a do presente — em uma síntese perfeita, em favor de um homem e de uma mulher holísticos, completos, ao re­vés de examinados em partes.

Esse concurso que se vinha insinuando multisse­cularmente, logrou impor-se através das terapias li­beradoras de conflitos, tais a meditação, a respira­ção, a oração, a magnetização da água, a bioenergia, os exercícios da tai-chi-chuan, o controle mental de inegáveis resultados nas mais variadas áreas do com­portamento, do inter-relacionamento pessoal, da saú­de...

Os diques erguidos pela intolerância romperam-se ante as novas conquistas, e as técnicas regressi­vas da memória, com exclusiva definição terapêutica, o uso de algumas drogas psicodélicas como o ácido lisérgico, a hipnose, demonstraram que muitos fato­res psicopatogênicos são anteriores à concepção do ser, eliminando a predominância genética na condi­ção de desencadeadora de psicoses, neuroses, confli­tos e tormentos degeneradores da personalidade...

A telepatia, a clarividência, os fenômenos retro e precognitivos, as ectoplasmias, os deslocamentos de objetos sem contatos e outros facultaram mais acu­rados exames do indivíduo, que a análise transpes­soal pode abordar com segurança ou neles apoiar-se, a fim de solucionar os enigmas predominantes em pacientes marginalizados pelas outras correntes da Psicologia ou facilmente rotulados de psicopatas.

O ser humano é constituído de elementos com­plexos, que escapam a uma observação superficial.

A conceituação materialista de forma alguma atende-lhe as necessidades éticas e sociológicas, não logrando elucidar o ser psicológico, exceto quando, ignorando-lhe a realidade transcendente, relega-a àindiferença, à desconsideração catalogada de pato­logia irreversível.

O ser dual — Espírito e matéria — do espiritualis­mo ortodoxo, permanece incompleto, deixando esca­par incontáveis expressões de conteúdo, por falta do elemento intermediário, processador de inúmeros fe­nômenos que lhe completam a existência.

Somente quando estudado na sua plenitude —Espírito, perispírito e matéria — podem-se resolver to­dos os questionamentos e desafios que o compõem, alargando-lhe as possibilidades de desenvolvimento do deus interno, facultando completude, realização plenificadora, estado de Nirvana, de samadhi, ou de reino dos Céus que lhe cumpre alcançar.

Essa gigantesca tarefa cabe à moderna Psicolo­gia Transpessoal ou Quarta Força, que inicia um perío­do de real compreensão da criatura como ser indes­trutível que é, fadado à felicidade.


2

Definição e conceito

Definir, de alguma forma, é limitar, restringir. Mes­mo quando as definições são elásticas, reduzem o pen­samento e o enclausuram em palavras, retendo as lar­gas possibilidades que necessitam ser penetradas.

Conceituando a psicologia transpessoal, não nos podemos furtar aos seus paradigmas, que ampliam as linhas das definições clássicas da doutrina psico­lógica em si mesma, de modo a dar-lhe a abrangência que alcança o ser humano na sua estrutura física, psí­quica e transcendental.

Remontando-se à história do pensamento psico­lógico, encontraremos os seus primeiros postulados na ética filosófica ancestral, que se iniciou no ociden­te com Anaxímenes e Anaxágoras, percorrendo todos os períodos históricos até a sua formação organicista, na segunda metade do século 19, e prosseguindo pelas várias escolas freudiana, junguiana, adleriana, enquanto se ia ampliando nas concepções humanis­ta, comportamentalista e psicanalítica.

Nos seus primórdios, a ciência da alma encontra­va-se embutida nos conceitos socráticos e platônicos, preocupados com a criatura humana dual, cujas ori­gens se encontravam no mundo das idéias, para onde retornava após o périplo carnal, a fim de experimen­tar felicidade ou desdita.

A sua ética moral, otimista, estimulava ao equilí­brio mente-corpo, conduta saudável e solidariedade com as demais criaturas.

Procedente de uma realidade metafísica, o ser a ela retornava com o somatório das experiências ad­quiridas, que lhe plasmariam futuros renascimentos na Terra, conforme os conteúdos existenciais vividos.

Nessa paisagem, o planeta terrestre pode ser con­siderado uma escola, na qual se forma e aprimora o caráter, desenvolvendo o germe divino que nele dor­me, qual ocorre na semente com o vegetal...

Posteriormente, Aristóteles lhe agregou a entelé­quia, e propôs uma criatura trinária, seguindo os mode­los da filosofia oriental e recusando-se à aceitação dos episódios reencarnacionistas necessários à evolução.

Concomitantemente, as propostas atomistas re­duziam o ser humano ao amontoado de partículas in­finitamente pequenas, esféricas, com ganchos, segun­do uns, ou deles destituídos, conforme outros, unin­do-se e desestruturando-se graças ao vácuo e ao mo­vimento, resultando, portanto, do capricho do acaso que os reúne e des agrega, produzindo vida e morte ao sabor das ocorrências anômalas, eventuais.

Avançando, paralelamente, em antagonismo es­trutural, alcançaram culminâncias ora uma, ora outra corrente, através de São Tomaz de Aquino ou de Leib­niz, de Descartes ou Bacon...

Enquanto o pensamento oriental estruturava o fenômeno psicológico em um ser herdeiro de Deus e a Ele semelhante, isto é, portador de recursos inimagi­náveis que lhe cabe desenvolver, ampliaram-se as con­cepções em torno do universo, da criação, da vida, muito antes que a cultura ocidental se apercebesse da causalidade do existir.

Como verdadeiro ponto de equilíbrio apareceu o pensamento ético de Jesus, colocando uma ponte psico­lógica e filosófica entre as duas civilizações, desenvolven­do o idealismo socrático e o reencarnacionismo do ve­danta e da budismo, então fecundado pelo amor, único tesouro que logra produzir a plenificação do ser humano.

Psicoterapeuta superior, Jesus não foi apenas o filósofo e o psicólogo que compreendeu os problemas humanos e ensejou conteúdos libertadores, mas per­manece como terapeuta que rompeu as barreiras da personalidade dos pacientes e penetrou-lhes a cons­ciência de onde arrancou a culpa, a fim de proporcio­nar a catarse salvadora e a recomposição da individua­lidade aturdida, quando não em total infelicidade.

Possuidor de transcendente capacidade de pene­tração nos arquivos do inconsciente individual e cole­tivo, Ele tornou-se o marco mais importante da psico­logia transpessoal, por adotar a postura mediante a qual considera o indivíduo um ser essencialmente es­piritual, em transitória existência física, que faz parte do seu programa de autoburilamento.

Conscientizando as criaturas a respeito da sua responsabilidade pessoal diante da vida, estabeleceu terapias de invulgar atualidade, trabalhando a estru­turação da personalidade, com o passo de seguran­ça para a aquisição da consciência.

No postulado não fazer ao próximo o que não de­seja que ele lhe faça, estatuiu a condição de seguran­ça para a identificação do indivíduo consigo mesmo, com o seu irmão e com o mundo no qual se encontra, proporcionando uma ética simples e facilmente apli­cável, no inter-relacionamento pessoal, sem conflito nem culpa.

Da mesma forma, propondo o auto-aperfeiçoamen­to pela superação das paixões dissolventes, trouxe o futuro para o presente, tornando o reino dos céus um estado de consciência lúcida, longe do sono, do sonho e das psicoses totalmente superadas.

O Cristianismo, no entanto, através dos tempos, sofrendo as injunções dos pseudoconversos, invaria­velmente portadores de grandes traumas e conflitos, procurou castrar e coibir todas as fontes de prazer, as expressões existenciais, mediante regras e dogmas punitivos, que se caracterizaram pela repressão, res­trição e condenação.

Não obstante os luminares que, de vez em quando, buscaram libertar os indivíduos do temor e do ódio, levando-os à confiança e ao amor, quais São Francisco de Assis, Santa Tereza de Ávila e al­guns outros, predominaram a ignorância e o terror, produzindo uma consciência de culpa coletiva, ver­dadeiro arquétipo de natureza punitiva, que ven­ceu as gerações e ressurge, ainda hoje, nos indivíduos e grupamentos sociais, fazendo-os responsá­veis pelo deicídio no Calvário — confundindo Jesus com Deus — ou, mais remotamente, com a herança da tentação, em que Eva tombou, levando Adão ao erro, assim tornando a mulher inferior no processo humano da evolução, em flagrante desrespeito ao simbolismo da criação humana, que passou à condi­ção de realidade.

O culto ao mito, ao símbolo, ao fantasioso, à acei­tação do modelo, são necessidades psicológicas, para os mecanismos de transferência da realidade e fu­gas da consciência responsável.

Assumindo a postura teológica, responde por males que se repetem milenarmente, possibilitando alienações e desditas inimagináveis.

A evolução das ciências vem logrando anular esse efeito pernicioso, e, graças ao advento da psicologia espírita com Allan Kardec, recupera-se o ser humano do conflito em que se encontrava, promovendo-o à condição de possuidor de valores preciosos que lhe cumpre desenvolver, embora a esforço de trabalho paciente e constante.

A quarta força, alargando as imensas possibili­dades da psicologia, faz que sejam descortinadas as possibilidades ímpares para a perfeita integração da criatura com o seu Criador, e da sua com a Consciên­cia Cósmica, pulsante e universal.

Nesse homem transpessoal cantam, então, as glórias da vida e se dilatam os dons nele existentes, em pleno desenvolvimento da sua realidade, que su­pera as culpas e as dores, as angústias e as inquieta­ções, tornando-o pleno e feliz.


3

O homem psicológico maduro

O ser humano é o mais alto e nobre investimento da vida, momento grandioso do processo evolutivo que, para atingir a sua culminância, atravessa dife­rentes fases que lhe permitem a estruturação psico­lógico, seu amadurecimento, sua individuação, con­forme Jung.

Ao atingir a idade adulta deve estar em condi­ções de viver as suas responsabilidades e os desafi­os existenciais. É comum, no entanto, perceber-se que o desenvolvimento fisiológico raramente faz-se acom­panhar do seu correspondente emocional, o que se transforma em conflito, quando um aspecto não éidentificado com o outro. Em tal caso, o período in­fantil alonga-se e predomina, fazendo-se caracterís­tica de uma personalidade instável, atormentada, in­segura, depressiva ou agressiva, ocultando-se sob vários mecanismos perturbadores.

O seu processo de amadurecimento psicológico, portanto, pode ser comparado a uma larga gestação, cujo parto doloroso propicia especial plenificação.

Procedente de atavismos agressivos, imantado ainda aos instintos, o ser cresce sob pressões que lhe despertam a necessidade de desabrochar os valores adormecidos, qual semente que se intumesce sob as cargas esmagadoras do solo, a fim de libertar o vege­tal embrionário, que se agigantará através do tempo.

Fatores compressivos e difíceis de liberados, pe­los processos castradores do ambiente, quase sem­pre contribuem para que se prolongue a sua imaturi­dade psicológica.

Do ponto de vista tradicional, apresentam-se os fatores hereditários, psicossociais, econômicos, que colaboram positiva ou negativamente para o desen­volvimento psicológico, quase sempre contribuindo para a preservação do estado de imaturidade.

Graças à sua constituição emocional e orgânica, na vida infantil o ser é egocêntrico, qual animal que não discerne, acreditando que tudo gira em torno do seu universo, tornando-se, em conseqüência, impie­doso, por ser destituído de afetividade ainda não de­senvolvida, que o propele à liberdade excessiva e aos estados caprichosos de comportamento.

Passado esse primeiro período, faz-se ególatra, acumulando tudo e apenas pensando em si, em fati­gante esforço de completar-se, isolando -se socialmen­te dos demais ou considerando as outras pessoas como descartáveis, cujo valor acaba quando desaparece a utilidade, de imediato ignorando-as, desprezando-as...

Em sucessão, apresenta-se introvertido, egoísta, possuindo sem repartir, detentor de coisas, não de paz pessoal.

A imaturidade expressa-se através da preserva­ção dos conflitos, graças aos quais muda de compor­tamento sem liberar-se da injunção causal, que são a frustração, o desconforto moral, a presença da infân­cia. E mesmo quando se apresenta completado, as suas reações prosseguem infantis, destituídas de sen­sibilidade, no tormento de metas sem significado.

Para ele, o sentido da vida permanece adstrito ao círculo estreito da aquisição de coisas e à sujeição de outras pessoas aos seus caprichos. Torna-se ditador impiedoso, sicário implacável, juiz cruel. Proporciona-lhe prazer mórbido a dependência das massas e dos indivíduos particularmente, fruindo, de maneira ma­soquista, do prazer na dor própria ou alheia, desen­volvendo a degenerescência afetiva até o naufrágio fatal...

Certamente, fatores genéticos contribuem para o desenvolvimento ou não da maturidade psicológi­ca, em se considerando as cargas hereditárias na constituição orgânica, na câmara cerebral, na apare­lhagem nervosa e glandular, especialmente nas de secreção endócrina, na constituição do sexo.

Todavia, não podemos ignorar a preponderância do modelo organizador biológico (MOB) ou perispíri­to, responsável pela harmonização dos implementos de que o Espírito se irá utilizar para o seu processo evolutivo no corpo transitório.

Face a isso, cada pessoa é a soma das suas ex­periências transatas, e sua mente é o veículo forma­dor de quanto se lhe torna necessário para o proces­so iluminativo.

Essa percepção, o entendimento desse fator, faz-se relevante em qualquer proposta de psicologia trans-pessoal, no estudo das causalidades de todos os fenô­menos humanos.

Os velhos paradigmas e modelos sobre o homem cedem passo à introdução do conceito do ser ances­tral, com toda a historiografia das suas reencarnações, que se tornam responsáveis pelo desenvolvimento do eu profundo.

A enunciada cisão entre o eu e o si, atávica, desa­parece quando a análise do perispírito demonstra que a personalidade resulta da experiência de cada eta­pa, mas a individualidade é a soma de todas as reali­zações nas sucessivas reencarnações.

Graças a esses fenômenos, as pressões psicos­sociais — ambiente, educação, lutas e atividades — apa­recem contribuindo, de uma ou de outra forma, para a realização das metas ou reparação delas, em razão dos processos de mérito ou débito de que cada um se faz portador.

Todos nascem ou renascem nos núcleos familiares e sociais de que necessitam para aprimorar-se, e não conforme se assevera tradicionalmente: que me­recem.

As cargas de genes e cromossomas, as condições psicos sociais e econômicas, formam o quadro dos pro­cessos de burilamento moral-espiritual, resultantes da reencarnação caldeadora dos dispositivos individuais para a evolução.

Tal razão prepondera na elucidação das diferenças psicológicas dos indivíduos, mesmo entre os gêmeos uniovulados, defluentes das conquistas anteriores.

A maturidade psicológica tem um curso aciden­tado, feito de sucessos e repetições, por formar um quadro muito complexo na individualidade humana.

A sua primeira fase expressa-se como maturida­de afetiva, quando o ser deixa de ser captativo por fenômeno atávico, para tornar-se ablativo, que é a fa­talidade do processo no qual se encontra.

Da posição receptiva egoísta, profundamente per­turbadora, surge a necessidade de crescer e ampliar o círculo de amigos, na sua condição de animal gregá­rio, surgindo as primeiras expressões do amor.

Expande o sentimento afetivo e compreende que o narcisismo e o egoísmo somente conduzem à auto-destruição, à perturbação.

O amor é a chama que arde atraente, oferecendo claridade e calor, ao tempo que alimenta com paz, face à permuta de energias entre quem ama e aquele que se torna amado.

Desenvolve-se então uma empatia que arranca o ser do seu primitivismo, conduzindo-o à imensa área do progresso, onde a experiência de doação torna-­se enriquecedora, trabalhando pelo olvido do ser em si mesmo com a lembrança constante do seu próxi­mo.

Quem aspira por ser amado mantém-se na imatu­ridade, na dependência psicológica infantil, coerciti­va, ególatra.

A afetividade é o campo central para a batalha entre as diversas paixões de posse e de renúncia, de domínio e abnegação, ensejando a predominância da doação plena.

No amadurecimento afetivo, o ser esplende e su­pera-se.

O próximo passo éo amadurecimento mental, gra­ças à compreensão de que a vida é rica de significa­dos e o seu sentido é a imortalidade.

Com essa identificação alteram-se os interesses, e as paisagens se clareiam ao sol da razão, que con­substancia a fé no homem, na vida e em Deus.

O amadurecimento mental, que se adquire pela emoção e pelo conhecimento que discerne os valores constitutivos da filosofia existencial, amplia as pers­pectivas da realização completadora.

Somente após lograr o amadurecimento afetivo, consegue o mental, por encontrar-se livre dos cons­trangimentos e das pseudonecessidades emocionais.

A conquista da razão é relevante, por ser o princí­pio ordenador, responsável pela formação do discer­nimento, que reúne em um só conjunto as diferentes conquistas intelectuais, a fim de que possa utilizar o pensamento de maneira justa, real e compatível com a consciência.

A razão proporciona a superação do fenômeno in­fantil da ilusão, da fantasia, responsável pelo sofri­mento, em se considerando a impermanência e todos os acontecimentos e aspirações físicas.

A mente, no seu contexto e complexidade, resul­ta de duas expressões da sua natureza: o intelecto e a razão, sendo a segunda de formação discursiva e a primeira de caráter intuitivo.

Disso decorrem duas condutas de aprendizagem no que tange ao pensamento e ao seu uso correto.

Pensar acertadamente é uma meta elevada, por­que nem todo ato de pensar corretamente o é, face à interferência dos desejos e supostas necessidades. Assim, a concentração nos objetivos ideais, distingui­dos dos imaginados, leva à correção do pensamento.

Há uma grande variação de níveis de pensamen­to, resultantes das conquistas intelectuais.

Para que ocorra o amadurecimento se torna indis­pensável pensar, exercitando a mente e ampliando-lhe a capacidade de discernir.

Logo se apresenta o desafio do amadurecimento moral, responsável pela superação dos instintos, das sensações grosseiras, imediatistas.

A escala dos valores rompe os limites das conve­niências restritivas e interesseiras, para apoiar-se nos códigos da ética universal, ancestral e perene, que têm, por base, Deus, os seres, a natureza e o próprio indiví­duo, compreendendo-se que o limite da própria liber­dade começa na fronteira do direito alheio, nunca as­pirando para si o que não gostaria de receber de ou­trem...

A maturidade moral liberta, por despedaçar os códigos da hipocrisia e das circunstâncias que facul­tam o desenvolvimento do egoísmo, da vaidade, da autocracia.

Essa realização moral é dinâmica e entusiasta, alargando as possibilidades de crescimento ético, estético e espiritual do ser.

Dois sensos morais surgem no contexto da matu­ração: o convencional — que é o aceito, oportunista e, às vezes, amoral ou imoral, — porque imposto pelas conveniências de cada época, civilização e cultura — e o verdadeiro — que supera os limites ocasionais e sO­brepaira legítimo em todas as épocas, qual aquele estatuído no Decálogo e no Sermão da montanha.

A conquista da maturidade moral verdadeira tor­na-se indispensável para a auto-realização do ser e da sociedade em geral.

Vencida essa etapa, a maturidade social surge naturalmente, porque, autoconhecendo-se e autotra­balhando-se, o homem psicológico torna-se harmôni­co no grupo, é aglutinador, compreensivo, líder natu­ral, proporcionando bem-estar em sua volta e alegria de viver.

O amadurecimento psicológico é imperativo que surge naturalmente, ou por necessidade que se esta­belece no processo da evolução.

O ser imaturo, ambicioso, apaixonado, frustra-se, irrita-se sempre, mata e mata-se, porque o significado da sua vida é o ego perturbador e finito, circular-es­treito e sem metas.

Superar o estado egocêntrico, para tornar-se útil socialmente, caracteriza o rompimento com o círculo familiar da infância e abre-o à comunidade, que é a grande escola da vida.

O indivíduo não pode viver sem relacionamentos, pois que, por contrário, aliena-se.

O seu desenvolvimento deflui dos contatos com a natureza e as criaturas, dos seus inter-relacionamen­tos pessoais, renunciando à liberdade interior, a fim de plenificar-se no grupo.

Com o conflito embutido no comportamento pes­soal, torna-se impossível o relacionamento social. In­dispensável que sejam realizados encontros e experi­ências de grupos, gerando adaptação e convivência salutar com outras pessoas.

Quem lograr a sua consciência individual, supera a violência, a separatividade e, afetuoso, racional, in­tegra o grupo social promovendo-o e desenvolvendo-se cada vez mais, rico de compreensão, fraternidade, amor e paz.

O homem maduro psicologicamente vive a ampli­dão infinita das aspirações do bom, do belo, do verda­deiro, e, esvaído do ego, atinge o self, tornando-se homem integral, ideal, no rumo do infinito.


4

Modelos e paradigmas

O processo da evolução — antropológico, socioló­gico, psicológico — da humanidade vem impondo, ao largo do tempo, necessárias releituras e revisões de paradigmas variados, que entram em choque com as descobertas do pensamento e a natural aceitação cul­tural de processus renovadores, estruturados na ex­periência humana diante dos conceitos tradicionais.

Na área psicológica, por exemplo, a rigidez dos postulados ancestrais vem sofrendo fissuras estrutu­rais diante da volumosa contribuição das filosofias orientais, ora desveladas ao ocidente, ao mesmo tem­po em que as conquistas relevantes da Parapsicolo­gia, da Psicotrônica, da Psicobiofísica, da Física Qüânti­ca, da Biologia Molecular, vêm confirmar os paradigmas do Espiritismo, dilatando o campo da realidade humana — antes do berço e depois do túmulo —, assim modificando a concepção dos estados alterados de consciência, que deixaram de ser patológicos para se confirmarem como de natureza paranormal.

Como conseqüência, o estudo e a observação imparciais dos fenômenos anímicos e mediúnicos não mais se submetem aos modelos estreitos da psicolo­gia tradicional, tornando-se urgente a adoção do com­portamento transpessoal, face à sua abrangência, no que diz respeito ao homem integral.

Criada pela necessidade de atualização urgente de novos e complexos paradigmas, graças ao devota­mento de homens e mulheres notáveis, que aprofun­daram na vida parafísica a sonda da investigação psi­cológica, a quarta força pode contribuir para uma in­terpretação mais coerente e racional do ser pensan­te, sem descartar a possibilidade da precedência e sobrevivência da consciência à concepção fetal, as­sim como à anóxia cerebral.

Antes desprezadas ou marginalizadas por contun­dente preconceito, as manifestações paranormais dei­xaram de ser epifenômenos do sistema nervoso, para tornarem-se expressões da realidade em níveis mais profundos da consciência humana.

O advento da Psicologia Transpessoal ocorreu no momento grave do desalinho comportamental das gerações novas, dos anos sessenta deste século, e por se tornar evidente a necessidade do desenvolvimento da Psicologia Humanista, surgida na ocasião, medi­ante a ampliação dos seus conceitos e a aceitação de novos paradigmas, qual sucedeu, na década imediata, consoante previra Maslow...

Assim, a Psicologia Transpessoal tem como meta ampliar a sua área de pesquisa levando em conta as experiências do ser, em laboratório e no comportamen­to humano, vinculadas às necessidades do equilíbrio da saúde fisiopsíquica e da satisfação plenificadora. Como resultado, estrutura-se nas conquistas da ciên­cia contemporânea, unidas às contribuições vivenci­ais da experiência oriental, desenvolvendo as possi­bilidades adormecidas da criatura — o seu incessante vir-a-ser.

A sua proposta objetiva é tornar-se parte das multidisciplinas do comportamento, que contribuem para o logro da saúde mental.

Impossível descartar-se hoje os fatos decorren­tes dos estados alterados de consciência, que são im­portantes para o equilíbrio fisiológico e o bem-estar psicológico dos indivíduos.

O ser transcendental deixa, dessa forma, o está­gio de paranóide, assumindo a paranormalidade in­dispensável à harmonia do seu comportamento com a sua realização psicológica.

As experiências terapêuticas de muitos analistas transpessoais demonstraram que os seus pacientes transcendem os níveis normais de consciência, quan­do estimulados por drogas químicas, auto-sugestão, ioga, hiperventilação, indução hipnótica, concentra­ção, meditação, oração, interferências mediúnicas... Nesses estados dilatam-se-lhes a percepção dos sen­tidos, a lucidez, o conhecimento do passado e do futu­ro, como expressões essenciais da natureza humana, após os quais há o retorno da saúde — quando em psicoterapia — do bem-estar, do relacionamento interpessoal.

O ser humano, desse modo, deixa de permane­cer fragmentado, para tornar-se inteiro.

Todos os modelos e paradigmas são passíveis de revisão, confirmação ou modificação.

Os antigos modelos psicológicos, por estreiteza de visão, não abarcavam as atuais conquistas que fa­cultam mais ampla compreensão da personalidade humana, do inconsciente, do eu profundo.

Uma larga documentação experimental, porém, veio facultar o surgimento do modelo transpessoal e dos seus atuais paradigmas.

A Psicanálise, por exemplo, tem concepção espe­cífica em torno da determinação da conduta, confli­tando com a natureza da modificação do comporta­mento. O psicanalista enfatiza as forças intrapsíqui­cas, como fundamentais, predominantes, responsáveis pelo comportamento. Já os comportamentalistas es­tabelecem, como indissociáveis da conduta, as condi­ções ambien tais.

Desse modo, surge o quesito da motivação, deter­minando o comportamento. Seja a libido — motivação freudiana —, o anseio de superioridade, como supera­ção dos instintos agressivos — motivação adleriana — ou o imperativo ambiental — motivação compor­tamentalista —, o ser é levado ao êxito nas suas buscas, não podendo fugir a uma ou outra dessas condições.

Antes desse alargamento da visão transpessoal, todas as experiências místicas eram tidas como neu­rose narcisista, e a conquista da iluminação era consi­derada como uma automática regressão a estágios in­tra-uterinos.

Nesses choques de modelos e propostas, tornava-se inevitável a disputa em torno de qual seria o verdadeiro, com desprezo pelos demais...

O estudo transpessoal não pretende ser único, antes alarga os conceitos existentes, respeita-lhes a validade, buscando desenvolver e ampliar as dimen­sões da natureza humana e a sua realidade intrínse­ca. O seu potencial é imprevisível, e o ser espiritual éimensurável na sua estrutura profunda, que lhe cabe desenvolver ao largo das sucessivas reencarnações. Unindo tecnologia e observação, experiência e trei­namento paranormal, desenvolvem-se-lhe os recur­sos latentes, no rumo do Infinito.

O novo modelo e paradigma transpessoal, por­tanto, estrutura-se na sabedoria do oriente e nas mo­dernas experiências do ocidente, compondo o ho­mem, o ser interior: espírito, perispírito e matéria, con­forme a proposta kardequiana, embora a nomencla­tura diferenciada que vem sendo adotada pelos psi­cólogos e terapeutas transpessoais.


5

A nova estrutura do ser humano

À medida que a Psicologia vem aprofundando a sonda da investigação nos alicerces psíquicos do ser, tentando compreender as alterações da consciência, mais se agigantam as perspectivas do conhecimento para tornar a existência humana mais digna de ser vivi­da.

A súbita mudança de conceitos cartesiano-newto­nianos a respeito de tempo e espaço — graças aos admiráveis descobrimentos da física qüântica, face aos nobres intentos vitoriosos das neurociências e da Biologia molecular, em razão do aprofundado estudo do cérebro através da holografia, diante da análise cuidadosa dos estados alterados de consciência por meio da hipnose, da aplicação de drogas psicodéli­cas, da meditação, — ensejou melhor visão em torno do ser humano e sua grandiosa dimensão.

Estudos acurados dos hemisférios cerebrais con­cluíram que o esquerdo é responsável pela razão e ló­gica, pelas funções verbais, pela globalização, enquan­to o direito se encarrega do comportamento místico, indutivo, intuitivo, orientação espacial... Como conse­qüência, estabeleceu-se que, nos ocidentais, o hemis­fério esquerdo é mais desenvolvido do que o direito, esse mais usado pelos orientais e, por isso mesmo, portador de mais amplos recursos.

Por outro lado, graças aos estudos e observações de alguns neuropsiquiatras, constatou-se que todo o cérebro é detector da memória, necessitando de ser devassado para melhor compreender-se os múltiplos fenômenos paranormais de que se faz instrumento, ora inconscientemente, noutras ocasi­ões mediante induções, concentrações e contribui­ções conscientes.

A Psicologia Transpessoal e a Parapsicologia, unin­do-se para interpretar os estados alterados de cons­ciência, eliminando a esdrúxula e tradicional explica­ção de que são fenômenos patológicos, aproximam-se da realidade do Espírito, que é indissociável de todo acontecimento físico e psíquico.

Toda a gama de fenômenos parapsicológicos na ordem psigama — clarividência, telepatia, pre e retro­cognição, escrita automática — ou psikapa — transpor­te, ectoplasmia, desmaterialização, bicorporeidade —conduz à certeza de um agente racional e lúcido — o Espírito — como causa de todas as manifestações, en­contrando-se encarnado ou não.

O ser organicista, em razão disso, cede lugar ao indivíduo psi ou espiritual, portador de percepções extra-sensoriais e faculdades mediúnicas, que lhe constituem instrumentos de trabalho e progresso, mediante as experiências continuadas na esteira das reencarnações.

O Espírito é a base da Psicologia Transpessoal, conforme demonstra a Ciência Espírita, em inumerá­veis experiências mediúnicas.

Essa visão nova explica os desarranjos compor­tamentais, as diferenças de coeficiente intelectual, os estados patológicos variados, ao mesmo tempo enriquecendo as psicoterapias com arsenal de in­formações libertadoras, hauridas no estudo das obsessões, das reencarnações e dos desconsertos mediúnicos.

Desse modo, o ser humano supera a condição re­ducionista a que foi submetido por alguns psicólogos e amplia a dualidade corpo-espírito, para apresentar-se em estrutura completa, que abarca todas as ocor­rências que lhe sucedem.

Organizando o corpo somático, o Espírito se utili­za dos equipamentos do perispírito, tornando-se o in­divíduo um ser trino, no qual a morte física dilui a for­ma sem aniquilar a sua realidade, transferindo, medi­ante o corpo intermediário, para o Espírito que sedia a vida, conquistas e prejuízos que lhe programam os futuros renascimentos.

A unicidade da existência corporal não correspon­de à realidade, face às diferenças morais, culturais, sociais, psicológicas, orgânicas, que caracterizam as criaturas humanas, estagiárias nos mais diferentes patamares da vida.

A reencarnação, pelo contrário, faculta a compre­ensão dos fenômenos evolutivos, favorecendo todos os seres com as mesmas possibilidades de cresci­mento, desde a monera ao arcanjo, vivenciando as mesmas oportunidades e adquirindo sabedoria — con­quista do conhecimento e do amor — que culmina em sua plenitude.

Reconhecida a nova estrutura do ser humano —Espírito, perispírito e matéria — a Psicologia pode me­lhor penetrar nos arcanos do inconsciente, que possui todo o conhecimento de tempo — passado, presente e futuro — como a dimensão de espaço — o infinito no finito.

Sediando o Espírito, conforme a visão espírita as­severa, a lei de Deus está escrita na consciência (*) detentora da realidade, que a pouco e pouco se des­vela, conforme a evolução do próprio ser, no seu pro­cesso de lapidação de valores e despertamento das leis que nela dormem latentes.

Nos alicerces do inconsciente se encontram todas essas bênçãos que, lentamente, assomam à consci­ência e se tornam patrimônio da lucidez, fazendo o ser compreender que nem tudo quanto pode fazer, deve-o; da mesma forma que nem tudo quanto deve, pode; conseguindo a sabedoria de fazer somente o que deve e pode como membro consciente que age de acordo com a harmonia cósmica.

Esse, o grande desafio para a Psicologia profun­da, qual seja, avançar cada dia mais na interpretação do ser humano, sem deter-se em modelos estáticos, tradicionais, atenta às informações das demais ciên­cias e do Espiritismo, assumindo uma posição aber­ta e holística.

(*) Questão 621 de O Livro dos Espíritos de Allan Kardec. - Nota da Autora espiritual.


SEGUNDA PARTE

SER E PESSOA


6

A pessoa

Boécio, poeta e filósofo da decadência romana, nos séculos 5º e 6º, definiu a pessoa como constituída por uma substância individual de natureza racional.

A filosofia, através dos séculos, buscou demons­trar que a pessoa é distinta do indivíduo e do ser psi­cofísico, o que deu margem a considerações demora­das por pensadores e escolas variadas.

Santo Tomaz de Aquino, por exemplo, preferiu seguir o conceito de Boécio, que teve muita influência significativa du­rante a Idade Média, enquanto Emmanuel Kant se apoiou em conteúdos mais profundos, quando da análise da pessoa em si mesma.

Do ponto de vista psicológico, a pessoa é um ser que se expressa em múltiplas dimensões, desde os seus conteúdos humanista, comportamentalista e existencial, a novos potenciais que estruturam o ser pleno.

A psicologia ocidental, diferindo da oriental, manteve o conceito de pessoa nos limites berço-tú­mulo com uma estruturação transitória, enquanto a outra sustenta a idéia de uma realidade transcenden­te, embora a sua imanência na expressão da forma e relatividade corporal.

Os estudos transpessoais, incorporando as teses orientais, consideram a pessoa um ser integral, cujas dimensões podem expressar-se em várias manifes­tações, quais a consciência, o comportamento, a per­sonalidade, a identificação, a individualidade, num ser complexo de expressão trinária.

Não apenas o corpo, o ser psicofísico, porém, a matéria — efeito —, o perispírito — modelo organizador biológico — e o espírito — a individualidade eterna.

Não pretendemos inovar modelos, antes resumir correntes e apresentar uma síntese.

A visão transpessoal espírita, porque completa, elucida os inúmeros fenômenos paranormais de na­tureza anímica e mediúnica que caracterizam a exis­tência humana. concedendo-lhe dinâmica imortalis­ta e conteúdo de significado, de causalidade.

A pessoa, observada do ponto de vista imortal, é preexistente ao corpo, e sua origem perde-se nos milênios passados do processo evolutivo, desenvol­vendo-se fiel a uma fatalidade que se manifesta em cada experiência corporal — reencarnação — como aquisição de novos implementos, faculdades e funções que tangenciam ao crescimento e à feli­cidade.

A pessoa sintetiza, quando corporificada, as di­mensões várias que lhe cumpre preservar e aprimo­rar, facultando o desabrochar de recursos que lhe fa­zem embrionários e são essenciais ao seu existir.

A consciência

Jung definiu a consciência como a relação dos con­teúdos psíquicos com o ego, na medida em que essa re­lação é percebida como tal pelo ego.

A complexidade, no entanto, das conceituações de consciência, nem sempre responde aos conteúdos de que se constitui.

Para entendê-la, é necessário situá-la além dos limites do sono, do sonho, do delírio, e estabelecê-la como condição de ótima ou lúcida, na qual os episódi­os psicóticos cedem lugar à normalidade, ao discerni­mento, ao equilíbrio gerador de harmonia.

A psicologia tradicional, aferrada ao organicismo ancestral, prefere ignorar os elevados níveis de cons­ciência, nos quais os estados alterados transcenden­tes facultam a visão dilatada da realidade, sem os li­mites do real aceito, do real psicótico, do real em sonho.

As experiências nas diversas áreas de consciên­cia alterada, conseguidas por substâncias psicodéli­cas ou através de meditação profunda, ao invés de revelarem situações patológicas, abrem perspectivas fascinantes para terapias liberadoras e que proporci­onam dilatação do conhecimento e do sentido mais amplo da vida.

A psicologia filosófica do oriente sempre pro­porcionou os estados de plenitude e nirvana, ense­jando a superação dos limites do estágio de nor­malidade, através de transes e da contemplação profunda.

A consciência adquirida — a perfeita identificação do conhecimento e do fazer, do saber e do amar — fa­culta a ampliação das próprias possibilidades para penetrar em dimensões metafísicas, onde outras re­alidades são bases do ser pessoal.

O comportamento

As atitudes que caracterizam a pessoa resul­tam do convívio social e das aspirações cultivadas, gerando a consciência individual, que responde pela do grupo social, face à aplicação dos valores adquiridos.

Ressaltam, no comportamento, as ambições do desejo, responsáveis pelo grau de libertação emocio­nal, ou presídio, no qual o ser transita pelos vínculos que se permite desenvolver.

A pessoa é, acima de tudo, a sua mente. O que elabora, torna-se; quanto cultiva, experimenta.

A mente algema e libera, necessitando de auste­ras disciplinas para ser comandada, ao invés de ser a dominadora irredutível.

Nesse imperativo, o desejo expressa a qualida­de evolutiva da pessoa, respondendo pela conduta e pelos fatores daí decorrentes.

O comportamento impõe necessidades e as ex­pressa simultaneamente, definindo a pessoa.

Somente o autoconhecimento favorece o compor­tamento com as possibilidades de desenvolvimento pessoal, estruturador profundo do ser imortal.

A personalidade

Em permanente representação dos conteúdos mentais, e dominada pela imposição das leis e costu­mes de cada época e cultura, a personalidade repre­senta a aparência para ser conhecida, não raro, em distonia com o eu profundo e real, gerador de conflitos.

A personalidade é transitória e assinala etapas reencarnacionistas, definidoras de experiências nos sexos, na cultura, na inteligência, na arte e no relacio­namento interpessoal.

Cada pessoa reencarna com as características herdadas das experiências anteriores e submete-se aos condicionamentos de cada fase, por ela transitan­do com os seus sinais tipificadores.

Assimilar todos os condicionamentos e exteriori­zar uma personalidade consentânea com o ser real, eis o desafio da terapia transpessoal, trabalhando a pessoa para que assuma a sua realidade positiva e superior, crescendo em conteúdos mentais e desen­carcerando-se, até permitir-se a perfeita harmonia entre ser e parecer.

A identificação

De duas formas a pessoa se identifica com os va­lores do progresso: externa e internamente.

A identificação externa impõe as lutas e os confli­tos da assimilação dos comportamentos sociais, nos quais o apego assume a condição mais importante, a primeira e última da existência.

O apego externo, no entanto, é menos danoso do que o interior, responsável pelos vícios e paixões de­generativos, que conduzem a patologias dolorosas, crueis.

A identificação assinala o estágio de evolução de cada pessoa, fadada à elevação, que, para conseguir, deve liberar-se daqueles valores, desidentificando-se de hábitos milenários, fixados, alguns, atavicamente, aos painéis do ser, gerando falsas necessidades, que se tornam fundamentais, portanto responsáveis pelo sofrimento nas suas várias facetas.

A psicologia oriental estabelece na ilusão, na impermanência da vida física, com as quais a pessoa se identifica, algumas preponderantes razões para o so­frimento.

A desidentificação induz à conquista de patama­res elevados, metafísicos, nos quais o ser se auto-en­contra e se realiza.

A individualidade

Somatório de todas as experiências, a individua­lidade é o ser pleno e potente, que alcançou a auto-realização.

Imperecível, a individualidade é o Espírito em si mesmo, que reúne as demais dimensões e sabe cons­cientemente o que fazer, quando fazê-lo e como reali­zá-lo, para ser a pessoa integral, ideal.

Enquanto a filosofia informava que a pessoa não é o indivíduo, na visão da psicologia profunda, este, que superou os condicionamentos e comportamentos pessoais de consciência livre, é o ser total, pessoa tran­sitória, individualidade eterna.


7

Fatores de desequilíbrio

A saúde da criatura humana resulta de fatores essenciais que lhe compõem o quadro de bem-estar: equilíbrio mental, harmonia orgânica e ajustamento sócio-econômico. Quando um desses elementos dei­xa de existir, pode-se considerar que a saúde cede lugar à perturbação, que afeta qualquer área do con­junto psicofísico.

Sendo, a criatura humana, constituída pela ener­gia que o Espírito envia a todos os departamentos materiais e equipamentos nervosos, qualquer distonia que a perturbe abre campo para a irrupção de do­enças, a manifestação de distúrbios, que levam aos vários desconsertos patológicos, conhecidos como enfermidades.

Por isso, é possível que uma criatura, em proces­so degenerativo, possa aparentar saúde, face à ausên­cia momentânea dos sintomas que lhe permitem o re­gistro, a percepção do insucesso.

Da mesma forma, podemos considerar que, escra­va da mente, a criatura transita do cárcere dos sofri­mentos aos portões da liberdade — das doenças à saú­de ou vice-versa — através da energia direcionada ao bem, à harmonia, ou sob distonias, conflitos e traumas.

De relevantes significados são os conteúdos ne­gativos do comportamento emocional, geradores das disritmias energéticas, que passam a desvitalizar os campos nos quais se movimentam, enfraquecendo-os e abrindo-os à sintonia com os microorganismos de­generativos.

Entre os muitos fatores de destruição do equilí­brio, anotemos o amor, a angústia, o rancor, o ódio, que se convertem em gigantes da vida psicológica, com poderes destrutivos, insuspeitáveis.

A mente desordenada, que cultiva paixões dissol­ventes, perde o rumo, passando a fixações neuróti­cas e somatizadoras, infelizes, que respondem pelos estados inarmônicos da psique, da emoção e do corpo.

Os conteúdos do equilíbrio expressam-se no com­portamento, propiciando modelos de criaturas desidentificadas com as manifestações deletérias do meio social, das constrições de vária ordem, das do­minações bacterianas.

A auto-análise, trabalhada pela insistência de preservação dos ideais superiores da vida, é o recur­so preventivo para a manutenção do bem-estar e da saúde nas suas várias expressões.

O amor

Confundidas as sensações imediatas do prazer com as emoções emuladoras do progresso moral, o amor constitui o grande demolidor das estruturas ce­lulares, pela força dos desejos de que se faz portador.

Certamente, referimo-nos ao amor bruto, asselva­jado, possessivo, que situa no desejo a sua maior car­ga de aspiração.

Ocultando frustrações pertinazes e gerando me­canismos de transferência neurótica, as personalida­des atormentadas aferram-se ao amor-desejo, ao amor-sexo, ao amor-posse, ao amor-ambição, deixando-se consumir pelos vapores da perturbação, que a insis­tência mental e insensata do gozo desenvolve em for­ma de incêndio voraz.

O atormentado fixa a sua identidade na necessida­de do que denomina amor e projeta-se, inconsciente­mente, sobre quem ele diz amar, impondo-se com sofreguidão irrefreável, ou acalentando intimamente a re­alização do que anela, em terrível desarmonia interior. A quanto mais aspira e frui, mais exige e sofre; se não logra a realização, mais se decompõe, perdendo ou matando, com os raios venenosos da mente em desali­nho, as defesas imunológicas e a vibração de harmonia mental, logo tombando nos estados enfermiços.

A angústia

A insegurança pessoal, decorrente de vários fa­tores psicológicos, gera instabilidade de comporta­mento, facultando altas cargas de ansiedade e de medo.

Sentindo-se incapaz de alcançar as metas a que se propõe, o indivíduo transita entre emoções em desconserto, refugiando-se em fenômenos de angús­tia, como efeito da impossibilidade de controlar os acontecimentos da sua vida.

Enquanto transite nos primeiros níveis de cons­ciência, a carência de lucidez dos objetivos essenci­ais da vida levá-lo-á a incertezas, porqüanto, as suas, serão as buscas dos prazeres, das aspirações egoís­tas, das promoções da personalidade, sentindo-se fra­cassado quando não alcança esses patamares transi­tórios, equivocados, em relação à felicidade.

Aprisionando-se em errôneos conceitos sobre a plenificação do eu, que confunde com as ambições do ego, pensa que ter é de relevante importância, dei­xando de ser iluminado, portanto, superior aos condi­cionamentos e pressões perturbadoras.

A angústia, como efeito de frustração, é seme­lhante a densa carga tóxica que se aspira lentamen­te, envenenando-se de tristeza injustificável, que ter­mina, às vezes, como fuga espetacular pelo mecanis­mo da morte anelada, ou simplesmente ocorrida por efeito do desejo de desaparecer, para acabar com o sofrimento.

Normalmente, nos casos de angústia cultivada, estão em jogo os mecanismos masoquistas que, fa­cultando o prazer pela dor, intentam inverter a ordem dos fenômenos psicológicos, mantendo o estado per­turbador que, no paciente, assume características de normalidade.

O recurso para a superação dos estados de an­gústia, quando não têm um fator psicótico, é a con­quista da autoconfiança, delineamento de valores re­ais e esforço por adquiri-los ou recorrendo ao auxílio de um profissional competente.

As ocorrências de insucesso devem ser avaliadas como treinamento para outras experiências, recurso-desafio para o crescimento intelectual, aprendizagem de novos métodos de realizações humanas.

Exercícios de autocontrole, de reflexões otimistas, de ações enobrecedoras, funcionam como terapia li­bertadora da angústia, que deve ser banida dos sen­timentos e do pensamento.

O rancor

Fenômeno natural decorrente da insegurança emo­cional, o rancor produz ácidos destruidores de alta potencialidade, que consomem a energia vital e abrem espaços intercelulares para a distonia e a ins­talação das doenças.

Entulho psíquico, o rancor acarreta danos emoci­onais variados, que levam a psicoses profundas e a episódios esquizofrênicos de difícil reparação.

A criatura humana tem a destinação da plenitu­de. O seu passo existencial deve ser caracterizado pela confiança, e os acontecimentos desagradáveis fazem-­se acidentes de percurso, que não interrompem o pla­no geral da viagem, nunca impeditivos da chegada à meta.

Por isso, os acontecimentos impõem, quando ne­gativos, a necessidade de uma catarse libertadora, a fim de não se transformarem em resíduos de má­goas e rancores que, de contínuo, assumem mais danoso contingente de ocorrência destrutiva.

A psicoterapia do perdão, com os mecanismos da renúncia dinâmica, consegue eliminar as seqüelas do insucesso, retirando o rancor das paisagens mentais e emocionais da criatura, sem o que se desarticulam os processos de harmonia e equilíbrio psíquico, emo­cional e físico.

O ódio

Etapa terminal do desarranjo comportamental, o ódio é tóxico fulminante no oxigênio da saúde men­tal e física.

Desenvolve-se, na sua área, mediante a análise injusta do comportamento dos outros em relação a si, e nunca ao inverso. Fazendo-se vítima, porque passou a um conceito equivocado sobre a realidade, deixa-se consumir pelo complexo de inferioridade, procedente da infância castrada, e descarrega, inconscientemen­te, a sua falta de afetividade, a sua insegurança, o seu medo de perda, a sua frustração de desejo, em arre­messos de ondas mentais de ódio, até o momento da agressividade física, da violência em qualquer forma de manifestação.

O ódio é estágio primevo da evolução, atavicamen­te mantido no psiquismo e no emocional da criatura, que necessita ser transformado em amor, mediante terapias saudáveis de bondade, de exercícios frater­nais, de disciplinas da vontade.

Agentes poluidores e responsáveis por distúrbios emocionais de grande porte, são eles os geradores de perturbações dos aparelhos respiratório, digesti­vo, circulatório. Responsáveis por cânceres físicos, são as matrizes das desordens mentais e sociais que aba­lam a vida e o mundo.

A saúde da criatura humana procede do ser eter­no, vem das experiências em vidas anteriores, confor­me ocorre com as enfermidades cármicas, no entanto, dependendo da consciência, do comportamento, da personalidade e da identificação do ser com o que lhe agrada e com aquilo a que se apega na atualidade.


8

Condições de progresso e harmonia

Na estrutura profunda da individualidade huma­na, encontram-se as experiências milenárias do ser, nem sempre harmonizadas entre si, geradoras de con­flitos e complexos negativos que a atormentam.

Atavicamente vinculada ainda às sensações de­correntes da faixa primária por onde transitou, a líbí­do exerce-lhe poder preponderante no comportamen­to, conforme as constatações de Freud, que a conside­rou fator essencial na vida humana. Observando os diversos fenômenos de conduta e as terríveis angús­tias, como exacerbações da emotividade das criatu­ras, o mestre de Viena organizou todo o edifício da psicanálise na manifestação sexual castradora ou li­berada, bem como na complexa influência materno­paternal, que desde a infância conduziu o ser sob os tabus perniciosos e as constrições dos desejos irrea­lizados, das consciências de culpa, dos implementos perturbadores da personalidade patológica.

Estamos, sem dúvida, diante de fatores incontes­táveis, todavia adstritos às áreas fenomenológicas e não causais, em se considerando que, herdeiro de si mesmo, o Espírito é o autor do seu destino — nunca será demasiado repetí-lo — renascendo em lares nos quais mantém vínculos afetivos e familiares, confor­me a sua conduta anterior.

Face à variedade de renascimentos, nem sempre consegue diluir as lembranças que permanecem em forma de tendências e aptidões, de desejos e necessi­dades. Não digeridas, as frustrações, eis que se im­põem mais graves, ao ressurgirem, na sucessão das ocorrências comportamentais, em forma de distúrbi­os psicológicos de variada catalogação.

Preocupada com o ser-máquina, a psicologia não tem ensejado uma compreensão maior da criatura, que fica, na visão reducionista, limitada a um feixe de de­sejos e paixões primitivas.

Em uma análise transpessoal, o ser enriquece-se de valores que lhe cumpre multiplicar cada vez mais, autoconhecendo-se e autodisciplinando -se, à medida que a sua consciência adquire lucidez e torna-se ótima.

Abrem-se-lhe então as perspectivas antes cerra­das, e facultam-se-lhe as oportunidades de dilatação do campo intelecto-emocional, passando a vencer as seqüelas das existências anteriores, ainda predomi­nantes no psiquismo, que se exteriorizam em forma de desarmonia.

A desidentificação com os graves compromissos que ainda o atormentam torna-se factível, mediante a impregnação com outros ideais e aspirações mais abrangentes quão agradáveis, que passam a povo­ar-lhe a paisagem mental.

Nesse esforço, faz-se viável o autoconhecimento, como primeiro tentame de crescimento psicológico. A necessidade de tornar a mente um espelho, e

postar-se defronte dela desnudo, é inadiável. Somente através de um exame da própria realida­de, observando-se sem emoção — o que impede os sen­timentos de autocompaixão como os de autopromo­ção, de justificação ou culpa — consegue-se um retrato fiel do que se é, e do que cumpre fazer-se para mais amar-se e ajudar-se como segmento imediato do es­forço.

Enquanto a criatura não se despoja dos artifícios com que se oculta, evitando desnudar-se em uma ati­tude infantil repressiva, qualquer tentame exterior para o progresso e a harmonia resulta inócuo, quando se não torna perturbador.

Ninguém é culpado conscientemente de ser frá­gil, fragmentário, ocorrências naturais do processo de evolução. Não obstante, a permanência na postura denota imaturidade psicológica ou manifestação pa­tológica do comportamento.

Quando alguém aspira por mudanças para melhor, irradia energias saudáveis, do campo mental, que con­tribuem para a realização da meta. Através de contí­nuos esforços, direcionados para o objetivo, cria no­vos condicionamentos que levam ao êxito, como de­corrência normal do querer. Nenhum milagre ou inu­sitado ocorre, nessa atitude que resulta do empenho individual.

O autodescobrimento tem por finalidade consci­entizar a pessoa a respeito do que necessita, de como realizá-lo e quando dar início à nova fase. Acomoda­da aos estados habituais, não se dá conta das incal­culáveis possibilidades que lhe estão ao alcance, bastando-lhe apenas dispor-se a desdobrá-las.

O auto-encontro pode ser logrado através da me­ditação reflexível, do esforço para fixar a mente nas idéias positivas, buscando saber quem se é, e qual a finalidade da sua existência corporal e do futuro que a aguarda.

Equipada de honesto desejo de eqüacionar-se, a esfinge perturbadora atira-se ao mar do discernimen­to e desaparece, deixando o indivíduo livre seguir, sem a maldita fatalidade de ser desditoso.

A consciência liberta-o das heranças paterno-maternais, produzindo o conhecimento lúcido e bené­fico, que se torna filho capaz de conduzi-lo pelos ca­minhos da vida, sem a imposição caprichosa do deus-destino.

Ao lado da meditação, encontra-se a ação solidá­ria no concerto social, que alarga as possibilidades no campo onde se movimenta e promove o ser profundo, limpando-o dos caprichos do ego e liberando-o das arbitrárias injunções limitadoras, angustiantes.

O intercâmbio social com objetivos fraternais rom­pe as amarras do medo, dando outra dimensão à afe­tividade — sem apego, sem paixão, sem desejo, sem neurose —, facultando a harmonia pessoal — sem ansie­dade, sem conflito, sem culpa —, ensejando saúde mental e emocional indispensáveis à física.

As condições do progresso e harmonia do eu real propõem um estudo das virtudes evangélicas, uma releitura dos seus fundamentos e posterior aplicação na conduta pessoal.

Amor indistinto, manifestando-se em todas as expressões e começando por si próprio, com segu­rança de propósitos, metas e realizações, é o passo inicial da fase nova, ao lado do perdão liberador de ressentimentos, desgosto e inferioridade geradora de reações de violência ou de depressão com caráter au­topunitivo.

Na visão transpessoal, o progresso e a harmonia são conquistas internas do ser humano, que se exterio­rizam como entendimento da vida e atração por ela, num empenho incessante de crescer e jamais cansar­se, saturar-se ou desistir.

O progresso é fatalidade da vida, e a harmonia resulta da consciência desperta para a conquista da sua plenificação.


TERCEIRA PARTE

PROBLEMAS E DESAFIOS


9

Êxito e fracasso

O estado normal da criatura é o de saúde, no qual o bem-estar e o equilíbrio proporcionam clima respi­rável de satisfação.

Elaborada para um ritmo harmônico de vida, a maquinaria fisiopsiquica obedece a automatismos pre­cisos, dos quais resultam a saúde e as disposições emocionais, para galgar-se patamares reais elevados nos processos das aspirações idealistas.

Ser pensante, destaca-se a criatura na escala zoo­lógica, compreendendo os mecanismos da vida e aplicando o conhecimento para os logros da auto-rea­lização e da autoplenificação que lhe constituem o ápice da saúde.

Saúde seria, portanto, um fenômeno natural. Não fossem, do ponto de vista biopsicológico, as heranças genéticas, os fatores psicossociais, as ocorrências fa­miliares e o convívio do lar, o ser não atravessaria os caminhos difíceis dos distúrbios e doenças perturba­doras.

Considerado o ser apenas como uma máquina, te­ríamos a vida sem finalidade nem objetivo, porqüanto ele já nasceria sob os estigmas dos ancestrais — no que diz respeito às heranças genéticas, ao lar condicionador e à sociedade — no caso das distonias e anormalidades, das síndromes degenerativas e dos fenômenos patoló­gicos vários, que determinam as desgraças de uns, e, por outro lado, os propiciatórios para a felicidade, a saúde e a beleza de reduzida faixa dos demais.

Sem dúvida, tal colocação falha pela ausência de uma sustentação lógica, considerando todas as ocorrências como procedentes do acaso fatalista e absurdo...

A análise transpessoal do ser concede-lhe digni­dade causal e destinação final, mediante a travessia do percurso que lhe cumpre trilhar, gerando os meios felicitadores, ou desditosos, que são efeitos das suas realizações precedentes.

Passo a passo, desenvolvem-se os atributos da personalidade, ampliando-se os conteúdos da indivi­dualidade e aprimoram-se as aptidões latentes que são o germe da presença divina em todos.

Possuidor de recursos e potências não dimensio­nadas, o ser desabrocha e cresce sob as condições que lhe são inerentes, cabendo-lhe seguir o heliotro­pismo superior que o leva à sua destinação gloriosa.

Impregnado pelas partículas e moléculas materi­ais que o vestem, enquanto reencarnado, não raro a visão do êxito apresenta-se-lhe distorcida, caracteri­zando-se como o deleite contínuo, resultante dos pra­zeres hedonistas que a posição social relevante e o poder político-econômico proporcionam, ensej ando um prolongado desfrutar.

Esquecendo-se da impermanência de tudo e da fugacidade do tempo — pelo qual apenas transita, na sua dimensão de eternidade — desgasta-se, en­velhece, adoece e morre... O imprevisível surpreen­de-o, e surgem-lhe a saturação, o desinteresse, os sentimentos apaixonados e os frustrados, proporci­onando desequilíbrios interiores que se expressarão em tormentos para si e para os outros no inter-rela­cionamento pessoal.

Na busca do êxito, o ser, psicologicamente ima­turo, investe todos os valores, e na competição en­contra o estímulo para galgar os degraus do desta­que, descendo moralmente, na escala dos padrões, à medida que ascende na aparência.

Essa dicotomia de ocorrências — a interna e a ex­terna — resultará em infelicitá-lo, perturbando-lhe o senso de avaliação e de consideração da realidade, talvez ferindo profundamente a pessoa.

Caça-se o êxito como se fosse, na floresta huma­na, o objetivo essencial à vida, confundindo-se triunfo de fora com realização de harmonia interior.

Denigre-se então o adversário, que não o sabe, tornado assim por estar à frente ou mais alto; segue-se-lhe o passo, ocupando-lhe o lugar imediatamente inferior por ele deixado, até emparelhar-se-lhe e der­rubá-lo, assumindo-lhe a posição.

Inevitavelmente, porque não permanecem espa­ços vazios nos relacionamentos humanos, enquanto, por sua vez ascende, deixa o degrau aberto que logo esta­rá ocupado por aqueloutro que lhe será o substituto.

O triunfo de hoje é o prólogo do desencanto e das lágrimas de amanhã; sorrisos se tornarão esgares, e aplausos far-se-ão apedrejamentos, considerando-se, na população humana, as mesmas aspirações e os equivalentes conflitos.

A criatura são as suas necessidades.

O psicólogo americano pragmatista, William Ja­mes, classificou os biótipos humanos em espíritos fra­cos e fortes, enquanto Ernesto Kretschmer, psiquiatra alemão, considerou as personalidades de acordo com a compleição do indivíduo em pícnico, ou pessoa re­donda; atlético, ou pessoa quadrada; e o astênico, pes­soa delgada. Face a tal conclusão, afirmou que há espí­ritos esquizóides e ciclotímicos, enquanto Carlos Gusta­vo Jung os considerou introvertidos e extrovertidos.

Em todos há uma ânsia comum: os fracos fortale­cerem-se, os ciclotímicos harmonizarem-se e os intro­vertidos exteriorizarem-se.

As psicoterapias são aplicadas conforme as reve­lações do inconsciente, arrancando dos arquivos do psiquismo os fatores que geraram os traumas e deter­minaram os conflitos, interpretando as ocorrências dos sonhos nos estados oníricos e as liberações catársi­cas nas demoradas análises.

Nem sempre, porém, serão encontradas as ma­trizes de tais patologias, que estão profundamente registradas no Espírito, como decorrência de condu­tas, de atividades, dos sucessos das reencarnações passadas.

Somente a sondagem cuidadosa dos arcanos do ser pretérito enseja o encontro das causas passadas, geradoras dos problemas atuais.

Uma análise transpessoal libera-o dos tabus, in­clusive, da visão distorcida da realidade, que deixa de ser a exclusiva expressão terrena, para transportá-la para a vida imortal, precedente ao corpo e a ele sobrevivente, demonstrando que o êxito, o triunfo, o fra­casso, o insucesso, não se apresentam conforme a proposta social imediatista, porém outra mais signi­ficativa e poderosa.

Convém determinar-se que o êxito material pode significar fracasso emocional, espiritual, e, às vezes, o insucesso, a aparente falta de triunfo constitui a ple­na vitória sobre si mesmo, suas paixões e pequene­zes, uma forma de opção para o crescimento interior, ao invés do empenho pelo amealhar de moedas e reu­nião de títulos que não acalmam as emoções nem tranqüilizam as ambições.

Certamente, a criatura deve possuir e dispor de recursos necessários para uma vida saudável, con­sentânea com o grupo social no qual se encontra. No entanto, o êxito não pode ser medido em contas ban­cárias, prestígio na comunidade e destaque político. Da mesma forma, não é factível definir-se por fracas­so a ausência desses troféus.

Os homens e mulheres plenos, vitoriosos de to­dos os tempos, venceram-se, completaram-se e, sem qualquer tipo de conflito, optaram pela realização in­terior, respeitando todas as aspirações e direitos dos demais indivíduos, porém, a eles próprios impondo-se a auto-realização que lhes propiciou saúde — mes­mo quando enfermos —, felicidade — embora perse­guidos algumas vezes — e êxito — isto é, a vitória no que anelavam, apesar de levados ao martírio.

A visão transpessoal do êxito e do fracasso está ínsita na pessoa interior, real, a criatura harmonizada consigo mesma, com as outras pessoas, com a natu­reza e a vida.

Êxito é encontro, enquanto fracasso é domínio pelo ego.

O êxito gera paz, e o fracasso inquieta.

Auto-analisando-se, cada qual se descobre, as­sim dando-se conta do triunfo ou do insucesso, po­dendo recomeçar para alcançar o êxito, nunca o fra­casso.


10

Dificuldades do ego

Característica iniludível de imaturidade psicoló­gica do indivíduo, é a sua preocupação em projetar o próprio ego.

Atormentado pela ausência de valores pessoais, quão inseguro no comportamento, apega-se às atitu­des afugentes da autopromoção, passando a viver em contínua inquietação, porque sempre insatisfeito.

Afirmou Freud que o sofrimento é inevitável, con­siderando os grandes problemas que aturdem os se­res nas várias expressões em que se exteriorizam.

De fato, a transitoriedade da vida física responde pela morte rápida da ilusão e pela destruição dos seus castelos, produzindo lamentáveis estados emocionais naqueles que se lhes agarram com todas as veras. Logo percebem-se de mãos vazias, sem qualquer base em que apóiem e firmem as aspirações que acalentam.

As diversas enfermidades e as variadas frustra­ções, que se radicam no ego, têm, porém, uma historio-grafia muito larga, transcendendo a existência atual, remontando ao passado espiritual do ser.

Não conhecendo a gênese das mesmas, o indiví­duo centraliza, nas necessidades de afirmação da per­sonalidade, os seus anseios, derrapando nas valas da projeção indébita do ego.

Quando não se consegue aparecer através das realizações edificantes, mascara-se, e promove situ­ações que vitaliza no íntimo, desde que chame a aten­ção, faça-se notar.

Em alguns casos, vitimado por conflitos rudes, elabora estados narcisistas e afoga-se na contempla­ção da própria imagem, em permanente estado de alienação do mundo real e das pessoas que o cer­cam.

Patologicamente sente-se inferiorizado, e oculta o drama interior partindo para o exibicionismo, como mecanismo de fuga, sustentando-se em falsos pedes-tais que desmoronam e produzem danos psicológicos irreparáveis.

A criatura que não se conhece, atende ao ego, buscando tornar-se o centro das atenções mediante tricas e malquerenças, que estabelece com rara ha­bilidade, ou envolvendo-se nos mantos que a tornam vítima, para, desse modo, inspirar simpatia, coliman­do o objetivo de ser admirada, tida em alta conta.

Toda preocupação que se fixa, conduzindo a au­topromoção, constitui sinal de alarme, denunciando manifestação dominadora do ego em desequilíbrio, que logo gerará problemas.

A conscientização da transitoriedade da existên­cia física conduz o ser ao cooperativismo e à natural humildade, tendo em vista as realizações que devem permanecer após o seu desaparecimento orgânico.

Por outro lado, o autodescobrimento amadurece o ser, facultando-lhe compreender a necessidade da dis­crição que induz ao crescimento interior, à plenitude.

Toda vez que alguém se promove, chama a aten­ção, mas não se realiza. Pelo contrário, agrada o ego e fica inquieto observando os competidores eventuais, pois que, em todas as pessoas que se destacam vê inimigos, face ao próprio desequilíbrio, assim engen­drando novas técnicas para não ficar em segundo pla­no, não passar ao esquecimento.

O tormento se lhe faz tão pungente e perturbador que, em determinadas áreas das artes, criou-se o bro­cardo: Que se fale mal de mim; mas que se fale, numa asseveração de que a evidência lhes preenche o ego, mesmo quando é negativa.

A Psicologia Transpessoal, diante de tal estado, propõe uma revisão dos conteúdos da personalidade, do ego, estabelecendo, como fator essencial no pro­cesso da busca da saúde, a conquista do ser pleno, realizador, identificando-se preexistente ao corpo e a ele sobrevivente, sem o que a vida se lhe torna, real­mente, um sofrimento inevitável.

Nas faixas da evolução mais densa, em que esta­gia a grande mole humana, o sofrimento campeia, por ser uma forma de malho e de bigorna que trabalham o indivíduo, nele insculpindo o anjo e arrancando-lhe o demônio do primitivismo aí predominante.

Ciúme, ressentimento, inveja, ódio, maledicência e um largo cortejo de emoções perturbadoras são os filhos diletos do ego, que deseja dominação e, na ân­sia de promover-se, nada mais logra do que projetar a própria sombra, profundamente prejudicial, iníqua.

A superação dessa debilidade moral, dessa ima­turidade psicológica ocorrerá, quando o paciente, de início, vigiar as nascentes do coração, conforme pro­pôs Jesus, o Psicoterapeuta Excelente, realizando um trabalho de crescimento emocional e uma realização pessoal plenificadores.

Qualquer escamoteamento da situação mórbida constitui risco para o comportamento, face aos peri­gos que são produzidos pelos problemas do ego do­minador.


11

Neurose

Enfermidade apirética, decorrente de perturba­ções do sistema nervoso, sem qualquer lesão anatô­mica de vulto, a neurose é mal que perturba expressi­vo número de criaturas da mole humana.

Com características próprias e sem causalidade cerebral, desequilibra a emoção e gera desajustes fi­siológicos sem patogênese profunda.

Para um melhor, breve, estudo metodológico, re­corremos a Freud, que classificou as neuroses em dois grupos, embora a complexidade moderna de concei­tos e variedades ora apresentados por especialistas.

O célebre médico vienense, que muito se interes­sou pelas neuroses, estabeleceu que as há verdadei­ras e psiconeuroses. As primeiras decorrem de fixa­ções e pressões de vária ordem, desajustando o siste­ma nervoso, sem que necessariamente o lesionem. Ao lado do mecanismo psicológico causal, apresen­tam uma temporária perturbação orgânica. São elas: a neurastenia, a hipocondria, as de ansiedade, as de origem traumática... Ao se instalarem, apresentam es­tados de angústia, de ansiedade, de insegurança, de medos... As segundas, porque de origem psicogêni­ca, conduzem a uma regressão de fixações da infân­cia, expressando-se como manifestações de histeria conversiva, ansiosa, incluindo os estados obsessivo e compulsivo.

As neuroses, porque de apresentação sutil no seu começo — tiques nervosos, repetições de palavras ou de gestos, dependências de bengalas psicológicas, fi­xações psíquicas que se agravam — grassam, na soci­edade, especialmente em decorrência de exigências do grupo social e da coletividade, em formas de pres­sões reais ou aparentes, que, nos temperamentos frá­geis, produzem desarmonia, dando curso a inquieta­ções, às vezes, alarmantes.

É comum fazerem-se acompanhar de episódios e fenômenos somáticos mui variados, como taquicardi­as, prisões de ventre, dores que parecem reais. A me­dida que se agravam, podem levar a paralisias, distúr­bios de postura, de fonação, movimentos desconexos...

Quando se apresentam com manifestações fóbi­cas — medos de ambientes fechados, de altura, de do­enças, amnésia, etc. — trazem componentes graves, de mais difícil recuperação.

O quadro dos estados histéricos, conversivos e ansiosos, radica-se na psique e tende a avançar para as fixações obsessivas e compulsivas atormentantes.

Generalizando a sua etiopatogenia, também po­dem manifestar-se em caráter misto, isto é, verdadei­ro e psicogénico, simultaneamente, assumindo propor­ções mais sérias, a um passo dos estados psicóticos, às vezes, irreversíveis.

Não raro, as neuroses apresentam-se com caráter de culpa, atormentando o paciente com a inquietante idéia de que, sobre todo mal e insucesso que lhe acon­tece, a responsabilidade pertence-lhe. A manifesta­ção do pensamento de culpa tem um significado auto­punitivo, perturbador, que dissocia a personalidade, fragmentando-a.

Outras vezes, expressam-se como forma de transferência, e a necessidade de culpar outrem aturde o paciente, que se apresenta sempre na condição de vi­tima, buscando, fora de si, as razões que lhe justifi­quem as ocorrências mínimas ou máximas que o de­sagradem. Quando ele não encontra um responsável próximo e direto, apela para a figura do abstrato cole­tivo: a sociedade, o governo, Deus...

Os estados neuróticos são profundamente inquie­tadores e desarmonizam o psiquismo humano, neces­sitando receber conveniente terapia, bem como per­severante esforço de recomposição psicológica.

Aprofundando-se a sonda da inquirição na psi­cogênese dos fenômenos neuróticos, defrontar-se-ão as causas reais na conduta anterior do paciente, que atrelou a consciência a comportamentos desvariados e passou injustamente considerado, recebendo sim­patia e amizade dos amigos e conhecidos, quando deveria haver sido justiçado, transferindo os receios e inseguranças, que permaneceram camuflados por aparência digna para a atual reencarnação, na qual assomam do inconsciente profundo as culpas e os con­flitos que ora se manifestam como processos repara­dores.

Eis por que, ao lado das neuroses, surgem episó­dios de obsessão espiritual que agravam a débil cons­tituição do enfermo, empurrando-o para processos lon­gos de loucura.

Assim ocorre, porque as vítimas das suas ações ignóbeis morreram, porém não se consumiram, e por­que prosseguiram vivendo, reencontram, por afinida­de de consciência de dívida-e-cobrança, os adversá­rios, inflingindo-lhes então maior soma de aflições, a princípio telepaticamente, depois sujeitando-os pelo controle mental e, ainda, mais tarde, de natureza físi­ca, quando ocorrem as subjugações lamentáveis.

A consciência inquieta, que reflete na psicologia do indivíduo os estados neuróticos, encontra-se vin­culada a acontecimentos pretéritos, negativos, quão infelizes.

As moléstias, particularmente na área psíquica, instalam-se, por serem doentes da alma os seus por­tadores.

Toda terapia liberativa deve ter como recurso de auxílio a renovação moral do paciente, sua reeduca­ção através das disciplinas espirituais da oração, da meditação, da relevante ação caridosa, por cujo meio ele se lenifica e se apazigua com aqueles que o odei­am e consigo mesmo, por constatar a excelência da própria recuperação.

Lentamente, a Psicologia Transpessoal identifica esses seres — personalidades anômalas, dúplices, etc. — que interferem no comportamento das criaturas hu­manas e as perturbam, não sendo outros, senão, as almas dos homens que antes viveram na Terra e per­manecem vivos.

Como terapia preventiva a qualquer distúrbio neu­rótico, a auto-análise freqüente, com o exame de cons­ciência correspondente, desidentificando-se das ma­trizes perturbadoras do passado, e abrindo-se às rea­lizações de enobrecimento no presente, com os ansei­os da conquista tranqüila do futuro.

Certamente, conhecendo a etiopatogenia das en­fermidades em geral, Jesus asseverou: A cada um se­gundo as suas obras...

Atuar sempre com segurança após saudável re­flexão, pensar com retidão e viver em paz consigo mesmo, representam o mais equilibrado e expressi­vo caráter psicológico de criatura portadora de saú­de mental.


QUARTA PARTE

FATORES DE DESINTEGRAÇÃO DA PERSONALIDADE


12

Autocompaixão

Psicologicamente, o homem que cultiva a autopi­edade desenvolve tormentos desnecessários que o deprimem na razão direta em que a eles se entrega.

Reflexões sobre dificuldades pessoais constituem fenômeno auxiliar para ações dignificadoras, facultan­do a identificação dos recursos disponíveis, bem como avaliação das atitudes que redundaram em insuces­so ou desequilíbrio, a fim de as evitar no futuro ou corrigi-las quanto antes.

Toda aprendizagem assenta-se nos critérios do erro e do acerto, selecionando as experiências consi­deradas saudáveis, benéficas, que se fixam pela na­tural repetição.

Desse modo, os insucessos são patamares que propiciam avanços para que se alcancem degraus mais elevados.

Quando, porém, o indivíduo elege a posição de vítima da vida, assumindo a lamentável condição de infelicidade, encontra-se a um passo de perturbações emocionais graves, logo derrapando em psicopato­logias devastadoras.

A mente, conforme seja acionada pela vontade, torna-se cárcere sombrio ou asas de libertação, e nin­guém se lhe exime à influência.

Conduzida pelos escuros corredores da lamenta­ção, desatrela condicionamentos que aprisionam o ser demoradamente.

Por isso mesmo, o cultivo da autocompaixão, me­diante a insistente reclamação em torno dos aconteci­mentos da vida, demonstrando insatisfação sistemá­tica, transforma-se em mecanismo masoquista de perturbadora presença no psiquismo. A pseudo-afli­ção mantida converte-se em motivo de alegria, reali­zando um mecanismo de valorização pessoal, cujo desvio comportamental plenifica o ego.

Todo aquele que se faculta a autocompaixão neu­rótica é portador de insegurança e de complexo de inferioridade, que disfarça, recorrendo, inconscientemente, às transferências da piedade por si mesmo, sem qualquer respeito pelas demais pessoas. Desenvolve os sentimentos de indiferença pelos problemas dos outros, fechando-se no círculo diminuto da personali­dade mórbida.

No seu atormentado ponto de vista, somente a sua é uma situação dolorosa, digna de apoio e solidarie­dade. E, quando essas expressões de socorro lhe são dirigidas, reage, recusando-as, a fim de permanecer na postura de infelicidade que o torna feliz.

Aquele que se entrega à autocompaixão nunca se satisfaz com o que tem, com o que é, com os valores de que dispõe e pode movimentar. Não raro, encon­tra-se mais bem aquinhoado do que a maioria das pessoas no seu grupo social; no entanto, reclama e convence-se da desdita que imagina, encarcerando-se no sofrimento e exteriorizando mal-estar à volta, com que contamina as pessoas que o cercam ou que se lhe acercam.

Os grandes vitoriosos do mundo lutaram com te­nacidade para romper os limites, os problemas, as enfermidades, os desafios. Não nasceram fortes; tor­naram-se vigorosos no fragor das batalhas travadas. Não se detiveram na lamentação, porque investiram na ação todo o tempo disponível.

Milton, o poeta cego, prosseguiu escrevendo ex­celentes poemas, ao invés de lamentar-se; Beethoven continuou compondo, e com mais beleza, após a sur­dez total; Chopin, tuberculoso, deu seguimento às músicas ricas de ternura, entre crises de hemoptises, e Mozart, na miséria, sofrendo competições ultrizes, traduziu para os ouvidos humanos as belas melodias que lhe vibravam na alma...

Epícteto, escravo e doente, filosofava, estóico; Demóstenes, gago, recorreu a seixos da praia, colo­cando-os sobre a língua, para corrigir a dicção; Stein­metz, aleijado, contribuiu para o engrandecimento da Quimica...

Franklin D. Roosevelt, vitimado pela poliomielite, tornou-se presidente da América do Norte e colabo­rou grandemente para a paz mundial durante a Se­gunda Guerra; Helen Keller, cega, surda e muda, co­moveu o mundo com a sua coragem, cultura, e amor a Deus, ao próximo, à vida e a si própria...

A galeria é expressiva e iluminada pelo gênio e pela coragem desses homens e mulheres extraordi­nários.

Quando se mantém a autocompaixão, extermina-se o amor, não se amando, nem tampouco a ninguém.

O homem tem o dever de aprofundar meditações em torno das aflições e dos seus problemas, a fim de os superar.

A desenvolvimento saudável do ser psicológico impele-o à confiança e o induz à atividade para a aqui­sição do sentido da vida, da sua finalidade.

Quem de si se compadece, recusa-se a crescer e não luta, estagiando na amargura com a qual se com­praz.

Fator de desintegração da personalidade, a auto-compaixão deve ser rechaçada sempre e sem qualquer consideração, cedendo espaço mental para os tenta­mes que levam à vitória, à saúde emocional e à har­monia íntima.


13

Queixas

O golfo de Corinto, na Grécia, é região de beleza ímpar. As suas águas, em tonalidade azul-turquesa, parecem um espelho, emoldurado pelas montanhas que lhes resguardam a tranqüilidade multimilenaria.

No monte Parnaso, em lugar de destaque, erguia-se o santuário de Delfos, o mais importante da épo­ca, onde se cultuava Apolo, o deus da razão, da cul­tura, da luz.

Na mitologia grega arcaica, Apolo era o símbolo do conhecimento, eqüacionador dos enigmas e dos conflitos. Para o seu templo, em conseqüência, acorri­am multidões aturdidas e ansiosas em busca de orientação, de segurança emocional, de solução para os problemas.

Psicanaliticamente, era um reduto onde nasciam as identificações inconscientes do ser, organizadoras do eu. Ali, as sibilas, que transmitiam as repostas do deus evocado, desempenhavam papel importante no comportamento dos consulentes, bem como das cida­des-estados que lhes buscavam ajuda, inspiração.

Era o santuário no qual se sucediam os apelos, e se multiplicavam as queixas dos desesperados, dos que necessitavam de soluções imediatas para a so­brevivência moral, financeira, social, emocional...

Hoje, reduzido a escombros, ainda permanece a sua mensagem no inconsciente da criatura, herdeira do arquétipo arcaico, que prossegue buscando solu­ções fáceis, miraculosas, sem o contributo do esforço pessoal, que deve ser desenvolvido.

Permanecendo na infância psicológica, aquele que de tudo se queixa tem a personalidade desestrutura­da, permanecendo sob constantes bombardeios do pessimismo, do azedume e dos raios destruidores da mente rebelde.

A queixa de que se faz portador é reação mental e emocional patológica, refletindo-lhe a insegurança e a perturbação, responsáveis pelas ocorrências nega­tivas que procura ignorar ou escamotear.

Ocultando os conflitos perturbadores, transfere para as demais pessoas as causas dos seus insuces­sos, sem conseguir enunciá-las, porque destituídas de lógica, passando as acusações para os tempos nos quais vive, às autoridades governamentais, à má sorte, aos fados perversos, assim acalmando-se e tor­nando-se vítima, no que se compraz.

Os mitos trágicos, que remanescem no inconsci­ente, assomam-lhe, e personificam-se nas criaturas, que passa a detestar ou nas circunstâncias, que são denominadas como aziagas.

Certamente, há fatores humanos e ocasionais que respondem pelas dificuldades e problemas humanos. São, no entanto, a fragilidade e a insegurança do paci­ente que ocasionam o insucesso, que poderia ser transformado em êxito, caso, no qual, abandonando a queixa, perseverasse na ação bem direcionada.

Não consideramos sucesso apenas o triunfo eco­nômico, social, político, religioso, artístico, quase sem­pre responsável por expressões de profundo desequi­líbrio no comportamento, gerador de estados neuróti­cos e de perturbações lastimáveis, que se agravam com as queixas.

Referimo-nos a sucesso, quando o indivíduo, em qualquer circunstância, mantém a administração dos seus problemas com serenidade, conserva-se em har­monia no êxito social ou na dificuldade, sem nenhuma perturbação ou desagregação da personalidade, atra­vés dos bem aceitos recursos de evasão da responsa­bilidade.

Por isso, o santuário de Delfos ensinava o conhe­ce-te a ti mesmo como psicoterapia relevante, e medi­ante esta contribuição o ser amadureceria, crescen­do interiormente, assegurando-se da sua fatalidade histórica, a plenitude.

A queixa, como ferrugem na engrenagem do psi­quismo, é cruel verdugo de quem a cultiva.

Substitui-la pela compreensão, perante os fenô­menos da vida, constitui mecanismo valioso de saúde psicológica.

Diante de quaisquer injunções perturbadoras, o enfrentamento tranqüilo com as ocorrências deve ser a primeira atitude a ser tomada, qual se se buscasse Apoio — o discernimento —, deixando-se conduzir pela razão lúcida — a sibila — e descobrisse a real finalidade de todos os fatos existenciais.


14

Comportamentos exóticos

A dependência psicológica do morbo da queixa, traduzindo insegurança e instabilidade emocional, leva a estados perturbadores que se podem evitar, mediante o cuidado na elaboração das idéias e do otimismo na observação das ocorrências.

O queixoso perdeu o endereço de si mesmo, trans­ferindo-se para os departamentos da fiscalização da conduta alheia.

Síndrome compulsiva para aparecer, o paciente oculta-se na mentirosa postura de vítima ou na condi­ção de portador de conduta inatacável, escorregando pela viciação acusadora, que mais lhe agrava o dis­túrbio no qual estertora.

Da simples fixação do erro e apenas dele — confor­me afirma o brocardo popular, enxerga uma agulha num palheiro — modifica o comportamento perdendo a linha convencional do que é correto e saudável para viver de maneira alienada, cultivando exotismos, dan­do largas ao inconsciente, responsável pelas repres­sões que se transformaram em mecanismos de afir­mação da personalidade.

Saúde, em realidade, é estado de bom humor, com inalterável tolerância pelas excentricidades dos outros e seus correspondentes erros.

O homem saudável sobressai pela harmonia e oti­mismo em todas as situações, mantendo-se equilibra­do, sem os azedumes perturbadores, os ademanes chamativos, nem as agravantes manifestações anô­malas.

A doença caracteriza-se pela inarmonia em qual­quer área da pessoa humana, gerando os distúrbios catalogados nos diferentes departamentos do corpo, da mente, da emoção.

A insegurança, a frustração, os complexos de in­ferioridade, perturbando o equilíbrio psicológico, transferem-se para as reações nervosas, manifestan­do-se em contrações musculares, fixações, repetições de gestos, palavras e conduta alienadoras, que dege­neram nas psicoses compulsivas, específicas, cada vez mais constritoras, em curso para o desajuste total...

O excêntrico é ser atormentado, ególatra; frágil, que se faz indiferente; temeroso, que se apresenta com reações imprevisíveis; insensível, que se recusa en­frentar-se. Ignora os outros e vive comportamentos especiais, como única maneira de liberar os conflitos em que se aturde.

A psicoterapia própria, reajustadora, apresenta-se propondo-lhe uma revisão de valores culturais e sociais, envolvendo-o no grupo familiar e nos proble­mas da comunidade, a fim de que rompa a carapaça da dissimulação e assuma as responsabilidades que interessam a todos, tornando-se célula harmônica, ativa, ao invés de manter-se em processo degenerati­vo, ameaçador...

Atavicamente herdeiro dos hábitos pretéritos, con­duz, de reencarnações infelizes, excentricidades mul­tiformes, como arquétipos do inconsciente coletivo que, no entanto, são gerados por ele próprio.

Nessa área, surgem os distúrbios do sexo, predo­minando a psicologia à morfologia, caracterizando bi­ótipos extravagantes, que chamam a atenção pelo desvio de conduta, por fenômeno psicológico de não aceitação de sua realidade, compondo uma personifi­cação que agride aos outros, e a si mesmo se realiza em fenômeno de autodestruição.

A exibição não é apenas uma forma de assumir o estado interior, psicológico, mas, também, de chocar, em evidente revolta contra o equilíbrio mente-corpo, emoção-função fisiológica...

Por extensão, a compulsão psicótica leva-o à ex­troversão exagerada, em todas as formas da sua co­municação com o mundo exterior, pondo para fora os conflitos, mascarados em expressões que lhe parecem afirmar-se perante si mesmo e as demais pessoas.

Outrossim, algumas dessas personalidades exó­ticas fazem-se isoladas onde quer que se encontrem, evitando o relacionamento com o grupo, em postura excêntrica, de natureza egoísta.

Exigem consideração, que não dispensam a nin­guém; auxílio, que jamais retribuem; gentilezas, que nunca oferecem, sendo rudes, mal-humorados, insen­síveis e presunçosos.

Essa é uma fase adiantada do comportamento exótico, que exige mais acentuada terapia de profun­didade.

Nesse estágio da conduta, os sonhos são-lhes ca­racterizados pela necessidade tormentosa de conse­guirem a realização plenificadora, que não atingem.

Devaneios íntimos povoam-lhes o campo onírico, referto de transtornos e pesadelos, que mais os in­quietam quando no estado de consciência lúcida.

Os fatos da infância ressurgem-lhes fantasmagó­ricos, e a imagem da mãe, excessivamente domina­dora ou tragicamente benévola, que transferiu para o rebento suas frustrações e nele passou a realizar­se, anelando para a felicidade do ser querido tudo aquilo quanto não fruiu, neurótica, portanto, na sua estrutura maternal.

A psicoterapia deve apoiar-se na busca da cons­cientização do paciente, para que assimile novos há­bitos, empenhando-se em harmonizar a sua natureza interior com a sua realidade exterior, exercitando-se no convívio social sem a tentação de destacar-se, sen­do pessoa comum, identificada com os objetivos nor­mais da vida, que escolherá conforme as próprias ap­tidões, trabalhando com esforço a modelagem da nova personalidade.

O desenvolvimento da criatividade contribui para o ajustamento da personalidade ao equilíbrio, geran­do o enriquecimento interior, que anulará os condicio­namentos viciosos.

Sem dúvida, o acompanhamento do psicólogo as­sim como do analista atentos lhe propiciará o encon­tro com o eu profundo e seus conteúdos psíquicos, liberando-se das heranças neuróticas e dos condicio­namentos psicóticos.

O homem e a mulher saudáveis têm comporta­mento ético, sem pressão, e tornam-se comuns, sem vulgarizarem-se.


QUINTA PARTE

PROBLEMAS HUMANOS


15

Problemas Humanos

Os problemas humanos ou desafios existenciais fazem parte do organograma da evolução.

A criatura pensante é um ser incompleto ainda, em constante processo de aprimoramento, de trans­formações, em prolongado esforço para desenvolver os potenciais psicofísicos, parapsicológicos e mediú­nicos nela em latência.

Aferrada às impressões mais grosseiras do ego, face ao que considera como fatores indispensáveis à sobrevivência — valores materiais que propiciam ali­mentação, vestuário, repouso, prazer e tranqüilidade ante a doença e a velhice — desenvolve o apego e ex­terioriza o sentimento centralizador da posse, manten­do-se em alerta para a preservação desses bens, que lhe parecem de significado único, portanto, essenciais.

Qualquer ameaça, real ou imaginária, que possa produzir a perda, torna-se problema, que logo se in­corpora à conduta, gerando perturbação, desar.

Além desses, outros (problemas) há de natureza psicológica, como heranças reencarnacionistas, que ressumam em forma de fenômenos patológicos, in­quietadores.

Somem-se-lhes os que se derivam do inseguro in­ter-relacionamento pessoal, como decorrencia do que se consigna em condição de imperfeições da alma.

Os problemas enraízam-se, não raro, nos tecidos da malha delicada do psiquismo, avultando-se ou per­dendo o sentido, de acordo com as resistências fortes ou frágeis da personalidade individual.

O que a uns constitui gravame, aborrecimento, a outros não passa de insignificante acidente de percurso que estimula a marcha.

Quanto mais se valoriza o problema, mais vitali­dade se lhe oferece, aumentando-lhe a força de ação com os seus correspondentes efeitos.

Nas personalidades instáveis, normalmente os complexos psicológicos assumem as responsabilida­des pelas ocorrências problematizantes.

Quando algo em que se confia, ou do qual se es­pera resultado positivo, transforma-se em desastre, insucesso, o ego foge, escamoteia-o, por falta de cons­ciência lúcida, afirmando: Eu sou culpado.

A inferioridade psicológica desenvolve o comple­xo em que se refugia, e, mesmo quando em aparente conflito, nele se realiza, justifica-se, deixa de lutar.

Certamente, cada problema merece um tipo de atenção, de cuidado especial para a sua solução. Esse esforço deve ser natural, destituído dos estímulos ne­gativos do medo ou da ansiedade, de modo a analisar a situação conforme se apresente, e não consoante os fantasmas da insegurança desenhem na imagina­ção criativa — refúgio para a irresponsabilidade que não assume o papel que lhe diz respeito.

Em outros temperamentos, quando o problema se converte em dificuldade e ocorrência prejudicial, o ego estabelece: A culpa é do outro; ou da saúde; ou da fa­mília; ou do grupo social; ou da sociedade em geral, ou do destino...

Resolve-se a questão utilizando-se do complexo de superioridade, e mediante esta conduta coloca-se acima de qualquer suspeita de fragilidade, esconden­do-se nas justificativas de incompreendido, persegui­do, infeliz...

Evitando considerar o problema na sua real signi­ficação, passado o momento, compõe a consciência de culpa e esse mesmo ego recorre à condicional dos ver­bos, afligindo-se: Eu deveria ter feito de tal forma; eu poderia ter enfrentado; eu tentaria evitar...

Mecanismos perversos de imaturidade compõem a tecedura protetora do escapismo, para fugir das conseqüências dos problemas, cuja finalidade é tes­tar as possibilidades e valores de cada uma em par­ticular e de todas as criaturas em geral.

O problema humano, portanto, maior e mais ur­gente para ser eqüacionado, é a própria criatura.

Para consegui-lo, mister se torna o amadurecimen­to psicológico, decorrente do esforço sério e bem dire­cionado, do estudo do eu profundo e da sua busca in­cessante, que são as metas existenciais mais urgentes.

Na transitoriedade da condição humana, o eu pro­fundo deve emergir, desatando os inestimáveis recur­sos que lhe são inatos, graças aos quais o psiquismo comanda conscientemente a vida, abrindo o leque imenso das percepções paranormais.

Nesse elenco de registros parapsíquicos desabro­cham os recursos mediúnicos que propiciam o livre trânsito entre as duas esferas da vida: a física e a es­piritual.

Essa dilatação da capacidade parafísica propicia o mergulho do eu profundo — o Espírito — na causalida­de dos fenômenos humanos, assim interpretando, na origem, os problemas que sempre procedem das ex­periências anteriores.

Mesmo quando são atuais e começaram recente­mente, o ser que os enfrenta necessita deles, recupe­rando-se moralmente, trabalhando o amadurecimen­to, porqüanto, o estado de infância psicológica de­corre da ausência de realizações evolutivas.

Ninguém permanece vivo sem o enfrentamento com os problemas, que existem para ser resolvidos, oferecendo o saldo positivo de evolução.


16

Gigantes da alma

Envolto na pequenez das aspirações egóícas, o ser move-se sob as injunções das necessidades de projeção da imagem, por sentir-se incapaz de supe­rar a sombra, manifestando a força do eu real, ima­gem e semelhança de Deus.

Gerado para alcançar o Infinito e a Consciência Cósmica, é deus em germe, que as experiências evo­lutivas desenvolvem e aprimoram.

O ego, projetando-se em demasia, compõe os qua­dros de aflição em que se refugia e, negando-se a lu­tar, desenvolve os fantasmas gigantes que o protegem, quais cogumelos venenosos que desabrocham em terrenos úmidos e férteis, medrando no seu psiquismo atormentado e passando ao domínio escravizador.

Entre os terríveis gigantes da alma, que têm pre­domínio em a natureza humana, destacam-se: os res­sentimentos, os ciúmes e as invejas que entorpecem os sentimentos, açulam a inferioridade e terminam por vencer aqueles que os vitalizam, caso não se resol­vam enfrentá-los com hercúlea decisão e pertinaz in­sistência.


17

Ressentimento

Entre os tormentos psicológicos alienadores, a presença do ressentimento na criatura humana tem lugar de destaque.

Injustificável, sob todos os pontos de vista, ele se instala, enraizando-se no solo fértil das emoções em descontrole do paciente, aí engendrando males que terminam por consumir aquele que lhe dá guarida.

A vida expressa-se em padrões sociais, resulta­do da condição evolutiva das criaturas que se inter-relacionam. Como é natural, porque há uma larga va­riedade de biótipos emocionais, culturais e religiosos ou não, as suas são reações compatíveis com os ní­veis de consciência em que se encontram, exteriori­zando idéias e comportamentos que lhes correspon­dem ao estado no qual se demoram.

A convivência humana é feita por meio de episó­dios conflitivos, por falta de maturação geral que fa­voreça o entendimento e a transação psicológica em termos de bem-estar para todos os parceiros. Predo­minando a natureza animal em detrimento dos valo­res espirituais e éticos, a competição e o atrevimento armam ciladas, nas quais tombam os temperamen­tos mais confiantes e ingênuos, que se deixam, logo após, mortificar.

Descobrindo-se em logro, acreditando-se traído, o companheiro vitimado recorre ao ego e equipa-se de ressentimento, instalando, nos painéis da emotivida­de, cargas violentas que terminarão por desarmoni­zar-lhe os delicados equipamentos e se refletirão na conduta mental e moral.

O ressentimento, por caracterizar-se como expres­são de inferioridade, anela pelo desforço, consciente ou não, trabalhando por sobrepor o ego ferido ao con­ceito daquele que o desconsiderou.

No importante capítulo da saúde mental, indis­pensável ao equilíbrio integral, o ressentimento pode ser comparado a ferrugem nas peças da sensibilida­de, transferindo-se para a organização somática, re­fletindo-se como distúrbios gástricos e intestinais de demoradas conseqüências.

Gastrites e diarréias inex­plicáveis procedem dos tóxicos exalados pelo ressen­timento, que deve ser banido das paisagens morais da vida.

As pessoas são, normalmente, competitivas, no sentido negativo da palavra, desejando assenhorear­se dos espaços que lhes não pertencem e, por se en­contrarem em faixas primitivas da evolução, fazem-se injustas, perseguem, caluniam. É um direito que têm, na situação que as caracterizam. Aceitar-lhes, porém, os petardos, vincular-se-lhes às faixas vibratórias de baixo teor, no entanto, é opção de quem não se resolve por preservar a saúde ou não deseja crescer emocio­nalmente.

Quando o ressentimento exterioriza as suas ma­nifestações, deve ser combatido, mental e racionalmente, eliminando a ingerência do ego ferido e ense­jando a libertação do eu profundo, invariavelmente esquecido, relegado a plano secundário.

O indivíduo, através da reflexão e do auto-encon­tro, deve preocupar-se com o desvelamento do si, identificando os valores relevantes e os perniciosos. sem conflito, sem escamoteamento, trabalhando aqueles que são perturbadores, de modo a não fa­cultar ao ego doentio o apoio psicológico neles, para esconder-se sob o ressentimento na justificativa de buscar ajuda para a autocompaixão.

O processo de evolução é incessante, e as mudan­ças, as transformações fazem-se contínuas, impulsio­nando à conquista dos recursos adormecidos no imo, o Deus interno que jaz em todos os seres.

A liberação do ressentimento deve ser realizada através da racionalização, sem transferências nem compensações egóicas.

À medida que a experiência fixa aprendizados, esse terrível gigante da alma se apequena e se dilui, desaparece, a partir do momento em que deixa de re­ceber os alimentos de manutenção pela idéia fixa e mediante o desejo de revidar, de sofrer, de ser vítima...


18

Ciúme

Tipificando insegurança psicológica e desconfi­ança sistemática, a presença do ciúme na alma trans­forma-se em algoz implacável do ser. O paciente que lhe tomba nas malhas estertora em suspeitas e verda­des, que nunca encontram apoio nem reconforto.

Atormentado pelo ego dominador, o paciente, quando não consegue asfixiar aquele a quem estima ou ama, dominando-lhe a conduta e o pensamento, foge para o ciúme, em cujo campo se homizia a fim de entregar-se aos sofrimentos masoquistas que lhe ocul­tam a imaturidade, a preguiça mental e o desejo de impor-se à vitima da sua psicopatologia.

No aturdimento do ciúme, o ego vê o que lhe agra­da e se envolve apenas com aquilo em que acredita, ficando surdo à razão, à verdade.

O ciúme atenaza quem o experimenta e aquele que se lhe torna alvo preferencial.

O ciumento, inseguro dos próprios valores, des­carrega a fúria do estágio primitivista em manifesta­ções ridículas, quão perturbadoras, em que se conso­me. Ateia incêndios em ocorrências imaginárias, com a mente exacerbada pela suspeita infeliz, e envene­na-se com os vapores da revolta em que se rebolca, insanamente.

Desviando-se das pessoas e ampliando o círculo de prevalência, o ciúme envolve objetos e posições, posses e valores que assumem uma importância alu­cinada, isolando o paciente nos sítios da angústia ou armando-o com instrumentos de agressão contra to­dos e tudo.

O ciúme tende a levar sua vítima à loucura.

O ego enciumado fixa o móvel da existência no de­sejo exorbitante e circunscreve-se à paixão dominado­ra, destruindo as resistências morais e emocionais, que terminam por ceder-lhe as forças, deixando de reagir.

Armadilha do ego presunçoso, ele merece o ex­termínio através da conquista de valores expressivos, que demonstrem ao próprio indivíduo as suas possi­bilidades de ser feliz.

Somente o self pode conseguir essa façanha, ar­rebentando as algemas a que se encontra agrilhoa­do, para assomar, rico de realizações interiores, su­perando a estreiteza e os limites egóicos, expandin­do-se e preenchendo os espaços emocionais, as aspi­rações espirituais, vencidos pelos gases venenosos do ciúme.

Liberando-se da compressão do ciúme, a pouco e pou­co, o eu profundo respira, alcança as praias largas da existência e desfruta de paz com alguém ou não, com algo ou nada, porém com harmonia, com amor, com a vida.


19

Inveja

Remanescente dos atavismos inferiores, a inveja é fraqueza moral, a perturbar as possibilidades de luta do ser humano.

Ao invés de empenhar-se na autovalorização, o paciente da inveja lamenta o triunfo alheio e não luta pelo seu; compete mediante a urdidura da intriga e da maledicência; aguarda o insucesso do adversário, no que se compraz; observa e persegue, acoimado por insidiosa desdita íntima.

Egocêntrico, não saiu da infância psicológica e pretende ser o único centro de atenção, credor de to­dos os cultos e referências.

Insidiosa, a inveja é resultado da indisciplina men­tal e moral que não considera a vida como patrimônio divino para todos, senão, para si apenas. Trabalha, por inveja, para competir, sobressair, destacar-se. Não tem ideal, nem respeito pelas pessoas e pelas suas árduas conquistas.

Normalmente moroso e sem determinação, resul­tado da sua morbidez inata, o enfermo de inveja nun­ca se alegra com a vitória dos outros, nem com a alheia realização.

A inveja descarrega correntes mentais prejudiciais dirigidas às suas vítimas, que somente as alcançam se estiverem em sintonia, porém cujos danos ocor­rem no fulcro gerador, perturbando-lhe a atividade, o comportamento.

A terapia para a inveja consiste, inicialmente, na-cuidadosa reflexão do eu profundo em torno da sua destinação grandiosa, no futuro, avaliando os recur­sos de que dispõe e considerando que a sua realidade é única, individual, não podendo ser medida nem com­parada com outras em razão do processo da evolução de cada um.

O cultivo da alegria pelo que é e dos recursos para alcançar outros novos patamares enseja o despertar do amor a si mesmo, ao próximo e a Deus, como meio e meta para alcançar a saúde ideal, que lhe facultará a perfeita compreensão dos mecanismos da vida e as diferenças entre as pessoas, formando um todo holís­tico na Grande Unidade.


20

Necessidade de valorização

Os destrutivos gigantes da alma, que exteriorizam os tormentos e a imaturidade do ego, de alguma for­ma refletem um fenômeno psicológico, às vezes de procedência inconsciente, noutras ocasiões habilmente estabelecido, que é a necessidade da sua valorização.

Quando escasseiam os estímulos para esse come­timento do eu, sem crescimento interior, que não re­cebe compensação externa mediante o reconhecimento nem a projeção da imagem, o ego sobressai e fixa-se em mecanismos perturbadores a fim, de lograr atenção, desembaraçando-se, dessa forma, do con­flito de inferioridade, da sensação de incompletude.

Tivesse maturidade psicológica e recorreria a ou­tros construtores gigantes da alma, como o amor, o esforço pessoal, a conscientização, a solidariedade, a filantropia, desenvolvendo as possibilidades de enri­quecimento interior capazes de plenificação.

Acostumado às respostas imediatas, o ego infan­til deseja os jogos do prazer a qualquer preço, mesmo sabendo que logo terminam deixando frustração, amargura e novos anelos para fruir outros. A fim de consegui-lo e por não saber dirigir as aspirações, asfi­xia-se nos conflitos perturbadores e atira-se ao deses­pero. Quando assim não ocorre, volta-se para o mun­do interior e reprime os sentimentos, fechando-se no estreito quadro de depressão.

Renitente, faculta que ressumam as tendências do prazer, mascaradas de auto-aflição, de autoflage­lação, de autodepreciação.

Entre muitos religiosos em clima de insatisfação pessoal, essa necessidade de valorização reaparece em estruturas de aparente humildade, de dissimula­ção, de piedade, de proteção ao próximo, estando des­protegidos de si mesmos...

A humildade é uma conquista da consciência que se expressa em forma de alegria, de plenitude. Quan­do se manifesta com sofrimento, desprezo por si mes­mo, violenta desconsideração pela própria vida, exibe o lado oculto da vaidade, da violência reprimida e cha­ma a atenção para aquilo que, legitimamente, deve passar despercebido.

A humildade é uma atitude interior perante a vida; jamais uma indumentária exterior que desper­ta a atenção, que forja comentários, que compensa a fragilidade do ego.

O caminho para a conscientização, de vigilância natural, sem tensão, fundamentando-se na intenção li­bertadora, é palmilhado com naturalidade e cuidado.

Jesus, na condição de excepcional Psicoterapeu­ta, recomendava a vigilância antes da oração, como forma de auto-encontro, para depois ensejar-se a en­trega a Deus sem preocupação outra alguma.

A Sua proposta é atual, porqüanto o inimigo do homem está nele, que vem herdando de si mesmo atra­vés dos tempos, na esteira das reencarnações pelas quais tem transitado. Trata-se do seu ego, dissimula-dor hábil que conspira contra as forças da libertação.

Não podendo fugir de si mesmo nem dos fatores arquetípicos coletivos, o ser debate-se entre o passa­do de sombras — ignorância, acomodação, automatis­mos dos instintos — e o futuro de luz — plenitude atra­vés de esforço tenaz, amor e auto-realização — recor­rendo aos dias presentes, conturbados pelas heran­ças e as aspirações. No entanto, atraído pela razão à sua fatalidade biológica — a morte — transformação do soma — histórica — a felicidade — e espiritual — a liber­dade plena — vê o desmoronar dos seus anseios e re­constrói os edifícios da esperança, avançando sem cessar e conquistando, palmo a palmo, a terra de nin­guém, onde se expressam as próprias emoções con­turbadas.

Essa necessidade de valorização egóica pode ser transformada em realização do eu mediante o contri­buto dos estímulos.

Cada ação provoca uma reação equivalente. Quan­do não se consegue uma resposta através de um estí­mulo positivo, como por exemplo: — Eu te amo, para uma contestação equivalente: — Eu também, recorre-se a uma negativa: — Ninguém me ama, recebendo-se uma evasiva — Não me inclua nisso. Sob trauma ou ran­cor, o estímulo expressa-se agressivo: — Não gosto de ninguém, para colher algo idêntico: — A recíproca é verdadeira.

Os estímulos são fontes de energia. Conforme dirigidos, brindam com resultados correspondentes.

O ego que sente necessidade de valorização, sem o contributo do self em consonância, utiliza-se dos es­tímulos negativos e agressivos para compensar-se, sejam quais forem os resultados.

O importante para o seu momento não é a qualidade da resposta esti­muladora, mas a sua presença no proscênio onde se considera ausente.

Verdadeiramente, no inter-relacionamento social, quando todos se encontram, o ego isola suas vítimas para chamar a atenção ou bloqueia-as de tal forma que não ficam ausentes, porém tornam-se invisíveis. Encontram-se no lugar, todavia, não estão ali. Essa invisibilidade habilmente buscada compensa o confli­to do ego, mantendo a autoflagelação de que não énotado, não possui valores atraentes. Tal mortificação neurótica introjeta as imagens infelizes e personagens míticas do sofrimento, que lhe compõem o quadro de desamparo emocional de desdita pessoal.

Nesse comportamento doentio do ego, a necessi­dade de valorização, porque não possui recursos rele­vantes para expor, expressa-se na enganosa autoco­miseração que lhe satisfaz as exigências perturbadoras, e relaxa, completando-se emocionalmente.

Quando o self assoma e governa o ser, os estímu­los são sempre positivos, mesmo que tenham origem negativa ou agressiva, porque exteriorizam o bem-es­tar que lhe é próprio.

Se alguém diz: Não gosto de você, a mensagem transacional retorna elucidando : — Eu, no entanto, o estimo.

Se a proposta afirma: — Detesto-o, a comunicação redargue: — Eu o admiro.

Não se contamina nem se amargura, porque, em equilíbrio, possui valor, não tendo necessidade de va­lorização.


21

Padrões de comportamento: mudanças

O comportamento desvela ao exterior a realida­de íntima do ser humano. Nem sempre, porém, tal manifestação se reveste de autenticidade, pois que muitos fatores contribuem para mascarar-se o que se é, numa demonstração apenas do que se aparenta ser.

A Psicologia Transacional procura desvelar os enigmas do comportamento, utilizando-se da comu­nicação interpessoal para libertar o indivíduo de con­flitos e pressões.

De acordo com a maturidade ou não do ser psi­cológico, a comunicação padece dificuldades que so­mente poderão ser sanadas quando existir um pro­pósito firme para o êxito.

Há uma tendência natural para o disfarce do ego, quando prevalece um impulso dominante para a con­vivência, a experiência social, o diálogo.

A ausência de tais imperativos contribui para o desequilíbrio emocional e, por conseqüência, para os estados psicopatológicos que se multiplicam avas­saladores.

A comunicação desempenha, em todas as vidas, um papel relevante, quando visceral, emocional, livre, sem as pressões da desconfiança e da insegurança pessoal.

À medida que o ser se descerra em narrativa afe­tuosa ou amiga, o interlocutor, sentindo-se acompa­nhado, descobre-se. Enquanto coordena as idéias para o diálogo, auto-analisa-se, identifica-se, facilitando o próprio entendimento.

Liberando-se das conversações feitas de interro­gações-clichês desinteressantes, penetra-se e faculta ao outro a oportunidade de igualmente desvelar-se.

Quando se repartem informações no inter-relacio­namento pessoal, compartem-se emoções.

Quando a conversação, no entanto, é trivial, os clichês sem sentido e costumeiros não dizem nada. Quando se indaga: — Como vai? — a resposta é inevitá­vel: — Bem, obrigado!

Mesmo porque, se o interrogado se resolvesse di­zer como realmente vai, é bem provável que o interlo­cutor não tivesse nenhum interesse em ouvir-lhe a res­posta mais complexa e profunda. Talvez a aceitasse de maneira surda, desinteressadamente, com enfado.

Na grande mole humana destacam-se os biótipos introvertidos e extrovertidos.

Os primeiros, na etapa inicial do desenvolvimen­to psicológico, assumem uma atitude tímida e fazem a introspecção. Passada a fase de auto-análise, torna-se-lhes indispensável a extroversão, o relacionamen­to, rompendo a cortina que os oculta e desvelando-se.

Os segundos, normalmente, escondem a sua re­alidade e conflitos erguendo uma névoa densa pela exteriorização que se permitem, inseguros e instáveis. Descobrindo-se honestamente, diminuem a loquaci­dade e, reflexionando, assumem um comportamento saudável, sem excesso de ruídos nem ausência deles.

Os padrões de comportamento estão estabeleci­dos através de parâmetros nem sempre fundamenta­dos em valores reais. Aceitos como de conveniência, aqueles que foram considerados corretos, podem ser classificados como sociais, culturais, morais e religio­sos... Em todos eles existem regras estatuídas pelo ego, para uma boa apresentação, que quer significar engodo, em detrimento do eu profundo ao processo de constantes mudanças e crescimentos.

Nos comportamentos sociais estão estabelecidas as regras do bom-tom, para deixar e transmitir impres­sões agradáveis, compensadoras.

As pessoas submetem-se às pequenas ou grandes regras da etiqueta, do convívio social, sempre preocu­padas em dissimular os sentimentos, de modo que produzam os resultados adrede esperados.

Convive-se com indivíduos em muito encontros sociais, permanecendo, no entanto, todos desconhe­cidos entre si.

O comportamento cultural reúne as aquisições intelectuais, artísticas, desportivas, mediante as quais a exibição do ego gera constrangimentos perturbadores, às vezes despertando fenômenos competiti­vos e de presunção lamentável, em total desrespeito pelo si, pela pessoa humana real.

As preocupações financeiras de promoção egóica comprazem o indivíduo pela exposição desnecessária do desperdício e da dissolução, provocando estados auto-obsessivos-compulsivos de ser-se o maior, o mais extravagante, o de mais larga renda...

Logo após, nos raros momentos de auto-encon­tro, surgem-lhe as depressões, que são asfixiadas sob a ação dos alcoólicos, das drogas aditivas, da auto-emulação exibicionista com que foge da realidade interna para lugar nenhum.

O comportamento moral está sujeito aos imperati­vos legais, estabelecidos conforme o imediatismo dos interesses de grupos e legisladores, às vezes desavisa­dos, que pensam mais em seus prazeres do que no bem geral da comunidade que lhes paga para a servir...

Elaborando leis, desincumbindo-se do que lhes é dever, muitos desses homens públicos, insensatos, dão a impressão de que estão realizando algo extraordi­nário, que os sacrifica, e não aquilo para o que são regiamente remunerados.

Apóiam-se, então, em comportamento moral-so­cial de tendências egoísticas, sem qualquer conside­ração para com a vida.

Na área do comportamento religioso, inúmeras imposições castradoras contribuem para condutas fal­sas, sem qualquer consideração pelos fundamentos das Doutrinas que se devem pautar pelos processos de libertação das consciências, e não de apavoramen­to, de pressão, de hipocrisia, de discriminação.

Jesus conclamou os Seus seguidores à busca da Verdade que liberta, em cujo comportamento se fun­dem o ego e o eu, numa formulação de amor sem más­caras e sem conflitos.

Os padrões de comportamento normalmente se fixam em diretrizes que não atendem à realidade do ser, geralmente mutilado nas suas aspirações nobres de vida, nos relacionamentos dignos, confiantes, sau­dáveis...

A certeza da imortalidade da alma abre um elen­co de comportamentos autenticados pela educação espiritual na busca do vir-a-ser, do transformar-se, do encontrar o Outro, como propunha Kierkegaard, o filó­sofo e teólogo existencialista...

O Outro, que facilita o diálogo, Deus, é a Fonte que se deve buscar para atingir a plenitude, a felici­dade existencial.

Mudanças

O ser humano prossegue em crescimento, em de­senvolvimento contínuo, em mudanças.

É natural que, por efeito, o seu comportamento sofra alteração.

Toda a contextura celular renova-se incessantemente, e as experiências como as vivências contribu­em para a mudança de padrões comportamentais, em inevitável processo de aprimoramento do ser, àmedida que o self se liberta das contenções impos­tas pelos arquétipos, defluentes das reencarnações pretéritas.

A estruturação psicológica da pessoa humana está, como decorrência, a exigir renovação e estudo de si mesma, a fim de crescer psiquicamente, na ra­zão em que se lhe desenvolvem os equipamentos or­gânicos, responsáveis pelo amadurecimento cultural e social, alargando-lhe a percepção moral e a religio­sidade perante as exigências da Vida.

Assim, ninguém é igual a outrem, nem pode ser avaliado mediante as comparações da frágil apa­rência.

A conquista de si mesmo é o desafio constante para a auto-realização, a harmonia psicológica, o de­senvolvimento das percepções parapsíquicas e medi­únicas.


SEXTA PARTE

CONDICIONAMENTOS


22

O bem e o mal

Questão de alta complexidade para a criatura hu­mana, o dualismo do bem e do mal encontra-se ínsito na sua psicologia interior, confundindo-a e perturban­do-lhe, não raro, o discernimento.

Com características metafísicas, na sua formulação abstrata, essa dualidade concretiza-se nos atos do ser, gerando fenômenos relevantes de consciência, que con­tribuem para o equilíbrio ou a desordem psíquica, de acordo com as suas respectivas manifestações.

Em todos os períodos da cultura ancestral encon­tramos o esforço da religião e do pensamento tentan­do estabelecer os paradigmas em que se apóiam um e outro, para melhor explicá-los.

Ontem, era uma abstração meramente filosófica ou religiosa, passando, mais tarde, a fazer parte da ética, no capítulo da moral, avançando historicamen­te até interessar à sociologia, ao comportamentalis­mo, à psicologia.

O código de Hamurabi, inscrito em uma estela de diorito, já definia as ações louváveis e as reprochá­veis, simbolizando o bem e o mal, com as respectivas conseqüências legais no comportamento humano em relação à criatura em si mesma, à sociedade e ao seu próximo.

Entre medos e persas — o livro sagrado Zend­Avesta separava a mesma dualidade nas personifi­cações de Ormuzde — ou representação do bem — e Ariman — ou personificação do mal —, em cuja luta o último seria submetido e por conseqüência elimina­do.

A Bíblia, por sua vez, representa o bem nas dei­dades angélicas e o mal, nas demoníacas, ambas, no entanto, sob o controle de Deus, contra Quem se rebe­lara Lúcifer que, expulso do paraíso, tornou-se-Lhe o adversário temerário...

A Metafísica Tradicional, analisando a Criação, estabeleceu os dois princípios, do bem e do mal, que se vinculam ao conciliador, no vértice superior do sim­bólico triângulo isósceles.

Logo depois, a interpretação chinesa apresentou-os nas duas admiráveis forças cósmicas: o Yang — masculino, positivo, seco, bom — e o Yin — feminino, úmido, negativo, frio —, que se conciliam sob o coman­do da suprema perfeição ao confundirem-se, gerando a harmonia.

Inspirada no hinduísmo, a Trilogia da Criação apresenta Brama como Plenipotente, o Princípio Su­premo, e as duas forças antagônicas, Vishnu, o Con­serva dor, ou princípio construtor e Shiva, o Destruidor, ou princípio aniquilador dos seres, em perene luta até a supremacia do edificador...

Das concepções pretéritas à realidade presente, filosoficamente o bem é tudo quanto fomenta a bele­za, o ético, a vida, consoante a moral, e o mal vem a ser aquilo que se opõe ao edificante, ao harmônico, ao bem.

Sociologicamente o bem contribui para o progres­so, e todas as realizações que promovem o ser, o gru­po social e o ambiente expressam-lhe a grandeza, a ação concreta que resulta da capacidade seletiva de valores éticos para a harmonia e a felicidade.

Como efeito, o mal decorre de todo e qualquer fe­nômeno que se opõe ou conspira contra esse contri­buto superior.

A Psicologia não poderia ficar indiferente a essa dualidade que existe no ser humano, remanescendo como as suas aspirações de crescimento e elevação, do nobre e equilibrado, do saudável e propiciador de paz.

Ao mesmo tempo, o atavismo dos instintos agres­si vos propele-o para a violência — quando deseja pos­suir —, para o vilipêndio — quando se sente diminuído —, para o grotesco e vulgar — quando derrapa no me­nosprezo de si mesmo...

Desenvolvendo, no entanto, a consciência que sai do torpor de nível de sono sem sonhos, imediatamente começa a perceber os valores que compensam e os que conflitam o comportamento psicológico, impul­sionando-o, embora lentamente, para a adoção de conduta mental e física, idealista e comportamental do bem, tornando-se instrumento útil no grupo soci­al, que se promove e eleva-o a estágio superior, per­mitindo-lhe aspirar sempre a mais e melhor.

Esse discernimento, que resulta da consciência em libertação dos condicionamentos escravizadores, am­plia a capacidade para identificar o bem e o mal, pre­dispondo-o à eleição do primeiro em detrimento do ou­tro.

Se, por acaso, incorre em equívocos de seleção e tomba nas malhas do mal, mesmo que sob as circuns­tâncias perturbadoras do ódio, do medo, da angústia, da volúpia, da desordem interior, ao descobrir-se em falta, faz o quadro de consciência de culpa e sofre as patologias afugentes, que se lhe tornam mecanismos reparadores.

Afirma-se, porém, que a linha divisória entre o bem e o mal é tão fluida e oscilante que, não raro, o bem de hoje torna-se o mal de amanhã e vice-versa, numa di­alética sofista, que se poderia considerar anárquica...

Certamente, muitos códigos e leis, de acordo com as conveniências de grupos e castas, de partidos e raças, de religiões e credos, por questões imediatis­tas, tentam tornar legais comportamentos que não são morais e, reciprocamente, justificando-se atitu­des vulgares e tentando liberar-se comportamentos alienados, condutas extravagantes e arbitrárias.

O Decálogo moisaico, no entanto, sintetiza os có­digos moral e legal, portanto, o que é bem e o que é mal, havendo facultado a Jesus afirmar, em grandio­sa proposta, toda a complexidade desse fenômeno dual: — Não fazer a outrem o que não deseja que ele lhe faça.

Porque ainda injustos os homens, as leis que ela­boram possuem os seus parcialismos, defecções, de­vendo ser respeitadas, sem que a algumas delas se atribuam reais valores morais, significativos e defini­dores do bem e do mal.

O bem e o mal estão inscritos na consciência hu­mana, em a natureza, na sua harmoniosa organiza­ção que deu origem à vida e a fomenta.

Tudo quanto contribui para a paz íntima da cria­tura humana, seu desenvolvimento intelecto-moral, é-lhe o bem que deve cultivar e desenvolver, irradian­do-o como bênção que provém de Deus.

E esse mal, aliás transitório, temporal, que o propele às ações ignóbeis, aos sofrimentos, é rema­nescente atávico do seu processo de evolução, que será ultrapassado à medida que amadureça psicolo­gicamente, e se lhe desenvolvam os padrões de sen­sibilidade e consciência para adquirir a integração no Cosmo, liberado das injunções dolorosas, inferiores.


23

Paixão e libertação psicológica

As tradições religiosas em torno da paixão de Je­sus teimam por revestir-se da notícia trágica, na qual a ação autopunitiva sobressai no comportamento do fiel.

Trabalhando-lhe a mente, a fim de gerar-lhe cons­ciência de culpa, com as conseqüências do medo em relação à justiça divina, intentam a lavagem cerebral para produzir o ódio pelo mundo, ao tempo em que mantêm os lamentáveis processos de cilícios físicos entre os fanáticos, e mentais ou emocionais naqueles que são constituídos por estrutura psicológica frágil.

Inegavelmente, as ocorrências dolorosas que as­sinalaram a última semana de Jesus, em Jerusalém, entre as criaturas, foram caracterizadas por ocorrên­cias infelizes, que ainda se repetem na sociedade, embora guardadas as naturais proporções.

Recordar-se da pusilanimidade humana, da fra­gilidade dos caracteres de Judas e de Pedro, faz-se necessário quando os objetivos são educativos, evo­cando-se, porém, o estoicismo das mulheres piedosas, de João, de José de Arimatéia que Lhe cedeu o se­pulcro novo, de modo que a aprendizagem se faça plena, através da dicotomia existente no comporta­mento humano, buscando-se oferecer uma mensagem de confiança, de arrebatamento e de fé.

O ser humano é ainda muito fragmentário e dú­bio, carecendo de amor e paciência, que são terapias excelentes para induzi-lo ao fortalecimento do cará­ter, da personalidade.

A constante condenação multimilenária deixou marcas profundas no inconsciente coletivo, de que ora se faz herdeiro natural, surgindo-lhe transformada em medo e desprezo por si mesmo ou indiferença pessoal e desleixo no culto dos valores morais.

A lição viva que ressalta em Jesus desde a entra­da triunfal e o julgamento arbitrário, sem qualquer defesa, propõe uma releitura do comportamento indi­vidual e coletivo dos seres, oferecendo a contribuição de resultados positivos nas reflexões mentais.

As crenças ortodoxas satisfazem-se com as imo­lações e as atitudes condenatórias que, tomadas em consideração, reconduziriam à ignorância, à treva medieval tormentosa.

As conquistas do momento, nas mais diversas áreas, particularmente da psicologia, não mais facili­tam atitudes alienadoras como essas, antes propõem a libertação dos conflitos, a fim de que a responsabi­lidade, que decorre da consciência lúcida, impulsio­ne o indivíduo ao avanço, ao crescimento, à maturidade.

Toda ação impositiva-castradora ou liberativa-in­sensata trabalha em favor do desequilíbrio, da desin­tegração do homem.

Toda a vida de Jesus é um processo que facilita o crescimento e a dignidade do ser humano.

Seus conceitos, refertos de atualidade, prosse­guem sendo uma linguagem dinâmica, desobsessiva, sem compulsão, abrindo elencos de alegria e facul­tando o desenvolvimento daqueles que os recebem.

Cada passo da Sua vida, leva-O a metas adredemente programadas. Sem rotina, mas, também, sem ansiedade, caracteriza-se pela vivência de cada mo­mento, sem preocupação pelo amanhã, pois que, para Ele, a cada dia bastam as suas próprias preocupações.

A alegria é uma constante em Sua mensagem, apesar das advertências freqüentes, das lutas aber­tas e de sempre O verem chorar...

A verdadeira alegria extrapola os sorrisos e se apresenta, não raro, como preocupação que não deprime nem fragiliza.

Torna-se uma constante busca de realizações con­tínuas, de vitória sobre as circunstâncias e os fenôme­nos que são naturais no processo da vida.

Sem paradigmas fixos, toda a Sua doutrina se constitui de otimismo e plenitude.

Quando os Seus seguidores marchavam para o holocausto, o martírio, o testemunho, faziam-no mo­tivados pelo amor, sem fugas psicológicas, sem trans­ferências, em manifestações de fidelidade, joviais e exultantes, sem ressentimentos nem ódios pelos perseguidores, por ser uma opção livre de utilização da vida.

A dinâmica das palavras de Jesus logrou condu­zir inumeráveis criaturas à realidade transcendente.

Libertador por excelência, a ninguém impôs far­do, asseverando que o Seu é leve e suave é a Sua for­ma de julgar, analisar e compreender.

Enquanto ressumem na consciência da Terra as condutas punitivas e as evocações deprimentes na área das religiões, o pensamento de Jesus permane­cerá em sombras, conflitos, perturbações.

A conquista de consciências para as fileiras da harmonia somente é possível mediante o estabeleci­mento de diretrizes saudáveis, nas quais, mesmo a dor assumiria a sua realidade de fenômeno degenera­tivo inevitável, no entanto, possível de ser superada, re­sistida, diluída através das reflexões e da renovação de energia que preserva o equilíbrio da existência.

A imposição temerária decorre do sentimento de culpa dos religiosos, que a transferem para aqueles que se lhes submetem, passando a depender das suas injunções psicológicas mórbidas.

Sem a semana ultrajante, sem os conteúdos da ingratidão humana em extremo, não Lhe teríamos a morte estóica, eloqüente, grandiosa, demonstrando a Sua consciência de imortalidade.

Após a sua ocorrência, todo um solene hino à vida foi apresentado através da ressurreição, do retorno ao convívio com os amigos temerosos e com a humani­dade arrependida que Ele veio libertar, amando, paci­ente e alegre, por conhecer os limites e deficiências daqueles que marcham na retaguarda, no entanto fi­tam expectantes e avançam no rumo do futuro.


24

Enfermidade e cura

O fenômeno biológico do desgaste orgânico, das distonias emocionais e mentais da criatura humana, é perfeitamente natural como decorrência da fragilida­de estrutural de que se constitui.

Equipamentos delicados, que são, sofrem as influ­ências externas e internas que contribuem para as suas alterações, e até mesmo a sua morte, mediante as in­cessantes transformações a que se encontram sujeitos.

Temperaturas que se alternam e ultrapassam os limites da sua resistência, condições outras atmosféri­cas e de insalubridade, colônias de bactérias e microor­ganismos agressivos, quão destruidores, atacam-lhe as peças e quase sempre as vencem, estabelecendo dis­túrbios que se transformam em enfermidades variadas.

Por outro lado, choques emocionais, estados ina­bituais de depressão e ansiedade, pressões de qual­quer ordem, especialmente as psicossociais e econô­micas, as afetivas, arrastam-nos a desorganizações perturbadoras. Seqüelas de várias doenças, muitas delas agridem esses mais intrincados conjuntos ele­trônicos, produzindo perturbações funcionais e psíqui­cas, que tipificam desequilíbrios da mente e da emoção.

A própria constituição desses órgãos tem muito a ver com as origens genéticas e, posteriormente, com os fatores organizadores do lar, da família, do grupo social, contribuindo decisivamente para as manifes­tações de saúde ou de desconserto.

O ser, porém, em si mesmo trinitário — Espírito, perispírito e matéria — é o resultado de largo proces­so de educação e desenvolvimento, através das con­tínuas experiências reencarnacionistas.

Em cada fase da vilegiatura, no corpo ou fora dele, o Espírito conquista bênçãos que incorpora ao patri­mônio evolutivo, moldando os futuros corpos de acor­do com tais aquisições, que são afetadas vibratoria­mente pelas ondas de energia positiva ou negativa que emite sem cessar.

Como conseqüência, cada criatura é especial, com reações específicas e modelagem própria, embora semelhanças profundas em umas, quão discordantes em outras.

Esse logros da evolução refletem-se na constitui­ção orgânica, na emocional e na psíquica, selecionan­do genes e valores que lhes facultem estabelecer os aparelhos correspondentes e necessários para o prosseguimento da evolução.

Assim organizam-se moralmente as estruturas expiatórias e provacionais, como recursos necessári­os para a aprendizagem e a fixação dos valores propi­ciatórios ao progresso.

As expiações normalmente talam o ser orgânico ou psíquico de maneira irreversível, como decorrên­cia dos atos pretéritos de rebeldia: suicídio, homicí­dio, perversidade, luxúria, concupiscência, avareza, ódio e os seus sequazes.

As provações, por sua vez, são corretivos tempo­rários que servem de advertência à insânia ou à co­modidade, ao erro ou ao vício, facultando a reconquis­ta da harmonia mediante esforço justo de recompo­sição interior, reintegrando o ser na ordem vigente do Universo.

Não nos referimos aqui aos quesitos das neces­sidades morais e sociais, detendo-nos, apenas, na­queles pertinentes à saúde e à doença.

Esses quadros das ações morais geram as reações correspondentes, como leis de causa e efeito, prope­lindo a resgates idênticos aos danos e prejuízos pro­duzidos.

Conhecidos esses efeitos como carma, também esse pode ser positivo e edificante conforme as reali­zações anteriores, que propiciem felicidade e paz.

Vulgarmente, porém, o conceito de carma passou a ser aceito como imperativo afugente e reparador, a que ninguém foge, por efeito das suas más ações. Entretanto, esse carma, quando provacional, tem a liberá-lo o livre-arbítrio daquele que o padece, como através do mesmo pode mais encarcerar-se, a depen­der do novo direcionamento que lhe ofereça.

As realizações morais geram energias positivas que anulam aquelas negativas, que propiciam o sofri­mento de qualquer natureza, ensejando estímulos para a superação das antigas conjunturas atormentantes.

Sujeito, por espontânea escolha, ao carma nega­tivo, o ser expressa, além dos problemas na área da saúde, conflitos diversos na emoção, no comportamen­to, a surgirem como complexo de culpa (inconscien­te), timidez, medo, ansiedade, insegurança... Ao mes­mo tempo, autodesvalorização, ausência da auto-es­tima, presença de outros complexos, como os de superioridade, de inferioridade, narcisismo, de Édipo, de Eletra, e mais outros, gerando patologias graves que, não obstante, podem ser superadas mediante terapi­as especializadas e grande esforço pessoal.

No vasto quadro das enfermidades, a ausência do auto-amor do paciente responde pela desarmonia que o aflige. Nem sempre essa manifestação é consciente, estando instalada nos seus refolhos como forma de desrespeito, desconfiança e mágoa por si mesmo, de­fluentes das ações infelizes pretéritas.

Quando uma doença se instala no organismo físico há uma fissura no conjunto vibratório que o mantém. A mente deve então ser acionada de imediato para corri­gir tal distúrbio, de modo a propiciar-se a saúde.

Quase sempre, porém, os tóxicos da ira, da re­beldia e do ressentimento são introjetados no orga­nismo, agravando mais a paisagem afetada.

Quase sempre inseguro, o ser considera que não merece o que lhe ocorre agora e teme pelo agravamen­to do mal, que se lhe transforma em problema afugente, ao qual acrescenta os fantasmas da dúvida, do aturdi­mento, do desamor cultivado sob muitos disfarces.

A amorterapia tem as suas diretrizes firmadas no ensinamento evangélico, proposto por Jesus, quando estabeleceu: — Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, como a si mesmo é um imperativo que não pode ser confundido com o egoísmo, ou o egocentrismo, mas com o respeito e direito à vida, à felicidade que o indivíduo tem e merece.

Trata-se de um amor pre­servador da paz, do culto aos hábitos sadios e dos cuidados morais, espirituais, intelectuais para consi­go mesmo, sem o que, a manifestação do amor ao próximo é transferência da sua sombra, da sua ima­gem (fracassada) que logo se transforma em decep­ção e amargura, ou a Deus, a Quem não vê, tudo dEle esperando, ainda como mecanismo de fuga da res­ponsabilidade.

O auto-amor induz à elevação dos sentimentos e à conquista de valores éticos que promovem o indiví­duo e o iluminam interiormente, Nele estão os cuida­dos pelo corpo e sua preservação através dos recur­sos ao alcance, estimulando órgãos e células a um funcionamento harmônico, decorrente dos pensamen­tos auto-estimulantes, auto-refazentes. Igualmente énecessário desenvolver o intelecto e a emoção para marcharem juntos como asas para largo vôo, ense­jando-se conhecimento e atividade fraternal benefi­cente, que faz bem primeiro àquele que a pratica, auxiliando depois quem dela necessita.

Não é um referencial ao gozo pessoal nem às auto-satisfações dos sentidos, mas um notável recurso de equilíbrio íntimo com vistas à iluminação pessoal.

Esse amor terapêutico auxilia os campos vibrató­rios afetados pelas doenças, restaurando-lhes as defi­ciências e recompondo a harmonia do todo.

Com efeito, não evita que se adoeça ou que se morra, o que, se ocorresse, agrediria a lei da vida que estabelece: Tudo quanto nasce, morre, no que se refe­re ao fenômeno biológico terminal da matéria, em in­cessantes transformações.

Nessa visão do auto-amor, a enfermidade e a morte não constituem fracasso do ser, antes o caminho para a vida, O conceito de realidade então se altera, pas­sando a constituir-se uma plenitude que se alcança no corpo e fora dele, com naturais acidentes de per­curso. A saúde não é mais uma compulsória para a existência corporal, senão um estado sujeito a múlti­plas alterações que decorrem das variantes compor­tamentais do ser integral e que somente será lograda plenamente após o despir dos andrajos físicos, desde que estes são temporais, impermanentes.

Não obstan­te, o auto-amor enseja o desfrutar de bem-estar, de equilíbrio, de funções e órgãos saudáveis, cooperan­do para a estabilidade emocional.

Tem-se asseverado que a tensão nervosa é um dos tiranos destruidores do corpo e dos seus equipamen­tos, no entanto, a forma como é enfrentada, tem muito mais a ver com os seus prejuízos.

Na amorterapia a tensão cede lugar à confiança e amortece-se face à entrega do ser a Deus, relaxando os focos de desespero e ansiedade, os compressores dos nervos, geradores de tensão.

No auto-amor, a confiança irrestrita na realidade, da qual ninguém foge, faculta o equilíbrio propiciador da saúde. Esse sentimento produz otimismo, que éfator preponderante para o restabelecimento do cam­po de energia afetado pelo transtorno, já que favorece com uma mudança de comportamento mental, portan­to, agindo no fulcro gerador das vibrações.

Quando se vive de forma diversa à que se exterio­riza, isto é, quando se fala e aparenta algo que se não faz, há uma tendência a contrair algum tipo de enfer­midade, porque a saúde não suporta essa duplicida­de, que é geradora de infortúnio.

Há um inter-relacionamento entre mente e corpo mais sério do que parece. Desse modo, o auto-amor estimula à veracidade dos atos e das palavras, sus­tentando a saúde ou corrigindo a doença.

Os tecidos orgânicos interagem por intermédio de substâncias químicas que se movimentam na corren­te sanguínea e pelos hormônios do aparelho endócri­no. A hipófise é-lhes a responsável, que recebe os es­tímulos mediante impulsos nervosos do hipotálamo, que regula a maior parte dos fenômenos e automa­tismos fisiológicos. Todo esse mecanismo ocorre atra­vés de fibras nervosas, procedentes do cérebro, que as comanda sob as ordens da mente, consciente ou inconscientemente. Por isso, a indução do auto-amor promove vibrações harmônicas que terminam por manter, organizar ou reparar o organismo, propician­do-lhe saúde, quando enfermo.

Psicologicamente o auto-amor é, sobretudo, auto-encontro, conquista de consciência de si mesmo, ma­turidade, equilíbrio.


SÉTIMA PARTE

A CONQUISTA DO SELF


25

A Conquista do Self

Todos necessitamos de viajar para dentro, a fim de nos descobrirmos, desidentificando-nos daquilo que nos oculta aos outros e a nós próprios.

Retraídos, em atitude defensiva, por falso apoio de raciocínios incompletos, preferimos não permitir que pessoa alguma volte a magoar-nos, como outras já o fizeram no passado.

Colecionamos, desse modo, ressentimentos e te-mores que nos levam a um comportamento de autopi­edade, marchando para um estado patológico de au­todestruição.

Um enfrentamento consciente com nossas mágo­as irá demonstrar-nos que elas não são verdadeiras, nem têm sentido, sendo fruto da imaturidade e da presunção do ego que se atribui merecimentos que não tem.

Normalmente, o que consideramos desrespeito dos outros em relação a nós, resulta de nossa óptica equivocada ao observar os fatos, de precipitação ou mesmo de certo grau de paranóia.

Constituído por estímulos, o nosso relacionamen­to é malsucedido, porque não sabemos produzir o en­contro, quando nos acercamos de alguém.

Evitando abrir-nos à relação, permanecemos sus­peitosos e a nossa estimulação é negativa, provocan­do uma resposta de rejeição.

Em processo de mudanças constantes, as pes­soas são imprevisíveis, o que é muito bom, pois que esse fenômeno proporciona novos descobrimentos e correções de conceitos.

Quando nos apresentamos a alguém com since­ridade, esse alguém se nos desvela com fidelidade. Um estímulo revigorante e dignificador provoca uma correspondência equivalente.

Ao nos darmos a alguém, conhecido ou não, ofer­tamos uma parte, algo valioso de nós.

Se a outra pessoa não souber responder, não há problema para nós, porque verdadeiramente somos o que expressamos, de que nos não podemos arre­pender, nem nos devemos sentir magoados.

Aceitar o mau humor alheio é sintonizar com ele, permitir que nos digam e imponham como devemos agir e nos comportar.

A nossa contribuição à sociedade é preservar-lhe a saúde na forma do inter-relacionamento pessoal, educando os rudes e medicando os enfermos, os anti-sociais.

A mágoa é conseqüência da imaturidade psico­lógica e a atitude retraída, desconfiada, resulta de predominância da nossa natureza animal sobre a na­tureza espiritual.

A conquista do self com todos os seus atributos e possibilidades constitui a meta primordial da existência terrena, em cuja busca devemos investir todo o potencial humano, emocional, moral, intelectual.

Considerando-nos em constante processo de crescimento, que decorre das experiências vividas e dos conhecimentos hauridos, a nossa busca do ser espiritual que somos, torna-se-nos imprescindível.

A vigilância em torno das armadilhas do ego, há­bil disfarçador de propósitos, constitui-nos um moti­vo para superá-lo, a fim de fruirmos felicidade real.

Nesse sentido, a desidentificação dos apegos e paixões surge como passo decisivo no programa de libertação. Para o desiderato, o amor-próprio deve ser revisto, a fim de ser substituído pelo auto-amor pro­fundo, sem resquícios egoísticos, geradores do per­sonalismo doentio que nos leva a conflitos perfeita­mente evitáveis.

A reencarnação tem como objetivo a autoconquis­ta, que propicia a realização intelecto-moral recomenda­da por Allan Kardec como indispensável à sabedoria, que sintetiza a aquisição do conhecimento com o amor.

Quando essa meta não é alcançada, reencarna-se o ser e desencarna para retornar, em verdadeira roda de samsara, até quando as Leis estabelecem ex­piações lenificadoras que interrompem o círculo vici­oso, para fomentar o progresso.

Surge o imperativo da dor em lugar do amor, ex­pressão inevitável para o progresso constante dos Estatutos Divinos.


26

Mecanismos de fuga do ego

Habituado ao não enfrentamento com o self, o ego camufla a sua resistência à aceitação da realidade profunda, elaborando mecanismos escapistas, de forma a preservar o seu domínio na pessoa.

Desse modo, podemos enumerar alguns desses instrumentos do ego, para ocultar-lhe a realidade, fa­cultando-lhe a fuga do enfrentamento com o eu pro­fundo, tais como: compensação, deslocamento, proje­ção, introjeção e racionalização.

Compensação

Foi o admirável pai da Psicanálise individual, Al­fred Adler, quem, percebendo que um órgão defici­tário é substituído pelo seu par — um pulmão enfermo ou um rim doente —, estabeleceu que ocorre uma com­pensação correspondente na área psicológica.

Grandes ases da cultura física tornaram-se atle­tas, porque buscaram compensar a fragilidade orgâ­nica, ou algum limite, entregando-se a extenuantes exercícios que lhes facultaram alcançar as metas es­tabelecidas. O mesmo ocorre nas artes, na ciência com muitos dos seus paladinos.

Essa compensação se enraíza nos fulcros de al­gum conflito, nos leva a exagerar determinada ten­dência como fenômeno inconsciente que nos demons­tra o contrário.

O excesso de devotamento a uma causa ou idéia é a compensação ao medo inconsciente de sustentá-lo.

O fanatismo resulta da insegurança interior, não consciente, pela legitimidade daquilo em que se pen­sa acreditar, desse modo compensando-se.

Há sempre um exagero, um superdesenvolvimen­to compensador, quando, de forma inconsciente se estabelece um conflito, por adoção de uma crença em algo sem convicção.

O excesso de pudor, a exigência de pureza, pro­vavelmente são compensações por exorbitantes de­sejos sexuais reprimidos e anelos de gozos promíscu­os, vigentes no ser profundo.

Sem dúvida, não se aplica à generalidade das pes­soas corretas e pudicas, mas àquelas que se caracte­rizam pelo excesso, pela ênfase predominante que dão a essas manifestações naturais.

Na compensação ocorre a formação de reação, que responde pela necessidade de um efeito psicológico contrário.

Desse modo, as atitudes exageradas em qualquer área camuflam desejos inconscientes opostos.

Nessa compensação psicológica, o ego exarcer­bado está sempre correto e, sem piedade pela fragi­lidade humana, exprime-se dominador, superior aos demais, que não raro persegue com inclemência.

Na distorcida visão egóica, a sua é sempre a pos­tura certa, por isso exagera para sentir-se aliviado da tensão decorrente da incoerência entre o ego presun­çoso e o eu debilitado.

A compensação substituta — uma deficiência or­gânica propele o indivíduo a destacar-se noutra área da saúde, sobrepondo a conquista de realce ao fator de limite — também transfere-se para o campo emo­cional, e o conflito de ordem psicológica cede lugar ao desenvolvimento de uma outra faculdade ou ex­pressão que se pode destacar, anulando, ou melhor dizendo, escamoteando o ocasional fenômeno pertur­bador.

Graças a compensação substituta o ego se pleni­fica, embora tentando ignorar o desequilíbrio que fica sob compressão, reprimido. Todavia, todo conflito não liberado retorna e, se recalcado, termina por aflorar com força, gerando distúrbios mais graves.

A conpensação egóíca é, sem dúvida, um engodo que deve ser elucidado e vencido.

Cada criatura é o que consegue e, como tal, cum­pre apresentar-se, aceitar-se, ser aceito, trabalhan­do pelo crescimento interior mediante catarse, cons­ciente dos conflitos degenerativos.

Todo esse mecanismo de evasão da realidade e mascaramento do ego torna a pessoa inautêntica, artificial, desagradável pelo irradiar de energias re­pelentes que causam mal-estar nas demais.

Deslocamento

A consciência exerce sobre a pessoa um critério de censura, face ao discernimento em torno do que conhece e experiencia, sabendo como e quando se pode fazer algo, de maneira que evite culpa. Nesse discernimento lúcido, quando surge um impulso que a censura da consciência proibe apresentar-se sem reservas, o ego produz um deslocamento.

Freud havia identificado essa capacidade de cen­sura da consciência, que situou como superego.

Quando se experimenta um sentimento de revol­ta ou de animosidade contra alguém ou alguma coi­sa, mas que as circunstâncias não permitem expres­sar, o ego desloca-o para reações de violência contra objetos que são quebrados ou outras pessoas não envolvidas na problemática.

Na antiga arena romana ou nos atuais ringues de boxe se traduzem esses sentimentos recalcados, con­tra a vítima momentânea, deslocando a fúria oculta, que se mantém contra outrem, nesse ser desamparado.

Subconscientemente, a pessoa que apóia o do­minador e pede-lhe para extinguir o contendor, man­tém hostilidade que reprime, impossibilitada pelas con­venções sociais ou circunstanciais de exteriorizá-la.

A hostilidade da criatura leva-a a reagir sempre através de motivos reais ou imaginários. Um olhar, uma palavra malposta, uma expressão destituída de mais profundo significado, são suficientes para pro­vocar um deslocamento, uma atitude agressiva.

Face a essa postura, há uma tendência para ca­muflar os significados perturbadores da vida.

Ao re­primi-los, adota-se um comportamento agradável para o ego. Esse mecanismo é de fácil identificação, pois que o ego procura uma vivência de qualquer acontecimento sem sentido, para ocultar um grave problema que não deseja enfrentar conscientemente.

Essa reação pode decorrer, também, de um am­biente hostil no lar, onde a pessoa se acostumou a deslocar os sentimentos que cultivou, na convivência doméstica, e não deseja reconhecer como de nature­za agressiva.

Somente uma atitude de auto-reflexão consegue despertar o indivíduo para a aceitação consciente do seu self, sem disfarce do ego, não deslocando rea­ções para outrem e lutando contra as perturbações psicológicas.

Projeção

A repressão inconsciente dos conflitos da perso­nalidade leva o ego a projetá-los nos outros indivídu­os, nas circunstâncias e lugares, evadindo-se à acei­tação dos erros e da responsabilidade por eles.

Se tropeça em uma pedra na rua, a culpa é da administração pública municipal; se choca com ou­trem, a culpa é dele...

A projeção alcança reações surpreendentes.

Um jovem esbarrou noutro na rua e reagiu, inter­rogando: Você é cego?”, ao que o interlocutor res­pondeu: Sim, sou cego.”

Atropelara o invidente e se permitia o luxo de fa­zer-se vítima.

Há uma natural e mórbida tendência no ser hu­mano de ignorar certas deficiências pessoais para projetá-las nos outros.

Toda vez que alguém combate com exagerada veemência determinados traços do caráter de al­guém, projeta-se nele, transferindo do eu, que o ego não deseja reconhecer como deficiente, a qualidade negativa que lhe é peculiar. Torna a sua vítima o es­pelho no qual se reflete inconscientemente.

Há uma necessidade de combater nos outros o que é desagradável em si.

Pessoas existem que se dizem perturbadas pe­las demais, perseguidas onde se encontram, desgos­tadas em toda parte, revelando caráter e comporta­mento paranóicos, assim projetando a animosidade que mantêm por si próprias nos outros indivíduos, sob a alegação de que não os estimam, e tentam interdi­tar-lhes o passo, o avanço.

A projeção é facilmente identificável e pode ser combatida mediante honesta aceitação de si mesmo, de como se é, trabalhando-se para tornar-se melhor.

Introjeção

Outro mecanismo de disfarçe do ego é a introje­ção, que se caracteriza como a conscientizaçào de que as qualidades das pessoas lhe pertencem. Os valo­res relevantes que são observados noutrem, são tra­ços do próprio caráter, constituindo uma armadilha —defesa do ego.

A pessoa introjeta-se na vida dos heróis aos quais ama e com quem se identifica, aceitando ser pareci­da com eles. Assume-lhes a forma, os hábitos, os tra­quejos e trejeitos, o modo de falar e de comportar-se...

Pode acontecer também que se adote o com­portamento infeliz de personagens dos dramas do co­tidiano, das películas cinematográficas, das teleno­velas, das tragédias narradas pelos periódicos.

Na atualidade, ao lado dos inúmeros vícios soci­ais e dependências dos alcoólicos, tabaco e drogas outras, há, também, a dependência das telenovelas, mediante as quais as personagens, especialmente as infelizes, são introjetadas nos telespectadores angus­tiados.

Essa morbidez deve ser liberada e o indivíduo tem a necessidade, que lhe cumpre atender, de assumir a realidade interior, identificando-se numa harmoniosa combinação entre o self e o ego, mantendo o equilí­brio emocional através do exercício de autodescobri­mento, eliminando as ilusões, os romances imaginá­rios, pois que tais mecanismos de fuga, não obstante o momentâneo prazer que dispensam, terminam por alienar o ser.

Racionalização

A racionalização é o mecanismo de fuga de mai­or gravidade do ego, por buscar justificar o erro me­diante aparentes motivos justos, que degeneram o senso crítico, de integridade moral, assumindo pos­turas equivocadas e perniciosas. Sempre há uma ra­zão para creditar-se favoravelmente os atos, mesmo os mais irrefletidos e graves, através das razões apre­sentadas, que não são legítimas. Essa dicotomia — o que se justifica e o que se é — torna-se um mecanismo perturbador, por negar-se o real a favor do que se imagina.

As razões legítimas dos hábitos e condutas são mascaradas por alegações falsas. Por não admitir o que se prefere fazer ou ser, e se tem em conta de que é errado, assume-se a máscara egóica da racionaliza­ção.

Essa falta de honestidade, como expressão falsa do eu, torna-se um desequilíbrio psicológico, que ter­mina em perda de sentido existencial.

Ninguém pode mudar um mal em bem, apenas porque se recusa a aceitar conscientemente esse mal, que lhe cumpre trabalhar para melhor, ao invés de ig­norá-lo ou justificá-lo com a racionalização.

A tendência humana da escolha é sempre direcio­nada para o bem. Assim, há uma repulsa natural pelo mal, de que a racionalização tenta alterar a contextu­ra, a fim de apaziguar a consciência, gerando a per­turbação psicológica.

Essa luta, que se trava entre o intelecto e a ra­zão, busca justificativa para tornar o mal em um bem, que é irreal. Desse modo, quando a pessoa age erradamente e a razão lhe reprocha, o intelecto busca uma alegação justa para reprimir o bem e prossegui na ação.

A execução supera a razão e a mente justifica o mal, do qual surgirá um bem, para si ou para outrem, como racionaliza o ego em desequilíbrio.

Somente uma vontade severa e nobre, exercendo sua força sobre os mecanismos de evasão, para pre­servar o equilíbrio entre a razão e o intelecto com a emoção do bem e do justo, propondo o ajustamento psicológico do ser.

Fora disso, tais mecanismos de camuflagem da realidade conduzem à alienação, ao sofrimento.


27

Medo e morte

Os mecanismos de evasão do ego mascaram a realidade do self, normalmente receoso de emergir e predominar, o que é a sua fatalidade.

Fatores ponderáveis, porém, respondem pelos estados fóbicos do ser, desde os distúrbios gerados pelo quimismo cerebral, responsáveis por desarmoni­as variadas, até os fenômenos de natureza psicológi­ca, decorrentes dos conflitos vivenciados pela mãe gestante, reacionária à concepção, tensa ante a res­ponsabilidade, amargurada pelas incertezas, e os in­sucessos de parto, predominando os choques pós­natais quando o ser é retirado do aconchego intra­uterino, onde se sente seguro, e colocado num meio hostil no qual tudo parece ameaçar-lhe a frágil exis­tência.

Podem-se assinalar ainda outros fatores, quais os de natureza psicogênica, como de caráter preponde­rante na formação patológica dos comportamentos fóbicos.

A educação no lar, a mãe dominadora e o pai ne­gligente ou reciprocamente, não raro esmagam a per­sonalidade do educando durante o trânsito infantil.

São inumeráveis os fatores preponderantes como predisponentes nas psicopatologias do medo, respon­sáveis por estados lamentáveis na criatura humana.

Insinua-se o medo de forma sutil, aparentemente lógica, tomando conta das paisagens da psique, como insegurança tormentosa povoada de pesadelos hórri­dos, que levam a alucinações e impulsos incontrolá­veis de fuga até mediante o concurso da morte.

Com o tempo, alternam-se as condutas no paci­ente: apatia mórbida ou pavor contínuo, ambas de gra­vidade indiscutível.

Na psicogênese, porém, dos estados fóbicos em geral, não se pode descartar a anterioridade existen­cial do ser, em Espírito, peregrino que é de inumerá­veis reencarnações, cuja história traz escrita nas te­celagens intrincadas da própria estrutura espiritual.

Comportamentos irregulares, atividades lesadoras, ações perversas ocultas que não foram desvela­das, inscrevem-se na consciência profunda como ne­cessidade de reparação, que ressurgem desde a nova concepção, quando ocorrem os fatores que os desper­tam, permitindo-lhes a imersão do inconsciente, e pas­sam a trabalhar o ser real, levando-o da insegurança inicial ao medo perturbador.

A reencarnação é método para o Espírito apren­der, agir, educar-se, recuperando-se quando erra, re­parando quando se compromete negativamente.

Inevitável a sua ocorrência, ela funciona por automatismo da Vida, impondo as cargas de uma experi­ência na seguinte, em mecanismo natural de evolução.

Inscritos os códigos de justiça na consciência in­dividual, representando a Consciência Cósmica, nin­guém se lhe exime aos imperativos, por ser fenômeno automático e imediato.

A cada ação resulta uma reação semelhante, por­tadora da mesma intensidade vibratória.

Quando re­calcado o efeito, ele assoma, predominante, propici­ando os estados de libertação ou sofrimento, confor­me seja constituído o seu campo de energia.

O autodescobrimento é a terapia salutar para que sejam identificadas as causas geradoras e, ao mesmo tempo, a conscientização de quais recursos se podem utilizar para a liberação.

Conhecendo o fator responsável pelo medo, antepor-se-lhe-á a confiança nas causas positivas, que re­sultarão em futuros equilíbrios de fácil aquisição.

Ao lado das terapias acadêmicas, conforme a etio­patogenia do medo em cada criatura, a renovação pessoal pelo otimismo, a auto-estima, o hábito das ideações elevadas, da oração, da meditação, consti­tuem eficientes recursos curativos para o auto-encon­tro, a paz interior.

O medo é inimigo mórbido, que deve ser enfren­tado com naturalidade através do exercício da razão e da lógica.

Entre as várias expressões de medo ressalta o da morte, herança atávica dos arquétipos ancestrais, das religiões castradoras e temerárias, dos cultos bár­baros, das conjunturas do desconhecido, das imagens mitológicas que desenharam no tecido social as im­pressões do temor, das punições eternas para as cons­ciências culpadas, dos horrores inomináveis que o ser humano não tem condições de digerir...

O pavor da morte, às vezes patológico, afigura-se tão grave, que a criatura se mata a fim de não aguar­dar a morte...

Compreensívelmente, desde o momento da con­cepção manifesta-se o fenômeno da transformação celular ou morte biológica. Nesse processo de trans­formações incessantes, chega o momento da parada final dos equipamentos biológicos, e tal ocorrência éperfeitamente natural, não podendo responder pelos medos e pavores que têm sido cultivados.

Não é a primeira vez que ocorre a morte do corpo, na vilegiatura da evolução dos seres. O esquecimento do fenômeno, de maneira alguma, pode ser conside­rado como desconhecido pelo Espírito, que já o vi­venciou antes.

Um aprofundamento mental demonstra que a morte não dói, não apavora, mas o estado psicológi­co de cada um, em relação à mesma, transfere as im­pressões íntimas para o exterior, dando curso às ma­nifestações aparvalhantes.

A Psicologia transpessoal, lidando com o ser psí­quico, o ser espiritual, sabe-o em processo de evolu­ção, entrando no corpo — reencarnação — e dele saindo — desencarnação — da mesma forma que o corpo se utiliza de roupas, que lhe são necessárias e dispen­sáveis, conforme as ocasiões.

O simples hábito de dormir, quando se mergulha na inconsciência relativa, é uma experiência de morte que deve servir de padrão comparativo para o fim do processo biológico.

Conforme o eu profundo considere a morte, povoando-a de incertezas, gênios do mal, regiões puniti­vas ou aniquilamento, dessa forma a enfrentará. O oposto igualmente se dá. Vestindo a morte de esperança de reencontros felizes, de aspirações enobrecidas, de agradável despertar, ocorrerá o milagre da vida.

O medo da morte decorre da ignorância da reali­dade espiritual e do apego ao transitório físico.

Freud afirmava que o instinto da morte é superior ao de conservação da vida, o que é perfeitamente na­tural, tendo-se em vista que o corpo é fenômeno, e este passa, permanecendo a causa, que é a energia, a vida em si mesma.

A psicoterapia preventiva, como curadora para o medo da morte, propõe uma conduta harmônica com os níveis superiores de consciência desperta, lúcida, avançando para a transcendência do eu, até culminar na identificação com a Cósmica.

Pensar e agir bem.

Amar e amar-se.

Servir, como forma de ser feliz.

Vincular-se à Fonte da Vida Perene, Causal e Ter­minal.

Meditar, beneficiando-se com o autodescobrimen­to e tornando-se um agente de esperança e de paz, eis como viver sem morrer e morrer para perpetuar a vida.


28

Referenciais para a identificação do si

Inevitavelmente, as pessoas necessitam de ex­perienciar algumas dessas escamoteações do ego, seus jogos, por falta de estrutura psicológica para suportar a realidade, a verdade.

O mecanismo de fuga pode constituir uma neces­sidade de reprimir algo para cuja manifestação o ser não se sente preparado.

É sempre um risco intentar-se, de inopino, empur­rar o indivíduo para o encontro claro e imediato com o si, face à sua ausência de valores íntimos para reco­nhecer-se frágil — sem deprimir-se, necessitado — sem insegurança em relação ao futuro, aturdido — sem es­perança...

O ser psicológico é, estruturalmente, a soma das suas emoções e conquistas, que caracterizam a indi­vidualidade pessoal no processo de evolução.

A libertação, portanto, dos complexos artifícios de fuga, dar-se-á mediante terapias adequadas, que facultarão o amadurecimento psicológico para a auto-estima e o enfrentamento da realidade suportável.

Qualquer tentativa de esgrimir a verdade — afinal, a verdade de cada qual — pode resultar em conflito mais grave. A queda da máscara desnuda o indivíduo e nem sempre ele deseja ser visto como é — mesmo porque se ignora —, podendo sofrer um choque com o descobrimento prematuro ou alienar-se, por saber-se identificado de forma inadequada, desagradável.

A verdade é absorvida, a pouco e pouco, através da identificação dos valores reais em detrimento dos aparentes, do descobrimento do significado da exis­tência e da sua finalidade.

Os convites existenciais que propelem para o ex­terior, para a aparência, modelam a personalidade impondo inúmeros mecanismos de sobrevivência do ego, aos quais o indivíduo se aferra, permanecendo ignorante quanto à sua realidade e aos relevantes objetivos da vida.

As ilusões, desse modo, são comensais da criatu­ra, que se apresenta conforme gostaria de ser e não de acordo com o si, o eu profundo, o que é. Extirpá-las é condenar o outro ao desamparo, retirar-lhe as ben­galas psicológicas de apoio.

Isto não significa apoio aos comportamentos fal­sos, às personalidades esteriotipadas, antes é respei­to ao direito de cada um viver como pode, e não con­soante gostaria de ser.

Imprescindível que se seja leal, honesto para con­sigo mesmo, desvelando-se e trabalhando-se interiormente.

A experiência de identificação do si é um passo avançado no processo de autodescobrimento, de auto-amadurecimento.

Essa busca interior expressa-se como uma for­ma de insatisfação em relação ao já conseguido — os valores possuidos não preenchem mais os espaços in­teriores, deixando vazios emocionais; uma necessida­de de aprimoramento psicológico, superando os for­malismos, os modismos, o estatuído circunstancial, nos quais a forma é mais importante do que o con­teúdo, o exterior é mais relevante que o interior; uma consciência lúcida, que desperta para os patamares superiores da existência física; uma incontida aspira­ção pelas conquistas metafísicas, face à vigência per­manente do fenômeno da morte em ameaça contí­nua, pois que a transitoriedade da experiência física se apresenta de exíguo tempo, facultando frustração; uma imperiosa busca de paz desvestida de adornos e de condicionais, e um amplo anseio de plenitude.

Com estes referenciais há uma inevitável auto­penetração psicológica, uma busca do si, do autodes­cobrimento, a fim de bem discernir o que se anseia e para que, o que se possui e qual a sua aplicação, a análise do futuro e como se apresentará.

A emersão do si, predominando no indivíduo, e característica de cristificação, de libertação do deus interno, de plenitude.

Quando começa, uma transformação psicológica se opera automaticamente, a escala de valores se al­tera e o comportamento muda de expressão.

A saúde emocional e mental se estabelece, ense­jando uma visão correta em torno dos acidentes orgâ­nicos, que não mais desequilibram, e o fenômeno morte se torna perfeitamente natural, sem fantasmas apa­vorantes ou anelos de antecipação.

Ocorre uma plena harmonia entre o viver — exis­tência física — e a Vida — realidade total.

O self, em razão do processo reencarnatório, fica imerso na névoa carnal, adormecido pelos tóxicos e vapores da indumentária física sob a pressão das ex­periências humanas, dos relacionamentos sociais, nos quais a astúcia e não a sabedoria, a simulação e não a honestidade, a falácia e não o silêncio promovem o indivíduo, granjeiam lugar de destaque na comunida­de. Essa conduta irregular, tal critério, são impediti­vos para a liberação do si.

Campeiam as psicopatologias como efeito da ati­tude do ego em relação ao eu, estando a exigir maior conhecimento das necessidades legítimas.

A conquista do self é processo que se deve co­meçar imediatamente, recorrendo-se às terapias pró­prias e, simultaneamente, aos recursos da oração, da meditação, das ações edificantes.

Cada logro enseja a ambição de alcançar novo patamar, que se torna um desafio atraente, estimulador.

Ninguém, pois, pode deter-se nos níveis inferio­res de consciência, relegando a plano secundário o si, a realidade ambicionada.


OITAVA PARTE

SILÊNCIO INTERIOR


29

Silêncio Interior

A grande problemática-desafio da criatura huma­na é a aquisição da paz.

Empenhando-se na sua conquista, raramente bus­ca e segue os caminhos ideais, capazes de conduzir à sua meta.

Vivendo uma época de conturbação nas diversas áreas, tumultua-se com facilidade, mesmo quando pensa encontrar-se no rumo certo.

Atavicamente amante do ego, apega-se aos va­lores externos, e esse comportamento se torna res­ponsável pelos seus contínuos insucessos.

Desequipada dos instrumentos interiores que a harmonizariam em relação ao próximo e ao Cosmo, exaspera-se com freqüência e desanima diante dos primeiros impedimentos que considera intransponíveis.

Adaptada às conquistas exteriores de fácil logro, abandona os propósitos iniciais de encontrar a paz, deixando a postura de não-violência para unir-se aos beligerantes, embora disfarçando a agressividade. A Terra tem vivido sempre em guerra, e as Na­ções apenas repousam no interregno dos conflitos, saindo de um para outro, sem encontrar o caminho para a preservação da tranqüilidade geral.

A essas guerras violentas sucedem os armistíci­os — que são pequenos períodos de repouso, nos quais os litigantes recuperam as forças para novas lutas —sempre eclodindo focos de destruição decorrentes de motivos injustificáveis e de razões nenhumas, como se os houvesse legítimos para a hediondez das bata­lhas sangrentas.

Tal sucede, porque os indivíduos não têm paz ín­tima.

Desde que não são capazes de se tolerarem reci­procamente em pequenos grupos, não se encontram em condições de respeitar os tratados, por eles mes­mos firmados, os quais apenas escondem-lhes a bru­talidade que passa a ter característica de civilização e cultura.

Como decorrência, a paz mundial ainda é uma utopia, em razão da falta de inteireza moral e pacifica­dora da própria criatura.

Esse fenômeno resulta dos seus apegos egóicos, das suas fantasias douradas, das suas paixões e da sua volúpia pela dominação dos outros.

Apegos morais, emocionais, culturais, pessoais, a objetos, a raças, a grupos sociais, são as fugas do ego arbitrário, ambicioso e louco, responsável pelas disputas lamentáveis que, deterioradas, são os ger­mes das guerras.

Esse estado psicológico, de transferência e proje­ção da sombra da personalidade imatura, é fruto da balbúrdia, dos interesses mesquinhos e múltiplos aos quais se aferra, desajustando-se diante da ordem, da natureza e da vida.

É indispensável uma revisão do comportamento humano, de um estudo profundo a respeito do silên­cio íntimo, assim como da harmonia interior.

A única maneira de lográ-lo, é viajar para dentro de si, domando a mente irrequieta — que os orientais chamam o “macaco louco que salta de galho em galho” — e induzi-la à reflexão, ao autodescobri­mento.

Há quem tema a quietude, porqüanto, ao dar-se esta, ocorre a libertação do ego e o ser se ilumina.

Todos somos escravos da mente.

O universo existe em razão daquele que o obser­va, da mente que o analisa, da percepção com que o abarca.

Aquele cuja mente não dispõe de tirocínio e luci­dez, não se dá conta da realidade, que para ele tem outros conteúdos e significados.

Face a tal conduta, fala e produz ruído. É nobre e útil quando se comunica e, no entanto, torna-se gran­dioso se consegue viver em silêncio mental.

Os conteúdos psíquicos em relação ao ego, quan­do captados por este, constituem a consciência lúci­da, e o silêncio torna-se de grande importância para essa conquista.

O silêncio interior é feito de paz e completude, quando o ser compreende o significado da sua vida e a gravidade da sua conduta em relação aos demais membros que formam o Cosmo.

A Ciência hoje une-se à Religião — trata-se de uma perfeita identificação do ego e do eu, do Logos e de Eros — vinculando-se uma à outra, passando a contri­buir para a felicidade humana sem enfrentamentos, qual ocorreu outrora através dos antagonismos absur­dos.

Até aqui a Ciência vinha trabalhando apenas pelo conhecimento, enquanto a Religião buscava somen­te religar a criatura ao Criador, marchando separadas e em oposição.

A Psicologia Transpessoal, estudando os estados alterados de consciência, indo além da consciência em si mesma, facultou a união das técnicas místicas do oriente com a razão do ocidente, favorecendo o entro­samento de Eros e Logos a benefício da individuação plena do ser.

Marcham, vinculadas, agora, fé e razão, contribu­indo para o surgimento do ser feliz. O silêncio interior constitui o grande intermediário da paz, que dessa união advém, por desenvolver na criatura o sentimen­to de amor — por Deus, por si mesmo, pelo próximo —tornando-se este amor o produto alquímico que dilui o ódio, que vence as barreiras impeditivas da frater­nidade e inunda-a com os recursos e conteúdos psí­quicos libertários.

O apego egoísta, superado, cede lugar à genero­sidade, à doação, e o indivíduo, livre de algemas, em silêncio íntimo, empreende a grande experiência de viver o self em harmonia com as Leis da Vida. Isto por­que, o nível mais elevado da consciência, pelo me­nos na graduação humana, é o cósmico, que resul­ta da identificação entre o si e o Universo, mergu­lhando o pensamento em Deus e realizando-se to­talmente.


30

Desidentificação

Podemos considerar a personalidade humana constituída de essência e substância. A primeira são as energias que procedem do Eu profundo, as vibra­ções que dimanam da sua causalidade, e a segunda é a reunião dos conteúdos psíquicos, transformados em atos, experiências, realizações, decorrentes do ambiente, das circunstâncias, e reminiscências das existências passadas.

São as substâncias que respondem pelo compor­tamento do ser, propiciando-lhe liberdade ou escravi­dão e dando nascimento ao eu.

Numa pessoa média, portadora de consciência, sem a nobre conquista do discernimento e da vivên­cia compatível, a ilusão e os engodos se estruturam, passando à posição das realidades únicas, que igno­ram, por efeito, a legítima Realidade.

Essa deturpação psicológica proporcionada pelo ego, que se entorpece e se engana, contribui para as experiências utópicas e alienadoras, que lhe alteram a conduta, produzindo estados profundamente per­turbadores.

O hábito e o cultivo dos pensamentos viciosos, de qualquer natureza, tornam-se as substâncias que for­mam a personalidade doentia, que se adapta aos fa­tores dissolventes, rompendo a linha do equilíbrio e do discernimento, empurrando para o trânsito pela senda da irrealidade.

Sem dúvida, a pessoa portadora de substâncias fragmentadoras move-se em um verdadeiro nevoeiro, que é mais compacto ou mais sutil, conforme as fixações, os vícios a que se aferra.

Identificando-se com as idéias que lhe são convenientes — algumas de pro­cedência psicopatológica — adapta-se-lhes e incorpo­ra-as, deformando a personalidade, e esta irrealida­de termina por afetar-lhe a individualidade, caso não se resolva pela psicoterapia específica e urgente.

Expressam-se essas identificações nas áreas fisio­lógicas — como sensações — e psicológica — como emoções.

Toda vez que a pessoa tenta a conscientização íntima, o encontro com o Eu profundo, a busca interior, as sensações predominantes nas paisagens físicas per­turbam-lhe a decisão, impedindo a experiência. São sen­sações visuais, gustativas, olfativas, auditivas, tácteis, com as quais convive em regime de escravidão, e que assomam no silêncio, na concentração, ocupando o es­paço mental, desviando a atenção da meta que busca.

São ruídos externos que, em outras circunstânci­as, não são percebidos; imagens visuais arquivadas, aparentemente esquecidas; olfação excitada, que pro­voca o apetite; coceiras e comichões que surgem, si­multâneos, em várias partes do corpo; salivação e de­sejo de alimentar-se, tomando os centros de interesse e desviando-os da finalidade libertadora.

Por outro lado, nos tentames do silêncio interior para reequilíbrio da personalidade, as sensações pro­duzem associações de idéias que levam a evocações insensatas.

Música e perfume retornam à sensibilidade orgâ­nica e induzem a recordações atribuladoras, com la­mentáveis anseios de repeti-las e frui-las novamente.

A mente viciada e o corpo acomodado dificultam o despertar da consciência para a lucidez.

A atividade de desidentificação, por isso mesmo, torna-se urgente.

Mediante a mudança dos hábitos mentais, do cul­tivo das idéias — substituindo as perturbadoras por outras saudáveis, já que todo espaço deve ser preen­chido — do exercício disciplinado dos pensamentos, passando à alteração dos prazeres e gozos ilusórios que devem ceder lugar àqueles que se expressam como manifestação da Realidade plenificadora, ocor­rerá a libertação dos vícios e fixações, desidentifican­do-se da conduta tormentosa.

Como envoltórios concêntricos que asfixiam as irradiações do Eu real, as identificações deverão ser liberadas de dentro para fora, portanto, da essência para a substância.

A medida que a consciência se desenovela dos impedimentos psíquicos, mais amplas descobertas são logradas nas áreas das identificações, que pas­sam a ser diluídas, permitindo-a fulgir qual estrela poderosa no velário da noite transparente.

A consciência desidentificada com a personalida­de fragmentada, enfermiça, proporciona bem-estar.

Essa conquista, a da consciência plena, faculta alegria. Como conseqüência, o silêncio interior cons­ciente, responsável pela saúde psíquica e emocional, predispõe o ser ao crescimento das aspirações e ao esforço dos ideais de enobrecimento.

Nessa fase de desidentificação e lucidez plena, a consciência predispõe-se à conquista do estágio mais elevado, pelo menos na área humana, que é a sua har­monização total com a de natureza Cósmica.


31

Libertação dos conteúdos negativos

Graças ao atavismo predominante em sua natu­reza, o homem guarda as primeiras expressões da consciência em nível inferior, no qual confunde o eu com o objeto, e a sua é somente uma percepção sen­sorial.

A identificação com o próprio corpo propicia-lhe uma consciência orgânica, deformada, de que se libe­ra a pouco e pouco, avançando para a transferência desse conteúdo para outro nível de discernimento e direcionamento.

No processo de evolução, porque estagia nas fai­xas do instinto que o submete, vai adquirindo outros valores, sem desidentificar-se dos conteúdos fixados, em razão dos quais a marcha se lhe torna muito lenta.

A consciência individual, representando a Cósmi­ca, a princípio parece deslocada e diferenciada. No entanto, o Deus em nós do conceito evangélico refle­te-se nessa percepção embrionária, que se desenvol­verá na sucessão das experiências até liberar-se e al­cançar a totalidade.

De forma penosa, não raro, a libertação dos con­teúdos negativos — paixões dissolventes, apegos, ilu­sões, sentimentos inferiores — faculta os anseios pe­las conquistas de outros níveis, nos quais o bem-estar e a paz formam os novos hábitos, a nova natureza do ser.

A Psicologia tradicional, considerando patológi­cos os níveis superiores, define cada um deles com nomenclatura especial, por desinteresse de penetrar nos estados alterados da consciência, que levariam à constatação do ser preexistente ao corpo como so­brevivente à morte.

No nível de consciência inferior, os estados alte­rados demonstram que muitos desses conteúdos ne­gativos, emergentes e predominantes, procedem das reencarnações passadas, não foram liberados, nem con­seguiram diluir-se através das ações enobrecedoras.

Todos os conteúdos primitivos provêm de realiza­ções e fixações sempre anteriores, que somente as disciplinas do esforço, da concentração, da meditação para a ação, conseguem libertar.

Em razão disso, a meditação é uma terapia valio­sa para superar os conteúdos negativos, com o objeti­vo de liberar o inconsciente, ao invés de esmagá-lo ou asfixiá-lo, e, longe, ainda, de o conscientizar, gerar novas formulações e identificações atuais que, no fu­turo, assomarão como recursos elevados.

Todos os formuladores da consciência superior são unânimes, seja no orientalismo ou na Psicologia Trans-pessoal, em recorrer à terapia da meditação, que fa­culta o autoconhecimento, preenche os vazios causa­dos pela insatisfação, anula o eu corporal — rico das necessidades dos sentidos — para despertar os ideais subjetivos, as transferências metafísicas.

No nível de consciência superior, o eu deixa de ser mais eu, para ser uma síntese e vibrar em harmo­nia com o Todo.

Desaparece a fragmentação da Unidade e o equi­líbrio transpessoal sincroniza com a Consciência Uni­versal.

A característica fundamental do nível inferior, por­tanto, da prevalência dos conteúdos negativos, é a fra­gilidade do Eu profundo ante as exigências do ego atormentado, gerando projeções da sombra e desar­ticulando os projetos de paz.

A Psicologia espírita, por sua vez, cuidando do homem integral, distingue também nos conteúdos psíquicos, negativos, a ingerência de mentes desen­carnadas obsessoras, que se comprazem no intercâm­bio perturbador, propiciando desconforto e aflição em desforços cruéis, mediante alienações de variados cursos.

Ao mesmo tempo, seres outros desencarnados, invejosos quão infelizes, vinculados às criaturas hu­manas por afetividade mórbida ou despeito cruento, estabelecem fenômenos de hipnose que retardam o desenvolvimento da consciência daqueles que lhes experimentam o cerco.

Na psicoterapia espírita, o conhecimento da so­brevivência e do inter-relacionamento entre os seres das duas esferas — física e espiritual — oferece proces­sos liberativos centrados sempre na transformação moral do paciente, sua renovação interior e suas ações edificantes, que facultam o discernimento entre o bem e o mal, propiciando a transferência para o nível supe­rior, no qual se torna inacessível à indução perversa.

A meditação, a busca interna, nessa fase, são re­levantes e cientificamente basilares para o processo de crescimento, de discernimento, de lucidez.

O homem avança no rumo da sua destinação, a passo vagaroso nos primeiros níveis de consciência, por desinteresse, ignorância, apressando a marcha na razão direta em que vence tais patamares e descobre a excelência das conquistas com que se enriquece.

A libertação dos conteúdos negativos é inevitá­vel; no entanto, vários fenômenos patológicos e prefe­rências emocionais, perturbadoras, interferem para que sejam mantidos, sendo necessário que os psico­terapeutas vigilantes insistam junto a esses pacien­tes em que se descubram e encontrem os benefícios dos níveis superiores.

Libertação é felicidade, e consciência enriqueci­da pelos conteúdos superiores significa plenitude, rei­no dos céus, mesmo durante o trânsito terrestre.


32

O Essencial

Face ao inevitável processo de crescimento do Eu profundo, a vida assume características variadas, e as oportunidades se deparam convidativas, acenan­do com a libertação, que somente se consegue a pe­nosos esforços.

Na fase inicial da predominância egocêntrica, o ser projeta-se no mundo com o qual se identifica, apri­sionando-se no emaranhado das coisas exteriores, sob conflitos que não tem condições de administrar, qua­se sempre desequilibrando-se e passando a estados neuróticos de insatisfação, ansiedade, medo ou a alu­cinações variadas.

O apego, essa fixação perturbadora à ímperma­nência, a que pretende dar perenidade, constitui-lhe a meta existencial.

Mais tarde, em tentativas de desvencilhamento da situação psicológica infantil, avança para a posi­ção egoísta, cultivando os valores pessoais, narcisis­tas, com os quais se engolfa, despertando na amargu­ra, sob os camartelos do tempo degenerador e da frus­tração tormentosa.

O essencial, quase sempre, permanece-lhe em plano secundário na paisagem psicológica das aspi­rações conflitivas.

À medida que amadurece, transfere-se das coisas e prisões egóicas para a conquista da sua realidade: o desenvolvimento do Eu profundo que deve predominar comandando os anelos e programas de libertação.

Somente a consciência de si propiciar-lhe-á a vi­são diferenciadora dos fenômenos perturbadores, em relação àqueloutros de plenificação.

Em tentativas brilhantes e sucessivas de pene­trar os níveis, os patamares da consciência, psicólo­gos e estudiosos outros, das áreas das ciências psí­quicas, levantam-lhe a cartografia que, variando de escola e estágio, segue os mesmos processos de de­senvolvimento que são compatíveis com o crescimen­to do ser, conforme as suas experiências vivenciais na busca da saúde real.

Desejando ampliar o campo da análise dos seus pacientes, enquanto Freud fundamentava a Psicanáli­se e a difundia, Roberto Assagioli, na Itália, porque defrontava com dificuldades para aplicar, em alguns deles, as recomendações da doutrina que absorvera do mestre vienense, começou a trabalhar na organi­zação da Psicossíntese, na qual encontrou mais am­plos recursos terapêuticos para liberá-los, assim alar­gando os campos do entendimento das personalida­des conflitivas.

Posteriormente, o bioquímico Robert De Ropp, estudando carinhosamente as reações cerebrais, en­tre outras experiências, e buscando produzir estados alterados de consciência, formulou as bases e os para­digmas da sua Psicologia Criativa, inspirando-se nas experiências de George Ivanovitch Gurdjieff, com os seus complexos contributos psicológicos e cosmoló­gicos místicos.

Buscando interpretar o mestre russo, De Ropp classificou os níveis de consciência em cinco estági­os: consciência de sono sem sonhos; de sono com so­nho; de sono acordado; de transcendência do eu e de consciência cósmica...

Para ele, o homem evolve de maneira inespera­da, às vezes, de um para outro nível, especialmente nos dois primeiros estágios de adormecimento...

Mediante psicoterapia acurada e exercícios cui­dadosos, logra-se o avanço pelos diversos patamares, até a etapa final, que se torna de difícil verbalização face às emoções e descobrimentos conseguidos, nes­se momento de perfeita integração com o que podería­mos chamar o Logos, o pensamento divino.

No primeiro nível — quando se transita no sono sem sonhos — apenas os fenômenos orgânicos automáticos se exteriorizam, assim mesmo sem o conhecimento da consciência, tais: respiração, digestão, reprodução, circulação sanguínea...

Como se estivesse anestesiada, ela não tem ação lúcida sobre os acontecimentos em torno da própria existência, e a ausência de vontade do indivíduo con­tribui para o seu trânsito lento do instinto aos pródro­mos da razão.

No segundo nível, o sono com sonhos, ele libera clichês e lentamente incorpora-os à realidade, pas­sando pelas fases dramáticas — os pesadelos, os pa­vores — para os da libído — ação dos estímulos sexuais

(*) Vide: Rumo às estrelas — Luis C. Postiglioni — Capítulo 20 — Espíritos diversos — Instituto de Difusão Espírita. Médiuns e Mediunidade — Espírito Vianna de Carvalho — Capítulo 5 — Editora Arte e Cultura. - Nota da Autora espiritual.

— e os reveladores — que dizem respeito à parcial liber­tação do Espírito quando o corpo está em repouso...

O desenvolvimento da consciência atinge o ter­ceiro nível, o de sono acordado, no qual a determina­ção pessoal, aliada à vontade, conduz o ser aos ideais de enobrecimento, à descoberta da finalidade da sua existência, às aspirações do que lhe é essencial, ao auto-encontro, à realização total.

Naturalmente, a partir daí, ascende ao quarto es­tado, que é a descoberta da transcendência do eu, a identificação consigo mesmo, com a conseqüente li­beração do Eu profundo, realizando a harmonia ínti­ma com os ideais superiores, seu real objetivo psico­lógico existencial.

A superação dos conflitos, das angústias, a desi­dentificação dos conteúdos psicológicos afugentes, permitem a iluminação, e a próxima é a meta da vin­culação com a consciência cósmica.

Nem sempre, porém, o homem e a mulher conse­guem alcançar esse nível ideal, fenômeno que, não obstante, será realizado através das reencarnações que lhes facultarão a vitória sobre os carmas negati­vos e, mediante as leis de causa e efeito, passo a pas­so, em esforço contínuo poderão fazê-lo.

Da mesma forma, a reencarnação aclara a carto­grafia da consciência de De Ropp, quando ele analisa os níveis que diferenciam os indivíduos na imensa mole humana.

As experiências acumuladas promovem ou retêm o indivíduo nos fenômenos decorrentes das ações praticadas, beneficiando-os ou afligindo-os com as sombras que lhes permanecem dominadoras, na con­dição de resíduos espirituais. A consciência filtra-os e, por não os poder digerir, transforma-os em conflitos, perturbações, estados psicopatológicos, requerendo terapias especializadas e contínuas.

Em qualquer nível, porém, a partir do sono com sonhos, a vontade desempenha um papel relevante, impulsionando o ser a novas realizações e conquistas completadoras que enriquecem o arsenal psicológico, amadurecendo o essencial à vida e selecionando-o do amontoado egóico do supérfluo.

Psicoterapeuta Excepcional com a Sua visão rea­lista e criativa, Jesus definiu a necessidade de bus­car-se primeiro o reino dos Céus, pois que esse fanal ensejaria a conquista de todas as outras coisas. E ób­vio que, ao se adquirir o essencial, todas as coisas perdem o significado, por se encontrarem destituídas de valor face ao que somente é fundamental. Outros­sim, alertou sobre o imperativo de fazer-se ao próximo o que se gostaria que este lhe fizesse, fixando no amor o processo de libertação, na ação edificante o meio de crescimento e na oração fortalecedora a energia que proporciona o desiderato.

Esse desempenho favorece a perfeita identifica­ção do sentimento com o conhecimento, resultando na conquista do Eu profundo em sintonia com a Cons­ciência Cósmica.


NONA PARTE

A FELICIDADE


33

Prazer e gozo

O sentido, o significado da vida centra-se na bus­ca e no encontro da felicidade. Constitui o mais fre­qüente desafio existencial responsável pelas contínu­as realizações humanas. A felicidade, por isso, torna-se difícil de ser lograda e, não raro, muito complexa, diferindo de conteúdo entre as pessoas em si mes­mas e os grupos sociais. Confundida com o prazer, descaracteriza-se, fazendo-se frustrante e atormen­tadora.

A visão da felicidade é sempre distorcida, levan­do o indivíduo a considerar que, quando não se en­contra feliz, algo não está bem, o que é uma conclusão incorreta.

O sonho humano da felicidade é róseo, assinala­do pelo conforto, o ócio e o poder, graças aos quais se desfrutaria de bem-estar e gozo, inadvertidamente considerados o seu logro.

Certamente as pessoas ri­cas dispõem, em quantidade, de horas assim vividas, sem que se hajam considerado felizes, mas antes se encontrado tediosas, e o tédio é, sem dúvida, um dos seus grandes opostos, em cujo bojo fermentam mui­tas desgraças.

A felicidade se expressa mediante vários requisi­tos, entre outros, os de natureza cultural, atavismo que lega ao indivíduo o meio social de onde se origina e no qual se encontra, de nível de consciência e de maturi­dade psicológica.

Esses fatores estabelecem as diferenças de qua­lidade do que é ser feliz, face às variações que im­põem nos grupos e nos seres humanos, demonstran­do que as aspirações de uns nem sempre correspon­dem às de outros.

O nível de consciência e o amadurecimento psi­cológico estabelecem os graus nos quais se expres­sa, as realizações plenificadoras, os estados de feli­cidade.

Perseguindo-se o gozo, o prazer, experimenta-se alegria toda vez que são alcançados, assinalando-se esses momentos como de felicidade que, no entanto, não correspondem ao sentido profundo, de magnitu­de que ela reveste.

A interpretação equivocada conduz a buscas ir­reais, que perdem o significado quando se alteram os fatores que a constituem. A sua visão, em deter­minada época da existência, muda completamente em outro período.

A imaturidade psicológica de uma fase, a juvenil, por exemplo, predispõe a uma aspiração de felicida­de que, conseguida, logo desaparece, e observada mais tarde apresenta-se desagradável, perturbado­ra. Por essa razão, é necessário que se entenda que a felicidade tem a ver com o que o indivíduo é e com o que ele pensa ser. A diferença, entre o que supõe ser e a sua realidade, dimensiona o seu quadro de dese­jos, de prazeres e gozos que interpreta como a bus­ca plenificadora da felicidade.

Assim, a felicidade tem a ver com a identificação do indivíduo com os seus sentidos e sensações, os seus sentimentos e emoções, ou as suas mais elevadas as­pirações idealistas, culturais, artísticas, religiosas, com a verdade.

Na fase dos sentidos, o gozo se transforma de­pois de fruido em insatisfação, ansiedade ou depres­são; no período dos sentimentos, o prazer derrapa em paixões possessivas, que dão margem a tragédias e angústias logo estejam saciados; no ciclo idealista, religioso, transcendental, a busca transpessoal fo­menta a autodescoberta, a auto-realização, a auto-doação, em serviços desinteressados de libertação do ego e participação na vida, individual como coleti­va, dos seres, da vida, da Terra.

Essa busca é diferente da ambição de ser virtuo­so, na qual mascara o ego e apresenta-o, entregando-se a macerações que ocultam gozos patológicos ou a narcisismos, em mecanismos de evasão da realidade para planos egóicos, masoquistas-exibicionistas, com aparência de humildade e renúncia. Quando reais, essas expressões de virtude são ignoradas pelo pró­prio candidato em quem são naturais, sem os condi­mentos do prazer embutidos na fuga psicológica que as falseiam.

Para que a identificação do indivíduo com a sua busca de serviço seja legítima, há uma perfeita união com o self, de tal forma que não haverá diferença entre dar e receber, amar e ser amado, viver e morrer... Apressadamente, há quem afirme que a felicida­de tem a ver com o princípio freudiano do prazer, e que através desse comportamento se poderiam satisfazer as necessidades e evitar a dor. Não obstante, a dor não pode ser evitada. Considerá-la como um fenômeno natural do processo de evolução, encarando-a como instrumento de promoção do ser em relação à vida, eis uma forma eficaz de lograr a alegria, superando os seus mecanismos desgastantes e as ocorrências de­generativas, que não compreendidos e aceitos com equilíbrio conduzem à infelicidade.

Da mesma maneira, a felicidade não se radica na satisfação de qualquer desejo do ego, porqüanto, após satisfazê-lo, manifesta-se com veemência, gerando ansiedade e desconforto.

Surge então a compreensão transpessoal da existência, e o desejo egóico cede lu­gar à aspiração espiritual, a uma busca mais profun­da, desidentificada com os condicionamentos passados com pessoas e coisas. Provavelmente, nessa bus­ca surgirão o sofrimento, o desconforto, que irão ce­dendo lugar à harmonia e ao bem-estar, a medida que se alcancem as bases objetivadas da realização pleni­ficadora. Lentamente desaparece a frustração da vida cotidiana, alargando-se o campo do idealismo e da identificação com a deidade, mediante afirmação reli­giosa ou, com o eu profundo, em manifestação psico­lógica. A princípio, o caminho da busca se afigura es­curo qual um túnel, cuja claridade está distante, mas que se torna maior quanto mais se lhe acerca da saí­da. Essa busca, qual ocorre com qualquer outra, é rea­lizada com a mente, que deve solucionar as dificuldades, à proporção que se apresentem, eliminando o sofrimento perturbador, tratando-se de um contínuo e lúcido trabalho interno.

Na busca da felicidade são inevitáveis os estági­os de sofrimento e de prazer, por constituírem fenô­menos da experiência humana, da realização do self desidentificando-se do ego. O lamentável, nessa ocor­rência, tem lugar com o surgimento e instalação do tormentoso sentimento de culpa, que nega inconsci­entemente ao indivíduo o direito de fruir a felicidade, ou mesmo o prazer, sem o estigma do sofrimento. Para fugir-lhe à imposição, busca-se o oceano do gozo, afo­gando ali os ideais mais altos na denominada opção realista, que entretanto consome os sentimentos e perturba as emoções, saturando-os ou desbordando-­os, rebaixando-os ao nível das sensações.

Há um mecanismo castrador impeditivo da ex­periência do prazer, que podemos considerar como sendo inibição. Além dele, a consciência de culpa conspira contra a realização da felicidade.

Tão arrai­gada se encontra no ser humano, que toda vez que as circunstâncias propiciam a presença do prazer — a pes­soa crê não merecer desfrutá-lo — ou da felicidade — o indivíduo receia vivê-la, não se permitindo experien­ciá-la — surge o temor de que algo mau sucederá.

Para desarticular es se mecanismo conflitador, torna-se necessária uma tomada de consciência de si mesmo, procurando descobrir a fonte geradora da inibição, para a psicoterapia libertadora convenien­te, que pode ter origem na conduta infantil — educa­ção coercitiva, meio social asfixiante, família domina­dora — ou proceder de reencarnações passadas — uso incorreto do livre-arbítrio, conduta irregular, exagero de paixões. Tal inibição, associada ao sentimento de culpa, castiga o ser, impedindo-o de fruir momentos de recreação, de ócio, levando-o a tormentos quando não se encontra produzindo algo concreto, o que se lhe torna uma necessidade compulsiva, portanto patológica.

Certamente não se deve viver para a ociosidade dourada, tampouco, exclusivamente, para a atividade estressante. Há todo um rico arsenal desportivo, um infinito painel de belezas naturais convidativas, um sem-número de estesias mediante a leitura, a arte, a conversação, um abençoado campo de idealismo atra­vés da prece, da meditação, do controle da mente, que se constituem tônicos revigorantes para as ações ge­radoras da felicidade e dos quais todos podem e de­vem dispor quanto aprouver. Esses interregnos nas atividades, enriquecidos de prazeres mais amplos, são estímulos para a criatividade, a libertação de car­gas psicológicas compressivas, a auto-realização.

Essa busca, do self profundo, deve superar e mes­mo arrebentar as resistências inibidoras, o sentimen­to de culpa, cujas energias serão canalizadas para a conquista da felicidade.


34

Felicidade em si mesma

Considerando a felicidade como sendo a harmo­nia entre o ego e o self, o descobrimento dos valores profundos do ser e a consciência da sua legitimidade que induz a conquistá-los, eleger os métodos da ple­nificação interior torna-se o próximo passo nessa bus­ca desafiadora.

Quem coloque a felicidade como sendo a conquis­ta de títulos e triunfos mundanos, destaque social e poder, desfrutar de privilégios e dinheiro, não saiu da periferia imediatista dos prazeres sensuais, que res­pondem pela competitividade e pelo desequilíbrio da emoção.

Jesus definiu com segurança o conceito pleno de felicidade, no conteúdo do pensamento meu reino não é deste mundo, tendo em vista a impermanência da vida física, a transitoriedade do ser existencial, ter­restre, em constante transformação, no seu contínuo vir-a-ser.

A criatura não é o que se apresenta, nem como se encontra. Esse estado impermanente é trânsito para o que se será. Em prazer ou em sofrimento, não se é isso, mas se está isso, conscientizando-se do conti­nuum no qual se encontra mergulhado.

O empenho para a busca da felicidade conduz àeleição de objetivos fora do mundo físico.

Todavia, não é necessário alienar-se do mundo, odiá-lo, para con­seguir por meio de transferências e fugas psicológi­cas. A meta além do mundo se estabelece como prio­ritária, porque, na vida terrestre, o que se constitui essencial numa faixa etária, noutra se transforma em pesada carga, responsável por arrependimentos e angústias insuportáveis. De acordo com as mudanças e realizações culturais, alteram-se os objetivos da bus­ca, superando-se uns anseios e surgindo outros.

Por isso, os valores sensuais tendem a produzir vazio, e as conquistas existencialistas perdem os seus conteú­dos, logo são alcançadas, transformando-se em tédio.

Parte da Unidade Universal e individual nela, o ser humano pode desfrutar dos fenômenos existenci­ais, sem abandono da meta transpessoal, como de­graus vencidos na ascensão que levará ao patamar da felicidade. Quando se adquire a consciência da unidade e da valorização de si mesmo, sem a presun­ção narcisista do excesso de auto-importância, avan­ça-se na busca, desenvolve-se interiormente, acende-se a luz da determinação de fazer-se feliz em quais­quer circunstâncias, em todos os momentos, prazen­teiros ou não. Embora a felicidade não dependa do prazer, o prazer bem estruturado é-lhe caminho. A sua ausência, no entanto, em nada a afeta, por estar acima das sensações e emoções imediatas.


35

Condições de felicidade

Como decorrência de uma visão caótica e pessi­mista da vida, estabeleceu-se que a felicidade resulta do triunfo em qualquer área e dos prazeres de rápido deleite, o que deu origem aos de natureza material, portanto sensuais, como o orgasmo, o dinheiro, o êxi­to com todo refinamento de sucedâneos, desde a alimentação aos relaxantes banhos, massagens, varia­ções de moda, frivolidades... Apesar do bem-estar que proporcionam, cedem lugar a outros anseios, convertendo-se em tormentos — conscientes ou não — ge­radores de conflitos por competitividade, como di­ante do inevitável desgaste corporal face à idade e àdoença, às fugas espetaculosas para os alcoólicos, drogas aditivas, tabaco ou depressões profundas...

Além desses, surgem, como metas felizes, os pra­zeres emocionais, que induzem aos relacionamentos humanos, promocionais, de lideranças e representa­ções sociais, políticas, econômicas, religiosas, porta­doras de grande valorização para o ego.

Essas metas, que são gratificantes, também têm o sentido do efêmero, tão rápidos são os relaciona­mentos, e perturbadores os status humanos, que não preenchem os vazios interiores.

Somente quando há uma reciprocidade honesta nesses relacionamentos, quando o intercâmbio se expressa leal e afetivo, é que a felicidade se estabelece, visto que, do ponto de vis­ta psicológico transpessoal, ela é o amar, possuir a capacidade de amar plenamente, sem imposições nem paixões egóicas.

Esse amor não pede e sempre doa; não tenta mo­dificar os outros e sempre se aprimora; não se rebela nem se decepciona, porqüanto nada espera em retri­buição; não se magoa nem se impacienta — irradia-se, qual mirífica luz que, em se expandindo, mais se potencializa.

Porque esse amor não tem apego, nunca é pos­sessivo, portanto faz-se libertador, infinito, não se con­fundindo com a busca do relacionamento sexual, que pode estar embutido nele, sem lhe ser causalidade. O prazer que gera na comunhão dos sentidos não éfundamental, embora seja contributivo.

A saúde, nos seus vários aspectos, depende mui­to do amor, especialmente a de natureza psicológica, emocional, resultante, quase sempre dos relaciona­mentos íntimos, conjugais, como mecanismo comple­tador da harmonia pessoal. Esse contributo do amor preserva também o equilíbrio mental, sem o qual a felicidade se torna uma utopia paranóica. Nesse caso, o relacionamento proporciona um bem-estar igualmen­te físico e espiritual, já que não se pode dissociá-los, enquanto na conjuntura carnal.

Para esse amor de plenitude torna-se indispensá­vel uma entrega autêntica, sem subterfúgios, sem aparências, fazendo-se que sejam retiradas as más­caras e as sujeições.

A felicidade se estabelece quando os dois níveis — físico e mental — harmonizam-se, ensejando o prazer emocional e transpessoal.

Nesse passo alcança-se, mediante a criativida­de, o prazer mental, o bom direcionamento da men­te, que consegue alterar para melhor a compreensão do mundo.

Esse sentido da vida, essa finalidade induz a sa­crifícios de bens, riquezas, relacionamentos, para a entrega à inspiração, do significado à busca da felici­dade. Tal prazer não se restringe apenas à arte em si mesma, ou à cultura, porém, à vida e aos seus valores, às realizações no campo pessoal, com vistas ao bem da humanidade, à superação do ego.

Um dos pontos-chave da desdita, como dos con­flitos, reside na evocação dos acontecimentos infantis menos felizes, que ressumam freqüentemente em res­sentimentos e torturas.

A crença indevida de que a infância tranqüila, descuidada, sem preocupações, seria um período sem traumas, nem sempre cor­responde à realidade. Sem dúvida, uma infância rósea é fator positivo, porém, não essencial à felici­dade.

Certas constrições e castrações, o relacionamen­to com a mãe, as inibições e pavores infantis geram inegavelmente tormentos que surgem e ressurgem em todos os demais períodos da existência. Apesar dis­so, em uma visão transpessoal da vida e do ser, cada um traz consigo as predisposições comportamentais e cármicas para a atual experiência, convivendo com os fatores que merece, graças aos quais deve amadu­recer emocionalmente e dispor-se para a auto-realização.

Qualquer tipo de crescimento, especialmente psi­cológico, redunda em sofrimento emocional.

A liber­tação de uma fase — infantil, adolescência, idade da razão — ocorre como se fora um parto com dor, culmi­nando, biologicamente, com a terceira idade, quan­do se dá a morte do invólucro carnal.

Os períodos infantil e adolescente são decisivos na existência, e todas as pessoas passam por dificul­dades e crises durante a formação da personalida­de, favorecendo conflitos compreensíveis, que levam à independência pessoal. Nem todos logram vencer as tensões internas e externas que se estabelecem a partir de então. E, no entanto, nessa fase que se defi­nem os rumos futuros do comportamento, necessi­tando-se de psicoterapias emocionais e espirituais, próprias para a libertação. Mesmo essa ocorrência, feliz ou desventurada, e sua aceitação, com o conse­qüente crescimento, têm a ver com a estrutura pro­funda do self, a realidade do Espírito.

Naturalmente, as recordações infantis positivas ficam submersas, sob aquelas negativas, em razão da valorização do desagradável marcar mais o ser, do que os outros, que deveriam ser mais considerados. Tra­ta-se de um atavismo masoquista inconsciente, que predomina em a natureza humana. Assim, os proble­mas existenciais podem perturbar a identidade, quando o ser é frágil, psicologicamente, e sem expe­riências desafiadoras, espiritualmente. Mesmo nas infâncias assinaladas por dificuldades, há muita be­leza a recordar e momentos inesquecíveis, que são inerentes a essa fase, exceção feita às personalidades psicopatas e arredias, que cultivam, no seu mu­tismo ou exacerbação, os conflitos de que padecem.

Seja, porém, qual for a herança infantil que se car­regue, a busca da felicidade não deve sofrer solução de continuidade, especialmente se as vivências são conflitivas, merecendo, nesse caso, mais intensidade de reidentificação com o self.

Avançando-se terapeuticamente para a libertação dos traumas, com a fixação dos propósitos e logros de saúde emocional, consegue-se dar o passo primeiro para a conquista da felicidade que logo virá.

Nos períodos de formação da personalidade — in­fância e juventude — é comum orientar-se o educando para as conquistas externas a qualquer preço, iden­tificando os valores sociais e econômicos, não raro em detrimento da realização interior. Somente quando são estabelecidas metas de triunfo íntimo, é que se alcança a correta identificação do ser com os lídimos objetivos da reencarnação.

Nessa fase de indefinição, muitos indivíduos são induzidos a satisfazer as ambições malogradas ou vi­toriosas dos seus pais, educadores e chefes, que pro­jetam sua sombra nos filhos, alunos e subordinados, sem pensarem na realização pessoal dos seus depen­dentes.

Essa conduta é responsável por muitos conflitos, que impedem um discernimento claro do que seja re­almente a felicidade. Diante disso, a idade da razão pode apresentar-se atemorizante e perturbada por contínuas crises existenciais.

Constatar que as conquistas feitas não são pleni­ficadoras, defrauda as aspirações e tira o sentido da vida, O triunfo e o fracasso externo também produ­zem a mesma frustração e incompletude.

Nesse período, a constatação do tudo efêmero impulsiona o ser na direção da felicidade, e é nesse nível de consciência que a busca alcança os patama­res elevados do amor desinteressado, da paz íntima e da realização espiritual, que são as condições es­senciais para culminar no encontro.

A partir daí, a reflexão se torna freqüente, a ora­ção faz-se natural e a meditação é um reconforto nor­mal. Amadurecendo, o indivíduo irradia do mundo in­terior o bem-estar e passa a fruir de felicidade.

Isto não o impede de ter problemas, que passa a administrar com equilíbrio, não se perturbando, nem se deprimindo com eles.

São os problemas, solucionados, que proporcio­nam maturidade e harmonia íntima. Sem eles, como exercícios, torna-se improvável o êxito.


36

Plenificação pela felicidade

Todo cometimento decorre da planificação men­tal, o que é fator de triunfo ou não, de acordo com o investimento da razão. Para a plenificação do ser, me­diante a felicidade, o treinamento mental e emocional torna-se preponderante, a fim de facultar o nível de consciência compatível.

Não há vitória sem esforço. Com a mente e a emoção tranqüilas, experimenta-se o prazer transpessoal plenificador, gerando o campo para a capacitação intuitiva. Com ela, mediante o silêncio da mente e a calma dos anseios do corpo, o self é penetrado em profundidade, e a sua percepção da realidade aumenta, facultando-lhe a conquista do co­nhecimento — a sabedoria que decorre da informação e da ação do amor — que o projeta em outras di­mensões do Espírito.

Agigantando-se a consciência, o ser alcança a paranormalidade superior e inter-relaciona-se com os seres de faixas espirituais mais elevadas, vivendo no corpo e fora dele em plenitude.

Assim alcança a iluminação, a bem-aventurança, que são as expressões máximas da felicidade.

O encontro com a vida espiritual pujante se torna uma perene fonte de alegria, refletindo-se em todas as coisas e pessoas.

A consciência, portanto, iluminada, é a responsá­vel final pela felicidade. No começo é apenas vislum­brada, intuída, até tornar-se realidade, sem a necessi­dade de alienação do mundo.

Todos os seres humanos têm direito à felicidade e devem fruí-la, desde as suas mínimas expressões às mais grandiosas, em todo o painel da existência.

Com a visão transpessoal da felicidade, tudo e todos devem ser vistos, sentidos e amados como são. A consciência os absorve com a sua estrutura.

Não seja a felicidade, no entanto, o resultado da indução externa ou de uma auto-sugestão, pois que se tornaria um engodo proposto e conseguido pelo inconsciente.

A intimidade, a identificação com a unidade, de forma persistente e natural, propiciam o manifestar da felicidade, permitindo uma entrega consciente ao self plenificador.

A felicidade é, portanto, uma forma de viver e, para que se torne permanente, é necessário que seja adquirido o nível de consciência do Espírito, e isto co­meça quando se descobre e se atenta para o que realmente se deseja da vida além dos níveis imediatos do gozo e do prazer.


DÉCIMA PARTE

CONQUISTA DE SI MESMO


37

O homem consciente

Gurdieff, o eminente psicólogo russo, em uma análise feliz a respeito do homem, referiu-se aos dois estados em que o mesmo se apresenta como decor­rência do seu nível de consciência: adormecido e des­perto.

O trânsito pela reencarnação enseja ao ser o de­senvolvimento dos valores éticos, ampliando-lhe o espaço mental para as conquistas relevantes.

Ao mesmo tempo, quando entorpecida a consci­ência, antes lúcida, o indivíduo deixa-se conduzir atra­vés do mergulho nas distrações, que lhe constituem os interesses máximos do dia-a-dia, olvidando as quali­dades superiores que propiciam realmente a felicidade.

Essas distrações prendem-lhe a atenção e detêm-lhe o processo de busca interior, empurrando-o para as fugas espetaculosas e as transferências das metas prioritárias, importantes, para aquelas que enganam, apaixonando-o e levando-o às conquistas vazias das coisas que não proporcionam mais do que o breve bem-estar da volúpia egoística do momento, expres­sa nos prazeres que logo se esfumam.

Quando convidado às reflexões profundas a res­peito da sua realidade como ser imortal, encharcado pelas paixões como se encontra, não consegue deter-se em uma demorada análise de si mesmo, porque logo os pensamentos se expandem em várias dire­ções, afugentando-o do objetivo essencial propicia-dor do auto-encontro.

Saciado pelo gozo, embora atormentado pelo de­sejo de novos prazeres, a sua fixação mental é somen­te possível quando se refere ao campo das sensações, nas quais chafurda até a exaustão, para retornar à posição anterior de ansiedade e insatisfação.

Acostumado às idéias do imediato, que trazem respostas momentâneas, logo a seguir, qualquer pro­jeção no tempo constitui-lhe sacrifício vão, porqüanto não se dispõe a levar adiante a proposta inicial de realização demorada.

Os indivíduos, psicologicamente adormecidos, são ainda fisiológicos, não obstante possam estar projetados na sociedade e até mesmo bem considerados por ela.

Despertar significa identificar novos recursos ao alcance, descobrir valores expressivos que estão des­perdiçados, propor-se significados novos para a vida e antes não percebidos...

O despertamento retira o véu da ilusão e faculta a percepção da realidade não fugidia, aquela que pre­cede a forma e permanece depois da sua disjunção.

Estar desperto é encontrar-se participe da vida, estuante, tudo realizando com integral lucidez.

E mesmo o ato de dormir, para a aquisição do repouso físico, porque precedido de conhecimento do seu objetivo, torna-se um fenômeno de harmonia, sem os assaltos de clichês mentais arquivados, que asso­mam em forma de pesadelos tormentosos.

A fixação do despertamento resulta dos insisten­tes e contínuos espaços da mente, preenchidos pelo desejo veemente de adquirir lucidez.

Tudo quanto faz, realiza-o de forma consciente, desde o ato de coçar-se, quando concentrado, até o de superar o cansaço com o seu séquito de indisposi­ções orgânicas e psíquicas.

Estar desperto é mais do que encontrar-se vivo, do ponto de vista fisiológico, superando os automatis­mos, para localizar-se nas realizações da inteligência e do sentimento enobrecido.

As distrações habilmente se disfarçam, justifican­do trabalho exaustivo, repouso demorado, conversa­ções prolongadas, caminhadas e ginásticas que con­somem horas, e que, não obstante úteis, desviam da meta essencial que é o despertamento de si mesmo.

Há uma generalizada preferência humana pelas distrações, pela fuga da realidade, consumindo-se tempo e saúde no secundário, com desconsideração ou por ignorância do essencial.

Lentamente, por processo de saturação das dis­trações ou pelo imperativo de novas reencarnações, o homem aspira à conquista de outros níveis de cons­ciência e emerge do sono, passando a identificar o atraso em que se encontra, diante das infinitas pos­sibilidades de que dispõe.

Altera-se-lhe então a visão para a auto-identifica­ção, entendendo que o largo período de sono é res­ponsável pela existência dos inúmeros conflitos que o aturdem, das contradições entre o que pensa e o que faz, entre ao que aspira e o que realiza, manten­do a sensação permanente de incompletude.

Quando anestesiado no nível de sono, sente a mesma necessidade de completar-se, porém, identi­ficando os meios para o tentame, arroja-se mais nas experiências do instinto, frustrando-se e sofrendo.

A razão propele-o para a tomada de consciência e, nesse estado, à medida que se envolve na liberta­ção das cargas psicológicas opressoras, asfixiantes, passa a fruir emoções que o enlevam, aumentando o número de vivências dos logros íntimos, que lhe cons­tituem degraus e patamares a galgar, tendo em men­te o acume, que será a perfeita conscientização de si mesmo.

Ser consciente significa estar desperto, respon­sável, não-arrogante, não-submisso, livre de algemas, liberado do passado e do futuro.

Cada momento atual é magno na vida do homem consciente, e tudo quanto se propõe realizar, ao invés de tornar-se desafio, é-lhe estímulo ao prosseguimen­to tranqüilo da iluminação interior.

Usa a inteligência e aplica o sentimento em per­feita interação, avançando sempre, sem recuos nem amarguras.

Certamente experimenta as contingências da vida social, dos prejuízos políticos, das injunções do corpo, sem que tais ocorrências o desanimem ou o infelici­tem.

Consciente desses fenômenos, mais se afervora na busca da harmonia, conquistando novas áreas que antes permaneciam desconhecidas.

Age sempre lúcido, e cada compromisso que assume, dele se desincumbe em paz, sem a preocupa­ção de vitória exterior ou mesmo de superação.

A autoconquista é-lhe um crescimento natural e não-perturbador, assinalado pelo aprofundamento da visão da vida, totalmente diverso do comum, passan­do-a a transpessoal, portanto, espiritual.

Harmonizando aspirações e lutas, buscas e reali­zações, o homem consciente vive integralmente todos os momentos, todas as ações, todos os sentimentos, todas as aspirações.


38

Ter e ser

Remanescem da infância física traços de insegu­rança, e conflitos perduram na idade adulta, em razão da falta de maturidade psicológica do ser, expressan­do-se como apegos às coisas e pessoas, com a conse­qüente rejeição de si mesmo, instabilidade emocional e desajuste social.

Usando os conhecidos mecanismos de evasão da responsabilidade e sentindo-se fragilizado, o indiví­duo busca a auto-realização, fixando-se em valores externos como forma de destaque no grupo social, ig­norando a sua realidade profunda.

Sentimentos egocêntricos passam a aturdi-lo e, inconscientemente, acredita-se merecedor de tudo em primeiro lugar, com desconsideração pelos de­mais. Quando tal não ocorre, surgem-lhe as marcas predominantes do egoísmo e passa a reunir recursos que amontoa satisfazendo o ego, mesmo quando atin­ge os picos do poder ganancioso.

A imaturidade asselvaja-lhe e obnubila-lhe a ra­zão, que permanece asfixiada pelos tormentos do ter, enlouquecendo, a pouco e pouco, a sua vítima, cada vez mais ansiosa por novos haveres.

Ninguém vive bem sem a segurança de si mes­mo. Quando esta não decorre do auto-encontro liber­tador, é buscada através dos meios externos, que en­volvem o seu possuidor em preocupações de aumen­tá-las, em medos de perdê-las, passando à angústia de mais assegurar-se da sua retenção. Como efeito, vai traído pela concupiscência da posse, tornando-se possuído pelo objeto que supõe possuir.

Desperta-se-lhe em grau crescente a avareza que o amarfanha, e, depois da alegria fugaz da posse material, transfere-se para a ilusão da dominação ar­bitrária de outras vidas, de outras pessoas, acredi­tando-se capaz de detê-las, subjugá-las como con­quistas a mais.

Autodesprezando-se, graças à insegurança ínti­ma, não se considera merecedor de afetos, supondo que, quantos se lhe acerquem, estão interessados no que ele tem, e jamais no que é.

Porque se sente sem possibilidade de amar, em­bora lhe irrompam episódios de afetividade, que con­verte em paixões de gozo imediato, não crê que pode ser amado com desinteresse pelos seus haveres.

Assim não sucedendo e vindo a consorciar-se, ele o faz mediante cláusulas de separação de bens, bens que lhe são alicerces de segurança no inconsciente.

Com a percepção embotada, mede os fenômenos existenciais com os instrumentos da atividade contá­bil, considerando triunfadores somente os que dis­põem de contas bancárias volumosas, latifúndios lar­gos e semoventes aos milhares...

A sua louca ambição torna-o misantropo, deten­do-o no pórtico das grandes realizações, sem a cora­gem moral para atravessá-lo, amesquinhando-o. Se vence o medo de doar algo e o realiza, necessita de ter o ego recompensado pela gratidão, passando àcondição de benfeitor, quando tudo no mundo, com o seu caráter de transitoriedade, faz, das criaturas aqui­nhoadas, mordomos que prestarão contas, ou servi­dores encarregados de bem aplicar, qual o ensina­mento de Jesus através da parábola dos talentos no Evangelho.

O bom aplicador, além dos juros que recebe, ex­perimenta o júbilo da realização, a imensa alegria do serviço, exteriorizada no bem-estar que proporciona.

Ninguém tem coisa alguma no mundo: nem cor­po, nem valores amoedados, nem pessoas sob domí­nio... A incessante transformação, vigente no Cosmo, tudo altera a cada instante, e o vivo de agora estará morto logo mais; o dominador torna-se vítima; o cor­po se dilui; os objetos passam de mãos...

Todo aquele que busca a posse, o ter e reter, per­manece vazio de sentimentos e, porque nada é, en­che-se de artefatos e coisas brilhantes, porém mor­tas, prosseguindo cheio de espaços e abarrotado de preocupações afugentes.

O objetivo da vida humana parte do ponto inicial no corpo — a infância — e cresce sem perder o contato com a sua realidade original, ser transcendental que é. Chegando à realização da consciência, deve expan­di-la, enquanto mais se autopenetra e descobre no­vos potenciais a desenvolver.

Ser consciente de si mesmo é a meta existencial, conseguindo o auto-amor que desdobra a bondade, a compaixão, a ação benéfica em favor do próximo.

Alguns psicólogos transpessoais concluem que, à meditação transcendental — abstrata—, os sentimen­tos de amor e autodoação — concretos — devem pre­valecer emulando o indivíduo a ser integral, realiza­do, capacitado para a felicidade.

Os conflitos então cedem lugar, quando os seus espaços são preenchidos pelas realizações expressi­vas, libertadoras.

A autovalorização não-egoísta, despretensiosa, permite o encontro do self, que se desvela com infini­tas possibilidades. Rompem-se os limites que ames­quinham e ampliam-se as áreas de produção que en­grandecem.

Correspondendo a esse estágio, o amadurecimen­to psicológico faz que o indivíduo cresça sempre e cada vez mais, reconhecendo a sua pequenez, que se agranda ante a excelência da Vida que ele con­quista.

O individualismo que nele prevalecia cede lugar ao amor que convive e se expande na direção dos ou­tros, aqueles que constituem a sociedade na qual se encontra, passando a trabalhá-la, a fim de que tam­bém ela seja feliz.

A vaidade, o narcisismo, que existiam na sua per­sonalidade, desaparecem por ausência da vitalidade fornecida pelo ego inseguro, que tinha necessidade de sobreviver, já que o self se encontrava soterrado no desconhecimento.

A conquista do si é realização que independe do ter, do reter, mas que não prescinde do interesse e da luta enviada para ser.

A segurança psicológica do indivíduo centraliza-se no autoconhecimento, na auto-identificação, no auto-amor, no ser.


39

A conquista de si mesmo

A aquisição da consciência demanda tempo e es­forço humano, tornando-se o grande desafio do pro­cesso da evolução do ser.

Surgem-lhe os pródromos, na fase do instinto, abrindo espaço para a razão, como fenômeno natural do desenvolvimento antropológico-psicológico-socio-lógico da criatura.

O discernimento do bem e do mal, do certo e do errado, e as aquisições ético-morais aparecem, como se fossem o medrar espontâneo da essência divina de que é constituído o Espírito; todavia, o aprimoramento e a profundidade desses valores dependem do empenho, do interesse, das realiza­ções de cada um.

Herdeiro dos arquétipos remotos dos seus ante­passados, o indivíduo mantém por atavismos religio­sos e culturais a consciência de culpa, especialmente os ocidentais, vitimados pelas heranças judaico-cris­tãs, no que diz respeito à desobediência de Eva, no paraíso, e ao fratricídio cometido por Caim contra Abel.

A divina punição de Deus pela rebeldia da mulher e pela insensatez do homem, que a seguiu no erro, responde pelo sofrimento que os acicata, assim como a expulsão do criminoso aumenta-lhe a angústia, dan­do-lhe margem ao ciúme doentio e à raiva, conside­rando a preferência injustificável de Deus por Abel, cujas oferendas mais O agradavam...

A absurda aceitação literal do texto bíblico, que tem um caráter simbólico, quiçá para demonstrar o momento em que surge a consciência, — quando o ser pode identificar o que deve, daquilo que não lhe é lícito realizar, saindo do automatismo do instinto para a seleção do discernimento racional, representados no mito da Árvore do conhecimento do bem e do mal —devido a interpretações apaixonadas e fanáticas, ge­rou conflitos que ainda remanescem nas vidas psico­logicamente imaturas.

Na fase do instinto, os fenômenos biológicos au­tomáticos não se fazem acompanhar das dores, que são maiores conforme mais seja apurada a sensibili­dade, qual sucede na ocorrência do parto, que passou a ser punição divina, tornando a procriação um verda­deiro castigo, fruto ainda da desobediência que, mile­narmente, transformou a comunhão sexual em conde­nável e imunda, do ponto de vista puritano e hipócrita.

Fonte de vida, o sexo é o instrumento para a per­petuação da espécie, não sendo credor de qualquer condenação. O ultraje e a vulgaridade, a nobreza e a elevação amorosa mediante os quais se expressa, de­pendem do seu usuário e não da sua função em si mesma.

Igualmente a arbitrária eleição celeste de um por outro irmão, ambos gerados em circunstâncias iguais, teria que despertar ressentimentos contraditórios, de ciúme e de raiva, no rejeitado, que levariam inevita­velmente ao hediondo fratricídio...

De geração em geração, a criança que se sentia desprezada, desenvolveu esses sentimentos perver­sos, perturbando o desenvolvimento da consciência e a conseqüente conquista de si mesmo.

Em qualquer atividade, competitiva ou não, o in­consciente desatrela a insegurança infantil, ali ador­mecida, e surgem os conflitos, a infelicidade, a des­confiança desastrosa.

Graças, porém, à reencarnação, o progresso do ser é imperioso, inevitável, e os mecanismos da evolução se expressam, trabalhando-o e promovendo-o a níveis e patamares cada vez mais elevados, até quando o ser, liberto dos conflitos, conquista os sentimentos que canalizará na direção de novas metas, que alcança realizando-se, plenificando-se.

Já não luta contra as coisas, mas luta pelas coi­sas, que aprende a selecionar e qualificar, abando­nando, por superação, as paixões dissolventes e fi­xando os valores que enobrecem.

Percebendo-se instrumento da vida, que faz par­te da harmonia do Universo, o indivíduo supera a rai­va, por ausência do ciúme, e não compete para des­truir, mas trabalha para fomentar o progresso, no qual se engaja e se realiza.

A conquista de si mesmo resulta, portanto, do amadurecimento psicológico, pela racionalização dos acontecimentos, e graças às realizações da solidari­edade, que facultam a superação das provas e dos sofrimentos, os quais passam então a ter um com­portamento filosófico dignificante — instrumentos de valorização da vida — ao invés de serem castigos àculpa oculta, jacente no mundo íntimo.

A libertação dessa consciência doentia facilita o entendimento do mecanismo da responsabilidade no comportamento que estabelece o lema: A cada um conforme os seus atos, segundo ensinou o Terapeuta Galileu.

Senhor do discernimento, o homem descobre que colhe de acordo com o que semeia, e que tudo quanto lhe acontece, procede, não tendo caráter castrador ou punitivo. Sente-se emulado a gerar novos futuros efei­tos, agindo com consciência e produzindo com eqüi­dade. Tal conduta proporciona-lhe a alegria que provém da tranquilidade da realização, considerando que sem­pre é tempo de reparar, e postergação é-lhe prejuízo para a economia da sua plenificação.

O homem que se conquista supera os mecanis­mos de fuga, de transferência de responsabilidade, de rejeição e outros, para enfrentar-se sem acusação. sem justificação, sem perdão.

Descobre a vida e que se encontra vivo, que hoje é o seu dia, utilizando-o com propriedade e sabedoria. Não tem passado, nem futuro, neste tempo intempo­ral da relatividade terrestre, e a sua é uma consciên­cia atual, fértil e rica de aspirações, que busca a inte­gração na Cósmica, que já desfruta, vivendo-a nas expressões do amor a tudo e a todos intensamente.

A conquista de si mesmo é lograda mediante o querer.

Jesus afirmou que se poderia fazer tudo quanto Ele fez, se se quisesse, bastando empenhar-se e en­tregar-se à realização. Para tanto, necessário seria a fé em si mesmo, nos valores intrínsecos, que seriam desenvolvidos a partir do momento da opção.

Francisco de Assis, o santo, assim quis e o conse­guiu.

Apóstolos do bem, da ciência e da fé, do pensa­mento e da ação quiseram, e o lograram.

Homens e mulheres anônimos entregaram-se aos ideais que lhes vitalizaram as existências e, superan­do-se, autoconquistaram-se.

A conquista de si mesmo está ao alcance do que­rer para ser, do esforçar-se para triunfar, do viver para jamais morrer...

Fim